“Constituição, Lei Penal e Jurisdição Constitucional”
Professora Doutora Maria João Antunes
As relações entre a constituição, a lei penal e a jurisdição constitucional são hoje uma realidade incontestável, não obstante, as relações entre a lei penal e a constituição serem já patentes por exemplo na declaração dos direitos do Homem e do cidadão de 1789, a problematização de tais relações foi evoluindo e adquiriu novos contornos com a passagem da constituição limite da lei penal para a constituição fundamento da lei penal da intervenção penal. Fez-se uso o entendimento (que ainda é o de hoje), que é a constituição que define as balizas da legitimação tanto material como formal do direito penal. Perspetivar a constituição também como um fundamento e não como um mero limite do direito penal, pode significar muito mais de que afirmar que o direito penal não pode contrariar a constituição, que certas normas incriminadoras são ilegítimas, que há bens jurídicos que devem ficar à margem da intervenção penal ou que certas sanções não são admissíveis. De um ponto de vista mais radical, perspetivar a constituição como fundamento do direito penal, é ver dela um modelo de intervenção penal que impõe ao legislador de fora e a partir de cima vinculando tanto quanto aos fins, tanto quanto aos instrumentos de tutela. Se em Itália é ao nome de Franco Bricola que associamos a passagem, na primeira parte dos anos setenta do século passado, da constituição limite à constituição também fundamento, em Portugal é incontornável o nome de Figueiredo Dias, logo na primeira parte dos anos oitenta, uma vez que nessa altura defendeu que a ordem de valores jurídico-constitucional constitui o quadro de referencia e simultaneamente o critério revogativo do âmbito de uma aceitável e necessária acuidade punitiva do Estado. Na passagem da Constituição de limite a fundamento do direito penal, é inevitável considerar a evolução de um conceito formal crime, para um conceito material que se constitui, enquanto conceito material que é, em padrão critico do direito vigente e do direito a constituir, enquanto critério de criminalização e de descriminalização de comportamentos, mais propriamente a evolução para o conceito material de crime assente na função de tutela de bens jurídicos mostra-nos que o conceito de bem jurídico funciona aqui como um padrão critico de normas penais, já vigentes e também das normas penais futuras e é um padrão critico relativamente ao qual é indispensável então a referencia à ordem axiológico-constitucional. Isto é de tal forma que são autonomizados enquanto parâmetros de fiscalização da constitucionalidade de normas penais incriminadoras e não apenas enquanto diretrizes politico-criminais dirigidas ao legislador, princípios como na formação de Figueiredo Dias, o principio jurídico constitucional do direito penal do bem jurídico, o principio constitucional da ofensividade, tão acolhido na doutrina italiana por exemplo, e o principio constitucional da proporcionalidade, que é acolhido noutros países e em outros tribunais. Quanto ao tribunal constitucional português, ele tem usado como parâmetro de controlo da constitucionalidade das normas que dizem o que é crime, o princípio jurídico-constitucional do direito penal do bem jurídico. Há aqui uma clara influencia do pensamento de Jorge de Figueiredo Dias e uma clara influencia deste pensamento que de certa forma se antecipou àquilo que hoje poderíamos colher da doutrina jurídico- constitucional. Este princípio jurídico-constitucional do direito penal do bem jurídico desenvolve-se a partir dos critérios da dignidade penal do bem jurídico e da necessidade da intervenção penal, isto com fundamento no artigo 18ºnº2 da CRP que dispõe que as restrições legais ou os direitos, liberdades e garantias, nos casos expressamente previstos na constituição, têm de se limitar ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Podemos dizer que na parte final do nº2 do artigo 18º CRP, está o critério da dignidade penal do bem jurídico (o bem jurídico só tem dignidade penal se a incriminação for para a salvaguarda de outros direitos ou de interesses constitucionalmente protegidos, é isso que dá dignidade penal ao bem jurídico que queremos proteger) e também neste artigo 18ºnº2 CRP, quando imediatamente se diz que tem que se limitar ao necessário, aqui está claramente o critério da necessidade da intervenção penal. Note-se que o artigo 18ºnº2 da CRP não é originário da constituição de 1976 e portanto mesmo antes de ser introduzido na CRP, já Figueiredo Dias tinha este entendimento e que depois acabou por encontrar aqui um fundamento positivo no art. 18º nº 2 CRP e dizer também que à luz deste parâmetro, o tribunal