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JOÃO MARTINHO MARQUES

JUSTIÇA INTERNACIONAL

CAPÍTULO I – JUSTIÇA INTERNACIONAL E ORDEM JURÍDICA INTERNACIONAL ......................................... 3


§ 1 A garantia do Direito Internacional e a resolução pacífica de diferendos na Ordem Jurídica
Internacional ............................................................................................................................................ 3
1.1 Princípios aplicáveis à resolução de diferendos ........................................................................... 4
1.1.1- Conclusões ............................................................................................................................. 9
1.2 Meios de resolução de diferendos .............................................................................................. 10
§ 2 A especialização do Direito Internacional e a criação de meios jurisdicionais permanentes
específicos de garantia e resolução de diferendos ................................................................................ 12
§ 3 A evolução do Direito Internacional e a relevância de sujeitos não estaduais em matéria de
garantia do Direito Internacional e resolução de diferendos ................................................................ 13
CAPÍTULO II – JUSTIÇA INTERNACIONAL: DELIMITAÇÃO CONCEPTUAL................................................... 15
§ 4 Justiça Internacional: delimitação do conceito ................................................................................ 15
4.1 Os sentidos possíveis da expressão Justiça Internacional ............................................................ 15
4.1.1 Justiça Internacional lato sensu ............................................................................................. 15
4.1.2 Justiça Internacional stricto sensu ......................................................................................... 15
4.2 Considerações de ordem terminológica ....................................................................................... 16
4.3 Tipologias de Justiça Internacional stricto sensu ............................................................................. 18
4.3.1 Justiça Internacional geral e Justiça Internacional especial .................................................. 19
4.3.2 Justiça Internacional universal e Justiça Internacional regional ............................................ 19
§ 5 O objeto da disciplina de Justiça Internacional ................................................................................ 20
§ 6 Considerações de ordem metodológica e sequência ....................................................................... 20
6.1 Considerações de ordem metodológica ....................................................................................... 20
6.2 Sequência ..................................................................................................................................... 20
CAPÍTULO III – ELEMENTOS ESTRUTURANTES DA JUSTIÇA INTERNACIONAL (SUBSÍDIOS PARA UMA
TEORIA GERAL DA JUSTIÇA INTERNACIONAL) .......................................................................................... 20
§ 7 Justiça Internacional: elementos estruturantes ............................................................................... 21
7.1. A natureza da fonte de Direito internacional institutiva ............................................................. 21
7.2. A natureza jurídica da jurisdição: instituição ou órgão? ............................................................. 23
7.3. As caraterísticas da jurisdição ..................................................................................................... 24
7.4. A natureza jurídico-internacional dos diferendos objeto da jurisdição ...................................... 26
7.5. O âmbito de competência ratione materiae, ratione personae, ratione temporis e ratione loci 26
7.6. A natureza e extensão da competência .......................................................................................... 28
7.7. A diferenciação ou indiferenciação dos meios contenciosos ......................................................... 29
7.8. A legitimidade ativa e passiva ......................................................................................................... 30
7.9. A atribuição de jurisdição e o seu exercício .................................................................................... 31
7.10. Composição, organização e funcionamento ................................................................................. 31

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7.11. As fontes de Direito aplicadas ....................................................................................................... 32


7.12. A criação e a aplicação de regras complementares ...................................................................... 32
7.13. O processo..................................................................................................................................... 33
7.14. As sentenças e a sua execução ..................................................................................................... 33
7.15. A magistratura internacional ........................................................................................................ 35
7.16. O financiamento do orçamento da Justiça Internacional ............................................................. 35
JURISPRUDÊNCIA ....................................................................................................................................... 36
TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA (TIJ) ....................................................................................... 36
I. Austrália v. Japan: JARPA II (2010 – 2014) ..................................................................................... 36
II. Portugal v. Índia: Direito de Passagem (1955-1957)..................................................................... 38
III. Alemanha v. Itália: Imunidades Jurisdicionais do Estado (2008-2012) ....................................... 40
IV. THE MOX PLANT CASE (IRELAND v. UNITED KINGDOM) ............................................................. 43

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CAPÍTULO I – JUSTIÇA INTERNACIONAL E ORDEM JURÍDICA


INTERNACIONAL1

§ 1 A garantia do Direito Internacional e a resolução pacífica de diferendos


na Ordem Jurídica Internacional

A Justiça Internacional insere-se no quadro mais amplo da garantia do Direito


Internacional e da resolução pacífica de diferendos na Ordem Jurídica Internacional. No
século XX principalmente após a segunda grande guerra foram criadas inúmeras
organizações internacionais de vocação universal orientadas por princípios
fundamentais vinculativos, para os Estados e às quais foram atribuídas competências
em matéria de manutenção da paz e segurança internacionais.

O surgimento da Sociedade das Nações (SDN) e, posteriormente da Organização das


Nações Unidas (ONU), veio permitir a aferição da desconformidade jurídica dos
comportamentos dos Estados enquanto sujeitos de Direito Internacional, com o Direito
Internacional. Assim, a assunção, pela Comunidade Internacional, da proteção de
valores universais, como os direitos do homem ou o património comum da humanidade,
permitiu a evolução da garantia do Direito Internacional fora do quadro do Estado: não
só no seio, ou na sua orbita, de organizações internacionais de vocação universal
especializadas em razão do seu objetivo, mas também no seio de organizações
internacionais regionais.

As Organizações Internacionais do pós-guerra assumiram assim um papel fundamental


na garantia do direito internacional e na resolução de diferendos na Ordem Jurídica
internacional – não só por via da imposição da obrigação de resolução pacífica de
diferendos através de diversos meios livremente escolhidos pelas partes envolvidas e
em última analise a própria criação de instituições internacionais de índole jurisdicional.

1
De acordo com o plano das Lições de Maria Rangel de Mesquita, AAFDL, 2010

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1.1 Princípios aplicáveis à resolução de diferendos

A problemática da Resolução Pacífica de Diferendos foi objeto de diversas fontes


internacionais desde o século XIX, norteadas, fundamentalmente pelo objetivo de
manutenção da paz e de evitar o recurso à força nas relações entre Estados.

 Convenção de 1899 para a Resolução Pacífica de Disputas Internacionais2;


Consagra o Princípio segundo o qual os Estados signatários, com vista a evitar,
tanto quanto possível, o uso da força, acordam em garantir os seus melhores
esforços para assegurar a resolução pacífica dos diferendos;
Ficaram consagrados meios diplomáticos para o efeito - bons ofícios e
mediação3, bem como meios arbitrais4, por via da instituição de um Tribunal
Permanente de Arbitragem5, competente para todos os casos de arbitragem, a
não ser que as partes acordassem a criação de um tribunal especial.
Está ainda previsto na convenção a possibilidade de recorrer, antes da
arbitragem, a instituição de Comissões Internacionais de Inquérito, relativas a
fatos. É possível identificar uma tripartição de meios de solução pacífica.
É para o efeito relevante o disposto no (art. 16.º) da Convenção6 na medida em
que passa a ser dada grande relevância à arbitragem por parte dos Estados, no
entanto é de salientar que não se configura como uma obrigação, mas como uma
intenção assente na soberania estadual, assim, na vontade dos Estados.
 Convenção de 1907 para a Resolução Pacífica de Disputas Internacionais7
Assinada na segunda conferência de paz sobre a Resolução Pacífica de
Diferendos Internacionais, manteve o seu princípio geral – segundo o qual os
Estados acordam em utilizar os seus maiores esforços para assegurar a resolução
pacífica das discordâncias internacionais com vista à não utilização da força.

2
https://pca-cpa.org/wp-content/uploads/sites/175/2016/01/1899-Convention-for-the-Pacific-
Settlement-of-International-Disputes.pdf
3
Título II (arts. 2.º a 8.º)
4
Título IV (arts. 15.º a 57.º)
5
Título IV, Capítulo II (arts. 20.º a 29.º)
6
, “Arbitration is recognized by the Signatory Powers as the most effective, and at the same time the most
equitable, means of settling disputes which diplomacy has failed to settle”
7
https://pca-cpa.org/wp-content/uploads/sites/175/2016/01/1907-Convention-for-the-Pacific-
Settlement-of-International-Disputes.pdf

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Surgem várias alterações, visando o aperfeiçoamento da Convenção anterior,


entre as quais: melhoramento do funcionamento das Comissões de Inquérito e
dos Tribunais de arbitragem, facilitando-se o recurso à arbitragem nos casos em
que é permitido o processo sumário. São também fixadas regras relativas à
constituição e funcionamento das Comissões Internacionais de Inquérito, exceto
se as partes optarem por outras, especificando-se a competência do Tribunal
Permanente de Arbitragem.
Quanto à competência do (TPA), a convenção de 1907 esclarece o seu âmbito, o
qual abrange não só a competência para decidir contenciosamente a disputa
objeto do compromisso se os Estados a ele recorrerem para esse fim.

A criação do Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA) não se traduziu na criação de


um verdadeiro órgão ou instituição jurisdicional de carater permanente. O (TPA) é,
assim, o protótipo dos meios judiciais arbitrais de resolução de diferendos – que se
mantém ainda no presente.

Posteriormente o Pacto que institui a Sociedade das Nações8, contempla o princípio da


resolução pacifica dos diferendos através de meios diplomáticos, jurisdicionais ou
políticos, através da intervenção do Conselho da (SDN), nos artigos (12.º, n.º1 e 13.º,
n.º1). Já o (13.º, n.º2) contempla situações que nos termos do tratado se configuram
como suscetíveis de solução arbitral ou judicial.
Fica claro que na impossibilidade de uma solução do diferendo por via diplomática, as
partes se comprometem a submeter integralmente a questão a uma decisão arbitral ou
judicial, através da sujeição do litígio ao Tribunal Permanente de Justiça Internacional9.

O Pacto da Sociedade das Nações consagrou, assim, ainda que de forma subtil dois
princípios essenciais relativos à resolução de diferendos:

 Princípio da Resolução Pacífica de diferendos;


 Princípio da Liberdade de Escolha dos meios de resolução pacífica dos
diferendos.

