Você está na página 1de 94

Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -

Porto

1
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

Com o inicio da pandemia COVID-19 em 2020, em Portugal, veio também mais tempo livre no
sentido em que nos encontrávamos em confinamento geral obrigatório. Com mais tempo livre,
já que, por exemplo, as horas despendidas em transportes diariamente para a faculdade
podiam ser agora direcionadas para outras questões. Decidi então, literalmente de um dia
para o outro, criar a CAD, Comunidade de Aficionados de Direito. Com que objetivo? Queria
ligar os estudantes de Direito de todo o país, queria divulgar e criticar as mais recentes notícias
jurídico-políticas, queria levar a cabo iniciativas que aproveitassem a todo e qualquer jurista,
professor, estudante, advogado, etc… Criei o site, a página no Instagram e assim se começou a
erguer o projeto. Entretanto, com as aulas online, pensei também em elaborar apontamentos
semanais e divulgar com os meus colegas, utópico para um trabalho a sós, mas perfeitamente
possível com a entreajuda dos meus colegas porque cada grupo de estudantes faria os
apontamentos semanais de cada cadeira. Porque fazer os apontamentos semanais? A resposta
é extensa, mas simples. Com a “obrigação” de preparar esses mesmos apontamentos, tenho
também um duplo dever de assistir às aulas, de perceber e apontar as mesmas, porque não o
fazendo, falharia comigo e com os restantes colegas com quem me comprometi a partilhar os
apontamentos. Desta forma, dividimos até pelos vários estudantes a tarefa de recolher os
escritos relativos às diversas matérias. É trabalhoso, mas, inevitavelmente, ao preocuparmo-
nos com nos próprios estamos também a ajudar todos os outros alunos. Ou seja, no 1º ano,
começamos apenas a partir de março com os apontamentos semanais, mas no 2º ano, ano
letivo 2020/2021, os apontamentos semanais começaram no inicio e acabaram apenas no fim
do ano letivo! Dito isto, pode conter falhas de escrita ou de direito, foi feito ao longo do tempo
por juristas em formação, entregue semanalmente, portanto, é compreensível e pedimos
também que quando notada alguma falha grave nesse sentido, que nos seja comunicado. Este
projeto ajudou também a impulsionar um ambiente saudável no curso de Direito na nossa
universidade, não que já não o houvesse, mas esta iniciativa só o veio melhorar. Esperamos
ainda que esta iniciativa inspire ad aeternum o maior número de estudantes possíveis, já que
ficou demonstrado que a entreajuda tem efeitos positivos para todos nós. Se tiveres interesse
em colaborar connosco, envia-nos mensagem no Instagram. Somos vários estudantes da
licenciatura em Direito com vontade de mudar, ajudar e com disponibilidade em ser ajudados.
Obrigado a todos aqueles que todos os dias se esforçam por uma comunidade melhor,
saudavelmente competitiva, consciente e dedicada.

João Paulo Silva, Fundador da Comunidade de Aficionados do Direito.

Direito Internacional Público (Resumos - Frequência):

Índice
I. Elementos introdutórios:....................................................................................................6
Lição I – Evolução histórica:.........................................................................................................6
A. Os primórdios do direito internacional:...........................................................................6
1. Idade Antiga:................................................................................................................6
2. Idade Média:................................................................................................................7
B. A formação do direito internacional eurocêntrico:..........................................................7
C. Universalização do direito internacional:.........................................................................8

2
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

1. A paz pelo direito:........................................................................................................8


2. A ordem jurídica internacional do pós-guerra:.............................................................8
3. A ordem jurídica internacional contemporânea:..........................................................8
Lição II – Noção e objeto do direito internacional:.....................................................................9
A. O vocábulo, o âmbito e os sentidos:.................................................................................9
B. As diversas definições e o seu enquadramento:..............................................................9
1. O critério dos sujeitos:..................................................................................................9
2. Critério do objeto:........................................................................................................9
3. O critério da forma de produção das normas:..............................................................9
Lição III – Fundamento da obrigatoriedade do direito internacional:......................................10
A. Principais contribuições doutrinais:...............................................................................10
1. Voluntarismo:.............................................................................................................10
2. Normativismo:............................................................................................................10
3. Sociologismo:.............................................................................................................11
4. Jus naturalismo:..........................................................................................................11
5. Novas propostas:........................................................................................................11
II. A articulação entre o direito internacional e o direito interno:.......................................12
Lição IV – A querela teórica:......................................................................................................12
A. Enquadramento:.............................................................................................................12
B. A abordagem tradicional: monismo e dualismo:............................................................12
1. Dualismo:....................................................................................................................12
2. Monismo:...................................................................................................................13
C. A diminuição da querela (conflito) e o advento do pluralismo:......................................14
D. A superação da querela:.................................................................................................15
Lição V – Mecanismos de regulação:.........................................................................................15
A. Os regimes decorrentes das diferentes visões:..............................................................15
B. A sua complexificação:...................................................................................................16
C. As alternativas pluralistas:..............................................................................................16
1. Interações dialéticas jurídicas:....................................................................................16
2. Margens de apreciação:.............................................................................................16
3. Regimes de autonomia limitada:................................................................................17
4. Esquemas subsidiários:...............................................................................................17
5. Redundâncias judiciais:..............................................................................................17
6. Acordos de participação hibrida:................................................................................17
7. Regimes de reconhecimento mútuo:.........................................................................17

3
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

8. Acordos de porto seguro:...........................................................................................18


Lição VI – A vigência do direito internacional na ordem jurídica portuguesa:.........................18
A. Estruturação da norma constitucional:..........................................................................18
1. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum:........................................18
2. Regime relativo ao direito convencional:...................................................................19
3. Regime relativo ao direito derivado das Organizações Internacionais:......................19
4. Regime relativo ao direito da União Europeia:...........................................................20
B. O problema da hierarquia entre o direito internacional e o direito interno:.................20
1. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum:........................................20
2. Regime relativo ao direito convencional:...................................................................21
3. Regime relativo ao direito derivado das Organizações Internacionais:......................21
4. Regime relativo ao direito da União Europeia:...........................................................21
III. Fontes de direito internacional:....................................................................................22
Lição VII – Referências introdutórias em matéria de fontes:...................................................22
A. Fontes criadoras e fontes transmissoras:.......................................................................22
B. Fontes materiais e fontes formais:.................................................................................22
C. Fontes e normas:............................................................................................................22
D. Elenco, ordem e hierarquia:...........................................................................................22
1. O elenco e a importância relativa das diferentes fontes:...........................................22
2. Caráter taxativo ou enunciativo do elenco:................................................................23
3. Ordem e hierarquia:...................................................................................................23
Lição VIII – O costume internacional:........................................................................................24
A. Importância relativa:......................................................................................................24
B. Fundamento da obrigatoriedade....................................................................................24
1. A perspetiva tradicional (subjetiva):...........................................................................24
2. A perspetiva atual (objetiva):.....................................................................................25
C. Elementos do costume:..................................................................................................25
1. Elemento material ou objetivo: o uso ou a prática:....................................................25
2. Elemento psicológico: a convicção da obrigatoriedade:.............................................27
D. Relações entre as regras consuetudinárias e outras normas internacionais:.................27
E. A codificação do costume:..............................................................................................28
Lição IX – Convenções internacionais: noção, terminologia e classificações:..........................29
A. Noção e terminologia:....................................................................................................29
1. Acordo de vontades (elemento essencial):.................................................................29
2. Em forma escrita (elemento não essencial):...............................................................30

4
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

3. Entre sujeitos de direito internacional (elemento essencial):....................................30


a) Essencialidade do requisito:.......................................................................................30
b) Critérios de determinação dos sujeitos:.....................................................................30
c) Os quase-tratados:.....................................................................................................31
3. Agindo nessa qualidade (elemento essencial):...........................................................32
4. Regido pelo direito internacional (elemento não essencial):.....................................32
5. Visando a produção de efeitos jurídicos vinculativos:................................................32
6. Qualquer que seja a sua denominação (elemento não essencial):.............................32
B. Classificações:.................................................................................................................33
1. Classificação material:................................................................................................33
2. Classificações formais:................................................................................................34
Lição X – Convenções internacionais: processo de conclusão:.................................................35
A. Objetivo:.........................................................................................................................35
B. As diferentes fases do processo:....................................................................................35
1. Negociação:................................................................................................................35
2. Assinatura:..................................................................................................................37
3. Ratificação:.................................................................................................................38
4. Outros momentos relevantes:....................................................................................39
5. Registo:.......................................................................................................................40
6. Publicação:.................................................................................................................40
Lição XI – Convenções multilaterais: particularidades:............................................................40
A. Negociação:....................................................................................................................40
B. Extensão dos regimes convencionais:............................................................................42
1. Assinatura diferida:....................................................................................................42
2. Adesão:.......................................................................................................................42
C. Reservas:........................................................................................................................43
I. Introdução:.....................................................................................................................43
1. Noção:........................................................................................................................43
3. Efeitos:........................................................................................................................44
4. Vantagens e inconvenientes:......................................................................................44
II. Regime:..........................................................................................................................45
5. Momento da formulação:...........................................................................................45
6. Competência:.............................................................................................................46
7. Exigências formais:.....................................................................................................46
8. Admissibilidade ou validade:......................................................................................46

5
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

9. Aceitação:...................................................................................................................47
10. Objeção:.................................................................................................................47
11. Estabelecimento:....................................................................................................48
12. Retirada:.................................................................................................................48
III. Declarações interpretativas:.......................................................................................49
1. Distinção das reservas:...............................................................................................49
2. Regime:.......................................................................................................................50
3. Retirada:.....................................................................................................................50
IV. Depositário:................................................................................................................50
Lição XII – Convenções Internacionais: vinculação do Estado português:................................51
A. Objetivo:.........................................................................................................................51
B. Visão geral:.....................................................................................................................51
C. Fases do procedimento:.................................................................................................52
1. Negociação:................................................................................................................52
2. Assinatura:..................................................................................................................53
3. Aprovação:.................................................................................................................53
4. Intervenção do Presidente da República:...................................................................55
5. Outros momentos relevantes:....................................................................................57
D. Particularidades assinaláveis:.........................................................................................57
1. A não vinculação pela assinatura:...............................................................................57
2. A aprovação de acordos em forma simplificada pelo parlamento:............................57
3. Inexistência de regime para a adesão:.......................................................................57
4. A extensão da intervenção do chefe de Estado:.........................................................58
Lição XIII – Convenções internacionais: validade:....................................................................58
A. Visão geral:.....................................................................................................................58
B. Condições de validade:...................................................................................................58
1. Capacidade dos sujeitos:............................................................................................58
2. Licitude do objeto:......................................................................................................59
3. Regularidade do consentimento:...............................................................................61
C. Regime das nulidades:....................................................................................................64
1. Nulidades absolutas e relativas:.................................................................................64
2. Regime da CV69:........................................................................................................64
D. Procedimento de anulação:............................................................................................65
E. Efeitos da nulidade.........................................................................................................66
1. Cessação da vigência:.................................................................................................67

6
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

2. Retroatividade:...........................................................................................................67
3. Indivisibilidade:...........................................................................................................68
Lição XIV: Convenções internacionais – aplicação:...................................................................68
A. Regime:..........................................................................................................................68
1. Execução na ordem interna:.......................................................................................68
2. Execução na ordem internacional:.............................................................................69
3. Efeitos em relação a terceiros:...................................................................................71
4. Conflitos de normas:..................................................................................................73
Lição XV: Convenções Internacionais – suspensão e cessação da vigência:.............................75
A. Nulidade e cessação da vigência:...................................................................................75
B. Causa de cessação da vigência:......................................................................................75
1. Causas de cessação da vigência previstas na CV69:....................................................75
2. Causas de cessação da vigência não previstas na CV69:.............................................79
C. Suspensão da vigência:...................................................................................................79
D. Regime e efeitos:............................................................................................................80
Lição XVI: Princípios gerais de direito:......................................................................................80
A. Regime:..........................................................................................................................80
1. O conceito:.................................................................................................................80
Lição XVII: Fontes Acessórias – jurisprudência, doutrina e equidade:.....................................83
A. Jurisprudência:...............................................................................................................83
1. Regime do ETIJ:...........................................................................................................83
B. Equidade:.......................................................................................................................83
1. Regime do ETIJ:...........................................................................................................83
2. Aceções e âmbito da equidade:..................................................................................83
Lição XVIII: Fontes não previstas – Atos unilaterais e atos concertados:.................................84
A. Objetivo:.........................................................................................................................84
B. Atos unilaterais:..............................................................................................................84
1. Noção e justificação:...................................................................................................84
2. Caracterização:...........................................................................................................85
3. Validade:.....................................................................................................................86
4. Cessação da vigência:.................................................................................................87
5. Atos unilaterais dos Estados:......................................................................................87
6. Atos concertados:.......................................................................................................88

7
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

I. Elementos introdutórios:

Lição I – Evolução histórica:


A. Os primórdios do direito internacional:

 Tal como decorre da própria designação do direito internacional, este pressupõe a


existência de Estados. Daí que a revisão histórica se comece por distinguir em duas
grandes fases: uma anterior ao Estado soberano e a segunda, que lhe sucede,
marcada pela existência desta figura.
1. Idade Antiga:
 Dentro da fase anterior ao Estado soberano deve distinguir-se um primeiro período
que vai até 476, ano em que a queda do Império Romano do Ocidente é
normalmente considerada como marcando o início da Idade Média.

 Durante o largo período de tempo em que decorreu, a humanidade encontrava-se


desmembrada em subconjuntos isolados e pouco comunicantes.

 A exceção mais importante neste panorama refere-se ao surgimento dos primeiros


impérios. Por sua vez, o império consiste num fenómeno de dominação de uma ou
mais comunidades por outra. Surgindo, desta forma, os primeiros fenómenos de
integração de comunidades.

 São conhecidos diversos impérios na antiguidade, nomeadamente o romano, que


teve uma contribuição histórica marcante. Por conseguinte, nessa experiência
histórica há a assinalar alguns elementos relevante.

 Desde logo, a herança grega. É incontestado que a experiência e a tradição gregas


se transmitiram através do império romano. E é precisamente no período clássico
helénico que se detetam os primeiros passos no estabelecimento de regras nas
relações entre comunidades humanas.

 No império romano deve-se destacar o ius gentium (o direito das gentes), que
regulava as relações com os estrangeiros e entre estes, constituindo, por seu turno,
a primeira tentativa no sentido de aplicar regras fora das comunidades. E será,
aliás, esta experiência que conduzirá à afirmação progressiva de um direito
universal.

 Deve-se, ainda, sublinhar no período romano o advento do cristianismo, que


afirmou o valor fundamental da igualdade de todos, sendo que esta circunstância é
uma condição essencial da existência de um direito universal.

8
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

2. Idade Média:
 A Idade Média inicia-se em 476 com a queda do Império Romano do Ocidente,
subsistindo alguma divergência no facto que marcará o seu final, sendo que a
maioria indica o ano de 1453.

 Este longo período foi marcado pela coexistência dos dois mundos cristãos
romanos (oriental e ocidental), sendo que a proximidade civilizacional fez com que
as relações pudessem ser inspiradas por regras resultantes da reflexão dos
teólogos e implementadas com o apoio da Igreja.

 Contudo, este período também é marcado pelas relações violentas com o mundo
islâmico, particularmente por força das cruzadas. Estas, por sua vez, estão na
origem de um importante desenvolvimento comercial.

 Ora, o estabelecimento de relações comerciais permanentes a uma escala muito


alargada vai contribuir para laicização do direito, na medida em que as regras serão
cada vez menos dependentes de conceções religiosas e cada vez mais inspiradas na
procura de garantia do caráter equitativo das trocas.

 Já no final da Idade Média, deve assinalar-se um fenómeno especialmente


marcante para a conceção do direito internacional: o surgimento da chamada
escola espanhola de direito natural, que desenvolve os ensinamentos de
Aristóteles e de S. Tomás de Aquino.

 Os seus principais autores foram Francisco de Vitória que refletiu sobre a noção de
comunidades perfeitas do género humano e Francisco Suarez que desenvolveu a
noção de direito das gentes, tendo por sua vez formado a denominada escola de
Salamanca ou segunda escolástica.

B. A formação do direito internacional eurocêntrico:


 O período seguinte que vigorou vai da afirmação da soberania (séc. XVI) até
à 1ª Guerra Mundial.

 O advento da ideia de soberania (que consiste na afirmação da exclusividade do


poder no território) marcará definitivamente o Estado moderno, modelo esse que
viria a ser universalizado, constituindo o elemento central de toda a estrutura
política das relações internacionais e do direito internacional.

 Neste contexto, será desenvolvido o direito internacional clássico, tratando-se de


um modelo assente na prática diplomática que visava o equilíbrio, como elemento
fundamental de pacificação.

 Posteriormente, no final do séc. XIX, surgiram as primeiras conferências


internacionais e organizações internacionais, que marcaram o surgimento da
multilateralidade nas relações internacionais.

9
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 De destacar, neste período, por fim é a afirmação dos direitos do homem, no


panorama do direito internacional.

C. Universalização do direito internacional:


 O direito será assumido como um elemento regulador das relações internacionais a
partir da 1ª Guerra Mundial, uma vez que este conflito não apenas evidenciou a
insuficiência das conceções tradicionais para garantirem a paz, como ainda
evidenciou o risco do alastramento dos conflitos a uma escala universal.
1. A paz pelo direito:
 Com a decadência europeia, o direito internacional vai passar a assumir um papel
central na construção de um sistema pacífico.

 A importância dada ao Tratado de Versalhes (1919), a criação da Sociedade das


Nações (1919) e do Tribunal Permanente da Justiça Internacional (1920), também o
enfraquecimento dos impérios e a revolução de outubro, contribuíram para a
caracterização deste período em que a abrangência das regras internacionais foi
sensivelmente alargada até conseguir situar-se ao nível universal.
2. A ordem jurídica internacional do pós-guerra:
 A ordem jurídica internacional criada no pós-guerra assenta fundamentalmente na
estrutura da ONU. Esta organização internacional visa garantir a paz através da
proibição do recurso à força.

 A sua prática foi profundamente marcada pela bipolarização leste-oeste e pelo


acolhimento no seu seio dos novos países saídos da descolonização.

 A par da atividade desta estrutura verificou-se uma evolução material no direito


internacional, marcada pela progressiva erosão do princípio da soberania. Por
outro lado, o direito internacional verá o seu âmbito ser progressivamente
alargado, maxime nos domínios do económico e do social.

 Nesta perspetiva, o direito internacional do pós-guerra pode ser caracterizado


como uma construção especifica (na medida em que se trata de um corpo de
regras destinadas a disciplinar relações entre sujeitos de direito internacional
autonomamente de qualquer ordem jurídica nacional), inacabada (na medida em
que os seus limites serão permanentemente indefinidos) e em mutação constante
(já que as suas estruturas vão ser constantemente obrigadas a esforços de
adaptação a novas realidades).
3. A ordem jurídica internacional contemporânea:
 A partir dos anos 90, não apenas desaparece a característica determinante do pós-
guerra, a bipolarização, como ainda se afirma definitivamente uma tendência que
impôs uma transformação radical ao direito internacional.

10
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Refira-se a transição da perspetiva estadualista para uma perspetiva marcada pela


globalização, orientada para os cidadãos, preocupada com a segurança individual e
dos grupos vulneráveis.

Lição II – Noção e objeto do direito internacional:


A. O vocábulo, o âmbito e os sentidos:
 A expressão direito internacional que estabelece as relações entre os Estados
surge apenas no séc. XVIII, através de Jeremy Bentham.

 Até então, utilizava-se a designação “direito das gentes” (ius inter gentes) que
estabelece as relações entre os povos, que derivava, por sua vez, do ius gentium
romano que estabelecia a relação com os estrangeiros.

 Enquanto que a designação tradicional partia da natureza universal deste ramo do


direito, a designação atualmente utilizada (direito internacional) sublinha o caráter
interestadual resultante do princípio da soberania.

B. As diversas definições e o seu enquadramento:


1. O critério dos sujeitos:
 Nesta perspetiva, o direito internacional seria o conjunto das normas reguladoras
das relações entre Estados ou entre sujeitos de direito internacional.

 Porém, a primeira variante, que aponta para as relações entre estados, mostra-se
demasiadamente estrita, sendo incapaz de integrar as relações que envolvam
outros sujeitos, maxime as organizações internacionais, cuja importância atual é
incontornável.

 A segunda variante, que se dirige às relações entre sujeitos de direito


internacional, padece da deficiência inversa, ao incluir todo um conjunto de
relações que claramente ultrapassam o âmbito do direito internacional.
2. Critério do objeto:
 O direito internacional, segundo o critério do objeto, corresponderia ao conjunto
de regras que regulam as matérias cuja natureza é internacional.

 A verdade é que é possível estabelecer uma distinção entre o que são matérias
internacionais e matérias internas. No entanto, essa distinção não é clara, varia
com o tempo, tornando o critério pouco operacional.
3. O critério da forma de produção das normas:
 Nesta perspetiva, o direito internacional seria o conjunto das normas criadas
segundo os processos de produção jurídica próprios da comunidade internacional.

11
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

Lição III – Fundamento da obrigatoriedade do direito internacional:


A. Principais contribuições doutrinais:
1. Voluntarismo:
 As correntes voluntaristas fazem derivar a obrigatoriedade do cumprimento do
direito internacional da vontade dos Estado. Assim, a importância dada às
correntes voluntaristas decorre de uma circunstância que lhe é anterior: a
soberania dos Estados.

 O voluntarismo acaba por confundir-se com estatismo, sendo que dessa mistura
resulta uma formulação de positivismo jurídico, em que o direito se funda na
vontade do Estado que a exprime através de regras positivas emanadas pelos
órgãos competentes, segundo os procedimentos determinados.
As duas correntes voluntaristas mais importantes são:
a) A teoria da autolimitação: segundo a qual, não estando o Estado sujeito a
qualquer autoridade, apenas se obriga através do seu consentimento, aceitando
autolimitar-se por forma a criar relações estáveis no plano internacional.

 A crítica evidencia-se uma vez que a autolimitação decorre dos interesses do


estado, nada garante que este respeite os compromissos quando aqueles
divergirem do acordado.

b) A teoria da vontade comum: a qual defende que o direito internacional resulta da


vontade comum dos Estados. A caracterização desta vontade comum faz-se por
oposição à mera convergência de vontades isoladas, distintas, eventualmente
opostas, que se verificaria nos contratos.

 A tese assenta em argumentos formais que deixam por demonstrar a


superioridade da vontade coletiva em termos de prevalência e efetivo
cumprimento.
2. Normativismo:
 A Escola de Viena, na qual se destaca Hans Kelsen, pretende-se distinta do
voluntarismo, reclamando-se do normativismo. No entanto, o seu formalismo
recondu-la, se não ao próprio voluntarismo, pelo menos ao positivismo.

 O fundamento da obrigatoriedade das normas resultará aqui de normas que lhe


são imediatamente superiores e assim sucessivamente, formando uma pirâmide
do direito, até à Grundnorm, que será constituída pelo pacta sunt servanda
("pactos devem ser respeitados”).

12
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Apesar de se tratar de uma perspetiva que encaixa com facilidade na visão


romanista, o facto é que no formalismo, subsiste um desprezo pelo conteúdo
material da norma na determinação do fundamento da sua obrigatoriedade.
3. Sociologismo:
 O fundamento da obrigatoriedade das normas jurídicas segundo o sociologismo
reside nas necessidades sociais de onde deriva o seu conteúdo, na sociabilidade
internacional, portanto. Esta obrigatoriedade assenta no velho provérbio latino ubi
societas ibi jus (“onde está a sociedade está o direito”).

 Haverá, no entanto, que opor a tal conceção uma limitação básica: é que a
existência de uma regra social não justifica o reconhecimento do seu caráter
jurídico, até porque sempre subsistirá a questão de saber da sua justeza.
4. Jus naturalismo:
 Segundo o jus naturalismo que foi desenvolvido por Francisco de Vitória e
Francisco Suarez e, mais recentemente por Le Fur, o fundamento da
obrigatoriedade do direito será a própria natureza humana.