constitucional (parâmetro este que corresponde ao principio jurídico- constitucional do direito penal do bem jurídico) já apreciou diversas normas incriminatórias em matérias tao distintas quanto a da interrupção voluntaria da gravidez, a do trafico de drogas, a da condução em estado de embriagues, a da condução do veiculo automóvel sem licença, a da exploração ilícita do jogo, a da procriação medicamente assistida, a da importunação sexual, a do enriquecimento ilícito e injustificado e mais recentemente também foi a partir deste critério que aferiu da conformidade constitucional dos crimes contra os animais de companhia. Foi também a partir deste critério que o tribunal constitucional tem vindo a enfrentar em algumas incriminações a questão especifica da legitimidade dos crimes de perigo (quer abstrato, quer concreto). Em tempo de revisão constitucional é de notar que certamente o tribunal constitucional, no futuro, apreciará de modo diferente a questão da inconstitucionalidade dos crimes contra animais de companhia, se vier a ser aprovada, agora em sede de revisão constitucional, a norma, que alguns já propuseram no sentido de caber ao estado promover o bem estar animal, ou seja, um dos argumentos do tribunal constitucional para julgar inconstitucionais as normas sobre maus tratos e abandono de animais de companhia, fundou-se na circunstancia de não haver aqui qualquer bem jurídico, digno de pena, por faltar a tal referencia à constituição. Foi isso que levou o tribunal constitucional a considerar que a norma é inconstitucional (alem de outro tipo de fundamentações), assim, a fundamentação maioritária foi esta de “não há aqui um bem jurídico digno de pena”. Esta questão vai esvaziar-se se futuramente, em sede de revisão constitucional, for aprovada a norma que manda o Estado promover o bem-estar animal. Nessa altura passaremos a ter um bem jurídico digno de pena, pois passaremos a ter referência na constituição, tudo restará depois em saber se havendo um bem jurídico digno de pena, se precisamos da intervenção penal para o proteger. Até agora a questão ficou no primeiro critério, tal como ficou a incriminação do enriquecimento ilícito injustificado (também aí o tribunal constitucional considerou que não havia qualquer bem jurídico digno de pena), neste caso os animais, eventualmente no futuro este critério poderá ser ultrapassado. Na passagem da constituição de limite a fundamento do direito penal, é incontornável a evolução trilhada em matéria de direitos fundamentais, o que é também dizer que é inevitável a evolução que houve de um estado legislativo de direito (onde é dada toda a primazia à lei) para um estado constitucional (onde a lei se subordina à constituição e convive com a autonomia dos direitos – tempo atual). Usando as palavras de Gustavo Zagrebelsky (constitucionalista e ex-juiz do tribunal constitucional), a constituição do século XX (o que a prof. Dra. Maria João Antunes acrescenta que acontece ainda no século XXI) fragmenta o direito ao separar a lei dos diretos e isto mostra a primazia do estado não legislativo de direito, mas sim de um estado constitucional de direito e portanto, a lei, hoje, deve obediência à constituição. De resto, o art. 3º da CRP consagra precisamente esse tao princípio da constitucionalidade que nada mais é do que isto: “a lei deve obediência à constituição”. Os direitos fundamentais foram adquirindo uma dimensão constitucional positiva e negável pois passaram a estar enquadrados no quadro global da constituição, ganharam em concretização e especificidade e adquiriram a juridicidade especifica que lhes advém do facto de terem passado a constar de um instrumento escrito, a CRP. A ligação especifica dos direitos fundamentais ao direito penal destaca-se em três planos distintos de que a professora vai falar. Anabela Miranda Rodrigues defende que a relação entre direitos fundamentais e direito penal, é uma relação necessária e não surpreendente, mas paradoxal. Significa uma legitimação da repressão punitiva, já que é em nome da sua proteção que se exige a intervenção penal (art.18º CRP), para proteção e salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente direitos fundamentais, no que vem sendo chamada, no que diz a prof. Anabela, a sua função espada e em que os direitos fundamentais traduzem a boa consciência da punição. Punidos para proteger direitos fundamentais e ao mesmo tempo (havendo aí a relação paradoxal), há aqui uma limitação daquela, pela repressão, ou que salude agora, com uma função escudo do direito penal, em que os direitos fundamentais traduzem a má consciência da punição, sobre pena da sua exasperação ilegítima. Para a prof. Dra. Maria João Antunes, não há nenhuma