8
https://treaties.un.org/doc/source/covenant.pdf
9
http://www.icj-cij.org/en/pcij-series-d

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Durante o período que mediou entre a criação da SDN e o termo da Segunda Guerra
Mundial, é de notar um Ato Geral sobre Resolução Pacífica de Conflitos Internacionais
assinado em Genebra em 1928. O presente ato previa no caso de insucesso dos meios
diplomáticos na resolução de disputas, três formas principais de resolução:

i. A Conciliação, através da intervenção de uma Comissão de Conciliação;


ii. A Resolução Judicial, submetidas para o Tribunal Permanente de Justiça
Internacional;
iii. A Arbitragem.

Não obstante o princípio da resolução pacífica de diferendos ter sido objeto, até à
criação da ONU, de diversas fontes de direito internacional, é com a instituição da ONU
que o princípio se traduz, inequivocamente, numa obrigação jurídica ou dever dos
Estados membros, enquanto corolário da proibição do recurso à força nas relações
internacionais, passando a carta da ONU a consagrar a obrigação de resolução pacifica
de diferendos.

A Carta da Organização das Nações Unidas10 é, pois, hoje a principal fonte de direito
internacional que consagra os princípios aplicáveis à resolução de diferendos na Ordem
Jurídica Internacional. No seu (art. 2.º, 3), prevê expressamente que «os membros da
Organização deverão resolver as suas controvérsias internacionais por meios pacíficos,
de modo a que a segurança e a paz internacionais não sejam ameaçadas»

O segundo princípio 11 relevante em matéria de resolução pacífica de diferendos


internacionais é o princípio da livre escolha dos meios de resolução pacífica de
diferendos, o qual traduz também a relevância da soberania estadual. Com efeito o
artigo (33.º, n.º1 da CONU), dispõe que as partes numa controvérsia que possa constituir
uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de mais, chegar a
uma solução por meios previstos nessa disposição, (negociação, inquérito, mediação,

10
http://dag.un.org/bitstream/handle/11176/387353/PORTUGUESE-1976.pdf?sequence=1&isAllowed=y
(CONU em Português publicada UN)
11
É do entendimento da Professora Rangel de MESQUITA a existência de dois princípios, o princípio da
resolução pacífica de diferendos e o princípio da livre escolha dos meios de resolução pacífica de
diferendos. No entanto é de salientar que na doutrina existem autores que defendem também a
existência de outros princípios aplicáveis à resolução pacífica de diferendos, tais como o dever de agir de
boa-fé e de aceitar a solução do conflito e de a executar de boa-fé, entendimento de Jorge MIRANDA,
Curso de Direito Internacional Público, p. 261.

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conciliação, arbitragem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais. Não


obstante a competência do Conselho de Segurança (CS) da ONU para recomendar os
procedimentos e métodos de solução apropriados.

Na vigência da (CONU) foram várias as resoluções da Assembleia Geral da ONU


aprovadas em matéria de resolução pacífica de diferendos internacionais, de entre as
quais se destacam:

 Declaração sobre Princípios de Direito Internacional relativos às Relações


Amistosas e à Cooperação entre Estados de acordo com a Carta das Nações
Unidas 12 ; Aprovada pela resolução da AG da ONU Nº 2625. Esta declaração
proclama solenemente, entre outros, o Princípio segundo o qual os Estados
deverão resolver os seus diferendos internacionais por meios pacíficos, não
sendo a paz e segurança internacionais ameaçada.
 Declaração de Manila 1314 Sobre a Resolução Pacífica de Conflitos
Internacionais. O objetivo desta declaração é essencialmente reforçar o
respeito pelo princípio da resolução pacífica de diferendos nas relações entre
Estados, eliminando o perigo do recurso à força, diminuir tensões internacionais
e promover uma política de cooperação e paz, respeitando a soberania dos
Estados.
O princípio da resolução pacífica de diferendos bem como o princípio da livre
escolha dos meios de resolução pacífica de diferendos são reafirmados nos
termos desta declaração.
 Posteriormente, na década de 90, a Resolução da AG da ONU sobre a «Década
de Direito Internacional das Nações Unidas15» sendo de salientar que um dos
objetivos para a década será promover meios e métodos para a resolução
pacífica de diferendos entre Estados, incluindo o recurso e pleno respeito pelo
(TIJ).
 No âmbito da União Europeia são relevantes fontes aprovadas no quadro da
Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE).

12
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/2625(XXV)
13
http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/37/10
14
Aprovada pela resolução da AG 37/10 de 15 de Novembro de 1982
15
Resolução da AG 44/23

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o Solução pacífica de litígios, (Princípio V) da ata Final de Helsínquia;


o Carta de Paris para uma nova Europa aprovada na reunião de Chefes de
Estado participantes na CSCE em 1990;
o Reunião de Berlim do Conselho da CSCE;
 No quadro do Conselho da Europa é de mencionar a Convenção Europeia para
a Resolução Pacífica de Diferendos, assinada em Estrasburgo em 1957. A
convenção assenta no disposto na Convenção de Haia de 1907, uma tripartição
de meios de resolução pacífica de diferendos: Resolução judicial (TIJ);
Conciliação – através de uma Comissão de conciliação permanente ou de uma
Comissão de conciliação especial; e resolução por via arbitral.
 Continente Americano:
o Carta de Bogotá 16 , 1948, institutiva da Organização de Estados
Americanos. Contempla o princípio da resolução pacífica de diferendos;
o Foi celebrada em Bogotá, na mesma data da assinatura da COEA, o
Tratado Americano de Soluções Pacíficas 17 , denominado Pacto de
Bogotá. Composto por 8 capítulos, contemplando uma obrigação geral
de resolver diferendos por meios pacíficos e vários procedimentos de
resolução de diferendos, bons ofícios e mediação, judicial e arbitragem.
 Continente Africano:
o Ato Institutivo da União Africana 18 , no seu (art. 4.º) 19 assume-se o
princípio da resolução pacífica de diferendos afirmando que a União
Africana funciona em conformidade com, entre outros, o seguinte
princípio: «Resolução pacífica dos conflitos entre os Estados membros da
União pelos meios apropriados que podiam ser decididos pela
Conferencia da União»

16
Carta da Organização de Estados Americanos (COEA), https://www.oas.org/dil/port/tratados_A-
41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.pdf
17
http://www.oas.org/es/sla/ddi/tratados_multilaterales_interamericanos_A-
42_soluciones_pacificas_pacto_bogota.asp
18
http://www.achpr.org/files/instruments/au-constitutive-act/au_act_2000_eng.pdf
19
«peaceful resolution of conflicts among Member States of the Union through such appropriate means
as may be decided upon by the Assembly; prohibition of the use of force or threat to use force among
Member States of the Union;»

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o No quadro da UA foi aprovado o Pacto de Não Agressão e de Defesa


comum da União Africana o qual assume com objetivo, entre outros,
«garantir que os diferendos sejam resolvidos de forma pacífica»

1.1.1- Conclusões

Quer o Princípio e correspondente dever, de resolução pacífica de diferendos


internacionais, quer o Princípio de livre escolha, pelos Estados, dos meios pacíficos de
resolução de tais diferendos, são objeto de consagração, por vezes mais clara e
inequívoca, outras implícita numa multiplicidade de fontes de Direito Internacional, de
índole universal e regional, sendo evidente o carater inspirador da CONU e do direito
derivado aprovado sobre a matéria pelos órgãos competentes da ONU.

 O Princípio da livre escolha dos meios pacíficos de resolução de litígios significa,


no quadro universal, que os Estados podem recorrer a qualquer deles, e não
existe, em princípio, uma precedência pré-definida de um ou alguns em relação
a outro ou outros. No âmbito deste princípio os Estados, tenderão em primeira
fase, a recorrer a meios que implicarem uma menor restrição da Soberania,
necessariamente aqueles que não constituam uma decisão obrigatória.
o A liberdade de escolha dos Estados pode no entanto sofrer limitações:
 Pela intervenção dos órgãos competentes da ONU no sentido de
recomendar ou, porventura, impor a utilização de um dado meio
de resolução de diferendos em detrimento dos demais. (O caso
das competências do Conselho de Segurança para resolução de
diferendos nos termos do 36.º e 37.º da CONU);
 A segunda hipótese será a auto-limitação dessa liberdade pelos
próprios Estados por via convencional. Essa auto-limitação pode
ocorrer por via de vinculação a tratados internacionais sobre
resolução de diferendos, em especial de índole regional, em regra
no quadro de OI regionais, que prevejam modos obrigatórios de
resolução. (ou) através de uma cláusula compromissória sobre
resolução de diferendos inserta num tratado bilateral ou
multilateral.
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1.2 Meios de resolução de diferendos

O artigo 33.º, nº1 da CONU, inserido no seu capítulo IV dedicado à «Solução pacifica de
controvérsias» é a principal fonte de DI universal que contém um elenco desenvolvido
– ainda que não exaustivo – dos meios pacíficos de resolução de controvérsias: a
negociação, o inquérito, a mediação, a conciliação, a arbitragem, a via judicial, o
recurso a organizações ou acordos regionais. O âmbito de aplicação do artigo prende-
se com o dever de resolução de controvérsias internacionais por meios pacíficos de
modo a que a paz e a segurança internacionais não sejam colocados em causa. O elenco
de meios pacíficos de resolução de diferendos constante da CONU e retomado, em
especial, na Declaração de Manila aprovada pela AG da ONU – que acrescenta ao elenco
os bons ofícios.

O elenco de meios pacíficos de resolução de diferendos contidos em fontes de DI, em


especial no quadro da ONU, é, para efeitos de estudo, em regra agrupado em várias
categorias:

 Meios diplomáticos, abrange os bons ofícios, a negociação, o inquérito, a


mediação e a conciliação, não conduzem a uma decisão obrigatória para as
partes envolvidas no diferendo;
 Meios jurisdicionais, arbitragem e meios judiciais, distinguem-se dos meios
anteriores por conduzirem a uma decisão obrigatória para as partes envolvidas
no diferendo;
 Meios não permanentes ou arbitrais (arbitragem);
 Meios permanentes ou judiciais (jurisdição permanente);
1. Algumas fontes de DI institutiva de meios jurisdicionais
permanentes, de tipo judicial, conferem alguma
relevância à vontade estadual na respetiva composição ou
modo de organização e funcionamento, através da figura
do juiz ad hoc ou ad litem e/ou das secções ou câmaras ad
hoc, constituídos em determinado diferendo;

10
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2. A Ordem jurídica Internacional regista uma tendência de


aproximação dos meios arbitrais aos meios judiciais, no
sentido da sua institucionalização, ou seja, na instituição
de um quadro permanente regulador da constituição e
jurisdição de tribunais arbitrais.
3. A evolução da ordem jurídica internacional demonstra
que podem existir vários sentidos ou nível de
“permanência” enquanto critério da delimitação dos
meios jurisdicionais permanentes: a permanência
enquanto traço essencial do funcionamento do tribunal,
o qual uma vez criado, se mantem em funcionamento para
a apreciação de quaisquer diferendos que lhe sejam
submetidos e abrangidos pela sua jurisdição; a
permanência entendida no sentido de funcionamento do
tribunal enquanto durar a missão de julgar que lhe seja
cometida, paradigma dos tribunais internacionais criados
pelo CS; a permanência no sentido de existência de uma
composição pré-existente do meio jurisdicional
competente para dirimir diferendos entre as partes que
funciona numa base de disponibilidade permanente.
a) A criação de jurisdições permanentes, através da criação
do Tribunal Permanente de Justiça Internacional (TPJI) e,
depois, do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), surge
20
associada ao princípio do consentimento na
resolução de diferendos – já que a sujeição à jurisdição de
tais tribunais permanentes, de índole universal e de
âmbito genérico, depende do consentimento expresso
dos Estados e, assim, da vontade soberana destes na
Ordem jurídica Internacional.

