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Direito Civil II -

Fatos Jurídicos
Prof.ª Arisa Ribas Cardoso

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof.ª Arisa Ribas Cardoso

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

C268d

Cardoso, Arisa Ribas

Direito civil II - Fatos jurídicos. / Arisa Ribas Cardoso. – Indaial:


UNIASSELVI, 2020.

248 p.; il.

ISBN 978-65-5663-232-2
ISBN Digital 978-65-5663-229-2

1. Direito civil. – Brasil. 2. Fatos jurídicos. – Brasil. Centro Universitário


Leonardo Da Vinci.

CDD 342.14

Impresso por:
Apresentação
A parte geral do Direito Civil aborda três grandes temas: pessoas,
bens e fatos jurídicos. Neste livro, você estudará o terceiro tema e todas as
suas implicações.

Os fatos jurídicos são os acontecimentos que têm relevância para o


Direito, desde o nascimento de uma criança, até um complexo contrato entre
empresas multinacionais. Na primeira unidade, você estudará, inicialmente,
a definição de fato jurídico e as suas classificações. Dentre as classificações,
será destacado o negócio jurídico, modalidade de fato jurídico extremamente
relevante, cujos elementos são delineados já na parte geral do Código Civil
de 2002. Ainda nesta unidade, serão exploradas as características gerais
dos negócios jurídicos, os princípios que os regem e algumas regras para
interpretá-los. Na sequência, você será apresentado aos planos, que são
utilizados para análise dos negócios jurídicos: o plano de existência, de
validade e de eficácia, e estudará, a fundo, quais os elementos necessários
para que se possa dizer que um negócio existe, além dos requisitos
imprescindíveis que a lei elenca para a sua validade.

Na Unidade 2, você continuará o percurso de estudo dos negócios


jurídicos. Serão apresentados os defeitos que podem macular os negócios
realizados: o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra
credores. Todos eles, por prejudicarem a livre manifestação da vontade, ou
violarem a boa-fé, são causas que podem invalidar os negócios jurídicos
realizados. Desse modo, no tópico seguinte, você estudará as invalidades
dos negócios jurídicos, compreenderá a consequência da violação dos
requisitos legais e dos princípios, e será capaz de diferenciar as modalidades
de invalidade dos negócios jurídicos previstas na codificação civil: a nulidade
e anulabilidade. Por fim, ainda na segunda unidade, você aprenderá que os
negócios, mesmo existentes e válidos, podem não ter eficácia automática em
algumas situações, em razão da presença de alguns elementos acidentais,
como a condição, o termo e o encargo.

Na terceira unidade, você continuará o estudo dos fatos jurídicos


através da compreensão do que são os atos ilícitos, modalidade de fato
jurídico que, contrária ao direito, e que, no âmbito do Direito Civil, tem
relevância quando causa danos a alguém, uma vez que, se não estiver
presente alguma excludente, normalmente, ensejará a possibilidade de um
pedido de indenização. Após, você ingressará no fascinante estudo sobre a
prescrição e a decadência, que também são tipos de fatos jurídicos. Você
aprenderá a diferenciar os dois institutos entre si, além de aplicar as regras
atinentes, especialmente no que toca à contagem dos prazos. Por fim, no
último tópico, será abordado o tema das provas dos negócios jurídicos, cuja
regulamentação no Código Civil não é extensiva, mas tem extrema relevância
prática para compreensão de como pode-se comprovar a realização dos
negócios jurídicos de maneira adequada.

Bons estudos!

Prof.ª Arisa Ribas Cardoso

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi-
dades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra-
mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui
para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida-
de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun-
to em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você
terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen-
tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


Sumário
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS......................................................... 1

TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO................................................................. 3


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................... 3
2 FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO....................................................................................... 4
2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES........................................................................................... 4
2.2 EFEITOS DOS FATOS JURÍDICOS EM SENTIDO AMPLO...................................................... 7
2.2.1 Aquisição de direitos.............................................................................................................. 8
2.2.2 Modificação de direitos........................................................................................................ 10
2.2.3 Extinção de direitos.............................................................................................................. 12
2.2.4 Conservação de direitos....................................................................................................... 13
2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS EM SENTIDO AMPLO................................... 14
2.3.1 Fato jurídico em sentido estrito.......................................................................................... 15
2.3.2 Ato jurídico em sentido amplo............................................................................................ 16
2.3.3 Ato-fato jurídico.................................................................................................................... 20
LEITURA COMPLEMENTAR............................................................................................................. 21
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 23
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 24

TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO................................................................................................. 25


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 25
2 NEGÓCIOS JURÍDICOS.................................................................................................................. 25
2.1 TEORIA GERAL DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS....................................................................... 26
2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS.................................................................... 27
2.3 INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS................................................................... 31
2.4 OS PLANOS DO NEGÓCIO JURÍDICO: EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA........... 37
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 41
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 42

TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO...... 43


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 43
2 ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO.......................... 43
2.1 MANIFESTAÇÃO DA VONTADE............................................................................................. 44
2.2 RESERVA MENTAL...................................................................................................................... 46
2.3 SILÊNCIO....................................................................................................................................... 47
2.4 AGENTE EMISSOR DA VONTADE........................................................................................... 48
2.5 OBJETO........................................................................................................................................... 49
2.6 FORMA........................................................................................................................................... 49
3 PRESSUPOSTOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO................................................ 50
3.1 AGENTE CAPAZ........................................................................................................................... 53
3.2 REPRESENTAÇÃO....................................................................................................................... 56
3.3 OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL.............................. 60
3.4 FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA EM LEI.................................................................... 64
3.5 MANIFESTAÇÃO DA VONTADE LIVRE E DE BOA-FÉ....................................................... 66
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 70
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................... 71

UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE


EFICÁCIA................................................................................................................................................ 73

TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO.................................................................... 75


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 75
2 DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO.......................................................................................... 76
2.1 ERRO............................................................................................................................................... 78
2.2 DOLO............................................................................................................................................... 89
2.3 COAÇÃO........................................................................................................................................ 95
2.4 ESTADO DE PERIGO.................................................................................................................. 101
2.5 LESÃO........................................................................................................................................... 104
2.6 FRAUDE CONTRA CREDORES............................................................................................... 109
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 118
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 119

TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO......................................................... 121


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 121
2 NULIDADE........................................................................................................................................ 122
2.1 SIMULAÇÃO............................................................................................................................... 127
2.2 CONVERSÃO SUBSTANCIAL DO NEGÓCIO JURÍDICO.................................................. 130
3 ANULABILIDADE........................................................................................................................... 132
3.1 CONSERVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO.......................................................................... 136
4 EFEITOS DAS INVALIDADES..................................................................................................... 138
5 COMPARATIVO: NULIDADE X ANULABILIDADE.............................................................. 142
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 144
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 145

TÓPICO 3 — ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO.................................. 147


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 147
2 CONDIÇÃO....................................................................................................................................... 148
3 TERMO............................................................................................................................................... 152
4 ENCARGO......................................................................................................................................... 155
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 158
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 159
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 160

UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS


NEGÓCIOS JURÍDICOS................................................................................................................... 161

TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO............................................................................................................... 163


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 163
2 ATO ILÍCITO..................................................................................................................................... 164
2.1 CONCEITO E ELEMENTOS DO ATO ILÍCITO..................................................................... 166
2.1.1 Abuso de direito.................................................................................................................. 171
2.2 CONSEQUÊNCIAS DO ATO ILÍCITO..................................................................................... 176
2.3 EXCLUDENTES DE ILICITUDE............................................................................................... 177
RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 185
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 186
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA..................................................................... 189
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 189
2 DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA........................................................................................... 189
2.1 DISTINÇÃO ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA......................................................... 191
2.2 REGRAS QUANTO À PRESCRIÇÃO...................................................................................... 197
2.2.1 Causas que impedem ou suspendem a prescrição........................................................ 203
2.2.2 Causas que interrompem a prescrição............................................................................ 210
2.2.3 A prescrição no Direito Intertemporal............................................................................. 216
2.3 PRAZO DE PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002..................................................... 217
2.4 REGRAS QUANTO À DECADÊNCIA.................................................................................... 219
2.5 AÇÕES E DIREITOS IMPRESCRITÍVEIS................................................................................. 221
RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 222
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 224

TÓPICO 3 — DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO................................................................ 227


1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................. 227
2 DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO....................................................................................... 227
2.1 CONFISSÃO................................................................................................................................. 229
2.2 DOCUMENTO............................................................................................................................. 230
2.3 TESTEMUNHA............................................................................................................................ 236
2.4 PRESUNÇÕES.............................................................................................................................. 237
2.5 PERÍCIA........................................................................................................................................ 238
LEITURA COMPLEMENTAR........................................................................................................... 240
RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 241
AUTOATIVIDADE............................................................................................................................. 242
REFERÊNCIAS..................................................................................................................................... 243
UNIDADE 1 —

TEORIA GERAL DOS FATOS


JURÍDICOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• diferenciar os tipos de fatos jurídicos e as consequências para o Direito;


• compreender o que são negócios jurídicos, como se classificam e como
devem ser interpretados;
• reconhecer a existência e a validade de negócios jurídicos a partir dos
seus elementos e pressupostos legais.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao fim da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO


TÓPICO 2 – NEGÓCIO JURÍDICO
TÓPICO 3 – ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO
JURÍDICO

CHAMADA

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em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
TÓPICO 1 —
UNIDADE 1

FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

FIGURA 1 – ENCHENTE

FONTE: https://unsplash.com/photos/0PHUAtg_2CQ. Acesso em 13 jul. 2020.

1 INTRODUÇÃO
O estudo da Parte Geral do Código Civil costuma ser feito a partir de três
grandes temas: 1) pessoas; 2) bens; 3) fatos jurídicos. Na disciplina de Direito Civil
Parte Geral I, são estudados os dois primeiros temas. Na segunda parte, a grande
temática são os fatos jurídicos. Você começará o estudo a partir dos aspectos
mais gerais, como conceituação e classificações para, aos poucos, aprofundar-se
naqueles fatos que são os mais relevantes em termos de regulamentação jurídica:
os negócios jurídicos, os atos ilícitos, a prescrição e a decadência.

Nesta primeira unidade, especificamente, você estudará os aspectos


gerais dos fatos e dos negócios jurídicos. Inicialmente, você encontrará as
explicações sobre o que são os fatos jurídicos, como se formam e quais os
efeitos que eles produzem. Você compreenderá em que circunstâncias um
acontecimento corriqueiro pode passar a ter relevância para o Direito, e como
esses acontecimentos criam os direitos subjetivos. Além disso, verá que os efeitos
dos fatos jurídicos podem ir além da criação de direitos subjetivos, servindo,
também, para conservação, modificação ou extinção de direitos. Ainda, no Tópico
2, você estudará as subdivisões dos fatos jurídicos: os fatos jurídicos em sentido
estrito, os atos jurídicos lícitos e ilícitos e suas classificações internas, conforme a
origem e efeitos de cada tipo de fato.

3
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

No tópico seguinte, você será apresentado à teoria geral do negócio


jurídico, um dos fatos jurídicos de maior relevância para os operadores do Direito,
devido à ampla aplicação, sua estrutura e consequências. Após entender do que
se trata o negócio jurídico, você aprenderá as suas classificações e, na sequência,
estudará as orientações legais e doutrinárias. Por fim, será apresentada a estrutura
geral dos negócios jurídicos, para que, nos tópicos seguintes, seja aprofundado o
estudo de cada um dos planos.

No último tópico desta unidade, você compreenderá todos os elementos


constitutivos do negócio jurídico referentes à existência: manifestação da vontade,
agente, objeto e forma. Após, você estudará a primeira parte dos temas atinentes
à validade do negócio jurídico, mais especificamente, os requisitos previstos no
ordenamento jurídico para que o negócio seja válido. Em outras palavras, tudo
que um negócio jurídico precisa observar para que não contenha vícios, que, por
sua vez, serão objeto de estudo da Unidade 2.

2 FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO


Neste tópico, você aprenderá o que são e o que torna determinados fatos,
certos acontecimentos, relevantes para o direito, podendo, então, ser adjetivados
como jurídicos. Ainda, estudará os efeitos desses fatos no mundo jurídico e
aprenderá a diferenciá-los. Assim, na sequência, poderá identificá-los e saber o
direito aplicável a cada uma das situações.

2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES


A vida humana é permeada por fatos das mais diversas naturezas. Alguns
deles são causados pelos próprios seres humanos, outros decorrem de forças
naturais. Ocorre que grande parte desses fatos traz implicações jurídicas para os
indivíduos envolvidos, mesmo os mais simples e corriqueiros. Leia, com atenção,
o seguinte excerto:

Minha Mãe era boa criatura. Quando lhe morreu o marido, Pedro de
Albuquerque Santiago, contava trinta e um anos de idade, e podia
voltar para Itaguaí. Não quis; preferiu ficar perto da igreja em que meu
pai fora sepultado. Vendeu a fazendola e os escravos, comprou alguns
que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número
de apólices, e deixou-se estar na casa de Mata cavalos, onde vivera
os dois últimos anos de casada. Era filha de uma senhora mineira,
descendente de outra paulista, a família Fernandes (ASSIS, 1899, p. 8).

Vários fatos jurídicos estão descritos implícita e explicitamente no trecho.


Todos os acontecimentos que, de alguma forma, afetaram a esfera jurídica
dos personagens, são fatos jurídicos. Nascimento é um fato jurídico, pois é o

4
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

momento da aquisição da personalidade jurídica. A morte, por sua vez, também


é fato jurídico, pois encerra a existência da pessoa natural, assim como transfere
o patrimônio para os herdeiros do falecido.

Vender, comprar, locar são também fatos jurídicos, pois implicam em


modificação nos direitos de propriedade sobre um bem (o vendedor deixa de
ser dono; o comprador se torna proprietário; o locatário passa a ter a posse). A
fixação de domicílio é outro fato jurídico, por ter consequências legais.

Conforme sintetizam Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 343), “todo


acontecimento, natural ou humano, que determine a ocorrência de efeitos
constitutivos, modificativos ou extintivos de direitos e obrigações, na órbita do
direito, denomina-se fato jurídico”. Ou seja, os fatos jurídicos são acontecimentos
que afetam o direito, seja constituindo novos direitos, modificando os existentes
ou extinguindo-os.

TUROS
ESTUDOS FU

Cada um desses efeitos será estudado mais profundamente.

A definição de fato jurídico pode ser sintetizada na seguinte fórmula: Fato


jurídico = Fato + Direito (TARTUCE, 2016). Os acontecimentos cotidianos (fatos)
ganham relevância quando são valorados pelo Direito, em outras palavras, a
norma irá qualificar, adjetivar os fatos cotidianos, juridicizando-os (FARIAS;
ROSENVALD, 2017). Portanto, o fato jurídico surge sempre que uma determinada
conduta ou um determinado acontecimento for valorado pelo Direito.

Imagine a seguinte situação: Você está segurando um livro e, em razão de


um movimento desajeitado, atinge o rosto de um colega com o objeto, ferindo-lhe
a boca. No caso, temos um fato (o seu movimento com o livro na mão que acabou
atingindo a boca do colega), que é valorado pelo Direito (o Art. 186 do CC/02 prevê
que causar dano a alguém é um ato ilícito, e o Art. 927, também do CC/02, dispõe
que quem pratica ato ilícito deve indenizar o dano). Portanto, a lesão causada no
colega pelo seu movimento deixa de ser um simples acontecimento, passando a
ter importância para o Direito. Temos, então, um fato jurídico!

5
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

ATENCAO

Lembre-se: quando falamos de Direito, não nos referimos, exclusivamente, à


lei, mas a tudo que faz parte do ordenamento jurídico, desde princípios até regulamentos
administrativos.

É importante que você perceba que essa noção de fato jurídico é o que
chamamos de fato jurídico em sentido amplo ou fato jurídico lato sensu. Isso
porque diz respeito a todos os tipos de fatos jurídicos, desde os mais simples, como
a perda da propriedade pela deterioração do bem (por exemplo, um livro que é
queimado no fogo), ou mais complexos, como os contratos sociais de empresas.

O fato jurídico lato sensu é o elemento que dá origem aos direitos


subjetivos, impulsionando a criação da relação jurídica, concretizando
as normas jurídicas. Realmente, do direito objetivo não surgem
diretamente os direitos subjetivos: é necessária uma “força” de
propulsão ou causa, que se denomina “fato jurídico” (DINIZ, 2006,
p. 376).

Importante lembrar que o direito objetivo é o “conjunto de normas e


modelos jurídicos” (REALE, 2015, p. 189), ou seja, são as normas existentes que,
abstratamente, são aplicáveis a todos os sujeitos. Quando falamos que o Direito
Civil garante a defesa da posse, estamos falando do direito objetivo, dos artigos
do Código Civil que versam sobre a posse. Por outro lado, o direito subjetivo
“é um direito personalizado, em que a norma, perdendo seu caráter teórico,
projeta-se na relação jurídica concreta, para permitir uma conduta ou estabelecer
consequências jurídicas” (NADER, 2015, p. 80). Assim, se dissermos que Fulano
tem direito de defender a posse do seu terreno contra a invasão de Sicrano,
estamos nos referindo ao direito subjetivo de Fulano. Contudo, o que muda de
uma situação para a outra? Quando tratamos do Direito Civil genericamente,
não mencionamos nenhum fato. No caso de Fulano, temos um fato jurídico claro:
a invasão do terreno. É esse fato jurídico, portanto, que transforma o direito
genérico de defesa da posse em um direito subjetivo de Fulano. Sem a invasão,
Fulano não teria do que reclamar juridicamente. O direito objetivo, portanto, sem
o fato jurídico, não produz efeitos, não pode ser reivindicado.

Se você procurar uma petição inicial de uma ação judicial cível qualquer,
perceberá que, em regra, ela se divide em três partes: fatos, direito e pedidos.
Por que é assim? Ora, os fatos que serão ali descritos são, justamente, os fatos
jurídicos que justificarão, na sequência, a argumentação de que o direito, que
existe objetivamente no ordenamento, é aplicável ao autor da ação, tendo se
tornado direito subjetivo. Não é possível requerer indenização sem que se tenha
sofrido um dano. Portanto, na parte inicial de uma ação dessa natureza, você
deverá narrar os fatos que causaram o dano, para justificar o direito do requerente

6
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

à indenização que está prevista na lei. Ou seja, demonstrará que o direito objetivo
(direito à indenização) virou um direito subjetivo (direito à indenização do autor
da ação em razão de ter tido seu carro abalroado em um acidente automobilístico).
Podemos resumir essa relação na seguinte fórmula: Direito objetivo + Fato
jurídico = Direito subjetivo.

ATENCAO

Ferraz Jr. (2015, p. 112) lembra-nos “que o inglês tem duas palavras diferentes
para enunciar os dois termos: law (direito objetivo) e right (direito subjetivo)”.

É importante lembrar que nem todos os fatos são fatos jurídicos. Muitos
acontecimentos não têm consequências jurídicas e, portanto, são irrelevantes para
o Direito. Esses fatos podem ser chamados de simples fatos, fatos materiais ou
fatos ajurídicos.

O fato jurídico se caracteriza pela produtividade de efeitos jurídicos,


distinguindo-se do fato material, que não os produz, não estando
acobertado pela coercibilidade. Aqui, repita-se a saciedade, não
importa a natureza intrínseca do fato, podendo ter idêntica origem. O
que interessa é produtividade de efeitos normatizados. Exemplo típico
e claro é o raio (relâmpago) que atinge uma casa. Esse acontecimento
pode ser um fato jurídico (se a residência estava acobertada com
uma apólice de seguro) ou um simples fato material (se não estava
assegurada a residência contra o evento).
Assim, o que distingue o fato jurídico do fato material não é a
origem, mas sim a produção dos efeitos na órbita do direito (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 591).

Ou seja, o que determina se o fato é jurídico ou não são as suas


consequências, seus efeitos, e não o fato em si. Assim, na sequência, estudaremos
os efeitos dos fatos jurídicos para, depois, tratarmos das subdivisões.

2.2 EFEITOS DOS FATOS JURÍDICOS EM SENTIDO AMPLO


As consequências jurídicas dos fatos se dão por meio da aquisição, da
modificação, da extinção ou da conservação de direitos de algum titular. Você
deve entender, então, como cada uma opera.

7
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

2.2.1 Aquisição de direitos


O direito objetivo, com já estudado, é um direito geral, abstratamente
aplicável a todos. Quando falamos de aquisição de direitos, estamos nos referindo
ao direito subjetivo, pois é a aquisição de um direito por alguém, em razão de um
fato jurídico. Nader (2015, p. 313, itálico no original) leciona que a “aquisição é
um fato pelo qual alguém assume a condição de titular de um direito subjetivo”. Ou seja,
a aquisição é tomada para si de um direito, é o que dá, ao sujeito, a possibilidade
de exercê-lo.

Conforme leciona Nader (2015), a aquisição de direitos pode decorrer:

• Da lei (ope legis): situação em que é o próprio ordenamento (o direito objetivo)


que dispõe que, ocorrido determinado fato, a pessoa terá seu direito. Por
exemplo, o direito à vida, à honra, à personalidade jurídica; ou,

• De um ato de vontade: quando o direito surge por um ato do agente, como na


ocupação; ou de outra pessoa, como no testamento; ainda, de um conjunto de
pessoas, como nos contratos.

A aquisição de direitos, no âmbito patrimonial, pode ocorrer de dois


modos:

ᵒ Originário: quando o direito nasce assim que o titular se apropria do bem,


sem a participação de outra pessoa (FARIAS; ROSENVALD, 2017). No caso,
não há um titular anterior. É o que ocorre, por exemplo, na ocupação de uma
fruta colhida em um bosque, de um peixe pescado no mar ou de uma caixa
abandonada na rua.

NOTA

Ocupação é modo originário de aquisição de bem móvel que consiste


na tomada de posse de coisa sem dono, com a intenção de se tornar seu proprietário
(GONÇALVES, 2020).

ᵒ Derivado: quando a aquisição se dá “a partir de uma transmissão de direito


de uma pessoa a outra, evidenciando a existência de relação jurídica anterior
e outra atual” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 598). É o caso das compras
e vendas: quem compra estará adquirindo o direito de propriedade que,
anteriormente, era de outrem, por isso, dizemos que é um direito derivado.

8
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

Ainda:

ᵒ Gratuita: quando não há uma contraprestação, ou seja, não há qualquer forma


de pagamento, de compensação pelo direito adquirido. É o que ocorre quando
alguém recebe uma doação ou, até mesmo, uma herança.
ᵒ Onerosa: quando há uma contraprestação, uma compensação proporcional
ao direito adquirido, havendo enriquecimento de ambas as partes (FARIAS;
ROSENVALD, 2017). É o que o ocorre na compra e venda, ou em um contrato
de permuta.

Quanto à forma de aquisição, ela pode se dar:

ᵒ A título universal: quando o adquirente substitui o sucedido na totalidade dos


seus bens (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015), ou seja, é a aquisição de
um conjunto de bens e direitos, e não de um ou alguns especificamente. É o que
ocorre, em geral, com a herança: os bens e direitos do falecido são transferidos,
na sua totalidade, para o (s) herdeiro (s), não havendo discriminação sobre
quem vai receber o quê.
ᵒ A título singular: quando o novo titular do direito sucede o anterior “em
determinadas coisas, certas e determinadas” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p.
598). É o caso do legatário, ou seja, a pessoa que recebe, de herança, um bem
determinado deixado como legado por quem faleceu.

NOTA

É importante ter em mente, quando se fala de aquisição de direitos, que ela


pode ter sido diferida, ou seja, postergada para um momento no futuro. No caso, temos as
figuras da expectativa de direito, do direito eventual e do direito condicional.

A expectativa de direito é a mera possibilidade de sua aquisição, não


estando amparada pela legislação em geral, uma vez que ainda não foi
incorporada ao patrimônio jurídico da pessoa. Um exemplo é a fase de
tratativas para celebração de um contrato, em que não há necessidade
de falar, ainda, de um direito adquirido, por si só, à realização da avença.
O direito eventual, por sua vez, refere-se a situações em que o interesse
do titular ainda não se encontra completo, pelo fato de não terem se
realizado todos os elementos básicos exigidos pela norma jurídica.
Como exemplo, podemos lembrar o direito à sucessão legítima que,
embora protegido pelo ordenamento jurídico, só se consolida com a
morte do autor da herança. Na forma do Art. 130 do CC-02, ao titular
do direito eventual, no caso de condição suspensiva ou resolutiva, é
permitido praticar os atos destinados para conservação.
Por fim, o direito condicional é aquele que somente se perfaz se
ocorrer determinado acontecimento futuro e incerto. Como exemplo,
podemos lembrar uma promessa de cessão de direitos autorais, caso
determinada obra alcance a 10ª edição. Se o livro for um best-seller,
realizar-se-á o direito; se ficar “encalhado”, o direito ficará limitado ao
advento da condição (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 347).

9
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

2.2.2 Modificação de direitos


Mesmo que não seja afetada a sua substância, sua essência, os direitos
podem sofrer modificações pela prática de atos ou a ocorrência de fatos jurídicos
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015). A modificação pode incidir sobre o
objeto (modificação objetiva) ou sobre o titular do direito (modificação subjetiva).

A modificação objetiva pode atingir a qualidade ou a quantidade do


objeto (FARIAS; ROSENVALD, 2017). Quando se referir à qualidade, ou seja, for
uma modificação qualitativa, estaremos diante de uma situação em que:

[...] o conteúdo do direito se converte em outra espécie. P. ex.: o


credor, por coisa determinada, que recebe, do devedor, o equivalente
em dinheiro, hipótese em que a obrigação se transmuda em dever
de indenizar. Há, portanto, uma modificação na natureza do direito
creditório, sem quaisquer alterações no crédito (DINIZ, 2006, p. 381).

Por outro lado, quando se tratar de uma modificação quantitativa, haverá


o aumento ou a diminuição do objeto, sem alteração da qualidade. Isso pode
ocorrer por um evento natural, como a diminuição de um terreno pela aluvião,
ou por um ato praticado pelo titular ou por outrem, como a amortização de
um débito. Para ilustrar a segunda situação, imagine que Fulano emprestou
R$ 1.000,00 (mil reais) para Sicrano, ficando acordado que Sicrano devolveria
após três meses. Um mês depois de realizado o empréstimo, Sicrano paga R$
500,00 (quinhentos reais) para Fulano. Dessa forma, o direito de Fulano, que era
de receber R$ 1.000,00 (mil reais), se modificará, pois, a partir deste dia, só terá
direito a R$ 500,00 (quinhentos reais).

NOTA

Conforme explica Gonçalves (2020), aluvião é o aumento insensível que o rio


anexa às terras, tão vagarosamente que seria impossível, em dado momento, apreciar a
quantidade acrescida.

A modificação pode também ser uma modificação subjetiva. Ela pode


se dar pela substituição de um dos sujeitos, como na compra e venda: se Fulano
vende sua bicicleta para Sicrano, Sicrano substitui Fulano como titular do direito
de propriedade sobre a bicicleta. No caso, “o direito de propriedade não perde
sua substância, apenas ocorre um deslocamento de titularidade sem cessação da
relação jurídica” (DINIZ, 2006, p. 381). Ainda, a modificação pode ocorrer também
pela multiplicação ou pela concentração dos titulares, ou até pelo desdobramento
da relação jurídica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015).

10
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

A multiplicação acontece “quando ao titular do direito outros se


associam, exercendo, conjuntamente, os poderes inerentes à propriedade, quando
o primitivo dono não deixa de sê-lo, mas perde a exclusividade do direito de
propriedade, como titulares, os demais condôminos” (DINIZ, 2006, p. 382). Ela
acontecerá, por exemplo, se Fulana, proprietária de um apartamento, casar-se em
comunhão universal de bens com Sicrano, pois, agora, o direito de propriedade
que era de uma só pessoa (Fulana) passará a ser de duas (Fulana e Sicrano), tendo
havido, assim, a multiplicação dos titulares do direito de propriedade.

A concentração, por sua vez, é o inverso. Ocorre “quando um direito


possui vários titulares, que vão se reduzindo” (DINIZ, 2006, p. 382). Por exemplo,
se Fulano, Sicrano e Beltrano são, conjuntamente, titulares do direito de usufruto
de um imóvel, após a morte de Fulano e Sicrano, a titularidade do direito terá se
concentrado na pessoa de Beltrano.

Por fim, haverá o desdobramento do direito se, por exemplo, “o sujeito


de direito outorga uma parte de seus poderes em favor de outrem, sem, contudo,
perder o direito, como a constituição de renda vitalícia” (DINIZ, 2006, p. 382).
É o que ocorre nos negócios jurídicos, em que são concedidos direitos de
administração para um terceiro: alguém continua a ser o dono, mas outra pessoa
poderá exercer alguns dos poderes inerentes ao direito de propriedade.

DICAS

Farias e Rosenvald (2017, p. 599) defendem que “os direitos de personalidade


não comportam modificação subjetiva”. Todavia, Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 348)
advertem que:

[...] com relação à paternidade, há alguns julgados que têm admitido


a possibilidade de uma investigação de ancestralidade ou, mais
precisamente, de uma ação investigatória de relação avoenga para
a hipótese de falecimento do indivíduo que não teve a paternidade
reconhecida, mas que seus herdeiros pretendem vê-la declarada, seja
para efeitos sociais, seja para petição de herança.

Para entender um pouco mais da discussão sobre a substituição do direito de


reconhecimento de paternidade, você pode consultar o acórdão do Recurso Especial n.
807849/RJ, de 24/03/2010. Está disponível na página do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200600032847&dt_
publicacao=06/08/2010.

11
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

2.2.3 Extinção de direitos


A extinção é a perda do direito. São as situações em que, após ocorrido
o fato jurídico, o direito não renasce (DINIZ, 2006). As causas de extinção são
diversas, dentre elas, citam-se (FARIAS; ROSENVALD, 2017; GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015):

• Perecimento do objeto: por exemplo, se você é proprietário de um livro, e este


é queimado, haverá a extinção da propriedade pelo perecimento do objeto,
pois ele não mais existirá.
• Alienação: por exemplo, se você vender o livro, seu direito de propriedade se
extinguirá.
• Renúncia: ocorre quando alguém abdica de um direito, extinguindo-o para si.
• Abandono: ocorre quando, com o intuito de se desvincular do objeto, alguém
deixa de exercer seus direitos de posse e/ou propriedade.
• Falecimento do titular: por exemplo, se Fulano tem direito a uma pensão
alimentícia, com a sua morte, este direito se extinguirá.
• Prescrição: decurso do tempo que impede a reivindicação de uma pretensão
em juízo.
• Decadência: decurso do tempo que implica na perda de um direito potestativo.
Por exemplo, se Fulano deixar de reclamar o conserto do produto comprado
com defeito dentro do prazo da garantia, perderá o direito.
• Abolição de uma instituição jurídica: por exemplo, a revogação da lei que
garantia o pagamento de um percentual a mais no salário de alguém em razão
do exercício de atividade perigosa, extinguirá o direito de recebimento.
• Confusão: é o que ocorre, por exemplo, quando dois patrimônios se fundem,
como no caso de uma empresa X, que é credora da empresa Y, comprar a
empresa Y: no caso, o direito de crédito que a empresa X tinha se extinguirá
em razão da confusão patrimonial.
• Implemento de condição resolutiva: por exemplo, se, no contrato de um curso
online de preparação para concursos, estiver previsto que o aluno terá acesso à
plataforma até passar em algum certame, o dia que ele passar a condição estará
implementada e o direito de acesso terá sido extinto.
• Escoamento do prazo: por exemplo, se não ajuizado um recurso no prazo,
estará extinto o direito de interpô-lo.
• Perempção: é a extinção de um processo pela inércia da parte interessada.
• Aparecimento de direito incompatível com o direito atualmente existente e
que o suplanta: um exemplo seria a aprovação de uma lei que dá a faculdade
ao patrão para conceder ou não férias aos funcionários, indiretamente,
extinguindo o direito às férias dos trabalhadores.

Conforme advertem Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 349), “essa


relação, obviamente, é meramente exemplificativa, não havendo limites para
a criatividade humana ou para as forças da natureza na estipulação de novas
hipóteses”.

12
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

TUROS
ESTUDOS FU

Dentre as mais relevantes formas de extinção de direitos, estão a prescrição e


a decadência, que você estudará na Unidade 3.

2.2.4 Conservação de direitos


A conservação, que também pode ser referida como defesa dos direitos, são
“medidas, de caráter, muitas vezes, acautelatório” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 349). A função é a de resguardar os direitos adquiridos (e os
futuros diferidos) (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Gagliano e Pamplona Filho (2015) dividem os atos de conservação nas


seguintes categorias:

• Atos de conservação: são os “atos praticados pelo titular do direito para evitar o
perecimento, turbação ou esbulho de seu direito” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 349). É, por exemplo, o ajuizamento de um pedido cautelar em
caráter antecedente para a produção antecipada de provas.
• Atos de defesa do direito lesado: quando “tendo ocorrido a violação do direito,
o ajuizamento de ações cognitivas ou executivas [...] é a medida adequada para
a conservação do direito” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 349)
É a possibilidade, por exemplo, do ingresso de ação judicial para cessação de
circulação de foto íntima e pedido de indenização pela violação do direito de
personalidade.
• Atos de defesa preventiva: são os realizados “antes mesmo da violação – mas
diante de uma ameaça evidente” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015,
p. 349). Esses atos podem ser judiciais, como o interdito proibitório, para
impedir a invasão de uma propriedade, ou extrajudiciais, como a inclusão de
uma cláusula penal no contrato, para evitar que uma das partes descumpra o
acordado.
• Autotutela: é praticada quando “ocorrida a violação, a ordem jurídica admite,
sempre excepcionalmente, a prática de atos de autotutela, como o desforço
incontinenti” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 349) Ou seja, a
autotutela é o meio de conservação de direitos pelo próprio titular, a qual
só poderá ser utilizada quando autorizada pelo ordenamento, sob pena de
caracterizar ato ilícito ou até o crime de exercício arbitrário das próprias razões.

13
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

NOTA

Os efeitos dos fatos jurídicos não são excludentes entre si. Numa mesma
situação, a depender da análise, poderemos falar de vários efeitos. Por exemplo, em uma
compra e venda: sob a ótica do comprador, haverá a aquisição do direito de propriedade;
sob a perspectiva do vendedor, terá ocorrido a extinção do direito de propriedade;
analisando-se o objeto, o que terá ocorrido é a modificação do direito de propriedade pela
substituição do seu titular.

Vislumbrar os efeitos jurídicos dos fatos é importante para reconhecer os


eventos que têm relevância em nosso cotidiano, ou seja, os fatos jurídicos. Quanto
mais você avançar no curso de Direito, mais fatos jurídicos você estará apto a
identificar.

2.3 CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS JURÍDICOS EM SENTIDO


AMPLO
Até agora, você aprendeu o que são os fatos jurídicos em sentido amplo,
ou seja, as categorias e efeitos comuns dos mais variados tipos de fatos jurídicos.
Como visto, eles são muito variados, podem ocorrer nas mais diversas formas
e ter inúmeros efeitos. A fim de facilitar a compreensão da interação entre os
fatos e o ordenamento jurídico, eles são classificados em categorias que têm
características próprias.

Neste tópico, você estudará, então, como são classificados, internamente,


os fatos jurídicos.

ATENCAO

A nomenclatura utilizada, tanto na doutrina como na jurisprudência, para


classificação dos fatos jurídicos, pode sofrer algumas variações. Atente-se que:

• Fato jurídico em sentido amplo = Fato jurídico lato sensu.


• Fato jurídico em sentido estrito = Fato jurídico stricto sensu.
• Fato humano = Fato jurígeno = Ato humano.
• Ato lícito = Ato jurídico em sentido amplo = Ato jurídico lato sensu.
• Ato jurídico em sentido estrito = Ato jurídico stricto sensu = Ato humano em sentido
estrito = Ato humano stricto sensu = Fato humano em sentido estrito = Fato humano
stricto sensu.

14
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

2.3.1 Fato jurídico em sentido estrito


Fato jurídico em sentido estrito é todo acontecimento decorrente de um
evento natural que surte efeitos, ou seja, apresenta consequências jurídicas. De
acordo com Farias e Rosenvald (2017, p. 600) “é o acontecimento em cujo suporte
fático (tipicidade) estão presentes apenas fatos da natureza, independentes de
atividade humana”. Ou seja, não é relevante a manifestação da vontade humana,
a atuação direta de um sujeito. Diniz (2006, p. 389) conceitua que “o fato jurídico
stricto sensu seria o acontecimento independente da vontade humana, que
produz efeitos jurídicos, criando, modificando ou extinguindo direitos”.

São exemplos de fatos jurídicos em sentido estrito: o nascimento de uma


criança, a morte, o passar do tempo, uma enchente que destrói a casa de alguém,
pois todos geram consequências jurídicas.

É importante ter em mente que, “ainda que se tenha eventual participação


humana, como no caso do homicídio, não se desnatura o acontecimento como um
fato jurídico em sentido estrito, uma vez que a conduta humana é desnecessária
para a composição de sua estrutura” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 601). No
caso, portanto, o fato jurídico em sentido estrito é a morte que, apesar de decorrer
de uma ação humana, é um evento natural, dependendo de fatores que não estão
relacionados, exclusivamente, à vontade das partes.

Os fatos jurídicos em sentido estrito podem ser classificados como:


ordinários e extraordinários.

• Fato jurídico em sentido estrito ordinário

Os fatos jurídicos em sentido estrito ordinário “são fenômenos previsíveis,


normais, regulares” (NADER, 2015, p. 328), ou seja, “são os acontecimentos
de ocorrência costumeira, cotidiana, esperada” (FARIAS; ROSENVALD, 2017,
p. 601). São, portanto, aqueles que esperamos que aconteça, mesmo que não
saibamos quando, e que também, por serem previsíveis, as suas consequências já
são também previsíveis.

O nascimento é um desses fatos, pois sua ocorrência é algo regular,


normal em nossa sociedade, e as suas consequências jurídicas principais já estão
previstas na legislação, como a aquisição da personalidade jurídica. A morte, do
mesmo modo, é algo previsível, independentemente do modo como ocorrer, ela
é esperada e suas consequências principais já são conhecidas. Outro típico fato
ordinário é o decurso do tempo. O tempo é algo constante, cotidiano e conhecido,
cujas consequências previstas nos seus marcadores (idades, prazos) estão
amplamente regulamentadas. Assim, quando um jovem completa 18 (dezoito)
anos, atingindo a plena capacidade civil, temos a ocorrência de um fato jurídico
em sentido estrito, que deu origem aos direitos daí decorrentes.

15
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

• Fato jurídico em sentido estrito extraordinário

Os fatos jurídicos em sentido estrito extraordinário, por sua vez, são


aqueles eventos excepcionais, imprevisíveis ou irresistíveis, “que se caracterizam
pela presença de dois requisitos: o objetivo, que se configura pela inevitabilidade
do evento, e o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do acontecimento”
(DINIZ, 2006, p. 390), como são os casos fortuitos e de força maior.

NOTA

A definição dos termos caso fortuito e força maior não é pacífica na doutrina.
Enquanto alguns autores entendem que são sinônimos, outros apontam para a existência
de diferenças elementares. Gagliano e Pamplona Filho (2015) defendem que, enquanto
o que caracteriza a força maior é sua inevitabilidade, o caso fortuito se qualifica pela
imprevisibilidade. Os mesmos autores ainda destacam que o caso fortuito pode ser causado
por ato humano, razão pela qual não se confunde com o fato jurídico em sentido estrito,
mas pode ser sim uma de suas causas, quando não decorrente de ato humano.

São exemplos típicos, dessa modalidade, as catástrofes naturais, como


enchentes, furacões, terremotos. Nesses casos, porém, é sempre importante
lembrar que, para que sejam fatos jurídicos, é preciso que haja algum tipo de
consequência jurídica. Se uma tempestade forte faz uma árvore cair sobre uma
residência de propriedade de alguém, teremos um fato jurídico em sentido estrito
extraordinário. Se uma tempestade de mesma magnitude ocorre no meio do
oceano, não atingindo a esfera de direitos de ninguém, não há o que se falar em
fato jurídico. Estaremos diante, apenas, de um simples fato.

2.3.2 Ato jurídico em sentido amplo


Avançando nas classificações, agora, serão elencados os fatos jurídicos que
decorrem da vontade humana. Importante ter em mente que, quando falamos de
vontade humana, não estamos nos referindo a, necessariamente, uma vontade
no sentido finalístico, pois, como veremos no ato jurídico em sentido estrito e
no ato ilícito, há casos em que a vontade humana está direcionada para um fim
específico, mas, na consecução do fim, acabam-se gerando efeitos jurídicos que
não foram, necessariamente, desejados ou previstos.

Como você pode notar, neste momento, passamos a usar o termo ato,
e não mais fato (apesar de que, como destacado anteriormente, essas mesmas
classificações sejam referidas por alguns autores como fatos humanos). Isso ocorre

16
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

porque o termo ato denota a necessidade de um sujeito, de um agente (alguém


deve atuar), enquanto o fato pode simplesmente ocorrer sem participação de
ninguém.

Os atos humanos podem ser lícitos ou ilícitos.

• Ato lícito

Os atos humanos lícitos são aqueles que estão de acordo com o


ordenamento jurídico. Eles estão divididos em atos jurídicos em sentido estrito e
negócios jurídicos.

• Ato jurídico em sentido estrito

O ato jurídico em sentido estrito é, basicamente, uma ação humana que


gera efeitos jurídicos, mas sem que o agente tenha manifestado a vontade de que
esses efeitos ocorressem. Como salientado antes, a vontade humana, no caso,
estará voltada à persecução de um interesse do agente, mas não, necessariamente,
no sentido de que sejam geradas as consequências jurídicas que acontecerão, pois
já estão previstas na lei.

É o caso da fixação de domicílio. Quando alguém se muda, estabelecendo


sua residência com ânimo definitivo, não pensa nas consequências jurídicas do
ato, quanto à configuração dos efeitos da fixação de domicílio, não negocia com
ninguém, ou quando se configurará o domicílio. A simples mudança com caráter
definitivo é suficiente para trazer consequências jurídicas.

Do mesmo modo, o reconhecimento de filiação (de paternidade ou


maternidade), não resultante de casamento, também é um ato jurídico em sentido
estrito, pois, ao reconhecer a criança como filho, não há possibilidade de negociar
as consequências. Os direitos e deveres inerentes a essa relação já estão previstos
no ordenamento.

O ato jurídico em sentido estrito, portanto, “constitui simples manifestação


de vontade, sem conteúdo negocial, que determina a produção de efeitos
legalmente previstos” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 353). Pode-
se dizer, ainda, que é o ato que “gera consequências jurídicas previstas em lei
(tipificadas previamente), desejadas, bem verdade, pelos interessados, mas sem
qualquer regulamentação da autonomia privada” (FARIAS; ROSENVALD, 2017,
p. 604).

Neste tipo de ato, não existe propriamente uma declaração de


vontade manifestada com o propósito de atingir, dentro do campo da
autonomia privada, os efeitos jurídicos pretendidos pelo agente (como
no negócio jurídico), mas sim um simples comportamento humano
deflagrador de efeitos previamente estabelecidos por lei (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 353).

17
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Outros exemplos que podem ser citados são a ocupação, o perdão, a


quitação, a interpelação. São todas situações em que há uma atuação humana que
gera consequências jurídicas conforme previsão legal.

É possível perceber ser desnecessária uma regulamentação geral sobre


os atos jurídicos, uma vez que suas consequências estarão previstas e reguladas
pelos respectivos institutos legais. Assim, a única disposição legal expressa sobre
os atos jurídicos é o artigo 185 do CC/02, que assim dispõe: “Aos atos jurídicos
lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições
do Título anterior”.

Portanto, a regulamentação dos atos jurídicos em sentido estrito (que são


os que não são negócios jurídicos) se dará pelas regras do próprio instituto legal
e, se necessário e no que couber, pelas disposições sobre os negócios jurídicos.

NOTA

Alguns doutrinadores dividem os atos jurídicos em duas modalidades: atos


materiais e participações. Conforme lecionam Farias e Rosenvald (2017, p. 606):

[...] os atos materiais (ou reais) resultariam da atuação da manifestação


volitiva corporificada em ato material (exemplo da tomada da posse),
englobando um elemento psíquico (vontade) e outro concreto (a
prática do ato correspondente). Não haveria destinatário, consistindo
na simples atuação da vontade corporificada, dando existência
imediata. São, na realidade, os atos-fatos jurídicos que estudamos
alhures. Por seu turno, as participações se caracterizam pela
exteriorização de vontade para a ciência de fatos ou intenções, como
na interpelação.

Discordando desses autores, Gagliano e Pamplona Filho (2015) entendem que os atos
materiais não se confundem com os atos-fatos jurídicos, pois, nos primeiros, é necessária
a vontade consciente e, nos últimos, não.

• Negócio jurídico

Dentre os atos humanos lícitos, é o negócio jurídico que tem maior


destaque. Isso ocorre não só porque ele permeia as nossas vidas cotidianas, mas
porque ele é fruto do exercício da autonomia privada dos indivíduos. São, nos
negócios jurídicos, que os particulares utilizam a liberdade que têm de regular
as suas relações jurídicas. Consequentemente, são os fatos jurídicos com maior
número de variáveis e necessidade de melhor regulamentação, a fim de que não
sejam utilizados para fins repudiados pelo ordenamento.

18
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

O negócio jurídico será o objeto de estudo dos próximos tópicos, e também


da Unidade 2 desta disciplina. Assim, neste momento, é importante apenas que
você entenda suas principais características, as quais o distinguem dos demais
fatos jurídicos.

Negócio jurídico é o “ato jurídico em que há uma composição de interesses


das partes com uma finalidade específica. A expressão tem origem na construção
da negação do ócio ou descanso (neg + otium), ou seja, na ideia de movimento”
(TARTUCE, 2016, p. 221). No negócio jurídico, os sujeitos utilizam a sua liberdade
para criar normas que regulem a relação das partes e prevejam as consequências
das suas ações relativas ao negócio regulado. O principal exemplo de negócio
jurídico é o contrato, em todas as suas espécies. Também são negócios jurídicos,
por exemplo, as convenções de condomínio, os testamentos, o regimento interno
elaborado pelos estudantes moradores de uma república etc.

Objetivamente, o que diferencia o negócio jurídico do ato jurídico em


sentido estrito é que, no negócio jurídico, são as próprias partes que decidem
como se dará a relação jurídica e quais as consequências dela, enquanto no ato
jurídico em sentido estrito a parte só age, gerando efeitos que estão previstos na
lei e que não são alterados por sua vontade.

TUROS
ESTUDOS FU

O negócio jurídico, devido à amplitude do tema, será estudado mais


profundamente a partir do Tópico 3.

• Ato ilícito

O ato ilícito é também um ato humano. Todavia, no caso, as consequências,


previstas ou não, da atuação humana, são contrárias ao ordenamento jurídico.
Farias e Rosenvald (2017, p. 595) destacam que “tanto o estatuto civil de 1916
quanto o de 2002 consideram o fato ilícito como jurídico, apenas realçando que os
efeitos produzidos são desconformes à ordem jurídica (Arts. 186 e ss, CC)”. É o
caso, por exemplo, de uma batida entre automóveis. Há um ato humano (pessoas
conduzindo os veículos) e consequências em desacordo com o direito (dano aos
automóveis).

19
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

TUROS
ESTUDOS FU

Do mesmo modo, o ato ilícito, devido à regulamentação própria e


especificidades, será abordado em tópico próprio na Unidade 3.

2.3.3 Ato-fato jurídico


Apesar de alguns autores defenderem não ser cabível a classificação, pois
estaria abarcada pelos atos jurídicos em sentido estrito real, boa parte da doutrina
ainda a adota. Desse modo, é importante que você conheça a definição trazida
por essa parcela de estudiosos do tema.

O ato-fato jurídico nada mais é que um FATO JURÍDICO qualificado


pela atuação humana [...].
No ato-fato jurídico, o ato humano é realmente da substância desse
fato jurídico, mas não importa para a norma se houve, ou não, intenção
de praticá-lo.
O que se ressalta, na verdade, é a consequência do ato, ou seja, o fato
resultante, sem se dar maior significância se houve vontade ou não de
realizá-lo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 351).

No ato-fato jurídico, a vontade do agente é irrelevante. Assim, segundo os


mesmos autores, um bom exemplo seria a compra de um doce por uma criança,
pois esta não teria a sua vontade direcionada à realização do negócio. Inclusive,
se considerado negócio, seria nulo de pleno direito, conforme você estudará mais
à frente, mas, considerado ato-fato jurídico, pode ser reconhecido por ter ampla
aceitação social.