especificidade do direito penal. O que há, é matéria de direito Constitucional. A ligação entre o direito penal e o constitucional destaca-se quando se defende uma relação de mútua referencia entre a ordem axiológica jurídico-constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos, que é o direito penal. Há uma relação dupla entre o direito penal e os direitos fundamentais. Essa ligação mostra-se de forma muito especifica em virtude da sanção penal que é aplicada, veja-se o caso da pena de prisão que restringe o direito fundamental à liberdade de quem matar outra pessoa, para proteção do direito à vida, que está consagrado no artigo 24º CRP. É o tal pape de espada e de escudo. Restringe o direito fundamental à liberdade (espada), para proteger o direito fundamental da vida (escudo). No entanto, esta ligação ocorre também por via da própria conduta que é tipificada, isto porque a tipificação, ela própria pode limitar a esfera do exercício legitimo dos direitos do agente da prática do crime. Por exemplo, com a criminalização da pornografia infantil que se estenda à representação realista de menor, na modalidade de pedapornografia totalmente virtual. Neste caso há aqui uma restrição que é integrável, nomeadamente no direito à liberdade de criação artística do agente da prática do crime. Além de lhe restringirmos direitos por lhe aplicarmos uma pena, a própria tipificação da conduta proibida, envolve restrição de mais direitos. O mesmo sucede com a interrupção voluntaria da gravidez, realizada por opção da mulher, nas 10 primeiras semanas de gravidez, que constituía crime antes de 2007. Quando era crime, eram também aqui convocáveis os direitos fundamentais à integridade física e moral, à dignidade pessoal e à autodeterminação da mulher gravida. A mulher gravida via também outros direitos fundamentais seus serem restringidos. Um terceiro exemplo é o da criminalização de quem profissionalmente facilita o exercício por outra pessoa da prostituição, por ser também aqui equacionável a restrição do direito fundamental à liberdade de escolha de profissão e do direito à liberdade de iniciativa económica privada (art. 47nº1 e 61nº1 CRP e art. 169º CP). Mais do que isso, quando incriminamos um comportamento, para além de estarmos a restringir outros direitos do agente da prática do crime, também podemos estar a restringir direitos da própria vida, é o que ocorre nos direitos em que o legislador assume como vitima do crime na incriminação do lenocínio- art.169º/nº1 CP (quando se prescinde do elemento típico exploração de situações ao abandono ou de necessidade económica) e também é o que sucede na incriminação do recurso à prostituição de menores entre 14 e 18 anos (art.174º CP). Quer num quer noutro caso, ao comportamento de quem o legislador assume como vítima, pode associar-se o exercício do seu direito à liberdade sexual. Os direitos fundamentais podem ser restringidos por via da incriminação, quer por via da restrição de outros direitos, ou até de direitos fundamentais da própria vítima, o que não parece fazer muito sentido. Alias, já num acórdão antigo de 1995 (quando o CP era outro) o TC ponderou a relevância dos direitos fundamentais da vítima, no Acórdão 561/95 apreciou uma norma do CP de 1982, na sua versão primitiva, na parte em que se incriminava a copula praticada com mulher portadora de anomalia psíquica. Aquilo que estava também em causa era a liberdade sexual da mulher portadora de anomalia psíquica, sendo que o TC considerou que a norma não violava o art.18º, porquanto “se restringe o direito dos deficientes mentais de modo adequado e proporcionado à necessária defesa de outros direitos da mesma classe de cidadãos, numa ponderação de interesses e valores que podendo ser contestada no domínio das opções político-administrativas se afigura, porém, não merecer qualquer censura do ponto de vista jurídico- constitucional”. A doutora considera isto de “chutar para canto”, pois o princípio da liberdade de conformação do legislador é usado, muitas vezes, para o TC concluir que não há inconstitucionalidade da norma. Este é um problema, hoje, da jurisdição constitucional, ou seja, é a maior ou menor importância que damos à liberdade de conformação do legislador. A doutora concluir que não conhece nenhuma decisão do TC em que este tenha concluído que a norma é inconstitucional por não ser necessária a intervenção do Direito Penal. O TC nunca disse “a norma é inconstitucional, porque neste caso concreto era necessária a intervenção penal”. E, portanto, futuramente no caso dos animais, o futuro é muito evidente na sua opinião, pois segundo esta o TC dirá que “agora já há bem jurídico e quando à questão da necessidade de necessidade