20
Paradigma do TIJ no seio da ONU

11
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b) Modelos em que existem graus diferenciados de


transferência de soberania:
a. Desnecessidade de ato por parte do estado apara
aceitar a jurisdição;
b. Casos em que os Estados ainda podem configurar
o litígio;
c. Casos em que os Estados têm de aceitar a
jurisdição.

§ 2 A especialização do Direito Internacional e a criação de meios


jurisdicionais permanentes específicos de garantia e resolução de
diferendos

O fenómeno da génese e, sobretudo, da evolução da Justiça Internacional objeto de


estudo enquadra-se no Direito Internacional moderno e encontra-se indissociavelmente
ligado à evolução e estruturação da comunidade internacional. A evolução da Justiça
Internacional assume, no quadro da evolução do DI moderno, duas tendências
fundamentais:

1. A criação de instituições jurisdicionais internacionais a par da criação


de órgãos jurisdicionais internacionais (de OI) enquanto meios
jurisdicionais permanentes específicos de garantia do Direito
Internacional e resolução pacífica de diferendos;
2. Criação de instituições e órgãos jurisdicionais especializados em razão
da matéria, nomeadamente em matéria de DI penal, DI do mar, de DI
administrativo e DI dos direitos humanos.

Assiste-se por isso, a partir da segunda metade do seculo XX, a um fenómeno, que se
mantem no seculo XXI, de proliferação de meios judiciais de resolução de diferendos –
sob a forma de instituições jurisdicionais internacionais ou órgãos jurisdicionais de
organizações internacionais – quer à escala universal ou regional. Evolui-se para
sistemas de Justiça Internacional universais especializados por domínios ou áreas de
direito internacional como sucede por exemplo, com o Direito Internacional do Mar e

12
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para sistemas de Justiça Internacional regionais, quer no âmbito genérico, quer no


âmbito generalizado – como sucede com a Justiça regional no quadro da União Europeia
ou União Africana.

O fenómeno de proliferação de meios judiciais de resolução de diferendos e


correspondentes sistemas de Justiça internacional não significou no entanto a existência
de um padrão único e dominante em termos da sua configuração: não obstante os
pontos de contacto entre vários sistemas, estes assumem contornos diferentes em
função do contexto da respetiva génese.

§ 3 A evolução do Direito Internacional e a relevância de sujeitos não


estaduais em matéria de garantia do Direito Internacional e resolução de
diferendos

A evolução registada no Direito Internacional moderno vai também no sentido da


relevância progressiva de sujeitos não estaduais, designadamente as Organizações
Internacionais e alguns sujeitos infra-estaduais – em especial o individuo e as ONG’s. A
relevância dos sujeitos não estaduais para efeitos de Justiça Internacional pode, pois,
assumir uma dupla vertente:

1. A possibilidade de ação, como sujeitos ativos, junto de órgãos


jurisdicionais ou de instituições jurisdicionais internacionais,
universais ou regionais, para efeitos de reconhecimento de direitos
fundados no Direito Internacional;
2. A possibilidade de demanda, como sujeitos passivos, nos mesmos
órgãos e instituições jurisdicionais internacionais, para proteção de
direitos de terceiros fundados no Direito Internacional ou proteção
de valores transnacionais inerentes à Comunidade Internacional,
considerada no seu todo.

A relevância progressiva dos sujeitos não estaduais no quadro da resolução de


diferendos pela via da jurisdição permanete traduz-se, em concreto, na ampliação do
acesso aos maios judiciais de garantia de resolução de diferendos, bem como na sujeição

13
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à jurisdição dos mesmos – ou seja na ampliação da legitimidade ativa e da legitimidade


passiva de cada sistema da Jutiça Internacional.

A proliferação dos sistemas de Justiça Internacional, universais mas sobretudo regionais,


e respetivos contornos, demonstram a evolução do contencioso internacional
interestadual para um contencioso internacional alargado a sujeitos de Direito infra-
estaduais ou não estaduais, com particular relevo para as OI e respetivos órgãos, os
indivíduos e as ONG’s.

1. Relativamente às Organizações Internacionais enquanto titulares de


legitimidade ativa e de legitimidade passiva, tal legitimidade, quando
existe – o que sucede em regra nos sistemas regionais – traduz-se na
reclamação por parte – ou na demanda através – dos respetivos órgãos.
2. Quanto aos sujeitos infra-estaduais, a tendência de alargamento da
legitimidade ativa no âmbito de sistemas de Justiça Internacional
respeita essencialmente ao individuo – sem prejuízo de alguns casos,
ainda que minoritários, em que pode ocorrer em pessoas coletivas,
exemplo do Direito Internacional do Mar no que respeita à Área e à
jurisdição da Camara de Controvérsias dos Fundos Marinhos do ITLOS.
Por outro lado, a relevância da legitimidade passiva do individuo no
âmbito de sistemas de Justiça Internacional prende-se essencialmente
com o princípio da responsabilidade criminal à luz do Direito
Internacional e a pratica de fatos que integrem os tipos legais de crimes
internacionais.
3. As ONG’s, no quadro da Justiça Internacional manifestam a sua relevância
no quadro regional, como sucede em matéria de proteção dos direito
humanos, respetivamente, no âmbito do sistema europeu do Conselho
da Europa.

14
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CAPÍTULO II – JUSTIÇA INTERNACIONAL: DELIMITAÇÃO


CONCEPTUAL21

§ 4 Justiça Internacional: delimitação do conceito

4.1 Os sentidos possíveis da expressão Justiça Internacional

A expressão Justiça Internacional pode comportar uma pluralidade de sentidos,


designadamente um sentido material ou orgânico – processual. Para efeitos
instrumentais de delimitação do objeto de estudo e fixação do objeto da disciplina,
afiguram-se dois sentidos possíveis para a definição do objeto: Justiça Internacional em
sentido amplo e Justiça Internacional em sentido restrito.

4.1.1 Justiça Internacional lato sensu

Pode entender-se a garantia do Direito Internacional e a resolução pacífica de


diferendos através de quaisquer meios permitidos e consagrados pela Ordem Jurídica
Internacional. A expressão justiça Internacional lato sensu reporta-se, pois, ao conjunto
dos meios de resolução pacifica de diferendos internacionais, entre sujeitos de Direito
Internacional ou com relevância internacional e relativos à interpretação e/ou
aplicação de fontes de DI, que constituem meios de garantia do Direito Internacional
e que incluem, entre outros a via jurisdicional – arbitragem ou jurisdição permanente.

4.1.2 Justiça Internacional stricto sensu

Pode entender-se o conjunto dos meios jurisdicionais permanentes de resolução


pacifica de diferendos internacionais entre sujeitos de Direito Internacional ou com
relevância internacional e relativos à interpretação e/ou aplicação de fontes de DI – e
que constituem meios de garantia do Direito Internacional. Os meios jurisdicionais em
causa – tribunais internacionais ou jurisdições internacionais -, com carater
permanente, específicos para aquele fim e para tal instituídos, abrangem quer órgãos

21
De acordo com o plano das Lições de Maria Rangel de Mesquita, AAFDL, 2010

15
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jurisdicionais de Organizações Internacionais quer as instituições jurisdicionais


internacionais e dão corpo a um contencioso internacional.

4.2 Considerações de ordem terminológica

No quadro do conceito de Justiça Internacional stricto sensu, a existência de meios


jurisdicionais permanentes, de tipo judicial, de resolução de diferendos internacionais
traduz-se na existência de jurisdições internacionais ou de tribunais internacionais.~

Rangel de Mesquita cita AMERASINGHE,22 autor que refere em primeiro lugar que a
palavra jurisdição comporta uma pluralidade de sentidos, desde logo a autoridade para
a declaração do direito ou de uma situação jurídica. O termo jurisdição internacional
pode ser tomado num duplo sentido: em sentido material – jurisdictio (autoridade ou
competência para declarar o direito, para a resolução de um diferendo através de uma
decisão obrigatória para as partes e pela aplicação do direito internacional23 ); e em
sentido orgânico, enquanto sinonimo de tribunal internacional. Este último enquanto
meio jurisdicional permanente de resolução de diferendos internacionais, implica a
verificação de um conjunto de requisitos principais. A doutrina aponta designadamente
os seguintes: a existência de uma decisão, obrigatória para as partes, através da
aplicação de regras de processo contraditório que garantam igualdade das partes e o
direito de defesa.