 É que se todo o homem tem uma noção de justiça, também dispõe da razão, do
conjunto de princípios e regras segundo as quais essa justiça pode ser atingida.

 Trata-se da posição mais interessante na medida em que mantém um acento


importante no conteúdo material das normas ao mesmo tempo que limita a
margem de arbítrio dos estados.

 Não deixa, no entanto, de merecer uma crítica importante, dirigida aos contornos
imprecisos a que o direito natural se refere, o que torna subjetiva e flexível a
respetiva interpretação.
5. Novas propostas:
 A partir dos anos 90, a análise começa a ser perspetivada em termos ligeiramente
diferentes: menos do que o fundamento da obrigatoriedade das normas, os
autores pretendem perceber o fenómeno do cumprimento.

 Neste sentido, surgiu inicialmente o trabalho de Thomas Franck que introduz


elementos inovadores na análise, nomeadamente quando perspetiva o valor
jurídico da norma na conjugação da legitimação e da capacidade de ser sentida
como justa ou equitativa. Assim, será esta conjugação que conduz a uma
vinculação natural dos destinatários das normas aos seus conteúdos e, portanto,
ao seu cumprimento.

 Em finais dos anos 90, Harold H. Koh publicou um importante trabalho no qual
descreve de forma incisiva esta evolução, abrindo espaço à afirmação do
expressivismo, o qual justifica o cumprimento das normas com a conjugação da

13
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

pressão normativa destas, no sentido da legitimidade por Franck, com a pressão de


adequação social dos destinatários.

II. A articulação entre o direito internacional e o direito interno:

Lição IV – A querela teórica:


A. Enquadramento:
 No plano interno, a necessidade de articulação de diferentes corpos de regras está
enquadrada por um regime jurídico geral próprio que estabelece uma hierarquia
entre os diferentes tipos de regras e acolhe princípios reguladores que,
normalmente, concorrem nos casos de concurso ou conflito de normas, sendo de
realçar o princípio lex posteriori derrogat priori ou o lex specialis derrogat lex
generali.

 É de realçar que, neste âmbito de distinção, não existe uma instituição a quem seja
reconhecida autoridade para fixar ou impor um regime que regule as relações
entre as normas internacionais e nacionais.

 O problema central prende-se, então, com o facto de a doutrina atual padecer de


uma forte influência do positivismo voluntarista, orientação que tenta reduzir o
direito à mera expressão da vontade do Estado.

 Assim, as visões voluntaristas e positivistas assentam em perspetivas formais que


enquadram o direito como uma pura manifestação de soberania. Nessa medida
tendem a desvalorizar o direito internacional, negando-lhe natureza propriamente
jurídica ou recusando-lhe aplicabilidade no plano interno.

B. A abordagem tradicional: monismo e dualismo:


1. Dualismo:
 Tradicionalmente, a análise da questão das relações entre a ordem internacional e
a ordem interna dos Estados fazia-se a partir da exposição de duas grandes
tendências: o dualismo e o monismo.

 A perspetiva dualista, na sua versão tradicional, distingue ontologicamente a


ordem jurídica interna da ordem jurídica internacional. Esta independência
justificar-se-á, segundo os dualistas, pelas profundas diferenças quanto à origem,
aos destinatários e aos órgãos de aplicação de cada uma das ordens.

 Assim, enquanto o direito interno teria na sua origem a vontade de um Estado, o


direito internacional teria na sua origem a vontade de vários Estados, ou dos
Estados no seu conjunto.

14
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Por sua vez, os destinatários do direito internacional seriam os Estados, ao passo


que os destinatários do direito interno seriam os cidadãos.

 Finalmente, a aplicação do direito interno far-se-ia pelos tribunais enquanto o


direito internacional seria aplicado pelos próprios Estados.
Contudo, estas premissas são facilmente refutáveis:
1. Deve recusar-se a postura voluntarista/estadualista, referindo que o direito é
muito mais do que uma mera expressão da vontade de órgãos estaduais.

2. Quanto à invocada diferença dos destinatários basta referir o facto de todo o


direito público (interno) ter como destinatário primário o Estado, para contrariar a
afirmação anteriormente produzida.

3. Nem todo o direito internacional se dirige a Estados . A título de exemplo são de


referir os direitos fundamentais ou os crimes internacionais que regulam matéria
civil.

4. A aplicação das regras jurídicas é feita pelas autoridades e pelos tribunais, quer no
âmbito interno quer internacional.

 De qualquer forma, os dualistas concluem haver naturezas tão distintas que


tornariam desaconselhável a interpenetração entre as diferentes ordens jurídicas.

 Esta recusa de interpenetração mútua acaba por justificar que a aplicação do


direito internacional na ordem interna esteja dependente de uma manifestação
interna de vontade que ordene essa vigência ou aplicação.

 Ou seja, para o dualismo, as regras de direito internacional nunca vigoram na


ordem interna com essa natureza (internacional), podendo, no entanto, ser
reproduzidas por um ato interno (uma lei ou ato equivalente) que imponha a sua
vigência.
2. Monismo:
 Relativamente ao monismo, esta corrente recusa a dualidade a que se fez
referência anteriormente, insistindo na unidade do sistema jurídico.

 As correntes monistas recusam, portanto, a distinção da natureza das ordens


jurídicas, em especial quando essa distinção pretende afastar a
interpenetrabilidade mútua.

 A visão monista, ao admitir a vigência da regra internacional, enquanto tal, na


ordem interna, impõe uma resposta hierárquica: o de saber qual das regras deve
prevalecer em caso de conflito.

15
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 As duas respostas possíveis vão dar origem a duas correntes: o monismo com
primado do direito internacional, quando se entenda que deve prevalecer a regra
internacional; e o monismo com primado do direito interno, quando se entenda o
inverso.

 A primeira vertente merece hoje um acolhimento dominante na prática


diplomática, na doutrina internacional e na jurisprudência.

C. A diminuição da querela (conflito) e o advento do pluralismo:


 Graças a um relativo enfraquecimento do positivismo e a um retorno tendencial da
doutrina a posições monistas, a questão da querela entre dualismo e monismo
começou a perder importância.

 Na prática foi-se tornando evidente como as consequências de uma ou outra


postura são bem menos significativas do que poderiam parecer.

 Isto porque a maioria das convenções não visa a produção de efeitos jurídicos na
esfera dos particulares. Em geral, são os particulares que invocam as regras em
juízo e podem, por isso, fazer surgir na aplicação, situações de conflito de normas.

 Os Estados raramente procuram a solução para os seus conflitos em sede judicial.


Sendo estes os destinatários da maioria das regras internacionais, isso significa que
raramente se verifica uma situação de evidente conflito de normas. Assim, na
maioria dos casos em que surgem tais atritos, os Estados preferem manter a
disputa na discussão sobre os factos ou no plano estritamente político.

 A partir da segunda metade do século passado começou a afirmar-se uma posição


doutrinal alternativa: o pluralismo.

 O pluralismo jurídico consiste numa corrente doutrinal que visa uma articulação
não hierárquica das situações de conflito, por considerar normal a concorrência na
regulação, a qual resulta da existência de situações sociais em que um
comportamento é regulado por duas ou mais ordens jurídicas.

 Comece-se por caracterizar esta realidade plural que foi sendo evidenciada, ao
longo da História, nas relações entre os Estados e a Igreja católica, ou as igrejas em
geral.

 A verdade é que ainda hoje a Igreja católica se relaciona com os Estados em pé de


igualdade, através do sistema tradicional de relações diplomáticas, e, além disso,
estabelece com estas convenções internacionais que regulam os termos da
autonomia do seu magistério, designadas concordatas.

 Na génese das análises pluralistas contemporâneas está a constatação da


frequente sobreposição de comunidades e das respetivas regras. O seu âmbito
16
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

essencial foram as sociedades pós-coloniais dos anos 60, nas quais começaram a
ser estudadas as regras e os processos derivados das culturas tradicionais que não
tinham acolhimento legal, e que, por vezes, contrariavam mesmo o direito vigente,
introduzido pelas potências coloniais. Essa circunstância deu origem àquilo que
ficou conhecido como a perceção colonial do pluralismo jurídico, ou pluralismo
clássico.

 Terminada a 2ª Guerra Mundial, o advento dos direitos humanos consagrou o


reconhecimento da especificidade das comunidades subnacionais (cultura, língua e
diversidade próprias) e a proteção de grupos minoritários. Este processo foi
parcialmente orientado e acentuado por um importante movimento de
regionalização e descentralização ocorrido nos Estados, destacando-se a tendência
para a transferência de poderes decisórios para níveis infra e supranacionais.

 A própria globalização valorizou a abordagem pluralista: os fenómenos de


integração assumem a criação de ordens jurídicas próprias que assentam em
quadros institucionais com competência para a produção de normas.

 Em paralelo, a doutrina vinha reconhecendo e estudando outros processos de


produção normativa.

 Neste âmbito desenvolveram-se fenómenos normativos de grande relevância:


regras financeiras estabelecidas pelas instituições internacionais, a lex mercatória,
o direito laboral e desportivo (lex sportiva) internacional, as regras de
estandardização, as regras ambientais, a regulação internacional da internet (lex
electronica), etc.

 O pluralismo jurídico ficou definitivamente reconhecido no final do séc. XX, visou


contrariar a ideia de que o direito seja uma unidade, uma ordenação normativa
distinta e exclusiva dependente de poder estadual.

D. A superação da querela:
 A superação da querela entre monismo e dualismo foi evoluindo na prática
internacional, em volta de algumas posições consensuais.

 Existe, desde logo, uma convergência doutrinária relativamente ao dever de os


Estados conformarem a respetiva ordem jurídica ao cumprimento das suas
obrigações internacionais.

 Este modelo de convergência, que foi sendo consolidado ao longo do séc. XX,
assenta, no dever imposto aos Estados de conformarem a sua ordem interna ao
cumprimento das obrigações internacionais, permitindo-lhes, todavia, escolherem
livremente a solução técnica que dê cumprimento a esse dever, não existindo uma
vigência forçada do direito internacional nas ordens internas, pelo que,

17
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

verificando-se eventualmente uma desconformidade, poderá ser imputada, aos


Estados, a correspondente responsabilidade internacional pelos danos.

Lição V – Mecanismos de regulação:


A. Os regimes decorrentes das diferentes visões:
 Quanto ao dualismo, apesar de tornar impossível o surgimento de situações de
conflito, por não haver contacto, não impede a vigência no plano interno de um
conteúdo normativo internacional, exigindo apenas que este seja repetido através
de um ato interno, o qual lhe conferirá vigência. A isto chama-se transformação,
operando a alteração da natureza do ato de internacional para interno.

 O monismo, na medida em que admite a vigência das regras internacionais na


ordem interna, regula a matéria através daquilo que frequentemente se chamam
cláusulas de receção, ou seja, fixa constitucionalmente regimes que consagram a
admissão dessa vigência.

 Por fim, quanto ao pluralismo, há uma interpenetração das ordens jurídicas na


medida em que o conteúdo normativo internacional vigora enquanto tal na ordem
interna, que com ele se procura articular, regulando a matéria através daquilo que
se denominam mecanismos de acomodação.

B. A sua complexificação:
 A primeira variante refere-se às situações em que se combinam regimes de
transformação e de receção. Estes regimes designam-se normalmente por
mecanismos ou cláusulas de receção semiplena.

 Para lá desta primeira variante tem-se, dentro dos mecanismos de receção, pelos
menos, três outras variantes.

 A primeira, que se designa por receção plena, é aquela em que se admitem apenas
eventuais exigências formais, como seja a publicação, como requisito da vigência.

 Contudo, recentemente começaram a surgir regimes ainda mais favoráveis, nos


quais não é necessária a prática de qualquer ato como condição da vigência. Esses
regimes deram origem à segunda variante: a receção automática.

 Finalmente, com o processo de integração europeia, surgiu uma outra variante: a


aplicabilidade direta, onde se reconhece a vigência simultânea de duas ou mais
ordens jurídicas, sem que qualquer uma delas se arrogue à necessidade de receber
a outra, ou seja, as ordens sobrepõem-se autonomamente.

C. As alternativas pluralistas:
 Analisar-se-á, sumariamente, o elenco de soluções segundo a doutrina pluralista
para as situações de conflito, e que constituem alternativas à mera determinação

18
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

hierárquica da prevalência dos diferentes corpos normativos que concorram na


regulação da mesma situação.
1. Interações dialéticas jurídicas:
 A primeira dessas soluções é designada por interações dialéticas jurídicas. Assim, a
abordagem pluralista deve conseguir equilibrar a apreciação hierárquica, corrente
nos tribunais e o mero diálogo doutrinal, próprio dos comités.
2. Margens de apreciação:
 A doutrina das margens de apreciação foi desenvolvida pelo Tribunal Europeu dos
Direitos Humanos visando um equilíbrio entre o respeito pelas decisões nacionais
(nos planos legislativo e judicial) e a necessidade de garantir a capacidade deste
tribunal determinar a compatibilidade dos atos com a Convenção Europeia dos
Direitos Humanos.

 Há uma margem, quer para os Estados, que podem inclusivamente evoluir nos
respetivos regimes jurídicos, sem que essa evolução esteja obrigada à aproximação
ou consenso com a posição do Tribunal ou dos outros Estados, quer para o
Tribunal, que vê as suas decisões duplamente legitimadas.
3. Regimes de autonomia limitada:
 Os regimes de autonomia limitada determinam que, nas relações entre ordens
estaduais e não estaduais, principalmente infraestaduais, nenhuma delas pode
ignorar ou eliminar a outra.
4. Esquemas subsidiários:
 A subsidiariedade é um mecanismo de gestão das relações entre autoridades
introduzido pela Igreja para evitar que os níveis superiores de autoridade
interferissem indevidamente na vida interna da comunidade.

 Trata-se de um critério de resolução de conflitos que introduz uma ponderação


material muito útil: a verificação da maior eficácia da regulação ao nível superior e
eventualmente o reconhecimento dessa circunstância pelos níveis inferiores.
5. Redundâncias judiciais:
 Um conflito normativo pode ser perspetivado como uma vantagem, na medida em
que alarga as hipóteses de correção de erros, fortalece o raciocínio jurídico e
aumenta as possibilidades de inovação criativa.

 Em geral, sempre que os decisores são forçados a ponderar a existência de outros


decisores possíveis, tenderão a adotar, com o tempo, uma visão mais contida do
seu poder de determinação.

19
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

6. Acordos de participação hibrida:


 Trata-se de acordos que garantem a participação de membros das diferentes
comunidades, e respetivas ordens jurídicas, no processo de formação de normas
e/ou na apreciação de situações hibridas.
7. Regimes de reconhecimento mútuo:
 As políticas de reconhecimento mútuo surgiram no âmbito comercial, permitindo
apreciar a conformidade de produtos estrangeiros à luz das regras dos mercados
de origem e reservando para a produção interna as exigências da própria ordem.
Trata-se, portanto, de um mecanismo de acomodação da pluralidade.
8. Acordos de porto seguro:
 Os acordos desta natureza estabelecem algo menos do que a pura harmonização,
fixando apenas os princípios básicos que devem servir de referência em caso de
conflito de normas. Há, portanto, uma adequação parcial, aceitando as partes
parâmetros mútuos e oferecendo as correspondentes garantias.

Lição VI – A vigência do direito internacional na ordem jurídica


portuguesa:
A. Estruturação da norma constitucional:
 A norma constitucional revela uma postura monista com primado do direito
internacional. Assim, é clara a aceitação da vigência na ordem jurídica portuguesa.

 Não obstante esta postura de princípio, o art. 8.º introduz algumas exigências
particulares que dão origem a um regime relativamente desenvolvido.

 A norma compunha-se inicialmente de dois números, através dos quais distinguia o


regime relativo ao direito internacional geral ou comum e o regime relativo ao
direito convencional.

 Posteriormente, com o advento da integração europeia, o legislador constitucional


acrescentou um terceiro número que contempla o direito comunitário derivado.
De uma revisão constitucional posterior resultou, ainda, um novo número
diretamente dirigido ao direito europeu.
1. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum:
 O n.º 1 do art. 8.º da CRP estabelece que “as normas e os princípios de direito
internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português”.

a) A primeira questão é a de saber o que se entende por direito internacional geral ou


comum.

20
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 O elemento mais importante neste âmbito é o costume internacional geral. Para


além deste, devem-se incluir no conceito de direito internacional geral ou comum
os princípios gerais de direito e algumas convenções universais.

b) A segunda questão prende-se com a classificação do regime constitucionalmente


fixado para o direito internacional geral ou comum.

 Considera-se que se está perante uma cláusula de receção automática. Na medida


em que nenhuma exigência é colocada como condição de vigência do direito
internacional geral ou comum na ordem jurídica portuguesa.

 Não subsiste qualquer dúvida quanto ao facto de se tratar de um mecanismo de


receção, o qual, por sua vez, terá de ser considerado automático, já que dispensa
toda e qualquer intervenção das autoridades portuguesas.

 Deverá, por fim, referir-se o costume regional ou local. A única questão relevante
será a de saber em que termos a vigência deste costume é admitida entre nós. Não
parece poder defender-se outra solução que não seja a de aplicar o regime do n. º
1, do art. 8.º (receção automática), já que nenhum outro se lhe adequa.
2. Regime relativo ao direito convencional:
 O n.º 2 do art. 8.º refere que “as normas constantes de convenções internacionais
regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua
publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.

 Primeiramente, referir que se está face ao regime aplicável às convenções


internacionais de que Portugal seja parte.

 Parece claro tratar-se aqui de um regime de receção plena.

 Analisando o n.º 2, do art. 8.º e começando pela última parte, exige-se como
condição de vigência que a regra vincule internacionalmente o Estado português.

 Exige-se também a sua publicação. Esta exigência sempre se considerou como não
afetando o caráter pleno da receção, tratando-se de uma condição geral de eficácia
das regras positivas, cujo cumprimento não pode ser exigível se não tiverem sido
levadas ao conhecimento dos destinatários, através dos meios fixados para o
efeito.

 Finalmente coloca-se como condição que as convenções tenham sido


regularmente aprovadas ou ratificadas. A exigência de ratificação ou aprovação
tem a ver com a vinculação que decorre da aprovação, no caso dos acordos em
forma simplificada, ou da ratificação, para os tratados solenes.

21
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 E naturalmente que as convenções apenas vigoram na medida em que haja


vinculação. Não parece que tal exigência deva considerar-se como afetando o
caráter pleno do regime de receção: a vigência pressupõe uma vinculação regular.
3. Regime relativo ao direito derivado das Organizações Internacionais:
 Estabelece o n.º 3 do art. 8.º que “as normas emanadas dos órgãos competentes
das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente
na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respetivos tratados
constitutivos”.

 Esta norma foi introduzida antecipando a adesão às Comunidades Europeias, que


se efetivou a 1 de janeiro de 1986.

 Trata-se da consagração expressa de um regime de aplicabilidade direta, o que


significa a previsão da vigência simultânea de duas ordens jurídicas, a nacional e a
internacional, sem que haja da parte de qualquer uma delas um enquadramento
da vigência da outra, uma receção, portanto.
4. Regime relativo ao direito da União Europeia:
 O n.º 4 do art. 8.º determina que “as disposições dos tratados que regem a União
Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas
competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito
da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito
democrático”.

 Esta norma vem consagrar definitivamente o regime da aplicabilidade direta do


Direito da União Europeia na ordem jurídica portuguesa.

 Portanto, esta nova regra dirige-se ao direito da União Europeia, originário


(“tratados”) e derivado (“normas emanadas das suas instituições”).
Devem apontar-se algumas críticas de natureza formal à regra constitucional:
a) Refira-se, em primeiro lugar, o facto de o regime se referir apenas a normas
(“disposições de tratados” e “normas emanadas das suas instituições”). No direito
da União Europeia derivado encontram-se atos sem caráter normativo cujo regime
de vigência não parece poder ser diferente do reconhecido às normas.

b) Em segundo lugar, o regime refere apenas as normas das instituições criadas pelos
tratados, o que parece querer deixar de fora atos que não provenham
propriamente das instituições, mas que inquestionavelmente integram o direito da
União Europeia.

c) A última crítica refere-se à restrição resultante da referência às disposições dos


contratos que regem a União Europeia, o designado direito originário. De fora
parece ficar também o direito convencional (tratados em que a União Europeia

22
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

seja parte) e em especial as convenções celebradas simultaneamente pela União


Europeia e pelos Estados-Membros.

B. O problema da hierarquia entre o direito internacional e o direito interno:


1. Regime relativo ao direito internacional geral ou comum:
 Em relação ao direito internacional geral ou comum, a regra do n.º 1, do art. 8.º
parece reconhecer a supra constitucionalidade de tais normas.

 Não se prevê qualquer possibilidade de controlo da constitucionalidade destas


regras, facto que parece corroborar a interpretação defendida. A constituição
inscreve, aliás, no art. 16, n.º 2, uma cláusula de sujeição em matéria de direitos
fundamentais, o que torna ainda mais evidente a disponibilidade do legislador
constitucional para reconhecer a posição hierárquica cimeira de alguns corpos
normativos internacionais.
2. Regime relativo ao direito convencional:
 No tocante às normas convencionais, muito embora seja pacífica a constatação do
valor supralegal das regras convencionais, a doutrina inclina-se para lhe atribuir
uma posição infraconstitucional, fundamentalmente em razão da existência de
mecanismos de controlo da constitucionalidade que incidem sobre as regras
convencionais.
3. Regime relativo ao direito derivado das Organizações Internacionais:
 Passando ao âmbito do n.º 3 do art. 8.º, o direito derivado de organizações
internacionais, deve referir-se que a doutrina tendia a concluir pelo
reconhecimento do caráter supraconstitucional deste tipo de normas
internacionais.

 Todavia, pode suceder que venha a existir uma situação em que, por exemplo, as
regras de direito derivado de uma organização internacional de que Portugal faça
parte, sejam diretamente aplicáveis, mas que, em caso de conflito, o tribunal deva
dar primazia ao direito nacional.

 Tende-se, assim, para considerar que o texto do n.º 3 não permite, só por si,
responder com segurança à questão da hierarquia com o direito nacional.

 Portanto, a resposta depende dos termos estabelecidos na convenção


internacional que dê origem a uma situação que caia no âmbito deste preceito.
4. Regime relativo ao direito da União Europeia:
 Analise-se a situação do direito da União Europeia, prevista no n.º 4 do art. 8.º.

 Parece implícito ao reconhecer que não é a ordem nacional quem regula os termos
de aplicação no seu seio do direito da União Europeia, se admite que seja também

23
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

este a determinar a hierarquia das suas regras em relação às regras nacionais.


Assim sendo, o primado do direito da União europeia é pacífico, constituindo, aliás,
um dos seus princípios basilares.

 De onde se tende a presumir o caráter supraconstitucional das normas europeias,


no sentido em que uma vez transferida uma competência para o nível europeu,
não pode o legislador nacional, mesmo que constitucional, contrariar através de
atos internos os atos europeus praticados no exercício dessa competência
transferida.

III. Fontes de direito internacional:

Lição VII – Referências introdutórias em matéria de fontes:


A. Fontes criadoras e fontes transmissoras:
 Quando modernamente se trata a questão das fontes de direito apenas se refere
às fontes transmissoras. Tradicionalmente distinguem-se as fontes criadoras de
direito, isto é, aquilo que dá origem ou existência às normas, das fontes
transmissoras, que correspondem aos meios através dos quais se dá conhecimento
das normas.

 A distinção tornou-se menos relevante em razão do predomínio da atividade


legislativa enquanto fonte criadora de direito. Daí que hoje em dia, a referência ao
legislador tenda a englobar todas as fontes criadoras de direito, mesmo quando
estas não têm caráter legislativo.

B. Fontes materiais e fontes formais:


 Dentro das fontes transmissoras era também corrente distinguir entre fontes
materiais e fontes formais.

 As fontes materiais correspondem ao fundamento sociológico das normas


internacionais (a sua base política, moral ou económica, conforme é explicitada
pela doutrina ou pelos sujeitos), ou seja, àquilo que justifica ou inspira as normas.