ou não de intervenção penal, não cabe a nós, TC, dizê-lo, mas sim ao legislador e, portanto, a questão da constitucionalidade morrerá quando houve alteração da CRP”. A relação entre Direito Penal e a proteção constitucional de direitos fundamentais destaca-se também por via da identificação jurisprudencial de proibições constitucionais de incriminação fundadas em direitos fundamentais positivados. Uma decisão do TC de 2007 entendeu, contrária à liberdade de expressão, a incriminação da negação do genocídio. E uma decisão de 2012, do Conselho francês decidiu ser contrária à Constituição a lei que criminalizava a incriminação da existência dos genocídios reconhecidos pela própria lei, por pôr em causa o direito à liberdade de expressão e de comunicação. E, portanto, há jurisprudência constitucional que aponta proibições constitucionais de incriminação. Não podemos dizer que é crime negar o genocídio, porque ao fazê-lo estamos a negar o direito à liberdade de expressão, pois é o que resulta destas 2 decisões. Numa decisão que tem a ver com as sanções é o acórdão do TC espanhol que apreciou, à luz do princípio da igualdade os nº1 e 2 do art.153º CP espanhol, que punem mais gravemente o agente da prática do crime masculino, do que o agente feminino, quando a vítima é do sexo feminino, ou seja, o homem que bater na mulher é mais punido do que uma mulher a bater no homem, de acordo com o CP espanhol e esta questão também foi levada ao TC espanhol e o parâmetro foi o princípio da igualdade, sendo que este TC não considerou inconstitucional. Uma decisão que levou a muitas críticas. Na jurisdição portuguesa, existe um acórdão relativo à incriminação de atos homossexuais com adolescentes. O art.175º CP, antes de 2007, previa especificamente o crime de atos homossexuais com adolescentes, sendo que o TC julgou a norma inconstitucional, não através do princípio jurídico-constitucional do direito penal do bem jurídico, mas com fundamento na existência de uma proibição constitucional de uma criminalização fundada no direito fundamental à igualdade perante a lei. Outro destaque a fazer prende-se com a evolução da doutrina jurisprudencial que trouxe a problemática das imposições constitucionais implícitas de criminalização decorrentes da acentuação objetiva dos direitos fundamentais, que faz impender sobre o Estado também um dever de proteção dos direitos fundamentais. Ou seja, a tradicional faceta negativa do Princípio do direito penal do bem jurídico congruente com a configuração dos direitos fundamentais como direitos subjetivos de defesa, perda a exclusividade em favor de uma faceta positiva do princípio, por via da descoberta da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Este princípio não servirá apenas para afastar a criminalização de comportamentos que não ponham em causa os bens jurídicos, e servirá também para pressionar normativamente o legislador, impondo-lhe a criminalização de determinados comportamentos para proteção de tais bens. Também assumem especial relevância as imposições constitucionais expressas, sendo este um tema “muito caro” à doutrina brasileira, já que a Constituição da República Federativa do Brasil prevê tais incriminações em número muito significativo. Estas incriminações impostas ao legislador foram ditadas pela experiência histórica e pelos objetivos concretos que o país abraçou em 1978. Diferentemente do que sucede entre nós, porque habitualmente só conseguimos enumerar uma imposição constitucional expressa de criminalização, expressa pelo art.117º/nº3 CRP, segundo o qual a lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos. A única prevista na nossa Constituição. Isto coloca em causa a ideia de uma imposição constitucional de valor na relação entre o legislador constituinte e o legislador ordinário, na medida em que o legislador constituinte parece estar a invadir a margem de tradição do legislador ordinário, substituindo-se-lhe, quer no juízo sob objeto de tutela, quer no juízo atinente à necessidade de intervenção penal. É a legislação que diz que há crime e não é o legislador que se interroga ou não sobre a necessidade de criminalizar. Relativamente ao último tópico, de outro âmbito de abordagem, trata da relevância constitucional da matéria penal resulta também do controlo de constitucionalidade a cargo de uma jurisdição especifica. Quanto maior for a possibilidade, a intensidade de controlo jurisdicional, maior será a possibilidade de inferir da Constituição disposições substantivas em matéria de legislação penal. A abordagem da Constituição enquanto limite e fundamento da intervenção penal estende- se, por isso, ao controlo jurisdicional de constitucionalidade a um controlo que será mais