20
TÓPICO 1 — FATO JURÍDICO EM SENTIDO AMPLO

LEITURA COMPLEMENTAR

Fatos jurídicos: uma breve análise conceitual

Marden De Carvalho Nogueira

DA DEFESA DOS DIREITOS:

A ideia de um estado democrático de direito é pautada, fundamentalmente,


na possibilidade de os cidadãos exercerem, de modo ativo, a conservação e defesa
de seus direitos. É justamente dentro dessa perspectiva que se enquadra a questão
da defesa de uma pessoa nos negócios jurídicos. “De nada adiantaria a existência
dos direitos se o ordenamento jurídico não fornecesse, ao titular, um meio de
exercê-los, ou melhor, de defendê-los, caso fossem ameaçados ou fossem sido
tolhidos em seu exercício” (VENOSA, 2004, p. 393).

Para resguardar esses direitos, é necessário, muitas vezes, que o titular


esteja munido de certas precauções. Isso significa que este deve tomar certas
medidas ou providências, podendo ser preventivas ou repressivas, judiciais ou
extrajudiciais.

Por medidas de caráter preventivo, devemos entender aquelas que visam


proteger a violação de um direito futuro, possuindo natureza judicial, se fizerem
menção às medidas cautelares previstas no Código de Processo Civil. Como
exemplo, temos: busca e apreensão, protesto, notificação interpelação, arresto etc.
Possuem um caráter extrajudicial aquelas medidas que asseguram a realização de
obrigação creditícia, como as garantias reais, por exemplo, a alienação fundiária
em garantias, a hipoteca, o penhor etc.

Já as medidas repressivas se tratam de dispositivos que têm, por


objetivo, restaurar um direito violado. Essa pretensão é deduzida por meio de
ação judicial, um direito garantido de movimentar o poder judiciário (Art. 5º,
XXXV da Constituição Federal) para pedir proteção, fazendo com que se cesse
a violação do direito subjetivo, uma vez que este seja legitimado para agir e que
tenha interesse econômico.

A doutrina traz, ainda, a possibilidade de uma autodefesa ou defesa


privada, apenas excepcionalmente permitida, para prevenir eventuais excessos.
Esse mecanismo de defesa está previsto no Art. 188, I e II do Código Civil:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um


direito reconhecido;
II - Deterioração ou destruição da coisa alheia, ou lesão à pessoa, a fim
de remover perigo iminente.

21
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Ainda, dentro da defesa na esfera privada, pode ser usado o disposto no


Art. 1.210, § 1º, em que se permite, ao possuidor, fazer uso da legítima defesa e do
desforço imediato para manter-se ou restituir-se na posse por sua própria força,
guardadas as devidas proporções.

A íntegra do texto pode ser acessada através do link a seguir: https://


conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/42919/fatos-juridicos-uma-breve-
analise-conceitual.

22
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os acontecimentos podem ter consequências, sendo, então, chamados de fatos


jurídicos.

• Os fatos jurídicos dão origem, modificam, extinguem ou servem para a


conservação dos direitos.

• Os fatos jurídicos podem ser classificados em: fatos jurídicos em sentido estrito,
atos jurídicos lícitos e ilícitos e atos-fatos jurídicos.

• Os fatos jurídicos em sentido estrito são fatos que decorrem de eventos da


natureza.

• Os atos jurídicos em sentido estrito são fatos jurídicos decorrentes da ação


humana, cujas consequências jurídicas já estão previstas na lei.

• Os negócios jurídicos são fatos jurídicos decorrentes da ação humana, cuja


forma de execução e consequências são previstas pelos próprios envolvidos.

• Os atos ilícitos são condutas humanas que contrariam o ordenamento jurídico.

• Os atos-fatos jurídicos são fatos jurídicos realizados por sujeitos, cujas


consequências, porém, independem da vontade do agente.

23
AUTOATIVIDADE

1 Os fatos jurídicos são os responsáveis por gerar os direitos subjetivos. Sobre


esses direitos, é CORRETO afirmar que:

a) ( ) São aqueles aplicáveis a um caso concreto após a ocorrência de um fato


jurídico.
b) ( ) São aqueles previstos exclusivamente em contratos escritos assinados
pelos interessados.
c) ( ) São aqueles previstos genericamente na lei, abstratamente aplicáveis a
todos.
d) ( ) São aqueles criados livremente pelas partes após a ocorrência de um fato
jurídico.

2 Os fatos jurídicos são acontecimentos naturais ou decorrentes da vontade


humana que dão origem, extinguem e modificam direitos. A depender
da sua origem, os fatos jurídicos podem ser classificados em algumas
categorias: fatos jurídicos em sentido estrito, atos jurídicos em sentido estrito
e negócios jurídicos. Em contraposição aos fatos jurídicos, nós temos fatos
que não têm relevância, são simples fatos. Tendo isso em conta, relacione a
classificação com o exemplo apresentado na sequência:

(1) Simples fato


(2) Fato jurídico em sentido estrito
(3) Ato jurídico em sentido estrito
(4) Negócio jurídico

( ) João comprou o carro de Maria, tendo sido combinado que o pagamento


será feito em duas parcelas de igual valor.
( ) Saulo teve que mudar de cidade em razão do trabalho. Atualmente, reside
em São Paulo.
( ) Houve uma grande tempestade em alto-mar nesta noite.
( ) Carlos fez um testamento deixando grande parte do seu patrimônio para
a sobrinha.
( ) José faleceu mês passado.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) 3 – 1 – 2 – 4 – 1.
b) ( ) 4 – 3 – 2 – 3 – 1.
c) ( ) 4 – 3 – 1 – 4 – 2.
d) ( ) 3 – 1 – 1 – 3 – 2.

24
TÓPICO 2 —
UNIDADE 1

NEGÓCIO JURÍDICO

FIGURA 2 – NEGOCIAÇÃO

FONTE: https://unsplash.com/photos/HJckKnwCXxQ. Acesso em 13 jul 2020.

1 INTRODUÇÃO
Agora que já entendeu o que são os fatos jurídicos e as suas diferentes
modalidades, você aprofundará seus conhecimentos sobre o negócio jurídico, que
é o fato jurídico com maiores implicações no cotidiano do operador do Direito.
Estamos todos os dias a fazer contratos, travar negociações, elaborar regras para
convivência. Tudo isso é negócio jurídico!

Neste tópico, então, abordaremos a teoria geral dos negócios jurídicos,


compreenderemos as suas classificações, estudaremos as formas de interpretação
e, por fim, analisaremos a estrutura.

2 NEGÓCIOS JURÍDICOS
Os negócios jurídicos, conforme estudado no tópico anterior, são um tipo
de ato jurídico lícito. A partir disso, podemos extrair duas de suas principais
características: eles dependem da vontade humana e devem estar de acordo com
o ordenamento jurídico. Assim, antes de estudar a definição de negócio jurídico,
é importe entender seus alicerces e os princípios que os cercam.

25
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

2.1 TEORIA GERAL DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


Os negócios jurídicos são exercícios da autonomia da vontade (ou
autonomia privada), uma externalização da liberdade individual para regulação
dos interesses privados.

A liberdade que a ordem jurídica confere às pessoas para a realização


de negócios jurídicos permite um melhor ajustamento nos interesses
sociais. Pelos negócios jurídicos, as pessoas naturais e jurídicas criam
o seu próprio dever, assumindo, espontaneamente, novas obrigações e
adquirindo direitos. Os negócios constituem, ao lado do Direito escrito
e costumeiro, uma fonte especial de elaboração de normas jurídicas
individualizadas, denominada fonte negocial. Essa possibilidade, que
decorre do princípio da autonomia da vontade, atende, em parte, à
filosófica existencialista, que não concorda com a uniformização de
tratamento jurídico, pois cada pessoa é portadora de uma natureza e
de um condicionamento próprio (NADER, 2015, p. 325).

Através dos negócios jurídicos que os sujeitos podem ajustar as regras de


uma relação aos seus interesses e necessidades no caso concreto.

Os negócios jurídicos, apesar de servirem para regular os interesses


privados, devem estar sempre pautados nos princípios constitucionais da
dignidade humana, boa-fé, equilíbrio econômico e solidarismo social. Ou seja, a
negociação, mesmo que entre pessoas maiores e capazes, não pode dispor sobre
a cessão de direitos de personalidade, por exemplo. Também não é possível
prever obrigações que coloquem o sujeito em condições degradantes, ou em
que uma parte se beneficie de uma vulnerabilidade da outra. Além disso, muito
embora, em regra, os negócios jurídicos só digam respeito às partes diretamente
envolvidas, eles poderão, direta ou indiretamente, afetar terceiros e, em razão
disso, deverão observar algumas limitações (por exemplo, quando da compra de
uma empresa por outra, apesar de o negócio jurídico se dar entre as empresas,
pessoas jurídicas, existirão consequências para os funcionários, especialmente da
empresa adquirida).

NOTA

Um tema sempre interessante com relação aos negócios jurídicos é a


possibilidade de disposição dos direitos de personalidade por negócio jurídico. Com relação
aos direitos de personalidade, não é possível que sofram uma limitação voluntária, sendo
possível, somente, uma disponibilidade relativa (limitada) de expressões do uso do direito
de personalidade, desde que não seja de forma geral e nem permanente.

26
TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO

Feitas essas breves observações sobre a relação dos negócios jurídicos com
a autonomia, além das limitações impostas pelos princípios, podemos analisar o
conceito de negócio jurídico.

In concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistente em


declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui os efeitos
designados como queridos, respeitados os pressupostos de existência,
validade e eficácia impostos pela norma jurídica (AZEVEDO, 2017, p.
16).

Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 365), por sua vez, conceituam negócio
jurídico como:

a declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos


de existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos
admitidos pelo ordenamento jurídico pretendidos pelo agente.

Dessas definições, é possível extrair que negócio jurídico: 1) é declaração


de vontade; 2) deve respeitar os pressupostos de existência, validade e eficácia; 3)
seus efeitos devem ser admitidos pelo ordenamento jurídico.

A declaração de vontade é o exercício da autonomia, como já estudado.


As formas como essa declaração pode ser feita serão abordadas nos próximos
tópicos, assim como os pressupostos de existência, validade e eficácia. Quanto
aos efeitos admitidos, dizem respeito, dentre outros aspectos, às limitações para
disposição de direitos. Por exemplo, como você já estudou, as limitações negociais
sobre os direitos de personalidade.

Ne sequência, você estudará as formas como os negócios jurídicos


podem ser classificados, momento em que, a partir dos exemplos apresentados,
compreenderá a amplitude do negócio jurídico na vida jurídica moderna.

2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


Os negócios jurídicos podem ser classificados sob diversos aspectos,
como você verá na sequência. Essas classificações são importantes para, com
o aprofundamento do estudo tanto da parte geral do Direito Civil como das
disposições especiais, você conseguir identificar a quais tipos de negócios
jurídicos se aplicam determinadas previsões legais e princípios. Vejamos, então,
quais são as classificações:

• Quanto ao número de declarantes: esta classificação diz respeito ao número de


partes que manifestou vontade de fazer o negócio jurídico. Importante lembrar
que uma parte pode ser composta por mais de uma pessoa, como no caso em
que um casal adquire um imóvel: apesar de serem duas pessoas, correspondem
a uma declaração de vontade, a de comprar o bem.

27
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

ᵒ Unilateral: “quando se aperfeiçoar apenas com uma única manifestação


de vontade” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 611). É o caso do testamento,
pois, neste negócio jurídico, apenas a vontade do testador é relevante. Ele não
negocia com ninguém, as regras previstas no testamento emanam de uma
única manifestação de vontade. Do mesmo modo, também é negócio jurídico
unilateral a promessa de recompensa.
ᵒ Bilateral: “quando concorrem as manifestações de vontade de duas partes,
formadoras do consenso” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 367)
ou, ainda, é o negócio jurídico “que se completa com duas manifestações de
vontade, coincidentes com o mesmo objeto, através do consentimento mútuo,
porém, com interesses antagônicos” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 611).
A maior parte dos contratos que temos no cotidiano são negócios jurídicos
bilaterais. Compra e venda, locação, prestação de serviço, empréstimos. Os
interesses são ditos antagônicos porque, por exemplo, na compra e venda, uma
parte quer vender, e a outra quer comprar. Apesar de diferentes, os interesses
são complementares, pois, para o aperfeiçoamento do negócio, não basta o
vendedor querer vender, é imprescindível que o comprador queira comprar.
ᵒ Plurilateral: são negócios que “envolvem mais de duas partes, com interesses
coincidentes no plano jurídico” (TARTUCE, 2016, p. 225). Os interesses, nos
casos, são descritos não como antagônicos, mas como convergentes. São
vontades que se manifestam de forma paralela (FARIAS; ROSENVALD, 2017).
Exemplos de negócios jurídicos plurilaterais são os contratos de sociedade,
contratos de consórcio.

• Quanto ao exercício de direitos:

ᵒ Negócios de disposição: a parte do negócio jurídico poderá exercer o seu


direito, dispondo-o, ou seja, transferindo-o totalmente para a outra parte.
São negócios de disposição os que “autorizam o exercício de amplos direitos,
inclusive de alienação, sobre o objeto transferido” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 367). São típicos negócios de disposição a compra e venda, a
doação, por exemplo.
ᵒ Negócios de administração: são negócios que dizem respeito ao exercício
de direitos mais restritos sobre o objeto, admitindo “apenas a simples
administração e uso do objeto cedido” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 367). Em outras palavras, os negócios de administração são aqueles em
que o detentor do direito original cede apenas uma parcela de direitos para a
outra parte, mantendo seu vínculo com o objeto. Isso ocorre, por exemplo, nas
locações ou no comodato.

• Quanto às vantagens patrimoniais:

ᵒ Gratuitos/benéficos: são os negócios jurídicos em que apenas uma das


partes tem um benefício ou enriquecimento patrimonial, não existindo uma
contraprestação. Este é o caso da doação simples, quando alguém apenas
recebe o bem doado sem ter que dar ou fazer nada em troca.

28
TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO

ᵒ Onerosos: ao contrário dos gratuitos, são os negócios jurídicos em que há


contraprestação, é “quando há vantagem patrimonial para ambas as partes”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 611), em outras palavras, são negócios “em
que ao benefício auferido experimenta-se um sacrifício correspondente”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 367). São exemplos de contratos
onerosos a compra e venda, a prestação de serviço, a empreitada, a locação etc.
ᵒ Neutros: são negócios jurídicos “destituídos de atribuição patrimonial
específica” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 368). São negócios
que não têm caráter patrimonial ou benefício aferível, não se enquadrando em
nenhuma das outras categorias estudadas. É o caso da instituição de bem de
família ou da gestação em útero alheio, por exemplo.
ᵒ Bifrontes: são negócios que podem tanto ser gratuitos, como onerosos, a
depender da intenção das partes. São exemplos o contrato de depósito, que
pode ser feito gratuitamente ou mediante remuneração, além do mandato.

• Quanto à forma:

ᵒ Formais ou solenes: são negócios que, para que tenham validade, devem
ser feitos de uma maneira específica. É o caso da compra e venda de imóvel
acima de trinta salários mínimos, que devem ser feitas por escritura pública,
e também o casamento, que, dentre outras formalidades, exige a presença de
testemunhas para o aperfeiçoamento do negócio jurídico.
ᵒ Não formais ou de forma livre: são negócios que não exigem nenhuma
formalidade específica para que sejam plenamente válidos, podendo a
manifestação de vontade ser expressa verbalmente, por gestos, ou até
tacitamente. A maior parte dos negócios jurídicos que fazemos no nosso
cotidiano é não formal. Por exemplo, compra e venda de bens móveis,
empréstimo de um livro, prestação de um serviço de eletricista.

TUROS
ESTUDOS FU

Ainda nesta unidade, você estudará mais a fundo a importância da forma para
a validade dos negócios jurídicos.

• Quanto ao momento de produção do efeito:

ᵒ Inter vivos: acarretam consequências jurídicas, ou seja, produzem seus efeitos,


enquanto as partes ainda estão vivas. É a maior parte dos negócios jurídicos,
como a compra e venda, a locação, a prestação de serviços etc.

29
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

ᵒ Mortis causa: são os negócios “cujos efeitos somente decorrem após o óbito de
um ou de mais de um dos declarantes” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 611).
O principal exemplo é o testamento, pois as disposições que estão ali inscritas
só terão efeito após a morte do testador.

• Quanto à existência:

ᵒ Principais: são os negócios que existem independentemente da existência de


qualquer outro. Por exemplo, contratos de compra e venda ou de doação.
ᵒ Acessórios: são negócios que não têm existência própria, que dependem de
outro para fazer sentido. É o caso do contrato de fiança, que será acessório
de um contrato de empréstimo, ou de locação, sendo os contratos principais.
Mesma coisa ocorre com o casamento (negócio principal) e o pacto antenupcial
(negócio acessório) (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

• Quanto ao conteúdo:

ᵒ Patrimoniais: quando os negócios versarem sobre questões suscetíveis de


aferição econômica, podendo apresentar-se ora como negócios reais, ora
como negócios obrigacionais (DINIZ, 2006). Por exemplo, a compra e venda, a
doação, a locação, o comodato.
ᵒ Extrapatrimoniais: são negócios jurídicos “referentes a direitos sem conteúdo
econômico” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 369). São exemplos
de negócios extrapatrimoniais aqueles que versam sobre direitos de família,
como um acordo sobre guarda e visitas.

• Quanto à eficácia:

ᵒ Constitutivos: são os negócios que têm efeitos ex nunc, ou seja, aqueles cujas
obrigações e direitos começam a ser exigíveis a partir do momento da sua
celebração, como na compra e venda.
ᵒ Declaratórios: são os negócios que têm efeitos ex tunc, ou seja, retroativos
“ao momento da ocorrência fática a que se vincula a declaração de vontade”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 369). É o que ocorre, por exemplo,
em um acordo de partilha: o acordo é feito em momento posterior ao fato
(separação), mas terá efeitos desde o momento da ocorrência do fato.

ATENCAO

Esse rol de classificações que você estudou não é taxativo, pois os doutrinadores
com frequência apresentam outros tipos e subtipos, conforme suas interpretações sobre o tema.
Ainda, não se esqueça de que as classificações não são excludentes entre si. Portanto, por
exemplo, um contrato normal de locação de imóvel poderá ser classificado como bilateral,
de administração, oneroso, não formal, inter vivos, principal, patrimonial e constitutivo.

30
TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO

Agora você já conhece as classificações dos negócios jurídicos, pode,


então, passar ao estudo das regras de interpretação aplicáveis.

2.3 INTERPRETAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS


A interpretação dos negócios jurídicos é tema para o qual você deve
dar especial atenção. Os negócios jurídicos, conforme já estudado, têm, como
característica primordial, o fato de que as partes, por sua declaração de vontade,
podem regular a relação, criando regras, ou seja, gerando direitos subjetivos e
obrigações. Desse modo, conforme adverte Diniz (2006, p. 438), “essa declaração
de vontade requer sempre uma interpretação, dado o fato da possibilidade
de o negócio jurídico conter cláusula duvidosa, qualquer ponto obscuro ou
controvertido”. Ou seja, muito embora, quando da elaboração do negócio
jurídico, deveriam, as partes, estar efetivamente cientes de todas as implicações
do ato jurídico, por vezes, seja pela maneira de explicação, seja por questões de
vocabulário ou gramaticais. Pode ser que algo não tenha sido adequadamente
compreendido, o que pode gerar conflitos e dificuldades na execução das
obrigações e direitos negociados.

Em razão disso, você, como futuro operador do Direito, deve saber quais
as regras básicas para interpretação dos negócios jurídicos quando, pelo menos,
uma das partes, eventualmente, não entende o acordado da mesma forma que a
outra. O Código Civil de 2002 possui três artigos que servem de regras gerais para
nortear a interpretação dos negócios jurídicos como um todo. Todavia, você deve
estar sempre atento, pois as diferentes modalidades de negócios jurídicos podem
ter peculiaridades interpretativas conforme a sua classificação, como já estudado,
ou também de acordo com a espécie, pois, por exemplo, o testamento e a fiança,
que são negócios jurídicos, têm artigos próprios que tratam da interpretação.

No momento, porém, você deve se dedicar a compreender os artigos da


parte geral. O primeiro deles é o artigo 112 do Código Civil de 2002, que dispõe
que: “Nas declarações de vontade, se atenderá mais à intenção nelas do que ao
sentido literal da linguagem”.

A primeira conclusão é que, ao contrário do que pareceria natural quando


se pensa, por exemplo, em contratos, o que deve prevalecer, o que deve ser
buscado na hora da interpretação não é investigar, primordialmente, o sentido
das palavras inseridas no documento negocial, mas a intenção, a vontade, os
motivos que levaram as partes a realizarem o negócio. Isso se justifica, pois, como
você aprendeu quando da análise do conceito, pelo fato de o negócio jurídico ser
uma declaração de vontade. Assim, seu elemento central é o que deve prevalecer
quando da interpretação, não devendo o intérprete se apegar excessivamente à
linguagem.

31
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Nos dias atuais, devido ao amplo acesso à rede mundial de computadores,


é comum que as pessoas, quando desejam realizar um negócio jurídico por escrito,
procurem modelos prontos de contratos e regulamentos. Muitas vezes, porém,
esses modelos não correspondem efetivamente ao que as partes buscavam com
aquele negócio, fazendo-se necessário, quando do surgimento de divergências,
verificar efetivamente o que se pretendia quando as partes fizeram o negócio,
ou seja, deve-se buscar a real intenção das partes. Conforme Farias e Rosenvald
(2017, p. 617), pode-se dizer que “em síntese, o que importa é a vontade real e não
a vontade declarada, importando interpretar o negócio, de acordo com a boa-fé,
para elucidar a intenção das partes, sem vinculação ao teor da redação do negócio
(linguística)”.

Uma situação que costuma surgir nos tribunais, em que é necessária a


aplicação desse preceito para interpretação, é o caso do cheque caução. O cheque
é uma ordem de pagamento à vista. Se você observar uma cártula de cheque, vem
escrito o seguinte comando “pague por este cheque a quantia de ... a ...”. Desse
modo, pela literalidade da cártula, o cheque pode ser descontado para pagamento
ao seu portador ou a quem estiver indicado no documento assim que apresentado
ao banco. Entretanto, é prática comum a entrega de cheque como caução, por
exemplo, em relações de prestação de serviço. O contratante, para não pagar
antecipado, entrega o cheque como garantia de que irá pagar ao contratado ao fim
da prestação do serviço. Ou seja, o combinado não é que o cheque é pagamento,
mas garantia, e que, após a prestação de serviço, o contratante irá pagar o valor
acordado de outra forma. Se, no caso, o prestador do serviço colocar o cheque em
circulação, ou descontá-lo, estará agindo de acordo com a literalidade do negócio
jurídico, entretanto, em desconformidade com a declaração de vontade das
partes no momento da realização do pacto. Desse modo, quando conflitos, dessa
natureza, chegam ao judiciário, os intérpretes precisam descobrir os motivos da
emissão do cheque, para saber se foi devido ou não o saque do valor.

32
TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO

NOTA

A cobrança do cheque, em regra, não depende de discussão sobre os motivos


da sua emissão, entretanto, em razão da alegação como caução, os tribunais entendem
que é possível a discussão sobre a causa da sua emissão, como se verifica no seguinte
julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE EMITIDO


COMO GARANTIA DE PAGAMENTO DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO E FORNECIMENTO DE MATERIAS. RECURSO DA
EMBARGADA. DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. POSSIBILIDADE
NA SITUAÇÃO EM EXAME. NÃO CIRCULAÇÃO DO TÍTULO E
DESCUMPRIMENTO PARCIAL DO CONTRATO. SENTENÇA QUE
JULGOU PROCEDENTES OS EMBARGOS MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO. É sabido que, "(...) mesmo no cheque, é possível o
exame da causa debendi, quando se trata de litígio entre as partes
originárias. Não seria razoável juridicamente admitir-se o cheque
como caução, como garantia, e negar-se a relação entre a garantia
e a causa" (STJ, REsp n.11154/DF Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito). (...). (Apelação Cível n. 2007.048131-1, de Balneário Camboriú,
j. em 19.05.2011). (TJSC, Apelação Cível n. 2010.082004-9, de São José,
rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, Terceira Câmara de Direito
Comercial, j. 26 jul.2012) (SANTA CATARINA, 2012, s.p.).

O Superior Tribunal de Justiça julgou também caso curioso em que aplicou


os preceitos interpretativos do Art. 112 do Código Civil de 2002 para consolidar
a doação de um terreno para uma igreja, em que pese, no documento de doação,
ter constado que ela estava sendo feita para um Santo. Veja a ementa do julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE


RETIFICAÇÃO DE ÁREA. PRETENSA ANULAÇÃO DE TÍTULO
AQUISITIVO DE PROPRIEDADE. DOAÇÃO FEITA A SÃO
SEBASTIÃO. PRESUNÇÃO DE DOAÇÃO FEITA À IGREJA.
LEGITIMIDADE DE PARTE. MITRA DIOCESANA COMO
REPRESENTANTE DA DIOCESE. SENTENÇA PROFERIDA EM
PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. COISA
JULGADA FORMAL. DESCABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA.
1. A doação a santo presume-se feita à igreja uma vez que, nas
declarações de vontade, atender-se-á mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (inteligência
do art. 112 do Código Civil de 2002).
2. "A Mitra Diocesana é, em face do Direito Canônico, a representante
legal de todas as igrejas católicas da respectiva diocese" (RE n. 21.802/
ES), e o bispo diocesano, o representante da diocese para os negócios
jurídicos em que se envolva (art. 393 do Código Canônico).
3. A sentença prolatada em procedimento de jurisdição voluntária
produz coisa julgada meramente formal, tornando descabida a ação
rescisória (art. 485 do CPC) para alterá-la.
4. Recurso especial desprovido.
(STJ. Resp. 1269544/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 29/05/2015) (BRASIL,
2015, s.p.).

33
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

A segunda regra trazida pelo Código Civil, para interpretação dos


negócios jurídicos, repousa no Art. 113, que diz respeito ao princípio da boa-fé
e aos usos e costumes. É importante destacar que o dispositivo sofreu alteração
recente, com a inclusão de parágrafos e incisos pela Lei nº 13.874/2019. Vejamos:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a


boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve atribuir o sentido que:
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à
celebração do negócio;
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativos
ao tipo de negócio;
III - corresponder à boa-fé;
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se
identificável; e
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre
a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da
racionalidade econômica das partes, consideradas as informações
disponíveis no momento de sua celebração.
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação,
de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos
diversas daquelas previstas em lei.

Primeira observação que você deve fazer ao ler o dispositivo é que a boa-
fé ali mencionada é a boa-fé objetiva. Ou seja, não se está tratando de questões
subjetivas, ou seja, se as partes agiram querendo uma prejudicar a outra, ou ter
algum outro tipo de vantagem indevida com o negócio. Quando se trabalha com
a boa-fé como princípio interpretativo, estamos falando de uma boa-fé geral e
objetivamente aferível. Trata-se do comportamento adequado esperado das
pessoas que estão participando daquele tipo de negócio. A boa-fé objetiva implica
os deveres de informação, de respeito de cooperação etc.

Farias e Rosenvald (2017, p. 614) explicam que:

[...] a boa-fé objetiva (cláusula geral de eticidade) há de ser a regra


principal de interpretação de todo e qualquer negócio jurídico. Assim,
o sentido e o alcance de cada cláusula contratual precisam ser definidos
de acordo com o comportamento das partes, extraindo o senso ético
mínimo que deve pautar as relações sociais e jurídicas.

A boa-fé está intrinsecamente vinculada com a ética, que deve permear


todas as relações negociais. Para que a sociedade possa funcionar, é imprescindível
a confiança e, para isso, espera-se que os demais ajam de acordo com o combinado
e dentro de determinadas expectativas, de acordo com cada negócio jurídico. Por
exemplo, se alguém compra um calçado pela internet, espera receber o par, e não
apenas um pé do calçado. Mesmo que isso não esteja expresso no anúncio, é uma
expectativa legítima da parte com base na boa-fé.

De maneira didática, Farias e Rosenvald (2017, p. 616) sintetizam algumas


regras que podem ser extraídas do Art. 113 do CC/02. Vejamos:

34
TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO

i) as palavras e expressões ambíguas devem ser interpretadas pelos


costumes locais;
ii) as expressões não compreensíveis são tidas como não escritas;
iii) o conteúdo negocial só compreende as coisas sobre as quais podem
as partes pactuar;

NOTA

Importante destacar que a inclusão dos parágrafos e incisos no dispositivo


comentado, feita em setembro de 2019, não altera significativamente o modo como a dou-
trina já vinha se posicionando sobre a interpretação do dispositivo, tendo apenas positivado
orientações interpretativas amplamente consolidadas pelos estudiosos da matéria. Nes-
se sentido, veja as orientações interpretativas defendidas por Gagliano e Pamplona Filho
(2016, p. 223-224) a partir dos ensinamentos de Pothier na análise do Código Civil francês:

a) Nas convenções, deve-se indagar mais qual foi a intenção comum


das partes contratantes do que o sentido literal das palavras (regra
subjetiva)
b) Quando uma cláusula é suscetível de dois sentidos, deve-se
interpretá-la de maneira que possa gerar algum efeito, e não de
modo que não produza qualquer efeito (princípio da conservação)
c) Quando, em um contrato, os termos são suscetíveis de dois
sentidos (ambos factíveis), deve-se interpretá-los no sentido que
mais convém à natureza do contrato.
d) Quando um contrato se mostrar ambíguo, deve ser interpretado de
acordo com o costume do lugar em que foi estipulado.
e) O uso é de tamanha autoridade na interpretação dos contratos que
se subentendem as cláusulas do uso, ainda que se não exprimissem.
f) Uma cláusula deve ser interpretada pelas outras do mesmo
instrumento [...].
g) Na dúvida, uma cláusula deve ser interpretada contra aquele que a
redigiu, notadamente se estipulou um benefício em seu favor, em
face daquele que tem contraído a obrigação [...].
h) Por mais genéricos que sejam os termos em que foi concebida
uma convenção, ela somente compreende as coisas sobre as quais
os contraentes se propuseram tratar [...].
i) Quando o objeto da convenção é uma universalidade de coisas,
compreende todas as coisas particulares que compõem aquela
universalidade, incluindo aquelas de que as partes não tiveram
conhecimento.
j) Quando, em um contrato, se menciona um caso, por causa da
dúvida que poderia haver, se a obrigação resultante do contrato
se estenderia àquele caso, a concepção é de que é meramente
exemplificativa, não se julgando, por isso, ter sido restringida a
extensão da obrigação, nos outros casos compreendidos, como se
fossem expressos.
k) Nos contratos, como testamentos, uma cláusula concebida no
plural se distribui, muitas vezes, em muitas cláusulas singulares.
l) O que está no fim da frase ordinariamente se refere a toda a frase,
e não só àquilo que a precede imediatamente, contanto que esse
final concorde em gênero e número com a frase toda.

35
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Apesar de intimamente ligada à interpretação, a boa-fé não se limita a isso.


Ela também está relacionada aos interesses sociais das relações entre as partes,
tanto na fase negocial, como na execução das obrigações, em conformidade com
os usos do local (DINIZ, 2006). Sobre os usos, além de práticas comerciais que
já são consolidadas como costumes na área empresarial, pode-se citar, como
exemplo, a circunstância que deve ser interpretada com base nos usos, que é a
menção de medição de área em alqueires, pois varia, a depender da região em
que o negócio foi celebrado.

Por fim, o Código Civil de 2002 traz, no seu artigo 114, regra específica
para os negócios benéficos, nos seguintes termos: “Os negócios jurídicos benéficos
e a renúncia interpretam-se estritamente”. Como você já estudou no tópico sobre
classificação, o negócio jurídico benéfico, também referido como gratuito, é aquele
em que não há contraprestação, uma das partes recebe um benefício sem dar
nada em troca. Por sua vez, a renúncia é a declaração de vontade de um sujeito
no intuito de abdicar de um direito que possui.

Tendo em vista que, em ambos os casos, negócios benéficos e renúncia, o


sujeito que faz a declaração estará fazendo isso sem receber nada em troca, a sua
declaração não pode jamais ser lida de forma ampliativa. Se Fulano declara que
doará um sofá a Sicrano, tal declaração não pode ser entendida no sentido de que
Fulano doará um jogo de sofá para Sicrano, pois isso destoaria de sua verdadeira
intenção, podendo, inclusive, causar prejuízo. Do mesmo modo, se Beltrano
declara que renuncia à herança que teria direito em razão do falecimento de seu
pai, essa declaração não pode ser interpretada no sentido de que ele renuncia
também à herança que teria direito em razão da morte de sua mãe.

Resumindo: nessas situações, portanto, “o juiz não poderá dar, a esses


atos negociais, interpretação ampliativa, devendo limitar-se, unicamente, aos
contornos traçados pelos contraentes, vedada a interpretação com dados alheios
ao seu texto” (DINIZ, 2006, p. 439).

Importante observar que o STJ já entendeu que, para a aplicação do


artigo que você está estudando, não é necessário que esteja explícita a menção à
renúncia, conforme se extrai do julgado que tem a seguinte ementa:

CIVIL. RENÚNCIA. INTERPRETAÇÃO ESTRITA. CÓDIGO CIVIL,


ART. 114.
A interpretação estrita prevista no art. 114 do Código Civil pode
identificar a renúncia, ainda que a comunicação de vontade não
utilize esse vocábulo; a manifestação de vontade incompatível com o
exercício do direito importa em renúncia.
Requerendo que a permissão de transporte público, que lhe havia sido
deferida, fosse assegurada "tão-somente" a outras permissionárias, a
empresa autora renunciou, de fato, ao serviço que, até então, estava
autorizada a prestar.
Recurso especial conhecido, mas desprovido.
(STJ. REsp 1264112/PR, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 29/11/2013) (BRASIL, 2013, s.p.).

36
TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO

ATENCAO

Lembre-se: assim como a interpretação de qualquer outra norma do nosso


ordenamento:

a interpretação do negócio jurídico pode ser: declarativa, se tiver por


escopo expressar a intenção dos interessados; integrativa, se pretender
preencher lacunas contidas no negócio, por meio de normas
supletivas, costumes etc.; e construtiva, se objetivar reconstruir o ato
negocial com o intuito de salvá-lo (DINIZ, 2006, p. 438).

Você estudou, neste tópico, as orientações para a interpretação dos


negócios jurídicos, trabalho que é fundamental para que a sociedade funcione
adequadamente, uma vez que são os negócios jurídicos os principais responsáveis
pela circulação de riqueza e pela criação de laços jurídicos entre sujeitos.

2.4 OS PLANOS DO NEGÓCIO JURÍDICO: EXISTÊNCIA,


VALIDADE E EFICÁCIA
A fim de encerrar este tópico sobre os aspectos gerais dos negócios
jurídicos, você estudará a estrutura lógico-normativa, a partir da qual eles são
analisados para que se possa afirmar, ao fim, se as obrigações negociadas são
válidas e exigíveis. Neste item, você aprenderá a estrutura geral e, nos próximos
tópicos, além da Unidade 2, aprofundará os estudos em cada um dos planos da
estrutura do negócio jurídico.

No Brasil, o estudo do negócio jurídico, pela maior parte da doutrina, é


feito a partir da teoria criada por Pontes de Miranda, um dos maiores juristas da
história do país. Conforme explica Tartuce (2016), Pontes de Miranda concebeu
uma estrutura para explicar os elementos essenciais, naturais e acidentais do
negócio jurídico. Essa estrutura é a chamada Escada Ponteana ou Escada Pontiana,
segundo a qual o negócio jurídico tem três planos: a) plano de existência; b) plano
de validade; e c) plano de eficácia.

Essa escada pode ser traduzida a seguir:

37
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

QUADRO 1 – PLANOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

PLANO DE EFICÁCIA

PLANO DE VALIDADE • Fatores de eficácia


(nem sempre são
PLANO DE EXISTÊNCIA • Requisitos de validade: necessários):
ᵒ agente capaz ᵒ condição
• Pressupostos: ᵒ objeto lícito, possível, ᵒ termo
ᵒ manifestação de vontade determinado ou ᵒ encargo
ᵒ agende emissor da determinável ᵒ outros
vontade ᵒ forma prescrita ou não * se existentes e não
ᵒ objeto defesa em lei foram observados
ᵒ forma ᵒ manifestação de vontade  o negócio é ineficaz
* se não forem observados  livre e de boa-fé
o negócio é inexistente *se não forem preenchidos
 o negócio é inválido
(nulo ou anulável)

FONTE: O autor

Tartuce (2016, p. 229) ainda observa que “o esquema é perfeitamente


lógico, eis que, em regra, para que se verifiquem os elementos de validade, é
preciso que o negócio seja existente. Para que o negócio seja eficaz, deve ser
existente e válido”. Perceba que os planos, portanto, têm um encadeamento
lógico, e o desrespeito, a ausência a qualquer pressuposto ou requisito implica
em uma consequência jurídica.

No caso do plano de existência que, como será visto com mais detalhes
no próximo tópico, é um pressuposto lógico para a análise dos demais planos,
caso não seja verificado algum dos seus pressupostos, diremos que o negócio é
inexistente. Ou seja: simplesmente não há negócio jurídico, razão pela qual não
é possível chegar a analisar os demais planos. Por outro lado, verificado que o
negócio existe, pode ser que ele não esteja de acordo com o que o ordenamento
jurídico prevê como necessário para que seja tutelado, razão pela qual poderemos
estar diante de um negócio inválido.

As invalidades, como você também estudará na próxima unidade, são as


sanções jurídicas previstas para o descumprimento de certas normas. Por fim,
em que pese a maior parte dos negócios, pode ser que as partes prevejam alguns
elementos que afetam a eficácia. Assim, a depender do tipo de elemento incluído
pelas partes, como veremos também nas próximas unidades, o negócio poderá
ser ou se tornar ineficaz.

38
TÓPICO 2 — NEGÓCIO JURÍDICO

ATENCAO

Apesar da lógica da Escada Ponteana, Tartuce (2016, p. 229, itálico no original)


adverte que “é perfeitamente possível que o negócio jurídico seja existente, inválido e eficaz,
caso de um negócio jurídico anulável que esteja gerando efeitos. Ilustrando, pode ser citado
o casamento anulável celebrado de boa-fé, que gera efeitos como casamento putativo (art.
1.561 do CC)”.

Portanto, a estrutura do negócio jurídico é composta pelos três planos


descritos que, nas palavras de Farias e Rosenvald (2017, p. 618-619, itálico no
original), podem ser assim resumidamente descritos:

i) plano de existência, relativo ao ser, isto é, à estruturação, de acordo


com a presença de elementos básicos, fundamentais, para que
possa ser admitido, considerado;
ii) plano de validade, dizendo respeito à aptidão do negócio frente ao
ordenamento jurídico para produzir efeitos concretos;
iii) plano de eficácia, tendo pertinência com a sua capacidade de produzir,
desde logo, efeitos jurídicos, ou ficar submetido a determinados
elementos acidentais, que podem conter ou liberar tal eficácia.

Agora que você já compreendeu o que são negócios jurídicos, os princípios


aos quais a sua interpretação está subordinada, como se interpretam e a estrutura
básica, é hora de passar ao aprofundamento do que compõe cada degrau dessa
escada, que corresponde a sua formação.

DICAS

Contratos e a MP da liberdade econômica

[...]
O § 1º [do Art. 113 do CC/02] e seus incisos estão alinhados com a Análise Econômica do
Direito. Já no inciso I, desloca-se a intepretação do contrato para a fase posterior a de sua
negociação, dando-se mais importância para o que as partes praticaram na execução do
contrato. Tal circunstância reforça a necessidade de customização do instrumento, com
base no que as pessoas diretamente envolvidas na operação irão efetivamente praticar.
Ponto para o trabalho humano do advogado contratualista, que, arrisco dizer, não deverá
ser substituído por robôs ou Inteligência Artificial.

Partindo para o inciso II, parece que se retorna a ideia que estava contida no Regulamento
737 de 1850. Os usos, costumes e práticas voltam à cena. Mas, há uma crítica importante:
como será feita prova quanto a esses pontos? Isso não ficou claro. Será necessária, assim,
uma construção doutrinária e jurisprudencial sobre a questão, ou, talvez, de uma estipula-

39
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

ção contratual expressa. Melhor teria sido regular os meios de prova, admitindo, e.g., a prova
oral. Essa matéria foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 877.074 – RJ.
Quem ler o acórdão verá a controvérsia, e, certamente, concordará que os usos e costumes
mereciam o tratamento probatório devido.

No inciso III, que trata da boa-fé, não há novidade. A grande inovação está no inciso IV que
traz o contra proferentem para o nosso direito contratual. O qual consiste na interpretação
mais benéfica para quem não redigiu o instrumento. Tal dispositivo, contudo, ficou gené-
rico. No direito anglo-saxão, essa doutrina costuma ser aplicada – de forma excepcional
– em contratos de adesão. Isso tem uma lógica econômica resultante da massificação dos
contratos em formato de modelos (Farnsworth, “Contracts”, Aspen, §7.11, p. 459 e 460). A Lei,
portanto, deveria ter feito essa distinção. Como ela não fez, essa será mais uma questão
que ficará ao cargo da doutrina e jurisprudência. Esse ponto, por razões óbvias, não poderá
ser regulado por uma cláusula contratual. Ora, o redator do instrumento porá uma cláusula
sobre o contra proferentem? Seria um contrassenso total!

Passando ao inciso V, ele apresenta “razoável negociação das partes”, que seria inferida das
“demais disposições do negócio” (e não do contrato) “e da racionalidade econômica das
partes”, considerando “o momento da celebração”. Ficou vago. Apesar de tentar apresentar
a necessidade de uma avaliação com base na realidade negocial, econômica e comercial,
a redação acabou truncada, abrindo margem para interpretações dúbias. Para evitar isso, o
inciso terá de ser visto apenas como um reforço – ou um simples colorido – para a Análise
Econômica do Direito. Por fim, o § 2º reafirma, uma vez mais, a liberdade de contratar [...].

A íntegra você pode acessar em: https://www.conjur.com.br/2019-set-01/leonardo-corre-


a-contratos-mp-liberdade-economica.

40
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os negócios jurídicos são declarações de vontade que visam regular relações


privadas, mas que devem estar de acordo com o ordenamento jurídico.

• Os negócios jurídicos, apesar de pautados na autonomia privada, são limitados


por princípios constitucionais.

• Os negócios jurídicos podem ser classificados de várias formas. Classificações


estas que não são exaustivas nem excludentes, e que servem para identificação
adequada da regulação de cada tipo de negócio.

• A interpretação dos negócios jurídicos deve observar a real intenção das partes,
a boa-fé e os usos do lugar da celebração.

• A interpretação dos negócios benéficos deve ser feita de forma restritiva.

• O estudo do negócio jurídico é feito a partir dos seus elementos de existência,


validade e eficácia.

41
AUTOATIVIDADE

1 Os negócios jurídicos são declarações de vontade emitidas no exercício da


autonomia privada e em consonância com o ordenamento jurídico. Eles
podem versar sobre os mais diversos assuntos e assumir as mais variadas
formas, razão pela qual a doutrina os classifica, facilitando a identificação
dos tipos e, consequentemente, a adequada aplicação das normas jurídicas.
Sobre a classificação dos negócios jurídicos, classifique as assertivas a seguir
em V, se verdadeiras e F, se falsas:

( ) Os negócios jurídicos gratuitos são aqueles em que alguém tem um


benefício sem ter que dar nada em troca.
( ) Os negócios jurídicos mortis causa são aqueles em que os efeitos só vão se
iniciar após a morte de uma das partes.
( ) Os negócios jurídicos plurilaterais são aqueles em que existem duas
manifestações de vontade em sentido antagônico, mas complementares.
( ) Os negócios jurídicos extrapatrimoniais são aqueles que podem tanto ser
onerosos como gratuitos, a depender da vontade das partes.
( ) Os negócios jurídicos formais são aqueles em que a lei exige algum tipo de
formalidade para que eles sejam considerados válidos.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – F – V – V.
b) ( ) V – V – F – F – V.
c) ( ) V – V – V – F – F.
d) ( ) F – F – V – V – V.

2 Os negócios jurídicos são atos realizados por sujeitos para regular os seus
interesses privados. Entretanto, é possível que, em alguns casos, existam
problemas de comunicação, sendo necessária a interpretação do negócio
jurídico por um terceiro, para dirimir eventual litígio. Imagine a seguinte
situação: Pedro compra um terreno de Joana. No contrato, consta que o
terreno tem as seguintes medidas: 22 m² de frente, 18 m² de fundos, 36
m² na lateral oeste e 44 m² na lateral leste. Após tomar posse do terreno,
Pedro percebe que as laterais do imóvel não correspondem às medidas
indicadas no contrato. Procura, então, Joana, que lhe diz que as medidas
estão certas, pois elas foram feitas levando em consideração os aclives
e declives do imóvel, e não a linha reta. Pedro, indignado, procura o
judiciário, pois entende que foi lesado, já que imaginava que as medidas
do terreno estavam considerando uma linha reta, como é usual. Com base
nessa situação, reflita sobre as orientações para interpretação do negócio
jurídico e disserte sobre quais seriam as possíveis formas de interpretação
desse contrato pelo magistrado que ficasse responsável pela demanda, de
acordo com o estudado até o momento.

42
TÓPICO 3 —
UNIDADE 1

ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO


NEGÓCIO JURÍDICO

FIGURA 3 – CONTRATO

FONTE: https://unsplash.com/photos/GJao3ZTX9gU. Acesso em 13 jul. 2020.

1 INTRODUÇÃO
Após a compreensão geral da estrutura do negócio jurídico, agora, você
estudará os elementos necessários para que se reconheça um negócio jurídico
como existente: a presença de uma manifestação de vontade, um agente, um
objeto e a forma. Na sequência, você explorará os requisitos legais para que o
negócio existente seja também reputado como válido, ou seja, que a manifestação
da vontade seja livre e de boa-fé, que o agente seja capaz, que o objeto seja lícito,
possível, determinado ou determinável, e que a forma seja a prescrita ou não
esteja defesa em lei.

2 ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO


JURÍDICO
O primeiro plano de análise dos negócios jurídicos é o plano de existência.
Importante observar que os elementos de existência não estão expressamente
previstos no Código Civil. Todavia, como já estudado por você no tópico anterior,
o plano de existência se configura como um pressuposto lógico para que, depois,
possam ser feitas as análises de validade e eficácia. Ora, se um negócio não
existe, não há como dizer que ele vale. Assim, os elementos de existência serão os
aspectos estruturais fundadores do negócio jurídico.
43
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Nesse sentido, advertem Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 367), que


“um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado
como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos”. Apesar de alguns autores já
não fazerem um estudo do plano, ele ainda se mostra como essencial e importante
para a maior parte da doutrina civilista.

Farias e Rosenvald (2017, p. 619) explicam que “no plano de existência,


não se discute a validade ou invalidade do negócio e, tampouco, a sua eficácia.
Nesse plano, analisa-se o ser, isto é, o preenchimento das condições mínimas
para que existam efeitos”. Portanto, neste momento, você ainda não fará juízos
de valor sobre os elementos estudados. É irrelevante, para a existência do negócio
jurídico, se ele é lícito ou ilícito, se quem o fez era capaz ou incapaz. Por exemplo:
a compra/venda de uma porção de substância entorpecente é um negócio jurídico
existente, porém, inválido; a compra/venda de um imóvel por contrato verbal é
existente, porém, inválida; a contratação de serviços de um adolescente de doze
anos é existente, porém, inválida. Em todos esses exemplos, estão presentes
os elementos que você estudará a seguir. Assim, são todos negócios jurídicos
existentes. O problema encontrado diz respeito ao segundo degrau da escada, o
plano da validade, que será objeto de estudo do próximo tópico.

Enfim, os elementos que constituem o negócio jurídico, ou seja, que são o


mínimo necessário para que ele seja existente, e que você poderá estudar melhor
na sequência, conforme nomenclatura utilizada por Gagliano e Pamplona Filho
(2015), são:

• Manifestação da vontade
• Agente emissor da vontade
• Objeto
• Forma

Esses elementos são gerais, válidos para todos os negócios jurídicos.


