Você está na página 1de 5

4.2.

Princípios fundamentais do Direito Penal

Como introdução convém realizar uma breve caracterização da época anterior ao


iluminismo. A característica dominante nesta fase de evolução da sociedade era o
império do mais forte, onde vigorava a justiça privada, as arbitrariedades e excessos
(porque inexistia um equilíbrio entre as penas e a culpa, a ausência de instrumentos
normativos de carácter geral e de um órgão do Estado encarregado de aplicar a
justiça).No lugar da justiça floresciam as vinganças, cada um dos particulares fazia
justiça por si mesmo e segundo a sua força.

Seguiu-se a fase do iluminismo, onde por via do Contrato Social os Homens


abdicaram de uma parte da sua liberdade em troca da protecção e regulação do Estado,
o qual fixava as regras de convivência. A violação destas regras é que vai determinar a
aplicação da pena correspondente.

Duas consequências emergem desta ideia do contrato social:


 O direito de punir vai se reger por princípios de estrita necessidade e
eficácia visando restabelecer o equilíbrio que foi posto em causa por uma
conduta contrária às regras sociais.
 A limitação do exercício do poder de punir pela tripartição dos
poderes e em consequência do Estado de direito social e
democrático.

Com efeito, o Estado de direito democrático coloca o Direito Penal ao serviço do


cidadão, podendo-se extrair corolários tais como:
 o respeito pela dignidade humana;
 igualdade dos Homens perante a lei;
 A participação do cidadão na vida política, social, económica, etc.

Deste modo, os princípios fundamentais têm uma consagração constitucional e


uma regulação minuciosa no Código Penal, o que indiscutivelmente atesta o seu carácter
basilar no Direito Penal.

Todos estes princípios enquadram-se no princípio da legalidade, o qual, no geral,


postula a submissão de todos os poderes constituídos à lei escrita e aprovada pelos
órgãos legislativos competentes.

4.2.1. Princípio da legalidade ou da anterioridade da lei

Na sua acepção moderna surge associado ao Estado de direito – Estado das


normas. Todavia, antes da Revolução Francesa houve focos que constituem o embrião
do princípio da legalidade. O exemplo é a cláusula 39 da Magna carta, publicada em
1215, a qual dispunha que: “nenhum homem livre deverá ser preso, capturado, julgado e
condenado a não ser por um julgamento de um par seu – de uma pessoa que socialmente lhe
seja idêntica segundo a lei da terra”.
Alguns autores defendem que esta disposição é uma evidência do princípio da
legalidade. Outros considerarem discutível o sentido desta cláusula, uma vez que ela se
refere a lei da terra que é aquela circunscrita a um certo lugar. Por outro lado reflecte a
divisão de classes existente na época, pois um indivíduo das classes mais altas só por
alguém desta classe poderia ser julgado. Na era moderna e no âmbito deste princípio
todos os homens são iguais perante a lei e estão sujeitos aos mesmos deveres tal como
refere a nossa CRM no seu artigo 35, que passo a citar: “Todos os cidadãos são iguais
perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres,
independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de
instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”.

A primeira consagração moderna do princípio da legalidade data de 1789 e consta


da declaração dos direitos do homem e do cidadão no seu artigo 8º. De acordo com este
artigo: “A lei apenas deve estabelecer as penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém
pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada antes de um delito e
legalmente aplicada”.

Esta formulação do princípio da legalidade encerra (na sua primeira parte) dois
outros princípios:
 O princípio da intervenção mínima;
 O princípio de “nulla poena sine lege”.

No que concerne ao princípio da igualdade, ele postula a paridade dos homens


perante a lei e no DP traduz-se no carácter geral e abstracto de que as leis penais se
revestem. Note-se que as leis penais recorrem a expressão; “Aquele que...”, não
interessando o estado social da pessoa, a sua religião, raça, sexo, etc.

4.2.2. O princípio da intervenção mínima do DP

De acordo com o qual se postula que o DP só deve ser aplicado na situação


em que já não seja possível a intervenção de outros ramos do Direito. A ratio deste
princípio é de evitar o recurso as reacções jurídicas criminais, que são mais
gravosas do que outros meios de controle social, na medida em que afectam de
forma profunda a esfera sensível dos particulares. De facto, o DP é um ramo do
Direito tendencialmente perigoso porque mexe com a liberdade e outros direitos
fundamentais dos cidadãos. Dai que o Direito Penal seja apelidado de um Direito
excepcional ou subsidiário dos outros ramos do Direito. O aplicador da lei deve
privilegiar o critério da última ratio, recorrendo a outros ramos do direito para a
solução de determinada questão e só em última instância é que se deve aplicar o
DP. Por exemplo a pessoa que determina outro a entregar-lhe dinheiro para a construção
de uma casa em terreno próprio e a entregá-la livre de quaisquer ónus ou encargos e,
uma vez construída a casa nas condições ajustadas, mas antes de celebrada a escritura
pública de compra e venda, hipoteca a casa a terceiro, incorre em incumprimento
contratual e não no crime de Burla por defraudação (do art., 287 do CP). Se aplicarmos
o DP nesta situação ofendemos o princípio da intervenção mínima.1

Porém, encontramos outras situações, que pela sua gravidade, são, ao mesmo
tempo, tratadas ao nível de outros ramos do direito e do DP. Por exemplo a venda de
coisa alheia é um negócio jurídico nulo nos termos do artigo 892 do Código civil, sendo
também subsumível ao crime de Burla do artigo 287 do CP.