22
AMERASINGHE, Chittharanjan, Jurisdiction of Specific International Tribunals, pág. 7 e ss.
“Embora, como observado, a "jurisdição" possa abranger muitos aspetos da atividade judicial, haveria
concordância de que, quando um tribunal abordar questões de jurisdição (matters of jurisdiciton) em
sentido básico, pode ter que decidir:
(i) Decidir se tem autoridade para proceder ao inquérito e resolver a disputa pronunciando-se sobre
qualquer aspeto da mesma, isto é, a competência da competência “Kompetenz-Kompetenz”;
(ii) Se foi legalmente constituído;
(iii) Se existem determinadas deficiências, expressas ou inerentes, na submissão do litígio à luz dos
instrumentos constitutivos que impedem de examinar o caso ainda mais com o objetivo de resolver a
disputa ou qualquer parte judicialmente, ou seja, decidir se tem competência ou é incompetente
(competência no caso concreto);
(iv) mesmo que não existam deficiências no litígio, se existem outros obstáculos ao seu procedimento
judiciário para resolver que se relacionam com a admissibilidade do litígio (recevabilité);
(v) se ele pode exercer o poder de agir em relação a aspetos importantes da jurisdição incidental, a saber,
lidar com intervenções e ordenar medidas provisórias (questões incidentais).
Ao examinar a "jurisdição" dos tribunais específicos selecionados, são estas cinco áreas de atuação que
serão particularmente mantidas em mente. Também pode ser observado o fato de que, no que diz respeito
a um tribunal particular ou a um grupo de tribunais, apenas algumas dessas áreas possam ser tidas em
conta.”
23
SANTULLI identifica três elementos essenciais da jurisdição, à luz de um critério funcional: diferendo,
aplicação do direito e carater obrigatório.

16
JOÃO MARTINHO MARQUES

Da comparação entre meios arbitrais e meios judiciais de resolução de diferendos,


resulta desde logo que a existência de um tribunal internacional implica a verificação
dos requisitos da permanência e do carater obrigatório da decisão a proferir, bem como
da aplicação de regras jurídicas – no caso de direito internacional, devendo claro,
verificar-se também o requisito da independência24.

A existência de um tribunal internacional implicará que a sua criação tenha o seu


fundamento numa fonte de Direito Internacional, como é regra um Tratado
Internacional entre Estados soberanos, seja um ato de direito derivado aprovado pelo
órgão competente de uma Organização internacional2526.

Por órgão jurisdicional internacional, à luz da terminologia jurídica portuguesa, deve


entender-se o centro de imputação da vontade de uma pessoa coletiva – organização
internacional – de índole judicial, ao qual o respetivo ato Institutivo atribui o poder de
declarar o direito através de uma decisão obrigatória para as partes. Neste quadro se
enquadram, o TPJI e hoje o TIJ, órgão principal da ONU de índole jurisdicional, ou os
tribunais da União Europeia.

Duas alternativas que se afiguram possíveis em termos de caracterização da natureza


jurídica dos tribunais cujo ato criador não os configura como órgãos de uma organização
internacional como Organização Internacional, o que implicará a existência dos
principais elementos do conceito de Organização Internacional – ou, tendo em conta o
seu carater autónomo, como verdadeira instituição jurisdicional internacional
autónoma. Enquadram-se hoje na categoria de tribunal internacional não configurado
como órgão de uma organização internacional, em entender de RANGEL DE MESQUITA,

24
RANGEL DE MESQUITA, independência que se concretiza pela irrelevância da vontade nas partes na
composição do tribunal e na designação dos seus membros, bem como na organização e funcionamento,
pág 92
25
Caso do CS das Nações Unidas no caso específico de criação de tribunais internacionais penais para a
ex-Jugoslávia e para o Ruanda, instituídos por ato daquele órgão. Ob.cit pág.92.
26
DIEZ DE VELASCO, Las organizaciones Internacionales, pág. 431. Uma jurisdição que apenas irá julgar
casos específicos que perduram em determinada altura no tempo e que finda após o seu julgamento não
faria sentido ser acompanhada da criação de uma organização internacional, diferentemente o TPI que
terá como objetivo perdurar no tempo caber-lhe-á a criação de regras específicas.

17
JOÃO MARTINHO MARQUES

a nível universal, TPI27 e o TIDM, ao nível regional o TEDH. Podem chamar-se também a
estes tribunais: «tribunais especializados de âmbito universal28».

A doutrina Portuguesa que de modo mais desenvolvido estuda os tribunais


internacionais refere-se aos tribunais em causa de modo diverso. Jorge MIRANDA
refere-se ao TEDH como «órgão jurisdicional» do «sistema institucional» da CEDH e ao
TPI como «ente sui generis».

Os três principais tribunais internacionais, universais ou regionais, que não foram


configurados expressamente, pelos respetivos atos Institutivos como órgãos de uma
Organização internacional podem apresentar alguns elementos caraterizadores
passiveis de os aproximar do conceito de Organização internacional. Jorge MIRANDA
identifica dois elementos identificadores de qualquer Organização Internacional:
elemento material e elemento formal. A doutrina espanhola identifica quatro elementos
que permitem diferenciar Organizações internacionais de entidades afins: a
composição, essencialmente estadual, a base jurídica em regra convencional, a
estrutura orgânica permanente e independente e a autonomia jurídica29. Os principais
tribunais internacionais hoje existentes em causa (TPI, TIDM e TEDH) não só foram
criados por convenção internacional entre estados soberanos como as convenções
institutivas dos mesmos definiram os seus “objetivos” e respetiva “competência”.
Todavia, nem sempre o ato Institutivo do tribunal internacional lhe confere
expressamente personalidade jurídica e consagra uma estrutura orgânica dos entes
criados.

4.3 Tipologias de Justiça Internacional stricto sensu

No quadro da justiça internacional entendida em sentido restrito, importa, para efeitos


metodológicos, fixar um conjunto de tipologias de Justiça Internacional em torno das
quais se organiza a sistematização do programa da disciplina de justiça internacional.

27
Excecionalmente, DIEZ DE VELASCO, qualifica o TPI simultaneamente como Organização Internacional
de âmbito universal e «primeira jurisdição internacional de carater permanente» e qualifica o TEDH
como «órgão jurisdicional de carater permanente».
28
DIEZ DE VELASCO, relativamente ao TIDM
29
DIEZ DE VELASCO, pág. 43

18
JOÃO MARTINHO MARQUES

4.3.1 Justiça Internacional geral e Justiça Internacional


especial

A distinção entre justiça internacional geral e Justiça Internacional especial assenta num
critério material, ou seja, relativo ao âmbito material abrangido na jurisdição de cada
tribunal internacional que integra cada sistema de Justiça Internacional. Esta tipologia
visa essencialmente distinguir a Justiça Internacional de âmbito genérico, ou não
especializada em razão da matéria, e que, por isso pode apreciar a priori um diferendo
relativo a qualquer área do Direito Internacional, da Justiça especializada em razão da
matéria ou jurisdição internacional de competência restrita ratione materiae: que
apenas pode apreciar diferendos num dado domínio material do Direito Internacional.

4.3.2 Justiça Internacional universal e Justiça Internacional


regional

Por sei turno, a distinção entre Justiça internacional universal (ou quase-universal) e
Justiça Internacional Regional funda-se num critério geográfico ou espacial, em especial
na perspetiva dos sujeitos de Direito Internacional que estiveram na sua génese e dos
sujeitos de Direito Internacional. Esta tipologia visa basicamente distinguir sistemas de
Justiça Internacional cuja génese e funcionamento estão envolvidos sujeitos de Direito
Internacional à escala mundial, isto é tendencialmente todos os sujeitos, os Estados, e
que se destinam a resolver diferendos entre os Estados no sistema em cuja génese estão
envolvidos.

4.3.3 Justiça Internacional permanente e Justiça Internacional


não permanente (ad hoc)

Por último, a distinção entre Justiça Internacional permanente e não permanente ou ad


hoc funda-se num critério temporal. Esta tipologia tem por intuito, basicamente,
distinguir entre os sistemas de Justiça Internacional configurados como sistemas de
funcionamento ininterrupto, ou sem horizonte temporal para o seu termo. Os sistemas
não permanentes ou ad hoc criados com a finalidade de apreciar jurisdicionalmente um

19
JOÃO MARTINHO MARQUES

dado diferendo ou um conjunto de diferendos ou casos e cuja jurisdição se esgota com


a prossecução da missão jurisdicional que lhe seja confiada pelo respetivo ato
Institutivo, será mais ou menos prolongado dependendo da natureza e alcance da
missão para o qual é constituído.

§ 5 O objeto da disciplina de Justiça Internacional

§ 6 Considerações de ordem metodológica e sequência

6.1 Considerações de ordem metodológica

6.2 Sequência

CAPÍTULO III – ELEMENTOS ESTRUTURANTES DA JUSTIÇA


INTERNACIONAL (SUBSÍDIOS PARA UMA TEORIA GERAL DA
JUSTIÇA INTERNACIONAL)

20
JOÃO MARTINHO MARQUES

§ 7 Justiça Internacional: elementos estruturantes

7.1. A natureza da fonte de Direito internacional institutiva

A fonte de Direito institutiva dos sistemas de Justiça Internacional objeto de estudo


assume a natureza de fonte de Direito Internacional (Pode assumir diferentes formas
jurídicas). A fonte institutiva de sistemas de Justiça Internacional mais comum assume
a forma de (1) Tratado Internacional celebrado entre sujeitos de Direito Internacional,
multilaterais ou bilaterais: em regra tratado celebrado entre Estados e,
excecionalmente, entre um Estado e uma organização internacional. A generalidade das
fontes institutivas de sistemas de Justiça Internacional universal e regional enquadram-
se na primeira categoria30. Excecionalmente, verifica-se que a instituição de um dado
sistema de Justiça Internacional, resulta de (2) acordo celebrado entre um Estado e uma
Organização Internacional, como é o caso, entre outros, do Acordo celebrado entre a
ONU e o Governo da Serra Leoa para a criação do Tribunal Especial para a Serra Leoa,
ou mais recentemente, do Acordo sobre a criação de um Tribunal Especial para o Líbano.
Estes acordos não se furtam da aplicação das disposições das regras e princípios
internacionais aplicáveis, particularmente no disposto na Convenção de Viena sobre o
Direito dos Tratados de 23 de Maio de 1969 e a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações
Internacionais de 1986. A instituição de sistemas de Justiça Internacional pode também
resultar, excecionalmente, de (3) atos de órgãos de Organizações Internacionais,
exemplo paradigmático dos Tribunais internacionais (penais) ad hoc para a ex-Jugoslávia
e para o Ruanda. A criação de tribunais internacionais por ato de direito derivado de
uma OI implica necessariamente a conformação com o ato Institutivo da Organização

30
É o caso, ao nível universal, da criação do TIJ, do sistema de controvérsias da OMC ou do TPI; e ao
nível regional, do sistema assente no TEDH ou no sistema instituído no âmbito da UA ou da
Comunidade Andina.

21
JOÃO MARTINHO MARQUES

em causa, parâmetro de fundamento da validade do direito derivado da Organização.