Entretanto, negócios específicos, como alguns contratos, para que possam ser
considerados existentes, demandam a existência de outros elementos, chamados
de particulares ou categoriais. É o caso do contrato de compra e venda que,
além dos elementos de existência que você estudará na sequência, depende da
pactuação de um preço para que possa ser considerado existente.

2.1 MANIFESTAÇÃO DA VONTADE


O primeiro e mais importante elemento para que você possa considerar
um negócio jurídico existente é a manifestação da vontade. Como você já estudou,
o negócio jurídico é declaração de vontade. Logo, inexistente negócio jurídico
sem esse elemento. Azevedo (2017, p. 17) explica que:

44
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

o negócio jurídico [...] não é um simples fato, no qual a norma jurídica


leva em consideração a existência da vontade (um ato); ele é mais do
que isso; ele é uma declaração de vontade, isto é, uma manifestação de
vontade cercada de certas circunstâncias, as circunstâncias negociais,
que fazem com que ela seja vista socialmente como destinada a produzir
efeitos jurídicos. O negócio jurídico não é, por outras palavras, uma
simples manifestação de vontade, mas uma manifestação de vontade
qualificada, ou uma declaração de vontade.

Gagliano e Pamplona Filho (2015), por sua vez, tratam da manifestação


e a declaração da vontade como sinônimas, posto que, para fins práticos, não
é relevante a diferenciação minuciosa efetuada por Junqueira de Azevedo. A
manifestação poderá ser expressa ou tácita.

De acordo com Gonçalves (2020), a manifestação da vontade expressa é


a que se realiza por meio da palavra, falada ou escrita, e de gestos, sinais ou
mímicas, de modo explícito, possibilitando o conhecimento imediato da intenção
do agente. É expressa a manifestação de vontade quando consubstanciada na
assinatura de um contrato, na aceitação verbal ou, até mesmo, na confirmação por
meio de gestos (por exemplo, se o garçom pergunta se você gostaria de mais uma
garrafa de água mineral e você, por estar comendo, em vez de vocalizar o sim, faz
o sinal de positivo com a mão, assim, houve manifestação expressa no sentido de
declarar a sua vontade de comprar mais uma água mineral).

Por outro lado, tácita é a declaração da vontade que se revela pelo


comportamento do agente. Pode-se, com efeito, comumente, deduzir, da conduta
da pessoa, a sua intenção (GANÇALVES, 2020). Por exemplo, se, sabendo da
cobrança, você come os pães trazidos como couvert no restaurante, tacitamente,
você está manifestando a sua vontade de adquiri-los.

É importante observar que, conforme leciona Azevedo (2017, p. 82):

[...] a vontade não é elemento do negócio jurídico; o negócio é somente


a declaração de vontade. Cronologicamente, ele surge, nasce por
ocasião da declaração; sua existência começa nesse momento; todo o
processo volitivo anterior não faz parte dele; o negócio todo consiste
na declaração. Certamente, a declaração é o resultado do processo
volitivo interno, mas, ao ser proferida, ela o incorpora, absorve-o, de
forma que se pode afirmar que esse processo volitivo não é elemento
do negócio.

Ou seja, não se pode confundir vontade com a sua declaração. Não basta
você querer algo, ter vontade de fazê-lo. Para que o negócio realmente exista, é
imprescindível que essa vontade seja externalizada, o que deve ocorrer de alguma
forma (outro elemento de existência que você estudará logo na sequência).

45
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Nesse sentido, Pereira (2011, p. 402) destaca que:

Assentado, pois, que é a vontade o pressuposto do negócio jurídico, é


imprescindível quer ela se exteriorize e se divulgue por uma emissão,
de forma a levar a deliberação interior ao mundo exterior. A vontade
interna ou real é que traz a força jurígena, mas é a sua exteriorização
pela declaração que a torna conhecida, o que permite dizer que a
produção de efeitos é um resultado da vontade, mas que esta não
basta sem a manifestação exterior.

ATENCAO

Gagliano e Pamplona Filho (2015) chamam atenção para o fato de que existem
meios que impedem, ou seja, neutralizam, totalmente, a manifestação de vontade. É o
caso da coação absoluta, que é aquela que recai sobre o corpo da vítima, quando a sua
subjetividade não corresponde à ação. Se um sequestrador, segurando o braço da vítima,
coloca o dedo dela no leitor biométrico do caixa eletrônico para efetuar o saque, podemos
dizer que a vítima agiu sob coação absoluta, posto que seu corpo estava sendo manipulado
por outra pessoa. Nesse caso, então, temos um negócio jurídico inexistente, por não haver
manifestação de vontade. Do mesmo modo, uma pessoa efetivamente hipnotizada, não
tem manifestação de vontade própria, posto que controlada por outra, razão pela qual se,
na condição, praticar algum negócio jurídico, este deve ser reputado inexistente.

2.2 RESERVA MENTAL


Quando se diz que o negócio jurídico é a declaração da vontade, e não
a vontade em si, isso tem implicações práticas relevantes, visto que existem
situações em que o sujeito pode querer uma coisa, e dizer que quer outra. É a
chamada reserva mental. Segundo Farias e Rosenvald (2017, p. 616), a reserva
mental é “caracterizada como a emissão de uma declaração não querida, não
desejada, em seu conteúdo e muito menos em seu resultado, tendo, por fito único,
enganar, iludir o destinatário (parte contrária)”.

A reserva mental está prevista no artigo 110 do Código Civil de 2002 nos
seguintes termos: “A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja
feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário
tinha conhecimento”.

O que prevalece é o que foi manifestado, e não a vontade, que ficou apenas
no íntimo do sujeito. Apenas quando a reserva mental é exteriorizada, chegando
ao conhecimento do outro contraente, é que é possível ter efeitos relevantes,
pois se a outra parte conheceu a verdadeira intenção do contratante, é esta que
prevalecerá. Se a verdadeira vontade não tinha qualquer problema para sua
validade, o negócio pode ser mantido nos termos da real intenção da parte, caso

46
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

contrário, poderemos estar diante de uma simulação (GAGLIANO; PAMPLONA


FILHO, 2015), um tipo de negócio jurídico nulo que você estudará na próxima
unidade.

Para ficar um pouco mais claro sobre do que trata o Art. 110, veja a seguinte
situação, apresentada por Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 425):

Um bom exemplo de reserva mental é quando o autor de uma obra


declara que estará fazendo uma sessão de autógrafos e que doará os
direitos autorais para uma instituição de caridade. Pouco importa
se, no íntimo, o inescrupuloso doutrinador somente queria fazer
marketing para sua produção intelectual, não pretendendo entregar
o resultado pecuniário prometido. A manifestação de vontade foi
emitida sem vício e, não tendo o destinatário conhecimento da reserva
mental, é plenamente válida.

No VII Exame Unificado da OAB, uma das questões versou exatamente


sobre isso. O enunciado descrevia a seguinte situação:

Mauro, entristecido com a fuga das cadelinhas Lila e Gopi de sua


residência, às quais dedicava grande carinho e afeição, promete uma
vultosa recompensa para quem, eventualmente, viesse a encontrá‐
las. Ocorre que, no mesmo dia em que coloca os avisos públicos da
recompensa, ao conversar privadamente com seu vizinho João, afirma
que não irá, na realidade, dar a recompensa anunciada, embora assim
o tenha prometido. Por coincidência, no dia seguinte, João encontra
as cadelinhas passeando tranquilamente em seu quintal e as devolve
imediatamente a Mauro (FGV, 2012, p.9).

A resposta da questão estava fundamentada na segunda parte do Art. 110,


pois, no caso, se fosse qualquer outra pessoa a encontrar as cadelinhas, Mauro
poderia ser compelido a pagar a recompensa. Entretanto, tendo sido João a
encontrá-las, como ele sabia a verdadeira vontade de Mauro, que era não pagar,
o que prevalece é a verdadeira vontade.

Por fim, Monteiro e Pinto (2012, p. 233) entendem que também “caracteriza
reserva mental a declaração de vontade emitida por brincadeira: se a outra parte
sabia da pilhéria, não produz efeitos jurídicos; se levou a sério o negócio jurídico,
este tem plena eficácia. E não pode ser invocada pelo próprio declarante para
anular o negócio jurídico que realizou”.

2.3 SILÊNCIO
Outra questão relacionada à manifestação da vontade é a que toca ao
silêncio. O artigo 111 do Código Civil de 2002 prevê o seguinte: “O silêncio
importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa”.

47
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Desse dispositivo, é possível perceber que o silêncio, em algumas


circunstâncias, pode ter relevância para o Direito. Entretanto, Gonçalves
(2020) adverte que em regra, não se aplica, ao Direito, o provérbio ‘quem cala
consente’. Normalmente, o silêncio nada significa, por constituir total ausência de
manifestação de vontade e, como tal, não produzir efeitos.

No mesmo sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 373) chamam


atenção para o fato de que, apesar de o silêncio, em regra, não ter relevância
jurídica, “há situações em que a abstenção do agente ganha juridicidade”.
Entretanto, essa juridicidade deve ser sempre analisada no caso concreto, não
podendo se considerar o silêncio como uma espécie de declaração de vontade
(FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Quando o silêncio puder ser reputado como manifestação de vontade,


estamos diante do que se chama de silêncio eloquente. É o que ocorre, por exemplo,
quando uma pessoa recebe uma doação e fica com ela. A não manifestação de
recusa implica em aceitação, que tem efeitos para fins de aperfeiçoamento do
contrato de doação. Do mesmo modo, a não manifestação de escusa para assumir
a tutela se considera renúncia ao direito de fazê-la.

2.4 AGENTE EMISSOR DA VONTADE


Se o elemento principal do negócio jurídico é a manifestação de vontade,
naturalmente, é necessário que exista um agente que emita essa vontade. Gagliano
e Pamplona Filho (2015, p. 374, itálicos no original) pontuam que “sem o sujeito,
não poderá se falar em ato, mas, tão somente, em fato jurídico em sentido estrito.
A participação do sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica) é indispensável
para a configuração existencial do negócio jurídico”.

Por exemplo, se um animal de estimação pega o aparelho celular de seu


dono e, ao brincar com ele, pressiona a tela, acionando o aplicativo de compras
e efetuando um comando que implica na “compra” de algum produto aleatório,
estaremos diante de um negócio juridicamente inexistente. Ainda, você já deve
ter percebido que inúmeras páginas da internet, para que se tenha acesso a um
conteúdo, exigem que você declare: “não sou um robô”. Esse tipo de dispositivo
de segurança serve, em certa medida, também, para que os sistemas verifiquem
se existe, realmente, um agente emissor da vontade ali.

48
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

2.5 OBJETO
Outro elemento essencial para que um negócio jurídico seja considerado
existente é o objeto. Azevedo (2017, p. 134) diz que “por objeto do negócio
deve-se entender todo o seu conteúdo”. Ou seja, o objeto é sobre o que se está
negociando, sobre o que recai a manifestação da vontade do agente. É a “utilidade
física ou ideal –, em razão da qual giramos interesses das partes” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 374).

O objeto deve ser também idôneo ao tipo de contrato que se pretende


celebrar. Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 374-375) explicam:

Assim, se a intenção é celebrar um contrato de mútuo, a manifestação


da vontade deverá recair sobre coisa fungível, sem a qual o negócio,
simplesmente, não se concretizará. Da mesma forma, em um contrato
de prestação de serviços, a atividade do devedor em benefício do
tomador (prestação) é o objeto da avença.

O objeto portanto, pode ser uma coisa (por exemplo, em um contrato de


compra e venda de uma cadeira, o objeto será a cadeira), uma prestação (como
no caso de se contratar um fotógrafo para trabalhar em uma festa), ou até a
constituição de uma sociedade, dentre outros.

2.6 FORMA
O último elemento está diretamente relacionado à externalização da
vontade. É a forma. Segundo Azevedo (2017, p. 126), “forma do negócio jurídico
é o meio através do qual o agente expressa a sua vontade”. Ou seja, ela é o “meio
pelo qual a declaração se exterioriza, ou, em outras palavras, o tipo de manifestação
através do qual a vontade chega ao mundo exterior (forma escrita, oral, silêncio, sinais
etc.)” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 375, itálico no original). De
maneira simples, podemos dizer que forma é como a vontade deixa o sujeito
e consegue atingir terceiros, a fim de que passe a ter relevância para o mundo
jurídico.

Ainda, Azevedo (2017, p. 126) explica que:

Não há negócio sem forma. Que haja negócio com forma prescrita em
lei e negócio com forma livre, é questão que diz respeito ao plano de
validade; aqui, porém, no plano da existência, importa é não fazer a
confusão elementar de entender que somente os negócios com forma
prescrita é que têm forma, sem se dar conta de que todos eles, inclusive
os de forma livre, hão de ter uma forma, do contrário, inexistiriam
(plano de existência).

49
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

É muito importante que você entenda essa diferenciação. Nesse momento,


enquanto estuda e analisa o plano de existência, a forma diz respeito única e
exclusivamente ao meio pelo qual a vontade se exterioriza. Se é a forma que a lei
prevê como adequada, isso será analisado quando você passar ao estudo do plano
de validade. Lembrando o exemplo anterior se Fulano vende uma fazenda para
Sicrano e eles tem por realizado o negócio “no fio do bigode” sem que tenha sido
realizado um contrato escrito, muito menos escritura pública, estamos diante de
um negócio jurídico existente. Houve forma de exteriorização da vontade: verbal
e, possivelmente, gestual (um aperto de mão, por exemplo). Por outro lado, como
você estudará ao final desta unidade, já dentro do plano de validade, este negócio,
apesar de existir, é invalido, pois não respeita a forma prescrita em lei.

Por fim, cabe trazer uma última observação que complementa este assunto.
Conforme Pereira (2011, p. 402-403):

Quando se fala em declaração de vontade, emprega-se a palavra em


sentido lato. Não é mister que o agente faça uma declaração formal,
através da palavra escrita ou falada. Basta que traduza o seu querer
por uma atitude inequívoca, seja esta efetuada através do veículo
habitual de expressão, seja por um gesto.

Portanto, a externalização da vontade pode ocorrer, para fins de existência


do negócio jurídico, de qualquer forma: oral, escrita, por gestos, através do
silêncio ou de quaisquer atos dos quais seja possível deduzir a declaração de
vontade do sujeito.

3 PRESSUPOSTOS DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO


Após verificar que um negócio jurídico é existente, você deve passar à
análise sobre a sua validade. Ou seja, se além de existir, ele pode surtir efeitos
queridos e tutelados pelo ordenamento jurídico. Pois, como no exemplo
apresentado anteriormente, em um contrato de compra e venda de substância
entorpecente, estar-se-á diante de um negócio jurídico existente, porém inválido,
já que o ordenamento jurídico não admite este tipo de negociação. Há manifestação
de vontade, agente, objeto e forma, mas agora, olhando sob a ótica da validade,
veremos que o objeto é ilícito, tornando o negócio inválido.

De acordo com Mello (2015, s.p):

[...] validade é qualificação que se atribui a atos jurídicos, inclusive


de natureza legislativa, que são conformes com o direito daquela
comunidade, especificamente, não contendo qualquer mácula que
os torne defeituosos. Sob esse aspecto é que se fala em negócio
jurídico válido ou, ao contrário, em negócio jurídico nulo ou
anulável (=inválido), bem assim em lei válida ou em lei nula, por
inconstitucionalidade, por exemplo.

50
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Ainda, é possível afirmar que validade, no que concerne a ato jurídico, é


sinônimo de perfeição, pois significa a sua plena consonância com o ordenamento
jurídico. Ou seja, é quando todos os requisitos que o ordenamento determinou ou
não proibiu estão preenchidos, não havendo que se falar em invalidades.

NOTA

Os requisitos de validade estudados neste tópico são também aplicáveis,


quando cabível, aos atos jurídicos em sentido estrito, uma vez que, por serem também
atos humanos lícitos, pressupõem que estejam de acordo com o ordenamento para que
possam surtir seus efeitos jurídicos.

Os requisitos de validade estão previstos expressamente no Código Civil


de 2002, nos seguintes termos:

I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Você consegue perceber alguma semelhança com os elementos estudados


no plano existência? Olhe com atenção as primeiras palavras de cada um dos
incisos: agente, objeto e forma! O plano de validade, pode-se dizer que é “em
verdade, de um plano de adjetivação ou qualificação jurídica, em que se analisa
a subsunção do negócio jurídico existente ao ordenamento jurídico em vigor”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 382)

Portanto, os requisitos de validade não são elementos novos. Em verdade,


neste degrau da Escada Ponteana, você irá avaliar se os elementos de existência
estão em conformidade com o ordenamento jurídico. Entretanto, não está faltando
um elemento?

A manifestação da vontade não foi elencada entre os requisitos de


validade do Art. 104 do Código Civil de 2002. Isso não quer dizer, entretanto,
que ele não vá ser adjetivado e analisado. Pelo contrário! Sendo o elemento mais
importante para a existência do negócio jurídico, ele também merece especial
atenção quando do estudo do plano de validade. Sua complementação, como
você pode ver a seguir, é extremamente importante. A manifestação da vontade,
para que o negócio jurídico seja reputado como válido, deve ser livre e de boa-
fé. Em caso de desrespeito a estes requisitos, teremos os vícios (ou defeitos) dos
negócios jurídicos, que poderão maculá-los a ponto de o tornarem inválidos
(nulos ou anuláveis, como será estudado na próxima unidade).

51
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

QUADRO 2 – DO PLANO DE EXISTÊNCIA AO DE VALIDADE

PLANO DE EXISTÊNCIA  PLANO DE VALIDADE


Manifestação da vontade  Livre e de boa-fé
Agente  Capaz
Objeto  Lícito, possível, determinado ou
determinável
Forma  Prescrita ou não defesa em lei
FONTE: O autor

TUROS
ESTUDOS FU

Na Unidade 2, você estudará as invalidades (causas de nulidade ou


anulabilidade) causadas pela violação dos requisitos de validade previstos no Art. 104 do
Código Civil de 2002, bem como os defeitos dos negócios jurídicos (erro, dolo, coação,
estado de perigo, lesão e fraude contra credores) que são violações da liberdade de da boa-
fé na realização dos negócios jurídicos.

Por fim, é importante saber que há críticas relevantes da doutrina pelo


fato de o legislador ter incluído expressamente no Código Civil de 2002 como
requisitos de validade apenas aqueles elencados no Art. 104. Nesse sentido, é
esclarecedora a análise de Mello (2015, s.p):

Essa enumeração legal, como se vê, é insuficiente, incompleta, porque


não menciona todas as causas que acarretam a invalidade de atos
jurídicos, deixando de referir-se, explicitamente, à moralidade do
objeto (Código Civil, art. 122, primeira parte) e à incompatibilidade
com a norma jurídica cogente (Código Civil, art. 166, VI), como
também à inexistência de deficiências em elementos do suporte
fático dos atos jurídicos, dentre as quais se incluem os vícios que
afetam a higidez da manifestação da vontade e outros de feitos que
comprometem a perfeição e causam a invalidade por anulabilidade,
do ato jurídico (Código Civil, art. 171), bem assim a falta de anuência
de outras pessoas que, em certas situações, é exigida.

Compreendidos esses aspectos gerais, agora, você poderá estudar cada


um dos elementos elencados com maior profundidade.

52
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

3.1 AGENTE CAPAZ


O primeiro elemento elencado pelo Código Civil como requisito de
validade é o agente capaz. Considerando que a existência de um agente já deve
ter sido observada quando se vai analisar se o negócio jurídico é existente ou não,
o grande ponto sobre o qual você deverá se debruçar agora, no plano de validade,
é sobre a questão da capacidade.

De acordo com Gonçalves (2020, s.p):

A capacidade do agente (condição subjetiva) é a aptidão para intervir


em negócios jurídicos como declarante ou declaratório. Trata-se da
capacidade de fato ou de exercício, necessária para que uma pessoa
possa exercer, por si só, os atos da vida civil.

Ou seja, considerando que o negócio jurídico é manifestação da vontade,


a capacidade de exprimir essa vontade relevante para o direito, uma vontade
que realmente corresponda ao que o agente pretende com aquele negócio, é
imprescindível.

ATENCAO

Lembre-se de que, conforme o Código Civil (2002, s.p.):

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos


da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os
exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.

A incapacidade deve ser analisada com relação ao momento da realização


do negócio jurídico. Se Fulano, com 16 (dezesseis) anos, faz um contrato sem a
assistência de seus genitores, quando ele completar 18 (dezoito) anos o contrato
continuará inválido, a não ser que ele o ratifique, ou seja, confirme a manifestação
da vontade que fez quando era relativamente incapaz. Do mesmo modo, se
Sicrano, plenamente capaz, efetua um contrato de empréstimo bancário hoje
e, daqui a três meses, em razão de um acidente grave, tem que ser interditado,
tornando-se relativamente incapaz, o contrato, vez que feito no momento que ele
era capaz, continuará completamente válido.

53
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

Enfim, para que o negócio seja válido, “[...] o agente deve ser capaz,
respeitadas as hipóteses de absoluta e relativa incapacidade traçadas pelos Arts.
3º e 4º da Codificação (com a redação emprestada pelo Estatuto da Pessoa com
Deficiência), sob pena de nulidade ou anulabilidade, respectivamente” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 622).

No que toca às pessoas jurídicas, para caracterizar a plena capacidade,


conforme Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 388), exige-se “o necessário
registro de seus atos constitutivos” para a prática de atos e celebração de negócios
jurídicos.

Você deve ficar atento para o fato de que existem situações em que uma
pessoa, mesmo plenamente capaz, nos termos dos artigos 3º e 4º do Código
Civil, está impedida ou tem restrições para a prática de determinados atos
jurídicos. Estas restrições são chamadas pela doutrina de capacidade especial ou
legitimação ou legitimidade. Grande parte dos autores, porém, evita usar este
último termo, para que não haja confusão com a legitimidade postulatória, do
direito processual, por exemplo. Mas afinal, você deve estar se perguntando, o
que é essa legitimação? Mello (2015, s.p) explica que:

[...] a legitimação consiste em uma posição do sujeito, capaz ou


não, relativamente ao objeto do direito, que se traduz, em geral, na
titularidade do direito, posição esta que tem como conteúdo o poder
de disposição, bem assim o poder de aquisição e o de contrair dívidas.
Excepcionalmente, a legitimação pode decorrer de atribuição do
sistema jurídico a terceiro que não seja o titular do direito.

Ou seja, é quando a lei impõe mais requisitos que a mera capacidade civil
para que o sujeito possa efetuar certos negócios jurídicos. Isso é o que ocorre, por
exemplo, com a pessoa casada que pretende alienar um imóvel. Neste caso será
necessária, para a plena validade do ato, a outorga do cônjuge, sob pena de futura
anulação do negócio. No mesmo sentido é a explicação de Farias e Rosenvald
(2017, p. 622):

[...] por vezes, poderá a lei exigir, além da capacidade geral, determinado
requisito concreto, denominado doutrinariamente capacidade específica
ou legitimação, da qual é exemplo elucidativo a outorga do cônjuge
para a alienação de bens imóveis por pessoas casadas, exceto se o
regime do casamento for a separação de bens (CC, art. 1.647).

Outro exemplo que pode ser citado é o caso de venda de ascendente para
descendente que, se for feita sem anuência do cônjuge e dos demais herdeiros,
também será passível de anulação.

Além das situações em que é necessária a capacidade especial, existem


outros casos em que há impedimento absoluto para realização de alguns negócios
jurídicos. Isso ocorre, por exemplo, com as vedações de compra de bens do pupilo
pelo seu tutor, do leiloeiro de bens que ele mesmo é responsável por leiloar, de
casamento entre irmãos, entre outros elencados por todo o ordenamento, em

54
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

geral em razão de uma tutela da probidade, a fim de evitar prevalecimento de


determinadas situações, ou então por questões de costumes e preceitos morais
da Sociedade.

Disso tudo, é possível perceber que a noção de agente capaz vai muito
além da mera capacidade civil alcançada com o advento da maioridade ou com
a emancipação. Por vezes, outros fatores deverão ser observados para que se
possa dizer, com certeza, se o agente era capaz e, consequentemente, se o negócio
jurídico era válido.

Quando o negócio feito por relativamente incapaz, o legislador previu


regra que dispõe que essa incapacidade não poderá ser invocada por outra
parte em benefício próprio. De acordo com o artigo 105 do Código Civil: “A
incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra em
benefício próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste caso,
for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum”.

As pessoas relativamente incapazes são assistidas nos negócios


jurídicos pelas pessoas que a lei indica. A incapacidade é exceção
pessoal; só pode ser formulada pelo próprio incapaz ou pelo seu
representante legal. Essa defesa não pode ser invocada em proveito
próprio pelo interessado capaz, nem aproveita aos cointeressados
capazes, a menos que ocorram as ressalvas legais, insto é, for
indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum (MONTEIRO;
PINTO, 2012, p. 230-231).

Em outras palavras, se Fulano, capaz, faz um negócio com Beltrano,


relativamente incapaz sem a assistência de seus representantes, não pode
Fulano ingressar com ação de anulação do negócio jurídico sob o argumento
de que Beltrano era menor e, portanto, o negócio é inválido. Só quem terá essa
legitimidade será Beltrano, ou com a assistência de seus representantes, ou no dia
em que se tornar capaz. A segunda parte do dispositivo diz respeito a situação em
que o incapaz fez negócio junto com outras pessoas, estas capazes (por exemplo,
uma compra coletiva, ou então um contrato para um trabalho em grupo).

Nesses casos, não poderão um dos compradores capazes ajuizar ação de


anulação do negócio jurídico sob o argumento de que outro dos compradores
era incapaz, a não ser que o objeto do contrato ou da obrigação comum seja
indivisível.

Por fim, antes de passar ao estudo dos dispositivos sobre representação, é


importante lembrar que enquanto os absolutamente incapazes são representados,
os relativamente incapazes são assistidos pelas pessoas que a lei determinar. Ou
seja, não se pode dizer que é absolutamente vedado aos incapazes a realização
do negócio jurídico, entretanto, para que não haja problema de validade, a
manifestação de vontade deve ser feita por um representante (no caso do
absolutamente incapaz) ou então vigiada, fiscalizada, ratificada, pelo assistente,
no caso dos relativamente incapazes. Assim, pode uma criança ser parte em um

55
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

contrato, desde que a manifestação de vontade de efetuar este contrato seja feita
por seus representantes. Do mesmo modo, pode um adolescente relativamente
incapaz locar um imóvel, desde que assistido por seus genitores.

3.2 REPRESENTAÇÃO
O Código Civil, nos Arts. 115 a 120, trata da representação. Nesses
dispositivos, o legislador cuidou de temas relacionados tanto à representação
legal, como à representação convencional. Este é o primeiro ponto que deve ficar
claro para você aqui.

Lembre-se que representação “é a relação jurídica pela qual determinada


pessoa se obriga diretamente perante terceiro, mediante ato praticado em
seu nome por um representante ou intermediário; os direitos podem ser
adquiridos, efetivamente, pelo próprio agente, ou por terceiro que o represente”
(MONTEIRO; PINTO, 2012, p. 235). O Art. 115 do CC/02, dispõe que: “Os poderes
de representação conferem-se por lei ou pelo interessado”.

Representantes legais são aqueles cujos poderes são conferidos pela lei
para zelar pelos interesses dos incapazes. É o caso dos pais, com relação aos seus
filhos menores, dos tutores, com relação aos pupilos, e dos curadores, na sua
relação com os curatelados. Por sua vez, os representantes convencionais são
aqueles cujos poderes são transferidos pelos próprios interessados, pessoas que
devem ser capazes, sob pena de invalidade. Nas palavras de Farias e Rosenvald
(2017, p. 624):

[...] convém diferençar a representação legal (também dita


representação necessária) e a voluntária (ou privada, como preferem
alguns). Aquela (a representação legal) corresponde ao poder conferido
por lei, de agir em nome de outrem, de um incapaz. É o caso dos pais,
tutores e curadores. Esta (a representação voluntária), quando o poder
de atuação em nome de outra pessoa é concedido por ato do próprio
interessado, da própria pessoa cujos interesses estarão em pauta.

Simplificando: representação legal se refere à representação de incapazes


e representação convencional é a representação de pessoas capazes, por outra
pessoa, normalmente escolhida pela própria representada. É possível, porém,
que um absolutamente incapaz, devidamente representado, constitua um
representante convencional. É o que ocorre, por exemplo, quando da contratação
de advogado para execução de alimentos para uma criança pois, apesar de
o advogado ser representante da criança, ele é escolhido e contratado pelo
representante legal dela, e não diretamente pela criança.

A representação convencional é normalmente exercida por meio do


contrato de mandato, previsto nos Arts. 653 a 692 do Código Civil de 2002 e seus
poderes são comprovados através da apresentação de uma procuração. Por sua
vez, a representação legal se comprova ou pelos documentos que demonstram

56
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

o vínculo familiar, no caso dos pais, ou por meio de termo expedido pelo juiz
quando da nomeação do representante (tutor ou curador). O artigo 120 do
Código Civil prevê que: “Os requisitos e os efeitos da representação legal são os
estabelecidos nas normas respectivas; os da representação voluntária são os da
Parte Especial deste Código”.

NOTA

Para compreender melhor os dispositivos que tratam sobre a representação na


parte geral do Código Civil, é importante entender um pouco melhor os seguintes termos:

• Representação: “é a atuação de uma pessoa na gestão dos interesses de outrem. [...] a


representação consiste em verdadeira substituição da exteriorização da vontade” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 627).
• Mandato: “é um contrato [...], por intermédio do qual alguém se incumbe de praticar
negócios no interesse de outrem. Enfim, é negócio jurídico pelo qual uma pessoa incumbe
outra de realizar uma determinada atividade, em seu nome” (FARIAS; ROSENVALD, 2017,
p. 627).
• Procuração: É o instrumento do mandado. É “o meio pelo qual são conferidos poderes
para um representante voluntário, inclusive no contrato de mandato. É o ato que
consubstancia a concessão de poderes a outrem, seja por força de mandato, ou não”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 629).
• Substabelecimento: é “a transferência de poderes do outorgado para terceiros com
escopo de que este atue na consecução das atividades-objeto do negócio jurídico”
(FARIAS; ROSENVALD, 2018, p. 998).

Caso queira se aprofundar no tema, o ideal é que busque maiores informações nos volumes
de Direito dos Contratos, das coletâneas de cursos de Direito Civil, na parte em que tratam
do contrato de mandato.

Outro aspecto fundamental de se ter claro sobre a representação, é o fato


de que ela vincula o representado. O representante age no lugar do representado,
adquirindo direitos e contraindo obrigações para o representado. Entretanto, para
que esse efeito seja válido, o representante tem que agir de acordo com os poderes
que possui. Nesse sentido é o que está disposto no artigo 116 do Código Civil de
2002: “A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes,
produz efeitos em relação ao representado”. Conclui-se, então, que o representante
não pode fazer toda e qualquer coisa em nome do representado e este ficar vinculado.
O representante tem que agir conforme os poderes que lhe foram conferidos, seja
pela lei, ou por meio do contrato, no caso da representação convencional.

No caso da representação legal, normalmente a lei vai prever os atos que


os representantes não podem fazer em nome dos representados sem a autorização
judicial. Por exemplo, tutores e curadores não podem vender bens dos tutelados
ou curatelados sem autorização judicial. Mas mesmo os outros atos, que não estão

57
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

expressamente previstos, devem sempre estar de acordo com os interesses da


pessoa que está sendo representada, pois mesmo que ela não tenha capacidade
de expressar a vontade de maneira vinculante, é sempre uma pessoa natural cujos
interesses, inclusive objetivamente aferíveis, devem ser respeitados.

Por outro lado, no caso da representação convencional, os poderes serão,


em regra, os acordados pelas partes ou previstos como genéricos nas disposições
do contrato de mandato. Entretanto, o representado poderá conceder poderes
especiais, permitindo que o representante faça negócios complexos e onerosos,
como a venda de um imóvel, ou até o casamento. Sim! O casamento é um negócio
jurídico que pode ser feito por procuração. Imagine que Sicrana, que está com o
casamento marcado com Fulano, recebe uma proposta de emprego no exterior
a qual deve assumir imediatamente, sob pena de perder a vaga. Sicrana poderá
deixar uma procuração para uma pessoa de sua confiança, Beltrana, para que, em
seu lugar, case com Fulano. O casamento será válido e os efeitos vincularão Sicrana
e Fulano. Beltrana apenas representou a noiva no ato. Assim como o casamento,
quase todos os negócios jurídicos podem ser feitos por meio de representantes, a
exceção dos personalíssimos, como é o caso do testamento.

Pois bem. Compreendido o funcionamento da representação, deve-se


ficar atento que o Código Civil veda a realização do contrato consigo mesmo,
ou também chamado de autocontrato. Mas o que seria isso? Imagine a seguinte
situação: Fulano quer vender seu apartamento, mas precisa mudar imediatamente
para outro Estado. Antes da mudança, então, Fulano constitui Beltrano como seu
representante com poderes para que conclua a venda do apartamento. Beltrano
resolve ele mesmo comprar o apartamento de Fulano. Neste caso, como Beltrano
representa Fulano, ele fará um contrato com ele mesmo, figurando tanto como
comprador como como vendedor.

O negócio consigo mesmo ocorre, portanto, quando “uma única pessoa


(que já atua em nome de outra, por força de representação) expressa, a um só
tempo, a vontade em ambos os polos da relação” (FARIAS; ROSENVALD, 2017,
p. 630). Sobre este tipo de situação, o Código Civil prevê que:

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o


negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de
outrem, celebrar consigo mesmo.
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo
representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes
houverem sido subestabelecidos.
Ou seja, se não tiver sido expressamente autorizado pelo representado,
este tipo de negócio é inválido, sendo passível de anulação pelo
representado que se sentir prejudicado. Ou seja,
[...] o contrato consigo mesmo, enquanto manifestação de uma
representação, em uma interpretação a contrario sensu do dispositivo
legal, é aceitável, desde que permitida legalmente para a modalidade
contratual adotada ou, omissa a norma legal, se houver livre
manifestação de vontade do representado, única acepção possível
de se interpretar a menção a ‘permitir... o interessado’ (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 391, itálico no original)

58
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

O parágrafo único do dispositivo citado proíbe também que se tente


fraudar a lei por meio de um substabelecimento. Se no exemplo apresentado
anteriormente, para não caracterizar o autocontrato, Beltrano passar os poderes
conferidos por Fulano para Sicrano, por meio de um substabelecimento, para
que no contrato ele, Beltrano, apareça como comprador e, Sicrano, representando
Fulano, apareça como comprador, também estaremos diante de uma situação
inválida, pois os poderes só chegaram a Sicrano porque anteriormente conferidos
a Beltrano. A ideia por trás do dispositivo é tutelar a probidade e a confiança entre
as partes, de forma a evitar que os representantes se prevaleçam de sua condição
prejudicando a adequada representação dos interesses do representado.

NOTA

O substabelecimento só pode ser feito quando a representação é convencional.


Os representantes legais jamais podem transferir seus poderes desta forma. Existem
procedimentos adequados para isso que devem tramitar no judiciário.

Como mencionado, o autocontrato é, em regra, inválido, mas poderá ser


feito se expressamente autorizado pelo representado. É uma situação comum,
por exemplo, quando das compras e vendas de automóveis, quando o vendedor,
que está cadastrado como proprietário, faz uma procuração autorizando que
o comprador, como seu representante, faça a transferência do veículo para o
próprio nome. Mas, de novo, para que o negócio seja válido, deverá ter sido
autorizado expressamente que seja em benefício do representante. Isso não foi o
que ocorreu em caso analisado pelo judiciário catarinense, que culminou com o
reconhecimento de um autocontrato. Veja:

CIVIL - AÇÃO ANULATÓRIA - TRANSFERÊNCIA DA


TITULARIDADE DE VEÍCULO - PROCURAÇÃO PÚBLICA -
AUTOCONTRATO - VEDAÇÃO - CC, ART. 117 - AUSÊNCIA
DE CLÁUSULA AUTORIZATIVA - BENEFÍCIO EXCLUSIVO DA
MANDATÁRIA - INVALIDADE De acordo com o disposto no art. 117
do Código Civil, é passível de anulação o denominado autocontrato,
ou seja, o negócio jurídico realizado pelo representante consigo
mesmo, no seu interesse ou por conta de outrem. (TJSC, Apelação
Cível n. 2013.015815-0, de Criciúma, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros,
Quinta Câmara de Direito Civil, j. 18-04-2016) (SANTA CATARINA,
2016, s.p.).

Como consequência do disposto no Art. 116, de que os atos praticados


pelo representante vinculam o representado se de acordo com os poderes
conferidos, é importante que esses poderes sejam comprovados para as pessoas
com as quais o representante vai negociar. Nesse sentido, o artigo 118 do Código
Civil dispõe que: “O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem

59
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

tratar em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes,


sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem”. Ou
seja, se o representante chega em um lugar para fazer um negócio em nome do
representado, ele precisa provar para a outra parte que pode fazer aquele negócio
em nome de outra pessoa. O mais comum é que essa prova seja feita por meio da
procuração. Caso o representante não comprove os poderes que tem, e faça um
negócio que os exceder, responderá ele por este excesso.

O representante deve sempre agir em conformidade com os interesses


do representado. Em razão disso, caso se desvie deste caminho e pratique atos
contrários do que era esperado pelo representado, ou até mesmo prejudicando-o,
o negócio realizado será passível de anulação, conforme o disposto na lei civil,
nos seguintes termos:

Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em


conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser
do conhecimento de quem com aquele tratou.
Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do
negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para
pleitear-se a anulação prevista neste artigo (BRASIL, 2002).

Sobre o conflito de interesses, Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 152)


explicam que “não decorre necessariamente de um prejuízo financeiro, mas sim
da própria noção de conveniência da disponibilização do patrimônio do incapaz”.
E ainda complementam, que para que seja feita a prova necessária para a anulação
desses negócios feitos em conflito de interesses, de acordo com os requisitos do
artigo, um dos critérios mais utilizados será a “desproporção entre as prestações
estabelecidas o que fará presumir o conhecimento do terceiro” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 153).

Compreendidas as questões atinentes à capacidade e representação que


influenciam a realização e a validade do negócio jurídico, você pode agora passar
ao estudo do objeto.

3.3 OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU


DETERMINÁVEL
Não é demais relembrar que estamos tratando aqui do plano de validade.
Portanto, pressupõe-se que já se passou pelo teste da existência, e, no plano da
validade, também já observamos os pressupostos da capacidade das partes, que
a lei chama de agente capaz. Assim, o que analisaremos não é se o negócio possui
ou não objeto (porque, para existir, ele precisa ter), mas sim se o objeto é algo
autorizado pelo ordenamento, é algo possível e também, se é algo identificável.
Vamos iniciar com a análise sobre o que implica a ideia de um objeto ser lícito.

De acordo com Monteiro e Pinto (2012, p. 231), da compreensão do termo


lícito “se excluem atos contrários à moral, à ordem pública e aos bons costumes”.
60
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

No mesmo sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 392) dizem que “a


licitude traduz a ideia de estar o objeto dentro do campo de permissibilidade
normativa, o que significa dizer não ser proibido pelo direito e pela moral”. Pode-
se perceber, portanto, que a ideia de licitude vai além daquilo que está de acordo
com as leis. É também ilícito aquilo que fere preceitos considerados maiores para
a vida em Sociedade.

Deve-se ter em mente, entretanto, que os termos moral e bons costumes


são termos abertos e evolutivos. Não possuem definição legal e sua interpretação
dependerá de quando, onde e, eventualmente até por quem, o negócio foi
realizado. Mello (2015, s.p) explica que:

Em doutrina e na jurisprudência, por sua vez, não há sobre o tema uma


concepção unívoca. Em geral, os critérios propostos pela doutrina não
são adequados para permitir uma avaliação objetiva sobre a moralidade
ou imoralidade do negócio jurídico. Sugere-se, por exemplo, que o juiz
deve apreciar o caso concreto tendo em vista princípios de honestidade,
ou conforme o agir de um bom pai de família, ou segundo o critério de
um homem honrado e prudente, ou de acordo com o sentimento moral
do homem médio e outras formulações imprecisas que expressariam
padrões da boa moral. A jurisprudência alemã adota a fórmula de que
a imoralidade se deve determinar segundo “o sentimento de decência
de todas as pessoas que pensam justa e equitativamente”, a qual,
embora também imprecisa, se tem mostrado útil à solução dos casos
concretos, consoante o depoimento de Henkel.

Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 392) afirmam que “não se admitiria a


celebração de um contrato de prestação de serviços sexuais – e, consequentemente,
uma eventual cobrança judicial pelo inadimplemento da contraprestação
pecuniária – pelo fundamento da imoralidade da avença”. Todavia, a abordagem
da questão da prestação de serviços sexuais pela Sociedade e pelos julgadores tem
aos poucos se modificado, razão pela qual, por ser considerado hoje um contrato
com objeto ilício por violação da moral e bons costumes, pode ser que no futuro
seja pacificamente considerado um objeto lícito.

Portanto, pode ser considerado inválido o negócio que tenha um objeto


manifestamente contrário à lei, como a comercialização de produtos de roubo
ou de substâncias entorpecentes proibidas, como também negócios que tenham
objetos que contrariam os princípios da Sociedade no atual momento. Um caso
interessante de negócio jurídico com objeto ilícito que chegou às instâncias
recursais do Tribunal de Justiça catarinense, foi a situação de um pedido de
dissolução de uma sociedade (a formação da sociedade é um negócio jurídico)
que tinha como objeto a exploração de máquinas caça-níqueis, o que é proibido
por lei. Veja a ementa do julgado:

61
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE SOCIEDADE.


IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. NEGÓCIO JURÍDICO NULO DE
PLENO DIREITO. OBJETO ILÍCITO. EXPLORAÇÃO DE JOGOS
POR MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS. FATO DESCRITO COMO
CONTRAVENÇÃO PENAL E CRIME CONTRA A ECONOMIA
POPULAR. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE N. 2 DO
STF E DOS ARTS. 166, INC. II, 168, P. ÚNICO, E 981, TODOS DO
CC/02; DO ART. 481, P. ÚNICO, DO CPC; DO ART. 50 DO DECRETO-
LEI N. 3.688/41; DO ART. 2º, INC. IX, DA LEI N. 1.521/51; DOS ARTS.
73 E 74, AMBOS DA LEI N. 9.615/98; DOS ARTS. 27 E 28, AMBOS
DA LEI N. 9.868/99; DO ART. 2º, DA LEI N. 9.981/00; DO ART. 4º,
DA LEI N. 11.417/06 E DOS ARTS. 22, INC. XX, 102, § 2º, E 103-A,
TODOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. A exploração de jogos
por máquinas eletrônicas de concurso de prognóstico constituí
contravenção penal e, ademais, crime contra a economia popular. Em
sendo assim, é inarredável a improcedência do pedido formulado em
ação de resolução de contrato de distribuição e exploração de jogos
caça-níqueis, porque manifestamente nula a avença, em razão da
ilicitude de seu objeto. (TJSC, Apelação Cível n. 2005.042191-7, de São
Domingos, rel. Des. Eládio Torret Rocha, Quarta Câmara de Direito
Civil, j. 20-08-2009) (SANTA CATARINA, 2009, s.p.).

Passando ao estudo da possibilidade do objeto, deve-se verificar que um


objeto deve ser juridicamente possível e fisicamente possível. A impossibilidade
jurídica é aquela que resulta (a) de determinação de lei ou (b) de disposição
negocial. Não importa se o objeto é fisicamente possível. Se a norma jurídica
o tem por impossível, assim há de ser tratado em relação à validade (MELLO,
2015). É fácil perceber que, em verdade, a impossibilidade jurídica se confunde
com a licitude do objeto, uma vez que se a lei proíbe a realização do negócio ele
é juridicamente impossível e, consequentemente, ilícito. Um exemplo deste tipo
de situação, é a celebração de um contrato de compra e venda que tem por objeto
um bem de uso comum do povo, como uma praça (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015).

Além de juridicamente possível o objeto “há que ser, portanto, fisicamente


possível, uma vez que não se poderia reconhecer validade a um negócio que
tivesse por objeto uma prestação naturalmente irrealizável, como, por exemplo,
a alienação de um imóvel situado na lua” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 392). Ou seja, a impossibilidade física, é aquela que diz respeito a algo
não realizável seja por questões da natureza, tecnológicas ou por limitações físicas
mesmo.

Tartuce (2016, p. 237) diz que “a impossibilidade física está presente


quando o objeto não pode ser apropriado por alguém ou quando a prestação não
puder ser cumprida por alguma razão”.

Importante perceber que a impossibilidade é aferida no momento da


realização do negócio. Portanto, hoje, um contrato de viagem para saturno é
inválido, por objeto impossível. Nada impede, porém, que venha a ser possível

62
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

no futuro. São exemplos de objetos impossíveis: a compra de toda a areia da praia


em um balde ou a contratação de uma viagem em torno da terra de veleiro em
um dia.

A impossibilidade física, porém, pode ser absoluta ou relativa. Somente


a primeira implica em invalidade do negócio, uma vez que se a impossibilidade
for apenas relativa, é possível, em tese, a realização por terceiro, às custas do
devedor, como explicam Gagliano e Pamplona Filho (2015). O artigo 106 do
Código Civil prevê que: “A impossibilidade inicial do objeto não invalida o
negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que
ele estiver subordinado”. Assim, conclui-se que para que o negócio seja inválido,
é necessário que a impossibilidade seja a absoluta, vez que a relativa permite a
sua manutenção.

Em suma, somente a impossibilidade absoluta é que tem o condão


de nulificar o negócio. Se o negócio ainda puder ser cumprido ou
executado, não há que se falar em invalidade. O comando legal traz
em seu conteúdo o princípio da conservação negocial ou contratual,
segundo o qual se deve sempre buscar a manutenção da vontade dos
envolvidos, a preservação da autonomia privada (TARTUCE, 2016, p.
237).

A impossibilidade relativa seria aquela em que não é mais possível para o


contratado original cumprir o acordado, como no caso do cantor que, contratado
para um casamento, fica afônico no dia da festa. É impossível para ele cumprir
a prestação a qual se comprometeu, entretanto, é impossibilidade relativa, pois
“permite, em tese, a realização por terceiros, às custas do devedor” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 393). Ou seja, é possível que seja cumprida a mesma
obrigação por outra pessoa, razão pela qual o negócio será mantido, fazendo-se
os ajustes necessários para o seu cumprimento e, em último caso, rescindindo-se
o contrato.

Por fim, o objeto, além de lícito e possível, deve também ser determinado
ou determinável.

O Código Civil adotou como causa de nulidade a indeterminabilidade


do objeto, ou seja, haver impossibilidade de identificação do objeto
do negócio jurídico ou da prestação. Como o Código Civil refere-se
a ser indeterminável o objeto, é de se entender que a indeterminação
capaz de acarretar a nulidade do negócio jurídico há de ser absoluta,
de modo que, embora não discriminado especificamente, se o objeto
é passível de determinação, o negócio jurídico deve ser considerado
válido. A indeterminação relativa, portanto, não constitui causa de
invalidade dos atos jurídicos em geral (MELLO, 2015, s.p).

Para que seja tido como determinado, portanto, o objeto deve “conter
elementos mínimos de individualização que permitam caracterizá-lo”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 393). Por exemplo, se na compra
de um automóvel é discriminado qual o modelo do veículo, ano de fabricação,

63
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

cor, placas, número de chassi, teremos um objeto perfeitamente determinado,


não havendo dúvidas em relação ao objeto sobre o qual recaiu a manifestação da
vontade das partes.

Todavia, nem sempre é necessário que o objeto esteja detalhadamente


descrito. Ele pode também ser determinável, ou seja, são fixados critérios que
serão observados posteriormente para determinar qual o objeto. Mesmo assim,
existe um mínimo de informações que são necessárias para que o negócio seja
considerado válido. No caso de venda de coisa incerta (prevista no Art. 243 do
CC/02) é necessário que sejam especificados no mínimo o gênero e a quantidade:

Em uma venda de cereais, por exemplo, admite-se até não especificar,


no instrumento negocial, a qualidade do café vendido (se tipo A ou B), mas o
seu gênero (café) e quantidade (em sacas) devem ser indicados, sob pena de se
inviabilizar o negócio por força da indeterminabilidade do objeto (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 393).

Por fim, se o negócio for determinável por se tratar de obrigações


alternativas (conforme Art. 252 do CC/02) deverão estar previstas detalhadamente
quais são as alternativas para que no momento adequado possa ser feita a escolha.