 No que toca às fontes formais, trata-se dos procedimentos de elaboração do


direito, técnicas segundo as quais se define uma regra como pertencendo ao
direito positivo, ou seja, a formulação e introdução no corpo normativo positivo.

C. Fontes e normas:
 Importa não confundir fontes (meios através dos quais se dá conhecimento da
norma) com normas internacionais (conteúdo e substância de uma regra
elaborada segundo as exigências procedimentais de determinada fonte formal).

24
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Na verdade, a mesma norma pode resultar de várias fontes, por exemplo de um


costume e de uma convenção, ao mesmo tempo que a mesma fonte pode dar
origem a uma multiplicidade de normas distintas, como acontece com as
diferentes disposições de uma mesma convenção.

D. Elenco, ordem e hierarquia:


1. O elenco e a importância relativa das diferentes fontes:
 O enquadramento das fontes costuma fazer-se por referência ao art. 38.º do
Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça (ETIJ), que determina que o tribunal
aplique, para decidir as controvérsias que lhe sejam submetidas, as convenções
internacionais, o costume, os princípios gerais de direito, a doutrina e
jurisprudência. Sendo que no seu n.º 2 se refere a possibilidade de decidir por
aplicação da equidade, se as partes assim estabelecerem.
A norma estabelece um elenco nos termos seguintes:

 Primeiramente, o debate incidia sobre a possibilidade de se resumirem as fontes às


convenções. O âmbito muito estrito da matéria regulada por convenções, à altura,
tornava a opção impraticável. Por isso, a inclusão do costume não mereceu
resistências significativas.

 A discussão deslocou-se para os princípios gerais do direito. O acolhimento desta


fonte deve-se, no essencial, à constatação de que sem o recurso a regras gerais
subsistiria o risco de o tribunal se recusar a decidir face à inexistência de regras
aplicáveis.

 As outras fontes referidas no art. 38.º têm um caráter acessório: a doutrina


necessariamente e a jurisprudência também. A equidade que surge no n.º 2 do art.
38.º natureza mais do que uma natureza acessória é supletiva.
2. Caráter taxativo ou enunciativo do elenco:
 O elenco do art. 38.º pode reduzir-se a duas fontes principais, os tratados e o
costume, com apoio de uma fonte de recurso, os princípios gerais, e duas ou três
fontes acessórias, a doutrina, a jurisprudência e a equidade.

 Porém, a evolução do direito internacional tornou evidente o caráter não taxativo


do elenco, dado que outros atos produzem efeitos e são suscetíveis de aplicação na
resolução de controvérsias.

 Refira-se, em primeiro lugar, aos atos unilaterais: atos (dos Estados e das
organizações internacionais) sem caráter convencional, mas através dos quais são
assumidas obrigações vinculativas.

25
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Por seu turno, devem referir-se os chamados atos concertados não convencionais,
constituindo como que o contrário dos atos unilaterais: há acordo de vontades e
não há vinculação.
3. Ordem e hierarquia:
 A doutrina levantou a questão de saber se a ordem das fontes tal como vem
referido no art. 38.º ETIJ corresponde ou não a uma hierarquia entre estas. A
resposta tem, todavia, de ser negativa: não se trata de uma hierarquia, mas tão só
da ordem segundo a qual o juiz internacional deve aplicá-las.

 A convenção deve aplicar-se imediatamente pois corresponde a um regime


especial a que as partes se obrigaram, e nessa medida é de presumir que se, numa
dada matéria, as partes estabeleceram um corpo de regras especifico, este
constitui o regime geral.

 Por sua vez, os princípios gerais, por terem um caráter mais abrangente do que as
regras convencionais são de aplicação subsidiária relativamente a estas.

 A ordem do n.º 1 do art. 38.º é, portanto, uma ordem de aplicação na medida em


que está estabelecida da fonte especial para a geral.

 Desta forma se conclui que não existe uma hierarquia entre as fontes, podendo em
concreto, definir-se a prevalência de algumas normas ou conjuntos de normas a
partir dos critérios expostos, para além das suas características
(generalidade/especialidade, anterioridade, posição sistemática). Ou seja, não
existe hierarquia das fontes, mas vem-se desenhando uma hierarquia de normas.

Lição VIII – O costume internacional:


A. Importância relativa:
 Sendo o costume espontâneo, significa que a natureza e o âmbito das obrigações
consuetudinárias permanecem incertas.

 Não obstante tais dificuldades, o costume permanece como uma das mais
importantes fontes de direito internacional.

 A principal razão será a de que nele reside ainda o núcleo fundamental do direito
internacional. Domínios fundamentais como seja a criação das regras
internacionais, dos atos unilaterais ou dos princípios gerais do direito, a
responsabilidade internacional, a regulação pacífica dos conflitos, ou mesmo o
investimento internacional permanecem exclusiva ou maioritariamente regulados
por regras consuetudinárias.

 A importância do costume decorre também do facto de ser por referência a esta


fonte que se fundamenta o caráter obrigatório de outras normas internacionais.

26
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Embora tratando-se em boa parte de regras resultantes da convivência de estados


europeus, o costume foi, no geral, bem acolhido pelos Estados saídos da
descolonização, os quais constituem atualmente a maioria.

 Refira-se, ainda, que a sua relevância tem sido facilitada pela menor exigência de
antiguidade e bem assim, pela sua capacidade de adaptação às exigências da vida
internacional, o que lhe permite responder às novas solicitações que vão surgindo,
à medida que o nível internacional se valoriza.

B. Fundamento da obrigatoriedade
1. A perspetiva tradicional (subjetiva):
 A doutrina tradicional encarava o costume como um pacto tácito, daí derivando a
sua obrigatoriedade.

 Esta perspetiva mostra-se insatisfatória na medida em que sobrevaloriza o


elemento psicológico do costume (a convicção da obrigatoriedade), ignorando o
elemento material (a prática ou uso).

 Por outro lado, esta visão não responde à questão da sua obrigatoriedade para os
Estados que não participem na sua formação.
2. A perspetiva atual (objetiva):
 O sociologismo encontra aqui uma manifestação que lhe é cara: a espontaneidade
no sentido em que a regra jurídica surge como consequência direta da convivência
social.

 O melhor entendimento da questão, próximo da perspetiva sociologista (porque


assenta ou reconhece a necessidade da regra), reside na chamada conceção
objetiva que encara o costume como uma resposta às necessidades da vida
internacional, mas vai um pouco mais além disso e insiste na necessidade do
acolhimento por uma maioria representativa dos membros da comunidade
internacional.

 Assim chega-se ao fundamento da obrigatoriedade da regra consuetudinária: esta


constitui a resposta a uma necessidade social, selecionada de entre as práticas
assumidas pelos sujeitos pelo facto de ser aquela cujo equilíbrio faz com que se
enraíze na consciência jurídica.

C. Elementos do costume:
 O art. 38.º do ETIJ refere-se ao costume como “a prova de uma prática geralmente
aceite como sendo de direito”.

27
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Os termos da norma evidenciam os dois elementos formativos do costume: o uso


ou prática, que corresponde ao elemento material; e a convicção da
obrigatoriedade, que corresponde ao elemento psicológico.
1. Elemento material ou objetivo: o uso ou a prática:
O elemento material do costume é constituído pelo uso ou prática, que consiste na
repetição de uma conduta.
1.1. O esforço de tipificação das práticas relevantes:
 A tipificação das práticas suscetíveis de formarem costume internacional não é
fácil, sendo necessário ter em conta o contexto geral, a natureza da regra e as
circunstâncias próprias a cada um dos meios.

 Assim, no tocante à atividade externa dos órgãos estaduais, são relevantes os atos
unilaterais (declarações, notas e correspondência diplomática, etc.), ou os atos
concertados não convencionais e bem assim as condutas relativas a convenções
ou a resoluções de organizações internacionais ou conferências
intergovernamentais.

 Também a atividade interna do Estado pode integrar práticas que estejam na


origem de costumes internacionais. Desde logo os atos legislativos, executivos ou
judiciais.
1.2. Caracterização da prática relevante:
a) Caráter negativo ou positivo:
 A conduta suscetível de formar costume internacional pode ser positiva
(constituindo, portanto, uma ação) ou negativa (traduzindo-se numa omissão).

b) Generalidade:
 Embora tradicionalmente se refira a generalidade como requisito da prática
suscetível de formar um costume, essa exigência pode considerar-se hoje em dia
atenuada. Na verdade, não é necessário que todos os Estados adotem essa
conduta, podendo um costume geral surgir da prática de uma maioridade de
Estados apenas, e mesmo com a oposição de alguns.

c) Continuidade ou constância:
 Essencial parece ser alguma continuidade ou constância dessa prática, ou seja,
esse comportamento há-de repetir-se ao longo de algum tempo.

 Porém, facto é que a importância do tempo na formação do costume tem-se vindo


a desvalorizar. Como expressão maior dessa desvalorização surge o chamado
costume selvagem.

 O termo foi adiantado por René-Jean Dupuy, o qual faz uso da proximidade dos
vocábulos sage (sábio) e sauvage (selvagem), reservando para o primeiro o modo

28
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

de formação tradicional, assente no decurso do tempo, e usando o segundo para


os casos em que se verifica uma inversão cronológica: a afirmação da
obrigatoriedade a anteceder a prática.

d) Uniformidade ou homogeneidade:
 Uma outra característica essencial é ainda a sua uniformidade ou homogeneidade.
Os sujeitos, quando colocados perante a mesma situação, deverão adotar condutas
uniformes, o que implica que tais atos (ou omissões) sucessivos sejam
concordantes entre si.

 Contudo de referir é que essa uniformidade deverá ser substancial, ou seja, no


referente aos elementos essenciais da prática, e não absoluta, não sendo
necessário que a atuação seja exatamente a mesma.

 Merece ainda uma referência a dispersão espacial da conduta: tratando-se de um


costume geral, deverá demonstrar-se que a conduta foi adotada não apenas por
uma maioria de Estados, mas também que estes cobrem sensivelmente as áreas
em que surgem situações idênticas. Caso contrário ter-se-á costumes regionais ou
locais.
2. Elemento psicológico: a convicção da obrigatoriedade :
 O elemento psicológico ou subjetivo do costume refere-se à convicção de que a
obrigação do seu cumprimento tem natureza jurídica, comummente referido como
opinio juris. É esse o sentido da expressão usada no art. 38.º do ETIJ quando se
refere a uma prática geralmente aceite como sendo de direito.
2.1. A essencialidade e as dificuldades próprias do elemento:
 A convicção da obrigatoriedade é aquilo que distingue o costume das simples
práticas. Não pode, por isso, prescindir-se de tal elemento, sob pena de se conferir
caráter obrigatório às condutas cuja repetição resulta de meras conveniências.

 Contudo, existe algum desconforto nesta exigência. Desde logo, porque a


convicção da juridicidade pressupõe a existência prévia da norma, na medida em
que se deve repetir o comportamento por ele ser juridicamente obrigatório, sendo
que essa obrigação jurídica há-de decorrer necessariamente de uma regra.

 De onde se pode questionar o seguinte: afinal a regra já existe (e por isso o


comportamento é obrigatório) ou a obrigatoriedade do comportamento é
elemento da formação da norma?

 Na opinião do professor, é a convicção (da obrigatoriedade) que surge como


elemento formador do costume e não a própria obrigatoriedade – esta sim
decorrente do caráter jurídico da norma.

29
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 A segunda razão do desconforto relativo à exigência da convicção da


obrigatoriedade prende-se com a dificuldade da prova, ou seja, com a identificação
do direito consuetudinário ou dos seus elementos.

 Importa, aliás, referir que não basta a prova da convicção da obrigatoriedade dos
Estados envolvidos, sendo necessário mostrar como essa convicção é assumida por
uma maioria dos membros da comunidade internacional, entre os quais figurem os
diferentes sistemas jurídicos e as diferentes regiões do mundo.
2.2. Elementos relevantes para a demonstração da opinio juris:
 A prova da convicção da obrigatoriedade pode fazer-se, entre outras formas, por
declarações públicas produzidas em nome dos Estados; publicações oficiais;
pareceres jurídicos governamentais; correspondência diplomática; decisões das
jurisdições nacionais; disposições de tratados, e bem assim a conduta relativa a
resoluções adotadas por uma organização internacional ou numa conferência
intergovernamental.

D. Relações entre as regras consuetudinárias e outras normas internacionais:


Nas relações entre costumes aplicam-se na matéria os princípios gerais. Senão
vejamos:

 Havendo conflito entre dois costumes gerais cujo objeto seja o mesmo, prevalece
o costume mais recente (lex posteriori derrogat priori).

 Havendo conflito entre uma regra de costume especial e uma regra de costume
geral, prevalece aquela, ainda que anterior (lex specialis derrogat legi generali).

 Havendo conflito entre um costume regional ou local e um costume geral, aquele


prevalece desde que não afete direitos de terceiros (lex specialis derrogat legi
generali – sendo que aqui a especialidade é espacial e não material).

 Nas relações entre uma regra consuetudinária e uma regra convencional verifica-
se uma equiparação: um costume pode ser modificado, completado ou revogado
por um tratado e vice-versa.

 Nas relações entre um costume e um ato unilateral a regra geral é a de que


prevalece aquele, independentemente do momento do surgimento deste, sendo
que a prática do ato unilateral contrário configura uma ilicitude. A única exceção
parece ser a da objeção persistente a uma regra consuetudinária.

 No tocante aos atos unilaterais das organizações internacionais devemos


distinguir os não obrigatórios (resoluções ou recomendações) dos obrigatórios
(decisões).

 Quanto aos primeiros o costume prevalece, sendo, no entanto, que na medida em


que essa resolução exprima uma opinio juris, poderá formar uma nova regra

30
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

consuetudinária, desde que surja a prática conforme, a qual prevalecerá por mais
recente. Quanto às decisões, o entendimento do TIJ parece ir no mesmo sentido.

 Relativamente aos princípios gerais do direito, a regra parece ser a da prevalência


do costume, dada a origem interna do principio.

E. A codificação do costume:
 O processo de identificação e redução a escrito do costume internacional ganhou
impulso definitivo após a 2ª Guerra Mundial, com a Carta das Nações Unidas, cujo
art. 13.º confere à Assembleia Geral o mandato para promover estudos e fazer
recomendações tendo em vista o desenvolvimento do direito internacional e a sua
codificação.

 O processo de codificação levado a cabo pela Assembleia Geral das Nações Unidas
inicia-se com a decisão desta sobre o âmbito em relação ao qual esse processo se
dirigirá, podendo acolher sugestões da Comissão de Direito Internacional.

 Seguidamente a mesma Assembleia Geral confiará a preparação de um projeto a


um órgão permanente (Comissão de Direito Internacional ou outro) ou a um
comité temporariamente constituído para o efeito. A preferência vai normalmente
para a Comissão de Direito Internacional.

 A referida Comissão começa normalmente por nomear de entre os seus membros


um relator e fixar um plano de trabalhos. Posteriormente o relator vai solicitar aos
governos o envio de informações e posições sobre a matéria, ou sobre aspetos
específicos da mesma.

 Com base nos elementos recolhidos, o relator elabora um projeto que fará um
ponto da situação geral. Esse projeto é, posteriormente, discutido e aprovado pela
Comissão sendo incluído, a título de comentário aos diversos artigos, um resumo
das posições registadas sobre a matéria.
Quando se chega a um projeto final, este é remetido enquanto tal à Assembleia Geral
com a recomendação para que esta adote uma das seguintes atitudes:
 Nada fazer deixando que a publicação do projeto possa ser objeto do devido
acolhimento pelos interessados, permitindo posteriores ajustamentos ou a
evolução para a celebração de uma convenção;

 Tomar nota sublinhando a importância do regime, chamando à atenção dos


governos para o mesmo e aguardar pelo acolhimento que o mesmo possa
merecer;

 Adotar o projeto sob a forma de convenção convidando os estados a vincularem-se


segundo os procedimentos próprios;

31
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Convocar uma conferência que negoceie uma convenção a partir do projeto.

Lição IX – Convenções internacionais: noção, terminologia e


classificações:
A. Noção e terminologia:
 Convenção internacional é um acordo de vontades, em forma escrita, entre
sujeitos de direito internacional, de que resulta a produção de efeitos jurídicos
vinculativos, qualquer que seja a sua denominação.
1. Acordo de vontades (elemento essencial):
 Toda a convenção implica uma convergência de atos voluntários (um contrato). Em
matéria de validade das convenções, a afetação ou viciação do caráter voluntário,
conduz à nulidade.

 As vontades podem ocorrer em momentos diferentes, na medida em que a


vinculação de cada Estado surge, com frequência, em momentos diferentes,
maxime por força da necessidade de ratificação.

 Por outro lado, ao texto do próprio acordo, acresce, normalmente, o instrumento


que formaliza a vinculação (exemplo: o instrumento de ratificação).

2. Em forma escrita (elemento não essencial):


 O art. 2.º, n.º 1, al. a) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, refere
a forma escrita na noção de tratado, mas apenas para efeitos da mesma
convenção.

 Por sua vez, o art. 3.º refere que a falta de forma não afeta a validade nem exclui a
aplicação das regras da convenção às quais as partes estariam submetidas
independentemente desta.

 O que significa que às convenções não escritas, aplicam-se todas as regras


acolhidas na referida Convenção que têm um caráter consuetudinário (eram,
portanto, obrigatórias antes e independentemente de serem acolhidas aquando da
codificação da matéria).

 Assim sendo, muito embora a forma escrita seja unanimemente referida, não
consubstancia um elemento essencial do conceito. Desta forma, o princípio geral
será o de que as convenções não estão sujeitas a quaisquer exigências ou
requisitos formais.

32
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

3. Entre sujeitos de direito internacional (elemento essencial):


a) Essencialidade do requisito:
 Trata-se de um requisito intransponível no sentido em que apenas existem
convenções entre sujeitos de direito internacional.
b) Critérios de determinação dos sujeitos:
 A primeira questão é, portanto, a de saber quem são os sujeitos de direito
internacional, já que só estes e apenas entre estes se podem celebrar convenções.

 Atualmente, é pacifico o reconhecimento de outros sujeitos de direito


internacional, para além do Estado (soberano): desde logo as organizações
internacionais, mas também os Movimentos Nacionais ou Movimentos de
Libertação Nacional, para além de outras figuras com menor importância.

 Todos eles, enquanto sujeitos, têm capacidade para celebrar convenções, muito
embora essa capacidade apenas seja plena no caso dos Estados soberanos.

 Surge outra questão: a do seu reconhecimento. Vem-se desenvolvendo um


regime, nos termos do qual se admite que a qualidade de sujeito resulta do
reconhecimento como tal por um Estado ou por uma organização internacional.

 Por seu turno, no caso dos Estados e das organizações internacionais, a qualidade
de sujeito não resulta do reconhecimento.

 Assim, a organização internacional adquire personalidade jurídica internacional se


a convenção que lhe der origem lhe atribuir essa mesma personalidade. Para os
Estados, a personalidade resulta da reunião dos três elementos caracterizadores:
povo, território e poder político soberano.

 Por conseguinte, quanto a saber quem afere efetivamente da reunião dos


elementos próprios da estadualidade, a prática atual vai no sentido do
reconhecimento implícito da qualidade estadual, o qual resultar da admissão na
Assembleia Geral das Nações Unidas, ou da adesão ao Estatuto do Tribunal
Internacional de Justiça.

Contudo, persistem, em termos internacionais, dois critérios para as entidades serem


admitidas enquanto Estados e se vincularem a convenções:
1. A fórmula de Viena, nos termos da qual apenas se consideram Estados as
entidades admitidas na Assembleia Geral, que tenham aderido ao Estatuto do
Tribunal Internacional de Justiça ou tenham sido admitidas em alguma agência
especializada.

2. O critério da prática da Assembleia Geral, que exige uma indicação clara deste
órgão no sentido de considerar expressamente tais entidades como Estados, para

33
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

efeitos de vinculação convencional, se estas não preenchem os requisitos da


fórmula de Viena.
c) Os quase-tratados:
 Justifica-se referir os chamados quase-tratados, ou seja, determinados acordos
entre Estados e pessoas (coletivas) privadas estrangeiras, acordos esses que não
estão sujeitos apenas ao direito interno dos Estados, mas não chegam a assumir
um caráter convencional.

 Os contratos de investimento internacional envolvem, normalmente, empresas


multinacionais que efetuam investimentos avultados, as quais viram os seus
interesses ameaçados por atos de nacionalização dos seus bens, sem garantias de
uma justa reparação.

 Depressa os riscos de nacionalização levaram a que as empresas se abstivessem de


efetuar tais investimentos, com grande prejuízo para os países menos
desenvolvidos, cujas economias se mostravam necessitadas dos afluxos de capitais
e das transferências de tecnologias decorrentes desses investimentos.

 Daí que tenha surgido a Convenção de Washington de 1965 ou Convenção para a


Resolução dos Diferendos Relativos aos Investimentos.

 Posto isto, os quase-tratados já não se situam exclusivamente ao abrigo do direito


interno, tendo, portanto, sido objeto de um processo de internacionalização. Não
parece, todavia, que devam ou possam considerar-se convenções internacionais.

 O mesmo acontece com os acordos entre sujeitos de direito internacional e as ONG


ou qualquer outro tipo de associações de direito privado. A valorização
internacional destes sujeitos não engloba, em termos gerais, a capacidade para
celebrarem convenções internacionais.
3. Agindo nessa qualidade (elemento essencial):
 Os sujeitos de direito internacional podem estabelecer entre si acordos sem que,
todavia, ajam nessa qualidade (de sujeitos de direito internacional).

Exemplo:
 Se se pretender realizar com outro Estado um contrato de compra e venda de um
imóvel, visando uma utilização comercial, a intervenção de ambos ocorre, em
principio, na qualidade de particulares (sujeito ao regime jurídico do Estado onde
se situam os bens), não se tratando por isso de uma convenção, mas de mero
contrato.

 Para que exista uma convenção internacional é necessário que os sujeitos de


direito internacional ajam nessa qualidade.

34
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

4. Regido pelo direito internacional (elemento não essencial):


 Todo o acordo de vontades entre sujeitos de direito internacional agindo nessa
qualidade tendo em vista a produção de efeitos jurídicos, é necessariamente
regido pelo direito internacional.

 A exigência é apenas importante quando vista isoladamente: não há convenções


internacionais que não sejam regidas pelo direito internacional.
5. Visando a produção de efeitos jurídicos vinculativos:
 Os sujeitos de direito internacional podem, agindo nessa qualidade, concluir
acordos aos quais não pretendem atribuir efeitos vinculativos (imediatos): é o caso
dos chamados atos concertados não convencionais, tais como declarações
políticas, os gentlemen agreement, as comunicações, os códigos de conduta, etc.

 Apenas existem convenções quando os sujeitos pretendam que o acordo de


vontades seja juridicamente vinculativo. De facto, a produção de efeitos jurídicos
vinculativos (a criação de obrigações) constitui uma função essencial, e daí tratar-
se de um elemento essencial do conceito.
6. Qualquer que seja a sua denominação (elemento não essencial):
 No âmbito convencional abundam as designações, que nem sempre são utilizadas
de forma idêntica, tratando-se, no entanto, e em todos os casos, de convenções
internacionais.

 Tratado: é a designação tradicional e mais corrente, sendo utilizada de forma


abrangente na terminologia jurídica, podendo também surgir para referir tratados
solenes por oposição aos acordos em forma simplificada.

 Acordo: designação correntemente utilizada para acordos em forma simplificada,


mas que surge também em tratados solenes.

 Convenção: designação frequentemente utilizada para tratados concluídos sob a


égide de organizações internacionais. Podendo, igualmente, utilizar-se em termos
abrangentes, para englobar tratados solenes e acordos em forma simplificada.

 Convénio: designação utilizada em convenções de natureza económica.

 Carta, Pacto e Constituição: designações utilizadas para convenções que criam


organizações internacionais.

 Ato/ata: designação muito utilizada para referir convenções resultantes de


conferências intergovernamentais que tratam matérias limitadas.