Excecionalmente também a instituição de sistemas de Justiça Internacional, no caso, (4)
Justiça internacionalizada, pode resultar de fonte diversa: atos (de direito derivado)
aprovados por missões de uma OI – a ONU – de administração de um território, caso do
Kosovo e Timor Leste.

(Natureza da fonte Institutiva de um Sistema de Justiça Internacional)

Sistema de Justiça Internacional

(3) Atos de órgãos (2) Acordos celebrados


de uma OI entre um Estado e uma
(4) Atos de direito (1) Tratados Internacionais OI
derivado (Justiça
Internacionalizad

Tribunais Penais
T.E para a Serra Leoa
Ad Hoc
Multilaterais Bilaterais
ONU, Administração
do território Kosovo
e Timor Leste

Generalidade dos
sistemas de Justiça
Internacional
Universal e Regional

22
JOÃO MARTINHO MARQUES

Em rigor, qualquer das formas indicadas, enquanto categorias diversas de fontes de DI,
empregues para a criação de Sistemas de Justiça Internacional – ou de Justiça
Internacionalizada, assentam, em última análise, na soberania estadual. Em alguns casos
diretamente, na medida em que o ato Institutivo do sistema é uma manifestação
imediata da vontade do Estado (1) e (2). Noutros casos indiretamente, em primeiro ou
segundo grau, na medida em que o ato Institutivo implica sempre uma previa
manifestação de vontade estadual na criação da OI e na definição do principio da
especialidade e da competência de atribuição dos respetivos órgãos, ambos expressos
no ato Institutivo da OI. Por isso, a instituição de tribunais internacionais afigura-se em
última analise uma expressão, direta ou indireta, da soberania estadual.

7.2. A natureza jurídica da jurisdição: instituição ou órgão?

A Jurisdição Internacional em sentido orgânico ou Tribunal Internacional, enquanto


elemento integrante de um dado sistema de Justiça Internacional, pode revestir, em
termos de qualificação, uma dupla31 natureza jurídica: a de órgão (judicial) – principal
ou secundário, permanente ou ad hoc – de Organização Internacional, universal ou
regional, ou a de Instituição jurisdicional Internacional, universal ou regional.

31
Cfr. Capítulo II, § 4, 4.2

23
JOÃO MARTINHO MARQUES

Jurisdição Internacional em
sentido orgânico ou Tribunal
Internacional
Dupla natureza

Principal (1) Natureza de órgão (2) Natureza de Instituição


(judicial) de uma Jurisdicional Internacional
Organização Internacional

Secundário Regional

Universal
Ad Hoc
Permanente

TIJ, órgão TEDH


Permanente e
principal da ONU TPI e TIDM

Entes autónomos de índole


Tribunais Penais para a judicial que não integram a
ex- Jugoslávia e Ruanda estrutura orgânica de qualquer
OI pré-existente, criadas por
fonte de DI convencional
atributiva de jurisdictio, e
porventura dotadas de órgãos
próprios.

7.3. As caraterísticas da jurisdição

O elemento estruturante da Justiça Internacional relativo às caraterísticas da Jurisdição


internacional prende-se com o seu carater permanente, o seu carater exclusivo ou não

24
JOÃO MARTINHO MARQUES

exclusivo, o seu caráter obrigatório ou facultativo e, ainda, a admissibilidade de


reservas.

 A jurisdição relevante para efeitos de estudo assume sempre caráter de


permanência, ainda que possa comportar uma pluralidade de sentidos ou
diferentes graus de permanência.
 A jurisdição dos Tribunais Internacionais objeto de estudo afigura-se em regra
não exclusiva, no sentido de não afastar a jurisdição concorrente de outros
sistemas de Justiça Internacional – é o que sucede relativamente ao TIDM ou ao
TIJ. O carater exclusivo da jurisdição afigura-se uma exceção, que se verifica por
norma ao nível dos sistemas de Justiça Internacional regional, quer se trate de
Justiça de âmbito genérico quer Justiça de âmbito especial em razão da matéria
– assim ocorre quanto à jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia ou
do TEDH.
Relativamente à Justiça Internacional Universal, especializada em matéria de
Direito do Mar, a jurisdição da Camara de Controvérsias dos Fundos Marinhos
do TIDM, afigura-se exclusiva.
 Quanto ao caráter obrigatório ou facultativo da jurisdição, a regra consiste
ainda, na generalidade dos sistemas de Justiça Internacional, na jurisdição
facultativa – a que subjaz o princípio da base consensual da jurisdição. Tal
significa que a instituição de uma jurisdição internacional através do seu ato
Institutivo não dispensa uma manifestação suplementar de vontade dos Estados
em se vincularem à jurisdição do Tribunal Internacional (quer através de uma
manifestação de vontade de ordem geral, ainda que acompanhada de
declarações [como sucede com a clausula facultativa de jurisdição obrigatória
em ralação ao TIJ], que vale para a generalidade dos diferendos supervenientes,
quer através de uma manifestação de vontade reportada a um diferendo em
concreto.
O Caráter obrigatório, da jurisdição afigura-se porventura ainda a exceção, mais
frequente ao nível da Justiça Internacional regional, em que o carater obrigatório
da jurisdição decorre “automaticamente” da vinculação ao ato Institutivo do
Sistema de Justiça Internacional em causa. Ao nível regional, por exemplo, a

25
JOÃO MARTINHO MARQUES

jurisdição do TEDH após as alterações introduzidas pelo protocolo n.º 11, ou o


TJUE32 e, ao nível universal, a jurisdição da CCFM do TIDM.

7.4. A natureza jurídico-internacional dos diferendos objeto da jurisdição

Os critérios essenciais para a sua determinação reportam-se aos sujeitos e às fontes.

 Por um lado, os diferendos abrangidos na jurisdição de um dado sistema de


Justiça Internacional afiguram-se como diferendos entre sujeitos, ou que
envolvem sujeitos, de Direito Internacional ou com relevância jurídico-
internacional: caso dos Estados, OI, depois sujeitos infra-estaduais – indivíduos,
ONG’S e em alguns casos Pessoas coletivas.
 Qualidade do demandante (vertente ativa) e do demandado (vertente passiva).
No entanto o elenco dos sujeitos que, ativa ou passivamente, relevam no âmbito
de uma jurisdição internacional é em regra definido a priori pelo respetivo ato
Institutivo.

7.5. O âmbito de competência ratione materiae, ratione personae, ratione


temporis e ratione loci

Critérios de determinação do âmbito de competência de um Tribunal Internacional


integrado num dado sistema de Justiça Internacional:

 A competência ratione materiae, ou em razão da matéria, prende-se com a


natureza dos diferendos sujeitos a uma dada jurisdição internacional: esta pode
abranger a resolução de diferendos de âmbito geral ou apenas a determinadas
matérias.

32
Até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa (2007) a jurisdição do TJUE comportava uma
componente de jurisdição obrigatória e uma componente especial de jurisdição facultativa no âmbito
do terceiro pilar da EU e relativa ao processo das questões prejudiciais (35.º, n.ºs 2 e 3, do TUE na
versão anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa) – esta componente desapareceu com as
alterações introduzidas pelo TL ao TUE e ao TFUE. Note-se todavia que a jurisdição obrigatória do
TJUE não se estende a todos os domínios materiais abrangidos nas atribuições da União – dado que a
competência do TJUE não existe, com uma exceção, no domínio da Política Externa e de Segurança
comum (PESC), artigos 24.º, nº1, par. 2, do TUE e 275.º TFUE.

26
JOÃO MARTINHO MARQUES

 A competência ratione personae, ou em razão das pessoas sujeitas a uma dada


jurisdição internacional, prende-se com a determinação daqueles sujeitos de DI
– ou com relevância internacional – cujos comportamentos, por ação ou
omissão, podem ser apreciados por tal jurisdição. A determinação desta
competência assume especial relevância no caso da Justiça Internacional de
âmbito especial, em material penal, já que a justiça internacional penal é
indissociável do princípio da responsabilidade criminal individual.
 A competência ratione temporis, ou em razão do tempo, reporta-se à
determinação do momento temporal a partir do qual a jurisdição pode exercer-
se e, assim, a determinação dos fatos que podem ser apreciados no âmbito da
resolução de um diferendo ou apreciação de uma dada situação. Especial
relevância no domínio da Justiça Internacional penal, tem que ver com a
admissibilidade, ou não, da competência retroativa, ou seja, em relação a fatos
ocorridos antes da constituição da jurisdição. (exceção claro, dos casos ad hoc
para a ex-Jugoslávia e Ruanda onde o CS da ONU, dirimiu a questão).
 A competência ratione loci, ou em razão do lugar, delimitação geográfica ou
territorial para efeitos de apreciação da prática de fatos abrangidos no âmbito
da competência material.

27
JOÃO MARTINHO MARQUES

7.6. A natureza e extensão da competência

A natureza e extensão da competência

Competência contenciosa: Competência consultiva:


Resolução de um diferendo Emissão de pareceres jurídicos
com efeitos obrigatórios sobre uma questão de Direito
para as partes Internacional com carater não
vinculativo

Pode variar em função do


Sistema de Justiça
Internacional em que se
integra.

Competência
Competência
meramente
Anulatória
declarativa

Competência
Sancionatória de plena
jurisdição

Em qualquer caso, é inerente da


competência dos tribunais
internacionais o exercício da
competence de la competence, ou
seja, a competência para decidir
sobre a sua própria competência e
ainda para decretar medidas
cautelares no âmbito concreto da sua
jurisdição

28
JOÃO MARTINHO MARQUES

7.7. A diferenciação ou indiferenciação dos meios contenciosos

Diz respeito à existência ou inexistência, no âmbito de um dado sistema de Justiça


Internacional, de procedimentos principais diferenciados – com finalidades distintas e
que implicam diversos poderes contenciosos, mais ou menos extensos por parte do
Tribunal.
Na sua génese, a Justiça Internacional é caraterizada pela indiferenciação dos meios
contenciosos, regra que ainda se mantém quanto à Justiça Internacional universal.
A evolução da Justiça Internacional e a proliferação de sistemas regionais veio
excecionara regra: é no âmbito de sistemas de Justiça Internacional Regional, e de
âmbito geral, que se regista uma diferenciação de meios contenciosos principais, em
razão, designadamente, da natureza e extensão da competência conferida às respetivas
jurisdições e das finalidades a obter através de uma intervenção contenciosa daquelas.