Agora, entendido quais são os objetos que podem ser negociados, vamos
finalmente tratar sobre a forma através da qual os negócios podem ou devem ser
feitos.

3.4 FORMA PRESCRITA OU NÃO DEFESA EM LEI


Conforme já aprendido no tópico anterior, para que o um negócio exista,
é necessária a manifestação da vontade, a qual, para fins de análise da existência,
pode ser de qualquer maneira. Agora, no plano de validade, iremos verificar que,
às vezes, mesmo que tenha havido a manifestação de vontade, se ela não foi feita
da forma adequada, o negócio será inválido.

O inciso III do artigo 104 do CC/02 diz que a forma deve ser a “prescrita”,
ou seja, a determinada, ou “não defesa”, ou seja, a não proibida, pela lei. Por
sua vez, o artigo 107 dispõe que: “A validade da declaração de vontade não
dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Da
leitura conjunta destes dois dispositivos o que se conclui é que, o que vige em
nosso sistema jurídico é a forma livre.

Em outras palavras, para a grande maioria dos negócios jurídicos não se


exige uma forma específica para que ele possa ser considerado válido. Assim, a
compra de um café feita através de gestos, é válida; a contratação de prestação de
serviços de forma verbal, é válida; o empréstimo de um carro combinado através
de mensagem de celular, é válido.

64
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Portanto, a regra geral da liberdade da forma do negócio jurídico só


deverá ser excepcionada quando a lei expressamente o determinar (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015). Assim, somente quando a lei prever que o negócio
deva ser de uma maneira específica é que este obrigatoriamente deverá ser feito
da maneira indicada, sob pena de invalidade. Nesse sentido, Tartuce (2016)
explica que em casos especiais, visando conferir maior certeza e segurança nas
relações jurídicas, a lei prevê a necessidade de formalidades, relacionadas com a
manifestação da vontade. Nessas situações, o negócio não admitirá forma livre,
sendo conceituado como negócio formal.

Ou seja, a formalidade é exigida a fim de aumentar a segurança jurídica


das relações entre as partes e facilitar a prova da realização do negócio, bem como
do seu conteúdo. Ainda, a forma pode ser exigida a fim de que se dê publicidade
ao negócio realizado, para evitar fraudes e outros problemas. Nas palavras de
Tartuce (2016, p. 239), “as formalidades ou solenidades previstas em lei também
têm por finalidade garantir a autenticidade do negócio, para, eventualmente,
facilitar sua prova, bem como garantir que a autonomia provada seja preservada,
objetivando sempre a certeza e a segurança jurídica”. O mesmo autor ainda
diferencia formalidade de solenidade, afirmando que solenidade é a necessidade
de ato público (escritura pública), enquanto formalidade é a exigência de qualquer
forma (TARTUCE, 2016). Tal diferenciação não é adotada, porém, pela maioria dos
doutrinadores, que prefere dividir os negócios apenas entre formais e informais,
como você já estudou na parte de classificações, posto que o desrespeito à forma
ou à solenidade tem as mesmas consequências.

Na parte geral do Código Civil de 2002, temos uma das disposições sobre
exigência de forma do negócio jurídico mais conhecidas. Vejamos:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é


essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição,
transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis
de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país
(BRASIL, 2002).

É o fundamento da necessidade de que os contratos que versem sobre


bens imóveis acima de trinta salários mínimos sejam não só realizado por escrito,
mas inclusive por escritura pública. Isso se justifica pela necessidade de segurança
jurídica nesse tipo de negócio, bem como pelo fato de que posteriormente o contrato
deverá ser levado a registro, no Cartório de Registro de Imóveis, momento em
que efetivamente é transferida a propriedade imóvel para o adquirente.

65
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

ATENCAO

Importante lembrar que a escritura não se confunde com o registro. Tartuce


(2016, p. 240-241) faz essa observação nos seguintes termos:

A encerrar, e por cautela, nunca é demais lembrar que não se pode


confundir a escritura pública com o registro. A primeira representa
o próprio contrato de compra e venda, que pode ser celebrado em
qualquer Tabelionato de Notas do País, não importando o local do
imóvel. Já o registro gera a aquisição da propriedade imóvel, devendo
ocorrer, necessariamente, no Cartório de Registro de Imóveis do
local em que o bem estiver situado. Além disso, a escritura pública,
sendo forma, está no plano da validade do negócio jurídico; o registro
imobiliário está no plano de sua eficácia. Os degraus da Escada
Ponteana são distintos.

Por fim, o Código Civil ainda dispõe que: “Art. 109. No negócio
jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este
é da substância do ato”. Ou seja, se as partes, quando da realização do negócio
acordarem entre elas que o negócio deve ser feito de alguma forma específica,
por exemplo, por escrito, este deverá ser feito por escrito, mesmo que a lei não
coloque este requisito como obrigatório. Portanto, podem as partes, por ato de
vontade e visando à segurança, prever que o negócio deve atender a solenidades.
A imposição do negócio solene pode ser, portanto, convencional entre as partes
(TARTUCE, 2016). Por exemplo, as partes de um contrato de locação de imóveis
que, pela lei, é não formal (ou seja, pode ser feito verbalmente ou por gestos ou
tacitamente) combinarem que o contrato e quaisquer de suas alterações devem
ser feitos por escrito, estes devem ser feitos por escrito, sob pena de invalidade do
negócio. Importante ressaltar que as parte não podem prever a desnecessidade de
se seguir uma forma prevista em lei: elas podem ampliar, formalizar um negócio
originalmente informal, mas nunca o contrário.

Antes de passar para o próximo tópico, não é demais reforçar: a regra


quanto à forma de realização dos negócios jurídicos é ser de forma livre, os casos
de negócios formais são exceção.

3.5 MANIFESTAÇÃO DA VONTADE LIVRE E DE BOA-FÉ


Imagine a seguinte situação: Fulano, capaz, mediante ameaça contra a sua
vida, assina um contrato em que doa seu veículo para Sicrano. Neste caso, temos
um agente capaz, um objeto lícito e a forma prescrita em lei (a doação, em regra,
deve ser feita por escrito). Entretanto, você acha que este negócio é válido?

66
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Sendo a manifestação de vontade o elemento central do negócio jurídico,


é fundamental que esta corresponda adequadamente à vontade de quem faz o
negócio. Se assim não o for, o sistema jurídico estará tutelando formalidades, e
não os interesses dos sujeitos.

No plano de validade deverá ser verificado se no momento de efetuar


a declaração de vontade, o agente realmente queria o que declarou, ou se não
foi forçado aquilo por alguém ou pelas circunstâncias. Ainda, será analisado
se, eventualmente, não está manifestando à vontade, até livremente, mas em
decorrência de uma informação falsa que lhe foi repassada. Ou, por fim, se está
manifestando à vontade livremente, mas com o intuito de prejudicar terceiros.
Nessas situações, se a pessoa não estava livre, se ela estava sendo enganada, ou se
ela usa o negócio para prejudicar terceiros, estaremos diante de negócios jurídicos
que chamaremos de viciados ou defeituosos, que poderão ser nulos ou anuláveis
a depender da gravidade do vício que o macula, conforme será estudado na
próxima unidade.

Lembre-se de que “a manifestação de vontade exerce papel importante


no negócio jurídico, sendo seu elemento basilar e orientador. Vale dizer que a
vontade é que diferencia o negócio, enquadrado dentro dos fatos humanos, fatos
jurígenos e atos jurídicos, dos fatos naturais ou stricto sensu” (TARTUCE, 2016,
p. 233). Entretanto, “a manifestação ou declaração de vontade há que ser livre e
não estar impregnada de malícia (má-fé)” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 383), posto que isso contrariaria os valores da Sociedade e os princípios
constitucionais, bem como a própria autonomia privada.

A vontade, por sua vez, deve ser explicitada de forma livre, sem
embaraços, não podendo estar impregnada de malícia ou vício. É
preciso que a exteriorização da vontade ocorra com respeito à boa-fé
(objetiva e subjetiva) e à autonomia privada. Sofrendo alguma mácula
(seja a má-fé, seja a quebra da autonomia privada), haverá defeito
de vontade caracterizando os chamados defeitos do negócio jurídico,
que podem ser vícios de vontade (quando houver discordância entre a
vontade e a declaração de vontade) ou vícios sociais (quando a vontade
estiver perturbada, sendo explicitada para causar prejuízo a alguém ou
fraudar a lei) (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 623).

A conclusão sobre o fato de que a manifestação de vontade deve ser livre


e de boa-fé é feita a partir do estudo das invalidades e dos defeitos dos negócios
jurídicos, visto que se o ordenamento prevê que aquelas situações invalidam
o negócio, quer dizer que os preceitos que atingem são requisitos de validade.
Assim, como a maior parte deles atinge a manifestação da vontade no que toca à
liberdade e a boa-fé, podemos tranquilamente afirmar que além do agente capaz,
do objeto lícito, possível, determinado ou determinável, da forma prescrita ou
não defesa em lei, é também requisito de validade a manifestação da vontade
livre e de boa-fé.

67
UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

TUROS
ESTUDOS FU

Na próxima unidade, serão estudados cada um dos defeitos do negócio jurí-


dico expressamente previstos no Código Civil, assim com as demais causas de invalidade
e você poderá perceber por si mesmo como a liberdade e a boa-fé são tão importantes
quanto a capacidade do agente, a licitude do objeto ou adequação da forma do negócio
jurídico para que ele seja perfeito.

E
IMPORTANT

Forma do Negócio Jurídico

[...]

Conforme observamos anteriormente, forma é o meio pelo qual o agente expressa a sua
vontade. O Direito não pode se ocupar da vontade que permanece intima, não exterioriza-
da. Forma é elemento de existência do negócio jurídico. Não há, portanto, negócio jurídico
sem forma, uma vez que não pode haver negócio jurídico sem que, de alguma maneira,
a vontade tenha deixado de ser um fenômeno interno. Por isso mesmo, segundo nosso
ordenamento, a reserva mental é irrelevante, salvo se o destinatário tinha conhecimento
(Art. 110 do Código Civil).

No direito contemporâneo a forma não figura como simples elemento de existência dos
negócios jurídicos. Apesar da liberdade formal ser a regra, a validade de alguns negócios
jurídicos necessita de forma especial.

Portanto, para ter tutela jurídica, a declaração de vontade deve ser querida (sem vícios) com
plena consciência, escolhida de maneira livre e deliberada sem o propósito de prejudicar
terceiros.

Cabe ao plano da validade aferir se a declaração de vontade atende a tais requisitos. Nu-
lidade e anulabilidade são consequenciais que dependem da orientação política seguida
por dado ordenamento.

No caso do Brasil, o Art. 104 do Código Civil estabelece que a validade do negócio jurídico
requer:

“III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

O Art. 166 do Código Civil, por sua vez, define que é nulo o negócio jurídico quando:

“IV - não revestir a forma prescrita em lei.


 V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade.”

68
TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

Portanto, segundo nosso ordenamento, quando a legislação prevê a forma específica para
determinados negócios jurídicos, tal formalismo será requisito de validade.  

O cumprimento de formalidades tem caráter nitidamente acessório e somente é exigido


excepcionalmente. No Direito brasileiro é fácil precisar os casos em que a forma específica
é exigida.

Zanetti faz uma classificação segundo a função desempenhada pela exigência formal. Ana-
lisa, portanto qual a razão que justifica a forma imposta pela lei.

Na função assecuratória as partes podem estipular forma específica para o negócio jurídico,
como por exemplo a exigência de escritura pública para contrato de empreitada. Caso não
seja obtida a escritura, o negócio será nulo nos termos dos Art.s 109 e 166, V e VI do Código
Civil. A escritura pública, neste caso, será requisito de validade do negócio, por definição
das partes.

Parte da doutrina defende que as partes possam condicionar também a existência do ne-
gócio à adoção da escritura pública. Seria este o intuito do Art. 109 do Código Civil ao
prescrever que a forma seria a substância do ato [...].

A íntegra do texto você pode acessar no seguinte endereço eletrônico: https://www.bole-


timjuridico.com.br/doutrina/artigo/3391/forma-negocio-juridico.

69
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Para o negócio jurídico ser reputado como existente, é necessário que contenha:
manifestação da vontade, um agente emissor dessa manifestação, objeto e
forma.

• A manifestação da vontade é o elemento formador do negócio jurídico, ao qual


todos os demais estão diretamente relacionados.

• A forma, no plano de existência, é o meio pelo qual a manifestação de vontade


é externalizada, podendo ser feita de qualquer maneira: verbal, escrita, por
gestos, pelo silêncio, entre outras.

• No estudo do plano de existência, ainda não são feitos juízos de valor sobre os
elementos.

• No plano de validade, os elementos existentes serão analisados e adjetivados.

• Os requisitos de validade do negócio jurídico previstos são: I – agente capaz,


II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita
ou não defesa em lei.

• A capacidade pode ser suprida através da representação, que pode ser legal ou
convencional.

• Também é requisito de validade do negócio jurídico que a manifestação da


vontade seja feita de forma livre e de boa-fé.

CHAMADA

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70
AUTOATIVIDADE

1 O plano de existência é o pressuposto lógico-fático para a análise do


negócio jurídico, posto que se o negócio não existe, não poderão ser aferidos
quaisquer outros elementos. O elemento mais importante para configuração
da existência do negócio jurídico é a manifestação de vontade, posto que
o negócio jurídico é declaração de vontade, sendo os demais elementos de
existência intrinsecamente vinculados a este. Sobre estes outros elementos
do plano de existência do negócio jurídico é CORRETO afirmar que:

a) ( ) Maconha não se configura como objeto para que se possa dizer que o
negócio é existente.
b) ( ) O agente emissor da vontade não pode ter menos de dezesseis anos.
c) ( ) O objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.
d) ( ) A forma é a exteriorização da vontade, sendo irrelevante como é feita.

2 No plano de validade será analisado se os elementos que tornam o negócio


jurídico existente estão de acordo com o ordenamento jurídico. Analise as
assertivas a seguir e assinale aquela que contém uma situação válida de
acordo com o artigo 104 do Código Civil:

a) ( ) Caio, 15 anos, vende sua bicicleta usada, marca X, modelo Y, para


Otávio, por meio de contrato verbal.
b) ( ) Maria, 21 anos, vende seu computador usado, marca X, modelo Y, para
Sandra, 20 anos, por meio de contrato verbal.
c) ( ) Antônio, 40 anos, compra um pacote de férias em saturno, por meio de
contrato escrito.
d) ( ) Bruna, 31 anos, faz um contrato com Ricardo para que este sequestre
seu irmão, Lucas.

3 O Código civil prevê que, para um negócio ser válido, é necessário a


capacidade do agente. Entretanto, mesmo as pessoas incapazes, nos termos
dos artigos 3º e 4º do Código Civil, são detentoras de direitos e obrigações.
É possível que estas pessoas sejam parte em negócios jurídicos? De que
forma?

4 A invalidade de negócios jurídicos ocorre muitas vezes em razão de


problemas com o seu objeto, que de acordo com o artigo 104, inciso
II, do Código Civil de 2002, deve ser: lícito, possível, determinado ou
determinável. Sobre o objeto do negócio jurídico, classifique as assertivas a
seguir em V, se verdadeiras e F, se falsas:

( ) Consideram-se ilícitos somente os objetos que contrariam a lei positivada.


( ) Para invalidar o negócio, é necessário que a impossibilidade seja absoluta.
( ) São indeterminados os objetos quando descrito apenas o gênero e a
quantidade.
71
( ) O objeto será ilícito se contrário à moral da sociedade no momento
histórico em que foi realizado.
( ) São determinados os objetos quando descritas todas as informações
necessárias para sua identificação.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – F – F – V.
b) ( ) F – F – F – V – V.
c) ( ) F – V – F – V – V.
d) ( ) V – F – F – F – V.

5 A forma é o meio pelo qual a vontade do sujeito é externalizada. Porém,


para que ela seja válida, é necessário que esteja de acordo com o que a
lei exige ou que, no mínimo, não contrarie alguma proibição. Analise as
afirmações a seguir sobre a forma como requisito de validade do negócio
jurídico:

I- O negócio jurídico no Brasil tem como regra geral o princípio da liberdade


de forma.
II- Apesar de os negócios serem em regra não formais, as compras e vendas,
de quaisquer bens, devem sempre ser feitas por escrito.
III- Se um negócio não tem forma prevista em lei, as partes podem, elas
mesmas, prever que seja feito com alguma formalidade, sem a qual o
negócio será inválido.

Agora assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
c) ( ) A sentenças II e III estão corretas.
d) ( ) Apenas a sentença I está correta.

6 Além dos requisitos previstos no artigo 104 do Código Civil, para que o
negócio jurídico seja válido é também imprescindível que a manifestação
de vontade tenha sido feita de forma livre e de acordo com a boa-fé, sob
pena de invalidade. Sobre a necessidade de respeito a estes pressupostos,
assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A manifestação deve corresponder à vontade real das partes, sem


interferência de pressões externas.
b) ( ) A manifestação de vontade deve corresponder às necessidades da
parte no momento da realização do negócio, mesmo que esta necessidade
tenha sido criada fraudulentamente por um terceiro.
c) ( ) A manifestação de vontade deve corresponder à real vontade das
partes e mesmo quando visar o prejuízo de outras pessoas será válida.
d) ( ) A manifestação de vontade é o que foi externalizado, não cabendo se
analisar os motivos pelos quais ela foi feita.

72
UNIDADE 2 —
DEFEITOS E INVALIDADES
DOS NEGÓCIOS
JURÍDICOS E PLANO DE
EFICÁCIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• identificar os diferentes defeitos dos negócios jurídicos e as consequên-


cias da sua presença;
• compreender o que são as invalidades dos negócios jurídicos e quais são
seus efeitos;
• compreender os efeitos da presença dos diferentes tipos de elementos aci-
dentais nos negócios jurídicos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao fim da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO


TÓPICO 2 – INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO
TÓPICO 3 – ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

CHAMADA

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em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

73
74
TÓPICO 1 —
UNIDADE 2

DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

FIGURA 1 – ENCHENTE

FONTE: <https://unsplash.com/photos/jzTQVxCyKYs>. Acesso em: 19 jul. 2020.

1 INTRODUÇÃO
Os negócios jurídicos são fatos extremamente relevantes para a vida
em sociedade. Contudo, como você pode estudar na Unidade 1, para que eles
sejam válidos, é necessário que preencham diversos requisitos previstos na lei.
Além disso, sendo eles decorrência da expressão da vontade dos interessados,
é fundamental que essa vontade seja manifestada de forma livre e de boa-fé.
Entretanto, às vezes, isso não acontece, pois, pelos mais diversos motivos, a
manifestação da vontade acaba não correspondendo ao que as partes realmente
queriam, ou é feita com o intuito de prejudicar terceiros, o que não pode ser
tolerado. Em razão disso, o legislador, após identificar os principais problemas
que podem afetar a validade dos negócios jurídicos, elencou um rol de defeitos e
previu as suas consequências.

Nesta unidade, você iniciará o estudo de cada um dos defeitos do negócio


jurídico previstos no Código Civil. Desde o erro, que é quando a própria pessoa se
equivoca sobre algum elemento, fazendo um negócio diferente do que pretendia;
passando pelo dolo, que é quando a outra parte do negócio, ou um terceiro, por
meio de artifícios maliciosos, induz o outro a erro; a coação, quando alguém faz
um negócio em razão de ter sofrido uma ameaça; o estado de perigo, quando o
negócio é feito com o fim de salvamento; a lesão, que decorre da necessidade ou
da inexperiência; e, por fim, a fraude contra credores, que é um vício social, no
qual um devedor insolvente, ou próximo da insolvência, desfaz-se de patrimônio,
prejudicando seus credores.

75
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Enquanto a violação dos requisitos de validade, em regra, causa a nulidade


dos negócios jurídicos, a presença dos defeitos gera a sua anulabilidade. Tanto a
nulidade como a anulabilidade são espécies de invalidades que serão estudadas
no tópico seguinte. Você entenderá que a nulidade é destinada a violações mais
graves, que atingem a ordem pública, enquanto a anulabilidade é reservada aos
vícios que atacam interesses privados. Ainda, será estudado quem pode arguir a
presença de cada uma dessas invalidades e quais as consequências da arguição.
Você também aprenderá que, como decorrências do princípio da conservação
dos negócios jurídicos, existem formas de ajustar ou confirmar os negócios feitos
com alguma violação, de modo que se respeite a vontade das partes, desde que,
naturalmente, não haja violação à lei.

Por fim, no último tópico desta unidade, você conhecerá as diferentes


modalidades de elementos acidentais que podem ser inseridos nos negócios
jurídicos, limitando a eficácia: a condição, o termo e o encargo. Você compreenderá
como a condição, sendo um evento futuro e incerto, gera expectativa de direito,
enquanto o termo inicial, por ser um evento futuro e certo, gera direito adquirido.
Do mesmo modo, aprenderá a identificar o encargo, e verificará que, em regra, ele
não limita nem a aquisição, nem o exercício de qualquer direito.

2 DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO


Os negócios jurídicos, conforme estudado na Unidade 1, são manifestações
de vontade. Para que essas manifestações de vontade sejam válidas, devem ser
emitidas por agente capaz, versar sobre objeto lícito, possível, determinado
ou determinável, e serem realizadas na forma prescrita ou não defesa em lei,
conforme disposto no Art. 104 e seus incisos I, II e III, do Código Civil de 2002.
O preenchimento desses requisitos, porém, não é suficiente. A manifestação da
vontade deve também ser feita de forma livre e de acordo com os ditames da boa-
fé. Ou seja, a perfeição da vontade manifestada (=integridade e higidez) constitui
elemento complementar do suporte fático dos atos jurídicos que atuam como
pressupostos de sua validade (MELLO, 2015).

A violação da liberdade ou da boa-fé, quando da realização dos negócios


jurídicos, dá ensejo ao reconhecimento dos chamados defeitos, ou vícios, dos
negócios jurídicos. Alguns desses defeitos estão previstos expressamente na
codificação civil, e são eles que você estudará na sequência. Você perceberá que
esses defeitos abarcam inúmeras hipóteses de realização de negócios jurídicos
viciados, ou seja, inválidos. É importante ter em mente, porém, que o rol não é
exaustivo. Como terá oportunidade de estudar, as invalidades não se limitam à
violação do Art. 104 ou à presença dos defeitos nominados.

Existem muitas outras possibilidades. Algumas previstas expressamente,


como no caso da vedação da venda de ascendente para descente, outras
decorrentes da violação de princípios gerais do direito, como a boa-fé ou a função
social dos contratos.

76
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Os defeitos dos negócios jurídicos costumam ser classificados em duas


categorias: vícios da vontade e vícios sociais. Os primeiros dizem respeito a
hipóteses nas quais a manifestação de vontade do agente não corresponde ao
íntimo e verdadeiro intento do agente (FARIAS; ROSENVALD, 2017), enquanto
os segundos ocorrem em situações em que a vontade manifestada não tem, na
realidade, a intenção pura e de boa-fé enunciada (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015). Ou seja, no primeiro caso a vontade estará atrapalhada por algo
que impede que seja emitida com verdadeira liberdade, seja em razão de uma
ameaça, ou de engano, por exemplo. Por outro lado, os vícios sociais são situações
em que há violação primordialmente da boa-fé. Quando as partes fazem um
negócio sabendo o que estão fazendo, mas com intuito de prejudicar um terceiro.
Veja, ainda, a explicação de Pereira (2011), que auxilia a elucidar a diferença entre
os tipos de vícios:

São, na verdade, de duas categorias os defeitos que podem inquinar


o ato negocial. Uns atingem a própria manifestação da vontade,
perturbando a sua elaboração, e atuam sobre o consentimento. Por
motivos vários, perturbam a própria declaração volitiva, e influem no
momento em que se exterioriza a deliberação do agente. Denominam-
se vícios de consentimento, em razão de se caracterizarem por
influências exógenas sobre a vontade exteriorizada ou declarada,
aquilo que é ou devia ser a vontade real. Outros afetam o ato negocial,
salientando a desconformidade do resultado com o imperativo da lei
e, nesses casos, o negócio reflete a vontade real do agente, canalizada,
entretanto, e desde a origem, em direção oposta ao mandamento legal.
Nenhuma oposição se apresenta entre a vontade íntima e a vontade
externada, porém, entre a vontade do agente e a ordem legal. Há,
portanto, um negócio jurídico, existe uma declaração de vontade, mas
esta, por fatores endógenos, traduz uma volição que visa a resultados
condenados ou condenáveis (PEREIRA, 2011, p. 429-430).

Os vícios do consentimento são o erro (Art. 138 a 144), o dolo (Art. 145 a
150), a coação (Art. 151 a 155), o estado de perigo (Art. 156) e a lesão (Art. 157). O
principal vício social previsto na codificação é a fraude contra credores (Art. 158
a 165). Parte da doutrina ainda elenca a simulação (Art. 167) como vício social,
isso porque ela era prevista como um defeito do negócio jurídico no Código Civil
de 1916. Na codificação atual, a simulação foi prevista não mais como apenas
um defeito, mas, efetivamente, como uma causa de nulidade, uma vez que a
sua prática atinge preceitos de ordem pública. Portanto, não se surpreenda se
encontrar a simulação, em algumas doutrinas, estudada como mais um defeito,
que se diferencia apenas nas suas consequências (você estudará, mais adiante,
que os defeitos tornam os negócios jurídicos passíveis de anulação, enquanto, no
caso da simulação, o que ocorre é que o negócio é nulo).

De acordo com a doutrina mais moderna, e em consonância com a


disposição do Código Civil de 2002, a simulação será estudada com as demais
causas de nulidade.

77
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

ATENCAO

Os defeitos dos negócios jurídicos podem ser verificados, muitas vezes, em


relações jurídicas regidas não apenas pelo Código Civil, mas também pelo Código de
Defesa do Consumidor. É importante ter em mente que “de forma pura”, os defeitos e suas
consequências serão aplicadas as relações privadas entre particulares (por exemplo, um
particular, professor, vende seu carro para o vizinho, que é veterinário) ou em relações
comerciais (por exemplo, venda de borracha para uma fábrica de pneus). No caso de
relações de consumo (compra de roupa em uma loja, por exemplo), haverá regras próprias
a serem aplicadas. Tenha em mente, que nas relações regidas exclusivamente pelo Código
Civil, pressupõe-se que, em circunstâncias normais, as partes são iguais, portanto, têm plena
condição de manifestar sua vontade livremente, razão pela qual será de responsabilidade
da parte prejudicada comprovar o defeito. Assim, acaso vislumbre situações em que
estejam presentes estes vícios, seja no dia-a-dia, ou numa pesquisa jurisprudencial, por
exemplo, verifique se a relação jurídica é consumerista ou regida pelo Código Civil, pois isto
modificará a forma como deverá ser analisada a questão. Portanto, lembre-se: os defeitos
que você estudará na sequência podem ocorrem também nas relações de consumo, mas
a abordagem jurídica poderá ser diferente nessas situações, devido aos princípios que
determinam a proteção e defesa do consumidor.

Você estudará agora detidamente cada um dos defeitos dos negócios


jurídicos previstos no Código Civil de 2002.

2.1 ERRO
O erro jurídico não é assim tão distinto dos erros que as pessoas cometem
em outras esferas das suas vidas. Imagine que você, aluno dos primeiros semestres
do curso, esteja respondendo uma prova de Direito Civil em que se pergunta se
um adolescente de 17 (dezessete) anos é absolutamente incapaz e, ao consultar
a legislação, você não se atenta para as diferenças entre as previsões dos Arts.
3º e 4º do Código, e responde que sim. Na questão seguinte, pergunta-se se é
válido o casamento de uma mulher com o pai de seu ex-marido e você também
responde que sim. Nesta situação, você teria cometido erro em ambas as questões,
pois os adolescentes de 17 (dezessete) anos são apenas incapazes relativamente
a certos atos, bem como o ordenamento jurídico brasileiro proíbe o casamento
entre parentes em linha reta. No primeiro caso, você errou porque teve uma
falsa percepção da realidade, ao entender que o adolescente seria absolutamente
incapaz. Na segunda situação, você errou por ignorância, pois ainda desconhece
os preceitos jurídicos que regem o direito de família. Assim como em uma prova,
alguém pode errar no momento de manifestar a sua vontade e realizar um negócio
jurídico.

78
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

O defeito em questão está nomeado no Código Civil de 2002 com “Do


Erro ou Ignorância”, entretanto, nos dispositivos da lei, é apenas mencionado o
erro. Isso significa que as previsões ali elencadas e as consequências dos negócios
jurídicos viciados, seja por erro ou ignorância, são as mesmas, tornando-se de
pouca importância a diferenciação entre eles. Todavia, para fins didáticos, é
interessante ter em mente o que se tem como erro propriamente dito, e o que
seria a ignorância que vicia o negócio jurídico.

De acordo com Pereira (2011), no erro, existe uma deformação do


conhecimento relativamente às circunstâncias que revestem a manifestação de
vontade. A ignorância importa no desconhecimento do que determina a declaração
de vontade. Gagliano e Pamplona Filho (2015) explicam também que embora a
lei não estabeleça distinções, o erro é um estado de espírito positivo, qual seja, a
falsa percepção da realidade, ao passo que a ignorância é um estado de espírito
negativo, o total desconhecimento do declarante a respeito das circunstâncias do
negócio. Ou seja, no erro, a pessoa que está realizando o negócio jurídico imagina
que uma coisa é diferente do que ela realmente é, como nos famosos casos de
compras pela internet, quando se imagina que está adquirindo uma cadeira, e na
verdade é um peso de papel em formato de cadeira. Ou então, quando alguém
adquire um filhote de porquinho-da-índia, pensando ser um hamster.

Já a ignorância ocorre quando a pessoa desconhece algum fato relevante


e, por isso, manifesta sua vontade no sentido de realizar determinado negócio
jurídico. Por exemplo, quando uma pessoa, achando ser a única herdeira, já negocia
a venda do terreno que acredita que receberá ao final do inventário, ignorando,
porém, que o pai tinha outros dois filhos com quem deverá dividir o patrimônio.
Apesar das diferenças das causas dos erros, seja por erro propriamente dito ou
por ignorância, deve-se ter em mente que a distinção é puramente teórica. A
franca maioria doutrinária e a própria legislação utilizam-se das expressões como
sinônimas, não distinguindo o erro da ignorância (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Você deve perceber, portanto, que o erro (ou ignorância) é um defeito


do negócio jurídico porque faz com que a manifestação da vontade da parte do
negócio jurídico não corresponda ao que ele realmente quer. Ele implica uma
divergência inconsciente entre a vontade e a sua manifestação (MELLO, 2015).
O resultado do negócio não será o esperado, pois a manifestação foi feita sobre
pressupostos equivocados. Portanto, tendo em vista que a manifestação de
vontade é o elemento central de todo negócio jurídico, se ela não está de acordo
com a real vontade da parte, preenchidos alguns requisitos que você estudará na
sequência, o negócio será anulável, ou seja, poderá ser invalidado.

79
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

NOTA

O erro deve ser sempre um equívoco espontâneo. Conforme explicam Farias


e Rosenvald (2017, p. 656), “no erro o agente incorre sozinho em lapso, sem qualquer ação
de terceiro ou da parte contrária. Por isso, se, porventura, houver indução ao erro, altera-se
a categoria jurídica, caracterizando o dolo”.

Se você compreendeu bem o que é, afinal, o erro, deve estar pensando


em quão frequentemente ele ocorre. Todavia, não é qualquer erro que permite
a anulação do negócio jurídico. Para que isso seja possível, é necessário que o
erro seja substancial (também referido como essencial por parte da doutrina),
conforme previsto no Art. 138 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p):

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de


vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por
pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Você deve estar se perguntando, então: o que é um erro substancial? O


que o diferencia dos tantos erros que se cometem diariamente? A resposta mais
objetiva está no Art. 139. Vejamos:

Art. 139. O erro é substancial quando:


I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração,
ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem
se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de
modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o
motivo único ou principal do negócio jurídico (BRASIL, 2002, s.p)

Cada um desses incisos será explorado na sequência. Entretanto, o que


todos têm em comum que tornam os erros ali previstos substanciais a ponto de
permitirem a anulação do negócio jurídico?

A substancialidade do erro está relacionada com o fato de que o equívoco


recaiu sobre um elemento essencial do negócio. Ou seja, se a pessoa não tivesse
errado, não tivesse aquela percepção equivocada, não ignorasse algum fato,
ela não teria realizado o negócio. Portanto, o erro substancial é aquele que foi
determinante para a decisão da parte em realizar o negócio jurídico. Por exemplo:
se Fulano soubesse que a sala comercial que alugou não permitia a modificação da
fachada, não teria feito o contrato; se Sicrano soubesse que o celular que comprou
não funcionava fora do país, não o teria comprado; se Beltrano tivesse se atentado
que o contrato de decoração da festa de seu filho não incluía a locação das mesas
e cadeiras, não teria fechado o negócio.

80
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Logo, pode-se dizer que o erro substancial deve ser de tal ordem que o
negócio jurídico não se realizaria se a realidade fosse conhecida do manifestante
da vontade. Portanto, não basta que haja erro quanto à substância do negócio
jurídico, mas é necessário que sua intensidade seja capaz de, efetivamente, viciar
à vontade (MELLO, 2015).

Como advertem Farias e Rosenvald (2017, p. 656), “a análise da existência,


ou não, do erro envolve matéria fática (quastio facti), demandando a produção de
prova”. Desse modo, não basta que a parte que errou alegue este fato, ela deverá
prová-lo, demonstrando que efetivamente não teria realizado o negócio se não
tivesse errado.

Quer dizer, então, que nos exemplos dados os negócios são todos
anuláveis? Não, necessariamente! Além de ser substancial, há outros elementos
que devem estar presentes para que o negócio possa ser invalidado. É sobre este
ponto que recai a maior controvérsia da doutrina no que tange à matéria dos
defeitos dos negócios jurídicos. Para que você a compreenda, leia, com atenção, a
segunda parte do Art. 138:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de


vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por
pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio
(BRASIL, 2002, s.p)

Quem, afinal, é essa pessoa de diligência normal? A pessoa que errou ou


a outra parte do negócio? Se a interpretação for no sentido de que se trata da
pessoa que errou, o outro elemento que deverá ser comprovado para que o erro
possa ensejar a anulação do negócio jurídico é a escusabilidade. Se for no sentido
de que é a outra parte do negócio, o requisito que deverá ser comprovado é a
cognoscibilidade. Até o momento, ainda não há unanimidade sobre o assunto na
doutrina pátria. Assim, você deve conhecer ambas as posições, posto que ainda
há grande divergência, seja nos debates teóricos, seja na aplicação da norma aos
casos concretos.

Primeiramente, o que quer dizer escusabilidade? Escusar é perdoar. Ou


seja, o erro escusável é aquele que pode ser perdoado, pois praticamente qualquer
pessoa de diligência normal (ou o tal do “homem médio”) também o cometeria.
Não houve uma negligência, não foi um descuido daquela pessoa específica. Foi
um equívoco que outras pessoas, nas mesmas circunstâncias também cometeriam.

Pensando nos exemplos trazidos, no caso de Beltrano, que contratou a


empresa de decoração, provavelmente não se reconheceria a escusabilidade,
pois se tivesse pesquisado um pouco mais, ou inquirido diretamente a empresa
contratada, provavelmente teria descoberto que não estava incluído no serviço o
aluguel de mesas e cadeiras.

81
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Já cognoscibilidade diz respeito àquilo que pode ser conhecido, que


pode ser percebido. No caso, um erro cognoscível seria aquele que a outra parte
do negócio (não a que está cometendo o erro) poderia ter percebido que havia
algo errado com a manifestação de vontade do outro contratante. Ocorreria, por
exemplo, no caso de Sicrano que, ao comprar o celular no Brasil, menciona que
mora na Costa Rica e que levaria o aparelho para lá. Nessa situação, o vendedor
poderia perceber que Sicrano estava equivocado quanto ao modelo do aparelho
escolhido, visto que este não funciona no exterior.

A parte da doutrina que defende que o segundo elemento que deve estar
presente para a anulação do negócio jurídico é a escusabilidade:

A norma do Art. 138 tem a escusabilidade, não a recognoscibilidade,


como elemento essencial à configuração (= completante do suporte
fáctico) do erro substancial invalidante, donde se dever concluir que
o erro imperdoável, inescusável, não pode servir de fundamento à
anulabilidade do negócio jurídico. De modo algum a norma adotou
o reconhecimento do erro pelo outro figurante como elemento
tipificador do erro invalidante, inferência a que se chega da simples
interpretação gramatical da norma. O emprego do verbo poder no
futuro do pretérito (poderia ser percebido), que denota incerteza,
probabilidade, dúvida sobre algo, não certeza, realidade, e relaciona
o requisito de agir como pessoa de diligência normal ao figurante que
errou, não ao outro figurante. O que a norma exige é que as pessoas
usem de normal diligência no tráfico negocial, punindo aquele que
age negligentemente. A norma não se dirige ao outro figurante do
negócio, mas àquele que alega o erro. Se aquele que errou atuou, em
face das circunstâncias do negócio, com diligência normal, o seu erro
é escusável e, portanto, é o negócio anulável. Se, ao contrário, a sua
análise das circunstâncias do negócio foi negligente, estulta, grosseira,
o erro é inescusável e, portanto, não constitui causa de anulabilidade
(MELLO, 2015, s.p).

Ainda, para Mello (2015), o requisito não pode ser a cognoscibilidade,


pois neste caso o vício seria o dolo, e não erro. No mesmo sentido, é a posição
de Monteiro e Pinto (2016), e de Gagliano e Pamplona Filho (2015), que ainda
advertem que a escusabilidade deve ser observada no caso concreto, posto que o
que é perdoável para um sujeito comum, não será de um especialista no objeto.

Do outro lado, estão os estudiosos que defendem que o Código Civil de


2002 substituiu o requisito da escusabilidade pelo da cognoscibilidade. Entendem
que o negócio só será anulado se presumível ou possível o reconhecimento do
erro pelo outro contratante (DINIZ, 2006). Nesse sentido, é didática a explicação
feita a seguir:

82
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Vejamos um exemplo para demonstrar como o erro não precisa ser


mais escusável, o que ampara a primeira corrente, consubstanciado
no enunciado doutrinário. Imagine-se que um jovem estudante recém-
chegado do interior de Minas Gerais a São Paulo vá até o Viaduto
do Chá, no centro da Capital. Lá, na ponta do viaduto, encontra
um vendedor – na verdade, um ambulante que vende pilhas – com
uma placa ‘Vende-se’. O estudante mineiro então paga R$ 5.000,00
pensando que está comprando o viaduto, e a outra parte nada diz. No
caso descrito, o erro é muito grosseiro, ou seja, não escusável, e, pela
sistemática anterior, a venda não poderia ser anulada. Mas, pela nova
visão do instituto, caberá a anulação, mormente porque a outra parte,
ciente do erro, permaneceu em silêncio, recebendo o dinheiro. Ora,
se a lei protege quem cometeu um erro justificável, muito mais deve
proteger aquele que pratica o erro inescusável, diante da proteção do
portador da boa-fé (TARTUCE, 2016, p. 255).

Farias e Rosenvald (2017, p. 657) destacam a relevância do princípio da


confiança para a interpretação do dispositivo legal em questão:

Na sistemática do Código Civil de 2002, no entanto, não há mais


a exigência do requisito escusabilidade para a caracterização do
erro como defeito do negócio jurídico. É que se adotou o princípio
da confiança, corolário da boa-fé objetiva nas relações jurídicas
(proclamada como princípio interpretativo fundamental pelo
Art. 113 do Código vigente), pelo qual basta que o agente tenha se
comportado eticamente, acreditando na situação fática que acobertou
a sua declaração de vontade. Mais relevante do que a cognoscibilidade
(conhecimento) é a confiança que se desperta nas relações jurídicas
como um todo.

É perceptível que ambas correntes têm bons argumentos. Nevares (2013),


apesar de entender que o Código escolheu a cognoscibilidade com requisito para
anulação dos negócios jurídicos em razão de erro, observa que o requisito da
cognoscibilidade pelo outro contratante não exclui por si só a necessidade da
escusabilidade do erro. O primeiro está na pessoa que recebe a manifestação
da vontade, enquanto o segundo está naquele que declara a vontade viciada
(NEVARES, 2013). Nesse sentido, a mesma autora ainda conclui que:

A exigência da desculpabilidade do erro privilegia a conservação


dos negócios e, dessa forma, a segurança das relações jurídicas, pois,
conjugando-se este requisito à recognoscibilidade do erro pela outra
parte, a anulação do negócio em virtude da manifestação da vontade
viciada por falsa noção da realidade, só terá lugar quando as partes
tiverem agido de boa-fé e sem culpa (NEVARES, 2013, p. 297-298).

Ou seja, apesar de objetivamente ter a legislação vigente optado que o


requisito para anulação do negócio é a possibilidade de ciência pela parte contrária
do erro do contratante, a análise da escusabilidade está de acordo com o princípio
da manutenção do negócio jurídico e da boa-fé, privilegiando a segurança jurídica
e evitando o benefício de um negociante negligente.

83
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Este tipo de interpretação, mais profunda e de acordo com os princípios


apontados tem pautado boa parte das decisões judiciais sobre a matéria, mas não
se pode dizer que é uma posição consolidada. Portanto, quando se tratar de erro,
qualquer das posições que sejam alegadas devem ser justificadas, fundamentadas
e, nunca é demais advertir, também provadas.

Por fim, a última característica que o erro deve ter para que permita a
anulação do negócio jurídico é que ele deve ser real, isto é, tangível, palpável,
importando efetivo prejuízo para o interessado (non fatetur qui errat) (MONTEIRO;
PINTO, 2016).

Em suma, para que um negócio jurídico seja anulável por erro, esse
erro deve ser substancial, escusável e/ou cognoscível (a depender da corrente
adotada) e real.

Agora que você já entendeu o que é o erro essencial e os demais requisitos


que devem ser provados para a anulação do negócio jurídico com este defeito,
deve conhecer os diferentes tipos de erros. Para isso, veja, novamente, o que
dispõe o Art. 139 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p):

Art. 139. O erro é substancial quando:


I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração,
ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem
se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de
modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o
motivo único ou principal do negócio jurídico.

Cada inciso elenca algumas classificações referentes aos tipos de erro que
podem ocorrer. No inciso I, tem-se o error in negotio, o error in corpore e o error in
substantia. O inciso II trata do error in persona, e o inciso III do error iuris. Veja então
que tipo de situação caracteriza cada um destes erros:

• Error in negotio (erro sobre a natureza do negócio): ocorre quando se


intenciona praticar certo negócio e, no entanto, se realiza outro (MONTEIRO;
PINTO, 2016, s.p). Ou seja, é quando pelo menos uma das partes pensa que está
realizando um negócio, porém, em verdade, é outro que está sendo avençado.
Por exemplo, Fulano oferece seu apartamento de praia para Sicrano em locação,
mas Sicrano entende que está acordando um comodato (um empréstimo); ou
então, Fulano deixa seu carro com Beltrano em depósito, para que o guarde,
mas Beltrano entende que o bem lhe foi entregue para que o vendesse (contrato
estimatório).
• Error in corpore (erro sobre o objeto): é “aquele que versa sobre a identidade do
objeto, é o que ocorre quando, por exemplo, declara-se querer comprar o animal
que está diante de si, mas acaba-se levando outro, trocado” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 399). É quando se quer comprar um celular, mas
acaba-se levando um videogame portátil.

84
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

• Error in substantia (erro sobre as qualidades do objeto): “é o que versa sobre


a essência das coisas ou as propriedades essenciais de determinado objeto. É
o erro sobre a qualidade do objeto. É o caso do sujeito que compra um anel
imaginando ser de ouro, não sabendo que se trata de cobre” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 399) É o de quem adquire sapatos que pensa ser
de couro, mas que são em verdade de material sintético.

ATENCAO

O erro não se confunde com o vício redibitório. O erro “expressa uma


equivocada representação da realidade, uma opinião não verdadeira a respeito do negócio,
do seu objeto ou da pessoa com quem se trava a relação jurídica [...] vicia a própria vontade
do agente, atuando no campo psíquico (subjetivo)” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015,
p. 401). Não há no erro qualquer problema com o objeto efetivamente, o problema está na
mente da parte do negócio, que teve uma percepção equivocada sobre algo. Diferente é o
vício redibitório, um tipo de garantia contratual prevista legalmente, em que “se o adquirente,
por força de uma compra e venda, por exemplo, recebe a coisa com defeito oculto que lhe
diminui o valor ou prejudica a sua utilização (vícios redibitórios), poderá rejeitá-la, redibindo
o contrato, ou, se preferir, exigir o abatimento no preço” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 401-402). O vício redibitório se refere a um defeito efetivamente presente no objeto,
algo que o torna inservível ou diminui o seu valor. Por exemplo, se uma senhora adquire
um celular e o aparelho apresenta problemas nas teclas, ela terá adquirido um produto com
vício redibitório. Agora, se a mesma senhora adquire um videogame portátil, pensando ser
um celular, não há vício (pois o aparelho funciona normalmente como videogame), mas
sim erro. O que houve, no segundo caso, foi uma equivocada percepção da realidade, nada
tendo a ver com o efetivo funcionamento do produto adquirido.

• Error in persona (erro sobre a pessoa): “é o que versa sobre a identidade ou as


qualidades de determinada pessoa. É o caso de o sujeito doar uma quantia a
Caio, imaginando-o ser o salvador de seu filho, quando, na verdade, o herói foi
Tício” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 399). Importante perceber
que o erro sobre a pessoa, só vai ser considerado substancial, ou seja, apto a
tornar anulável o negócio jurídico, se a identidade ou a qualidade da pessoa
influenciou de modo relevante na sua manifestação de vontade. É o caso, por
exemplo, de se contratar o pintor Fulano para a pintura de um ambiente que
necessita perfeição nos detalhes, pois pensa que ele é exímio na realização de
acabamentos de pinturas customizadas, quando na verdade esta não é uma
habilidade que tenha.

85
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

E
IMPORTANT

O erro sobre a pessoa pode, inclusive, ensejar a anulação de um casamento. No


Código Civil de 2002, está previsto que o casamento pode ser anulado por erro essencial
quanto à pessoa do outro cônjuge, e o que se considera este erro essencial. Importante
lembrar que o casamento é um negócio jurídico, portanto válida para ele os requisitos
gerais aqui tratados. Todavia, além deles, por versar de matéria atinente ao direito de família,
ao se analisar um caso concreto sobre o tema, deve-se atentar aos princípios específicos
dessa matéria.

• Error iuris (erro de direito): o inciso III do Art. 139 prevê que também é
substancial o erro quando for de direito (contrapondo-se aos demais erros,
que podem ser chamados de erros de fato), ou seja, o equívoco recair sobre
a existência ou validade de alguma norma jurídica. “O erro de direito não
consiste apenas na ignorância da norma jurídica, mas também em seu falso
conhecimento, na sua compreensão equivocada e na sua interpretação errônea,
podendo, ainda, abranger a ideia errônea sobre as consequências jurídicas
do ato negocial” (DINIZ, 2006, p. 455-456). Por exemplo, é o caso “de alguém
que eventualmente celebra um contrato de importação de uma determinada
mercadoria, sem saber que, recentemente, foi expedido decreto proibindo a
entrada de tal produto no território nacional” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 400).

Entretanto, para que este tipo de erro torne o negócio jurídico anulável,
é importante que não implique na recusa da aplicação da lei. E o que isso quer
dizer? Lembre-se de que o Art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro dispõe que: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não
a conhece. Ou seja, ninguém pode alegar em seu benefício que desconhecia a
legislação, de forma a não a cumprir. Assim, pensando no exemplo citado, o
importador, descobrindo a proibição, poderia pedir a anulação do contrato de
importação, mas nunca a permissão para que os produtos entrem no país, pois
isto implicaria na recusa da aplicação da lei.

Por fim, a última questão que deve ser verificada é se o erro de direito
era o único ou principal motivo para a realização do negócio. Ora, como você já
estudou antes, isso é decorrência do próprio fato de o erro ter que ser substancial.
Se não havendo o erro a pessoa não realizaria o negócio, ele será anulável, caso
contrário (ou seja, não era o único ou o principal motivo para o negócio), não
haverá justificativa para a anulação. Para finalizar esses tipos de erros substancial,
veja o exemplo trazido por Tartuce (2016, p. 256), que apresenta todos os elementos
do erro de direito:

86
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

A título de exemplo, imagine-se o caso de um locatário de imóvel


comercial que celebra novo contrato de locação, mais oneroso, pois
pensa que perdeu o prazo para a ação renovatória. Sendo leigo no
assunto, o locatário assim o faz para proteger o seu ponto empresarial.
Pois bem, cabe a alegação de erro de direito essencial ou substancial, a
motivar a anulação desse novo contrato.