 Estatuto: designação utilizada para as convenções que regulam a atividade dos


tribunais internacionais.

35
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Protocolo: designação frequentemente utilizada para referir convenções que


desenvolvem autonomamente o regime de outras convenções, surgindo com
frequência anexadas a estas (exemplo: os numerosos protocolos que surgem em
anexos aos diversos tratados comunitários).

B. Classificações:
1. Classificação material:
a) Tratado-lei:

 O conceito de tratado-lei sublinha a função normativa que as convenções podem


assumir, referindo-se, portanto, à criação (por via convencional) de regras (de
comportamentos) aplicáveis às partes.

 Nela se inscrevem convenções como seja a Convenção de Viena sobre direitos dos
tratados.

 De referir, ainda, que as obrigações resultantes dos tratados-lei assumem um


caráter geral, integral ou absoluto, configurando um regime genérico.
b) Tratado-contrato:

 O tratado-contrato visa estabelecer as prestações e correspondentes


contraprestações a que as partes se obrigam mutuamente. Há, portanto, uma
situação de reciprocidade nos direitos e obrigações das partes, mesmo em tratados
multilaterais, nos casos em que podem ser fragmentados em relações bilaterais.

 Sendo de referir que esta é uma regra que apenas tem sentido no plano contratual,
desaparecendo no plano puramente normativo.
c) Tratado-constituição:

 A designação tratado-constituição refere-se aos tratados institutivos das


organizações internacionais, ou seja, às convenções que criam as organizações
internacionais desenvolvendo, assim, a partir da determinação das suas
finalidades, a estrutura orgânica (institucional) e as respetivas competências e
fixando os principais princípios e regras de funcionamento.

 Deve, por fim, salientar-se o facto de, com muita frequência, as convenções
internacionais envolverem regras relativas a duas ou às três naturezas acabadas de
distinguir.

Exemplo:

 A Carta das Nações Unidas não apenas cria uma organização internacional como
também fixa regras de comportamento essenciais à convivência internacional,
surgindo, assim, como um tratado-lei e como um tratado-constituição.

36
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

2. Classificações formais:
a) Classificação quanto à qualidade das partes:

 A progressiva aceitação da existência de outros sujeitos (que não apenas os


Estados) e da sua capacidade convencional, levou a que alguma doutrina insista
nas diferenças resultantes daquelas que são as convenções tradicionais (celebradas
apenas entre Estados) e todas as outras.

Assim, é frequente distinguirem-se nomeadamente:


 Convenções entre Estados;
 Convenções entre Estados e organizações internacionais;
 Convenções entre organizações internacionais;
 Convenções envolvendo outros sujeitos de direito internacional.

 Deve, ainda, atentar-se ao facto de os regimes acolherem e regularem cada vez


mais as particularidades das convenções envolvendo outros sujeitos, e em especial
as organizações internacionais (art. 20.º, n.º 3 CV69).
b) Classificação quanto ao número de partes:
Encontra-se aqui duas distinções:
1. Convenções bilaterais: envolvendo apenas duas partes (eventualmente mais,
desde que agrupadas entre si, funcionando em bloco e mantendo, portanto, uma
estrutura dual na regulação das relações mútuas);

2. Convenções multilaterais: envolvendo três ou mais partes. Sendo que, dentro


destes, ainda, se distinguem:

 Convenções multilaterais restritas: que agregam um grupo plural (três ou mais) de


partes, mas restrito, cujo regime não apresenta vocação universal, no sentido em
que não visa regular as relações entre todos os estados, mas tão só entre um dado
grupo cujas afinidades especiais justificam um regime próprio.

 Convenções multilaterais gerais: são as que têm uma vocação universal, ou seja,
aquelas que pretendem regular as relações à escala planetária. São sempre
tratados-lei, na medida em que as suas estipulações assumem obrigatoriamente
caráter normativo. A referida vocação universal implica ainda a sua abertura (ou
seja, a possibilidade de a eles se virem a vincular livremente estados que não
participaram na negociação ou não puderam assiná-los), por via da assinatura
diferida ou da adesão.
c) Classificação quanto ao processo de conclusão (solenidade):

 Esta última distinção relaciona-se com o grau de solenidade que é exigido no


processo de vinculação.

37
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

A distinção aqui situa-se entre:


1. Tratados solenes: sujeitos a formalidades mais importantes reservando a
vinculação para a ratificação, e envolvendo normalmente a intervenção dos vários
órgãos de soberania;

2. Acordos em forma simplificada: nestes, em regra, o processo de vinculação é


reduzido à intervenção do órgão executivo, daí, aliás, a designação corrente de
executive agreements, que negoceia e assina. Da assinatura dos acordos em forma
simplificada decore, em princípio, a vinculação.

Lição X – Convenções internacionais: processo de conclusão:


A. Objetivo:

 O processo de conclusão é necessariamente regulado por regras internacionais e


nacionais: as primeiras determinam os momentos mais relevantes garantindo um
mínimo de coerência ao mencionado processo e as segundas determinarão quais
as autoridades nacionais competentes para a prática dos atos necessários.

B. As diferentes fases do processo:


1. Negociação:
a) Objetivo:

 A negociação é a primeira fase do processo de conclusão das convenções.


Consistindo, assim, no processo segundo o qual os representantes dos Estados
acordam sobre a substância, termos e redação de uma convenção internacional.

 Desta forma, a negociação visa a elaboração e adoção do texto, sendo que esse
texto é, normalmente, negociado a partir de um projeto, com a forma final, sujeito
a emendas.
a) O texto:

 Normalmente o texto das convenções inclui uma designação ou título e abre com
um preâmbulo que serve dois propósitos: a identificação das partes e a exposição
da motivação ou fundamentação.

 Segue-se, depois, o dispositivo, ou seja, o corpo das regras que forma o núcleo da
convenção, surgindo, normalmente, sob a forma de articulado, organizado
segundo as fórmulas sistemáticas tradicionais (partes, títulos, capítulos, secções,
etc.).

 No final do dispositivo são normalmente identificáveis as cláusulas finais. Este


conjunto autónomo de regras tem natureza fundamentalmente adjetiva,
regulando, não obstante, aspetos essenciais da vida da convenção, como sejam os

38
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

regimes transitórios, a vinculação e a revisão, a entrada em vigor, os termos de


adesão, a cessação da vigência, etc.

 Finalmente, o texto das convenções integra também os anexos (caso estes


existam), que regulam regimes autónomos, ou integram elementos de difícil
articulação (listagens, cartas, etc.), declarações, etc.
b) Mandatários:

 A negociação é conduzida pelos mandatários das partes, normalmente designados


como plenipotenciários.

 O plenipotenciário é aquele que apresenta plenos poderes (art. 2.º, n.º 1, al. c) e
art. 7.º, n.º 1, al. a) CV69). Prevê-se, no entanto, a dispensa da exibição do
instrumento que titula o mandato sempre que os usos ou as funções exercidas
façam presumir essa qualidade (art. 7.º, n.º 1, al. b) e art. 7.º, n.º 2) – é aquilo que
frequentemente se designa por competência ex officio.

 Tal como acontece na generalidade dos contratos, admite-se a gestão de negócios,


ou seja, prevê-se a possibilidade da participação na negociação de representantes
que não façam prova do mandato, fazendo-se depender a produção de efeitos
jurídicos da confirmação posterior pelo Estado dos atos privados (art. 8.º).
c) A adoção do texto:

 A negociação visa a determinação do texto da convenção sendo, por isso, relevante


a questão de saber-se como é feita a sua adoção.

 O regime está claramente exposto no art. 9.º da CV69 que dispõe fazer-se a dita
adoção por consentimento das partes (regra geral a aplicar às convenções
negociadas por via diplomática, em especial as bilaterais).

 Sempre que a negociação se fizer através de uma conferência intergovernamental,


a exigência desce para os 2/3 (ou para outra regra que seja aprovada por essa
maioria qualificada).
2. Assinatura:
 A assinatura corresponde à solenidade que assinala ou sucede à adoção do texto.
Os seus efeitos, em regra, variam conforme estejamos perante acordos em forma
simplificada, casos em que normalmente a assinatura poderá produzir a
vinculação (arts. 11.º e 12.º CV69), ou perante tratados solenes, em que a
vinculação é, portanto, remetida para um ato posterior.

Em qualquer caso, a assinatura da convenção produz efeitos jurídicos que devem ser
assinalados:

39
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

1. Em primeiro lugar, ela exprime o acordo quanto ao texto, tornando-o definitivo e


autêntico (art. 10.º, al. b)).

2. Em segundo lugar, a assinatura produz o direito de ratificar.

3. Um outro efeito da assinatura tem a ver com o facto de desta decorrer a data e o
local pelos quais a convenção será (supletivamente) conhecida.

4. A CV69 fixa também um efeito material relevante decorrente da assinatura. O art.


18.º obriga as partes a absterem-se dos atos que possam privar o tratado do seu
objetivo ou fim.

 Sendo certo que nos tratados solenes a vinculação não decorre da assinatura,
poder-se-ia assumir que, na ausência desta, os Estados não teriam qualquer
obrigação.

 O disposto no art. 18.º vem exatamente salientar as obrigações de boa-fé que


decorrem da assinatura, ou seja, reconhece-se que esta cria expectativas, as quais
obrigam os participantes a agirem entre si com lealdade.

 Um Estado que assinou determinado tratado solene pode vir a entender


posteriormente que não deve vincular-se a ele (recusando, portanto, a ratificação).
Se assim for, deve dar conhecimento dessa posição logo que ela seja definitiva.

 O que não pode é privar o tratado do seu objetivo ou fim. Se o fizer sem dar
conhecimento atempado da sua alteração de posição (da recusa da ratificação),
poderá com isso ter imposto às outras partes prejuízos desnecessários, em relação
aos quais poderá vir, portanto, a ter de responder.

5. A CV69 estipula ainda um outro efeito decorrente da assinatura (embora já não


material): esta torna imediatamente aplicáveis as cláusulas finais (art. 24.º, n.º 4),
cuja vigência ocorre logo com a assinatura.

6. A jurisprudência internacional reconheceu o caráter probatório dos factos


assumidos em textos convencionais assinados, mas não ratificados.

7. Finalmente é de referir um último efeito: a adoção por um número importante de


Estados tem um impacto por vezes superior às vinculações singulares.
3. Ratificação:
 A ratificação é definível como um ato jurídico, individual e solene pelo qual, o
órgão competente do Estado (normalmente o chefe de Estado) afirma a vontade
deste se vincular à convenção cujo texto foi por ele assinado.

 Tradicionalmente entendia-se que os plenipotenciários tinham poder para vincular


(poder esse que decorria do mandato).

40
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Com o absolutismo, porém, a ratificação evoluiu para uma verdadeira aprovação: o


soberano chamava a si o poder de vincular, que ocorria após a confirmação não
apenas do cabimento do mandato (verificação formal), mas também dos próprios
termos da convenção (verificação material).

 Este sistema consolidou-se no séc. XIX e mantém-se na atualidade, sobretudo em


razão da necessidade de intervenção parlamentar.

Assim, atualmente, a ratificação assume uma natureza simultaneamente:

 Política: na medida em que é insuscetível de controlo jurisdicional.

 Não vinculada ou livre: não há sequer uma presunção de ratificação, o que torna
legítimas as ratificações tardias e as recusas de ratificação.

 Formal: porque dependente de um instrumento formal: a carta ou instrumento de


ratificação que há-de trocar-se ou depositar-se para que possa produzir os devidos
efeitos.

 Internacional: já que visando a produção de efeitos internacionais é regulado pelo


direito internacional.

 Não retroativa: esses efeitos apenas se produzem para o futuro, uma vez que não
se trata de mera confirmação.

 De realçar que, por vezes, utilizam-se outras designações para os atos equivalentes
à ratificação, nomeadamente aceitação, acessão, aprovação, etc. Essa utilização é
comum quando o ato é praticado por outro órgão que não o chefe de Estado.

 O art. 11.º da CV69 admite, ainda, expressamente, que a vinculação possa


decorrer de qualquer outro meio convencionado.

4. Outros momentos relevantes:


a) Entrada em vigor:

 A entrada em vigor não constitui uma fase da conclusão uma vez que a convenção
está concluída com a vinculação das partes, podendo esta resultar da assinatura,
ratificação ou outro ato equivalente (art. 24.º e 25.º CV69).

 Importa referir que no tocante à entrada em vigor, no entanto, o regime a aplicar é


internacional o que quer dizer que a vigência não é regulada pelas ordens internas
dos Estados.

 Não sendo necessário que uma convenção vincule simultaneamente todos os


estados, podendo iniciar-se com um número mínimo, alargando-se depois aos

41
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

demais, conforme a vinculação destes ocorra, pode suceder que após a vigência
internacional, outras vinculações ocorram impondo um regime especifico.
b) Aplicação:
1. Vigência e aplicação:

 Convém, ainda, distinguir a entrada em vigor de aplicação (execução) efetiva. Na


verdade, as condições de aplicação podem ser diferentes das da entrada em vigor:
mesmo estando em vigor, uma convenção pode não se aplicar, se essa aplicação
derivar da verificação de determinadas condições.
2. Aplicação provisória:

 Excecionalmente, a aplicação pode ocorrer antes da entrada em vigor, por uma


questão de urgência ou para acautelar atrasos indevidos na vigência. É o regime da
aplicação provisória previsto no art. 25.º, n.º 1 CV69.

 O seu caráter provisório e voluntário faz com que qualquer Estado que participe
nessa situação lhe possa pôr fim quando o entenda. No mesmo sentido, a aplicação
provisória cessa se o Estado comunica a intenção de não se vincular.
3. Aplicação progressiva:

 Diferente do mencionado anteriormente é uma outra figura próxima: a da


aplicação progressiva dos regimes. Esta ocorre já na vigência da convenção,
quando os diferentes regimes se vão aplicando ao longo de um calendário fixado
para o efeito.
c) Regime:

 Relativamente aos acordos em forma simplificada eles entram em vigor a partir do


momento em que os negociadores exprimem o seu consentimento para a
vinculação.

 No caso dos tratados solenes bilaterais, entram em vigor com a troca ou entrega
dos instrumentos de ratificação.

 No caso dos tratados solenes multilaterais, entram em vigor com a última


ratificação, após um certo número de ratificações e outras condições previstas no
texto.
5. Registo:
 O registo não constitui uma fase da conclusão das convenções, muito embora seja
também regulado internacionalmente (art. 24.º CV69).

 Aliás, está expressamente consagrada a obrigação de registo (art. 102.º, n.º 1


CNU), através do envio ao Secretário-geral das Nações Unidas. Sendo bilaterais as

42
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

convenções, tal obrigação cabe às partes (art. 80.º, n.º 1 da CV69), e sendo
multilaterais ao depositário (art. 77.º, n.º 1, al. g) e art. 80.º, n.º 2 da CV69).

 A falta de registo impede as partes de invocarem a convenção perante qualquer


órgão das Nações Unidas, inclusive o Tribunal Internacional de Justiça, nos termos
do art. 102.º, n.º 2 da CNU.

 De referir que a obrigação de registo visa garantir o caráter público das


convenções.
6. Publicação:
 A publicação das convenções multilaterais é também uma obrigação originalmente
fixada no Pacto das Nações e que se desenvolveu com o regime da CNU.

 Em relação a convenções bilaterais desenvolveu-se uma política de publicação


limitada que garante apenas a publicação parcial.

 Por decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas, a publicação limitada foi
alargada às convenções multilaterais, cabendo ao Secretariado-geral fazer a
necessária seleção.

A. Os acordos em forma simplificada:


 A designação de acordos em forma simplificada utiliza-se para as convenções cuja
vinculação não exige a ratificação ou ato equivalente, decorrendo da assinatura.
Há, portanto, um procedimento abreviado, na medida em que se dispensa a última
fase do processo.

 O aparecimento de um processo abreviado resulta fundamentalmente de dois


fatores: por um lado, da urgência que a celebração de algumas convenções impõe
e por outro, com a cada vez maior atividade convencional conduzida pelos
executivos.

Lição XI – Convenções multilaterais: particularidades:


A. Negociação:
 A diferenciação entre convenções bilaterais e multilaterais resulta, desde logo, da
metodologia segundo a qual se desenvolve a elaboração do texto ou a negociação.

 Enquanto nas convenções bilaterais a negociação segue o mecanismo diplomático


tradicional simplificado, tendendo a fazer-se por apresentação de propostas e
contrapropostas, para as convenções multilaterais, em regra, será necessária a
reunião dos representantes dos Estados numa conferência intergovernamental.

43
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Neste âmbito deve destacar-se o papel das organizações internacionais. A regra é,


aliás, a da própria iniciativa da convenção caber às organizações internacionais.

 Sendo de referir que a organização e funcionamento de uma conferência


intergovernamental é uma atividade semelhante às atividades correntes das
organizações internacionais.

 No entanto, existem variantes. A conferência pode ocorrer em estilo congresso,


resumindo-se a intervenção da organização internacional ao apoio logístico, ou
pode seguir os métodos de funcionamento da própria organização internacional,
já se encontrando definidas as regras de funcionamento, sendo, por sua vez,
frequentemente, mais estritas e disciplinadoras.

A doutrina distingue quatro padrões desenvolvidos pelas organizações internacionais


em matéria de conclusão de convenções:

1. Conferências gerais de negociação, caracterizadas pela ampla participação dos


Estados, organizações internacionais e ONG, que implica níveis substanciais de
apoio técnico, impõe a adoção de regras de funcionamento complexo,
nomeadamente com a criação de grupos de trabalho, sessões informais, e
pressupõe algum alinhamento entre participantes.

2. Grupos de peritos em matéria convencional, como a CDI (Comissão de Direito


Internacional), que agem segundo procedimentos que dão origem a grandes
volumes de informação e dos quais resultam propostas concretas solidamente
fundamentadas.

3. Fórmulas funcionalizadas de elaboração de convenções, muito utilizadas em


matérias de comércio internacional, ambiente ou direitos humanos. Essas fórmulas
assentam na criação de entidades que elaboram regras-padrão, acompanham a
aplicação das convenções e podem ainda funcionar como mecanismos de
resolução de conflitos. Um exemplo é o sistema europeu de proteção de direitos
humanos.

4. Fórmulas específicas, que resultam de mecanismos formais instituídos no seio de


organizações internacionais, os quais tendem a pressionar os Estados membros a
vincularem-se às convenções.

B. Extensão dos regimes convencionais:


 As convenções multilaterais podem restringir a vigência do respetivo regime aos
Estados que depois de participarem na negociação, praticaram o ato ou atos
necessários à vinculação.

44
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 A regra é, no entanto, a inversa: as convenções admitem a extensão do seu regime


a outros Estados (no limite, a todos os Estados, como é o caso das convenções
multilaterais gerais).

Essa extensão do regime convencional pode operar-se por duas vias: a assinatura
diferida e a adesão:

1. Assinatura diferida:

 A assinatura diferida consiste em transformar a cerimónia de assinatura, que, por


definição, se restringe aos Estados que participaram na negociação, num período
aberto durante o qual os Estados que estejam em condições de o fazer e decidam
nesse sentido, podem praticar esse ato, apondo no documento a assinatura do
representante nessa qualidade, ou, se for caso disso, depositando um instrumento
de aceitação com o mesmo efeito.

 A assinatura diferida apresenta diversas vantagens, a mais importante das quais se


prende com o facto de permitir, logo após a negociação, integrar no processo de
conclusão da convenção, os Estados que não puderam ou não quiseram participar
na negociação.

 No caso das convenções multilaterais gerais, este expediente não apenas permite
alargar o número de Estados envolvidos, como ainda facilita a entrada em vigor se
esta depende do depósito de um dado número de instrumentos de ratificação.

 Desta forma e, como a ratificação está restrita aos Estados que assinaram, quanto
maior o número de Estados que assinem, mais fácil será a obtenção do número
fixado para a entrada em vigor.

 Quando as convenções admitem a assinatura diferida, indicam, nas cláusulas finais,


o local e o período durante o qual podem ser praticados esses atos.

2. Adesão:

 A adesão consiste num ato de vinculação para sujeitos que não participaram no
processo de conclusão da convenção e que, portanto, não a assinaram. Substitui,
assim, quer a assinatura, quer a ratificação (ou ato equivalente). Significando que,
com a adesão, a vinculação decorre do depósito do instrumento de um único ato.

 O regime da adesão, fixado no art. 15.º CV69, estabelece que esta se admite
quando isso se encontre previsto na convenção (al. a)), se por outra forma se
verifique ser essa a intenção das partes (al. b)), ou, ainda, se todas as partes
acordarem nesse sentido.

45
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 A propósito do regime de adesão, a doutrina distingue entre convenções abertas e


fechadas, conforme a adesão esteja ou não prevista no texto convencional.

 Assim, a abertura da convenção implica a existência de uma previsão nesse


sentido, mas essa previsão pode surgir impondo exigências consideráveis.

 De realçar que se distinguem, dentro da abertura, três variantes: a abertura total,


quando a convenção admita a adesão por via do mero depósito do instrumento, a
abertura condicionada, se existem requisitos cujo cumprimento seja necessário, e
a semiabertura, quando a adesão, embora prevista, apenas possa ocorrer após
convite ou exigindo a negociação de um tratado de adesão.

 Inversamente, numa convenção fechada, ou seja, em que não se preveja a adesão,


pode ocorrer que as partes forneçam o seu apoio a um pedido de adesão.

C. Reservas:
I. Introdução:
1. Noção:
 A CV69 refere, no art. 2.º, n.º 1, al. d) que a expressão ““reserva” designa uma
declaração unilateral, qualquer que seja o seu enunciado ou designação, feito por
um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere,
pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado
na sua aplicação a este Estado”.

O Guia da Prática das Reservas (GPR2011), acrescentou a esta definição dois


elementos em diretivas subsequentes:

a) O n.º 2 da diretiva 1.1, explicita que a reserva pode visar a modificação do efeito
jurídico de certas disposições ou também a modificação do efeito jurídico do
tratado no seu todo relativamente a aspetos específicos.

b) Nas diretivas 1.1.1 a 1.1.4 esclarece que no conceito de reserva se incluem


quaisquer declarações que visem limitar as obrigações do seu autor, que
imponham o cumprimento de obrigações por equivalência ou que limitem o
âmbito territorial de aplicação das disposições.

 Existem dois aspetos essenciais que se prendem com a noção de reserva: o objeto
ou efeitos e o momento da formulação. Assim pode-se definir uma reserva como
uma declaração unilateral feita por um Estado ou uma organização internacional
no momento da vinculação a uma convenção, pela qual visa modificar ou excluir o
efeito jurídico de certas disposições dessa convenção, ou da convenção no seu
todo, na sua aplicação ao declarante.

46
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

3. Efeitos:
a) O primeiro efeito das reservas é o de introduzir um condicionamento à vinculação.
Na verdade, quando um Estado ou uma organização internacional formulam uma
reserva (o que deve acontecer no momento da vinculação (diretivas 2.2.1. e ss.)),
fazem depender essa vinculação da aceitação da reserva.

b) O segundo efeito decorre da aceitação e é a modificação do efeito jurídico de


certas disposições dessa convenção, ou da convenção no seu todo, na sua
aplicação ao sujeito que a formula.

 A formulação de uma reserva não tem em vista a modificação do texto


convencional, o qual está definido no final da negociação. Pretende-se, antes, um
regime especial: aquele que formula uma reserva ambiciona que determinada ou
determinadas disposições, ou a convenção no seu todo, se lhe apliquem de forma
diferente (o que inclui, no limite, que se não lhe apliquem).

 A aceitação de uma reserva terá sempre como efeito o acolhimento de um regime


especial (decorrente da reserva) no seio do regime geral (expresso no texto da
convenção).

 É exatamente por esta razão que as reservas não são tecnicamente possíveis nas
convenções bilaterais: sendo formuladas e aceites, elas têm como consequência
obrigatória a alteração do regime convencional (diretiva 1.6.1), já que apenas
entre duas partes não pode subsistir um regime geral e um regime especial.