Quando se verifica, num dado sistema de Justiça Internacional regional, a diferenciação


de meios contenciosos e, assim, a consagração de diferentes ações ou recursos, com
diferentes finalidades, no âmbito do sistema instituído, os meios contenciosos tendem
a reconduzir-se a algumas categorias de meios contenciosos principais, nomeadamente
meios contenciosos de controlo da legalidade de atos e omissões imputadas a órgãos
de uma OI, ou de plena jurisdição, no quadro dos quais os tribunais dispõem de amplos
poderes de apreciação, incluindo a modificação do montante de sanções aplicadas por
órgão administrativo ou a aferição da responsabilidade extracontratual de OI e
respetivos órgãos.
Alguns sistemas apresentam trações de originalidade, como é o caso do processo por
incumprimento estadual do Direito da Organização no qual o sistema de Justiça
Internacional se enquadra, ou, ainda, o processo das questões prejudiciais, que se
carateriza por uma relação de cooperação entre a Justiça regional e a Justiça nacional.

29
JOÃO MARTINHO MARQUES

7.8. A legitimidade ativa e passiva

 Legitimidade ativa, para acedera aos tribunais internacionais, as categorias de


sujeitos de DI ou com relevância internacional, reconduzem-se a três principais:
os Estados, enquanto sujeito de DI por excelência, as OI e respetivos órgãos e os
sujeitos infra-estaduais, em especial o individuo e as ONG’S, e em casos
específicos pessoas coletivas de direito interno.
o A abertura da jurisdição internacional, em termos de legitimidade ativa,
a sujeitos não estaduais, é indissociável de três aspetos:
1- A natureza jurídica da OI em que se insere o Sistema de Justiça
Internacional em causa;
2- A tendência para a especialização do DI;
3- Quando o sistema de Justiça Internacional não esteja integrado numa
OI, a proteção de valores da Comunidade Internacional que se
pretendem transnacionais e supraestaduais.
 Legitimidade Passiva, e para além da sua extensão a sujeitos não estaduais, como
é o caso de OI e dos respetivos órgãos. A expressão máxima do avanço nesta
matéria +e no domínio da Justiça Internacional Penal

30
JOÃO MARTINHO MARQUES

7.9. A atribuição de jurisdição e o seu exercício

7.10. Composição, organização e funcionamento

31
JOÃO MARTINHO MARQUES

7.11. As fontes de Direito aplicadas

7.12. A criação e a aplicação de regras complementares

32
JOÃO MARTINHO MARQUES

7.13. O processo

7.14. As sentenças e a sua execução

As sentenças e a sua execução afiguram-se um elemento estruturante da Justiça


Internacional de grande relevo.
As sentenças dos tribunais internacionais são a expressão máxima da sua competência
de ius dicere e, assim, da sua competência contenciosa de interpretação e de aplicação
do DI ao caso concreto e de resolução jurídica, com efeitos obrigatórios, de diferendos
internacionais ou de apreciação de responsabilidade criminal internacional.

Quanto à natureza das sentenças, estas revestem sempre o carater obrigatório


enquanto traço inerente à natureza judicial do meio de resolução pacífica de conflitos.

33
JOÃO MARTINHO MARQUES

34
JOÃO MARTINHO MARQUES

7.15. A magistratura internacional

7.16. O financiamento do orçamento da Justiça Internacional

35
JOÃO MARTINHO MARQUES

JURISPRUDÊNCIA

TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA (TIJ)

I. Austrália v. Japan: JARPA II (2010 – 2014)33

Antecedentes e fatos

A controvérsia funda-se predominantemente na interpretação da Convenção Internacional de 1946 para


o Regulamento da Caça à Baleia. Ao longo do tempo, a ICRW 34 (International Convention for the
Regulation of Whaling) foi sujeita a um ajuste considerável pela IWC 35 (International Whaling
Commission) e gradualmente o foco foi apontado para a questão da conservação. Isto é particularmente
visível em várias disposições da ICRW. O primeiro é o parágrafo 10 (e) “Não obstante as outras provisões
do parágrafo 10 o limite de capturas para fins comerciais de baleias de todos os estoques durante a época
de caça costeira de 1986 e a época de caça pelágica 1985-1986 e seguintes, será fixado em zero. Esta
provisão será revista, com base no melhor parecer científico, e, no máximo até 1990, a Comissão levará a
cabo uma avaliação completa dos efeitos desta decisão nos estoques de baleias e considerará a
modificação desta provisão e o estabelecimento de outros limites de capturas”. O segundo é encontrado
nos parágrafos 7 (a) e (b) que criam um Santuário do Oceano Índico e um Santuário do Oceano Austral
dentro do qual é proibida toda a caça comercial:
“a) De acordo com o artigo V, 1), c), da Convenção, a atividade baleeira comercial envolvendo operações
pelágicas ou a partir de estações terrestres está proibida na região designada como santuário do oceano
Índico. Esta área abrange as águas do hemisfério norte, desde a costa de África até 100ºE., incluindo os
mares Vermelho e Arábico e o golfo de Omã, e as águas do hemisfério sul no sector de 20ºE. até 130ºE.,
com o limite sul de 55S.”

b) De acordo com o artigo V, 1), c), da Convenção, a atividade baleeira comercial envolvendo operações
pelágicas ou a partir de estações terrestres está proibida na região designada como santuário do oceano
do Sul. Este santuário abrange as águas do hemisfério sul a sul da seguinte linha: iniciando-se (…..)

33
Jurisprudência Resumida do Tribunal Internacional de Justiça, pág. 348-351.
34
International Convention for the Regulation of Whaling (Convenção internacional para a
regulamentação da caça à baleia): https://dre.pt/application/dir/pdf1s/2002/05/102A00/41934225.pdf
35
https://iwc.int/home

36
JOÃO MARTINHO MARQUES

Dentro da IWC, o anúncio da JARPA II recebeu um forte protesto com as Resoluções adotadas pela
Comissão em 2005 e 2007, solicitando ao Japão que reveja o programa de pesquisa para que seja realizado
por meio de pesquisas não-letais, o que significa suspender os métodos letais do programa. Ao longo da
conduta japonesa de JARPA e JARPA II, a Austrália levantou persistentemente as suas objeções ao
programa de caça à licença especial do Japão dentro da CBI, em discussões bilaterais com o Japão e com
as declarações públicas dos Ministros do governo. Em 28 de maio de 2010, o governo Australiano
anunciou sua intenção de iniciar ações judiciais contra o Japão e, em 31 de maio, instaurou esses
processos.

Decisão36
(para. 61) “O Tribunal considera que o Artigo VIII dá discrição a um Estado Parte no ICRW para rejeitar o
pedido de uma autorização especial ou especificar as condições em que uma licença será concedida. No
entanto, se a matança, a tomada e o tratamento de baleias de acordo com uma licença especial solicitada
é para fins de pesquisa científica não pode depender simplesmente da perceção desse Estado.”

O tribunal declarou que o Japão violou a convenção, ao não cumprir a moratória sobre a caça à baleia
comercial, ao permitir o uso de navios-fábrica para processar baleias e ao caçar baleias-comuns no
Santuário das Baleias do Oceano Austral, e que tinha de revogar ou não prorrogar as licenças atribuídas o
quadro do Programa JARPA II e abster-se de atribuir quaisquer novas licenças no âmbito do programa.

O Tribunal Internacional de Justiça em Especial

O artigo 36.º do ETIJ, estabelece a competência genérica do TIJ. É de salientar que ser parte no estatuto
não é sinonimo de aceitar a jurisdição do TIJ.

Artigo 36.º

1. A competência do Tribunal (*) abrange todas as questões que as partes lhe submetam, bem como todos
os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções em vigor.

2. Os Estados partes do presente Estatuto poderão, em qualquer momento, declarar que reconhecem
como obrigatória ipso facto e sem acordo especial, em relação a qualquer outro Estado que aceite a
mesma obrigação, a jurisdição do Tribunal em todas as controvérsias jurídicas que tenham por objeto:

36
http://www.icj-cij.org/files/case-related/148/148-20140331-JUD-01-00-EN.pdf

37
JOÃO MARTINHO MARQUES

Formas de atribuição de competência ao TIJ:

1. Cláusula Compromissória;
Para quê: (Competência
2. Compromisso; em razão da matéria)

3. Cláusula facultativa de Jurisdição obrigatória


Matéria

Reservas Tempo

4. Fórum Prorogatum37
Pessoas

No caso o Japão constitui reservas em relação à matéria do litígio, assim, o Japão apenas considera
competente para julgar a controvérsia do ITLOS. Casos em que pode haver sobreposição nos meios
aplicáveis, TIJ v. ITLOS. A solução passará pelo Princípio da livre escolha de meios de solução. Não sendo
possível a solução haverá que recorrer à arbitragem.

O número de Juízes será de 15, artigo 3.º do ETIJ.

II. Portugal v. Índia: Direito de Passagem (1955-1957)38

Argumentação do Estado Indiano:

5 Fev. 1930 - Declaração de Aceitação da Jurisdição do TIJ pelo Estado Indiano, para questões que surjam
após esta data; Portugal vem fundar o seu direito de passagem em tratados do século XVIII;
Logo, a Índia vem concluir que o caso não cabe na jurisdição do TIJ, dado que a disputa deve ser
considerada anterior a 5 Fev. 1930.

Mas o Tribunal vem indeferir esta objeção preliminar:

Distinção entre a fonte do direito invocado (que pode ser anterior à declaração de aceitação da jurisdição
do TIJ) e a data em que se dão os factos que levam à controvérsia; Esta última data é que relevante.
De todo o modo, ainda que o tribunal viesse a considerar que Portugal tem razão, os efeitos desse juízo
não seriam retractivos. Isto é, reportar-se-ão sempre apenas aos factos ocorridos em 1954.

Regime dos Marajás

Ocupação Britânica

37
É o nome que se dá a situações em que determinadas atitudes de um Estado demandado são
encaradas pelo Tribunal Internacional de Justiça como uma aceitação tácita das suas competências.
38
Jurisprudência Resumida do Tribunal Internacional de Justiça, pág. 113-116

38
JOÃO MARTINHO MARQUES

Independência da Índia

(15 Ago. 1947)

Regime dos Marajás

Tribunal

Comparação dos tratados referidos com outros da mesma época;

Quando se pretendia a transferência de soberania utilizavam-se expressões como “perpetuamente” ou


“em soberania perpétua”; No tratado apresentado pelos Portugueses estas expressões não aparecem;
Apenas se dá conta da concessão da renda de 12.000 rupias/ano.