4.2.3. O princípio da humanidade das penas

A pena é uma reacção ao crime e deve ser-lhe proporcional. A pena a aplicar deve
ser aferida em função da ilicitude do facto e a culpa do agente (art. 112 do CP). No
entanto, na aplicação da pena é preciso observar certos limites. Deste modo, são
proibidas as penas desumanas. Atente-se ao disposto no nº. 1 e 3 do artigo 61 da
CRM, de acordo com os quais: “São proibidas penas e medidas de segurança privativas ou
restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”; e “Nenhuma
pena implica a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, nem priva o
condenado dos seus direitos fundamentais, salvo as limitações inerentes ao sentido da
condenação e as exigências específicas da respectiva execução”. Veja-se ainda o n.º 2 do art.
40 da CRM e o art. 59 do CP sobre a Proibição de Penas de Prisão Perpétua.

A razão disto é o respeito pela dignidade da pessoa humana como um fim


fundamental de um Estado de direito democrático, onde as penas significam
graves sacrifícios dos direitos fundamentais dos cidadãos.

4.2.4.O princípio de “nullum crimen sine lege” ou da tipicidade ou numeros


clausos;

Trata-se de um princípio legalista que enforma o nosso direito positivo. Está


constitucionalmente consagrado no n.º 1 do art. 60 da CRM, constituindo assim uma
garantia constitucional no âmbito da incriminação. “Ninguém pode ser condenado por acto
não qualificado como crime no momento da sua prática”. De forma especial, encontra-se
previsto no art. 1 do Código Penal, que diz que: “Nenhum facto, consista em acção ou
omissão, pode julgar-se crime, sem que uma lei, no momento da sua prática, o qualifique como
tal”; o que resulta na conformação do DP com a Constituição. No geral, este princípio
visa conferir certeza e segurança jurídica aos cidadãos, na conformação ou não das suas
condutas com o Direito.

4.2.5. O princípio de “nulla poena sine lege”;

O qual proíbe a aplicação das penas e medidas de segurança que não estejam
estabelecidas na lei. De acordo com o nº. 3 do artigo 59 da CRM, na sua segunda parte,
quando diz: “...nem ser punido com pena não prevista na lei ou com pena mais grave do que a
estabelecida na lei no momento da prática da infracção criminal”. Também o nº 1 do artigo 1

1
O desrespeito deste princípio constitui uma das principais causas da enorme demanda processual
criminal.
do CP: “Não podem ser aplicadas medidas ou penas criminais que não estejam previstas na
lei...” e ainda artigo 66 do CP: “Nenhuma pena pode ser substituída por outra, salvo nos casos
em que a lei autorizar”.

4.2.6. O princípio da irretroactividade da lei penal/criminal;

À lei penal incriminadora não pode ser atribuída eficácia retroactiva. O artigo 60
nº. 2 da CRM refere que: “A lei só se aplica retroactivamente quando disso resultar benefício
ao arguído”.Esta formulação encontra-se sob a forma de excepção, sendo que a regra
geral é que a lei penal não se aplica retroactivamente ou seja aplica-se apenas aos factos
que lhe sejam posteriores. Igualmente, o artigo 3 do CP avança que: “ A lei penal não tem
efeito retractivo, salvas as seguintes excepções. Há excepções a esta regra quando disso
resulte benefício para o arguído como dispõe o artigo 60 nº. 2 da CRM supracitado e
artigo 3 CP que será objecto de tratamento na Aplicação da Lei Penal no Tempo.

4.2.7. O princípio de juridiscionalização do processo-crime e as garantias de


defesa.

Traduz-se na exigência de um processo formalizado, em tribunais competentes, que


observe todas as solenidades e formalidades necessárias para se alcançar a justiça,
oferecendo assim uma garantia de defesa ao arguido. O n.º 1 do artigo 62 da CRM refere
que: “O Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos arguídos o direito de
defesa e o direito à assistência jurídica e patrocínio judiciário”; e o n.º 1 do artigo 65 da CRM
preceitua que: “O direito de defesa e a julgamento em processo criminal inviolável é garantido
a todo o arguído. Finalmente, o artigo 222 da CRM referente a espécies de Tribunais
existente na República de Moçambique, dispõe que: “Na República de Moçambique existem
os seguintes tribunais: (...) Tribunal Supremo, Tribunal Administrativo, Tribunais Judiciais. Podem
existir tribunais administrativos, de trabalho, fiscais, aduaneiros, marítimos, arbitrais e
comunitários.” Veja-se ainda o n.º 2 do art. 62, o n.º 2,3 e 4 do art. 65 e o art. 70, todos da
CRM.

4.2.8. Princípio da culpa ou da responsabilidade subjectiva;

A culpa é um juízo de censura feito ao agente por ter se comportado de um forma


contrária ao direito quando podia e devia ter agido em conformidade com a lei.
A responsabilidade criminal funda-se na culpa e por isso mesmo é intransmissível.
A este respeito, o n.º 2 do art. 61 da CRM fixa que: “As penas não são transmissíveis”.

Em DP não há responsabilidade objectiva ou pelo risco mas apenas


responsabilidade por culpa.

Assim, podemos dizer que dos princípios do DP decorrem garantias como sejam:
 Garantia criminal – o crime é determinação da lei;
 Garantia pessoal – a determinação expressa da pena na lei;
 Garantia jurisdicional – a determinação da existência de um crime e a
aplicação de uma pena está sujeita à procedimentos próprios previstos
na lei e são tratados por um tribunal competente.
 Garantia da execução da pena – a execução da pena está sujeita à
lei;

Em jeito de conclusão podemos dizer que o princípio da legalidade afecta o DP


em diferentes momentos:

a) Ao nível da formação das próprias normas


 Nullum crimen sine lege
 Nulla poena sine lege
 A previsão das leis penais (sentido delimitado ou delimitável)

b) Ao nível de interpretação da lei criminal


 A integração analógica;
 A interpretação extensiva

c) Ao nível da aplicação do DP temos a jurisdicionalização do processo-crime.

Você também pode gostar