Há, ainda, um último tipo de erro que pode, preenchidos alguns


pressupostos, também tornar o negócio jurídico anulável. É o chamado falso
motivo, que está previsto no artigo 140 do Código Civil, nos seguintes termos:
“O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão
determinante”.

Para compreender o dispositivo, é importante perceber que o motivo


do negócio não se confunde com a sua causa. Motivo é a razão intencional
determinante do negócio jurídico. É o móvel que conduz a pessoa a praticar o
ato jurídico (MELLO, 2015). A causa, por sua vez, é a razão jurídica do negócio.
Por exemplo, numa compra e venda, a causa é a necessidade de transferência de
um bem em trocar de pecúnia, enquanto o motivo pode ser o mais variado, como
necessidade (do dinheiro ou do bem) ou apenas desejo. Portanto, o Art. 140 está
se referindo a questão subjetiva, o porquê a parte decidiu fazer aquele negócio.

Entretanto, o equívoco sobre o motivo só permitirá a anulação do negócio


se ele tiver sido expressado como razão do negócio, pois como bem observam
Farias e Rosenvald (2017), não seria crível, nem admissível, pudesse a ordem
jurídica permitir a investigação do escopo psicológico das pessoas, salvo quando o
motivo integra o próprio negócio. É o caso do seguinte exemplo, apresentado por
Monteiro e Pinto (2016, s.p): “Por exemplo, em meu testamento faço legado a certa
pessoa, declarando que assim procedo porque ela me salvou a vida. Desvendada
a falsidade dessa assertiva, razão determinante da disposição testamentária, o ato
não prevalece, impondo-se lhe a anulação”. Ou seja, o motivo que levou a pessoa
a fazer o testamento foi explicitado no ato do negócio jurídico e, descobrindo-se
que ele era falso, possível a anulação do ato pelo erro. Por outro lado, Tartuce
(2016) chama atenção para a necessidade da prevalência do princípio da boa-fé,
pois mesmo que expresso o motivo, se a outra parte não tinha como saber da sua
falsidade, não deve ser anulado o negócio, e complementa:

Ilustra-se com o caso da pessoa que compra um veículo para presentear


uma filha. Na véspera da data festiva descobre o pai que o aniversário
é do seu filho. Tal motivo, em regra, não pode gerar a anulabilidade do
contrato de compra e venda desse veículo. O objetivo da compra era
presentear um dos filhos, não importando àquele que vendeu o bem
qual deles seria presenteado (TARTUCE, 2016, p. 256-257).

Em regra, portanto, o falso motivo não torna o negócio anulável. Para


que isso seja possível, deverá a parte interessada comprovar que o expressou no
momento da compra e que a outra parte o podia reconhecer (cognoscibilidade).

87
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Você viu até agora todos os elementos necessários para que um negócio
jurídico possa ser anulado por erro. Todavia, como também já deve ter percebido,
existem uma infinidade de situações em que há erro, mas que não se enquadram
como erros substanciais. Nesses casos, tem-se o que se chama de erro acidental.

De acordo com Mello (2015, s.p), o erro acidental é “aquele que se refere
a qualidades secundárias do objeto da declaração ou das pessoas ou, ainda,
aos motivos determinantes do ato, estes quando não declarados como razão
determinante ou sob a forma de condição, não tem o condão de permitir a
anulação do ato jurídico”.

Haverá um erro acidental quando se perceber que, mesmo se não tivesse


cometido o erro, o negócio poderia ter sido realizado. Este tipo de erro não
permite a anulação do negócio jurídico. No máximo, o que deve haver é o ajuste
da avença.

Um tipo de erro acidental está previsto expressamente no Código Civil.


É o chamado erro de cálculo. Conforme o artigo 143, “O erro de cálculo apenas
autoriza a retificação da declaração de vontade”. Ou seja, se o problema, o erro, for
com relação a quantidades ou valores, não poderá ser o negócio desfeito, devendo
apenas realizar-se a retificação. Nesse sentido, Diniz (2006, p. 457) explica que: “O
erro de cálculo (erro aritmético), p. ex., fixação de preço da venda baseada na
quantia unitária, computando-se de forma inexata o preço global), autoriza tão-
somente a retificação da declaração volitiva (CC, Art. 143), não anula, portanto,
o ato”.

O dispositivo está de acordo com o princípio da conservação dos negócios


jurídicos, que preconiza que sempre que for possível, sem prejuízo às partes, o
negócio deve ser mantido em vez de anulado. São, nesse sentido, também, as
previsões dos Arts. 142 e 144. Veja:

Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a


declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto
e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.
[...]
Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando
a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para
executá-la na conformidade da vontade real do manifestante (BRASIL,
2002, s.p).

No primeiro caso, sempre que a indicação for equivocada ou insuficiente,


mesmo assim for possível entender a real vontade da parte, deve o negócio ser
mantido, em respeita a ela. Na segunda situação, há efetivamente a positivação
do princípio da conservação.

Nesse último dispositivo [Art. 144], em sintonia com a valorização da


eticidade e da operabilidade, no sentido de efetividade, procurou a nova
lei preservar a manifestação de vontade, constante do negócio jurídico
(mais uma vez incidente o princípio da conservação contratual), desde
que respeitada a intenção dos negociantes (TARTUCE, 2016, p. 257).

88
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Você ainda deve saber que, conforme o artigo 141, “A transmissão errônea
da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a
declaração direta”. Ou seja, se o veículo utilizado não transmite fielmente a
vontade, fazendo surgir divergência entre o agente e a outra parte, poder-se-á
alegar o erro nos mesmos casos, nas mesmas condições, em que a manifestação
da vontade é realizada inter praesentes (MONTEIRO; PINTO, 2016).

Agora que você compreendeu que tipos de erros possibilitam a anulação


do negócio jurídico, perceberá que o estudo dos demais defeitos será muito mais
fácil, pois apesar de as causas divergirem, os pressupostos necessários para que
se possa dizer que o negócio é anulável, são muito semelhantes.

2.2 DOLO
Quando um vendedor afirma que a joia que vende é de ouro, mas, na
verdade, é de latão; quando um locador afirma que o apartamento é de frente
para a rua, mas na verdade é nos fundos; ou ainda quando o empregador assevera
que o trabalhador fará o serviço sentado, quando na verdade deverá passar o
dia em pé, é visível que há má-fé de uma das partes, a fim de induzir a outra a
fechar o negócio. Em todas essas situações, os sujeitos agiram com dolo, ou seja,
eles queriam que a outra parte fechasse e o negócio e, para isso, utilizaram-se de
informações falsas, subterfúgios, artifícios para convencê-la.

“Enquanto no erro há uma (espontânea) falsa impressão das circunstâncias


do negócio, no dolo tem-se um vício através do qual o agente é induzido a se
equivocar em razão de manobras astuciosas, ardilosas e maliciosas perpetradas
por outrem” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 659). Muitas vezes, portanto,
os negócios viciados por erro ou por dolo são semelhantes. A diferença está
efetivamente em verificar de onde partiu o equívoco. Se a pessoa interessada,
ela mesma, teve uma percepção equivocada sobre algum aspecto do negócio, há
erro; se o equívoco é tido em razão de uma indução feita pela outra parte, tem-se
o dolo.

O dolo, como vício do negócio jurídico, é conceituado como “todo artifício


malicioso empregado por uma das partes ou por terceiro com o propósito de
prejudicar outrem, quando da celebração do negócio jurídico” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 402).

Ele “consiste nas práticas ou manobras maliciosamente levadas a efeito


por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe
traga proveito, ou a terceiro” (PEREIRA, 2011, p. 440). Ou seja, é quando uma
das partes mente, ou inventa uma situação, ou ainda, omite uma informação
intencionalmente para convencer a outra parte a fechar o negócio. Muito negócio
viciado por dolo configurará os famosos “golpes”, pois, como lembra Tartuce
(2016, p. 258), “o dolo é a arma do estelionatário”.

89
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

NOTA

O dolo que você está estudando não se confunde com o dolo penal, ou com
o dolo da responsabilidade civil. O dolo penal é o intuito de praticar determinada conduta
que é tipificada como crime.
O dolo da responsabilidade civil é como o dolo penal, só que o que se observa é a vontade
de causar um dano a alguém. Já o dolo como defeito do negócio jurídico diz respeito a
utilização de subterfúgios para conseguir que alguém manifesta sua vontade no sentido de
fazer um negócio jurídico.

Assim como no caso do erro, o dolo só tornará o negócio jurídico anulável


quando ele tiver sido a causa da declaração de vontade. O artigo 145 dispõe
que: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”.
Resumindo, se o negócio só se realizou em razão do artificio, do subterfugio
utilizado por umas das partes, o negócio é anulável. Tem-se aí o que a doutrina
chama de dolo principal.

Para que possa servir de causa anulatória do negócio jurídico, o dolo,


tal como o erro, deve ser principal (essencial), caracterizando-se como
aquele que funciona como elemento necessário para a realização do
negócio, ou seja, como sua causa determinante – motivo que conduziu,
fundamentalmente, à prática do ato negocial. Vale dizer, sem o dolo,
a parte não realizaria o negócio, sendo ele essencial à sua celebração.
É preciso que o dolo tenha sido a força propulsora da declaração de
vontade viciada (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 660).

Monteiro e Pinto (2016, s.p) resumem os elementos necessários para a


caracterização do dolo principal, ou seja, para que se possa afirmar ser o negócio
realizado anulável, nos seguintes termos: “a) haja intenção de induzir o declarante
a praticar o ato jurídico; b) que os artifícios fraudulentos sejam graves; c) sejam a
causa determinante da declaração de vontade; d) procedam do outro contratante,
ou sejam deste conhecidos, se procedentes de terceiro”. O primeiro, é o que
poderíamos dizer ser o dolo (em sentido amplo) da parte, ou seja, a vontade de
induzir a outra a fechar o negócio. O segundo, é a gravidade do artifício, ou seja,
deve ser um ardil capaz de enganar a outra parte. Não deve ser algo grosseiro,
uma mentira facilmente perceptível por qualquer negociante atento. Por fim, o
elemento da essencialidade, que é ser o artificio o que efetivamente determinou
que a declaração de vontade da outra parte fosse no sentido de fechar aquele
negócio.

Esses elementos, então, são o que a parte deverá, em futura ação judicial,
comprovar para que consiga a anulação do negócio jurídico. É importante
salientar, porém, conforme advertem Farias e Rosenvald (2017, p. 660), “não ser
necessário que haja prejuízo para aquele que, incorrendo no erro provocado,

90
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

manifesta a vontade através do dolo. Bastará que o artifício, o ardil, utilizado


tenha sido suficiente para fazer o agente celebrar um negócio que, em condições
regulares não celebraria”.

Em outras palavras, a parte que se sentir prejudicada pelo dolo deve


provar que ele ocorreu e que foi o motivo determinante para que fizesse o negócio,
entretanto, não precisará comprovar que efetivamente teve qualquer prejuízo
com o negócio, apenas que sua vontade foi viciada por dolo da outra parte.

Da mesma forma o erro, o dolo pode, por vezes, recair sobre algum
elemento secundário do negócio. Ou seja, há um engano provocado pela outra
parte, mas ele não é o que determina a decisão final do negociante. É o que se
chama de dolo acidental, previsto expressamente no Código Civil: Art. 146. O
dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando,
a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. Por exemplo:

[...] O sujeito declara pretender adquirir um carro, escolhendo um


automóvel com cor metálica, e, quando do recebimento da mercadoria,
enganado pelo vendedor, verifica que a coloração é, em verdade,
básica. Neste caso, não pretendendo desistir do negócio, poderá exigir
compensação por perdas e danos (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 404).

No caso, tendo em vista que o dolo não recaiu sobre uma característica
principal para este comprador (o principal é o carro e as suas características
mecânicas, não sendo fundamental a pintura metálica), não há motivo para
anular o negócio todo (desfazer a compra), já que a essência da vontade da parte
foi contemplada (ele adquiriu um carro). Todavia, se ele soubesse que o carro não
tinha cor metálica, talvez não tivesse pago o mesmo preço, por exemplo. Desse
modo, a legislação prevê que, recaindo o dolo sobre um elemento secundário da
negociação, apesar de a parte prejudicada não poder anular o negócio, poderá
pleitear perdas e danos, ou seja, um ressarcimento pelo prejuízo sofrido.

O dolo ainda costuma ser classificado como positivo ou negativo. O dolo


positivo ocorre quando o artifício malicioso é configurado por meio de uma ação,
uma conduta comissiva do agende do dolo. Por exemplo, quando o vendedor
mente sobre alguma das qualidades do objeto do contrato. O dolo por omissão,
por sua vez, ocorre em razão de um silenciamento da parte. É quando, por
exemplo, o vendedor deixa de informar que o bem que está alienado possui um
defeito importante, que dificulta a sua utilização.

O dolo negativo, ou dolo por omissão está também explicitamente


previsto no Código Civil, no artigo 147, que assim dispõe: Nos negócios jurídicos
bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade
que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem
ela o negócio não se teria celebrado.

91
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Como você já estudou na Unidade 1, os negócios bilaterais são aqueles que


se completam com duas manifestações de vontades, que coincidem um mesmo
objetivo, como na compra e venda, ou na locação, por exemplo. Assim, se em um
destes contratos, uma das partes deixa de prestar uma informação importante
para a outra, que inviabilizaria a realização do negócio, temos dolo o dolo
negativo. Por exemplo, Fulano, dono de dois cachorros, locou o apartamento de
Sicrano sem saber que no condomínio onde fica o imóvel é proibida a presença de
animais, pois na hora da negociação, mesmo sabendo que Fulano tinha cachorros,
Sicrano deixou de informar sobre a proibição, já que sabia que com isso Fulano
não assinaria o contrato.

Nesses casos você deve sempre se perguntar: se a informação tivesse


sido fornecida, a outra parte fecharia o negócio? Se não, temos um dolo por
omissão principal, o que torna o negócio jurídico anulável. Resumindo, nas
palavras de Diniz (2006): Para o dolo negativo deve haver: intenção de induzir o
outro contratante a praticar o negócio jurídico; silêncio sobre uma circunstância
ignorada pela outra parte; relação de causalidade entre a omissão intencional e a
declaração de vontade; ser a omissão do outro contratante e não de terceiro. Cabe
ressaltar, por fim, que o dolo por omissão pode também ser acidental, permitindo
que se pleiteie perdas e danos, desde que comprovado o prejuízo. Se a omissão
em nada afetou na negociação, é irrelevante como defeito do negócio jurídico.

ATENCAO

Apesar de o Código prever a anulação por dolo nos negócios jurídicos


bilaterais, Mello (2015) chama atenção para o fato de que não somente em negócios
jurídicos bilaterais é possível haver dolo. Assim, também nos negócios jurídicos unilaterais.
Por isso, é anulável a disposição testamentária que resulte de dolo.

O legislador também lembrou de prever que existem casos em que o dolo


não é praticado diretamente pela outra parte do negócio, mas por um terceiro.
Veja:

Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo
de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter
conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio
jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a
quem ludibriou (BRASIL, 2002, s.p).
.
Nesses casos, porém, é necessário que se observe se o beneficiado com o
negócio tinha (ou devesse ter) ciência, ou seja, conhecimento, do dolo praticado
pelo terceiro. Somente nessa situação o negócio será anulável. Por outro lado,
se o beneficiado nem imagina que o terceiro agiu ou poderia agir com dolo, não

92
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

há anulabilidade, uma vez que ambos os envolvidos diretos estão de boa-fé. No


caso, o terceiro deverá pagar perdas e danos para a parte prejudicada no negócio,
por ter sido por ele enganada. Para ilustrar, veja o seguinte exemplo:

Caio, colecionador de vasos antigos, contrata os serviços de Tício,


profissional especializado em intermediar a compra e venda de
objetos raros. Após alguns meses de busca infrutífera, Tício, atuando
dolosamente e objetivando não perder a sua remuneração, promoveu
a negociação de um falso jarro da dinastia Ming (réplica de um
original), entre Caio, tomador de seus serviços, e ORFEU, proprietário
do referido artefato. Note-se que Caio fora induzido a erro pelo
intermediário Tício, pessoa em quem depositava sincera confiança
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 405).

No exemplo, se Orfeu sabia (ou poderia saber, por alguma circunstância)


que Tício iria vender a réplica como se fosse uma peça verdadeira, o negócio
será anulável. Caso não soubesse, imaginando que a intermediação era da venda
para um cliente ciente na natureza do bem, o negócio ser mantido, devendo Tício
arcar com os prejuízos que causou a Caio. Sintetizando: “De regra, o dolo que
conduz à ineficácia do negócio é o que provém da outra parte, e não de terceiro,
cujo procedimento fundamentará apenas a obrigação de indenizar o prejudicado.
Mas se um dos contratantes o conheceu e dele se beneficiou, constitui motivo de
anulação” (PEREIRA, 2011, p. 441).

Além do dolo de terceiro, o dolo pode ser praticado pelo representante


da parte. Aí é importante lembrar que apesar de fisicamente o representante ser
um terceiro, ele será alguém que manifesta à vontade no lugar do negociante,
portanto, a sua responsabilidade deve ser averiguada levando-se em consideração
essa circunstância. O Código Civil (BRASIL, 2002, s.p) assim dispõe:

Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga


o representado a responder civilmente até a importância do proveito
que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o
representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.

Você já estudou, na Unidade 1, que a representação pode ser de duas


naturezas: legal (no caso, normalmente, de incapazes – sendo os pais, tutores
e curadores) ou convencional (no caso de pessoas capazes que escolhem seus
representantes – os mandatários, procuradores). Tendo em vista a origem distinta
das representações, o legislador diferenciou as consequências dos atos:

Em se tratando de representação legal – tutela ou curatela, por exemplo


–, o representado só responderá civilmente até a importância do
proveito que obteve. Se a representação for convencional – efetivada
por meio do contrato de mandato –, ambas as partes (representante
e representado), além da obrigatoriedade de devolver aquilo que
indevidamente receberam, responderão solidariamente por perdas e
danos (Art. 149 do CC-02) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015,
p. 406).

93
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Como o representante legal tem a responsabilidade por um incapaz, que


não o escolheu, deverá responder pelo prejuízo. O representado só arcará com
aquilo que efetivamente lucrou. Por exemplo, se um curador aluga um imóvel do
seu curatelado para um artista, asseverando que o imóvel tem uma linda vista para
o mar. Entretanto, quando o artista chega ao local, percebe que a vista é mínima,
e só de uma janela de banheiro. Solicita, assim, a devolução dos valores que
adiantou pela locação, e o ressarcimento dos prejuízos que teve com a mudança.
Se os valores pagos foram efetivamente revertidos em benefício do curatelado,
eles deverão por ele ser devolvidos, enquanto os outros custos e eventuais valores
que não lhe foram repassados deverão ser arcados pelo curador.

Por outro lado, no caso do representante convencional, tendo em vista


que foi escolhido pela pessoa que será a parte do negócio, seus atos, mesmo que
dolosos, se estiverem dentro dos poderes que lhe foram conferidos, ensejarão
a responsabilidade solidária dos envolvidos. Ou seja, o ressarcimento e/ou
as perdas e danos poderão ser cobrados de ambos, sem se limitar ao benefício
efetivamente tido pela parte.

Há ainda uma última hipótese prevista na legislação, mas que não permite
a anulação do negócio. É o caso de haver o chamado dolo recíproco. De acordo
com o artigo 150: Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-
lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. É uma vedação expressão
ao benefício da própria torpeza. Farias e Rosenvald (2017, p. 662) lembram que
“pouco interessa a espécie de dolo que cada uma das partes possuía, não se
admitindo, em nenhuma hipótese, a anulação do ato”. Haverá, nesses casos, uma
espécie de compensação das condutas.

De toda sorte, se os dolos de ambos os negociantes causarem


prejuízos de valores diferentes, pode ocorrer uma compensação
parcial das condutas, o que gera ao prejudicado em quantia maior o
direito de pleitear perdas e danos da outra parte. O dolo bilateral (de
ambas as partes) é também denominado dolo compensado ou dolo
enantiomórfico (TARTUCE, 2016, p. 261).

Para exemplificar a situação, pode-se mencionar o caso de vendedor que


assegura que o relógio que vende é de ouro (quando não é) e que recebe, em troca
do bem, um cheque que já está prescrito, mas que o comprador assegura que
poderá ser resgatado diretamente com o emissor da cártula. Ora, nestes casos
ambas partes agiram com má-fé, não podendo qualquer delas reclamar anulação
do negócio ou pedir perdas e danos.

94
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

NOTA

O dolo que você está estudando, que permite a anulação do negócio jurídi-
co, ou ao menos que se reclame perdas e danos, é classificado pela doutrina como dolus
malus, em contraposição ao dolus bonus, que seria um dolo aceitável, tolerável, em nossa
sociedade, como no caso de comerciantes que exageram na hora de fazer elogios às ca-
racterísticas de um determinado produto, a fim de chamar atenção da clientela. Entretanto,
os limites entre o dolus bonus e a propaganda enganosa são muito tênues. Em razão disso,
Farias e Rosenvald (2017, p. 661) advertem que:

[...] O Código de Defesa do Consumidor vedou qualquer espécie de


propaganda enganosa, em seu Art. 37, impedindo que se conduza o
consumidor a qualquer tipo de erro, motivo pelo qual ficou obstado,
em sede consumerista, qualquer espécie de exagero, que somente
será admitido se não for capaz de induzir o consumidor em erro. Por
conta disso, o dolus bonus não mais é tolerável no âmbito das relações
de consumo. Outrossim, é preciso realçar que se a malícia perpetrada
pelo agente para a celebração do negócio (dolus bonus) implicar em
violação da boa-fé objetiva, transmuda-se em dolus malus (ou dolo
do mal), tornando o negócio anulável.

Por fim, não é demais lembrar que “o dolo não se presume das
circunstâncias de fato, devendo ser provado por quem o alega” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 403). A parte interessada na anulação do negócio é
que deverá comprovar a prática do dolo pela outra parte.

2.3 COAÇÃO
Compreendido o erro e dolo, que são vícios de consentimento porque
a parte acaba manifestando a vontade por ter alguma informação equivocada,
distorcida, ou por não a ter, agora você compreenderá a coação, que é um vício
que atinge diretamente a liberdade da parte na hora de consentir. Na coação, a
pessoa não está sendo enganada, ela sabe exatamente o negócio que faz, mas ela
só aceita o negócio porque está sendo ameaçada, chantageada, extorquida.

[...] Tanto no dolo quanto no erro, o sujeito não sabe, no momento


em que emite sua declaração de vontade, que ela está deformada,
que ela não corresponde à sua efetiva pretensão. Na coação, de outro
lado, sabe-se: o sujeito não adotaria aquela atitude; apenas agiu de
certa forma porque havia um fator externo, que o pressionou a
tomar a medida contrária ao seu real interesse. Aí está a coação: um
constrangimento exercido sobre uma pessoa, impelindo-a a realizar
um ato que, de outra forma, não realizaria (NEVES, 2013, p. 336).

Importante saber que, neste vício “aquele que exerce a coação é


denominado coator e o que a sofre, coacto, coagido ou paciente” (TARTUCE,
2016, p. 261).
95
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Ainda, antes de você se aprofundar nos detalhes do vício, deve diferenciar


a coação moral (que efetivamente o vício regulado no Código Civil e agora
estudado) e a coação física, que torna o negócio jurídico inexistente (ou nulo,
conforme parte da doutrina).

A coação física (‘vis absoluta’) é aquela que age diretamente sobre o


corpo da vítima. A doutrina entende que este tipo de coação neutraliza
completamente a manifestação de vontade, tonando o negócio jurídico
inexistente, e não simplesmente anulável. Imagine a hipótese de um
lutador de sumô pegar a mão de uma velhinha analfabeta, à força,
para apor a sua impressão digital em um instrumento de contrato que
ela não quer assinar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 407).

Ou seja, na coação física, pouco importa o que o coagido pensava ou


queria. A vontade é absolutamente irrelevante, pois o seu corpo é utilizado como
instrumento para a realização do negócio sem que ele tenha controle sobre isso.
Por isso, na opinião da doutrina mais moderna, diz-se que “são situações-limite
em que nem sequer se poderá discutir a invalidade do ato jurídico, pois ele não
será considerado existente” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 407).
Portanto, se para existir um negócio jurídico é pressuposto haver a manifestação
de vontade, conforme você já estudou na Unidade 1, como nesse caso não há,
o negócio não existe. Não se pode desconhecer, porém, que parte da doutrina
irá dizer que a coação física causa a nulidade absoluta (que você estudará na
sequência desta unidade, e não a inexistência).

A fim de que não reste dúvida, lembre-se sempre de que, na coação física,
o corpo da pessoa que está sendo coagida é manipulado em desacordo com os
seus sentimentos e desejos, não é ela que o conduz, mas sim o coator.

Tome-se um exemplo histórico: a princesa Margot casou-se com


Henrique de Navarra – futuro Henrique IV da França – por motivos
políticos. Ela era católica e, sabe-se, não queria desposar um noivo
protestante (com a péssima fama de não tomar banho). No momento
em que o celebrante do casamento perguntou à noiva se era de sua
espontânea vontade unir-se ao nobre, a princesa, que respondia com
um relutante silêncio, recebeu um empurrão de sua mão, a atenta
Catarina de Médici, o que fez balançar a cabeça. Pronto: estava casada.
É certo, contudo, que não houve manifestação de vontade. Houve, na
hipótese, coação física (NEVES, 2013, p. 336-337).

O que nos interessa, porém, é a coação moral, que é o defeito do negócio


jurídico. “A coação moral (‘vis compulsiva’), por sua vez, é aquela que incute
na vítima um temor constante e capaz de perturbar seu espírito, fazendo com
que ela manifeste seu consentimento de maneira viciada” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 407). Ou seja, na coação moral, o coagido acaba
aceitando o negócio por medo, entretanto, “nessa hipótese, a vontade do coagido
não está completamente neutralizada, mas, sim, embaraçada, turbada, viciada
pela ameaça que lhe é dirigida pelo coator” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 408).

96
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Ao contrário da coação física, porém, na coação moral não se pode dizer


“que fique excluída a possibilidade de decidir do coagido entre ceder à violência
moral, praticando o ato que dele se quer extorquir, ou a ela resistir, sofrendo as
suas consequências danosas” (MELLO, 2015, s.p). Há, ao menos teoricamente,
possibilidade de o coagido resistir à coação moral.

NOTA

Se Fulano é coagido por Sicrano, que aponta uma arma para sua cabeça
ameaçado matá-lo em caso de negativa, a doar-lhe parte da sua fortuna, está-se diante de
um caso de coação moral. O fato de a ameaça recair sobre a vida, ou a integridade física
não é o que caracteriza esse tipo de coação, mas sim o fato de que, mesmo não sendo
o esperado, Fulano pode, teoricamente, negar-se a aceitar o negócio jurídico que Sicrano
quer obrigado a fazer.

Do artigo 151 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p), extraem-se os elementos


caracterizadores da coação moral:

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal


que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável
à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família
do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve
coação.

Primeira coisa: assim como no erro e no dolo, para que o negócio jurídico
realizado seja anulável, deverá ser comprovado que a coação foi a sua causa. Ou
seja, que sem a ameaça, a chantagem, a parte não a teria realizado. Nas palavras de
Diniz (2006, p. 469): “A coação deve ser a causa determinante do negócio jurídico,
pois deve haver um nexo causal entre o meio intimidativo e o ato realizado pela
vítima. De modo que se o temor for ocasionado por força maior, será esta e não a
coação que viciará à vontade”. Como você poderá estudar na sequência, se a causa
da realização for negócio for um temor causado por evento que se caracteriza
como força maior, provavelmente estar-se-á diante do vício de estado de perigo.

Segundo ponto: a coação deve incutir um temor fundado. E o que isso


quer dizer? O temor deve ser de violação de um direito, um valor sensível ao
coato, “como morte, cárcere privado, desonra, mutilação, escândalo etc.” (DINIZ,
2006, p. 469). Deve incutir, ao paciente, o medo de algo que possa realmente
atingi-lo e que, de acordo com as suas características, seja suficiente para fazê-
lo ceder à chantagem. Pereira (2011, p. 444) observa ainda que “pode a coação
manifestar-se por ação ou omissão, desde que por uma atuação positiva ou por
uma abstenção qualificada obtenha o interessado a pressão anormal e injusta no
sentido de extorquir o consentimento”. Ou seja, além de ameaçar praticar um

97
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

mal, o coator pode ameaçar deixar de fazer algo. Se esta omissão for relevante a
ponto de gerar um temor fundado no coagido, teremos um negócio viciado. Por
exemplo, se Fulano ameaça deixar de comparecer à audiência de um processo
contra Sicrano, sendo ele a única testemunha de defesa que poderia absolvê-lo, o
temor dessa omissão pode ser suficiente para levar Sicrano a ceder a ameaça de
Fulano.

Ainda, este temor fundado deverá ser iminente e considerável. Entende-


se por iminente, neste caso, um mal que mesmo que não seja atual, imediato,
pode ser realizado logo e de forma que não seja possível que o coagido impeça a
sua ocorrência. É necessário:

Que o medo resultante da ameaça seja atual, presente, na ocasião da


prática do ato. Se o ato foi praticado já havendo cessado a ameaça, não
se pode falar em anulabilidade. Não é necessário que o mal com que
se ameaça seja presente. Este pode ser futuro, como também futuro
pode ser o dano. Não, porém, o medo (=fundado temor) (MELLO,
2015, s.p.).

O medo, então, é que deve ser iminente, e não o mal. Este deve ser
inevitável e considerável. Ser considerável que dizer que “há necessidade de que
seja grave o mal que se ameaça causar. Não uma gravidade especial. Basta que
se refira a um mal capaz de fazer com que a pessoa se sinta ameaçada” (MELLO,
2015, s.p). Em outros termos, pode-se dizer que “a ameaça deve ser séria e injusta,
e de tal monta que coloque o paciente numa alternativa entre o mal iminente e o
negócio extorquido, levando-o razoavelmente a suportar este último com todas
as suas consequências” (PEREIRA, 2011, p. 444).

Terceiro elemento: o dano que se teme deve ser dirigido à pessoa do


paciente, à família ou aos seus bens. Prioritariamente, portanto, o legislador
elencou que para a caracterização da coação é necessário que o dano que está
sendo ameaçado deve atingir a própria pessoa, posto que, é da natureza humana,
querer defender seus interesses. Pode também ser que o dano seja à família, posto
que, pelos laços afetivos que se presume haver entre os membros do mesmo núcleo
familiar, especialmente o mais próximo, qualquer ameaça a eles seria suficiente
para abalar o coagido. Por fim, o dano que se ameaça também pode recair sobre
os bens da pessoa ou de seus familiares, devendo-se sopesar, nestes casos, se a
ameaça é grave suficiente para justificar a realização do negócio jurídico que se
pretende anular.

Não se olvidou, porém, que, por vezes, pessoas que não são do núcleo
familiar podem ser o objeto da ameaça. Assim, o parágrafo único do Art. 151
prevê que, se for este o caso, o magistrado analisará o caso concreto para verificar
se pode considerar ter havido coação. Apesar de normalmente ser referido este
dispositivo pensando-se em amigos, namorados e outras pessoas que não são
família, mas com as quais se tem relações de afeto. Diniz (2006, p. 471) lembra que
é possível que ocorra a coação mesmo quando o dano visa pessoa não relacionada
diretamente ao coagido, nos seguintes termos: “Para evitar o assassínio iminente

98
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

do refém, a pessoa acede à extorsão. Não importa que entre a vítima da extorsão
e a vítima da ameaça não exista liame algum, familiar, social ou afetivo. A
solidariedade humana é suficiente para justificar a sucumbência do coacto à
exigência do coator”.

Com relação à coação o legislador também se preocupou com as


peculiaridades de cada indivíduo, não se pautando pela ideia de homem médio,
uma vez que os temores de cada um não podem ser generalizados. O artigo 152
prevê que: No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a
saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam
influir na gravidade dela.

Afastando-se um pouco da regra geral que toma como referência a


figura do homem médio na análise dos defeitos do negócio jurídico,
no apreciar a coação deve o juiz atentar para as circunstâncias do fato e
condições pessoais da vítima. Ninguém imagina uma franzina senhora
idosa ameaçando verbalmente um homem musculoso e saudável,
para que aliene o seu imóvel para ela. Se a lei não determinasse a
interpretação da norma à luz do caso concreto, abrir-se-ia oportunidade
para falsas alegações de coação, instalando-se indesejável insegurança
jurídica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 408-409).

É importante ter em mente, também, que, para caracterização da coação,


o objetivo do coator deve ser indevido. Mesmo que o que ele ameasse fazer seja
lícito, se o que ele busca obter é ilícito, também estaremos diante de uma situação
de coação. “Por isso é que, embora seja ato absolutamente lícito a denúncia de
um crime, a ameaça feita ao criminoso de denunciar seu crime, por exemplo,
considera-se coação invalidante, se o ato que dele se quer extorquir não é devido”
(MELLO, 2015, s.p) . Do mesmo modo, se um credor ameaça hipotecar a casa da
devedora, se esta não aceitar desposá-lo, também poderá se falar em coação.

Agora que você consegue compreender quando há coação, é importante


analisar duas situações, também explicitadas na legislação, que não configuram o
vício. São elas o exercício normal de um direito e o temor reverencial, conforme o
artigo 153 do Código Civil: Não se considera coação a ameaça do exercício normal
de um direito, nem o simples temor reverencial. Mas, afinal, o que é o exercício
normal de um direito? E um simples temor reverencial?

O exercício normal de um direito nada mais é que a “ameaça” de fazer o


que a lei permite para atingir um fim lícito. Exemplo clássico é o do locador que
ameaça ingressar com ação de despejo, caso o inquilino não pague os aluguéis
que tem em atraso. Do mesmo modo, o credor que ameaça protestar o título, caso
não seja pago. Nesses casos, ao contrário dos exemplos do parágrafo anterior,
tanto a “ameaça” quanto a finalidade estão de acordo com o ordenamento, não
havendo o que se falar de qualquer irregularidade. Obviamente, a ameaça deve
fazer aquilo que a lei permite, pois se, por exemplo, o credor ameaçar de morte a
mãe do devedor, caso este não lhe pague, estar-se-á fora do exercício normal do
direito, e teremos um negócio viciado.

99
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Ressalta-se, todavia, que apenas a ameaça do exercício normal do


direito não constitui constrangimento. Mudará o caso de figura,
porém, se disser respeito a exercício anormal ou irregular do direito,
como quando o credor infunde pavor ou grave apreensão no espírito
do devedor. Nesse caso, ocorrerá abuso do direito e a ameaça deixará
de ser legítima, inquinando-se o negócio jurídico de anulabilidade.
Havendo abuso de direito, simples protesto ou interpelação poderá
constituir coação (MONTEIRO; PINTO, 2016, s.p).

O temor reverencial, por sua vez, refere-se ao “respeito pela autoridade


paterna ou eclesiástica [o qual] não deve ser, em princípio, justificativa para se
anular o ato praticado. Entretanto, se esta força moral se fizer acompanhar de
ameaça ou intimidação, o vício poderá se configurar” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 409).

São situações em que a parte acaba fazendo um negócio com receio


de desagradar outra pessoa que lhe tem ascendência moral ou hierárquica.
Todavia, esse simples receio de desagrado não é suficiente para caracterizar
defeito do negócio jurídico, pois por mais subserviente que seja a pessoa, não
lhe foi realmente ameaçado qualquer direito. Seria o caso da filha, que para não
desagradar o pai idoso e adoentado, aceita casar-se com rapaz por ele apreciado,
mesmo a contragosto. Ora, nem o pai, nem o noivo a ameaçaram de nada, mas por
uma questão absolutamente subjetiva, ela sentiu-se obrigada a tomar tal decisão.
Assim, considerando que o direito não tem como ingressar nos meandros da
subjetividade de cada indivíduo nestas situações para saber a força do receio que
lhes toma, os negócios feitos nessas circunstâncias não são anuláveis.

Por fim, do mesmo modo que com o dolo, o legislador tratou de prever as
consequências do negócio jurídico quando o vício é causado por terceiro, e não
pelo próprio beneficiário. Veja o que dispõem os Arts. 154 e 155:

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela
tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta
responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.
Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de
terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter
conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas
e danos que houver causado ao coacto (BRASIL. 2002, s.p)

O regramento não difere muito do previsto para o vício visto anteriormente.


Você pode perceber que, do mesmo modo que com relação ao dolo, o elemento que
deverá ser perquirido, caso a coação seja praticada por terceiro, é se o beneficiado
com o negócio tinha conhecimento (ou devesse ter) da prática. Se sim, sabia, o
negócio será anulável. Caso contrário, o coator responderá por perdas e danos. A
fim de ilustrar a situação, veja este exemplo:

100
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Desse modo, imagine-se o caso em que alguém celebra um casamento


sob pressão de ameaça do irmão da noiva. Se a última tiver ou devesse
ter conhecimento dessa coação, o negócio é anulável, respondendo
ambos, irmão e irmã, solidariamente. Por outro lado, diante da boa-
fé da noiva que não sabia da coação, o casamento é conservado,
respondendo o cunhado perante o noivo por eventuais perdas e danos
decorrentes de seu ato (TARTUCE, 2016, p. 263).

Portanto, havendo boa-fé das partes, prevalece o princípio da manutenção


do negócio jurídico.

2.4 ESTADO DE PERIGO


Imagine que você estava caminhando por uma trilha e acaba caindo em
um buraco de onde você não conseguirá sair sozinho. Espera alguns minutos e
percebe que há pessoas vindo pelo caminho, e as chama, pedindo ajuda. O que
você ofereceria a elas para que lhe salvassem? Dinheiro? Seu carro? Sociedade na
sua empresa? Provavelmente, qualquer dessas coisas e até muito mais. Essa seria
uma típica situação de estado de perigo. Ou seja, uma situação em que você se
obriga a ter uma obrigação excessivamente onerosa para se salvar. Veja o que diz
o Art. 156 do Código Civil (BRASIL,2002, s.p):

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da


necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano
conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do
declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

As definições doutrinárias deste defeito do negócio jurídico não diferem


significativamente do que consta na legislação. Segundo Gagliano e Pamplona
Filho (2015, p. 418), o estado de perigo “configura-se quando o agente, diante
de situação de perigo conhecido pela outra parte, emite declaração de vontade
para salvaguardar direito seu, ou de pessoa próxima, assumindo obrigação
excessivamente onerosa”.

Para a caracterização do estado de perigo é necessária a presença de dois


elementos, que podem ser identificados na seguinte fórmula: “ESTADO DE
PERIGO = Situação de perigo conhecido da outra parte (elemento subjetivo) +
onerosidade excessiva (elemento objetivo)” (TARTUCE, 2016, p. 264).

O elemento subjetivo é a situação de perigo propriamente dita. Este


perigo, conforme entendimento amplamente majoritário, deve ser de um dano
pessoal, “portanto, que diga respeito, exclusivamente, à vida, à saúde ou à
integridade física, excluído do conceito qualquer prejuízo de ordem patrimonial”
(MELLO, 2015, s.p). Ainda, segundo Mello (2015, s.p.), “o dano temido deve ser
grave. É preciso que haja perigo de vida, ou de prejuízos ponderosos à saúde ou
à integridade física das pessoas, de tal ordem que incuta na pessoa temor que
justifica a assunção da excessividade da obrigação”. Ou seja, não basta um receio

101
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

de uma execução de dívida, por exemplo, o risco deve implicar a violação de


direitos mais sensíveis. É muito importante que você tenha isto claro em mente,
pois é um dos elementos que facilitará a diferenciação do estado de perigo para a
lesão, que você estudará na sequência.

Pois bem, ainda sobre o elemento subjetivo, para que se caracterize o


estado de perigo, além de a pessoa (ou pessoa a si relacionada) estar em risco, este
risco deve, obrigatoriamente, ser conhecido da outra parte. A configuração do
estado de perigo invalidante supõe intenção dolosa daquele que dele se aproveita
para obter vantagem indevida (MELLO, 2015). Isso é visível dos exemplos típicos
de estado de perigo, que normalmente envolvem o salvamento de alguém.

A pessoa a quem se requer o salvamento em troca de vultosa recompensa,


ou que a exige, para que tome alguma atitude, sabe do perigo e, sabendo, haverá
contra si certa presunção de má-fé, por estar se beneficiando de uma situação de
desespero da outra parte.

O segundo elemento, objetivo, é onerosidade excessiva. Para a


caracterização deste elemento, não basta a exigência, ou o oferecimento, de
vantagem para que a outra parte evite ou elimine e o perigo, é necessário que
essa vantagem seja desproporcional ao valor real daquela ação. Também não
tem relação com a condição financeira da parte, mas sim com os custos do
serviço (serviço de resgate, serviço médico, por exemplo). Os casos típicos para
exemplificar tal situação são os de atendimento médico, conforme didaticamente
exposto:

O conceito de onerosidade excessiva tem por fundamento a grande


desproporção entre o valor real do serviço prestado para eliminar o
estado de perigo e aquele pago por imposição daquele que se beneficia
do negócio jurídico. Não deve importar a repercussão da obrigação
no patrimônio do figurante do negócio jurídico, mas a excessividade
da exigência da outra parte, aproveitando-se do estado de perigo. Se
pessoa bastante rica em risco de vida concorda em pagar a cirurgião
importância de R$ 100.000,00 por uma cirurgia de urgência pala
qual ele cobra, regularmente, R$ 10.000,00, há onerosidade excessiva
invalidante. Se, ao contrário, o mesmo cirurgião cobra os R$ 10.000,00
pela mesma cirurgia a uma pessoa de poucas posses, o que lhe trará
dificuldades financeiras, não se caracterizará a anulabilidade. A nosso
ver a repercussão da obrigação no patrimônio do figurante não deve
ser levada em conta para apurar-se a excessividade da oneração capaz
de tornar anulável o negócio jurídico (MELLO, 2015, s.p).

Portanto, tudo que exceder o que seria normal de ser cobrado nesta situação,
por exemplo, estará eivado de vício e passível de ser reputado inválido. Se toda
a situação se caracterizar como excessiva, e ficar patente a má-fé do beneficiário
do negócio, em regra, todo ele será anulável. Entretanto, uma vez que se aplica
ao estado de perigo o disposto no §2º do Art. 157 do CC/02, quando as situações,
como no caso de um atendimento médico em hospital particular, envolverem
um serviço que possui um custo normalmente, somente estará autorizado o
reequilíbrio das prestações. Em outras palavras, somente se considerará legitima

102
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

a cobrança daquilo que normalmente é cobrado pelo mesmo procedimento de


outras pessoas ou em outras circunstâncias. Tudo que se demonstrar abusivo, ou
que possa denotar aproveitamento da situação de vulnerabilidade, poderá ser
tido como cobrança indevida.

O estado de perigo é “uma especial hipótese de inexigibilidade de


conduta diversa, ante a iminência de dano por que passa o agente, a quem não
resta outra alternativa senão praticar o ato” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 418). Assim, mesmo que o prejudicado no negócio seja um especialista,
devido a vulnerabilidade no momento da negociação, poderá alegar o vício. Por
exemplo: imagine que o filho de uma médica sofre um grave acidente e é levado
ao hospital para fazer uma cirurgia. No local, é dito que para que se garanta o
sucesso da cirurgia, é necessário que ele pague por meterias e procedimentos
específicos, excessivamente caros. Você acha que, em regra, a médica, terá
condições psicológicas de discutir com seus colegas os procedimentos na hora da
emergência? Provavelmente não. Se após a realização do procedimento verificar-
se que os materiais e procedimentos oferecidos eram desnecessários, poderá esta
mãe reclamar o estado de perigo, que lhe impôs ônus excessivo no momento que
buscava salvar o seu filho.

Veja este outro exemplo, tipicamente reconhecido como estado de perigo,


tanto pela doutrina como pela jurisprudência:

Não há como não se reconhecer a ocorrência deste vício no ato de


garantia (prestação de fiança ou emissão de cambial) prestado pelo
indivíduo que pretenda internar, em caráter de urgência, um parente seu
ou amigo próximo em determinada Unidade de Terapia Intensiva, e se
vê diante da condição imposta pela diretoria do hospital, no sentido de
que o atendimento emergencial só é possível após a constituição imediata
de garantia cambial ou fidejussória (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 419).

O legislador lembrou-se de deixar expresso que o risco pode recair sobre


pessoa que não seja da família do declarante e que, nestes casos, o magistrado
deverá analisar o caso concreto. Ora, como você já estudou quando da análise
do vício da coação, por vezes, há pessoas que não são familiares, mas que se tem
vínculos afetivos até mais fortes do que com estes.

Ainda, podem existir situações em que uma pessoa se sinta responsável


por um terceiro. Por exemplo, se Fulano atropela Sicrano, mesmo sem o conhecê-
lo, provavelmente se sentirá responsável pela sua situação e poderá aceitar maus
negócios para salvar a sua vida do risco que corre.

Para finalizar o estudo do estado de perigo, é importante ter clareza sobre


o que o diferencia da coação, defeito estudado no tópico anterior. Em ambas as
situações, o agente não manifesta sua vontade livremente, pois está querendo
salvar-se de um perigo. Ocorre que na coação há uma ameaça de dano, que ainda
não ocorreu, e a ameaça parte diretamente do coator, ou de terceiros, que tem
controle sobre se situação irá ocorrer ou não. Ou seja, na coação é o coator que cria

103
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

o risco de dano. Por outro lado, no estado de perigo o risco é atual ou iminente
e causado por uma situação externa aos envolvidos, como um acidente ou uma
doença. A parte que se beneficia no estado de perigo toma conhecimento de um
risco já existente, que não foi ele que deu causa.

Compreendido esse defeito dos negócios jurídicos, na sequência você


estudará o último vício do consentimento, a lesão, cujas semelhanças com o
estado de perigo não são poucas, exigindo muita atenção na hora de estudar os
elementos que os diferenciam.

2.5 LESÃO
Nem a lesão, nem o estado de perigo estavam previstos no Código Civil
de 1916, tendo sido incluídos em 2002. Isso não significa dizer que sejam institutos
jurídicos novos. A lesão, em especial, está historicamente presente no ordenamento
brasileiro, com destaque para a sua previsão na Lei nº 1.521/51 (Crimes Contra
Economia Popular) e no Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, é
importante ter em mente, desde já, que os pressupostos e as consequências da
lesão em cada legislação são distintos. Nesta seção você estudará detidamente
os elementos que caracterizam o que a doutrina chama de lesão especial, que é a
que está prevista no Código Civil de 2002. Ao final, poderá conhecer algumas das
diferenças para as outras lesões mencionadas.

No Código Civil (BRASIL, 2002, s.p), a lesão está assim prevista:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade,
ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido
suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a
redução do proveito.

De acordo com Diniz (2006, p. 473), a lesão “visa proteger o contratante,


que se encontra em posição de inferioridade, ante o prejuízo por ele sofrido na
conclusão do contrato comutativo, devido à considerável desproporção existente,
no momento da efetivação do contrato, entre as prestações das duas partes”. É que
a lesão ocorrerá quando uma das partes, por alguma circunstância que a coloque
em uma posição de inferioridade, faz um negócio extremamente desvantajoso
para si, desproporcional ao que seria normalmente negociado. Por exemplo:
Fulano, artista plástico, precisando entregar a obra que está fazendo até o dia
seguinte, sob pena de perder o contrato, fica sem material. O fornecedor, Sicrano,
cobra o triplo do preço normal pelo material. Fulano paga o preço exorbitante, pois
precisa imediatamente do material e não há outros fornecedores na região. Neste
caso, Fulano sofreu lesão, uma vez que necessitava fazer o negócio, e acabou se
obrigando a uma prestação (pagamento) manifestamente desproporcional (três
vezes maior que o preço normal do produto) ao valor real do que adquiriu.
104
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

NOTA

Em regra, a lesão será aplicável aos contratos comutativos, que são aqueles
em que há “equivalência aproximada ou exata entre as prestações das partes contratantes”
(FARIAS; ROSENVALD, 2018, p. 285). Normalmente, ocorre nas compras e vendas, locações,
prestações de serviços etc.