Se a intenção do Marajá tivesse sido, desde logo, a transferência de soberania, não era necessário que
viesse dizer, a posteriori, o óbvio, isto é, que na soberania concedida aos portugueses se inclui a
autoridade para pôr fim a eventuais rebeliões.

Em suma, durante o Período dos Marajás não se pode dizer que os Portugueses fossem titulares de um
direito de passagem para o exercício de soberania.

Ocupação Britânica

Portugueses passam a dominar de forma soberana Dadra e Nagar-Aveli;

Ingleses aceitam tacitamente a situação (não reclamam, mas também não há qualquer acordo entre
Ingleses e Portugueses);

A situação mantém-se inalterada quando a Índia se torna independente;

As cidades em causa adquirem o carácter de “enclaves portugueses em território indiano”. Durante os


períodos Britânico e Pós-Britânico, desenvolveu-se um costume de passagem.

O Tribunal analisa o argumento distinguindo entre:

39
JOÃO MARTINHO MARQUES

a) Passagem de civis, mercadorias e bens em geral;

Assim, o tribunal vem concluir que “no que toca a pessoas (civis), mercadorias e bens em
geral, existiu durante o período Britânico e Pós-Britânico uma constante e uniforme prática de
permissão de passagem entre Damão e os enclaves, prática essa que se estendeu por mais de
um século, não sendo afetada pela alteração de regimes políticos, sendo certo que tal prática
era encarada como lei por ambas as partes, dando, portanto, origem a um direito de
passagem e à respetiva obrigação de deixar passar”

b) Passagem de forças militares, armamento;

Aqui a questão é diferente;

Análise da correspondência entre o Governador Inglês da Índia e o Governador Português da Índia.


Tribunal vem concluir que, em relação a forças armadas, forças policiais e armamento, nunca houve
uma prática de passagem livre, mas sempre de passagem autorizada. Situação que se mantém após a
Independência da Índia

Tribunal

Portugal concordou em que o seu direito de passagem sempre seria objeto de regulação (em boa fé) pelo
Estado Indiano. Dada a situação anormal de tensão naquele momento, a decisão de recusa de passagem
cabia na margem de regulamentação.

A Índia não violou a obrigação correlativa ao reconhecido direito de passagem.

III. Alemanha v. Itália: Imunidades Jurisdicionais do Estado (2008-2012)

Introdução

A Alemanha invoca a violação da sua imunidade de jurisdição, pela Itália ao julgar o Estado
alemão nos seus tribunais internos.

Imunidade de jurisdição é um dos conceitos mais importantes do Direito Internacional e, em


linhas gerais, impede que um Estado soberano não pode ser julgado por tribunais estrangeiros.

No caso Alemanha v. Itália, por exemplo, a Itália desrespeita a soberania alemã com o pretexto
de defender os Direitos Humanos. A Alemanha, por sua vez, zela pela sua imunidade de
jurisdição. O Tribunal Internacional de Justiça determinará qual princípio que deverá
prevalecer neste caso.
Outra crítica reiterada na petição são medidas restritivas aplicadas em um território de

40
JOÃO MARTINHO MARQUES

propriedade alemã, Villa Vigoni, usado para fins não comerciais e de intercâmbio cultural entre
os dois países, desrespeitando, assim, duplamente a imunidade jurisdicional alemã, ao submeter
a Alemanha a um tribunal italiano e ao aplicar as medidas restritivas sobre propriedade alemã.

Intervenção da Grécia

Na petição apresentada, a Grécia alega que sua intenção é intervir somente nos aspetos
procedimentais relativos aos julgamentos feitos em seu território, reforçados pela
jurisprudência italiana. Segundo a Grécia, nenhuma das partes do caso levou em consideração
as implicações deste para terceiros Estados, advogando o princípio de segurança jurídica (CIJ,
2011a, p.5).

1. O princípio de imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro

De forma sucinta, o conceito de imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro leva em


consideração os princípios de soberania, igualdade e não interferência (SHAW, 2008, p.697)39,
Princípios que possuem uma inegável relação de complementaridade em matérias de Direito
Internacional. Desse modo, para melhor entender a evolução das doutrinas relativas à
imunidade de jurisdição, faz-se necessário um breve apanhado sobre o conceito de soberania.

Ainda que se observe uma tendência gradativa à relativização do princípio de imunidade


jurisdicional do Estado, ele permanece como um dos princípios mais relevantes do Direito
Internacional, fundamental ao equilíbrio nas relações entre os Estados. Traduzido na expressão
par in parem non habet judicium (CAPLAN, 2003, p.748)40, deve refletir a independência, a
igualdade e a dignidade dos Estados (LAUTERPACHT, 1951, p. 221)41.

A Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos Seus Bens,
de 2004, pode ser vista como um avanço na positivação do princípio em questão, elencando os
atos cobertos pela imunidade, bem como a definição precisa de Estado e de seus
desdobramentos que devem gozar do princípio (SHAW, 2008, pp.708-9).

39
SHAW, M. N. International Law. 6ª Edição. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
40
CAPLAN, L. M. State Immunity, Human Rights, and Jus Cogens: A Critique of the Normative Hierarchy
Theory. The American Journal of International Law, vol. 97, nº 4, pp. 741-781. Out., 2003.
41
LAUTERPACHT, H. The problem of jurisdictional immunities of foreign States. British
Yearbook of International Law, vol. 28, p. 220-272. 1951.

41
JOÃO MARTINHO MARQUES

2. Imunidade de jurisdição do Estado e violações aos Direitos Humanos

Atos de caráter privado (acta jure gestionis), e atos de governo (acta jure imperii) do Estado,
consagrada pela jurisprudência dos tribunais belgas e italianos que passaram a negar a
imunidade em casos de acta jure gestionis. (SHAW, 2008) – distinção que é pilar da doutrina
restritiva (BRÖHMER, 1997) ou relativa da imunidade de jurisdição.

Tais normas são denominadas normas de jus cogens. Jus Cogens é um conceito complicado, que
ainda desperta inúmeras dúvidas, e que já foi muito estudado. Porém, em linhas gerais,
significaria um conjunto de normas, dentro do Direito Internacional, que “seriam imperativas
em razão de seu conteúdo mais relevante, mais essencial, (...) que se impõem a todos os Estados,
independente da oposição destes” (NASSER, 2005, p. 163), conforme artigo 53 da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados (1969).

Há também aqueles que consideram as normas de jus cogens como normas de ordem pública,
por serem ”inderrogáveis pela vontade de Estados contratantes, mas a esta noção de ordem
pública internacional faltariam maior clareza e definição” (Ibid., p. 169).

3. Instrumentos internacionais

Por mais que haja instrumentos positivados responsáveis pela regulação do direito da
imunidade jurisdicional do Estado, a dificuldade de universalização do princípio reside no fato
de ele ainda se encontrar maioritariamente inserido no campo do direito consuetudinário, e das
suas principais fontes. (BRÖHMER, 1997, p. 138; FOX, 2004, p. 100).

Pode-se dizer que um dos primeiros instrumentos internacionais a lidar com a imunidade estatal
foi a Convenção de Bruxelas de 1926 (BRÖHMER, 1997, p.121); entretanto, o marco mais
significativo veio com a Convenção Europeia sobre a Imunidade dos Estados (ECSI, na sigla
original em inglês) de 1976. Esta Convenção foi responsável por iniciar a codificação, ainda cedo,
do direito da imunidade estatal, uma época em que a doutrina restrita ainda era contestada –
alguns de seus signatários, por exemplo, ainda aderiam à doutrina absoluta (BRÖHMER, 1997,
p. 119; FOX, 2004, p.94). Desse modo, pode-se dizer que uma das maiores contribuições da ECSI
foi influenciar os Estados a desenvolver a teoria restritiva da imunidade (FOX, 2004, p.99).

42
JOÃO MARTINHO MARQUES

Questões:

1. Fonte das imunidades Estatais v. Direitos humanos (ius cogens);

2. Questão de medidas provisórias (não houve);

3. Caso não houvesse qualquer suspensão dos atos por parte dos Italianos. Alemanha podia
recorrer ao Conselho de Segurança (possivelmente resultaria em sanção económica);

4. Relativamente à Sentença e à sua execução. Poderia o incumprimento constituir


responsabilidade internacional, dano e fato ilícito. A Alemanha poderia requerer a efetivação
dessa responsabilidade. Possibilidade de atribuição de reparação. Exemplo: (Corfu Channel
Case: United Kingdom v. Albania) International Court of Justice 1949 I.C.J. 4, 22

IV. THE MOX PLANT CASE (IRELAND v. UNITED KINGDOM)

1. Os fatos

Durante muitos anos, a Irlanda preocupou-se com as descargas radioativas da Mox


Plant, situada em Sellafield, no Reino Unido, que eram lançadas no Mar da Irlanda.
Depois de tentar sem sucesso obter informações do Reino Unido sobre as
referidas descargas da Mox Plant, a Irlanda iniciou um processo contra o Reino Unido,
levantando duas questões distintas.

Primeiro, a Irlanda queria obter do Reino Unido todas as informações disponíveis sobre
as descargas radioativas da central, invocando o artigo 9.º da Convenção para a Proteção
do Meio Marinho do Atlântico Nordeste ("OSPAR" CONVENTION FOR THE PROTECTION
OF THE MARINE ENVIRONMENT OF THE NORTH-EAST ATLANTIC). O n.º 2 do artigo 9.º
da “OSPAR” exige que as partes contratantes disponibilizem informações "sobre o
estado da sua área marítima, sobre atividades ou medidas que sobre ela interfiram ou
possam afetá-la".

Segundo, a Irlanda convicta que as descargas da Mox Plant contaminavam as suas águas
e, portanto, constituíam uma violação da Convenção sobre o Direito do Mar da ONU

43
JOÃO MARTINHO MARQUES

("UNCLOS"), procurou uma sentença que obrigasse à divulgação de informações,


baseando-se na convenção OSPAR, bem como uma condenação por violação as
obrigações decorrentes da UNCLOS. Após longas negociações, a Irlanda e o Reino Unido
concordaram em estabelecer tribunais arbitrais sob as convenções OSPAR e UNCLOS
para resolver a disputa.