 O caráter relativo das reservas foi também explicitado no GPR2011,


salvaguardando-se a não afetação de obrigações resultantes de outros tratados, de
regras consuetudinárias ou de regras de jus cogens (diretivas 4.4.1 a 4.4.3).

4. Vantagens e inconvenientes:
 As reservas, ao permitirem uma flexibilização dos regimes convencionais, trazem
consigo as vantagens e inconvenientes decorrentes dessa mesma flexibilização.

a) Em termos de vantagens deve assinalar-se, desde logo, o facto de facilitarem a


vinculação, uma vez que a flexibilização permite obter a vinculação de um número
mais alargado de Estados, favorecendo a extensão dos regimes, ou seja, apoiando
a sua generalização, no caso das convenções multilaterais gerais, ou, pelo menos,
impulsionando uma maior abrangência, para as convenções multilaterais restritas.

b) A segunda vantagem da introdução ou admissão de reservas prende-se com o


funcionamento das conferências intergovernamentais. A admissão de reservas
evita o prolongamento excessivo dos trabalhos destas, na medida em que torna

47
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

menos importante o consenso sobre os textos, já que eventuais divergências de


pormenor poderão ser posteriormente contornadas.

 Por outro lado, sendo o texto adotado por maioria de 2/3 dos Estados
participantes (art. 9.º n.º 2 CV69), a posição daqueles que eventualmente saiam
vencidos da deliberação não implica necessariamente o seu afastamento porque se
a discordância se dirigir a aspetos concretos, a admissão de uma reserva
(afastando a aplicação da regra ou regras em causa, ou ajustando a mesma ao
regime pretendido) pode resolver a situação.

 Apesar das vantagens, também existem desvantagens resultantes da introdução


de reservas.

a) Em primeiro lugar, estas podem conduzir a uma alteração indireta dos regimes já
que muitos dos participantes podem solicitar a modificação do mesmo efeito
jurídico, tornando, assim, regra geral aquilo que supostamente deveria ser mera
exceção.

b) Esta desvantagem introduz outra: a da instabilização e desequilíbrio dos regimes


na sua aplicação. De facto, a formulação sistemática de reservas retira clareza ao
regime, já que passa a ser difícil aferir quando, em relação a quem, e em que
termos se aplica.

II. Regime:
5. Momento da formulação:

 Os Estados ou organizações internacionais que formulem reservas com a


assinatura, não constituindo esta o ato de vinculação, deverão confirmá-las
formalmente no momento em que manifestarem o seu consentimento a ficarem
vinculados (diretiva 2.2.1), a não ser que o tratado preveja expressamente essa
possibilidade (diretiva 2.2.3).

 Consideram-se inadmissíveis as reservas formuladas tardiamente, isto é, depois


da vinculação, a menos que a convenção o admita, ou excecionalmente seja aceite
(diretiva 2.3).

6. Competência:

 O GPR2011 determina que, em geral, têm competência para formular as reservas


os representantes dos Estados ou organizações internacionais que disponham dos
poderes para adotar ou autenticar o texto da convenção ou para exprimir o
consentimento a vincular-se (diretiva 2.1.3, n.º 1, al. a)).

48
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Esta competência pode, ainda, decorrer dos usos (al. b)) e pode também presumir-
se em razão das funções desempenhadas (diretiva 2.1.3, n.º 2).

7. Exigências formais:
 Em matéria de reserva, as exigências formais são expressas: tanto a formulação
como a comunicação, a confirmação, a objeção e a própria retirada ou
levantamento têm de ser dirigidas ao depositário e efetuadas por escrito (art.
23.º, n.º 1 CV69 e diretivas 2.1.1., 2.1.6, 2.2.4 e 2.5.2).

8. Admissibilidade ou validade:
 A CV69, para além da definição de reservas, limita-se a regular dois aspetos do
regime: a admissibilidade (art. 19.º) e a aceitação (art. 20.º).

 Por sua vez, de referir é que o regime consagrado na CV69 parte do princípio da
liberdade (art. 19.º al. a) e b)), ou seja, afirma como regra geral a admissibilidade
ou presunção da validade das reservas.

 O princípio da presunção (genérica) da validade das reservas deve ser entendido


tendo presente as limitações que o art. 19.º CV69 refere, as quais podem decorrer
dos termos da própria convenção, explícita ou implicitamente, ou ainda quando a
reserva puder ser considerada incompatível com o objeto ou fim da convenção.

 Contudo, deve referir-se que este princípio se trata apenas de uma faculdade
genérica, tanto mais que a produção dos efeitos pretendidos com a reserva não
decorre da mera formulação, mas antes pressupõe o preenchimento de condições
formais e materiais.

 As limitações à presunção de validade das reservas que figuram nas als. do art.
19.º, e também na diretiva 3.1 GPR2011, não assumem todas a mesma natureza.

 Assim, as duas primeiras (a proibição resultante do texto do tratado e a que


decorre do facto de não figurar nas reservas admitidas) referem-se a limitações
que decorrem expressamente do texto do tratado, sendo explícita a primeira e
implícita a segunda. A terceira (a incompatibilidade com o objeto ou fim do
tratado) vale independentemente de qualquer referência (diretivas 3.1.3 e 3.1.4).

 O GPR2011 esclarece, ainda, que a invalidade das reservas as torna nulas, não
produzindo nenhum efeito (diretiva 4.5.1), independentemente da aceitação
(4.5.2), implicando a vinculação do seu autor, exceto se outra for a manifestação
inequívoca deste (4.5.2 e 4.5.3).

49
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

9. Aceitação:
 Constituindo as reservas um condicionamento à vinculação, parece imprescindível
que haja uma manifestação de aceitação, ou recusa, desse condicionamento para
que a situação do Estado ou organização internacional que a formulam possa
esclarecer-se (em especial, para determinar se a vinculação se produz ou não e
quando se produz).

O regime da aceitação, regulado no art. 20.º CV69, distingue quatro situações:

a) A primeira hipótese consiste na situação em que a própria convenção admite


expressamente a formulação de reservas. Neste caso, a aceitação está
previamente produzida no texto convencional, sendo, por isso, desnecessária nova
manifestação nesse sentido (art. 20.º, n.º 1).

b) Tratando-se de convenções gerais basta a aceitação da reserva por uma das partes
para que a vinculação se produza (art. 20.º, n.º 4).

c) No caso de convenções restritas, tem de se produzir aceitação por todas as partes


para que se produza a vinculação (art. 20.º n.º 2). Importa ter presente o disposto
no n.º 5 do art. 20.º, o qual fixa uma presunção da aceitação decorridos 12 meses
sobre a notificação da reserva.

d) Tratando-se de organizações internacionais, tem de haver aceitação pelo órgão


competente da mesma (art. 20.º n.º 3).

10. Objeção:
 O regime da aceitação integra necessariamente a possibilidade da sua recusa,
normalmente designada como objeção a uma reserva.

 A CDI (Comissão de Direito Internacional) define objeção como uma declaração


unilateral, feita por um Estado ou por uma organização internacional, em resposta
a uma reserva a um tratado formulado por outro Estado ou outra organização
internacional, pela qual o Estado ou organização internacional visa impedir que a
reserva produza os efeitos jurídicos pretendidos ou opor-se de outro modo à
reserva (diretiva 2.6.1).

 A doutrina admite que as objeções possam envolver a recusa total ou parcial dos
efeitos pretendidos com a formulação da reserva. Esta solução levanta, todavia,
um problema: saber se a objeção, quando admita apenas efeitos parciais, pode ou
não assumir-se como aceitação.

50
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Tendo presente o disposto no art. 20.º, n.º 4, al. b) e 21.º, n.º 3 CV69, parece que,
nesse caso, caberá ao Estado que formula a objeção determinar se se opõe ou não
à entrada em vigor do tratado entre ele próprio e o Estado que formulou a reserva.

 No entanto, subsistem algumas dúvidas sobre se estas disposições são aplicáveis


nos casos que envolvam convenções restritas (art. 20.º, n.º 2).

 Destacar que as objeções devem ser fundamentadas (2.6.9) e formuladas por


escrito (2.6.5) nos 12 meses seguintes da data em que tenha recebido a notificação
da reserva ou até à data em que esse Estado ou essa organização internacional
tenha manifestado o seu consentimento em vincular-se ao tratado, se esta última
for posterior (2.6.12).

11. Estabelecimento:
 O GPR2011 aprofunda a matéria dos efeitos das reservas introduzindo a noção de
estabelecimento. Assim, uma reserva fica estabelecida se for substancialmente
válida, se na sua formulação foram respeitas as exigências formais e
procedimentais e se a parte a aceitou.

 Agregam-se, portanto, as exigências materiais (admissibilidade ou validade),


formais e procedimentais na noção de estabelecimento.

 Referem-se expressamente, ainda, os efeitos do estabelecimento de uma reserva:


o seu autor torna-se parte, em relação às partes com quem tenha sido
estabelecida, em termos recíprocos, e pode ser contado para efeitos da entrada
em vigor do tratado (4.2.1 e ss.).

12. Retirada:
 O levantamento ou retirada das reservas é livre e pode ser feito a todo o tempo
sem necessidade do consentimento do Estado ou organização internacional que a
haja aceite (2.5.1).

 Compreende-se que assim seja porque o levantamento tornará mais estável e


transparente o regime convencional na medida em que porá fim ao regime
especial decorrente da reserva.

 O regime favorável ao levantamento aplica-se também às objeções às reservas,


que podem ser levantadas a todo o tempo (2.7.1).

51
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

III. Declarações interpretativas:


1. Distinção das reservas:
 Entende-se por “declaração interpretativa” uma declaração unilateral, qualquer
que seja o seu enunciado ou designação, feita por um Estado ou por uma
organização internacional, através da qual esse Estado ou essa organização
internacional visa precisar ou clarificar o sentido ou o alcance de um tratado ou de
algumas das suas disposições (1.2 GPR2011).

 Ao contrário das reservas, as declarações interpretativas não visam excluir ou


modificar o efeito jurídico das disposições convencionais, mas sim clarificar o seu
significado e alcance, visando, a maioria das vezes, garantir a adequação das regras
convencionais com o direito interno.

 Delas não resultará qualquer afetação das obrigações do Estado, nem surgem, por
isso, como condicionantes da vinculação. E é exatamente aqui que reside a
distinção: no efeito que a declaração visa produzir (1.3).

 Contudo, na prática surgem dificuldades na determinação da natureza da


declaração produzida (declaração interpretativa ou reserva) principalmente nos
casos em que as reservas estão proibidas.

 Na verdade, a formulação de uma declaração interpretativa pode alcançar os


efeitos de uma reserva na medida em que o Estado ou organização internacional
que a formulem declarem que, em seu entender, o sentido e alcance de
determinadas disposições é de molde a produzir o efeito jurídico pretendido.

 A diferença fundamental é que não poderão reservar para si os efeitos dessa


leitura, e nessa medida está afastada a hipótese de obterem um regime especial
que sempre decorre da aceitação das reservas.

 O GPR2011 na diretiva 1.3 esclarece que “a qualificação de uma declaração


unilateral como reserva ou declaração interpretativa é determinada pelo efeito
jurídico que o seu autor visa produzir”.

 Adiantando na diretiva 1.3.1 o método a seguir na distinção entre reservas e


declarações interpretativas, estipulando que “para determinar se uma declaração
unilateral formulada por um Estado ou uma organização internacional em relação
a um tratado é uma reserva ou uma declaração interpretativa, deve interpretar-se
essa declaração de boa-fé segundo o sentido corrente atribuído aos termos, tendo
em vista determinar a intenção do seu autor, à luz do tratado a que ela se refere”.

52
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Estipula ainda que “o enunciado ou a designação dados a uma declaração


unilateral constituem um indício do efeito jurídico pretendido” (1.3.2),
acrescentando que “quando sejam proibidas reservas quando um tratado proíbe
reservas em relação ao conjunto das suas disposições ou em relação a algumas
delas, presume-se que a declaração unilateral formulada por um Estado ou por
uma organização internacional nesse âmbito, não constitui uma reserva” (1.3.3).

 Salvaguarda, todavia, na mesma diretiva, que caso essa declaração vise excluir ou
modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado, ou o tratado no seu
todo em aspetos específicos, constituirá uma reserva.

2. Regime:
 Não produzindo os efeitos jurídicos referidos (condicionamento da vinculação e
modificação do efeito jurídico) e visando o mero esclarecimento, as exigências são
substancialmente reduzidas.

 Assim, podem ser formuladas a todo o tempo (2.4.4) e não têm de ser confirmadas
(2.4.6).

 Não se levanta o problema da admissibilidade na medida em que, em termos


gerais, não parece deverem-se colocar limitações aos esclarecimentos que as
partes entendam fazer sobre o sentido e alcance dado às convenções e às
disposições nelas contidas.

 Em todo o caso, porque suscetíveis de produzirem efeitos jurídicos, subsistem as


exigências em matéria da determinação da competência para a sua formação, num
regime idêntico ao das reservas, exigindo a pessoa com competência para
representar o Estado ou para exprimir o consentimento deste em vincular-se
(2.4.2).

 A prática consagrava, ainda, um regime relativo à aceitação. Admitindo-se a


formulação de objeções. O regime final do GPR2011 desenvolve essa prática,
elencando e regulando as reações possíveis às declarações interpretativas (2.9 e
ss.) – aprovação, oposição (corresponde à objeção) e requalificação.

3. Retirada:
 O regime do levantamento ou retirada das declarações interpretativas é
semelhante ao da retirada das reservas e respetivas objeções, podendo ocorrer a
todo o tempo (2.5.12).

53
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

IV. Depositário:
 A proliferação das convenções multilaterais e, em especial, do cada vez maior
número de partes, nomeadamente nas convenções multilaterais gerais, veio impor
o desenvolvimento da figura do depositário.

 Inicialmente tratava-se de escolher entre as partes aquele Estado que exercia tais
funções. Todavia, com a Sociedade das Nações e, posteriormente, com a ONU e as
suas agências especializadas, as organizações internacionais vão assumir cada vez
mais essas funções.

 O regime do depositário vem referido nos arts. 76.º e 77.º CV69, insistindo a
primeira norma na natureza internacional e imparcial das funções, as quais são
descritas na segunda.

Reparar-se-á que na listagem do art. 77.º poderem ser separados três grupos de
funções:

1. Um primeiro que se prende com o depósito propriamente dito, dos documentos


originais e com a emissão de cópias dos mesmos;

2. Um segundo grupo que envolve funções de controlo e informação;

3. E um terceiro com outras funções: registo ou outras que a própria convenção


estabeleça.

Lição XII – Convenções Internacionais: vinculação do Estado português:


A. Objetivo:
 Todo o processo de conclusão das convenções internacionais articula exigências
internacionais e nacionais. Vistas as primeiras, ver-se-ão agora as segundas.

B. Visão geral:
Em termos genéricos pode-se sumariar o processo dizendo que:
a) A negociação e a assinatura cabem ao Governo;

b) A aprovação é da competência do Governo ou da AR;

c) O Presidente da República intervém a seguir:

1. Eventualmente suscitando a fiscalização prévia da constitucionalidade;


2. Assinando os atos que aprovem os acordos em forma simplificada;
3. Ratificando os tratados solenes.

54
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

d) Os atos do Presidente da República são depois referendados, exigindo-se ainda a


publicação e registo.

A CRP usa as seguintes terminologias:

 Tratado refere-se aos tratados solenes;


 Acordo designa um acordo em forma simplificada;
 Convenção surge como termo geral.

C. Fases do procedimento:
1. Negociação:
 Em Portugal, a competência para negociar a convenções internacionais pertence,
em exclusivo ao Governo, nos termos do art. 197.º, n.º 1, al. b) da CRP.

 Dentro deste órgão, compete ao Ministro dos Negócios Estrangeiros formular,


conduzir, executar e avaliar a política externa e europeia do país, bem como
coordenar e apoiar os demais ministros no âmbito da dimensão externa e da
dimensão europeia das respetivas competências (art. 12.º, n.º 1, DL 251-A 2015).

 O Ministério permanece como o departamento governamental que tem por missão


formular, coordenar e executar a política externa de Portugal (art.1º DL 121/2011),
cabendo-lhe conduzir as negociações internacionais e os processos de vinculação
internacional do Estado Português.

 Na verdade, hoje em dia, nenhum ministério pode considerar que o seu âmbito de
atividade dispensa a celebração de convenções. Assim, na situação atual, não faria
sentido manter a exclusividade tradicional da intervenção do Ministro dos Negócios
Estrangeiros.

 Todavia, a posição inversa (com todos os departamentos governamentais a


concluírem diretamente convenções com governos estrangeiros) trouxe consigo
alguma desordem e por vezes algumas deficiências resultantes do menor apuro
técnico com que tais convenções foram negociadas.

 Assim, atualmente, caso a negociação não seja levada a cabo diretamente pelo
Ministro dos Negócios Estrangeiros, este há-de enquadrar, acompanhar e
pronunciar-se em todos os momentos relevantes do processo.

 A Constituição prevê a eventual participação das regiões autónomas na negociação


de convenções internacionais (art. 227º, al. t)).

 Não se trata de autorizar estas a negociarem autonomamente convenções, mas tão


só de admitir representantes dos governos destas na equipa que efetuará a
55
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

negociação, de forma a melhor poder acautelar as sensibilidades e interesses que


possam existir sempre que as convenções lhes digam particularmente respeito.

2. Assinatura:
 A assinatura é também uma competência exclusiva do Governo (art. 197.º, n.º 1,
al. b) da CRP).

 Sendo certo que o regime nacional reserva a prática da assinatura para o Conselho
de Ministros ou o Primeiro-Ministro. Por sua vez, convém referir que o
plenipotenciário apenas poderá rubricar ou assinar com autorização prévia
expressa.

 Importa mencionar que, em regra, será com a assinatura que o representante


nacional indicará os termos segundo os quais a vinculação nacional se fará
(aceitando um eventual regime geral, estipulando no texto convencional, ou
informando do regime específico).

3. Aprovação:
a) Competência de aprovação da Assembleia da República:
 A competência da aprovação das convenções é partilhada entre o Governo (art.
197.º, n.º 1, al. c) da CRP) e a Assembleia da República (art. 161.º, al. i)).

 A verdade é que a regra geral é que seja a Assembleia da República, já que a


competência do Governo tem natureza subsidiária, na medida em que apenas
aprova os acordos internacionais cuja aprovação não seja da competência da
Assembleia da República ou que a esta não tenham sido submetidos.

Importa destacar as situações em que a competência de aprovação é reservada pela


Constituição à Assembleia da República, distinguindo o art. 161.º, al. i) três situações:

1. Na primeira parte prevê um elenco de matérias, em relação às quais as convenções


terão de ser aprovadas pela Assembleia da República, sendo elas a participação em
organizações internacionais, a amizade, paz, defesa, retificação de fronteiras e os
assuntos militares.

2. Em segundo lugar remete para um novo elenco de matérias nas quais a Assembleia
da República tem competência legislativa reservada (arts. 164.º e 165.º).

 Se se entende que nestas matérias apenas a Assembleia da República deve legislar,


parece obrigatório que este órgão também se tenha de pronunciar quando sejam
celebradas convenções que incidam sobre elas.

56
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

3. Finalmente, referir que fora dos referidos âmbitos é competente o Governo,


podendo, no entanto, a Assembleia da República aprovar, ainda, os acordos que o
Governo entenda submeter-lhe. Ou seja, mesmo quando este tenha competência de
aprovação de determinada convenção, pode, se assim o entender (por razões
políticas) preferir submetê-la à apreciação da Assembleia da República, que decidirá
da respetiva aprovação.

 Por fim, referir que o ato próprio para a Assembleia da República aprovar uma
convenção internacional é a Resolução, nos termos do n.º 5 do art. 166.º da CRP.

b) Distinção dos âmbitos dos tratados e acordos:


 A al. i) do art. 161.º esclarece implicitamente um outro aspeto que deve ser
devidamente sublinhado: o tipo de convenções cuja aprovação compete à
Assembleia da República.

 Assim, muito embora a lógica tradicional reserve a intervenção do Parlamento aos


tratados solenes esse princípio não foi acolhido pelo legislador constitucional
português, que consagrou expressamente a aprovação parlamentar de acordos.

 É ainda da regra do art. 161.º, al. i) que se retira o critério constitucional que dita os
casos em que a forma solene tem de seguir-se.

 Assim, as convenções que integram as matérias da primeira parte desta norma


(participação em organizações internacionais, amizade, paz, defesa, retificação de
fronteiras e assuntos militares) são obrigatoriamente tratados solenes, já que o
texto desta se refere expressamente a tratados.

 Nas restantes matérias, incluindo as do elenco dos art. 164.º e 165.º, pode seguir-se
a forma simplificada (sendo que, nestes casos, a simplificação resulta apenas da
intervenção do Presidente da República se limitar à assinatura, dispensando-se a
ratificação).

c) Competência da aprovação do Governo:


 Decorre do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 197.º que a competência do Governo
de aprovação de convenções internacionais é subsidiária ou residual: o Governo
aprova acordos cuja competência não tenha sido atribuída à Assembleia da
República (art. 161.º, al. i)).

 O governo aprova, apenas acordos em forma simplificada em matérias de


competência legislativa concorrente (uma vez que as matérias de competência
legislativa reservada, permanecem também reservadas para efeitos convencionais à
Assembleia da República).

57
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 O ato próprio para o Governo aprovar uma convenção internacional é o decreto


(art. 197.º, n.º 2 da CRP).

4. Intervenção do Presidente da República:


 Muito embora a vinculação nos acordos em forma simplificada possa depender da
aprovação, a intervenção do Presidente da República no processo de vinculação
internacional do Estado português é sempre obrigatória.

a) Eventual Fiscalização da constitucionalidade:


 A sua intervenção inicia-se com a eventual fiscalização preventiva da
constitucionalidade (art. 134.º, al. g)).

 Assim, caso o Presidente da Republica entenda poder haver qualquer


inconstitucionalidade de alguma norma convencional deverá suscitar a apreciação
da mesma pelo Tribunal Constitucional (art. 278.º, n.º 1).

 Caso este órgão se pronuncie pela inconstitucionalidade, o Presidente deverá


devolvê-lo ao órgão que o tiver aprovado (Assembleia da República ou Governo)
(art. 279.º, n.º 4).

 Tratando-se de convenção aprovada pela Assembleia da República, esta pode


confirmar a norma inconstitucional, aprovando-a por dois terços, desde que
correspondam a pelo menos metade dos deputados em efetividade de funções (art.
279.º, n.º 4).

 Fora desse expediente a norma inconstitucional terá de ser expurgada, podendo


esta obter-se por diferentes vias. Desde logo através de uma renegociação da
convenção.

 Este expediente será admissível em convenções bilaterais, difícil em convenções


restritas e impossível nas convenções multilaterais gerais.

 Em regra, poderá ainda obter-se a expurgação através da formulação de uma


reserva (caso esta seja admissível), no limite, extinguindo o efeito jurídico da
disposição julgada inconstitucional.

 Eventualmente poderá ser suficiente a formulação de uma declaração


interpretativa, sendo que, nesse caso, deverá sempre ser considera condicional,
pelo que se sujeita ao regime das reservas (diretivas 1.2., 1.4 GPR 2011).

b) A necessidade conferir o grau de solenidade da convenção:

58
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Ultrapassada a eventual constitucionalidade (ou verificando-se a desnecessidade


desse controlo), a intervenção do Presidente da República variará conforme se trata
de acordo em forma simplificada ou de um tratado solene.

1. Intervenção nos tratados solenes:


 Nos tratados solenes, a intervenção seguinte do Presidente da República será a
ratificação, nos termos da 1ª parte da al. i) do art. 161.º, ato não vinculado que
resultará de uma apreciação política e do qual, uma vez comunicado decorrerá a
vinculação. O ato utilizado pelo Presidente da República para ratificar uma
convenção internacional é o decreto.

2. Intervenção nos acordos em forma simplificada:


 Tratando-se de acordos em forma simplificada, a intervenção do Presidente da
República será a assinatura do ato de aprovação, nos termos do art. 134.º, al. b), ou
seja, da resolução da Assembleia da República ou do decreto do Governo.