A lesão, assim como o estado de perigo, para que torne o negócio anulável,
deverá apresentar dois elementos. O elemento objetivo é a desproporção entre as
prestações. O elemento subjetivo é a premente necessidade ou a inexperiência.
Pode ser simplificado na seguinte fórmula: “LESÃO = Premente necessidade ou
inexperiência (elemento subjetivo) + onerosidade excessiva (elemento objetivo)”
(TARTUCE, 2016, p. 268).

Quanto à desproporção, é importante ter em mente que ela deverá ser


aferida no caso concreto. Não há nada na lei que diga que para ser desproporcional
deve ser mais que o dobrou, ou menos que dois terços, por exemplo. Diz-se,
portanto, que não há um sistema de tarifamento (uma tabela) que possa ser usado
de parâmetro para a identificação da equivalência ou não das prestações. Assim,
caberá ao magistrado concluir, de acordo com o caso apresentado, se houve ou
não a desproporção (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015).

De acordo com Monteiro e Pinto (2016), a desproporção deve ser excessiva,


facilmente detectada por qualquer um que tome ciência do negócio, ficando ao
prudente arbítrio do julgador o seu reconhecimento.

A premente necessidade, por sua vez, caracteriza-se pelo fato de o agente


ter urgência em resolver alguma necessidade que, ao contrário do estado de
perigo, não precisa ser de salvar-se, podendo ser uma necessidade de cunho
econômico, por exemplo.

A premente necessidade que impõe a assunção da obrigação onerosa


não deve ser considerada apenas sob o prisma econômico (por
exemplo, obter meios financeiros para cumprir um compromisso),
mas pode ter caráter apenas moral, como no caso de alguém que se
submete a contratar locação de prédio urbano a preço exorbitante
compelido pela precisão urgente de um teto para sua família que está
desabrigada, ou na hipótese de mulher que, em processo de separação
judicial motivada por maus tratos do marido, precisando livrar-se da
pressão psicológica cede parte importante de seu patrimônio para
viabilizar o acordo (MELLO, 2015, s.p).

Já a inexperiência caracteriza-se pela “falta de habilidade para o trato nos


negócios, sem significar, necessariamente, falta de instrução ou de cultura geral”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 414, itálicos no original) Ou seja,

105
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

ocorre quando a pessoa não tem conhecimento daquele ramo específico, ou sobre
o produto em questão. O exemplo típico é da pessoa que recebe uma obra de
arte como herança e a vende pelo valor de um objeto decorativo comum, por
desconhecer que foi feito por artista famoso. Nesse sentido, é o disposto no
Enunciado nº 410 do Conselho da Justiça Federal (BRASIL, s.d., s.p.):

A inexperiência a que se refere o Art. 157 não deve necessariamente


significar imaturidade ou desconhecimento em relação à prática
de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o
lesado, ainda que estipule contratos costumeiramente, não tenha
conhecimento específico sobre o negócio em causa.

Portanto, para que se possa dizer que o negócio é anulável pela lesão é
necessário que além da desproporção, o interessado prove que estava em premente
necessidade ou que era inexperiente naquele tipo de negócio. Sempre lembrando
que: Esses dois dados (necessidade ou inexperiência) devem ser considerados
alternativamente, de modo que não é preciso que ocorram simultaneamente no
caso concreto. Nada importa, porém, se os dois se materializem em concorrência
(MELLO, 2015).

Outro aspecto bastante importante que você deve se atentar quando for
analisar a lesão, é que não é necessário que se prove que a outra parte teve dolo
de aproveitamento (conforme previsto, inclusive, no Enunciado nº 150 do CJF: “A
lesão de que trata o Art. 157 do Código Civil não exige dolo de aproveitamento”
(BRASIL, s.d., s.p.)). “Basta, portanto, que a parte que se beneficia conheça a
situação de inferioridade, sendo desnecessária a intenção do agente de obter lucro
exagerado. Note-se, pois, que o elemento subjetivo diz respeito à vítima, não ao
beneficiário” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 668). Ou seja, não é necessário que
se prove o intuito, o dolo, da parte beneficiada, mas apenas que ela tinha como
perceber, ou conhecer, a situação de necessidade ou inexperiência da outra. Caso
contrário, agirá de boa-fé, não havendo justificativa para a anulação do negócio.

Aspecto interessante destacado no §1º do Art. 157 é que para a aferição


da lesão, deve ser tido em consideração os valores do momento da realização do
negócio. Ora, se Fulano adquiriu há três anos, por R$ 100.000,00 (cem mil reais)
um terreno de Sicrano que, em razão de fatores externos, valorizou-se e hoje pode
ser vendido por até R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), não há que se falar
em lesão, posto que o valor acordado na época, era o corrente no mercado. Do
mesmo modo, casa haja algum tipo de desvalorização, não se falará em lesão.

106
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

NOTA

A lesão deve ser sempre contemporânea ao momento da realização do


negócio. Caso, por fatores supervenientes, em um contrato de prestações sucessivas, as
prestações ficarem excessivamente onerosas para uma das partes, poderá ser caso de
revisão ou resolução contratual.

Tem-se, por fim, no §2º do Art. 157, a previsão da manutenção do negócio


jurídico, corolário do princípio da conservação. Considerando que na lesão há
uma desproporção entre as prestações, sempre que for possível, as partes poderão
optar por manter o negócio, apenas reequilibrando as obrigações. Ou seja, se
Fulano vendeu a Sicrana sua casa para pagar uma dívida da empresa pela metade
do preço que valia, não precisará, necessariamente, obrigar Sicrana a devolver a
casa (consequência da anulação do negócio), podendo eles apenas acertarem um
pagamento justo pelo imóvel.

A lesão deixa de ser causa de anulabilidade se o figurante favorecido


pela desproporção se dispõe a eliminar a desproporção, tornando
equânime o negócio jurídico, pela oferta de suplemento suficiente ou
de redução do proveito, conforme o caso. Assim por exemplo: (a) se
alguém que, aproveitando-se da necessidade do outro, compra imóvel
por preço correspondente a 1/3 do valor de mercado mas se oferece a
completa-lo, ou (b) se aquele que, aproveitando-se da inexperiência
do outro, vende imóvel por preço exorbitante (duas vezes o valor do
mercado, e.g.), se oferece a reduzir o preço ao normal, fica suprimido o
defeito invalidante (MELLO, 2015, s.p).

Nesses casos, reequilibradas as prestações, o negócio jurídico torna-se


perfeito.

107
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

E
IMPORTANT

A lesão, como apontado no início desta seção, também está prevista


em outros ramos do direito. Para caracterização da lesão, é desnecessária a prova do
elemento subjetivo (premente necessidade ou inexperiência), bastando a desproporção
das prestações para que o negócio seja inválido. Ainda, a lesão pode ser causa inclusive
de nulidade absoluta, enquanto a lesão do CC/02 é causa de anulabilidade (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015; DINIZ, 2006).

Conforme explica Diniz (2006, p. 473, grifos do original):

No nosso direito anterior estava prevista a lesão usurária ou usura real,


pela qual alguém, ante a necessidade premente ou inexperiência, com
dolo de aproveitamento, ou seja, com a intenção de tirar vantagem,
induz outrem a realizar negócio, praticando usura. Sendo ato ilícito
requer como sanção a nulidade ou a rescindibilidade negocial,
verificando-se, para tanto, qual foi a vontade do autor da lesão. Tal
lesão estava contida apenas na Lei n° 1.521/51, no seu Art. 4º, b, pelo
qual configura-se pelo ato de obter ou estipular qualquer contrato,
abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de
outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto ou 20% do valor
corrente ou do justo valor da prestação feita ou prometida, portanto
essa lei vem a considerá-la como crime contra a economia popular
e no Código de Defesa do Consumidor, Art. 39, ao tratar das práticas
abusivas do fornecedor de bens ou serviços.

Importante observar que, como a lesão usurária é tida como crime, para sua caracterização
é necessária a prova do dolo, enquanto nas demais modalidades não.

Agora, tendo estudado a lesão e o estado de perigo, talvez algumas


dúvidas tenham surgido quanto ao que, afinal, diferencia um defeito do outro.

Na lesão haverá desproporção das prestações, causada por estado de


necessidade econômica, mesmo não conhecido pelo contraente, que
vem de se aproveitar do negócio. O risco é patrimonial, decorrente da
iminência de sofrer algum dano material (falência, ruína negocial
etc.). Na base da lesão há, em regra, um sério e grave perigo de
natureza patrimonial ou material. No estado de perigo haverá temor de
iminente e grave dano moral (direto ou indireto) ou material, ou seja,
patrimonial indireto à pessoa ou a algum parente seu que compele
o declarante a concluir o contrato, mediante prestação exorbitante. O
lesado é levado a efetivar negócio excessivamente oneroso (elemento
objetivo), em virtude de risco pessoal (perigo de vida; lesão à saúde,
à integridade física ou psíquica de uma pessoa – próprio contratante
ou alguém a ele ligado), que diminui sua capacidade de dispor livre e
conscientemente. Surge uma dependência entre a situação de perigo
provocada e o constrangimento capaz de induzir a vítima a determinar
sua vontade negocial, sem ter plena liberdade e consciência, com diz
Rodrigo Toscano de Brito, caracterizando o elemento subjetivo do
estado de perigo (DINIZ, 2006, p. 477, grifos do original).

108
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Ou seja, o principal elemento diferenciador é a natureza de risco do que


leva a pessoa a fazer o negócio em estado de perigo, enquanto na lesão, a natureza
é de uma necessidade em geral econômica, que leva o agente a fazer um mal
negócio. Ainda, no estado de perigo é fundamental que se prove que a outra parte
sabia do perigo, enquanto na lesão não se exige o dolo de aproveitamento.

NOTA

Todos os vícios de consentimento têm características em comum e, muitas


vezes, nos casos concretos, não é fácil traçar uma linha que separe um do outro. Todavia,
como você perceberá ao estudar o próximo tópico desta unidade, sobre as invalidades,
as consequências da existência de qualquer um destes vícios é mesma, qual seja: a
anulabilidade. Assim, é comum encontrar casos muito parecidos em que foi dada definição
legal diversa (por exemplo, em um a anulação foi por erro e em outro por dolo negativo), a
depender da prova que foi feita e da interpretação do julgador sobre ela, sem que se possa
falar em prejuízo para a parte, já que a consequência é igual.

2.6 FRAUDE CONTRA CREDORES


No sistema jurídico brasileiro, o patrimônio do devedor é a garantia
comum de seus credores (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020). Ou seja,
caso a obrigação não seja cumprida no prazo acordado, o credor poderá buscar a
satisfação do seu crédito por meio da excussão do patrimônio do devedor. E se o
devedor não tiver patrimônio suficiente? O credor não terá seu crédito adimplido
totalmente. Não há possibilidade de que as dívidas sejam sanadas por meio
da escravização do devedor, por exemplo, pois o devedor responde pelas suas
dívidas com o seu patrimônio (presente e futuro) e não com a sua personalidade
(FARIAS; ROSENVALD, 2017).

A fraude contra credores é a prática, pelos devedores, de atos que diminuam


seu patrimônio (que é a garantia do credor) a ponto de não terem bens suficientes
para pagar a totalidade de dívidas que possuem, tornando-se insolvente. Por
exemplo: Fulano tem um patrimônio total de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais),
e uma dívida de R$ 270.000 (duzentos e setenta mil reais) com Beltrano. Parte do
patrimônio de Fulano é constituído de um terreno que vale R$ 70.000 (setenta
mil reais). Fulano doa este terreno para uma instituição de caridade. Assim, seu
patrimônio é diminuído e, mesmo se vender tudo que lhe restou, terá apenas R$
230.000,00 (duzentos e trinta mil reais), o que não será suficiente para saldar o total
da dívida com Beltrano. Fulano praticou fraude contra credores quando da doação
e Beltrano poderá pedir a anulação deste negócio jurídico. Nas palavras de Diniz
(2006, p. 491): “Constitui fraude contra credores a prática maliciosa, pelo devedor,
de atos que desfalcam o seu patrimônio, com o escopo de colocá-lo a salvo de uma
execução por dívida em detrimento dos direitos creditórios alheios”.

109
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

NOTA

Na fraude contra credores, o credor terá que provar, sempre, que o devedor
era insolvente ou se tornou por meio do ato que se busca anular. Afinal:

A fraude contra credores é o artifício malicioso empregado pelo devedor


com o fito de impor prejuízo ao credor, impossibilitando-o de receber o
crédito, pelo seu esvaziamento ou diminuição do patrimônio daquele.
Exige-se, pois, que o passivo do devedor tenha se tornado superior ao
ativo, por conta de atos praticados pelo titular com o propósito de lesar
o seu credor (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 674).

Compreendida a ideia básica do que se trata a fraude contra credores, você


irá agora estudar a regulação deste vício pelo Código Civil. É muito importante
ter em mente que há nos dispositivos várias referências a termos e institutos que
você provavelmente ainda não estudou e que não serão aprofundados neste
momento. Entretanto, isso não prejudica a compreensão do vício, que é o objetivo
desta disciplina. Veja o que dispõe o Art. 158 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p):

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de


dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido
à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos
credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
§ 1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem
pleitear a anulação deles.

O dispositivo inicia tratando dos negócios de transmissão gratuita (por


exemplo: a doação) ou de remissão de dívidas (ou seja, o perdão de dívidas)
praticado por um devedor que já esteja insolvente (tenha bens insuficientes para
saldar suas dívidas) ou que se torne insolvente por estes atos. Sobre a remissão
de dívidas, é importante ter em mente que se a pessoa tinha direito a receber
algo, isto faz parte do seu patrimônio, mesmo que ainda não esteja disponível,
e o fato de ela abrir mão disso quando deve para outras pessoas, prejudica os
seus próprios credores. Por exemplo: Fulano deve R$ 10.000,00 (dez mil reais)
para Sicrano. Mas, Beltrano deve R$ 10.000,00 (dez mil reais) para Fulano. Se
Fulano perdoar a dívida de Beltrano, estará frustrando a possibilidade de Sicrano
receber, praticando fraude contra seus credores. Resumindo: se uma pessoa não
tem patrimônio suficiente para saldar suas dívidas, tudo que tem é garantia dos
seus credores, não estando passível de sua livre disposição.

O segundo elemento do artigo que é muito importante que se dê atenção,


é para a frase “ainda quando o ignore”. Este trecho está se referindo ao fato de
que o devedor pode não saber que está insolvente, ou que aquele determinado ato
o levará à insolvência e, portanto, agirá de boa-fé. Nesse caso, sendo os negócios
que praticou gratuitos ou de perdão de dívida, basta que o credor prejudicado

110
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

comprove que o ato praticado pelo devedor diminuiu o seu patrimônio a ponto
de torná-lo insolvente (ou ainda mais insolvente, caso já estivesse nesta situação)
para que o negócio possa ser anulado como fraude contra credores. Não haverá
análise de elemento subjetivo. O devedor e quem foi beneficiado pelo negócio,
poderiam estar de total boa-fé no caso e, mesmo assim, poderão sofrer as
consequências da anulação do negócio.

Você deve ter percebido que o dispositivo legal, quando fala dos credores,
os chama de credores quirografários. O que são, afinal, credores quirografários?
Basicamente, são os credores comuns, aqueles que não tem nenhuma garantia.
Em geral são os portadores de títulos de crédito (cheques, notas promissórias)
ou contratos sem garantias. Ou seja, enquanto os credores com garantias, no caso
de inadimplemento do devedor, já têm um meio definido de cobrá-lo (execução
da garantia) tendo preferência sobre os bens que lhe foram dados em garantia,
aos credores quirografários, o que garante o crédito é o patrimônio em geral
do devedor. É por isso que é ele que tem o direito de arguir a fraude contra
credores. No caso do credor com garantia, caso o devedor venda o bem que lhe
estava reservado, ele terá meios contratuais para reverter a situação. Já o credor
quirografário não. Ele depende do patrimônio livre do devedor.

NOTA

Garantia, do ponto de vista jurídico, é um “reforço ou proteção, de caráter pesso-


al ou real, de que se vale o credor, acessoriamente, para aumenta a possibilidade de cumpri-
mento do negócio jurídico principal” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 354) É o caso
das fianças, avais, hipotecas, penhores, alienações fiduciárias. De forma simplificada, pode-se
dizer que há garantia sempre que um bem já esteja reservado para quitar a dívida, caso não
seja o pagamento feito pelo devedor ou quando outra pessoa se compromete em adimplir o
débito, caso o devedor principal não o faça.

O legislador, entretanto, inovou no Código de 2002 ao prever, no §1º do


Art. 158, que os credores com garantia insuficiente também têm direito de anular
os negócios feitos pelo devedor em fraude contra credores. Isso ocorre porque se
entende que a parte que não estiver coberta pela garantia (por exemplo, há uma
dívida de R$ 15.000,00, mas o bem dado em garantia vale só R$ 10.000,00) é um
crédito quirografário.

Será imprescindível, também, para a caracterização da fraude contra


credores, que o crédito tenha se constituído antes do ato de alienação. Ora, se
Fulano emprestou dinheiro para Sicrano em 10/10/2018, quando este já não
possuía qualquer patrimônio, não poderá alegar fraude contra credores em

111
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

relação a alienações que Sicrano fez antes da data do empréstimo. Portanto, para
que se alegue a fraude é importante observar o seguinte: primeiro, formação do
crédito, depois, realização do ato de fraude. Em outras palavras:

A pretensão a anular o ato de disposição é deferida somente aos


credores quirografários que já o eram antes de sua prática. Os credores
constituídos após o ato não podem pleitear a sua anulação, uma vez
que não é possível considerar-se fraudado o que nem existia (MELLO,
2015, s.p).

Conforme entendimento doutrinário, para a caracterização da fraude


contra credores existem dois elementos que devem ser averiguados: “um elemento
objetivo, formado pela atuação prejudicial do devedor e de terceiro, bem como
um elemento subjetivo, volitivo, a intenção de prejudicar os credores do primeiro
(consilium fraudis)” (TARTUCE, 2016, p. 279). Entretanto, se você prestou atenção
ao caput do Art. 158, pode estar se perguntando sobre este segundo elemento, já
que lá está previsto que não é necessário sequer que o devedor tenha consciência
da sua situação de insolvência. É isso mesmo. Apesar de serem elencados estes
dois elementos como formadores da fraude contra credores, no caso da prática
de atos gratuitos ou de remissão de dívida, o segundo elemento é dispensado. Há
uma espécie de presunção de má-fé pelo ato ser praticado sem contraprestação.
Mas quando, então, será necessária a configuração do consilium fraudis, ou seja, do
intuito de prejudicar os credores? Sempre que o negócio praticado for oneroso.
Veja o que dispõe o Art. 159 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p) :

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor


insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para
ser conhecida do outro contratante.

Previu-se, portanto, que sempre que o negócio for oneroso, além de


comprovar o elemento objetivo (eventus damni), ou seja, a diminuição do patrimônio
do devedor, o credor deverá também comprovar a má-fé dos envolvidos.

O ordenamento jurídico, no entanto, presume a má-fé do adquirente


em hipóteses nas quais a insolvência for notória (como nos casos de
títulos protestados) ou quando houver motivo para ser conhecida por
ele (o negócio tiver preço vil, houver parentesco entre quem adquire
e quem aliena etc.), conforme estampa o Art. 159 da Codificação
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 675).

Sobre o ponto, complementa Tartuce (2016, p. 280): “Consagra esse


dispositivo uma presunção relativa ou iuris tantum do consilium fraudis, a
caracterizar o vício social do negócio jurídico”.

Apesar de se exigir a comprovação da má-fé, esta pode ser presumida diante


de algumas circunstâncias, sendo normalmente a notoriedade da insolvência, a
proximidade entre as partes do negócio e o valor abaixo do de mercado.

O legislador não olvidou, quando da regulamentação da fraude contra


credores, de contemplar o princípio da conservação dos negócios jurídicos:

112
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não


tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-
se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados.
Parágrafo único. Se inferior, o adquirente, para conservar os bens,
poderá depositar o preço que lhes corresponda ao valor real (BRASIL,
2002, s.p).

Ou seja, se a pessoa que está adquirindo um bem de um devedor insolvente,


ou à beira da insolvência, quiser se precaver de eventual arguição de fraude, e
consequente anulação do negócio, poderá demonstrar sua boa-fé depositando o
valor do bem em juízo, para que seja utilizado para o pagamento das dívidas do
devedor, se for o caso. Conforme Tartuce (2016, p. 280), “trata-se da denominada
fraude não ultimada”.

Outra possível forma de realizar fraude contra credores está prevista no


Art. 162 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p):

Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente


o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor,
em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de
credores, aquilo que recebeu.

Esse seria o caso da pessoa que, já insolvente e com dívidas vencidas,


opta por pagar uma dívida ainda não vencida, prejudicando os credores mais
antigos. Neste caso, não há negócio jurídico em si para ser anulado, mas será
determinado que a pessoa que recebeu o valor antecipadamente o devolva, não
para o devedor, mas sim para o acervo sobre o qual será realizado o concurso
de credores. Esse acervo nada mais é do que o conjunto de bens e direitos
que formam o patrimônio do devedor insolvente e que será dividido entre os
credores em processo próprio para este fim. Nesse processo será formado o que
se chama de concurso de credores, que é a união de todos os credores do devedor
insolvente no processo de execução do insolvente, a fim de verificar quem possui
a preferência para receber o crédito, ou quanto cada um conseguirá receber.

Ainda, são previstas duas presunções nos artigos seguintes. Uma


presunção de má-fé, no Art. 163, e uma presunção de boa-fé, no Art. 164. Veja:

Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores


as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum
credor (BRASIL, 2002, s.p).

Esse é o caso de um devedor, já insolvente, que dá em garantia a algum dos


credores ou a um novo credor algum dos bens que ainda possui. Como os credores
com garantia tem preferência (o credor com garantia era executar a garantia,
enquanto os quirografários ficam com o que sobrar), haverá uma diminuição do
patrimônio livre disponível para execução pelos credores quirografários. Desse
modo, considera-se o ato de onerar um bem (que é dar algum bem em garantia)
também como forma de prática de fraude contra credores. Assim, em consonância
com o disposto no parágrafo único do Art. 165, constatada a fraude, será anulada
a preferência dada. Veja agora o dispositivo que trata de uma presunção de boa-fé:
113
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Art. 164. Presumem-se, porém, de boa-fé e valem os negócios ordinários


indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou
industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família (BRASIL,
2002, s.p)

No caso, o legislador quis proteger os devedores que praticam atos de


alienação ou oneração, mas com a finalidade de manutenção, seja de si ou de
sua família, seja de um estabelecimento mercantil ou rural de onde provém o
seu sustento. “Importante, nesses casos, é identificar a necessidade do gasto do
devedor em dificuldade financeira, para, então, dizer se existe alguma fraude.
Essa presunção, contudo, é relativa, admitindo-se prova em contrário que a
afaste” (NEVES, 2013, p. 346).

Se, neste momento, você já consultou alguma doutrina, ou pesquisou


julgados sobre a fraude contra credores, deve ter se deparado com alguma menção
à ação pauliana. Importante anotar que, em termos processuais, a ação pauliana
não tem nada de diferente de qualquer outra ação que siga o procedimento
comum. Este é apenas um nome reconhecido historicamente para a ação em que
se vai pedir a anulação dos atos praticados em fraude contra credores. Pode a
ação também ser referida como ação revocatória.

Para a ação, do disposto no Art. 158 e seu §1º, é possível concluir quem
tem legitimidade ativa para reclamar a fraude contra credores, ou seja, ingressar
com a ação paulina: são os credores quirografários ou os credores com garantia
insuficiente, que já eram credores no momento da realização do negócio jurídico
que se busca anular. O que deverá ser provado? Os elementos que você estudou:
a) o prejuízo causado aos credores pelos atos que se busca anular (eventus damni);
b) o estado de insolvência do devedor; e, se tratar-se de negócio oneroso, c) a
ciência da fraude pelo adquirente, ou o conluio fraudulento (consilium fraudis).
Por fim, deve-se saber contra quem a ação deve ser dirigida. Isso está previsto no
Art. 161 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p):

Art. 161. A ação, nos casos dos Arts. 158 e 159, poderá ser intentada
contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a
estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que
haja procedido de má-fé.

Portanto, os réus na ação pauliana serão, obrigatoriamente, sob pena


de nulidade da sentença, o devedor insolvente e a pessoa com quem ele fez o
negócio que se quer anular, ou o terceiro que tenha adquirido o bem conhecendo
as circunstâncias da alienação original. Ou ainda, qualquer outro terceiro de má-
fé que tenha contribuído para a fraude (por exemplo, o cônjuge que deu a sua
outorga para a venda de um imóvel).

A sentença proferida na ação, sendo procedente, “promove a anulação do


negócio jurídico fraudulento, restituindo as partes ao status quo ante” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 676), conforme é possível depreender do disposto no Art.
165 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p):

114
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante


reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o
concurso de credores.
Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir
direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua
invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.

Se você compreendeu o que é fraude contra credores, fica fácil perceber


qual a sua diferença para os demais defeitos dos negócios jurídicos. Você consegue
responder por que ela é um vício social, e não um vício do consentimento? Ora, o
prejudicado na fraude contra credores não é nenhuma das partes do negociado,
mas sim um terceiro, o credor. Por isso o vício é social. Não há problema na
manifestação da vontade, as partes da doação, ou da compra e venda, sabem o
que estão fazendo, conhecem todos os elementos do negócio. Quem sofre com o
ato é outra pessoa, que está de fora da negociação.

Têm eles [dolo e fraude] ponto comum, o emprego de manobras


insidiosas e desleais. Mas a diferença está em que, no dolo, essas
manobras conduzem a própria pessoa que delas é vítima a concorrer
para a formação do negócio, ao passo que a fraude se consuma sem
intervenção pessoal do prejudicado (MONTEIRO; PINTO, 2016, s.p).

Uma última diferenciação é imprescindível: fraude contra credores não é


a mesma coisa que fraude à execução, apesar de terem vários pontos em comum.
De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 431, grifos do original):

Enquanto na fraude contra credores o devedor insolvente antecipa-se,


alienando ou onerando bens em detrimento dos seus credores, antes
que estes intentem qualquer espécie de ação, na fraude de execução,
mais grave por violar normas de ordem pública, o devedor já tem
contra si processo judicial, capaz de reduzi-lo à insolvência, e, ainda
assim, atua ilicitamente, alienando ou onerando o seu patrimônio,
em prejuízo não apenas dos seus credores, mas do próprio processo,
caracterizando reprovável atitude de desrespeito à Justiça.

Em outras palavras, a principal diferença entre uma e outra é que a fraude


contra credores é praticada antes de o devedor ter contra si um processo, enquanto
a fraude à execução é todo ato que possa prejudicar a execução depois que o
devedor já tem contra si algum processo (seja de execução, seja de conhecimento
em que possa vir a ser condenado a um pagamento).

Encerrado o estudo dos requisitos (Unidade 1) e dos defeitos dos


negócios jurídicos, no próximo tópico você estudará quais as consequências das
violações dos requisitos ou da presença dos defeitos, ou seja, o que são e quais as
consequências das invalidades dos negócios jurídicos.

115
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

E
IMPORTANT

Intenção de lesar credor não é imprescindível para caracterizar fraude

Para a caracterização da fraude contra credores, não é imprescindível a existência de


consilium fraudis – manifesta intenção de lesar o credor –, bastando, além dos demais
requisitos previstos em lei, a comprovação do conhecimento, pelo terceiro adquirente, da
situação de insolvência do devedor (scientia fraudis).

Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por
unanimidade, declarou ineficaz a alienação de um imóvel rural para permitir que ele sirva
de garantia de dívida de devedores insolventes.

Segundo o STJ, a fraude contra credores não gera a anulabilidade do negócio, mas sim a
retirada parcial de sua eficácia em relação a determinados credores, permitindo a execução
judicial dos bens que foram fraudulentamente alienados.

Na origem, a ação visava à anulação de alienações de um imóvel rural sob o argumento


de que se configurou fraude contra credores. Segundo o processo, a propriedade rural
foi objeto de cerca de dez vendas em sequência, em pouco mais de quatro meses, com
grande disparidade de valores.

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) confirmou a sentença de primeiro grau e julgou


improcedente o pedido de declaração de fraude, por considerar ausente o requisito do
consilium fraudis, exigindo dos credores a comprovação de que tivesse havido conluio para
lesar o credor nas sucessivas operações de compra e venda do imóvel.

Requisitos

Ao reformar o acórdão do TJGO, o relator, desembargador convocado Lázaro Guimarães,


acolheu as considerações feitas pelo ministro Luís Felipe Salomão em seu voto-vista.

De acordo com o relator, a comprovação da ocorrência de fraude contra credores exige


o preenchimento de quatro requisitos legais: que haja anterioridade do crédito; que
exista a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni); que o ato jurídico praticado
tenha levado o devedor à insolvência; e que o terceiro adquirente conheça o estado de
insolvência do devedor (scientia fraudis).

O ministro Salomão frisou que, se prevalecesse o entendimento do TJGO, tal interpretação


dificultaria a identificação da fraude contra credores, especificamente em relação ao
propósito de causar dano.

“O que se exige, de fato, é o conhecimento, pelo terceiro, do estado de insolvência do


devedor, sendo certo que tal conhecimento é presumido quando essa situação financeira
for notória ou houver motivos para ser conhecida do outro contratante”, explicou o ministro.

116
TÓPICO 1 — DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Efetividade

Para Salomão, a jurisprudência mostra a necessidade de se garantir, na interpretação das


regras atinentes à fraude contra credores, a operabilidade do instituto, sob pena de sua
inviabilização. Por isso, segundo o ministro, é preciso evitar interpretações que conduzam à
“imposição de ônus de prova dificílima ou diabólica”, como aconteceria se fosse obrigatório
ao credor provar a existência do liame subjetivo entre devedor e terceiro, bem como do
específico propósito de causar dano ao credor.

Salomão ressaltou ainda que a doutrina e a jurisprudência apresentam importantes


precedentes para conferir mais efetividade, utilidade prática e operabilidade ao instituto
da fraude contra credores, entre eles o entendimento de que, em ação pauliana (ação
para desconstituir a alienação de bens do devedor insolvente), cabe ao devedor o ônus de
provar sua solvibilidade.

“Em matéria de fraude contra credores, possuem grande importância as provas


circunstanciais, os indícios, as presunções, sendo certo, ademais, que se deve ter, diante do
caso concreto, uma visão global e de conjunto da cadeia de acontecimentos, sobretudo
naquelas hipóteses que envolvem a prática de uma miríade de atos jurídicos encadeados”,
afirmou o ministro.

Acesse: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-
antigas/2018/2018-05-15_09-27_Intencao-de-lesar-credor-nao-e-imprescindivel-para-
caracterizar-fraude.aspx#:~:text=Para%20a%20caracteriza%C3%A7%C3%A3o%20da%20
fraude,do%20devedor%20(scientia%20fraudis).

117
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• O erro espontâneo sobre alguma circunstância do negócio, quando substancial


e escusável, ou cognoscível, torna o negócio realizado anulável.

• O erro induzido pela outra parte do negócio ou terceiros, com o conhecimento


da parte, que configura o dolo, quando for determinante para a realização do
negócio, permite a anulação do negócio jurídico.

• Se o dolo recair sobre algum elemento que não é principal do negócio, ou provir
de terceiro, sem conhecimento do beneficiário do negócio, é possível, ainda, a
satisfação da parte por perdas e danos.

• Se o negócio jurídico é feito mediante coação moral praticado pela parte ou


terceiro, com o conhecimento da parte, o negócio será anulável; se praticada
por terceiros, sem o conhecimento do beneficiário, o coator responderá por
perdas e danos.

• O negócio jurídico realizado para que a parte se salve, ou alguém com quem
está relacionado, de um risco conhecido da outra parte, poderá ser anulado
pela presença do estado de perigo.

• Quando uma pessoa faz um negócio desproporcional sob premente necessidade


ou por inexperiência, se não for possível o reequilíbrio das prestações, será
anulável pela presença de lesão.

• O erro, o dolo, a coação, o estado de perigo e a lesão são vícios de consentimento,


pois prejudicam a livre manifestação da vontade.

• A alienação, remissão de dívidas ou oneração de bens, por devedor que já esteja


insolvente, ou à beira da insolvência, caracteriza a fraude contra credores.

• Para anular o negócio em fraude contra credores, é necessário provar o prejuízo,


a insolvência do devedor e, se o negócio foi oneroso, a má-fé dos envolvidos.

• A fraude contra credores é um vício social, pois o prejudicado não está


envolvido no negócio, sendo um terceiro em relação a ele.

118
AUTOATIVIDADE

1 Os defeitos dos negócios jurídicos são decorrências do desrespeito à livre


manifestação da vontade e da boa-fé. Muito embora seja possível generalizar
dizendo que os negócios viciados pelos vícios de consentimento serão
anuláveis pelo fato de que, se não existissem determinadas circunstâncias,
a parte não faria aquele negócio jurídico, a verdade é que cada um deles
tem peculiaridades que devem ser observadas pelo julgador no caso
concreto. Tendo isso em mente, analise cada uma das situações descritas e
correlacione com o defeito do negócio jurídico correspondente:

(1) Erro
(2) Dolo
(3) Coação
(4) Estado de perigo
(5) Lesão

( ) Glória liga para Clóvis, político muito conservador, e afirma que se ele
não efetuar uma doação de R$ 50.000,00 para determinada instituição,
disponibilizará na internet fotos nuas da esposa de Clóvis.
( ) William empresta caneta de prata para Luana tomar posse em cargo
público, e ela a recebe como se fosse uma doação.
( ) Otávio recebe algumas obras de arte como herança de uma tia que vivia
em Nova Iorque. Não conhecendo nada de arte, e querendo transformar
aquilo em dinheiro rapidamente, vende as obras, que valem mais de 500
mil dólares, por menos de 100 mil reais.
( ) Nelson compra um terreno acreditando ser de frente para a avenida, pois
pretende construir um prédio comercial. Entretanto, na verdade o terreno
adquirido tem acesso apenas por uma servidão, fato que se soubesse o
teria feito desistir do negócio.
( ) Diego conquista Mafalda e a convence, ainda antes do casamento, a vender
para si um veículo que possui, por um preço abaixo do de mercado, a fim
de que ela tenha dinheiro para pagar pelo vestido de casamento que tanto
sonha, lembrando-a que quando casarem tudo voltará para ela. Após a
transferência do bem, mas antes do casamento, foge com o veículo sem dar
satisfação.
( ) Sandra procurando um presente para sua namorada vai até uma joalheria.
Indecisa, o vendedor a aborda e indica um lindo brinco, afirmando ser
feito de ouro puro e pedras importadas. Após a compra, porém, Sandra
acaba descobrindo que o brinco, na verdade, é mera bijuteria.
( ) O filho de Soraia sofre um grave acidente automobilístico. Quando ela
chega ao hospital é informada que ele precisa urgentemente realizar
uma cirurgia, mas para que esta possa ser realizada, é necessário que seja
prestada caução no valor de 100 mil reais.

119
( ) Márcia pegou dinheiro emprestado com Luiz, entretanto, por diversas
circunstâncias, está com dificuldade de pagar as parcelas do empréstimo
como combinado. Em um encontro para renegociar a dívida, Luiz diz que,
se Márcia não se casar com ele, ele irá executá-la judicialmente.
( ) Angela, pequena empresária, possui uma dívida com o banco que, caso
não seja paga logo, irá vencer e a principal máquina de sua empresa poderá
ser tomada. Assim, afim de não perder a máquina, da qual depende seu
trabalho, ela vende sua casa, que vale mais 300 mil reais, por apenas 150
mil reais.
( ) Bruno, pescador, tem problemas em sua embarcação e ela começa a
afundar. Neste momento, vendo outros barcos passarem, ele grita pedindo
socorro e afirmando que dará sua casa, seu carro e todo o seu dinheiro a
quem o salvar, o que é feito logo em seguida pelos tripulantes do barco
que passou mais próximo.

2 O patrimônio do devedor é a garantia dos seus credores, de modo que,


em caso de inadimplemento, eles poderão buscas, pelas vias legais, a
excussão destes bens, para que não fiquem em prejuízo. Entretanto, alguns
devedores, a fim de frustrar seus credores, se desfazem de bens a ponto de
ficarem com um patrimônio insuficiente para saldar todas as suas dívidas.
O desfazimento destes bens pode caracterizar a fraude contra credores.
Com relação a este defeito do negócio jurídico, analise as afirmações a
seguir:

I- Para que se possa anular uma doação feita em fraude contra credores é
necessário provar que os envolvidos tinham o conhecimento quanto à
situação de insolvência do devedor;
II- Para reconhecimento judicial da fraude contra credores deverá ser
comprovada o prejuízo causado ao(s) credor(es);
III- Qualquer alienação feita por um devedor insolvente é fraude contra
credores;

Agora, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Apenas a sentença II está correta.
c) ( ) Apenas a sentença III está correta.
d) ( ) As sentenças I e III estão corretas.

120
TÓPICO 2 —
UNIDADE 2

INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

FIGURA 2 – MARTELO DE JUIZ

FONTE: <https://unsplash.com/photos/OXGhu60NwxU>. Acesso em: 19 jul. 2020.

1 INTRODUÇÃO
Na Unidade 1, você estudou os requisitos de validade do negócio
jurídico, quais sejam: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei; d) manifestação da vontade
livre e de boa-fé. Neste tópico agora você estudará quais as consequências da
violação destes requisitos, ou sejam as invalidades dos negócios jurídicos.

A invalidade é “a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina


a privação dos efeitos jurídicos do negócio praticado em desobediência ao
que prescreve” (DINIZ, 2006, p. 537). Ou seja, é uma espécie de punição pelo
descumprimento dos requisitos de validade do negócio jurídico, que implica
na não produção dos efeitos jurídicos esperados. Invalidade é gênero da qual a
nulidade e a anulabilidade são espécies (FARIAS; ROSENVALD, 2017).

Enquanto “o ato nulo (nulidade absoluta), desvalioso por excelência, viola


norma de ordem pública, de natureza cogente, e carrega em si vício considerado
grave”, “o ato anulável (nulidade relativa) por sua vez, contaminado por vício
menos grave, decorre da infringência de norma jurídica protetora de interesses
eminentemente privados” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 434).
Você estudará as diferenças entre cada uma dessas modalidades de invalidades
mais detidamente na sequência.

121
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Além dessa divisão principal, as nulidades também podem ser


classificadas em:

• originárias: a invalidade nasce com o próprio ato, no momento de sua formação


(por exemplo, um contrato nulo porque a parte é absolutamente incapaz;
• sucessivas: a invalidade é decorrente de uma causa superveniente (por exemplo:
uma procuração que se torna inválida porque o outorgante foi interditado);

E, ainda em:

• total: quando atinge todo o negócio jurídico (por exemplo, no caso de uma
compra e venda de drogas, que será nulo por ter objeto ilícito);
• parcial: quando atinge apenas uma parte do negócio, podendo ser mantidas as
demais disposições (por exemplo, um contrato de financiamento bancário com
juros abusivos – o financiamento poderá ser mantido, sendo declaradas nulas
apenas as disposições que versem sobre os juros).

E
IMPORTANT

Importante saber também que existem outros sistemas de invalidades no


ordenamento, e até mesmo dentro do próprio direito civil. Conforme explicam Farias e
Rosenvald (2017, p. 632), “convém observar que o sistema de invalidades do casamento (CC,
Arts. 1.548 e 1.550), do processo civil (CPC, Art. 276 e seguintes) e das relações de consumo
(CDC, Art. 51) escapa ao regime comum dos negócios jurídicos, submetendo-se a regras
particulares, próprias”.

2 NULIDADE
A nulidade, também referida como nulidade absoluta, é a sanção aplicável
as violações mais graves ao ordenamento. “Em síntese, percebe-se que a nulidade
de um ato ou negócio jurídico resulta, efetivamente, da violação a preceitos de
ordem pública, estabelecidos em lei, ligados, de modo geral, à própria formação
válida da figura negocial, conforme previsão do Art. 104 da Lei Civil” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 633). Lembre-se que uma norma de ordem pública é aquela
que é cogente, ou seja, não está sujeita à adaptação ou flexibilização pela vontade
das partes. Por mais que os negócios jurídicos sejam manifestações de vontade e
emanações da autonomia privada, seus limites estão postos na legislação pelas
normas de ordem pública, cuja violação ensejará na sua nulidade.

O Código Civil prevê um rol de possíveis causas da nulidade. Veja:

122
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:


I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para
a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção (BRASIL, 2002, s.p)

Repare que as previsões dos incisos I, II, IV e V não mais são que
consequências da violação do disposto no Art. 104 do Código Civil. Atente-se,
porém, a um ponto: no caso da incapacidade, será nulo apenas o ato praticado
por absolutamente incapaz, ou seja, conforme a atual previsão legal, apenas
pelos menores de 16 (dezesseis) anos. No caso do inciso V, ele nada mais é do que
um desmembramento do requisito da forma, uma vez que as solenidades fazem
parte da forma (por exemplo: o casamento civil exige a forma pública, sendo uma
de suas solenidades a necessidade da presença de ao menos duas testemunhas
do ato).

O inciso III, que versa sobre os motivos do negócio merece comentários.


Primeiramente, deve-se ter claro que o motivo ilícito não se confunde com o objeto
ilícito. No caso do objeto, estamos tratando do cerne da negociação (por exemplo:
compra e venda de droga; empréstimo de arma com a numeração suprimida;
contrato de trabalho escravo etc.). Por sua vez, o motivo diz respeito ao que leva
as pessoas a fazerem a negociação. Nesse sentido, ilustrativos são os exemplos
trazidos por Tartuce (2016, p. 292):

[...] Vende-se um automóvel para que seja utilizado num sequestro;


empresta-se uma arma para matar alguém; aluga-se uma casa para
a exploração de lenocínio. A venda, o comodato e o aluguel não
são negócios que contrariem o Direito, muito ao contrário, mas são
fulminados de nulidade, nos exemplos dados, porque o motivo
determinante deles, em comum a ambas as partes, era ilícito.

Portanto, o que torna nulos estes negócios não é seu objeto, mas sim o
objetivo, o “para quê” queriam realizar aquele negócio jurídico.

A previsão à fraude à lei imperativa como causa de nulidade é uma


novidade trazida pelo legislado do código de 2002. Essa:

previsão não se confunde com a ilicitude do objeto. Isso porque,


na fraude à lei, há uma infringência oblíqua ou indireta da norma
proibitiva. A título de exemplo, o jurista cita o caso de uma retrovenda
celebrada, cujo objetivo é o de dar aparência de legalidade a um
contrato de mútuo em que foram cobrados juros abusivos (TARTUCE,
2016, p. 292).

123
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

A fraude perante a lei, muitas vezes, confunde-se com a simulação, que


você estudará na sequência. São muitas vezes utilizados negócios jurídicos legais
para atingir fins ilícitos. É o caso da contratação de pessoas jurídicas (empresário
individual) para trabalha do mesmo modo que um empregado (com habitualidade,
subordinação e onerosidade, muitas vezes, inclusive, com exclusividade) a fim de
ter menos encargos trabalhistas. Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 437) ainda
observam que “as legislações fiscal e trabalhista costumeiramente são atingidas
por essa espécie de fraude, realizada sob diferentes formas”.

O inciso VII, por fim, prevê que será nulo todo ato que a lei proibir,
sem cominar sanção. São, portanto, aquelas disposições em que o Código
veda determinada prática, mas não diz explicitamente qual a consequência
dela. Como exemplo, vide o Art. 1.863 do Código Civil que dispõe: É proibido
o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo. No caso,
caso um testamento seja feito desta forma, ele será nulo, mesmo o dispositivo
não prevendo essa sanção, por força do disposto no inciso VII do Art. 166, agora
estudado.

Além desses casos, também serão nulos os negócios jurídicos simulados.


Os quais, por terem uma estrutura própria, serão estudados em um tópico a parte,
na sequência. Agora, você verá as principais características da nulidade, no que
tange à possibilidade de arguição, provas e efeitos. Veja o que dispõe o Art. 168
do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p):

Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas


por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe
couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz,
quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar
provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento
das partes.

Primeiro ponto a ser destacado é que, por se tratar de uma violação à


norma de ordem pública, a alegação pode ser feita por qualquer interessado. Ou
seja, não precisa ser apenas o diretamente envolvido no negócio. Todavia, o termo
interessado denota que a pessoa deverá minimamente ter uma justificativa do
porquê quer ver ser declarada a nulidade daquele negócio. O Ministério Público,
por sua vez, como fiscal da ordem jurídica, sempre que atuar em um processo,
poderá arguir a ocorrência da nulidade.

NOTA

A participação do Ministério Público em processos cíveis é restrita a alguns


tipos de demanda. Ele participará dos processos sempre que houver partes incapazes ou
quando houver algum interesse social ou coletivo relevante.

124
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

O juiz, em regra, não deve se manifestar sobre questões que não foram
levadas até ele. Entretanto, no caso das nulidades, por se tratar de questão de ordem
pública, ele poderá, sem provocação de qualquer parte, reconhecê-las, desde que
já provadas. “Suponha-se, por exemplo, que ao juiz seja apresentado testamento
feito por menor de menos de 16 anos de idade. Encontrando-a provada, o juiz
pronunciará a nulidades quando conhecer do ato, e não poderá supri-la, ainda
que nisso convenham todos os interessados” (MONTEIRO; PINTO, 2016, s.p).

Ademais, não pode o juiz sanar a nulidade. Em outras palavras: ele não
pode corrigir o negócio viciado ou desconsiderar o vício, visto que foi a própria
lei que foi violada (não faria sentido o juiz, que deve aplicar a lei, relevar uma
norma de ordem pública para convalidar um negócio em prol de interesses
privados). Declarada a nulidade, reconhece-se que o negócio jurídico não surte
efeitos, sendo necessário, se for o caso, repeti-lo, sem o vício, para que passe a
produzir os efeitos esperados.

Assim como o juiz não pode sanar o vício, as partes também não podem
confirmar o negócio viciado. Conforme ressaltam Gagliano e Pamplona Filho
(2015, p. 437, itálicos no original), “o negócio nulo não admite confirmação razão
por que, constatando-se o vício, o ato há que ser repetido, afastando-se o seu defeito”.
Se um adolescente fez um contrato quando ainda era absolutamente incapaz,
não poderá, ao completar a maioridade, simplesmente ratificá-lo. O contrato é
nulo. Um novo deverá ser feito, se for de interesse das partes. Este novo contrato,
terá efeito apenas a partir dali, e nunca retroativo, posto que negócios nulos não
surtem efeitos jurídicos.

A segunda parte do Art. 169 traz um preceito que gera algumas


discussões. O fato de a nulidade não convalescer pelo decurso do tempo quer
dizer que, mesmo passado quaisquer dos prazos previstos para prescrição ou
decadência na legislação, o negócio jurídico continuará nulo. Não é porque não
foi ajuizada ação reclamando a declaração de nulidade que o negócio passará, em
algum momento a ser válido. “Isso porque se a ação ajuizada for, do ponto de
vista técnico, simplesmente declaratória, sua finalidade será apenas a de certificar
uma situação jurídica da qual pende dúvida, o que jamais poderia ser objeto de
prescrição” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 440).

Já houve tempo em que parte da doutrina entendia que mesmo a


declaração de nulidade era passível de convalidação pelo decurso do tempo, o
que se refletiu em alguns julgados. Atualmente, porém, o grande debate que se
trava é com relação às consequências da declaração de nulidade, os pedidos de
ressarcimento, de perdas e danos decorrentes do negócio nulo.

Parte dos estudiosos entende que a declaração de nulidade pode ser feita
a qualquer momento. Entretanto, o pedido de indenização, de perdas e danos,
deve ser feito dentro do prazo prescricional previsto para a pretensão (os quais

125
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

serão estudados na próxima unidade). Há outra parte dos juristas que entendem
que, se a declaração de nulidade é imprescritível, os pedidos dela decorrentes
também o são. Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 439-440) opinam que:

Preferível por isso, é o entendimento de que a ação declaratória


de nulidade é realmente imprescritível, como, aliás, toda ação
declaratória deve ser, mas os efeitos do ato jurídico – existente, porém
nulo – sujeitam-se a prazo, que pode ser o prazo máximo prescricional
para as pretensões pessoais [...] ou, como na maior parte dos casos,
tratando-se de demanda de reparação civil, o novo prazo de 3 anos.