ou menos fraco consoante se identifiquei imposições constitucionais de criminalização. Aí, a doutora diria que é forte, porque basta ir à Constituição e identificar que existe uma imposição constitucional de criminalização ou, consoante se identifiquem meros imperativos constitucionais de criminalização, aí o controlo é fraco, porque o mecanismo da fiscalização da incriminalização por omissão é, em regra, fraco. Ou então, outro parâmetro de fiscalização, além das imposições ou imperativos, é o princípio jurídico constitucional do direito penal do bem jurídico, onde seja evidente a margem de conformação do legislador. E é aqui que, efetivamente, é testado se a Constituição se impõe, de facto, como limite e fundamento ao legislador penal. E em definitivo, se há congruência do Tribunal e jurisprudencial quanto aos limites e fundamentos do direito penal. A doutora acredita que houve um momento da sua vida que acreditava que estava tudo esclarecido, sendo que o padrão critico iria seguir de padrão ao legislador e, depois, aos juízes constitucionais, ou seja, a harmonia era total. No entanto, agora, tem saudades deste tempo em que acreditava nesta harmonia, pois aquilo que assistimos é que não há legislador nenhum neste país que pense quando está a legislar “se há um bem jurídico digno de pena” e “se ele necessita de intervenção penal”. Passando para o controlo, há problemas que têm a ver com a margem de conformação. Isto é um problema porque, de facto, temos de lhe reconhecer alguma margem de conformação, está sempre aqui o princípio da maioria (legislador democraticamente eleito pelo voto da população) e o da constitucionalidade a cargo de juízes constitucionais que não estão legitimados pelo povo e, portanto, há esta tensão entre o poder legislativo e o poder judicial, em concreto o poder do TC. A doutora acredita que tem razão quem disse que o seculo XX viria a ser recordado como o século dos Tribunais Constitucionais e dos Supremos Tribunais com competência em matéria jurídico constitucional. Uma grande verdade é que a lei penal é uma das protagonistas do Estado legislativo de Direito para o Estado Constitucional Contemporâneo. Há uma nova linguagem com reflexos específicos para o Direito Penal, nomeadamente, por via do controlo entregue aos Tribunais Constitucionais, sendo que essa linguagem é a força normativa da Constituição, da constitucionalização dos Direitos fundamentais, de mais princípios e menos regras e do poder judicial no lugar do poder legislativo. Os reflexos são evidentes na sua opinião. As relações entre a Constituição, a Lei Penal e a Jurisdição Constitucional continuarão a ser uma realidade. O caminho do futuro será, porém, encontrando pontos de dificuldade, destacando 3 pontos de dificuldade. O primeiro tem a ver com o conceito material de crime assente na função de tutela de bens jurídicos, sendo que este conceito está hoje em crise e, consequentemente, o conceito de bem jurídico enquanto padrão crítico de normas penais incriminadoras já constituídas e a constituir e enquanto parâmetro de aferição da constitucionalização destas normas. Por via do Direito Penal, os Tribunais Constitucionais têm sido confrontados quanto ao âmbito dos seus poderes de fiscalização na relação destes poderes com os do legislador democrático, nomeadamente quanto ao ponto ótimo de harmonização do princípio da constitucionalidade com o princípio da maioria. Do ponto de vista do controlo entregue à jurisdição constitucional a questão é de saber onde se deve iniciar a auto compensação judicial perante a liberdade de conformação do legislador. O receio hoje é o de que o Estado Parlamentar da Lei se transforme em Estado Jurisdicional do Tribunal Constitucional. A última dificuldade é que já vai longe o tempo em que depositamos tudo na Constituição, pois o tempo é de trans constitucionalismo, é de cosmopolitismo e de pluralismo constitucional e de proteção multinível de direitos. O legislador nacional passou a estar sujeito a outros vínculos materiais, a mais vínculos ou a vínculos diferentes e passou a ser controlado por outras instâncias além das nacionais. O legislador penal passou a estar duplamente vinculado, nomeadamente à disposições do Direito Europeu Internacional. Nomeadamente, a doutora confessa que nunca acreditou que isso seria possível, acreditou sempre que aquilo que era a CEE nunca evoluiria, mas enganou-se redondamente, pois hoje o que temos é que cada Estado tem outras vinculações normativas fora da Constituição, fora até do espaço europeu. Por outro lado, os Estados passaram a estar vinculados à jurisprudência de Tribunais supranacionais, pode até haver mesmo um choque entre estes 2 Tribunais (caso “Inéss del Río Prada”).