 O art. 140.º, n.º 2 refere ainda que a falta da assinatura determina a inexistência
jurídica do ato assinado (ou sejam da aprovação).

 Esta regra parece pretender garantir o controlo da regularidade do processo pelo


Presidente da República sem contrair o princípio de que nos acordos em forma
simplificada, a vinculação decorre a aprovação (art. 8.º).

 De facto, mesmo havendo vinculação com a aprovação, a falta de assinatura deste


torná-la-á inexistente e, nessa medida, insuscetível de ser comunicada.

c) Distinções relevantes:
 Importa, antes de avançar, sublinhar duas distinções: desde logo entre ratificação
(dos tratados solenes) e a assinatura (dos atos que aprovam os acordos em forma
simplificada) e ainda entre esta e a assinatura das convenções.

 A primeira distinção (entre ratificação e a assinatura) é simples: a ratificação dirige-


se ao tratado e é um ato não vinculado ou livre, internacional que produz a
vinculação, ao passo que a assinatura incide sobre do ato de aprovação, é vinculada
já que é um ato interno que se limita a aferir o cumprimento das exigências
constitucionais.

 Quanto à assinatura do ato de aprovação de acordos e a assinatura da convenção,


refira-se que a primeira é de competência do Presidente da República (art. 134.º, al.
b) da CRP) e é um ato interno que incide sobre outro ato interno (a resolução ou
decreto), visando a produção de efeitos também internos, ao passo que a assinatura

59
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

da convenção é da competência do Governo (art. 197.º, n.º 1, al. b) da CRP) e é um


ato internacional que incide sobre a própria convenção, visando a produção de
efeitos internacionais.

5. Outros momentos relevantes:


 O processo de vinculação internacional do Estado português contempla, ainda,
outras exigências que devem ser assinaladas.

 Desde logo, o art. 140.º, n.º 1 da CRP impõe a referenda ministerial dos atos de
ratificação ou assinatura, acrescentando o número seguinte que a falta desta
determina a inexistência jurídica do ato.

 Exige-se, ainda, a publicação do texto das convenções, dos avisos de ratificação e


demais atos no Diário da República (art. 119.º, n.º 1, al. b)), adiantando-se no
número seguinte que a falta de publicidade implica a ineficácia jurídica dos mesmos.

 Decorre do art. 8.º, n.º 2 da CRP que a entrada em vigor da convenção apenas
ocorre quando essa circunstância se verifique também no plano internacional.

 Finalmente, subsistem as exigências do registo e publicação internacionais, através


do envio ao Secretário-geral da ONU (art. 102.º CNU e art. 80.º da CV69).

D. Particularidades assinaláveis:
1. A não vinculação pela assinatura:
 A primeira particularidade será certamente a de a assinatura nunca vincular (sendo
sempre necessária a prática de pelo menos mais um ato, a aprovação), e, de mesmo
assim, a regra geral reservar ao Governo a sua prática. O regime parece ser
manifestamente excessivo.

2. A aprovação de acordos em forma simplificada pelo parlamento:


 A segunda particularidade tem a ver com a previsão de acordos em forma
simplificada sujeitos à aprovação pela Assembleia da República.

 Assim, para além dos acordos em forma simplificada negociados, assinados e


aprovados pelo Governo, surge uma modalidade intermédia, a dos acordos em
forma simplificada que exigem a intervenção da Assembleia da República (2º parte
da alínea i) do art. 161º CRP).

3. Inexistência de regime para a adesão:


 O facto de a Constituição não fazer referência à adesão no elenco dos atos que
produzem a vinculação deve-se aparentemente ao facto de, entre nós, o

60
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

procedimento seguido para a adesão, repisar daquele que se aplicaria à conclusão


normal.

 Assim, afastados por definição a negociação e assinatura, serão praticados os atos


subsequentes (aprovação pelo Governo ou Assembleia da República e eventual
ratificação pelo Presidente da República, sendo tratado solene).

 O resultado é, em todo o caso estranho: enquanto na perspetiva internacional a


vinculação decorrerá da adesão, na perspetiva nacional parece ter de resultar
sempre da aprovação ou ratificação.

4. A extensão da intervenção do chefe de Estado:


 Saliente-se o âmbito muito alargado da intervenção obrigatória do Presidente da
República que incide sobre todas as convenções.

 O cuidado internacional vai, todavia, mais longe, retirando existência jurídica ao ato
de aprovação que não seja assinado (art. 137.º da CRP). E volta a retirá-lo ao próprio
ato do Presidente da República (assinatura ou ratificação) na falta de referenda (art.
140.º, n.º 2).

 A mesma atitude repete-se quanto à publicação, sendo retirada eficácia ao ato na


sua inexistência (art. 119.º, n.º 2).

Lição XIII – Convenções internacionais: validade:


A. Visão geral:
 A produção de efeitos jurídicos próprios dos tratados depende da sua validade, uma
vez que a sua invalidade conduz à nulidade.

B. Condições de validade:
 A prática convencional internacional mostra que a validade das convenções decorre
do preenchimento das condições exigíveis em todo o negócio jurídico: capacidade
das partes, licitude do objeto e regularidade do consentimento.

 Alguma doutrina acrescenta, ainda, a compatibilidade com eventuais obrigações


convencionais assumidas anteriormente.

1. Capacidade dos sujeitos:


 Esta primeira condição determina que os sujeitos têm de ter capacidade
convencional, ou seja, para além de existirem enquanto sujeitos (e de terem, assim,
personalidade jurídica internacional), hão-de dispor de capacidade para se
vincularem à convenção em causa.

61
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Há fundamentalmente dois tipos de sujeitos com capacidade para celebrarem


tratados: os Estados e as organizações internacionais.

 Dentro dos sujeitos destaca-se, desde logo, o Estado soberano, que é, aliás, o único
sujeito de direito internacional com capacidade plena. Quer isto dizer que as
dificuldades aparecem quanto às entidades descentralizadas que, em princípio, não
dispõem de capacidade internacional, devendo, todavia, confirmar-se essa
capacidade por referência ao direito interno (constitucional).

 Quanto às organizações internacionais, a sua capacidade internacional não oferece


atualmente dúvidas. Trata-se, todavia, de uma capacidade derivada (da vontade dos
Estados) e parcial (limitada pelos fins que são atribuídos à organização internacional
pelos respetivos tratados constitutivos).

 No tocante aos Movimentos de Libertação Nacional ou Movimentos Nacionais, o


reconhecimento da sua capacidade para concluir tratados envolve uma limitação
especial que deve ser expressa nos tratados em que sejam partes: apenas podem
celebrar tratados no âmbito da sua função essencial que consiste em conduzir o
povo à autodeterminação, de onde decorre que apenas têm capacidade para
celebrar tratados relativos à luta armada, alguns tratados de participação em
organizações internacionais e os tratados de independência.

 Finalmente, quanto aos beligerantes, a sua capacidade convencional, muito embora


praticamente reduzida aos acordos que enquadrem a situação de beligerância
(acordos humanitários, acordos de paz, etc.) é incontornável na medida em que só
por essa via se podem construir as desejáveis resoluções pacíficas dos conflitos em
que estejam envolvidos.

 Importa, por último, referir que a falta de capacidade dos sujeitos não determina a
invalidade do ato, podendo subsistir enquanto contrato, perdendo, todavia, a
qualidade convencional.

2. Licitude do objeto:
a) Enquadramento da questão:

 Vigorando na teoria geral dos contratos o princípio da liberdade contratual,


admitem-se apenas limitações a essa liberdade em razão da ilicitude do objeto, ou
seja, quando contrárias à lei vigente.

 Em direito internacional a questão da licitude do objeto levantou um problema


especial, que consistia em determinar o corpo de regras por confrontação do qual se
pudesse retirar ou avaliar da ilicitude.

62
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Inicialmente a questão foi vagamente resolvida por referência aos princípios gerais
ou bons costumes internacionais, não tendo sido, todavia, fácil evidenciar o
conteúdo e limite de tais referências.

 Mais recentemente, com a CV69, o problema foi parcialmente ultrapassado com a


consagração expressa e o consequente desenvolvimento do conceito de ius cogens.

b) Definição de ius cogens:

 O regime acolhido na CV69 (art. 53.º) define o ius cogens como o conjunto de
normas às quais nenhuma derrogação é permitida (e que só podem ser modificadas
por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza), de
direito internacional geral, aceites e reconhecidas como tal pela comunidade
internacional.

c) Conteúdo:
1. Perentoriedade, inderrogabilidade, supremacia hierárquica:
 A definição formal do ius cogens acolhida na CV69 mantém em aberto da questão
do conteúdo do direito imperativo ou perentório.

 Trata-se de um direito cuja imperatividade o distingue das restantes regras de


direito internacional (dispositivo).

 A imperatividade especial que carateriza as normas de ius cogens é afinal a


indisponibilidade das matérias. Quando o art. 53.º lança mão de um critério
puramente formal para identificar o ius cogens (a insuscetibilidade de excecionar ou
derrogar a regra) mais não faz do que expor esse mesmo princípio: trata-se de
regras perentórias, indisponíveis, ou seja, que as partes de uma convenção não
podem afastar nas suas relações mútuas, nem modificar.

 A ideia da indisponibilidade das regras de ius cogens e a sua primazia justifica-se


pelo facto de protegerem interesses da comunidade internacional no seu conjunto e
já não apenas interesses das partes, razão essa que justificará também a nulidade
absoluta das convenções cujas normas violem este tipo de normas.

2. Caráter geral ou universal das normas:


 A verdade é que a maioria das normas de direito internacional geral integram o ius
dispositivum. Não são ius cogens.

 Para que qualquer norma de direito internacional geral adquira a qualidade de ius
cogens precisa de cumprir os requisitos do art. 53.º CV69. A aceitação e o
reconhecimento (pela comunidade internacional dos Estados) como normas

63
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

perentórias é exatamente aquilo que lhes permitirá adquirir essa qualidade (proj.
conclusão 4 b)).

 Tal como decorre dos trabalhos preparatório da CV69 não é necessária a aceitação e
reconhecimento de todos os Estados (isso equivaleria à concessão de um direito de
veto a qualquer deles), bastando a constatação de uma larga maioria (proj.
conclusão 7/2).

 A atitude ou comportamento de outros agentes que não os Estados pode ser


pertinente para contextualizar e avaliar a aceitação e reconhecimento da
comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, mas essas posições não
podem, em si mesmas, constituir essa aceitação e reconhecimento (proj. conclusão
7/3).

d) Âmbito:

 Subsiste, ainda, a questão da sua determinação, ou seja, saber como é que o


reconhecimento se processa. A solução surge no art. 66.º CV69, através do qual, em
situações de conflito se possibilita aos Estados o recurso unilateral ao TIJ a fim de
que este confirme a natureza imperativa da norma.

 De referir é que a última versão dos proj. de conclusão da CDI sobre a matéria
apresenta uma lista não exaustiva de normas que a Comissão de Direito
Internacional anteriormente designou como tendo essa natureza imperativa, sendo
elas: proibição da agressão, proibição do genocídio, proibição dos crimes contra a
humanidade, regras fundamentais do direito internacional humanitário, proibição
da discriminação racial e do apartheid, proibição da escravatura, proibição da
tortura e direito à autodeterminação.

3. Regularidade do consentimento:
a) Formal:
 O problema da regularidade formal do consentimento prende-se com a questão de
saber em que medida o incumprimento das formalidades constitucionalmente
previstas (dentro do que avulta a eventual incompetência das autoridades que
exprimiram o consentimento na vinculação) afeta a validade de um tratado.

 O art. 46.º da CV69 consagra um regime compromissório assente no princípio de


que as irregularidades formais não afetam a validade.

 Parece justificar-se a solução, uma vez que cabendo aos Estados determinarem
internamente os termos segundo os quais a respetiva vinculação ocorre e não
havendo mecanismos de controlo, a solução inversa geraria grande incerteza em
relação à estabilidade das obrigações convencionais.

64
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Acresce que as convenções internacionais são elaboradas e preparadas por


profissionais e estão sujeitas a mecanismos sistemáticos de verificação em
diferentes níveis decisórios, o que torna menos desculpável qualquer irregularidade
formal.

 O princípio não pode, todavia, ter uma aplicação absoluta. Por isso, a título
excecional admite-se que as irregularidades formais gerem uma nulidade (relativa).

O regime impõe dois requisitos para que essas irregularidades relevem:

a) Que a violação tenha carácter manifesto, ou seja, que as outras partes tivessem
obrigação de conhecer dessa violação já que ela era objetivamente evidente para
qualquer Estado colocado naquela situação e procedendo de boa-fé (art. 46.º, n.º
2).

b) Que diga respeito a uma norma de importância fundamental (art. 46.º, n.º 1, 2.ª
parte), aspeto que poderá aferir-se conferindo diversas circunstâncias (pelo caráter
constitucional ou não, pela natureza substantiva ou adjetiva, pelo âmbito da regra,
pela sua situação sistemática, etc.).

 Portanto, os Estados não podem invocar irregularidades no respetivo processo de


vinculação exceto se essas irregularidades reportarem a regras fundamentais e
pudessem ou devessem ser conhecidas das outras partes.

 De referir que o regime em causa se aplica a quaisquer irregularidades formais no


processo de vinculação das convenções, sejam elas tratados solenes ou acordos em
forma simplificada.

 A situação prevista no art. 47.º (restrição especial ao poder de exprimir o


consentimento de um Estado) consiste numa subespécie de irregularidade formal.

 Prevê-se aquilo que se designa por excesso de mandato por parte do representante
(quando este tenha restrições especiais).

 Determina-se que tal situação apenas releve quando tenha sido levada ao
conhecimento dos outros estados.

b) Substancial:
 A regularidade substancial do consentimento depende da inexistência de vícios
desse consentimento. Por sua vez, o consentimento é regular na medida em que a
vontade expressa nesse sentido tenha sido livre e informada.

O vício da vontade vem tratados sequencialmente nos arts. 48.º a 52.º CV69:

65
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

1. Erro (art. 48.º):

 Por erro deve entender-se uma prefiguração incorreta da realidade, sendo que só
releva se incidir sobre um elemento essencial (a base do negócio) e, nessa medida, é
insuscetível de obrigar as partes à luz dos princípios de boa fé.

 O n.º 2 impede a invocação do erro quando o Estado tenha contribuído para este
ou se se devesse ter apercebido dele. No mesmo sentido a jurisprudência tem
insistido em acrescentar que não releva o erro se o Estado estava em posição capaz
de o evitar. O erro só releva, portanto, enquanto for desculpável.

 O erro essencial será em princípio o erro que incide sobre factos. Na verdade, sendo
a celebração de convenções uma atividade levada a cabo por profissionais no
âmbito de procedimentos que garantem uma ponderação adequada, será difícil a
invocação de um erro desculpável. Não obstante, o TIJ não afasta expressamente a
eventual relevância do erro de direito.

 O n.º 3 do art. 48.º distingue ainda o erro da gralha (erro de redação), a qual
naturalmente não afeta a validade, devendo ser objeto de correção nos termos do
art. 79.º.

2. Dolo (art. 49.º):


 O dolo corresponde a uma conduta fraudulenta (de um Estado que tenha
participado na negociação), conduta essa que terá de ter conduzido um Estado a
vincular-se.

 Surgem, portanto, aqui duas limitações a reter: não releva o dolo praticado por
Estado que não tenha participado na negociação e não releva também a conduta
fraudulenta que tenha conduzido à abstenção.

3. Corrupção (art. 50.º):


 O terceiro vício de vontade tipificado na CV69 é a corrupção que corresponde a uma
subespécie de dolo (já que, para todos os efeitos se tata de uma conduta
fraudulenta que conduz à vinculação).

 De referir é que a corrupção pressupõe uma afetação grave da vontade do


representante. Não deve, portanto, assumir-se que toda a conduta que possa ser
considerada eticamente (ou até legalmente) reprovável, conduz obrigatoriamente à
nulidade.

 Por sua vez, de destacar também é que só releva a corrupção levada a cabo direta
ou indiretamente por um Estado que tenha participado na negociação e também
aqui, se conduziu à vinculação, sendo esta que é afetada pelo vício.

66
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

4. Coação do representante (art. 51.º):

 Segue-se a situação inversa da corrupção: a coação sobre o representante que


envolve qualquer tipo de violência (direta ou indireta) ou chantagem.

5. Coação do Estado (art. 52.º):


 De referir, desde logo que só com a proibição do uso da força (art. 2.º, n.º 4 CNU) a
coação pode considerar-se como viciando a vontade, gerando uma nulidade. A
referência que o art. 52.º CV69 faz à CNU é enquadradora desta perspetiva nascida
no pós-guerra. Portanto, apenas releva para o efeito a ameaça ou uso da força
(física).

 A distinção entre coação sobre o Estado e coação sobre o representante deve fazer-
se, não em razão do eventual destinatário da ameaça ou agressão (que poderá em
ambos os casos ser um representante do Estado) mas antes em razão dos interesses
ameaçados (do representante ou do Estado).

C. Regime das nulidades:


1. Nulidades absolutas e relativas:
 Verificada a existência de vícios de vontade, distinguem-se dois tipos de nulidades:
as nulidades absolutas e as nulidades relativas (utilizando-se, por vezes, as
designações nulidade e anulabilidade).

 Por sua vez, a distinção assenta no seguinte: enquanto que as nulidades absolutas
afetam o interesse geral e a ordem pública, são invocáveis a todo o tempo e por
qualquer interessado e são insuscetíveis de confirmação ou prescrição.

 As nulidades relativas violam regras que protegem o interesse dos particulares, são
invocáveis apenas pelo beneficiário da proteção e podem ser confirmadas, estando
sujeitas a prescrição.

 Desta forma, a distinção assenta fundamentalmente na determinação da natureza


dos interesses protegidos.

 As regras que determinam os vícios geradores de nulidades absolutas são invocáveis


por qualquer interessado, por serem gerais os interesses protegidos por estas
(sendo também essa generalidade que impede a confirmação e a prescrição).

 Paralelamente nos vícios que geram nulidades relativas, sendo os interesses


protegidos dos particulares ou individuais, apenas vão poder invocar esse vício
aqueles cujo interesse foi afetado, ao mesmo tempo que podem confirmá-lo

67
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

(devendo fazê-lo num prazo razoável, sob pena de instabilização dos regimes
jurídicos).

2. Regime da CV69:
 A CV69 acolheu no seu regime a distinção entre nulidades relativas e absolutas,
considerando implicitamente como nulidades absolutas a coação (quer do
representante quer do Estado (arts. 51.º e 52.º)) e ainda a incompatibilidade com
uma norma de ius cogens (art. 53.º).

 Sendo de referir que quanto às nulidades relativas tem-se os vícios que se encontra
previstos nos arts. 46.º a 50.º.

 O aspeto mais marcante (e evidente) da distinção entre os diferentes tipos de


nulidade é do da possibilidade de sanação do vício.

 No art. 45.º restringe-se a possibilidade às situações previstas nos arts. 46.º a 50.º
(irregularidades formais, erro, dolo e corrupção), as quais constituirão, por isso,
nulidades relativas.

 No tocante à invocabilidade, as nulidades relativas apenas são invocáveis pelos


Estados cujo consentimento ou interesse foi afetado. Já as regras referentes às
nulidades absolutas (arts. 51.º a 53.º), declaram essa nulidade ipso iure (sem
possibilidade de confirmação, portanto), sendo contestável por qualquer
interessado em relação a todo o tratado.

 Por outro lado, nulidades relativas afetam apenas o consentimento e, por isso, a sua
invocação visa invalidar esse consentimento (não afetando necessariamente a
convenção como um todo). Diversamente, as nulidades absolutas, quando
invocadas, visam a anulação de todo o tratado.

 Deve, ainda, referir-se no âmbito da distinção dos regimes das nulidades o disposto
no art. 44.º, relativo à divisibilidade das convenções, que, no sentido do art. 45.º,
admite a expurgação dos vícios por divisibilidade no caso das nulidades relativas (ou
seja, pela eliminação das regras viciadas), mas afirma a indivisibilidade absoluta no
tocante às nulidades absolutas (art. 44.º, n.º 5).

D. Procedimento de anulação:
Sumariamente o mecanismo consagrado na CV69 consiste no seguinte:

I. O procedimento inicia-se com uma declaração de nulidade (que apenas pode ser
feita pelos Estados cujo consentimento foi viciado, no caso das nulidades relativas e
por qualquer interessado nas situações nulidades absolutas), que tem de ser feita a
todas as partes, por escrito (art. 67.º, n.º 1), e deverá conceder um prazo não

68
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

inferior a três meses para que estas se possam pronunciar, também por escrito
(art.65.º, n.º 2).

II. Decorrido este prazo, se não houver objeções à invocada nulidade, poderá ser posto
termo ao tratado. Caso contrário, dever-se-á procurar uma solução por meios
pacíficos (art. 65.º, n.º 3), ou seja, por negociação, inquérito, mediação, conciliação,
arbitragem, via judicial, recurso a organizações ou acordos regionais, ou qualquer
outro meio pacífico (art. 33.º CNU).

III. Não surgindo solução no prazo de um ano a contar da objeção, segue-se:

1. Tratando-se de um diferendo relativo a regras de ius cogens, ou ambas (ou todas) as


partes submetem por acordo a questão a uma instância de arbitragem ou qualquer
das partes pode unilateralmente submeter a questão ao TIJ (art. 66.º, n.º 1) que se
pronunciará;

2. Nos restantes casos, dar-se-á início ao procedimento de conciliação previsto no


Anexo à CV69, o qual consiste no seguinte:

a) Qualquer das partes dirige o pedido ao Secretário-geral das Nações Unidas, o qual
submete o pedido à apreciação de uma comissão de conciliação composta por dois
conciliadores nomeados por cada uma das partes (podendo apenas um deles ser
da nacionalidade destas), a partir da lista de juristas qualificados previamente
enviada para o efeito ao secretariado geral. Os quartos conciliadores cooptarão o
quinto;

b) A comissão de conciliação estabelece o seu processo podendo convidar as partes a


submeterem-lhe os seus pontos de vista, podendo chamá-las à atenção para
qualquer medida suscetível de facilitar a solução, etc.

c) Decorrido um ano, a comissão deverá apresentar um relatório não vinculativo para


as partes, do qual resultem recomendações com vista a facilitar uma solução
negociada do diferendo.

E. Efeitos da nulidade
 Começou por se analisar as condições de validade, posteriormente o regime da
nulidade (que decorre dos vícios, ou seja, da não verificação dessas condições) e,
depois destacaram-se os termos a seguir quando sejam invocadas as referidas
nulidades.

 Tornar-se-á, agora, pertinente aferir os efeitos da nulidade, ou seja, as


consequências decorrentes da verificação das nulidades. Podendo analisar-se três
tipos de efeitos:

69
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

1. A cessação da vigência (se a convenção é nula, deixa de produzir efeitos a partir do


momento em que essa nulidade é detetada);

2. A retroatividade (se a nulidade ocorre necessariamente até à vinculação, isso


significa que deverão “desfazer-se” eventuais efeitos produzidos);

3. A indivisibilidade (em geral, a nulidade afetará todo o tratado).

1. Cessação da vigência:
 O n.º 1 do art. 69.º da CV69 afirma que as disposições de um tratado nulo não têm
força jurídica. De facto, sendo nulas, não produzem efeitos. Assim sendo, constatada
a nulidade, se a convenção estava em vigor, a sua vigência cessa imediatamente.

 Convém destacar que só as nulidades absolutas implicam de per si a nulidade da


convenção, ao passo que as nulidades relativas apenas afetam o consentimento do
Estado a vincular-se, o qual deixará de produzir efeitos, não impedindo
necessariamente a convenção de continuar em vigor (por isso se trata de uma
nulidade em relação às partes, apenas).

2. Retroatividade:
a) O princípio:

 O facto de não se reconhecer força jurídica às disposições de um tratado declarado


nulo implica que a declaração de nulidade retroage os seus efeitos ao momento em
que se produziu o vício.