Concluem: “Em síntese: a imprescritibilidade dirige-se, apenas, à


declaração de nulidade absoluta do ato, não atingindo as eventuais pretensões
condenatórias correspondente” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p.
440). Representando a outra corrente, Tartuce (2016, p. 296) defende que:

Com o devido respeito, o presente autor entende que os efeitos


patrimoniais da ação de nulidade também não estão sujeitos à
prescrição, pois a ordem pública relativa ao ato nulo prevalece em
casos tais. Em suma, se reconhecida a prescritibilidade da pretensão,
a declaração de nulidade pode não produzir qualquer efeito jurídico,
inclusive nos casos citados nas justificativas do enunciado doutrinário.

Entretanto, o Conselho da Justiça Federal-CJF acolheu a primeira corrente,


que ficou registrada no seu Enunciado nº 536: “Resultando do negócio jurídico
nulo consequências patrimoniais capazes de ensejar pretensões, é possível,
quanto a estas, a incidência da prescrição” (BRASIL, s.d., s.p.).

NOTA

Os enunciados do CJF (Conselho da Justiça Federal), vinculado ao Superior


Tribunal de Justiça, são enunciados doutrinários, resultado de discussões entre vários
estudiosos de Direito Civil do país, não tendo qualquer efeito vinculante.

TUROS
ESTUDOS FU

Na Unidade 3, serão estudadas, a fundo, a prescrição e a decadência, além de


todos os pressupostos.

126
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

2.1 SIMULAÇÃO
A simulação, como já foi observado, era tratada como defeito dos negócios
jurídicos no Código Civil de 1916.

Na nova legislação, pela sua gravidade, a violação de preceitos de ordem


pública, ela foi tratada como mais uma causa de nulidade absoluta (FARIAS;
ROSENVALD, 2017). A simulação, de maneira simplificada, pode ser explicada
como sendo um ‘faz de conta’. A realização de um negócio para que não surta
efeitos, ou para esconder outro. “Segundo noção amplamente aceita pela doutrina,
na simulação celebra-se um negócio jurídico que tem aparência normal, mas que, na
verdade, não pretende atingir o efeito que juridicamente devia produzir” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 420, grifos do original). As suas regulamentações
estão no Art. 167 do Código Civil de 2002. Veja:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se


dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas
daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos
contraentes do negócio jurídico simulado (BRASIL, 2002, s.p).

Como é possível perceber do próprio dispositivo legal, há casos em que


pode haver mais de um negócio jurídico envolvido. Um será o simulado (que
é o de ‘faz de conta’, portanto, nulo) e outro será o dissimulado (que é o que as
partes realmente queriam fazer) e que, se for válido de acordo substancialmente e
também na sua forma, poderá ser mantido. Por exemplo, um pai quer doar certa
quantia em dinheiro para um filho, mas para que não caracterize adiantamento
de herança, faz com ele um contrato de mútuo (empréstimo), mas sem qualquer
intenção de cobrar o valor ali previsto. Tem-se neste caso o mútuo como negócio
simulado (pois em verdade não houve empréstimo) e a doação como negócio
dissimulado (o que eles queriam esconder).

Este tipo de simulação (com simulação e dissimulação) é o que doutrina


chama de simulação relativa. Esse tipo de simulação é “aquela em que, na
aparência, há um negócio; e na essência, outro. Dessa maneira, percebe-se
na simulação relativa dois negócios: um aparente (simulado) e um escondido
(dissimulado). Eventualmente, esse negócio camuflado pode ser tido como válido,
no caso de simulação relativa” (TARTUCE, 2016, p. 272, grifos do original).

A simulação relativa pode ainda ser classificada entre simulação relativa


subjetiva e simulação relativa objetiva. Tartuce (2016, p. 275, grifos do original)
explica o que caracteriza cada uma delas:

127
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Simulação relativa subjetiva – caso em que o vício social acomete o


elemento subjetivo do negócio, pessoa com que este é celebrado
(art. 167, §1º, I, do CC). A parte celebra o negócio com uma parte na
aparência, mas com outra na essência, entrando no negócio a figura
da testa de ferro, laranja ou homem de palha, que muitas vezes substitui
somente de fato aquela pessoa que realmente celebra o negócio jurídico
ou contrato. Trata-se do negócio jurídico celebrado por interposta pessoa.
Simulação relativa objetiva – caso em que o vício social acomete o
elemento objetivo do negócio jurídico celebrado, o seu conteúdo.
Celebra-se um negócio jurídico, mas na realidade há uma outra figura
obrigacional, sendo mascarados os seus elementos verdadeiros. Como
exemplo, repise-se: para burlar o fisco, determinada pessoa celebra
um contrato de comodato de determinado imóvel, cobrando aluguel
do comodatário. Na aparência, há um contrato de empréstimo, mas na
essência, trata-se de uma locação.

Para a realização da simulação relativa subjetiva, é comum a utilização


de uma terceira pessoa, que costuma ser chamada de interposta pessoa. Nesses
casos, para contornar uma vedação legal, o negócio será feito com uma pessoa
que não possui qualquer restrição, apenas formalmente, para depois regularizá-
lo perante o verdadeiro interessado. Por exemplo: Fulano, para contornar a
vedação do inciso III do Art. 497 do CC/02, pede para seu conhecido, Sicrano,
adquirir o imóvel que será leiloado. Sicrano, com dinheiro dado por Fulano,
adquire o imóvel e passa para seu nome. Passado algum tempo, Sicrano então
transfere o imóvel para Fulano, como se fosse uma nova compra e venda. Nesse
caso, o negócio simulado é a compra feita por Sicrano, enquanto o dissimulado
é a compra realizado por Fulano. Monteiro e Pinto (2016, s.p) advertem, porém,
que “em relação à interposição de pessoas, cumpre observar que a simulação só
se ultimará quando se completar com a transmissão dos bens ao real adquirente.
Enquanto não se realiza, não se pode falar em ato proibido, ou mesmo em
interposição”.

Lembre-se: sempre que houver a simulação relativa, o negócio dissimulado


só subsistirá se for válido na substância e na forma. Ambos os negócios, simulado e
dissimulado, serão anulados, pois a compra feita diretamente pelo juiz é proibida
em nosso ordenamento. Veja o exemplo de simulação relativa, em que o negócio
dissimulado poderá subsistir, apresentado por Diniz (2006, p. 481):

Por exemplo: se A vender a B um imóvel por 200 mil, declarando na


escritura pública que o fizeram por 150 mil, apesar de a falsidade dessa
declaração lesar o Fisco, que vem a conseguir a decretação judicial da
nulidade, a compra e venda entre A e B subsistirá, por ser válida na
substância (ambos os contratantes podiam efetuar ato negocial, que
servirá como título para a transferência da propriedade imobiliária se
levado a registro) e na forma (por ter sido atendido o requisito formal
de sua efetivação por escritura pública). Na escritura pública lavrada
por valor inferior ao real, anula-se o valor aparente, subsistindo o real.

A simulação absoluta por sua vez não tem negócio dissimulado para
esconder. Nela, só há o negócio simulado. Só um faz de conta com o qual não se
quer ter o efeito jurídico normal daquele tipo de negócio, servindo simplesmente

128
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

para prejudicar terceiros. Confirme Farias e Rosenvald (2017, p. 646), “a simulação


absoluta tem lugar quando o ato negocial é praticado para não ter eficácia. Ou
seja, na realidade, não há nenhum negócio, mas mera aparência. É o exemplo de
um compromisso de compra e venda de imóvel fictício celebrado pelo locador,
apenas para possibilitar uma ação de despejo”.

Para livrar bens da partilha imposta pelo regime de bens, ante a


iminente separação judicial, o cônjuge simula negócio com amigo,
contraindo falsamente uma dívida, com o escopo de transferir-lhe
bens em pagamento, prejudicando sua esposa. Nota-se que o negócio
simulado fora pactuado para não gerar efeito jurídico algum. Como se
sabe, a alienação não pretende operar a transferência da propriedade dos
bens em pagamento de dívida, mas sim permitir que o terceiro (amigo)
salvaguarde o patrimônio do alienante até que se ultime a ação
de separação judicial. Trata-se de um verdadeiro jogo de cena, uma
simulação absoluta (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 421,
grifos do original).

Fica claro, então, que esse caso é simplesmente criado um negócio, feita
uma declaração, imposta uma condição, com o intuito de que não tenham efeitos
práticos. Assim, sendo absoluta a simulação, todo o negócio será nulo.

As simulações podem ser praticadas também através de documentos


antedatados ou pós-datados. Por exemplo: Fulana adquire um bem após o seu
casamento civil no regime de comunhão parcial de bens, mas coloca no contrato
data anterior à celebração, a fim de que, em caso de divórcio, não tenha que
partilhá-lo.

Enfim, como bem expressado por Diniz (2006, p. 480), “na simulação a
vontade se conforma com a intenção das partes que combinam entre si no sentido
de manifestá-la de determinado modo, com o escopo de prejudicar terceiro que
ignora o fato”. Em razão disso, a simulação era tida como um vício social. Para a
sua caracterização é imprescindível que as pares envolvidas estejam em conluio
com a finalidade de prejudicar terceiros.

O que verdadeiramente caracteriza a simulação é o seu conhecimento


pela outra parte, sendo apenas ignorada por terceiros. Distingue-
se, pois, do dolo, em que somente um dos interessados conhece a
maquinação. O dolo é sempre urdido contra uma das partes, quer pela
outra parte, quer por terceiro. A simulação ao contrário, é entente de
ambas as partes contra terceiro (MONTEIRO; PINTO, 2016, s.p)

Importante destacar que, sendo a simulação uma causa de nulidade, ela


“pode ser alegada por terceiros que não fazem parte do negócio, mas também por
uma parte contra a outra” (TARTUCE, 2016, p. 271) É, nesse sentido, inclusive,
o que dispõe o Enunciado nº 294 do CJF: “Sendo a simulação uma causa de
nulidade do negócio jurídico, pode ser alegada por uma das partes contra a outra”
(BRASIL, s.d., s.p.). Essa é uma diferença significativa em relação aos defeitos dos

129
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

negócios jurídicos, visto que aqueles só poderão ser alegados pelos prejudicados.
No caso da fraude contra credores, por exemplo, nenhum dos envolvidos no
negócio poderá alegar, mas apenas o credor prejudicado.

Ainda, consoante lembrete de Tartuce (2016, p. 274), “a simulação pode


estar presente, todas as vezes em que houver uma disparidade entre a vontade
manifestada e a vontade oculta. Isso faz com que o rol previsto no art. 167 do
CC seja meramente exemplificativo (numerus apertus), e não taxativo (numerus
clausus)”.

O artigo que trata da simulação encerra-se com disposição sobre a


prevalência dos interesses do terceiro de boa-fé. Ou seja, mesmo que declarada a
nulidade do negócio simulado, terceiros, que não tinham conhecimento dos vícios
que eivavam o objeto daquele negócio, não poderão ser prejudicados. Por exemplo,
se em uma compra e venda de pai para filho por meio de interposta pessoa (para
burlar o requisito previsto no Art. 496 do CC/02), após a concretização do negócio
que se visava, o bem é alienado pelo filho para um terceiro que desconhece toda
a artimanha, quando da anulação do negócio pelos demais herdeiros, o bem não
poderá ser tomado do terceiro. No caso, o filho beneficiado deverá indenizar os
prejudicados. É o que se chama de “inoponibilidade do negócio simulado frente
a terceiros de boa-fé” (TARTUCE, 2016, p. 274).

Por fim, vale observar que, para alguns autores, a reserva mental, já
estudada na Unidade 1, converter-se-á em simulação quando o destinatário tomar
conhecimento do objetivo da pessoa que fez a declaração de vontade. Conforme
explicam Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 425-426):

Exteriorizada a reserva mental, o destinatário, que anuiu com o


desiderato do agente, passa a atuar ao lado do simulador, objetivando
atingir fim não declarado e proibido por lei. Trata-se de típica hipótese
de simulação. Até porque o negócio existirá e surtirá efeitos frente a
terceiros, ainda que não sejam aqueles originariamente declarados
e aparentemente queridos, até que se declara judicialmente a sua
nulidade.

Sobre a questão, entretanto, há divergências. De acordo com os autores


citados, o próprio Moreira Alves, responsável, em grande parte, pela redação do
atual Código Civil, não concordava com essa posição.

2.2 CONVERSÃO SUBSTANCIAL DO NEGÓCIO JURÍDICO


Você estudou, há pouco, que os negócios jurídicos absolutamente nulos
não podem ser sanados ou confirmados, seja pelo juiz, seja pelas partes. Entretanto,
como mais uma decorrência do princípio da conservação dos negócios jurídicos,
o legislador previu uma possibilidade de ‘salvação’ de negócios jurídicos nulos,
desde que preenchidos adequadamente diversos requisitos. Esta salvação é o
que se chama de conversão substancial do negócio jurídico. Ela serve tanto para

130
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

negócios nulos, como anuláveis, mas só tem real relevância para os primeiros,
pois como você verá na sequência, os atos anuláveis podem ser conservados de
outras formas mais fáceis.

A conversão está prevista no Art. 170 do Código Civil, o qual tem redação
criticada pela falta de clareza. Veja:

Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de


outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir
supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
(BRASIL, 2002, s.p)

O artigo antecedente é aquele que diz que “o negócio jurídico nulo não é
suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”. Lendo ambos
na sequência, fica um pouco mais fácil de perceber o que ele quer dizer, não? O
negócio nulo não pode ser confirmado, nem convalesce com o passar do tempo,
porém ele poderá subsistir se contiver os requisitos de outro, que as partes teriam
feito, se soubessem que o primeiro era nulo!

Em verdade, não é o negócio nulo que irá subsistir. Ele será efetivamente
convertido em outro. Serão analisados todos os elementos do negócio, tanto
referentes à vontade das partes, quanto formais, para ver se, juntando tudo, é
possível fazer um outro negócio, agora válido.

Por via da conversão produz-se uma transformação de um negócio


inválido (lato sensu), que passa a valer como outro negócio que é
denominado por vários autores de sucedâneo. Pode-se dizer da
legitimidade da conversão, quando o novo negócio ou sucedâneo
possa assegurar o fim prosseguido pelas partes, quando celebraram
o negócio inválido. Daí resulta, necessariamente, que o negócio
sucedâneo deve ser apto a produzir efeitos que possibilitem a
realização desse fim (TRIGINELLI, 2003, p. 62).

A conversão é, portanto, “uma medida sanatória, por meio da qual aproveitam-


se os elementos materiais de um negócio jurídico nulo ou anulável, convertendo-o,
juridicamente, e de acordo com a vontade das partes, em outro negócio válido e de fins
lícitos” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 449, grifos do original)

Apesar de se entender que a conversão, preenchidos os requisitos,


pode ser aplicada a qualquer tipo de nulidade, os exemplos mais comuns estão
relacionados a questões formais. A situação mais clara é do contrato de compra
e venda de imóvel acima de 30 (trinta) salários-mínimos que não é feito por
escritura pública (nulo, portanto, por vício de forma – Art. 108 c/c Art. 166, IV do
CC/02), que pode ser convertido em contrato de promessa de compra e venda, o
qual não exige escritura pública para ser válido. Observe: a essência do contrato,
que é a vontade das partes, será mantida, a forma também, mas o tratamento
jurídico será distinto, pois a regulamentação e os efeitos de cada um destes
contratos (de compra e venda e de promessa de compra e venda) é diferente. O
contrato de compra e venda, feito da forma adequada, permitiria a transferência

131
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

da propriedade (transferência no Cartório de Registro de Imóveis. O contrato


preliminar, ou promessa de compra e venda, permite que se exija da outra parte
a elaboração do contrato definitivo.

Em síntese, para realização da conversão, é necessário que o negócio


celebrado pelas partes seja ineficaz, contenha os requisitos essenciais do outro,
bem como seja observado se está de acordo com a vontade das partes, ou seja,
que elas o teriam querido se soubessem que o outro era inválido (TRIGINELLI,
2003). Como consequência, pode-se dizer, nas palavras de Gagliano e Pamplona
Filho (2015, p. 449), que “retira-se, portanto, o ato negocial da categoria em que
seria considerado inválido, inserindo-o em outra, na qual a nulidade absoluta ou
relativa que o inquina será considerada sanada, à luz do princípio da conservação”.

Veja mais alguns exemplos, para auxiliar na sua compreensão sobre como
e quando pode ser realizada a conversão substancial:

Podem-se apontar alguns exemplos de conversão substancial: a nota


promissória nula por inobservância dos requisitos legais de validade
é aproveitada como confissão de dívida; a doação mortis causa, inválida
segundo boa parte da doutrina brasileira, converte-se em legado, desde
que respeitadas as normas de sucessão testamentária, e segundo a
vontade do falecido; o contrato de compra e venda de imóvel valioso,
firmado em instrumento particular, nulo de pleno direito por vício de
forma, converte-se em promessa irretratável de compra e venda, para a
qual não se exige a forma pública (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 449).

Por fim, convém destacar, com relação à conversão que, “tratando-se


de aproveitamento de ato nulo, clama reconhecimento judicial, se presentes os
seus pressupostos. Somente o juiz, portanto, pode declarar o aproveitamento
da vontade manifestada em negócio nulo (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 644).
Não podem as partes, por acordo privado, fazer uma conversão e exigirem o seu
reconhecimento.

Agora que você compreendeu o quê e quais são os atos jurídicos nulos,
bem como o que deve ser observado para conservá-los, quando possível, vamos
ao estudo das anulabilidades, ou também referidas como nulidades relativas.

3 ANULABILIDADE
Enquanto a nulidade é uma sanção à violação da lei, a preceitos de ordem
pública, “a anulabilidade, por sua vez, é vício menos grave, comprometendo
interesses particulares” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 631).

Os vícios que ensejam a anulabilidade (também referida como nulidade


relativa) são menos graves, estão relacionados a condutas das partes que não
atingem frontalmente o ordenamento, mas sim os interesses das partes do negócio
ou de terceiros.

132
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

Numa compra e venda em que o vendedor agiu com dolo, asseverando


que o carro que vendia nunca tinha tido qualquer acidente, quando na verdade já
havia passado por uma batida com danos de grande monta, não há diretamente
uma violação da ordem pública, mas sim dos interesses privados do adquirente,
que pagará por um bem com características distintas das que ele esperava.

Quanto às anulabilidades, o Código Civil (BRASIL, 2002, s.p) prevê que:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável


o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
II- por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou
fraude contra credores.

Como já relatado anteriormente, os negócios jurídicos realizados


por absolutamente incapazes são nulos. Por outro lado, aqueles feitos por
relativamente incapazes (vide Art. 4º do CC/02) são apenas anuláveis. Isso
porque, dentro da sistemática das capacidades, inclusive com as modificações
trazidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, a manifestação da vontade dos
relativamente incapazes tem relevância jurídica, podendo ser confirmada, pela
própria pessoa ou por seus assistentes, mesmo que o negócio tenha originalmente
um vício. No caso dos absolutamente incapazes (menores de 16 anos – Art. 3º do
CC/02), a vontade é irrelevante, pelo que o negócio, como você estudou, não pode
ser confirmado.

Ainda, como também já antecipado nos itens anteriores, são anuláveis os


negócios jurídicos acometidos pelos defeitos previstos entre os Arts. 138 e 165
do Código Civil, quais sejam: o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão
e a fraude contra credores. A anulabilidade dos negócios, nestes casos, estará
condicionada à prova dos elementos que os tornam principais e relevantes como
vícios de consentimento, ou vício social, no caso da fraude.

Ainda, também serão anuláveis todos os outros negócios (e atos jurídicos,


por força do Art. 185 do CC/02) que a legislação expressamente determinar.
Podemos citar aqui alguns exemplos, presentes tanto na parte geral, como na parte
especial da codificação civil: Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado,
é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta
de outrem, celebrar consigo mesmo; Art. 119. É anulável o negócio concluído
pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era
ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou; Art. 496. É anulável a
venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge
do alienante expressamente houverem consentido; Art. 550. A doação do cônjuge
adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus
herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.

Com relação às características, bem como a quem pode argui-la, a


anulabilidade também se diferencia da nulidade. Veja o que diz o Art. 177 do
Código Civil:

133
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Art. 177. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença,
nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar,
e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de
solidariedade ou indivisibilidade (BRASIL, 2002, s.p).

Vamos analisar o artigo por partes. O artigo prevê que a anulabilidade não
pode ser pronunciada de ofício, ou seja, o juiz não pode anular um negócio sem
que tenha havido pedido das partes. Além disso, o pedido, ou seja, a alegação da
anulabilidade, só pode ser feita pelos interessados. Enquanto a nulidade pode
ser arguida por “qualquer interessado”, que denota uma amplitude maior, não
se exigindo a comprovação de um prejuízo direto, mas somente uma justificativa
para o interesse; a anulabilidade deve ser alegada por um “interessado”, e este
interessado refere-se ao diretamente interessado, aquele que foi efetivamente
prejudicado pelo negócio. Por exemplo, se Fulano assinou um contrato cedendo
parte de sua empresa para Sicrano em razão da coação exercida por este último,
somente Fulano, diretamente prejudicado, é que poderá ajuizar a ação e reclamar
a anulação deste contrato.

Nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 442, grifos do


original), o interessado “se trata de pessoa juridicamente interessada, vale dizer,
o próprio declarante que foi parte no negócio, ou seu representante legal” e ainda
advertem que “interesse meramente econômico ou moral não legitima a
alegação”. Isso se justifica porque, como visto anteriormente, caso o vício não
tenha sido o motivo que levou a pessoa a fazer o negócio, este não é anulável
e, muitas vezes, se fosse permitido a alguém de fora (até mesmo o juiz) arguir
ou reconhecer a anulabilidade, poderia prejudicar os interesses dos envolvidos,
que não se sentiram prejudicados pelo negócio (como no exemplo anterior, caso
Fulano quisesse, independentemente de ter sofrido a coação, ter cedido parte da
empresa para Sicrano). Permitir que terceiros alegassem a anulabilidade seria
uma ingerência excessiva na esfera privada dos envolvidos no negócio.

Ainda, o dispositivo legal fala que a anulabilidade só aproveita a quem a


alegar, salvo solidariedade ou indivisibilidade. Isso quer dizer que, se várias pessoas
fizeram um mesmo negócio viciado, somente quem ingressar com a ação pedindo a sua
anulação é que se beneficiária da sentença proferida. Por exemplo: vários moradores
de um mesmo condomínio contratam individualmente a mesma empresa para fazer
serviço de dedetização nos seus apartamentos e descobrem, posteriormente, que a
empresa não utilizou produtos inseticidas no serviço, mas apenas uma mistura de
água com álcool, tendo agido, portanto com dolo. Somente aqueles condôminos que
ingressarem com a ação terão os contratos anulados e serão ressarcidos pelo prejuízo.
Diferente será apenas no caso de solidariedade ou indivisibilidade da obrigação,
conforme elucidam Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 442):

Se o objeto do negócio jurídico (e da própria relação obrigacional daí


decorrente) for indivisível – um animal de raça, por exemplo –, ou se
houver solidariedade ativa ou passiva entre as partes – quando cada
um dos declarantes tem direito ou está obrigado à dívida toda – a
arguição de nulidade relativa feita por um dos envolvidos aproveita
aos demais.

134
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

Por fim, o Art. 177 ainda diz que a anulabilidade não tem efeito antes de
julgada por sentença. Isso quer dizer que antes que o juiz anule o negócio, ele
surtirá efeitos. Isso é justificável pelo próprio fato de que a anulabilidade pode ser
confirmada. Ou seja, caso as partes não tenham interesse na anulação, o negócio,
mesmo viciado, poderá ser mantido na forma original. Assim, somente havendo
pedido, por meio de ação anulatória, e o reconhecimento judicial é que o negócio
deixa de ser eficaz.

O direito de reclamar a anulação do negócio jurídico viciado é um


direito potestativo da parte prejudicada. Todavia, ele não é eterno, sob pena de
insegurança jurídica. Ao contrário da nulidade que, como você já estudou, não
convalesce com decurso do tempo, podendo ser arguida a qualquer momento,
a anulabilidade deve ser reclamada dentro dos prazos previstos na lei. Assim,
quando se tratar de negócio viciado por incapacidade da parte ou em razão da
presença de algum dos defeitos dos negócios jurídicos, a anulação poderá ser
reclamada no prazo de 4 (quatro) anos, nos termos do Art. 178 do Código Civil.
Veja:

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a


anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão,
do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
(BRASIL, 2002, s.p)

Quanto a esse dispositivo, é importante atentar-se a três coisas, a primeira:


se o vício que se pretende alegar é a coação, o prazo para a contagem dos quatro
anos iniciar-se-á apenas após cessada a ameaça. Isso porque enquanto perdurar
o temor do dano com o qual a parte está sendo ameaçada, ela provavelmente
não terá condições de ingressar com uma ação sem correr o risco de sofrer as
consequências da ameaça; a segunda: para os demais defeitos, o prazo de quatro
anos começará a ser contado da data em que se realizar o negócio. Entretanto, há
entendimento, jurisprudencial inclusive, de que, por exemplo, no caso da fraude
contra credores o prazo poderá ser contado da data em que o prejudicado tomou
conhecimento do negócio, uma vez que ele não fez parte da tratativa, e não tinha,
muitas vezes, como saber sobre a sua realização antes; a terceira: a incapacidade
de que trata o inciso III é a incapacidade relativa, visto que, sendo absoluta, o
negócio é nulo, e não anulável. Nesses casos, então, a contagem do prazo para
anulação do negócio, sendo o motivo a incapacidade, começará a contar quando
esta cessar, ou seja, se a incapacidade for por idade, iniciar-se-á com a maioridade
da parte, se for outro tipo de incapacidade, com o levantamento da interdição.

Esse prazo de quatro anos, entretanto, não é o prazo geral para anulação
dos negócios jurídicos. Ele serve para aqueles ali elencados. Em outras situações, os
próprios dispositivos legais preverão qual o prazo para arguição da anulabilidade
(por exemplo, o parágrafo único do Art. 119 prevê um prazo de cento e oitenta
dias para reclamar a anulação de negócio feito em conflito de interesses entre

135
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

o representante e o representado). Todavia, caso a situação não se enquadre


naquelas do Art. 178 e também não esteja previsto outro prazo para anulação,
com ocorre com o Art. 496, que prevê a anulabilidade da venda de ascendente
a descente sem indicar o prazo em que esta deve ser arguida, o prazo será de 2
(dois) anos, conforme preceitua o Art. 179 do Código Civil (BRASIL, 2002, s.p),
nos seguintes termos:

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem
estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a
contar da data da conclusão do ato.

Assim como apontado anteriormente com relação ao marco inicial para


alegação dos defeitos dos negócios jurídicos, no que tange a esse artigo, também
se entende que, com relação a terceiros, o prazo para o pedido de anulação deve
ser contado a partir da ciência do negócio, e não da realização do ato. Sobre isso,
Tartuce (2016, p. 302) comenta que:

De qualquer modo, há quem entenda que os prazos dos Arts. 178 e 179
do Código Civil devem ser contados não da celebração do ato, mas
da sua ciência correspondente. Dessa feita, no caso de uma venda de
imóvel, o prazo decadencial para a ação anulatória deve ser contado
do registro imobiliário, e não da elaboração da escritura.

Esses são, portanto, os elementos que configuram a anulabilidade e os


requisitos para sua arguição: existência da causa de anulabilidade, interesse e
legitimidade, e prazo. Todavia, como já foi adiantado, os negócios viciados por
causas de anulabilidade podem ser corrigidos e/ou mantidos, se for do interesse
das partes, conforme você estudará no item a seguir.

3.1 CONSERVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO


Diante da importância do princípio da conservação dos negócios jurídicos,
já bastante mencionado, conclui-se que “a anulação do negócio, todavia deve ser
sempre providência secundária” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p.
443) Ou seja, sempre que for possível sanar a invalidade, corrigir o defeito, ou
confirmar o negócio, deve ser a providência adotada. Desde que, naturalmente,
não haja violação de direitos de terceiros, conforme preconiza o Art. 172: O
negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.

Assim, por exemplo, menor relativamente incapaz aliena prédio de


sua propriedade sem observância das formalidades legais; mais tarde,
depois de haver adquirido plena capacidade civil, vende o mesmo
imóvel a terceiro. É evidente que, nesse caso, não poderá ratificar a
primeira alienação, porque tal ratificação afeta os direitos do segundo
adquirente (MONTEIRO; PINTO, 2016, s.p.).

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 443), “a doutrina


civilista reconheceu existirem medidas sanatórias do ato nulo ou anulável,

136
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

consistentes em ‘instrumentos jurídicos destinados a salvaguardar a manifestação


de vontade das partes, preservando-a da deficiência que inquina o ato”. Essas
medidas sanatórias, ainda de acordo com os mesmos autores (2015, p. 443),
podem ser classificadas da seguinte forma:

a) medidas involuntárias – decorrem diretamente da lei, não


ocorrendo, para a sua configuração, a vontade das partes (a
prescrição, por exemplo);
b) medidas voluntárias – derivam da vontade das partes (a
confirmação, a redução e a conversão substancial, por exemplo).

Por vezes, portanto, o negócio anulável será confirmado por circunstâncias


que não dependem da manifestação de vontade da parte, sendo o caso mais
comum, o decurso do prazo para alegação do vício. Ora, se alguém realiza um
negócio em estado de perigo e, passados quatro anos, ainda não reclamou do
vício, o negócio, que até o fim do prazo era anulável, após o decurso deste, é
confirmado, e continuará a surtir efeitos como se sempre tivesse sido perfeito.

Por outro lado, o negócio mesmo viciado, poderá também ser confirmado
por interesse, ou seja, através da manifestação da vontade das partes. Essa
manifestação de vontade, para caracterizar a confirmação, pode ser tanto tácita,
como expressa. Farias e Rosenvald (2017, p. 640) explicam:

Será expressa a confirmação quando, através de novo ato, que contém


a substância negocial, as partes afirmam a vontade de mantê-lo. De
outra banda, será tácita a convalidação quando, apesar de ciente da
anulabilidade, a parte cumpre regularmente seu conteúdo. É óbvio que
somente as próprias partes poderão sanar o ato anulável, produzindo
efeitos ex tunc.

A confirmação expressa está mencionada no Art. 173 do CC/02, nos


seguintes termos: O ato de confirmação deve conter a substância do negócio
celebrado e a vontade expressa de mantê-lo. A confirmação tácita, por sua
vez, está prevista no Art. 174, que conta com a seguinte redação: É escusada a
confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor,
ciente do vício que o inquinava. Ou seja, é desnecessário que haja manifestação
expressa para a retificação do negócio jurídico anulável, quando a parte, mesmo
conhecendo o vício do negócio, continua a cumprir a sua parte. De acordo como
Monteiro e Pinto (2016), os requisitos da confirmação tácita são: a) execução
completa ou parcial da obrigação; b) conhecimento do vício que a inquinava. É
indiferente a extensão da parte cumprida; maior ou menor, ratificado estará o
negócio anulável, cuja execução se iniciou.

Importante destacar, que os efeitos da confirmação “retroagem à data


do negócio que se pretende confirmar” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 443). Ou seja, se um adolescente de dezessete anos faz um contrato,
sem assistência e, ao completar a maioridade, decide confirmá-lo, os efeitos do
contrato são contados desde a data da sua realização, mesmo que tenha sido com
vício.

137
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

O Código Civil ainda deixa expresso que, havendo a confirmação, esta não
poderá ser revogada, extinguindo-se qualquer direito a ela relacionada. Tartuce
(2016, p. 304) explica que:

O Art. 175 do CC consagra a irrevogabilidade da confirmação, seja


ela expressa ou tácita. Dessa forma, com a confirmação, extinguem-se
todas as ações ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor.
Não caberá mais, portanto, qualquer requerimento posterior de
anulabilidade do negócio anterior, o que está de acordo com a máxima
que veda o comportamento contraditório e que tem relação com a boa-
fé objetiva (venire contra factum proprium non potest).

Por fim, vale ainda mencionar que o Art. 176 dispõe que: Quando a
anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado
se este a der posteriormente. Ou seja, no caso de um negócio feito por um
relativamente incapaz, a confirmação não precisa ser feita por ele, após cessar a
incapacidade. Poderá também ser confirmado o negócio pelo terceiro. Neste caso,
o assistente do incapaz. Do mesmo modo, no caso de uma venda de ascendente a
descendente, viciada pela falta de anuência dos demais herdeiros, poderá haver
convalidação, pela anuência destes outros herdeiros em momento posterior.
Todavia, deve-se observar que, nestes casos, a confirmação “deve, em regra, ser
feito de forma expressa, não se admitindo, salvo regra excepcional, a prova de
uma autorização tácita” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 444).

Em síntese:

As características das anulabilidades podem ser organizadas da seguinte


forma:
i) o negócio existe e gera efeitos concretos até que sobrevenha a
declaração de invalidação;
ii) somente a pessoa juridicamente interessada poderá promover a
anulação negocial;
iii) admite ratificação;
iv) submete-se aos prazos prescricionais;
v) o juiz não pode conhecer a anulabilidade de ofício, nem o Ministério
Público pode suscitá-la (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 635-636).

Agora que você entendeu o que são as nulidades e as anulabilidades,


bem como os casos em que os negócios, mesmo viciados podem ser convertidos
(no caso da nulidade) ou confirmados (no caso da anulabilidade), pode passar
a estudar quais os efeitos do reconhecimento destes defeitos, ou melhor da
aplicação destas sanções.

4 EFEITOS DAS INVALIDADES


Reconhecida a existência de uma nulidade, ou da anulabilidade o juiz irá,
no primeiro caso declarar a nulidade e, no segundo, anular o negócio jurídico.
Essa diferença terminológica não é apenas formal, mas decorre da própria
natureza dos vícios, bem como dos efeitos de cada decisão. A nulidade absoluta

138
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

contamina todo o negócio jurídico, desde sua realização. Diz-se que o negócio
nulo, juridicamente, não produz efeitos. Assim, é quase como se o negócio não
existisse. Desse modo, o juiz irá apenas declarar, ou seja, reconhecer a existência
da nulidade. Não é ele que torna o negócio sem efeito, é o negócio que já é nulo,
e ele apenas faz o reconhecimento da sua invalidade. Por outro lado, os negócios
anuláveis, como o próprio termo denota, não são a priori inválidos, eles são
passíveis de anulação (anuláveis). Ou seja, eles surtirão efeitos até que, após a
reclamação do interessado, o juiz os anule, ou seja, os desconstitua.

Entretanto, os efeitos jurídicos, tanto da nulidade, como da anulabilidade,


são os mesmos. Conforme explicam Monteiro e Pinto (2016), a nulidade, absoluta
ou relativa, uma vez proclamada, aniquila o negócio jurídico. A relativa, embora
de menor gravidade que a absoluta, depois de reconhecida por decisão judicial,
tem a mesma força exterminadora; num e noutro caso, o negócio fica inteiramente
invalidado. Esse efeito está previsto no Código Civil no seguinte dispositivo:

Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado


em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão
indenizadas com o equivalente (BRASIL, 2002, s.p).

Ou seja, declarada a nulidade, ou anulado o negócio, a consequência


fática é de que devem ser restituídas as partes a situação em que se encontravam
antes da realização do negócio. Entretanto, como nem sempre isso é possível,
muitas vezes a solução é compensar a parte prejudicada com uma indenização
correspondente ao prejuízo aferido. “Vale advertir que a expressão ‘anulado’,
consignada na norma, deve ser entendida em sentido amplo, de forma a abranger
também a nulidade absoluta” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 441).
Portanto, no que se refere ao reconhecimento de qualquer das invalidades, pode-
se dizer que:

Seu principal efeito é a recondução das partes ao estado anterior; o


reconhecimento da nulidade opera retroativamente, volvendo os
interessados ao statu quo ante, como se o ato nunca tivesse existido.
Assim, nulo o testamento, por exemplo, deve o herdeiro, ou legatário,
restituir ao acervo a coisa herdada ou legada; anulada a compra e
venda, o vendedor restitui o preço e o comprador a coisa adquirida,
restabelecendo-se o estado em que antes dele se achavam as partes
(MONTEIRO; PINTO, 2016, s.p).

Respeito exclusivamente à declaração de nulidade, não existem muitas


controvérsias quando aos seus efeitos. A doutrina é unânime em proclamar que
em “sentença proferida no bojo de ação declaratória de nulidade, salvo norma
especial em sentido contrário, os seus efeitos retroagem até a data da realização
do ato, invalidando-o ab initio (efeitos ex tunc)” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 440). Além do mais, diferente da sentença anulatória, “a sentença
que declara a nulidade absoluta tem efeitos erga omnes, contra todos, diante da
emergência da ordem pública” (TARTUCE, 2016, p. 299).

139
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Com relação à sentença anulatório, há alguma divergência quando


se falam dos seus efeitos. Por ser uma sentença descontitutiva ou constitutiva
negativa, seus efeitos normalmente seriam ex nunc, ou seja, deveriam valer
apenas a parte da declaração da desconstituição do negócio. Todavia, a doutrina
majoritária entende que esse preceito não se aplica às sentenças anulatórias.
Conforme salientam Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 446), “ocorre que a
ilicitude do ato anulável, a despeito de desafiar sentença desconstitutiva, exige que
a eficácia sentencial seja retroativa (ex tunc), sob pena de se coroarem flagrantes
injustiças”. Entendimento esse que está em consonância com os preceitos do Art.
182, conforme estudado anteriormente. Todavia, os mesmos estudiosos advertem
que, pela natureza privada das demandas anulatórias, para que a sentença tenha
efeitos retroativos, é imprescindível expressa manifestação judicial, por questão
de segurança jurídica (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015).

Ainda, com relação à sentença anulatória, “diante de sua natureza


privada, tem aquela efeitos inter partes” (TARTUCE, 2016, p. 305). Ou seja, como
já esclarecido quando da análise do Art. 177, a anulação só irá beneficiar aquele
que ingressou com a ação, a não ser que haja solidariedade ou que o objeto seja
indivisível.

Compreendidas essas considerações gerais sobre os efeitos da nulidade


e da anulabilidade, agora você estudará algumas outras regras diferentes que
o legislador previu para casos especiais de negócios, a princípio, inválidos. A
primeira dela é uma consequência da importância dada à boa-fé na realização dos
negócios jurídicos. Veja o que diz o dispositivo a seguir:

Art. 180. O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para
eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a
ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se,
declarou-se maior (BRASIL, 2002, s.p).

Primeiro ponto que deve ser destacado é que essa previsão é exclusivamente
aplicável aos relativamente incapazes em razão da idade, ou seja, os adolescentes
entre dezesseis e dezoito anos.

Por serem incapazes apenas relativamente a alguns atos da vida, o


legislador entendeu que, agindo o adolescente com má-fé para fazer um negócio
jurídico, ao mentir ou omitir a sua idade, ele não poderá se valer da alegação de
anulabilidade em razão da falta de assistência para desfazer o negócio. Ora, se ele
mesmo que levou a outra parte a acreditar que já era maior, não poderá depois se
valer da própria torpeza para prejudicar a outra parte, que estava de boa-fé. Sobre
esse dispositivo, Monteiro e Pinto (2016, s.p) comentam que:

140
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

Prevê o legislador, portanto, nesse dispositivo, duas situações


diferentes, mas que induzem às mesmas consequências: a) o
menor, entre dezesseis e dezoito anos, interrogado pela outra
parte, dolosamente oculta sua idade; b) no ato de se obrigar, ele
espontaneamente se declara maior.
Em ambas as hipóteses a sanção é a mesma: o incapaz não será
admitido a alegar a menoridade para se furtar à obrigação que
contraiu. A malícia com que se houve levanta a incapacidade [...].

Outra regra relativa ao tema, também decorrente do princípio da boa-


fé, é a estampada no Art. 181, que diz: Ninguém pode reclamar o que, por uma
obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito
dele a importância paga. Ou seja, se alguém fizer negócio incapaz, sabendo
que isso era incapaz, ou não tendo as cautelas necessárias para averiguar se era
ou não capaz, mesmo se anulado o negócio, não poderá pedir a devolução do
bem entregue, ou o ressarcimento dos prejuízos, a não ser que comprove que
o incapaz reverteu o benefício em proveito próprio. Nesse caso, provado que a
soma reverteu um proveito do incapaz, se ordena a restituição, porque a ninguém
se permite locupletar-se à custa alheia. Omitida a prova, mantém-se o status quo.
O ônus cabe naturalmente àquele que pagou (MONTEIRO; PINTO, 2016).

Por fim, valem alguns apontamentos sobre a invalidade do instrumento


e sobre as invalidades parciais. De acordo com o Art. 183: A invalidade do
instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se
por outro meio, ou seja, se a forma não for da essência do negócio, o fato de ser o
instrumento inválido, não prejudica o negócio jurídico como um todo, desde que
esse negócio possa ser provado de outra forma. Por sua vez, o Art. 184 prevê que:

Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de


um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for
separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações
acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal (BRASIL,
2002, s.p).

Tal dispositivo, também em consonância com o princípio da conservação


dos negócios jurídicos, prevê que sempre que possível isolar a nulidade, o restante
do negócio poderá ser mantido. Deve-se observar, entretanto, que se a nulidade
atingir a essência do negócio, ou o negócio principal, quando houver outros
acessórios, todos os dependentes terão de ser anulados.

Por outro lado, se a nulidade está em cláusula ou contrato acessório, o


principal poderá ser mantido. Por exemplo, num contrato de locação de imóvel
com fiança, se o contrato de locação (principal) estiver viciado, quando da sua
anulação, também será anulada a fiança (acessório). Agora, se o vício estiver
na fiança, será ela anulada, sem prejuízo do contrato principal, que continuará
válido.

141
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

5 COMPARATIVO: NULIDADE X ANULABILIDADE

QUADRO 1 – COMPARATIVO ENTRE ATOS NULOS E ANULÁVEIS

ATO NULO ATO ANULÁVEL


Atinge preceitos de ordem pública. Atinge preceitos de ordem privada.
Pode ser declarado de ofício pelo juiz. Não pode ser declarado de ofício pelo
juiz.
O reconhecimento se dá em ação O reconhecimento de dá em ação
declaratória de nulidade. anulatória.
A legitimidade para arguir a nulidade
A legitimidade para arguir a
é dos interessados e do Ministério
anulabilidade é somente dos
Público (quando lhe couber intervir
interessados.
no processo).
Não tem prazo para ser arguida, pois
A ação anulatória está sujeita a prazo
o ato nulo não se convalida no tempo
decadencial, pois o ato anulável se
(a ação declaratória de nulidade é
convalida no tempo.
imprescritível)
O efeito da sentença é, em regra, ex
O efeito da sentença é ex tunc
nunc (não retroativo), mas pode ser ex
(retroativo).
tunc se o juiz assim determinar.
Se a lei dispuser que o ato é anulável
Não há prazo geral para a nulidade, e não estabelecer prazo, será este de
pois o ato nulo não se convalida no dois anos contados da conclusão do
tempo. negócio (art. 179, CC).
Deve-se preferir utilizar o termo Deve-se preferir usar o termo
nulidade, em vez de nulidade anulabilidade, em vez de nulidade
absoluta. relativa.
O ato nulo não admite confirmação,
apenas conversão do negócio jurídico O ato anulável admite confirmação.
(art. 170 do CC)
FONTE: Adaptado de Cassettari (2013)

142
TÓPICO 2 — INVALIDADES DO NEGÓCIO JURÍDICO

E
IMPORTANT

A anulabilidade e os efeitos retroativos de seu reconhecimento

É voz corrente a que refere que a pronúncia da invalidade do ato anulável possui efeito ex
nunc. Entretanto, a desconstituição dos efeitos do ato anulável é retroativa, ou seja, opera-
se ex tunc.

Enquanto a nulidade é declarada em sentença que inclusive pode ser prolatada a qualquer
tempo reconhecendo a invalidade, a anulabilidade produz efeitos provisórios que podem
ser convalidados pelo decurso do tempo ou da vontade, sendo sua pronúncia judicial
constitutivo-negativa, ou seja, desconstitutiva, retroagindo e desfazendo os efeitos
fulminados. Não fosse assim, não se restituiriam, tanto na nulidade quanto na anulabilidade,
as partes ao status quo ante como manda a lógica e o Art. 182 do Código Civil. E do mesmo
modo, ter-se-ia que afirmar que o vício reconhecido não é original, mas muito posterior
ao negócio viciado, como se o dolo, a lesão, o erro, a coação, o estado de perigo, a fraude
contra credores ou a incapacidade relativa não estivessem na gênese do pacto inválido.

Apesar do negócio anulável produzir efeitos provisoriamente, ainda assim o reconhecimento


da invalidade enseja a reversão da eficácia, restabelecendo-se, na medida do possível,
a situação original. Não se desconstitui a partir somente da manifestação jurisdicional
o ato anulável, ao contrário da sentença de divórcio que, esta sim, produz alteração do
perfil jurídico dos envolvidos e não restabelece o status quo ante, fulminando os efeitos
produzidos até então[...]

Acesse: http://estadodedireito.com.br/anulabilidade-e-os-efeitos-retroativos-de-seu-
reconhecimento/.

143
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Nulidade e anulabilidade são espécies do gênero invalidades.

• Nulidade e anulabilidade são sanções pelo desrespeito aos requisitos que a lei
prevê para realização de um negócio jurídico válido.

• A nulidade é a sanção aplicada pelo descumprimento de preceitos de ordem


pública; ela pode ser arguida por qualquer interessado, pelo Ministério Público
e conhecida de ofício pelo juiz, quando estiver provada.

• A nulidade não pode ser confirmada, mas admite a conversão, assim como não
convalesce pelo decurso do tempo.

• São nulos os negócios simulados, mas podem subsistir os dissimulados, se


foram válidos na substância e na forma.

• A anulabilidade é a sanção aplicada pelo desrespeito a preceitos de ordem


privada; ela pode ser arguida apenas pelos diretamente interessados.

• A anulabilidade admite confirmação, desde que não prejudique terceiros.

• Os efeitos da declaração de nulidade são sempre retroativos, enquanto da


anulação dependem de manifestação expressa para retroagirem.

• A declaração de nulidade tem efeitos erga omnes, enquanto a anulação tem


apenas efeitos inter partes.

144
AUTOATIVIDADE

1 As invalidades são sanções por violação dos requisitos legais quando da


realização do negócio jurídico. Elas podem ser nulidades ou anulabilidades,
a depender da sua origem e, consequentemente, terão diferentes efeitos.
Sobre as invalidades do negócio jurídico, é CORRETO afirmar que:

a) ( ) As nulidades podem ser confirmadas de forma expressa ou tácita; as


anulabilidades, por outro lado, admitem somente a conversão substancial.
b) ( ) A declaração de nulidade tem efeitos retroativos, devendo as partes
serem restituídas ao estado anterior ao da realização do negócio; por outro
lado, os efeitos da sentença anulatória nunca poderão retroagir.
c) ( ) As nulidades podem ser declaradas de ofício pelo juiz, quando ele
tiver provas da sua existência; a anulabilidade, por sua vez, só poderá ser
reconhecida se arguida pela parte diretamente interessada.
d) ( ) A declaração de nulidade de negócio jurídico deve ser feita dentro do
prazo decadencial de quatro anos, enquanto a anulabilidade não convalesce
pelo decurso do tempo.

145
146
TÓPICO 3 —
UNIDADE 2

ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

FIGURA 3 – TEMPO

FONTE: <https://unsplash.com/photos/5Hl5reICevY>. Acesso em: 19 jul. 2020.

1 INTRODUÇÃO
Encerrado o estudo das invalidades, você pode saltar para o terceiro
degrau da Escada Ponteana: o plano de eficácia. Se você analisar bem os negócios
jurídicos do dia-a-dia, perceberá que, na maioria das vezes, os negócios que são
existentes e válidos, são automaticamente eficazes. E é isso mesmo. Em regra,
não estando contaminado por nenhum defeito, ou eivado de nulidade, o negócio
jurídico, assim que perfectibilizado, será capaz de emanar seus efeitos jurídicos.

Entretanto, apesar de ser a regra a eficácia imediata e plena dos negócios


jurídicos existentes e válidos, as partes podem optar por inserir nos negócios
elementos acidentais, também chamados de fatores do negócio jurídico, que
limitarão a eficácia do negócio jurídico. Por exemplo: Fulano doa um apartamento
para Sicrano o dia que este se formar no curso de Direito. Nesse caso, Fulano pode
formalizar a doação desde já, inclusive por escritura pública, porém, Sicrano não
poderá exigir a transferência do apartamento, até que tenha obtido o diploma.
Assim, temos um negócio jurídico existente, válido, mas que ainda não produz
efeitos, estando estes dependentes da ocorrência de um acontecimento futuro.