No entanto, deve notar-se que esta disputa entre a Irlanda e o Reino Unido, envolve
dois Estados membros da CE. Assim, também o direito da CE (necessariamente em
matéria ambiental e ao tratado EURATOM) reclamará a sua aplicação. O artigo 292.º do
Tratado CE, que prevê que todos os litígios entre os Estados-Membros da CE que
envolvem o direito comunitário devem ser apresentados exclusivamente em sede do
TJCE (Tribunal de Justiça da União Europeia).

Por outras palavras, este litígio levantou a potencial sobreposição de jurisdição entre os
dois tribunais arbitrais e o TJCE. A controvérsia, foi resolvida em primeiro no que se
refere à disputa da UNCLOS antes do TJCE.

1.1. A Sentença do Tribunal Arbitral “OSPAR”

Na sua decisão de 2 de Julho de 2003, o tribunal arbitral “OSPAR” afirmou a sua


competência e proferiu um acórdão definitivo. No que diz respeito às possíveis
implicações do direito comunitário e, em especial, à eventual competência do TJCE, o
tribunal arbitral “OSPAR” recusou ter em conta qualquer outra fonte de Direito
Internacional ou de Direito Europeu que fosse potencialmente aplicáveis na disputa.

Considerando que o artigo 32.º,n.º 5 alínea a) da OSPAR declara que o tribunal


arbitral decidirá de acordo com as "regras do direito internacional e, em particular, as
da Convenção [OSPAR] ", o tribunal arbitral OSPAR argumentou que a Convenção OSPAR
podia ser considerado um regime de resolução de litígios "autónomo", o que conferiria
ao tribunal, a possibilidade de basear a sua decisão apenas na OSPAR (para. 143.)

Em substância, o tribunal arbitral “OSPAR” decidiu que o Reino Unido, não violou a
Convenção OSPAR ao não divulgar as informações solicitadas pela Irlanda.

Especificamente, o tribunal arbitral da OSPAR optou por interpretar a disposição


relevante da Convenção de forma muito mais restritiva em comparação com a
interpretação do TJCE face a disposições legais comunitárias comparáveis.

44
JOÃO MARTINHO MARQUES

Embora o tribunal arbitral de OSPAR não estivesse legalmente obrigado a seguir


a jurisprudência do TJCE, o fato de a disputa ocorrer entre dois Estados membros e o
existir um contexto semelhante das disposições legais relevantes da OSPAR e da CE teria
sido motivo suficiente para o tribunal arbitral o ter feito em conformidade.

Por conseguinte, ao não fazê-lo, o tribunal arbitral OSPAR causou uma


fragmentação em relação ao padrão de acesso a informações sobre questões
ambientais previstas na legislação da Europeia e na Convenção OSPAR.

1.2. A Sentença Arbitral “UNCLOS”

Em contraste com o anterior, o processo da UNCLOS pareceu ser mais complicado


devido às várias opções de solução de controvérsias oferecidas pela UNCLOS.

Mais especificamente, os artigos 287.º e 288.º da UNCLOS preveem que várias


jurisdições possam ser escolhidas pelas partes contratantes para resolver suas disputas.
As Partes podem recorrer ao Tribunal Internacional para o Direito do Mar
(ITLOS), ao Tribunal Internacional de Justiça ou a tribunais arbitrais ad hoc.

Além disso, o artigo 282.º da UNCLOS reconhece explicitamente a possibilidade


de interpor um litígio perante órgãos de solução de controvérsias estabelecidos por
acordos regionais ou bilaterais.

Uma vez que as partes não designaram, um determinado foro, a disputa teve
que ser submetida a um procedimento de arbitragem de acordo com o Artigo 287.º n.º5
da UNCLOS.

No entanto, na pendência do estabelecimento deste tribunal arbitral ad hoc, a


Irlanda solicitou MEDIDAS PROVISÓRIAS NO ITLOS, nos termos do artigo 290.º, n.º 5 da
UNCLOS. A Irlanda pediu que o Reino Unido fosse condenado na suspensão da
autorização da Mox Plant ou, pelo menos, tomar todas as medidas para interromper a
operação da Mox Plant instantaneamente.

No que diz respeito à questão da jurisdição, o ITLOS determinou que, à primeira


vista, os requisitos do Artigo 290.º, nº 5 da UNCLOS estavam preenchidos, para que, de

45
JOÃO MARTINHO MARQUES

acordo com o Anexo VII, o tribunal arbitral tivesse competência para decidir sobre o
mérito do caso.

Após o assunto ter sido submetido ao TRIBUNAL ARBITRAL DA UNCLOS, o tribunal


arbitral confirmou a constatação do ITLOS, de que este tinha jurisdição prima facie.
Seguidamente, o tribunal arbitral considerou necessário determinar se ele tinha, de
fato, uma jurisdição definida para resolver o litígio, tendo em conta a objeção do Reino
Unido de que o TJCE tinha competência no caso em apreço com base no artigo 292. °
CE, e, consequentemente, suspendeu o processo. O tribunal arbitral solicitou às partes
da disputa que descobrissem primeiro se o TJCE tinha ou não a jurisdição antes de
proceder a uma decisão sobre o mérito.

Não tendo havido qualquer diligência nesse sentido, a Comissão Europeia (apoiada pelo
Reino Unido) iniciou um processo de infração nos termos do artigo 226 contra a Irlanda
por violação do artigo 292.º CE e da disposição idêntica do Tratado EURATOM. A
Comissão argumentou que a Irlanda tinha instaurado o processo contra o Reino Unido,
sem ter devidamente em conta o facto de a CE ser parte da UNCLOS.

Em particular, a Comissão alegou que, ao submeter o litígio a um tribunal fora do


ordenamento jurídico comunitário, a Irlanda violou a competência exclusiva do TJCE
consagrada no artigo 292. ° CE e no artigo 193. ° do EURATOM. Além disso, segundo a
Comissão, a Irlanda também violou o dever de cooperação leal que lhe incumbe nos
termos do artigo 10. ° CE e do artigo 192. ° EURATOM, redigido de forma semelhante.

Assim, desta forma, o caso Mox Plant, pelo menos no que diz respeito aos
procedimentos da UNCLOS, chegou ao Tribunal de Justiça em última instância - contra
as intenções iniciais dos Estados membros envolvidos na disputa.

1.3. O julgamento da MOX Plant do TJCE

O ponto de partida da análise do Tribunal foi a questão de saber se este litígio se


enquadra ou não na competência da CE. Os Estados membros aderiram à Convenção
sobre o Direito do Mar como um acordo misto.

Neste contexto, o TJUE reafirmou que os acordos mistos têm o mesmo estatuto na
ordem jurídica comunitária que os acordos celebrados pelas Estados membros por si só.

46
JOÃO MARTINHO MARQUES

Consequentemente, quando a CE ratificou a UNCLOS, tornou-se parte integrante da


ordem jurídica comunitária.

Com base nisso, o TJUE examinou se a CE tinha exercido a sua competência no domínio
de intervenção (poluição marítima) que está no centro da disputa entre a Irlanda e o
Reino Unido.

A Irlanda, portanto, dependia do tribunal arbitral da UNCLOS sobre disposições que se


tornaram parte da ordem jurídica comunitária. Isto desencadeou a competência do TJCE
com base no artigo 292.º CE.

A próxima questão foi determinar se essa jurisdição é realmente exclusiva, tendo em


vista o fato de a UNCLOS fornecer um sistema sofisticado de solução de controvérsias.
Referindo-se à sua posição no parecer 1 / 91 o TJCE afirmou que "[...] um acordo
internacional não pode afetar a atribuição de responsabilidades definida nos Tratados
e, consequentemente, a autonomia do sistema jurídico comunitário, o respeito pelo
qual o Tribunal garante nos termos do artigo 220. ° CE. Essa competência exclusiva é
confirmada pelo artigo 292.º CE [...] ".

Como consequência disso, um acordo internacional como a UNCLOS não pode afetar a
jurisdição exclusiva do TJE relativamente à resolução de litígios entre os Estados-
Membros relativos à interpretação e aplicação da lei Comunitária.

Por conseguinte, a Irlanda foi impedida com base nos artigos 292. ° e 220. ° CE de
interpor o litígio perante o tribunal arbitral da UNCLOS. Com efeito, o Tribunal de Justiça
chegou a afirmar que "[...] a instituição e a prossecução de um processo perante o
tribunal arbitral [...] envolvem um risco manifesto de que o ordenamento jurisdicional
previsto nos Tratados, consequentemente, a autonomia do sistema jurídico comunitário
seja afetado negativamente ".

Por conseguinte, se os Estados-Membros tinham duvida que um litígio envolvesse


aspectos de direito comunitário, eles são deveriam, primeiro obter uma resposta do
TJCE antes de levar o caso a outro órgão de resolução de litígios. Em segundo lugar, o
TJCE constatou que o artigo 292. ° CE deve ser entendido como uma expressão
específica do dever de lealdade mais geral dos Estados-Membros consagrado no artigo
10. ° CE. Assim, os Estados-Membros têm o dever de informar e consultar as instituições

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JOÃO MARTINHO MARQUES

comunitárias competentes (isto é, a Comissão e / ou o TJCE) antes de recorrer a um


órgão de resolução de litígios que não seja o TJCE.

2. Análise

O caso Mox Plant foi o primeiro caso que destacou os potenciais problemas
associados à jurisdição exclusiva do TJUE e a uma proliferação de tribunais
internacionais.

O TJCE decidiu claramente defender a sua competência exclusiva até ao máximo


no que diz respeito a litígios entre os Estados-Membros da CE que potencialmente
podem envolver o direito comunitário, limitando substancialmente a liberdade dos
Estados membros da CE de selecionar um órgão de solução de controvérsias de sua
escolha. (QUESTÃO POR MIM LEVANTADA RELATIVAMENTE AO PRINCÍPIO DA LIVRE
ESCOLHA DE MEIOS)

O tribunal arbitral da UNCLOS mostrou cortesia ao suspender o processo e


solicitar às partes que verifiquem primeiro se a competência do TJCE é desencadeada
neste caso. Em contrapartida, o tribunal arbitral OSPAR não mostrou cortesia com o
TJCE.

O Caso Mox Plant também revelou fragilidades do TJCE quando se trata de


defender a sua jurisdição exclusiva, em particular não pode impedir que os Estados
membros passem para outro tribunal. Além disso referir que apenas a Comissão pode
tomar medidas contra tal questão.

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