 Assim, se eventualmente se produziram efeitos (se a convenção entrou em vigor e


foi cumprida), tais efeitos são indevidos, pelo que deverá, em regra, restabelecer-se
a situação que existiria não fosse essa vigência imprópria.

b) Âmbitos de retroatividade:
O princípio da retroatividade tem âmbitos diferentes conforme o tipo de nulidade em
causa:

 No caso das nulidades relativas, estas afetam, em princípio, apenas o


consentimento de um Estado, pelo que aquilo que deve ser anulado
retroativamente, são os efeitos resultantes da participação indevida deste;

 No tocante às nulidades absolutas, a nulidade é geral, pelo que qualquer efeito


resultante da convenção é indevido, devendo, portanto, repor-se a situação que
existiria se a mesma não tivesse sido aplicada.

c)Exceções:

70
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 O regime da retroatividade é, todavia, suavizado pelo disposto no n.º 2 do art. 69.º,


que limita as situações em que pode ser pedido que se restabeleça tanto quanto
possível a situação que teria existido se os atos não tivessem sido praticados.

 Assim, se a nulidade foi provocada pela atuação voluntária da outra parte (caso do
dolo, corrupção e coação (art. 49.º a 52.º)) é retirada a esta a possibilidade de
solicitar tal restabelecimento (art. 69.º, n.º 3). Desta forma obstando a que alguém
possa obter vantagem do seu ato ilícito.

 Outra exceção do regime da retroatividade refere-se aos atos praticados de boa fé


que não são afetados pela invalidade (art. 69.º, n.º 2).

3. Indivisibilidade:
 Verificando-se a existência de uma causa de nulidade, esta afeta, em princípio, todo
o tratado (art. 44.º, n.º 2). O princípio geral é, portanto, o da indivisibilidade.

 Por um lado, a indivisibilidade é absoluta no que toca às nulidades absolutas (art.


44.º, n.º 5).

Porém, subsistem dois regimes excecionais que se dirigem apenas às nulidades


relativas:

a) A divisibilidade obrigatória (art. 44.º, n.º 3): dever-se-á solicitar a divisão,


expurgando-se apenas as cláusulas viciadas se o vício afeta apenas determinadas
cláusulas, sendo as quais separáveis do tratado no tocante à sua resolução, e bem
assim se não forem cláusulas essenciais nem for injusto continuar a executar a parte
subsistente do tratado.

b) A divisibilidade facultativa (art. 44.º, n.º 4): tratando-se de dolo ou corrupção (art.
49.º e 50.º) o Estado cujo consentimento foi afetado pode optar entre invocar essa
nulidade em relação a todo o tratado ou apenas em relação às cláusulas afetadas.

 O regime da divisibilidade obrigatória tem uma aplicação muito limitada, dirigindo-


se necessariamente às situações de nulidade relativa (uma vez que nas nulidades
absolutas a indivisibilidade é absoluta) e dentro destas têm de retirar-se os casos de
dolo e corrupção (porque aí a divisibilidade é facultativa), pelo que sobra, na
realidade, apenas o erro (art. 48.º), já que os casos de irregularidade formal do
consentimento (art. 46.º e 47.º) dificilmente poderão dirigir-se apenas a uma parte
do tratado e, portanto, justificar a divisibilidade.

71
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

Lição XIV: Convenções internacionais – aplicação:


A. Regime:
1. Execução na ordem interna:
 A execução das convenções na ordem interna compete a toda e qualquer
autoridade pública, iniciando-se com uma introdução na ordem interna, ou seja,
pelo preenchimento das condições de aplicabilidade existentes nessa ordem
interna.

 O processo tradicional de início da execução na ordem interna consiste na prática


de um ou mais atos especialmente destinados a efetuar essa introdução
(promulgação ou um ato equivalente), embora ocorra atualmente cada vez mais a
chamada introdução automática (sempre que essa introdução da convenção na
ordem interna decorra do ato que produziu a vinculação – assinatura, ratificação
ou outro). No âmbito da União Europeia surgiu uma terceira solução: o regime da
aplicabilidade direta (segundo este regime, a introdução decorre do próprio ato
internacional).

 Além da introdução da ordem interna, a execução dos tratados supõe a adoção de


medidas internas.

 Sendo que esta situação apenas é evitada nos tratados self-executing, ou seja, as
convenções cujo regime é suficientemente preciso e completo para dispensar a
intervenção regulamentar em termos de execução. Esta situação é, todavia, rara,
quer por motivos de natureza prática (na medida em que se mostra difícil garantir
esse nível de desenvolvimento e precisão do articulado), quer ainda por razões de
natureza política (os próprios Estados não estão dispostos a ceder da prerrogativa
de condicionar a aplicação através dessa intervenção regulamentar).

2. Execução na ordem internacional:


a) Boa-fé:
z

 A obrigação de execução das convenções pelas partes na ordem internacional


decorre do princípio pacta sunt servanda ("pactos devem ser respeitados”),
intimamente ligado ao princípio da boa-fé (art. 26.º CV69).

 Execução de boa-fé significa sem fraude à lei, com fidelidade e lealdade aos
compromissos assumidos (sem privar a convenção do seu objeto ou fim – art. 18.º
CV69).

 Este dever de lealdade encontra-se especificado no art. 4.º, n.º 3 do TUE, quando
impõe aos Estados-membros não apenas a adoção das medidas necessárias à

72
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

execução, mas também a obrigação de facilitarem o cumprimento dos objetivos e


bem assim, a obrigação de se absterem das medidas que dificultem ou ponham em
perigo essa realização.

b) Técnicas cautelares:
A redação das normas constitui um momento merecedor de cautelas especiais, sendo
de realçar fundamentalmente as seguintes técnicas:

1. Preferência pela fixação de obrigações de resultado (em alternativa à fixação de


obrigações de comportamento), uma vez que da maior precisão das obrigações
resulta que se tornem mais facilmente aferíveis os contornos do seu cumprimento;

2. Preferência pela fixação das cláusulas derrogatórias (em alternativa às cláusulas de


salvaguarda), segundo as quais a suspensão da execução exige o acordo das partes,
regime menos suscetível a utilizações abusivas, garantindo, desta forma, uma
melhor execução dos tratados.

c) Não retroatividade:
 O princípio da não retroatividade das convenções internacionais encontra-se
consagrado no art. 28.º CV69.

 Trata-se de uma regra geral de aplicação no tempo das normas jurídicas, que no
caso das convenções se justifica por duas ordens de razões: por segurança jurídica
e ainda de forma a evitar atrasos na aplicação.

 Contudo, não se trata de uma regra com caráter absoluto, podendo ser afastada
nos termos da própria convenção, através de cláusulas explicitas ou implícitas, se
nos termos da mesma norma, resultar da própria convenção.

d) Aplicação territorial:
 Nos termos do art. 29.º da CV69 a aplicação entende-se, em regra, à totalidade do
território das partes.

 Porém, esta não é absoluta, podendo ser contrariada pelo tratado (explícita ou
implicitamente). Sendo de referir que a maioria das situações especiais surge
porque existem, por vezes, territórios que beneficiam de regimes jurídicos
distintos, segundo o direito interno dos Estados. As mais comuns são:

1. A cláusula federal, nos termos da qual se excluem os estados federados da


obrigação de execução de um tratado, salvaguardando-se as respetivas
competências, uma vez que não existe hierarquia entres estes níveis pelo que, em
determinadas matérias, ao estado federal não compete impor obrigações.

73
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

2. A cláusula colonial que exclui do âmbito da aplicação, os territórios de colónias ou


províncias ultramarinas. Esta cláusula presume-se, ou seja, salvo demostração de
que seja outra vontade das partes, os tratados aplicam-se apenas naquilo que
normalmente se designa por território metropolitano dos Estados.

3. Zonas em relação às quais os Estados não exercem plena soberania (Zona


Económica Exclusiva e Plataforma Continental). Subsiste um debate sobre a
aplicabilidade, parecendo dever presumir-se a não aplicabilidade, salvo quando
seja outra a vontade das partes.

 Refira-se, todavia, que, apesar dos termos expressos do art. 29.º da CV69, na
prática, surgem, por vezes, declarações dessa natureza, que têm sido tratadas
como constituindo reservas, aplicando-se-lhes mutatis mutandi esse regime.

e) Causa de não execução ou incumprimento das convenções:


 A não execução das convenções por desconformidade com o direito interno só
excecionalmente pode justificar-se. De facto, toda a inexecução viola o princípio do
pacta sunt servanda, e por isso, apenas quando verificados os requisitos do art.
46.º da CV69 (a importância fundamental da norma violada e o caráter manifesto
da violação) essa inexecução se pode admitir.

 A regra geral permanece, portanto, a da irrelevância da desconformidade com o


direito interno (art. 27.º CV69).

 Admite-se, ainda, a exclusão de ilicitude na não execução das convenções, quer em


razão do comportamento das outras partes, quer por força de elementos
exteriores.

 Na verdade, as partes de uma convenção podem, desde logo, consentir nesse


incumprimento, ou ainda darem origem a situações de ameaça ou agressão que
justifiquem essa não execução por legitima defesa, pela adoção de contramedidas.

 Admite-se, ainda, a não execução em razão de elementos exteriores,


nomeadamente em casos de força maior, ação direta ou estado de necessidade.

f) Garantias:
 A execução das convenções internacionais está garantida pelos mecanismos gerais
(entre os quais avulta o regime da responsabilidade internacional e suscetibilidade
de adoção de contramedidas) e, eventualmente, ainda por outros mecanismos
permanentes de controlo a funcionarem no seio de organizações internacionais, e
bem assim os mecanismos especiais de garantia. Será fundamentalmente o caso
do gage que consiste numa afetação específica ou mecanismo de reciprocidade

74
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

especial, incluindo, ainda, eventuais garantias de potências e as garantias de


instituições ad hoc, criadas para efeitos de monotorização e controlo da execução.

3. Efeitos em relação a terceiros:


a) Relatividade:
 A noção de terceiro vem expressa na al. h) do n.º 1 do art. 2.º da CV69,
identificando com tal, o Estado que não é parte no tratado. Sendo que parte é todo
o Estado que consentiu em estar vinculado pelo tratado e para o qual o tratado se
encontra em vigor.

 O princípio geral em matéria de efeitos das convenções em relação a terceiros é o


da relatividade, ou seja, o de que que uma convenção apenas produz efeitos
relativos (e não absolutos ou gerais), o mesmo é dizer que os efeitos se esgotam
dentro da esfera jurídica das partes, ou ainda, na redação do art. 34.º da CV69, que
não cria nem direitos nem obrigações para um terceiro estado sem o
consentimento deste.

b) Exceções:
 São admitidas exceções ao princípio da relatividade das convenções, exceções
essas que decorrem, desde logo, do consentimento dos terceiros, podendo,
igualmente, surgir fora desse consentimento.

1. Com o consentimento dos terceiros:


 O consentimento dos terceiros na produção de efeitos vem regulado nos arts. 35.º
e 36.º da CV69, regulando-se de forma separada o tipo de efeitos: diretos (art.
36.º) e obrigações (art. 35.º).

 A separação ocorre porque o regime é mais exigente no caso de os efeitos a


produzir em relação aos terceiros serem obrigações, impondo-se a aceitação
expressa de tais obrigações.

 Tratando-se da criação de direitos, essa aceitação presume-se, uma vez que se


trata de uma vantagem.

 No tocante à criação de obrigações parece dever salientar-se que tecnicamente a


produção de efeitos para terceiros não decorre da convenção, mas antes do
acordo colateral (necessariamente expresso) que autoriza essa produção.

 Quanto à criação de direitos para terceiros deve referir-se uma técnica específica
muito difundida, designada por clausula da nação mais favorecida que se dirige a
convenções internacionais de natureza comercial. Nos termos desta, um Estado
que conceda esse regime a um outro Estado, tem de alargar automaticamente a

75
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

estas eventuais vantagens que conceda convencionalmente a outros estados, se o


regime com aquele não for, mesmo assim, mais favorável.

2. Sem o consentimento dos terceiros:


 Fora do consentimento dos terceiros depara-se com um conjunto de situações em
que as convenções produzem efeitos para terceiros porque o seu regime
excecionalmente extravasou a relatividade para se tornar oponível a todos os
sujeitos (produzindo efeitos erga omnes).

 A principal exceção ao princípio da relatividade resulta do surgimento de um


costume. Assim, o art. 38.º da CV69 estipula expressamente que nada se opõe a
que uma norma enunciada num tratado se torne obrigatória em relação a terceiros
Estados, como norma consuetudinária de direito internacional, reconhecida como
tal.

 Para além disso, a prática internacional regista ainda as seguintes situações em que
excecionalmente se admite que as convenções possam produzir efeitos para
terceiros sem o consentimento destes:

a) Por criação de situações objetivas, consistindo nomeadamente na obrigação de


terceiros estados respeitarem zonas neutralizadas ou desmilitarizadas ou ainda
direitos especiais de navegação.

b) Por criação de entidades cuja existência é oponível a terceiros, referindo-se


nomeadamente aos Estados que tendo surgido a partir de tratados constituem
factos que se impõem objetivamente à comunidade internacional.

c) Por emanação de normas universais (os tratados normativos podem ver as suas
normas imporem-se, total ou parcialmente, a Estados terceiros, como acontece,
desde logo, no tocante à Carta das Nações Unidas em relação aos não membros).

4. Conflitos de normas:
 Na aplicação das convenções surge, com frequência, o problema dos conflitos de
normas, ou seja, na sua aplicação é detetada uma incompatibilidade com outras
normas potencialmente aplicáveis à mesma situação.

a) Conflito entre normas de direito internacional e normas de direito interno:

 Fundamentalmente por força do princípio do pacta sunt servanda reconhece-se a


primazia geral das regras internacionais sobre as regras internas.

 Portanto, os Estados têm obrigação de conformar o seu direito interno em termos


de não prejudicarem o cumprimento das suas obrigações internacionais (art. 27.º
da CV69).

76
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

b) Conflito entre normas convencionais sucessivas:

 A resolução dos conflitos entre normas convencionais sucessivas deve fazer-se


primariamente através de eventuais disposições convencionais expressas. Na
verdade, as próprias convenções podem prever, nas cláusulas finais, regras que
visam solucionar eventuais conflitos.

 É o caso das declarações de compatibilidade (art. 30º., n.º 2 da CV69), nos termos
das quais, um tratado deve ser interpretado e aplicado de acordo com uma outra
convenção, de onde decorre que esta prevalece sobre aquele, em caso de conflito.

 As convenções podem também incluir mecanismos preventivos, ou seja,


disposições que pretendem antecipar o conflito ou incompatibilidade, consistindo
na sujeição a mecanismos (judiciais ou outros) de controlo prévio, ou ainda na
obrigação de troca de informações, de consultas prévias à adoção de determinadas
decisões.

Na ausência ou insuficiência de disposições expressas destinadas a regular os conflitos,


estão consagrados na CV69 alguns mecanismos subsidiários:

 Assim, face a convenções sucessivas com identidade das partes, prevalecerá nos
termos do art. 30.º, n.º 3, o tratado posterior, por se presumir que a vontade das
partes era a de alterar o regime anterior incompatível.

 No entanto, esta regra apenas se aplica desde que as convenções sucessivas


incidam sobre a mesma matéria (caso contrário não há sucessividade) e com o
mesmo grau de generalidade (já que no caso de uma convenção ser especial em
relação à outra, deverá prevalecer sobre aquela por aplicação do adágio specialia
generalibus derrogant, a menos que outa solução resulte do texto ou espírito da
convenção).

 No que toca às convenções sucessivas sem identidade das partes, o princípio geral
a aplicar é o da relatividade que vem expresso na al. a) do n.º 4 do art. 30.º
aplicando-se os tratados às partes envolvidas, admitindo-se, todavia, em caso de
conflito, a prevalência da primeira convenção por aplicação do principio pacta sunt
servanda, na medida em que não podem as partes prejudicar compromissos
anteriores por força de novos compromissos.

 Em todo o caso, o incumprimento necessário de um Estado que seja parte de dois


tratados por incompatibilidade destes, permite às outras partes acionarem os
mecanismos previstos no n.º 5 do art. 30.º: modificação do tratado (art. 41.º),
exceção do incumprimento (art. 60.º) e responsabilidade internacional.

77
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Finalmente, admite-se ainda, em situações excecionais, a primazia absoluta das


regras convencionais. De facto, existem determinadas regras que, pela natureza,
prevalecem ou se impõem.

 É o caso das regras de ius cogens que, figurando em qualquer convenção,


prevalecem em todas as situações (art. 53.º).

 É, ainda, o caso das convenções criando situações objetivas, de entre as quais


avulta o disposto no art. 103.º CNU, que faz prevalecer qualquer situação
decorrente da dita convenção (situação aliás também prevista na primeira parte do
n.º 1 do art. 30.º CV69).

Lição XV: Convenções Internacionais – suspensão e cessação da vigência:


A. Nulidade e cessação da vigência:
 As causas de nulidade ocorrem necessariamente até ao momento da vinculação, já
que se trata, em todos os casos (incapacidade dos sujeitos, ilicitude do objeto ou
irregularidades dos consentimentos), de situações que viciam desde o inicio a
convenção.

 E é exatamente por isso que um dos efeitos da nulidade é a retroatividade: a


convenção que eventualmente padeça de uma nulidade, se produziu efeitos, fê-lo
indevidamente, já que a causa dessa nulidade antecedeu a sua vigência, devendo
repor-se a situação que existiria se a dita convenção não tivesse sido cumprida.

 No caso de cessação da vigência referem-se situações, anteriores ou posteriores à


entrada em vigor da convenção, que, por alguma razão (como o decurso de um
prazo fixado ou o pleno cumprimento das obrigações convencionais), vão fazer
com que a convenção deixe de vigorar.

 Na cessação da vigência do que se fala é do fim de uma convenção (ao passo que
na nulidade se questiona a própria existência dela), e, portanto, deixam de se
produzir os seus efeitos, sem se questionarem aqueles que, entretanto, se tenham
produzido.

B. Causa de cessação da vigência:


1. Causas de cessação da vigência previstas na CV69:
a) Regra geral – Com o consentimento das partes:
 Em termos gerais, a cessação da vigência ocorre por consentimento das partes.
Esta é, aliás, a regra do art. 54.º que remete para a vontade originária das partes
(al. a)) ou para o consentimento destas (al. b)).

78
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Dentro desta regra geral integram-se diversas situações que devem distinguir-se:
execução, denúncia ou retirada, cláusulas resolutivas e a celebração de uma
convenção posterior.

 A execução da convenção não vem expressamente prevista na CV69 enquanto


causa de cessação, mas deve considerar-se implícita em todas as convenções:
esgotado o escopo da própria convenção ou o período de vigência que lhe foi
fixado, esta não pode senão deixar de vigorar, sendo que isso decorre da vontade
das partes (ao fixarem esse mesmo escopo, nos termos em que o fizeram).

 Por conseguinte deve referir-se a denúncia e ao recesso ou retirada. Por um lado,


o recesso ocorre nas convenções multilaterais, por outro lado, a denúncia ocorre
nas convenções bilaterais.

 Por seu turno, a denúncia (que se refere à cessação da vigência para uma parte
numa convenção bilateral por força de uma declaração unilateral da parte nesse
sentido) implica de per se o fim da convenção, uma vez que não é possível a
subsistência de uma convenção com uma parte apenas (deixaria de haver um
acordo de vontades).

 Diversamente, o recesso refere-se à retirada, saída ou abandono por uma parte


(também como consequência de uma declaração unilateral desta parte), ou seja,
implica a cessação da vigência para uma parte, mas, tratando-se de uma
convenção multilateral, essa cessação não impede que a convenção continue a
vigorar para as restantes partes.

 Em regra, a denúncia ou a retirada apenas são admitidos se previstos na convenção


(al. a) do art. 54.º CV69). Fora desse enquadramento, o princípio geral é o da
proibição ou da ilicitude. Na verdade, a admitir-se que as partes pudessem
livremente pôr fim às suas obrigações, o cumprimento pontual destas não poderia
beneficiar de qualquer garantia jurídica.

 Contudo, o art. 56.º adianta duas exceções (situações de denúncia ou recesso não
previstas): se essa possibilidade puder ser deduzida da natureza do tratado (al. b)
do n.º 1); se estiver estabelecido terem as partes admitido a possibilidade de uma
denúncia ou de um recesso (al. a) do n.º 1).

 Para concluir as causas de cessação decorrente do consentimento das partes deve,


ainda, fazer-se uma referência às cláusulas resolutivas que integram a previsão do
art. 54.º, referindo-se à previsão no texto da convenção de circunstâncias que
admitam ou imponham a sua resolução (ex: incumprimento de determinadas
obrigações).

79
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Por fim, referir a celebração de uma convenção posterior que se encontra


regulada no art. 59.º no que respeita as convenções sucessivas e que estabelece o
seguinte: a celebração de uma convenção posterior entre as mesmas partes, sendo
incompatível, faz presumir a vontade de revogação da anterior (total ou
parcialmente), se essa vontade não decorrer diretamente da própria convenção.

 Importa, por conseguinte, verificar as causas que não decorrem do consentimento,


sendo elas as seguintes: violação substancial, impossibilidade superveniente,
alteração fundamental das circunstâncias e superveniência de uma regra de ius
cogens.

b) Violação substancial:
 O regime da violação substancial das regras de uma convenção por uma parte
apenas autoriza a cessação da vigência nas convenções bilaterais (art. 60.º, n.º 1),
mas mesmo nessas circunstâncias, não é automático, mostrando-se necessário que
a outra parte (vítima do incumprimento) desencadeie o processo previsto nos arts.
65.º e ss.

 Por sua vez, nas convenções multilaterais, a violação substancial só autoriza a


cessação se todas as partes acordarem nesse sentido (art. 60.º, n.º 4).

 Este regime (da exceção do incumprimento) contempla algumas exceções. Desde


logo as disposições que se apliquem em caso de violação.

 Por outro lado, também as regras relativas à proteção dos direitos fundamentais
não podem ver cessar a sua vigência como consequência da violação por outra
parte (art. 60.º, n.º 5). Efetivamente, nenhum tipo de violação de direitos
fundamentais por um Estado autoriza outro Estado a suspender ou fazer cessar as
suas obrigações na matéria (praticando, assim, atos da mesma natureza).

 Acrescente, ainda, a estas exceções as situações objetivas (estatutos territoriais,


cessões territoriais, etc.) cuja vigência não pode depender do mero cumprimento
por uma parte das convenções que eventualmente lhes tenham dado origem.

c) Impossibilidade superveniente e dalteração fundamental das circunstâncias:


 Os regimes da impossibilidade superveniente e da alteração fundamental das
circunstâncias regulam situações próximas: iniciada a vigência de uma convenção
podem surgir circunstâncias que tornem mais difícil ou mesmo impossível o seu
cumprimento.

 Claro que se o cumprimento é impossível a parte pode invocar essa circunstância


para, conforme o caso, pôr termo à sua vigência ou para dele se retirar (art. 61.º,
n.º 1 CV69).

80
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 A questão sensível coloca-se face a alterações das circunstâncias que, muito


embora não tornem impossível o cumprimento, o onerem ou dificultem em termos
substanciais.

 O regime fixado no art. 62.º vem determinar no seu n.º 1 o referido princípio da
obrigação pontual das obrigações ao afirmar expressamente que uma alteração
fundamental das circunstâncias relativamente às que existiam no momento da
conclusão do tratado e que não fora prevista pelas partes não pode ser invocada
como motivo para pôr fim a um tratado ou para deixar de ser parte dele.

 Não podia, todavia, pretender-se que a regra fosse de aplicação absoluta, pelo que
o regime consagrado admitiu que, a título excecional, a alteração das
circunstâncias autorizasse a cessação da vigência sempre que se reunissem os dois
requisitos fixados nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 62.º, ou seja se:

1. A existência dessas circunstâncias tiver constituído uma base essencial do


consentimento das partes a obrigarem-se pelo tratado;

2. Essa alteração tiver por efeito a transformação radical da natureza das obrigações
assumidas no tratado.

 Quanto à al. a) referem-se que as circunstâncias que tenham sido objeto de


modificação sejam um elemento essencial do negócio, afirmando a irrelevância da
modificação das circunstâncias meramente acessórias.

 Quanto à al. b) exige-se que essa alteração modifique substancialmente o alcance


ou extensão das obrigações assumidas. Assim, muito embora seno possível o
cumprimento este há-de tornar-se de tal forma oneroso que deixa de ser exigível à
luz dos princípios da boa fé.

 Concluindo-se que a alteração não admite a cessação da vigência exceto se incidir


sobre aspetos essenciais da convenção e a exigência do seu cumprimento seja
manifestamente excessiva.

d) Superveniência de uma regra de ius cogens:


 O art. 64.º prevê que a cessação da vigência possa decorrer da superveniência de
uma regra de ius cogens, ou seja, do facto de uma regra (sem caráter perentório)
que poderia existir à data da celebração da convenção ou surgir depois, e que,
entretanto, se tornou numa regra imperativa, em relação à qual, portanto, a
comunidade internacional dos Estados no seu conjunto passou a considerar tratar-
se de matéria indisponível.

Exemplo:

81
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Um antigo tratado que regulasse a escravatura. Esse tratado deixa de ter qualquer
valor na atualidade na medida em que a proibição da escravatura passou a integrar
o elenco das regras de ius cogens.

e) Insuficiência das partes e rutura das relações diplomáticas:


 Os arts. 55.º e 63.º referem duas situações que não são consideradas de per se
como suficientes para fazerem cessar a vigência das convenções.

 A insuficiência das partes relaciona-se com a eventual descida do número de


partes abaixo do número fixado na convenção para a entrada em vigor,
especificando-se que tal descida apenas dá origem à cessação se a mesma estiver
prevista.

 O mesmo acontece com a eventual rutura das relações diplomáticas, que apenas
justificará a cessação na medida em que a existência de relações diplomáticas ou
consulares seja indispensável à aplicação do tratado.

2. Causas de cessação da vigência não previstas na CV69:

a) A formação de um costume:
 A formação de um costume negativo (desuso) implicará, em princípio, uma prática
reiterada de incumprimento, prática essa que, em regra, apenas se tornará jurídica,
decorrido um período razoável, pelo que supõe uma situação de incumprimento
continuado.

b) A eclosão de um conflito armado:


 O art. 73.º limita-se a estipular que as disposições da presente convenção não
prejudicam nenhuma questão que possa surgir a propósito de um tratado em
virtude da abertura de hostilidades entre Estados.

 A perspetiva da CDI foi a de que a abertura de hostilidades deveria considerar-se


uma situação de tal forma anormal que as regras que regulam as suas
consequências não deveriam ser encaradas como integrando as regras gerais do
direito internacional aplicável às relações correntes entre Estados.

 A existência de um conflito armado não implica a extinção de tratados nem a


suspensão da sua aplicação, remetendo para a intenção das partes, para as
disposições que os próprios tratados possam conter sobre o assunto e, bem assim,
para a natureza do próprio tratado.

 Ressalva, todavia, os efeitos decorrentes de eventuais decisões do Conselho de


Segurança NU e os efeitos próprios de eventuais acordos entre as partes ou dos

82
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

regimes da violação substancial, impossibilidade superveniente ou alteração


fundamental das circunstâncias (art. 18.º).

C. Suspensão da vigência:
 O regime da suspensão da vigência das convenções surge fundamentalmente em
termos acessórios do regime da cessação da vigência. De referir é que o regime da
suspensão da vigência deve, sempre que possível, considerar-se uma alternativa
preferível à cessação da vigência.

 É neste enquadramento que surgem as principais causas previstas na CV69. São


elas o consentimento (art. 57.º e 58.º), a celebração de uma convenção posterior
(art. 59.º), a violação substancial (art. 60.º), a impossibilidade superveniente (art.
61.º) e a alteração das circunstâncias (art. 62.º).

 A única causa de suspensão da vigência não prevista na CV69 parece ser a eclosão
de conflito armado, situação na qual, em regra se suspenderá a vigência das
convenções multilaterais entre as partes envolvidas.

D. Regime e efeitos:
 A cessação da vigência das convenções pode ocorrer nos termos previstos nas
próprias convenções e, em geral, por consentimento das partes, mas surge
também a título incidental: as situações de violação substancial (art. 60.º) e de
alteração fundamental das circunstâncias (art. 62.º).

 Em ambos os casos, tratando-se de situações excecionais em que a cessação da


vigência não é necessária e depende da invocação pela parte que é vítima, aplica-
se o regime da nulidade, admitindo-se a possibilidade de renúncia expressa ou
tácita a essa invocação (art. 45.º) e impondo-se o procedimento previsto nos arts.
65.º e ss.

 Quanto aos efeitos da cessação da vigência deve atentar-se no art. 70.º, o qual
não apenas estipula que se libertam as partes da obrigação de continuar a executar
o tratado, recordando ainda que não afeta nenhum direito, nenhuma obrigação,
nem nenhuma situação jurídica das partes, criadas pela execução do tratado antes
da cessação da sua vigência, ou seja, não significa que desapareçam as situações
criadas pela convenção.

 No tocante aos efeitos da suspensão, o art. 72.º vai também além da mera
afirmação de que a suspensão liberta as partes entre as quais a aplicação do
tratado está suspensa da obrigação de executar o tratado nas suas relações
mútuas durante o período da suspensão (al. a) do n.º 1).

83
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Insistindo na al. b) do n.º 1 que não tem outro efeito sobre as relações jurídicas
estabelecidas pelo tratado entre as partes e que, por isso, durante o período de
suspensão, as partes devem abster-se de qualquer ato tendente a impedir a
entrada de novo em vigor do tratado (n.º 2).

Lição XVI: Princípios gerais de direito:


A. Regime:
 Outra fonte de direito internacional (do elenco apresentado no n.º 1 do art. 38.º
ETIJ) é a dos principais gerais do direito a que os tribunais recorrem
frequentemente para fundamentarem as suas decisões.
1. O conceito:
 A doutrina assinala, com muita frequência, a grande diversidade de aceções em
que a expressão é utilizada.

 Sendo que essa diversidade assenta muito na confusão entre três realidades
distintas: os princípios gerais de direito, os princípios gerais de direito internacional
e princípios de direito natural

a) Princípios gerais de direito e princípios gerais de direito internacional:


 Estabelecer-se-á a diferença entre os princípios gerais de direito e os princípios
gerais de direito internacional. Para esse efeito, veja-se um elenco de aceções de
princípios gerais de direito utilizadas na prática internacional:

 Conjunto de regras de direito que regulam as relações internacionais;

 Regra fundamental de direito internacional (que não teria acolhimento


convencional ou consuetudinário);

 Qualificação específica de uma regra internacional;

 Conjunto de princípios jurídicos e políticos que regulam as relações internacionais;

 Conjunto de princípios comuns aos grandes sistemas de direito contemporâneo


aplicáveis à ordem internacional.

 Pode concluir-se que uma coisa serão os princípios gerais de direito internacional,
que se deduzem do espirito dos costumes e de outras regras internacionais em
vigor (maxime das convenções) e que, portanto, decorrem dessas fontes, e outra
serão os princípios gerais de direito, que surgem primariamente nas ordens
internas e são depois transpostos para a ordem internacional.

84
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 De referir é que as primeiras quatro aceções referem-se a princípios gerais de


direito internacional e só a última se refere a princípios gerais de direito.

b) Princípios gerais e princípios de direito natural:


A segunda distinção será entre princípios gerais e princípios de direito natural. Veja-se
um segundo elenco de aceções:

 Princípios de direito interno reconhecidos pelas Nações civilizadas;

 Princípios gerais de direito derivados da especial natureza da comunidade


internacional;

 Princípios intrínsecos à ideia de direito em todos os sistemas jurídicos;

 Princípios válidos em todos os tipos de sociedades nas relações hierárquicas e de


coordenação;

 Princípios de Justiça fundados na natureza do homem enquanto ser racional e


social.

 A primeira, terceira e quarta aceções remetem para os princípios gerais de direito,


ao passo que a segunda aceção se refere aos princípios gerais de direito
internacional e a última aos princípios de direito natural.

 Na redação da al. c) do n.º 1 do art. 38.º do ETIJ foi pretendido por alguns autores
admitir-se o recurso ao direito natural. Contudo, essa conceção não era unânime,
permanecendo controversa.

c) Critério de determinação dos princípios de direito internacional:


 A conceção dominante dos princípios gerais de direito previstos no art. 38.º ETIJ
vai no sentido de um conjunto de princípios comuns aos grandes sistemas de
direito contemporâneo que acabam por ser transpostos para a ordem
internacional.

d) Princípios enquanto proposições primeiras:


 Noção de princípios: proposições primeiras descortinadas, por indução ou
dedução, das regras particulares.

 Existem dois métodos fundamentais para a fixação de regras: ditando-as (ou seja,
por via da estipulação através de uma autoridade competente dos critérios que
serão aplicados na resolução dos conflitos específicos) ou abstraindo-as (retirando-
as a partir da observação de decisões concretas).

85
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Atualmente, a maioria das regras surge segundo o primeiro método (ditadas pela
autoridade competente). Por isso, a própria conceção de princípios gerais é tão
imprecisa. É que estes decorrem do segundo tipo de procedimentos assinalados.

 Os princípios descortinam-se, desde logo, por indução de regras particulares, ou


seja, é a partir da observação de conjuntos de regras específicas, que podem
abstrair-se os princípios estruturantes desses conjuntos. Os princípios são,
portanto, necessariamente mais abrangentes do que as regras.

 Também os princípios deduzidos da lógica jurídica internacional resultam da


observação de conjuntos de regras (internacionais), conferindo vetores
estruturantes destas, os quais hão de também caracterizar-se pela maior
abrangência.

 É este caráter tendencialmente muito abrangente e, por isso, indeterminado, que


os torna fonte supletiva. Apenas quando não existem regras especificas que
regulem a matéria, deve o juiz recorrer aos princípios gerais.

Lição XVII: Fontes Acessórias – jurisprudência, doutrina e equidade:


A. Jurisprudência:

1. Regime do ETIJ:

 Refere o art. 38.º ETIJ que o Tribunal, “cuja função é decidir em conformidade com
o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará, com
ressalva das disposições do artigo 59.º, as decisões judiciais e a doutrina dos
publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a
determinação das regras de direito”.

B. Equidade:
 A equidade e os princípios equitativos são invocados com muita frequência e têm
uma grande relevância em domínios tão diversos e igualmente relevantes como o
respeito pelos direitos humanos, o funcionamento da justiça internacional, o
direito do mar, o direito internacional económico e especialmente o direito relativo
à indemnização em caso de nacionalização. A própria Carta das Nações Unidas
menciona a equidade no art. 73.º.

1. Regime do ETIJ:
 O n.º 2 do art. 38.º ETIJ limita as decisões baseadas na equidade aos casos em que
as partes expressamente o autorizem. Este requisito nunca foi cumprido, ou seja,
nunca o TPJI ou o TIJ decidiram baseando-se em juízos de equidade.

86
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

2. Aceções e âmbito da equidade:


As principais aceções da equidade têm origem nas duas grandes famílias do direito
romano: a equitas romano-germânica e a equity da common law.

a) A equitas:

 A equitas constitui fundamentalmente um modo de interpretação do direito


vigente. Assim, na aplicação das regras jurídicas deve o julgador optar pelo sentido
mais equitativo.

 De referir é que a equidade surge aquando da aplicação da regra, impondo a


adequação do sentido desta à produção de resultados equilibrados.

 É nesta perspetiva que a equidade constitui um elemento quase omnipresente na


aplicação das regras jurídicas.

 De facto, o recurso a princípios de equidade acaba por ser inevitável, procurando-


se que o ajustamento dos diferentes interesses se faça através de uma distribuição
equilibrada e razoável dos custos ou benefícios em causa.

b) A equity:

 Na perspetiva anglo-saxónica a equidade surge como um princípio moderador do


direito objetivo que permite a qualquer interessado a revisão de decisões que não
sejam justas, equitativas ou razoáveis.

 A sua transposição para o plano internacional supõe que em determinadas


circunstâncias a regra positiva seja substituída ou corrigida por um princípio de
equidade.

 Nestas circunstâncias o julgador, se necessário, afasta as regras positivas quando


entenda que a sua estrita aplicação teria consequências não equitativas ou não
razoáveis.

 Este é o sentido mais abrangente da equidade e é em relação a este que o art.


38.º, n.º 2 ETIJ exige o acordo das partes.

Lição XVIII: Fontes não previstas – Atos unilaterais e atos concertados:


A. Objetivo:
 Os atos unilaterais distinguem-se das convenções por não envolverem acordos de
vontade, mas consistirem tão só na expressão da vontade de um Estado (que se
obriga unilateralmente).

87
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Inversamente os atos concertados assentam ou derivam de acordos de vontades,


mas dos quais as partes não pretendem fazer derivar efeitos jurídicos vinculativos.

 Por referência à noção de convenção internacional aos atos unilaterais falta o


elemento sinalagmático (o acordo) enquanto que aos atos concertados falta o
carácter vinculativo.

B. Atos unilaterais:
1. Noção e justificação:
 Os atos unilaterais são atos imputáveis a um único sujeito de direito internacional,
ou seja, cuja concretização ou perfeição dispensa o concurso de outra parte,
através dos quais este assume obrigações juridicamente vinculativas (e, por isso,
são fonte imediata de direito internacional).

 A redação final do primeiro princípio orientador aplicável às declarações unilaterais


dos Estados suscetíveis de criar obrigações jurídicas refere-se às declarações
formuladas publicamente que exprimem uma vontade de assumir um
compromisso, explicando que estas podem ter como efeito a criação de obrigações
jurídicas.

 Sendo que sempre que se reúnam as condições necessárias, o carácter obrigatório


de tais declarações funda-se na boa-fé.

 A importância dos atos unilaterais vem crescendo com as rápidas transformações


políticas, económicas e tecnológicas que afetam a comunidade internacional, em
particular com o notável desenvolvimento dos meios de expressão e transmissão
de posições e da conduta dos Estados.

2. Caracterização:
a) Unilateralidade:

 Os atos unilaterais são atos imputáveis a um único sujeito, ou seja, a concretização


ou perfeição dispensa o concurso de outra parte.

 Esta unilateralidade não afasta a eventual prática conjugada na medida em que os


atos unilaterais podem ser praticados por mais do que um Estado, mas sem que
(entre os Estados em causa) exista um acordo de vontades. Desta forma, todos
produzem a mesma declaração no mesmo sentido.

b) Tipicidade:

 Só poderiam constituir atos unilaterais aqueles que revestissem uma das formas
normalmente usadas.

88
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 A prática veio, todavia, a revelar-se diversa, com os Estados a manifestarem ou


produzirem atos unilaterais revestidos de formas muito distintas e em múltiplas
circunstâncias, usando expressões também elas díspares (atos unilaterais,
declarações unilaterais, compromissos unilaterais, obrigações unilaterais, atos
jurídicos unilaterais, transações unilaterais, entre outras).

 Contudo, abandonou-se a exigência da tipicidade apontando-se ao enquadramento


e ao conteúdo. Neste sentido, o principio orientador 3 estipula que para
determinar os efeitos jurídicos dos atos unilaterais é necessário ter em conta o seu
conteúdo, as circunstâncias de facto nas quais se produziram e as reações que
suscitaram.

c) Imputabilidade:

 Todo o ato unilateral tem de ser imputável a um Estado ou um grupo de Estados


(ou a uma organização internacional).

 O texto relativo aos princípios orientadores aplicáveis às declarações unilaterais


dos Estados suscetíveis de criar obrigações jurídicas afirma que uma declaração
unilateral apenas vincula internacionalmente um Estado se emanar de uma
autoridade competente para esse fim. Em virtude das suas funções, os chefes de
Estado, chefes de governo e ministros dos negócios estrangeiros são competentes
para formular tais declarações.

 Outras pessoas que representem o Estado em determinados domínios podem


estar autorizadas a obrigar este, por declarações suas, em matérias da respetiva
competência (princípio 4).

 Nada parece impedir, por outro lado, a prática de atos por pessoas que não
representem o Estado (por inerência ou mandato expresso), sendo estes
posteriormente sujeitos a confirmação, nos termos do regime aplicável aos
tratados.

d) Vinculatividade:

 Os atos unilaterais apenas são fonte de direito na medida em que envolvam


declarações destinadas a produzir efeitos jurídicos (maxime assumir obrigações).

e) Clareza e precisão:

 A exigência da clareza e precisão surge no princípio orientador 7 que estipula


expressamente que uma declaração unilateral apenas gera obrigações para o
Estado que a formulou se o seu objeto for claro e preciso, acrescentando que, em

89
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

caso de dúvida quanto ao alcance das obrigações resultantes de tal declaração,


essas obrigações devem ser interpretadas restritivamente.

f) Exigências formais:

 Não existem propriamente exigências formais para os atos unilaterais. Assim, as


declarações unilaterais que os consubstanciam podem ser formuladas por escrito
ou oralmente (principio orientador 5).

 Não existem também exigências quanto ao destinatário que não tem de ser
preciso, podendo as declarações ser dirigidas à comunidade internacional no seu
conjunto, a um ou vários Estados ou a outras entidades (princípio orientador 6).

 O único requisito que permanece parece ser o da publicidade dos atos unilaterais.
Dele parece poder retirar-se um carácter recetício: os atos unilaterais apenas
produzem efeitos na medida em sejam conhecidos dos seus destinatários.

3. Validade:
 O regime da validade dos atos unilaterais permanece dependente dos regimes
gerais das demais fontes de direito internacional (em especial dos tratados). O
texto relativo aos princípios orientadores aplicáveis às declarações unilaterais dos
Estados suscetíveis de criar obrigações jurídicas apenas refere ser nula toda a
declaração unilateral contrária a uma norma imperativa de direito internacional
geral.

 De facto, os atos unilaterais são declarações de vontade, a qual tem de ser livre e
esclarecida (tal como nos acordos de vontade), o que impõe a aplicação do regime
relativo ao vício da vontade e aos vícios decorrentes do incumprimento das regras
de direito interno.

 A doutrina considera ainda que um ato unilateral pode ficar viciado em


consequência da contrariedade de normas convencionais ou consuetudinárias ou
de princípios gerais. Daqui parece surgir uma relação hierárquica nas fontes de
direito internacional, na medida em que está implícita a afirmação de que os atos
unilaterais estarão sujeitos às fontes referidas no art. 38.º, n.º 1 ETIJ.

4. Cessação da vigência:
 Tal como qualquer outra fonte de direito internacional, os atos unilaterais não
têm um carácter perpétuo. Há, no entanto, que garantir alguma estabilidade nos
compromissos internacionais, o que impede que o seu autor possa fazer cessar a
sua vigência livremente.

90
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Por isso, a cessação da sua vigência apenas pode acontecer nos termos em que a
própria declaração preveja essa possibilidade ou com o assentimento (explícito ou
implícito) dos Estados interessados.

5. Atos unilaterais dos Estados:


a) Atos autónomos:

 Declaração/notificação: ato [genérico] pelo qual se dá conhecimento de uma


posição /manifesta uma intenção.

 Reconhecimento: ato pelo qual se constata a existência de factos ou atos jurídicos


e se admite serem os mesmos oponíveis.

 Protesto: ato pelo qual um Estado reserva os seus direitos face a reivindicações
alheias ou em relação a um costume em formação.

 Renúncia: ato de disposição de direitos.

 Promessa: ato que origina novos direitos num período futuro.

b) Atos não autónomos:

 Adesão, denúncia, recesso, reserva, e todo o ato que integre o processo de


vinculação.

6. Atos concertados:
a) Noção:

 Os atos concertados são atos de sujeitos de direito internacionais que


voluntariamente escapam ao âmbito do pacta sunt servanda, mas em que as
partes (não obstante o carácter juridicamente não vinculativo) sempre confiam na
sua execução, por deferência com o princípio da boa-fé.

 De facto, é inquestionável que, atualmente, os Estados (e outros sujeitos)


estabeleçam acordos precisos e definitivos que visam regular as relações
recíprocas, assumindo, no entanto, que tais acordos não têm carácter vinculativo.

 Está-se no âmbito da mera orientação de condutas e não na fixação de regras cujo


cumprimento pode ser assegurado pelos mecanismos de coação próprios do
ordenamento jurídico. Por isso surgem referidos frequentemente na doutrina
como soft law.

91
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 São, aliás, muitos os exemplos de atos concertados usados nas relações


internacionais: comunicados, declarações, cartas, códigos de conduta, etc.

b) Importância:

 O facto é que continua a ser mais fácil construir soluções políticas do que desenhar
regimes jurídicos vinculativos. E as normas constantes dos atos concertados
definem, desde logo, os comportamentos desadequados, o que constitui um
importante elemento de prevenção.

 Por outro lado, a fragilidade destes instrumentos torna mais fácil a obtenção dos
necessários consensos, porque são menores as exigências procedimentais e ainda
porque os Estados mantêm a possibilidade de reequacionar os seus interesses e
corrigir as suas posições.

 É também corrente a caracterização dos atos concertados como tendo uma função
predominantemente política. Esta posição vem, todavia, evoluindo admitindo-se
de forma cada vez mais evidente que surgem instrumentos ou regras que têm
indícios jurídicos internacionais, aos quais falta, todavia, vinculatividade explícita.

c) Efeitos:

 O primeiro efeito é a neutralização da aplicação de eventuais regras anteriores. De


facto, é frequente que os atos concertados tenham como objetivo a adequação de
regimes jurídicos. Sendo essa a circunstância, resulta do próprio ato concertado
que as regras objeto de alteração deixam de produzir efeitos.

 O segundo efeito jurídico principal resulta do facto de as expectativas criadas


autorizarem determinadas condutas. A situação mais relevante é a do estoppel.

 No essencial trata-se de uma decorrência da boa-fé: não é lícito aos sujeitos


pretenderem assumir posições que contrariem posições anteriormente expressas
ou assumidas.

 Para além desses dois efeitos jurídicos ainda se deve referir a solicitação do
cumprimento de uma obrigação assumida por um ato concertado não configura
um ato inamistoso ou de ingerência.

 Quer isto dizer que a inexistência do carácter vinculativo das obrigações assumidas
por atos concertados apenas afasta a possibilidade de o seu cumprimento ser
exigido através dos mecanismos gerais de tutela dos direitos. Mas não impede as
partes de solicitarem o cumprimento das mesmas.

92
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

 Por fim, os atos concertados contribuem para a formação de convenções. E nessa


medida são, por exemplo, elementos válidos de interpretação da vontade das
partes ou do sentido das expressões nelas utilizadas.

d) Distinção das convenções internacionais:

 O elemento distintivo central é, naturalmente, a vontade das partes e


especificamente o facto de estas não pretenderem a produção de efeitos jurídicos
vinculativos.

 Desta forma, as convenções internacionais estão sujeitas a procedimentos muito


mais exigentes do que os seguidos na elaboração de atos concertados.

 Se se pretender sublinhar a diferença a partir dos efeitos então, desde logo (ao
contrário do que acontece com as convenções internacionais) o incumprimento
dos atos concertados não origina responsabilidade internacional, por não haver
ilícito, dado o carácter não vinculativo.

 Este mesmo carácter impede o controlo jurisdicional do cumprimento de tais atos


(por não haver obrigação judicialmente exigível), controlo esse que pode existir no
quadro convencional, embora dependa de um compromisso específico nesse
sentido (já que os tribunais internacionais não dispõem de competência genérica).

 Finalmente, convém assinalar o facto de os atos concertados não serem


suscetíveis de registo internacional (que é obrigatório para as convenções).

AGRADECIMENTOS:
Adriana Borges

Ana Rita Alves

David Silva

Eduardo Leão

Érica Araújo

Gabriel Pinho

João Paulo Silva

Manuela

Marlene Ferreira

Matilde Campos

93
Direito Internacional Público – 2º ano Licenciatura em Direito na Universidade Lusíada Norte -
Porto

Miguel Ledo

Pedro Gomes

Apontamentos realizados por membros da CAD. Pedimos que qualquer erro de escrita ou de
direito verificado seja comunicado a um dos membros para posterior correção.

94

Você também pode gostar