Os elementos acidentais previstos no Código Civil são a condição, o termo


e o encargo ou modo. Eles são chamados de acidentais porque “sua presença é
dispensável para a existência do negócio, uma vez que são declarações acessórias
da vontade, incorporadas a outra, que é principal” (DINIZ, 2006, p. 522) Ainda,
para que se configurem, eles devem decorrer da vontade das partes, e não ser

147
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

uma exigência legal, mas “mesmo que convencionados voluntariamente pelas


partes, os fatores do negócio jurídico não o integram, apenas projetando-se sobre
os seus efeitos” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 649).

NOTA

Normalmente, no estudo do negócio jurídico, seguir-se a ordem da escada


ponteana para aferir os elementos do negócio, devendo-se considerar que, conforme
estudado no tópico anterior, se o negócio for inválido, também não surtirá efeitos, existem
algumas exceções. Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 454) advertem que:

É preciso que se diga que, por vezes, o ato eivado de nulidade absoluta
produz efeitos jurídicos, a exemplo do que ocorre no casamento
putativo, ou seja, tem repercussões no plano da eficácia, e, bem assim,
na hipótese de atos praticados por menores (incapazes), sem a devida
representação ou assistência, mas com indiscutível eficácia jurídica e
aceitação social.

2 CONDIÇÃO
O primeiro elemento acidental é a condição. De acordo com o Art. 121 do
Código Civil: Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente
da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro
e incerto. Portanto, ela “é o acontecimento futuro e incerto, de cuja verificação
a vontade das partes faz depender o nascimento ou a extinção das obrigações
e direitos” (PEREIRA, 2011, p. 464). Dessa definição, extrai-se que a condição é
caracterizada por três elementos fundamentais:

a) a incerteza;
b) a futuridade;
c) voluntariedade.

Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 455) advertem “que essa incerteza


diz respeito à própria ocorrência do fato, e não ao período em que este irá se
realizar”. Ou seja, o evento que subordina o negócio deve ser realmente incerto,
imprevisível. Se for algo que apenas não se sabe quando vai ocorrer, mas se tem
certeza que um dia acontecerá, não é um evento incerto para fins de caracterização
da condição. “Por isso, a morte, em princípio, não é considerada condição; o
indivíduo nasce e tem certeza de que um dia irá morrer, mesmo que não saiba
quando” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 455).

Tocante à futuridade, por mais óbvio que possa parecer, é importante


destacar que se refere a um evento que ainda não aconteceu. Se já tiver ocorrido,
mesmo que não se saiba, não é mais um evento futuro para fins de caracterização

148
TÓPICO 3 — ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

da condição. Conforme exemplo de exaustivamente replicado na doutrina


nacional, cunhado do Spencer Vampré, “se alguém prometer certa quantia, se
premiado o seu bilhete de loteria que ontem correu. Ou o bilhete foi premiado e
a obrigação é pura e simples ou não o foi, caso em que a declaração é ineficaz”
(DINIZ, 2006, p. 523).

Quanto à voluntariedade, nada mais é do que a necessidade de que seja


definida pelas partes. De acordo com os ensinamentos de Monteiro e Pinto (2016),
a condição só pode consistir em cláusula aposta ao negócio jurídico por vontade
exclusiva das partes; não pode haver condição derivada de lei, cuidando-se de
elemento acessório do negócio jurídico, deixando à autonomia da vontade.

Compreendida a definição de condição, e estudo da forma como ela afeta


os negócios é mais facilmente feita a partir das suas classificações. A condição
pode, portanto, ser classificada:

• Quanto aos efeitos:


ᵒ Suspensiva: é aquela que, enquanto não se verificar, ou seja, enquanto não
ocorrer, impede que o negócio jurídico surta seus efeitos. É o que está
disposto no Art. 125 do CC/02: Subordinando-se a eficácia do negócio
jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá
adquirido o direito, a que ele visa. A condição suspensiva protela, suspende
temporariamente a eficácia do negócio jurídico. Pode-se dizer que ela cria
uma barreira que impede que se chegue ao degrau da eficácia na Escada
Ponteana. Por exemplo: Fulano doará um carro para seu irmão quando
este se casar; Beltrano só venderá sua casa para o vizinho se este conseguir
passar no concurso; Sicrano locará sua sala comercial para o irmão se ele
adquirir uma franquia. Importante ter em mente, também, que a condição
suspensiva subordina “não apenas a sua eficácia jurídica (exigibilidade), mas,
principalmente, os direitos e obrigações decorrentes do negócio” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 457, itálicos no original). Pode-se dizer que
a condição suspensiva gera uma mera expectativa de direito enquanto a
condição não se verificar, uma vez que pode ser que ela nunca ocorra.
ᵒ Resolutiva: é a condição que subordina a ineficácia do negócio jurídico.
Ou seja, um negócio é feito normalmente, mas há previsão de que, se
um determinado evento futuro e incerto ocorrer, aquele negócio deixará
de surtir efeitos. Ela encerra o negócio. De acordo com o Art. 127: Se for
resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio
jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele
estabelecido. Por exemplo: Fulano empresta seu apartamento para o primo
enquanto este for solteiro; Beltrana paga pensão a seu ex-marido até ele
conseguir um emprego.

149
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

• Quanto à licitude: para análise da classificação, deve-se observar o disposto no


Art. 122. Veja:

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei,
à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas
se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o
sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes (BRASIL, 2002, s.p).

ᵒ Lícitas: são aquelas que estão de acordo com a lei, não contrariam a ordem
pública, nem os bons costumes. Não prejudicam de a validade do negócio
jurídico.
ᵒ Ilícitas: de outro norte, são exatamente aquelas que contrariam os preceitos
anteriormente descritos. Por exemplo, condicionar a doação de um bem a
prática de um crime. Também são proibidas, e portanto ilícitas, as condições
que privam de qualquer efeito o negócio (emprestar um vestido para uma
amiga, com a condição de que ela não o use), e aquelas que sujeitam a eficácia
do negócio ao puro arbítrio das partes, chamada de condição puramente
potestativa (por exemplo: te venderei minha casa se me der vontade). As
condições ilícitas, sejam suspensivas, sejam resolutivas, invalidam todo o
negócio jurídicos, nos termos do Art. 123, inciso II, do Código Civil. Ainda,
tem o mesmo efeito das condições ilícitas, as condições incompreensíveis
ou contraditórias, também chamadas de perplexas, consoante inciso III do
Art. 123.

• Quanto à possibilidade:
ᵒ Possível: condições possíveis “são aquelas que podem ser cumpridas, física
e juridicamente, não influindo na validade do negócio” (TARTUCE, 2016, p.
247).
ᵒ Impossível: “Condições fisicamente impossíveis são aquelas irrealizáveis por
qualquer pessoa, ou seja, cujo implemento exigiria esforço sobrenatural”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 461). No que toca às condições
impossíveis, o ponto mais importante a ser observado é se ela é uma
condição suspensiva ou resolutiva, pois as consequências jurídicas de cada
uma são distintas. Se a condição impossível for suspensiva (por exemplo:
doarei um terreno a Fulano se ele correr uma maratona em cinco minutos),
todo o negócio é inválido, de acordo com o Art. 123, inciso II, do CC/02, visto
que ela impede qualquer eficácia. Por outro lado, se a condição impossível
é resolutiva (empresto meu tênis a Fulano até ele conseguir correr uma
maratona em cinco minutos), reputa-se inexistente apenas a condição, sendo
o negócio jurídico válido e eficaz, consoante previsto no Art. 124 do Código
Civil.

• Quanto à origem:
ᵒ Casual ou causal: são as condições que derivam de eventos naturais, ou
fortuitos, sobre os quais as partes não têm qualquer influência. Por exemplo:
te emprestarei meu guarda-chuva se estiver chovendo na hora que você sair.

150
TÓPICO 3 — ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

ᵒ Mista: é a condição “que conjuga a vontade de uma das partes a uma


circunstância externa, como na doação que se realizará se o donatário se
casar com determinada pessoa” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 651). No
exemplo, o evento futuro e incerto é o casamento com determinada pessoa.
Ou seja, além do casamento, que já é um evento incerto, a ocorrência do
evento depende da vontade de uma terceira pessoa.
ᵒ Potestativa: as condições potestativas são aquelas que derivam da vontade da
parte. Elas podem são divididas em puramente potestativas e simplesmente
(ou meramente) potestativas. As primeiras, como destacado anteriormente,
são inválidas, pois caracterizam situação em que a ocorrência do fato depende
apenas e exclusivamente do puro arbítrio de uma das partes (Art. 122,
CC/02). Elas “caracterizam-se pelo uso de expressões como: ‘se eu quiser’,
‘caso seja do interesse deste declarante’, ‘se na data avençada, este declarante
considerar-se em condição de prestar’ etc.” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 459). Por outro lado, as condições simplesmente potestativas
são válidas. Estas, além da vontade da parte, dependem “também de algum
fator externo ou circunstancial, não caracterizam abuso ou tirania, razão pela
qual são admitidas pelo direito” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015,
p. 459). Como exemplo pode-se citar o pai que doa um carro ao filho sob a
condição de que ele passe no vestibular para o curso de Direito. No caso,
além da vontade da parte (se inscrever e prestar o vestibular) a ocorrência
da condição também depende de outros fatores (desempenho da própria
pessoa e dos demais candidatos).

O código prevê, ainda, no Art. 126, que: Se alguém dispuser de uma coisa
sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquelas novas disposições,
estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis.
Ou seja, mesmo no período de mera expectativa quanto à aquisição do direito,
o ordenamento protege a pessoa a quem se destinou um bem ou direito, não
podendo a pessoa que a destinou fazer novas disposições que sejam incompatíveis
com a primeira. Conforme elucida Meirelles (2013, p. 251):

Significa dizer que, embora ainda não adquirido o direito condicional,


cria-se uma expectativa que não pode ser frustrada em função de novas
disposições incompatíveis com o direito visado. Portanto, uma vez
realizada a condição suspensiva, qualquer ato realizado no período
em que estava pendente não terá valor se prejudicar o exercício do
direito.

Por sua vez, o Art. 128 dispõe que:

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os


efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de
execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição
em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde
que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos
ditames de boa-fé (BRASIL, 2002, s.p).

151
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Quer dizer, portanto, que a ocorrida a condição resolutiva, o negócio


jurídico a aquela estava subordinado encerra-se. Ressalvam-se, porém, eventuais
direitos decorrentes de negócios feitos antes do implemento da condição
resolutiva. Nesse sentido, é esclarecedor o seguinte exemplo, apresentado por
Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 458):

Assim, no exemplo do usufruto constituído sobre imóvel para


mantença de estudante universitário (usufrutuário), beneficiário da
renda proveniente da venda do gado até que cole grau, o implemento
da condição resolutiva (colação de grau) não poderá prejudicar a
venda de novilhos a terceiro já pactuada, estando pendente apenas a
entrega dos animais.

O legislador foi precavido e previu as consequências para o caso do


implemento malicioso de uma condição, ou o impedimento da sua ocorrência,
no Art. 129 do Código Civil. Caso o interessado fraude a ocorrência da condição
(por exemplo: Fulano prometeu doar um apartamento para Sicrano quando
este se casasse. Sicrano, então, combina com uma amiga e ambos fingem
serem namorados e casam-se, apenas para que Sicrano receba o apartamento),
considerar-se-á como não implementada e ele não terá direito ao que lhe foi
prometido. Do mesmo modo, se a outra parte impedir a ocorrência da condição
(por exemplo, se Fulano, tendo prometido um carro para Sicrano se ele passasse
no exame da OAB ainda este ano, impede que Sicrano faça a prova, escondendo
seus documentos pessoais), considerar-se-á verificada a condição. Entretanto,
nesses casos, “não basta a caracterização de culpa, é necessário que haja intenção,
dolo na prática do ato que provoca a ocorrência ou o impedimento do evento
condicional” (MEIRELLES, 2013, p. 257).

Por fim, uma última regra muito importante no que toca à condição é
a esposada no Art. 130: Ao titular do direito eventual, nos casos de condição
suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-
lo. Isso quer dizer que mesmo a parte tendo, no caso da condição suspensiva,
apenas uma expectativa de direito, ela poderá exercer direitos para conservá-lo
(por exemplo, registrar o termo de doação no Cartório de Registro de Imóveis).
Da mesma forma, também poderá o titular de um direito que pode se encerrar a
qualquer momento em razão do implemento da condição resolutiva, defendê-lo
(por exemplo, com o ingresso de uma ação de reintegração de posse do imóvel
que ocupa).

3 TERMO
Agora que você compreendeu o que é a condição, o estudo do termo
torna-se bastante facilitado. O termo, assim como a condição, é um evento futuro.
Entretanto, ao contrário daquela, ele é um evento certo. Portanto, é tudo que se
pode afirmar com certeza que acontecerá. Os temos mais utilizados são as datas.
Por exemplo: o contrato de locação terá início no dia 12 do próximo mês; ou, você
poderá acessar o seu curso online até o dia 31 de março do próximo ano.

152
TÓPICO 3 — ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Do mesmo modo que a condição é classificada em suspensiva e resolutiva,


o termo é dividido em termo inicial e termo final. O termo inicial marca o início
da eficácia do negócio jurídico, ou seja, é a partir de quando se tornam exigíveis os
direitos e obrigações negociados (por exemplo: se Fulano empresta certa quantia
em dinheiro para Sicrano, ficando acordado que Sicrano deverá devolver o valor
no dia 20 de abril, tem-se aí o termo inicial, que é a partir de quando Fulano pode
exigir o dinheiro de volta). O termo final, por sua vez, é limite até quando o
negócio produzirá seus efeitos (por exemplo, Beltrano empresta seu apartamento
de praia para seu primo até o Carnaval, este que será, portanto, o termo final do
contrato de empréstimo).

O fato de o termo ser um evento certo distingue as suas consequências


jurídicas da condição. De acordo como o Art. 131 do Código Civil: O termo inicial
suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. No caso, então, no momento
da realização do negócio as partes já adquirem plenamente os direitos que dele
advém. Entretanto, o termo inicial marca o momento a partir do qual esse direito
poderá ser exigido. Um exemplo cotidiano para ilustrar o ponto: Fulano emite
uma nota promissória com prazo de 90 (noventa) dias para pagamento. Sicrano,
para quem foi entregue esta nota promissória, já tem direito ao crédito que está
insculpido nela. Todavia, ainda não pode cobrar Fulano, pois o termo inicial ainda
não foi alcançado. Mesmo assim, ainda dentro destes 90 (noventa) dias, Sicrano
pode negociar a nota promissória. Ou seja, ela pode “vender” a nota promissória
para outra pessoa, que lhe pagará um valor por ela, antecipando o pagamento
que depois cobrará de Fulano.

Tudo isso que foi citado só é possível porque o termo é um evento


certo e, assim sendo, desde o momento da emissão do título de crédito (a nota
promissória) o direito aquele valor já estava adquirido. Portanto, lembre-se:
enquanto a condição suspensiva gera expectativa de direito, o termo inicial gera
direito adquirido.

O termo também possui outras classificações. Ele pode ser um termo certo,
quando se souber exatamente quando vai ocorrer, sendo as datas o exemplo por
excelência deste tipo de termo. Pode ainda ser um termo incerto, que é um evento
certo, ou seja, que se tem certeza se vai acontecer, mas não se conhece quando
ocorrerá. O exemplo típico de termo incerto é a morte. Muita atenção: a morte
é um evento certo, pois sabe-se que um dia ocorrerá, mas não se sabe quando.
Portanto, se Fulano prever que doará mil reais por mês para uma organização
que resgata animais de rua depois que o seu cachorro morrer, ele está colocando
um termo inicial para esta doação, pois seu cachorro morrerá um dia, mesmo que
não se saiba quando. Todavia, se ele disser que fará a doação caso seu cachorro
morra no próximo ano, passa-se a ter uma condição, isso porque, muito embora
seja certo que o cachorro vai morrer um dia, não é possível asseverar que isso
ocorrerá no próximo ano. Portanto, muita atenção sempre que se deparar com
um elemento acidental cujo evento a que se refira seja a morte!

153
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Ainda, outra classificação é apresentada pela doutrina. O termo pode ser


convencional, quando fixado pelas partes; legal, quando determinado pela lei;
ou, de graça, quando fixado judicialmente, sendo que, no caso, de acordo com
Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 464-465), “geralmente, consiste em um prazo
determinado pelo juiz para que o devedor de boa-fé cumpra a sua obrigação”.

É muito comum que os negócios jurídicos de prestação continuada


tenham tanto um termo inicial como um termo final. Por exemplo: se Fulano loca
uma casa de praia para passar as férias entre os dias 04 e 20 de janeiro, teremos o
dia 04 como termo inicial, quando começará a locação, e dia 20, como termo final,
com o seu encerramento. “O período de tempo entre os termos inicial e final se
denomina prazo” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 464). Quanto aos
prazos, o Art. 132 do Código Civil apresenta algumas regrinhas de relevantes
implicações práticas. Veja só:

Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário,


computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do
vencimento.
§ 1º Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado
o prazo até o seguinte dia útil.
§ 2º Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto dia.
§ 3º Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de
início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
§ 4º Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto
(BRASIL, 2002, s.p)

Do caput, extrai-se a forma de contagem dos prazos da vida civil. Portanto,


se na segunda-feira Fulano dá quatro dias para que Sicrano lhe devolva o bem
emprestado, o último dia do prazo cairá na sexta-feira, pois exclui-se o dia de
início (segunda-feira) e inclui-se o do vencimento (sexta-feira). No que toca aos
feriados, é importante ter em mente que esse termo é utilizado pelo Código no
sentido de dia “não útil”. Portanto, se você tem uma conta que vence dia 10 de
cada mês, e neste o dia 10 cai no domingo, saiba que a conta ainda pode ser paga
na segunda-feira! Quanto aos prazos em anos e meses, o §3º explica que, por
exemplo, se um prazo de um ano se iniciar no dia 06 de junho, o vencimento será
no dia 06 de junho do ano seguinte, mas se, por exemplo, houver um prazo de
seis meses a partir de 31 de outubro, este vencerá em 1º de maio, uma vez que
não há dia 31 de abril. Por fim, dispõe também que nos prazos em horas, serão
consideradas as frações, ou seja, os minutos para o cálculo. Tenha em mente,
entretanto, que todo o disposto neste artigo só é aplicável caso nada tenha sido
disposto em contrário quando da realização do negócio jurídico.

Ainda com relação a prazos, o Art. 133 prevê que: Nos testamentos,
presume-se o prazo em favor do herdeiro, e, nos contratos, em proveito do
devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias,
resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contratantes.
Sobre esse dispositivo, Monteiro e Pinto (2016, s.p) comentam que:

154
TÓPICO 3 — ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Suponha-se realmente que num ato de última vontade o testador


fixe prazo para entrega do legado; entende-se que tal prazo foi
estabelecido em favor do herdeiro, obrigando ao pagamento, e não
do legatário. Da mesma forma, nas obrigações convencionais, o prazo
é a favor do devedor, que pode, pois renunciá-lo e desde logo solver
a dívida. Ressalvam-se, todavia, as hipóteses em que o prazo haja
sido estabelecido em favor do credor, o que se dessumirá do teor do
instrumento, ou das circunstâncias do caso.

Apesar de ser uma consequência lógica, o legislador tratou de prever que


os “os atos negociais sem prazo são exigíveis de imediato, ressalvada a hipótese de
a execução ter de ser feita em local diverso ou depender de tempo (a entrega de
uma mercadoria em outro Estado, por exemplo)” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,
2015, p. 465, itálicos no original), conforme disposto no Art. 134 do Código Civil.
Ainda, importante disposição é a do Art. 135, que salienta que: Ao termo inicial
e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva
e resolutiva, como por exemplo, se o termo inicial for impossível, o negócio será
inválido.

4 ENCARGO
Por fim, temos o último elemento acidental previsto no Código Civil, qual
seja, o encargo (também chamado de modo). Esse elemento é aplicável quase que
exclusivamente aos negócios jurídicos benéficos/gratuitos.

Conforme você estudou na Unidade 1, os negócios benéficos são aqueles


em que uma das partes só recebe um benefício, sem ter que dar nada em troca,
como em uma doação. Pelo encargo, porém, apesar de continuar sendo um
negócio benéfico, o doador pode, por exemplo, exigir uma espécie de “favor” do
donatário. É, em geral, uma troca desigual, em que o donatário tem que fazer um
pequeno “sacrifício” em troca de um grande benefício. De acordo com Gagliano e
Pamplona Filho (2015, p. 466, grifos do original), “modo ou encargo é determinação
acessória acidental do negócio jurídico que impõe ao beneficiário um ônus a ser cumprido,
em prol de uma liberalidade maior”. Ainda, segundo os mesmos autores (2015, p.
466), ele “geralmente é identificado pelas expressões ‘para que’, ‘com a obrigação
de’, ‘com encargo de’”. Pereira (2011, p. 485-486), por sua vez, de forma muito
didática, explica que o encargo seria:

155
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

Restrição à vantagem criada para o beneficiário de um negócio jurídico


gratuito, quer estabelecendo o fim a que se destina a coisa adquirida,
quer impondo uma obrigação ao favorecido em benefício do próprio
instituidor, ou de terceiro, ou da coletividade anônima. Mas não
constitui, nem pode constituir uma contraprestação, não é nem pode
ser uma contrapartida da prestação recebida, e, quando se institui em
um contrato bilateral, e a obrigação se configura como correlata da
prestação devida pela outra parte, estará descaracterizado o encargo.
Menos, portanto, do que um correspectivo do recebido, é mais do que
uma recomendação ou um conselho ao beneficiado, porque feito com
caráter impositivo, e sancionado pela exigibilidade a que o obrigado
se sujeita. Ninguém pode ser compelido a aceitar uma liberalidade
(doação ou legado), mas indo esta acompanhada de um encargo, a
sua aceitação implica subordinação do benefício recebido ao dever
imposto sob a forma do modus.

Não é demais repetir: o encargo não é um pagamento, não é uma


contraprestação. Ele “é peso atrelado a uma vantagem, e não uma prestação
correspectiva sinalagmática” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 466,
grifos do original).

O encargo, em regra, “não suspende a aquisição ne, o exercício do direito,


ressalvada a hipótese de haver sido fixado o encargo como condição suspensiva”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 466), consoante se extrai do Art. 136
do Código Civil. Ou seja, se Fulano doa um sítio para Sicrano com o encargo de
que ele doe anualmente parte da colheita de milho para a igreja local, a doação
estará perfeita, independentemente de se ter iniciado ou não o cumprimento
do encargo. E se o encargo não for cumprido? Aí caberá ao doador requerer
a anulação do negócio. Se o encargo previa benefício para terceiros ou para a
coletividade, poderão os beneficiários ou o Ministério Público (quando o encargo
for de interesse social) exigir o cumprimento deste. Conforme explica Pereira
(2011, p. 488):

Pode-se, então, dizer que o descumprimento do encargo faz nascer,


com caráter alternativo, duas ações: uma primeira, tendo por
finalidade a exigência do seu cumprimento, e a outra visando à
revogação do negócio modal. Mas o exercício dessas ações variará
em razão da pessoa do autor: o instituidor pode exercer qualquer
delas, alternativamente, competindo-lhe o direito de escolher; os seus
herdeiros têm qualidade para dar-lhe seguimento. Mas os terceiros
beneficiados e o representante do Ministério Público só têm ação para
exigir o cumprimento do encargo.

Caso o encargo seja previsto como condição, ou seja, primeiro deve-se


cumprir o encargo, para depois receber o benefício, aí não valerá a norma de
aquisição plena do direito. Serão aplicáveis as disposições atinentes à condição,
no que for cabível.

Se, porventura, o encargo seja ilícito ou impossível, de acordo com o


Art. 137 do CC/02, ele (ou seja, o encargo) será considerado como não escrito
(inexistente), e o negócio original pode ser mantido. Entretanto, se o encargo for

156
TÓPICO 3 — ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO

o motivo determinante do negócio, todo ele será inválido. “Assim, se o ato de


liberalidade (doação de um valioso imóvel) é feito com a finalidade específica
(motivação típica) de o donatário empregá-la na implantação de uma casa de
prostituição (encargo ilícito), deverá ser invalidado todo o negócio jurídico”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 467).

São exemplos de negócios com encargo: doação de terreno à Municipalidade


para que construa uma escola; doação de valores a um asilo com a obrigação de
que coloque uma placa com o nome do doador na parede do local; doação de
um terreno com a obrigação de permitir o uso de uma servidão por determinada
pessoa; empréstimo de imóvel com obrigação de cuidar do jardim; empréstimo
de um automóvel com a obrigação de lavação semanal do veículo.

Encerrado o estudo dos planos dos negócios jurídicos, você estudará na


próxima unidade sobre as provas, em especial as provas dos negócios e demais
fatos jurídicos. Também, será o momento de conhecer o que são os atos ilícitos e
quais suas consequências e por fim, compreender a prescrição e a decadência e
todas as suas implicações para o exercício do direito.

157
UNIDADE 2 — DEFEITOS E INVALIDADES DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS E PLANO DE EFICÁCIA

LEITURA COMPLEMENTAR

Prazo para questionar doação só prescreve após data para cumprir condição

Quando um bem é doado em troca de condições para o beneficiário,


o prazo prescricional só tem início após a data limite para o cumprimento da
obrigação negociada. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça afastou prescrição e reconheceu que o município de Betim (MG) pode
questionar doação de imóvel feita em favor do estado de Minas Gerais.

O caso envolveu um acordo firmado entre o município e o estado em abril


de 2000. A eficácia da doação do imóvel foi condicionada à construção pelo estado
de uma unidade do Corpo de Bombeiros em Betim, no prazo de 24 meses.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao fixar o prazo prescricional de


dez anos previsto no artigo 205 do Código Civil e considerar como termo inicial
a data da celebração da doação, declarou a ação prescrita porque o ajuizamento
ocorreu em outubro de 2010.

Termo inicial

No STJ, o município alegou que o termo inicial deveria ser definido


a partir do não cumprimento do encargo por parte do estado, uma vez que a
eficácia da doação estava subordinada à condição de seu cumprimento no prazo
de 24 meses.

O relator, ministro Herman Benjamin, acolheu a argumentação. Segundo


ele, “o direito de ação que visa à reversão da doação modal pode ser exercido, à
luz do princípio da actio nata, somente quando o devedor resiste ao cumprimento
do encargo, materializando, assim, a mora”.

Foi considerado, então, o término do prazo dado ao estado para a


construção da sede dos bombeiros como início do prazo prescricional.

“A mora no cumprimento do encargo só ocorreu após o decurso do prazo


de 24 meses, a contar da doação (18 de abril de 2002), momento que deve ser
considerado como o termo inicial da prescrição da ação que busca reverter a
doação”, disse o ministro.

Como a ação foi ajuizada em 2010, foi afastada a prescrição decenal e


determinado o retorno do processo à primeira instância para o prosseguimento
da ação. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

FONTE: CONJUR. Prazo para questionar doação só prescreve após data para cumprir condi-
ção. 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-04/prazo-rever-doacao-pres-
creve-data-cumprir-condicao. Acesso em: 10 jul. 2020.

158
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Em regra, sendo os negócios jurídicos existentes e válidos, serão eles também


eficazes; porém, por interesse das partes, podem ser inseridos elementos
acidentais que limitam a eficácia dos negócios jurídicos.

• A condição é um evento futuro e incerto que, se suspensiva, impede a eficácia


do negócio jurídico, enquanto se resolutiva, encerrará a eficácia de um negócio
que estava em andamento.

• A condição suspensiva gera expectativa de direito.

• O termo é um evento futuro e certo que não limita a aquisição do direito,


mesmo quando inicial; restringindo apenas a exigibilidade.

• No negócio jurídico feito com termo inicial, já há direito adquirido.

• O encargo é uma cláusula pela qual se impõe alguma obrigação para o


beneficiário de um negócio jurídico benéfico.

• O encargo, se não for colocado como condição, não limita nem a aquisição,
nem o exercício do direito.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

159
AUTOATIVIDADE

1 A condição, o termo e o encargo são elementos acidentais que podem ser


incluídos nos negócios jurídicos pela vontade das partes. Eles influenciam
a eficácia destes negócios, atuando como limitadores no último plano da
Escada Ponteana. Analise cada uma das situações descritas e correlacione
com a modalidade de elemento acidental do negócio jurídico correspondente:

(1) Condição suspensiva


(2) Condição resolutiva
(3) Termo inicial
(4) Termo final
(5) Encargo

( ) O contrato de prestação de serviço de limpeza da empresa de Vânia


termina em 15/03/2022.
( ) Cláudio emprestou seu sítio a Daiana com a obrigação de que ela apare
todo o gramado antes de o devolver.
( ) Luciano poderá iniciar as aulas na autoescola quando completar 18 anos.
( ) Conforme acordo feito, Roberta receberá pensão de seu pai até que passe
em um concurso público.
( ) João poderá pedir ressarcimento do valor da cirurgia veterinária se o seu
gato morrer dentro de 3 meses.
( ) O saque do seguro de vida poderá ser feito a partir do dia 20/10/2025.
( ) Caio poderá morar na casa de seu avô enquanto este estiver vivo.
( ) Michelle poderá ficar em minha casa, enquanto o acesso à sua cidade
estiver interditado pela enchente.
( ) Solange doa um carro para o Município em que reside a fim de que seja
utilizado pelo conselho tutelar.
( ) Érica manifestou a vontade de comprar um quadro de determinado pintor,
mas colocou no contrato de compra e venda, uma cláusula acessória: só o
comprará, se o artista ganhar o prêmio da Exposição de Artes do Estado.

160
UNIDADE 3 —

ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO


E DECADÊNCIAS, E PROVAS
DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender o que são e as diferenças entre o ato ilícito e o abuso de di-


reito;
• diferenciar a prescrição da decadência;
• conhecer as regras atinentes à contagem dos prazos prescricionais, além
das suas causas de suspensão, impedimento e interrupção;
• conhecer as diferentes modalidades de provas dos negócios jurídicos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final da unidade, você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – ATO ILÍCITO


TÓPICO 2 – DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
TÓPICO 3 – DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

161
162
TÓPICO 1 —
UNIDADE 3

ATO ILÍCITO

1 INTRODUÇÃO
Nas unidades anteriores, você estudou toda a classificação dos fatos
jurídicos e compreendeu a amplitude dos eventos que se enquadram nessa
definição e que nos cercam. Desse modo, sabendo que fatos jurídicos são todos
os eventos que dão origem, modificam ou extinguem direitos, você, como
futuro operador, está cada dia mais apto a identificar as situações juridicamente
relevantes que circundam o nosso dia a dia. De todos os fatos, entretanto, foi
dado maior destaque aos negócios jurídicos.

Como você pode perceber, os negócios jurídicos são fatos jurídicos que,
por dependerem da manifestação de vontade das partes, tanto para delimitação
do seu conteúdo, como para determinação dos seus efeitos, demandaram um
cuidado especial do legislador, a fim de delinear seus requisitos de validade e
eficácia. Do mesmo modo, já se previram, na legislação, os principais vícios que
podem macular os negócios jurídicos: o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo,
a lesão e a fraude contra credores, descritas as suas consequências. Além disso,
você também compreendeu que existem vícios mais graves que, por violarem
frontalmente os elementos fundamentais dos negócios jurídicos, podem causar a
nulidade, como a simulação absoluta ou, também, o desrespeito à forma.

Agora, nesta terceira unidade, você ainda estudará fatos jurídicos. O


primeiro será uma modalidade de ato jurídico, mas que tem efeitos que não são
desejados, o ato ilícito, que é aquele decorrente de uma conduta que causa dano
a outra pessoa. Você verá que, de acordo como o Código Civil, o ato ilícito pode
ocorrer não só pela violação frontal de uma norma jurídica, mas também pelo
abuso de um direito legítimo, ou seja, a ultrapassagem dos limites quando do
exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa. Ademais, serão
analisadas as possíveis excludentes de ilicitude, pois há casos em que uma
conduta danosa é praticada de maneira legítima.

Na sequência, você estudará o que são prescrição e decadência, ficando


claro, então, que nada mais são que fatos jurídicos em sentido estrito ordinário,
pois são consequências de um evento natural, como o decurso do tempo. Você
perceberá que a diferença entre os dois institutos decorre da sua origem e vai
determinar seus efeitos.

163
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Enquanto a prescrição atinge uma pretensão, a decadência fulmina um


direito potestativo. Em razão das suas diferenciações, a prescrição poderá ser
suspensa ou interrompida em razão de alguns eventos, conforme previsto na
legislação e aprofundado na sequência. Ao fim do tópico, você poderá perceber
que, apesar das diferenciações conceituais serem, por vezes, um pouco abstratas,
na prática, o Código Civil separou didaticamente os institutos em questão,
facilitando, enormemente, o seu estudo e aplicação.

Por fim, fechando esta disciplina, você conhecerá quais os tipos de provas
de negócios jurídicos previstas no Código Civil. Embora o aprofundamento
da temática sobre provas esteja reservado às disciplinas de processo civil,
considerando que as provas são úteis não só em juízo, mas também fora dele, é
importante ter em mente as suas diferentes modalidades, as previsões legais e a
sua aplicabilidade. Outrossim, você compreenderá que prova não se confunde
com forma, embora, por vezes, estejam conectadas.

Assim, encerradas as unidades sobre fatos jurídicos, você terá um


arcabouço teórico e legislativo suficiente para compreender a relevância dos mais
diversos acontecimentos cotidianos, sabendo classificá-los e, consequentemente,
facilitando a sua análise nas disciplinas da parte especial do Código Civil.

2 ATO ILÍCITO

FIGURA 1 – ACIDENTE DE TRÂNSITO

FONTE: <https://morguefile.com/photos/morguefile/1/car%20accident/pop>. Acesso em 19 jul. 2020.

Relembrando o que você já estudou na Unidade 1, temos que o ato


ilícito está classificado como uma modalidade de ato humano. Isso porque, a
sua ocorrência, como você compreenderá melhor na sequência, depende de uma
ação ou omissão humana. Entretanto, ao contrário dos atos jurídicos (ato jurídico

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TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

em sentido estrito e negócio jurídico), o ato ilícito gera consequências que não
são aceitas pelo ordenamento, pois violam direitos. É o caso típico dos acidentes
de trânsito: quando um carro bate no outro, a consequência é a depreciação ou
o perecimento do patrimônio de alguém. De acordo com Tartuce (2016, p. 486),
“o ato ilícito é considerado como fato jurídico em sentido amplo, uma vez que
produz efeitos jurídicos que não são desejados pelo agente, mas somente aqueles
impostos pela lei”.

Importante observar, porém, que você estudará o ato ilícito civil. Entretanto,
“é fundamental apontar que há casos em que a conduta ofende a sociedade
(ilícito penal) e o particular (ilícito civil), acarretando dupla responsabilidade”
(TARTUCE, 2016, p. 486), podendo, também, atingir outras esferas jurídicas.
Veja o seguinte exemplo: Fulano é funcionário da empresa ZYX. Ele não possui
habilitação para dirigir, mas um dia, sem autorização dos seus superiores, pega
o carro da empresa para resolver um assunto particular. No caminho, atropela
Sicrana, que atravessava na faixa de pedestres. Pode-se perceber que, na situação,
Fulano praticou vários ilícitos: no âmbito trabalhista, no âmbito administrativo,
no âmbito penal e na esfera cível, e poderá ser punido em cada um deles com as
medidas cabíveis: demissão por justa causa, multa, pena privativa de liberdade ou
restritiva de direitos e condenação ao pagamento de indenização. Para o Direito
Civil, os fatos relevantes serão aqueles que geraram dano a alguém. No caso,
a lesão à pessoa atropelada e, eventualmente, os danos no veículo da empresa,
pelos quais Fulano poderá ser demandado a pagar indenização.

Portanto, as esferas jurídicas atingidas por um ato ilícito são, em regra,


independentes para aplicação das devidas sanções. Pereira (2011, p. 549)
chama atenção para o fato de que “mesmo no caso de um ilícito ser reprimido
simultaneamente no cível e no criminal, há diferenciação, pois enquanto tem em
vista a pessoa do agente para impor sanção, aquele se preocupa com o resultado e
cogita recomposição patrimonial da vítima”. Nesse sentido, Gagliano e Pamplona
Filho (2015, p. 492) explicam que:

De fato, na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ilícito tem a


obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando
restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não for mais possível,
é convertida no pagamento de uma indenização (na possibilidade de
avaliação pecuniária do dano) ou de uma compensação (na hipótese
de não se poder estimar patrimonialmente este dano), enquanto, pela
responsabilidade penal ou criminal deve o agente sofrer a aplicação de
uma cominação legal, que pode ser privativa de liberdade (ex.: prisão),
restritiva de direitos (ex.: perda da carta de habilitação de motorista)
ou mesmo pecuniária (ex.: multa).

Não se pode pensar, porém, que todo ilícito penal ou administrativo é,


também, ilícito civil, ou vice-versa. Existem situações que afetam, exclusivamente,
uma esfera do Direito. “Em uma compreensão mais aprofundada sobre o tema
[...], sobreleva esclarecer que a ilicitude civil é categoria autônoma e independente
e que, consequentemente, nem todo fato ilícito civil repercutirá no âmbito do
Direito Penal” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 691). Por exemplo, o dano

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UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

culposo a um particular só tem relevância para o Direito Civil (lembre-se de que


o crime de dano só admite a modalidade dolosa). Por outro lado, um crime de
porte ilegal de arma de fogo só tem relevância para o âmbito penal, pois é um
crime de perigo, não causando, por si só, dano concreto a ninguém.

Considerando que você acabou de estudar as nulidades, é importante


observar que:

[...] o ato ilícito não se confunde com a nulidade. No ato nulo, ao


contrário daquilo que se dá no ilícito, inexiste qualquer violação de
dever jurídico imposto pela lei, mas cuida-se, bem diversamente,
de inobservância de condições legais para validade do ato, onde a
nulidade já é, ela própria, a “sanção” (TOLOMEI, 2013, p. 387).

Feitas essas considerações gerais, veremos, agora, as definições e os


elementos que caracterizam o ato ilícito.

2.1 CONCEITO E ELEMENTOS DO ATO ILÍCITO


Ato ilícito é definido pela doutrina, basicamente, como um ato contrário ao
Direito. De acordo com Tartuce (2016, p. 486, grifos do original), “pode-se afirmar
que o ato ilícito é a conduta humana que fere direitos subjetivos privados, estando em
desacordo com a ordem jurídica e causando danos a alguém”. Por sua vez, para Farias
e Rosenvald (2017, p. 692), ato ilícito pode ser definido como “violação de uma
obrigação jurídica preexistente imposta ao agente. Enfim, é a transgressão a um
dever jurídico, imposto a alguém”. Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 491) o
definem como “comportamento humano voluntário, causador de prejuízo de
ordem material ou moral”.

Em suma, ato ilícito é todo ato praticado em desconformidade com o


ordenamento, e que causa dano a outrem. Conforme posto didaticamente por
Tartuce (2016, p. 486), “ato ilícito (Art. 186 do CC) = Lesão de direitos + dano”.
Ainda, como é possível perceber, alguns autores acham importante mencionar
que o ato ilícito, por causar dano, gera, para o responsável, o dever de reparar
esse dano, seja ele patrimonial ou moral.

O legislador, quando da elaboração do Código Civil de 2002, dispôs que:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência


ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002, s.p)

Desse dispositivo, extraem-se os elementos caracterizadores do ato ilícito


que, segundo Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 491), são:

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TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

a) ação humana (positiva ou negativa);


b) contrariedade ao direito ou ilicitude (violação de dever jurídico
preexistente);
c) prejuízo (material ou moral).

Quanto à ação humana, deve-se atentar para o fato de que ela pode se
dar de forma positiva, ou seja, por meio de uma ação, ou de forma negativa, por
meio de uma omissão. O primeiro caso é o que ocorre, por exemplo, quando
alguém, sem se atentar ao retrovisor, engata a marcha ré e atinge outro veículo.
Houve uma conduta ativa (comissiva), pois o motorista agiu para colocar o carro
em movimento, o que causou o resultado ilícito. A segunda situação ocorre, por
exemplo, quando o motorista deixa de acionar o freio de mão quando estaciona
seu veículo em uma ladeira, e acaba correndo morro abaixo e atinge outro veículo.
Em ambos os casos, portanto, houve uma conduta humana, a diferença é que,
em uma, foi a ação que diretamente causou o dano, enquanto na outra, foi uma
inação, uma omissão, a causa do acidente.

Sobre isso, Pereira (2011, p. 548, grifos do original) explica que “comete-o
comissivamente quando orienta sua ação num determinado sentido, que é
contraveniente à lei; pratica-o por omissão quando se abstém de atuar, se deverá
fazê-lo e, na sua inércia, transgride um dever predeterminado”.

Essa conduta, como se pode extrair do dispositivo legal, pode ser


voluntária, por negligência ou imprudência. Quando se trata da voluntariedade,
duas leituras são possíveis. Uma primeira no sentido de que a conduta pode
ser dolosa. Ou seja, o agente, propositalmente, causa dano a outra pessoa. Por
exemplo, quando, em razão de uma rixa, alguém joga uma pedra para quebrar
a vidraça do estabelecimento do seu desafeto. No caso, o agente causou o dano
porque quis. Foi planejado.

Uma segunda leitura é no sentido da voluntariedade da ação, mas não


em relação ao resultado. Nesse sentido, a pessoa que conduz seu veículo para
ir ao trabalho e, no caminho, atropela alguém, está agindo voluntariamente, no
sentido de estar dirigindo o veículo ao seu destino, mas ela não queria atropelar
ninguém. Houve um acidente no processo, a conduta é culposa, embora se possa
caracterizar a voluntariedade, posto que, conscientemente, a pessoa conduzia o
veículo.

A compreensão é importante, porque se não houver, ao menos, essa


voluntariedade, podemos dizer que não há conduta humana, e não havendo
conduta humana, não há ato ilícito. Isso é o que ocorre, por exemplo, do caso
de uma pessoa submetida à coação física (lembre-se: a coação física é aquela
decorrente de uma pressão sobre o corpo da pessoa, em que ela não tem como
escolher a sua ação): não há pratica de ato ilícito pelo coagido, mas pelo coator.

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UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Um outro exemplo pode deixar a situação mais clara: Fulano para seu
carro no semáforo quando surge o sinal vermelho; Beltrano, que vinha logo
atrás, para também o carro normalmente; Sicrano, por sua vez, desatento, acaba
não freando a tempo e bate no carro de Sicrano, que bate no de Fulano. Nesse
caso, Sicrano não agiu voluntariamente, ele foi, literalmente, passageiro do seu
veículo, que foi deslocado devido à batida causada por Sicrano. Assim, Beltrano
não praticou qualquer ato ilícito.

Ainda sobre a conduta, além de voluntária, ela pode ocorrer por


“negligência ou imprudência”. O legislador não contemplou a imperícia pois,
de acordo com a moderna doutrina, a perícia nada mais seria que um tipo
de negligência ou de imprudência praticado no exercício de uma atividade
especializada. De acordo com a doutrina clássica, pode-se dizer que:

Procede por negligência se deixa de tomar os cuidados necessários a


evitar um dano; age por imprudência ao abandonar as cautelas normais
que deveria observar; atua por imperícia quando descumpre as regras
a serem observadas na disciplina de qualquer arte ou ofício (PEREIRA,
2011, p. 548, grifos do original).

Portanto, pratica ato ilícito por negligência quem, por exemplo, deixa de
fechar o portão de casa, onde tem um cachorro, e este foge e vem à morte um
transeunte; ou então, quem atropela um transeunte porque não arrumou o freio
do carro que estava estragado. Pode, ainda, cometer ato ilícito por negligência, e
caracterizar, também, uma imperícia, o médico que esquece material no corpo do
paciente durante uma cirurgia. Por imprudência, o ato ilícito pode ser praticado
por pessoa que atravessa via preferencial sem parar para verificar o fluxo; ou,
então, por trabalhador que acelera a velocidade recomendada para uso de um
maquinário. No caso da imperícia como modalidade da imprudência, pode-se
mencionar o médico que não utiliza a melhor técnica de sutura, causando feias
cicatrizes no paciente.

Quanto à contrariedade, como se verá adiante, refere-se ao fato de


que condutas lícitas também podem causar danos. É o caso, por exemplo, do
arrombamento realizado por um oficial de justiça para cumprir ordem judicial de
busca e apreensão. Se cumpridos todos os requisitos legais e da decisão do juiz,
o meirinho atuará de acordo com o ordenamento, de forma que o dano causado
não caracterize ato ilícito. Conforme Farias e Rosenvald (2017, p. 693, grifos do
original), “a ilicitude nasce, fundamentalmente, de uma contrariedade ao direito,
por se configurar em situações nas quais é detectada uma violação da ordem
jurídica”.

Por fim, imprescindível, para a caracterização do ato ilícito, é a ocorrência


do dano. O dano é a violação de um bem jurídico. Se não houver dano, não há o
que se falar de ato ilícito. Como já mencionado anteriormente, em um crime, há
um ilícito penal, mas, provavelmente, não haverá, também, ilícito civil. Por outro
lado, todo crime que causa um dano, um prejuízo, seja patrimonial ou moral, é,
também, um ilícito civil.

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TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

A caracterização do dano é fundamental para a posterior responsabilização


civil do agente que praticou o ato ilícito. De acordo com Tolomei (2013, p. 400-
401):

Sob o aspecto puramente patrimonial, certo é que nem todo dano é


ressarcível. Só o será o dano considerado certo e atual. O aspecto da
certeza relaciona-se com fatos efetivamente verificados, contrapondo-
se ao dano meramente hipotético. Ou seja, o dano apenas potencial,
imaginário, permanece à margem do dever de reparação. Na sara da
atualidade está o dano já ocorrido ao tempo da responsabilização. Por
outras palavras, em regra não se indeniza o dano futuro, pela simples
razão de que dano ainda não há.

Como é possível vislumbrar da própria redação do artigo, o dano pode ser


tanto patrimonial como moral. Se os efeitos forem “economicamente apreciáveis,
os danos são chamados patrimoniais. Paralelamente, na hipótese desses efeitos
serem insuscetíveis de quantificação econômica específica, os danos serão
considerados extrapatrimoniais ou, com maior tradição, morais” (TOLOMEI,
2013, p. 401). Não é objeto da nossa matéria nos aprofundarmos nas questões
atinentes às diferentes modalidades de danos e ao modo de sua quantificação
para fins de cálculo das indenizações, é importante, porém, conhecer, ao menos,
o debate que gira em torno do que define o dano moral:

Questão complexa, entretanto, e que hoje muito se discute, é o conceito


de dano moral. Buscar conceituá-lo através de sua impossibilidade de
apreciação econômica, como alguns buscam fazer, não satisfaz e, pior,
revela uma insuperável tautologia. Posta de lado esta vã tentativa,
subsistem duas grandes correntes doutrinárias: (i) a que, com base
no ordenamento constitucional (CF, art. 5º, X), entende o dano moral
como uma ofensa a direitos de personalidade; e (ii) a que vislumbra
o dano moral como qualquer sofrimento ou incômodo humano
que não seja causado por perda pecuniária, ou – nas palavras de
Aguiar Dias, inspirado em Minozzi – “a dor, o espanto, a emoção, a
vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação
experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo
significado (TOLOMEI, 2013, p. 402).

Ambas as correntes são encontradas na jurisprudência e na doutrina


atuais.

Além dos elementos elencados, há autores que indicam outros como


também definidores do ato ilícito. Para Farias e Rosenvald (2017), também são
elementos essenciais: a culpa e o nexo de causalidade, devendo ser investigada,
também, a imputabilidade.

Com relação à culpa, parte da doutrina entende que ela não é


mais elemento do ato ilícito, uma vez que ela não é pressuposta para a
responsabilização do agente, sendo que grande parte dos eventos indenizáveis
é decorrente da responsabilização objetiva. O que isso quer dizer? Que, na
prática, para que se caracterize a responsabilidade do causador do dano, não é
necessário comprovar a sua culpa (ou dolo). A responsabilidade civil tradicional

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UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

é a chamada responsabilidade subjetiva. Na responsabilidade subjetiva, para a


responsabilização do agente, é necessário que o prejudicado comprove que ele
agiu com culpa. Ou seja, deverá ser comprovado o dolo, ou a atuação negligente
ou imprudente, caso contrário, pode-se afastar a responsabilidade.

Por outro lado, na responsabilidade objetiva, que hoje abarca grande


parte das situações relativas à responsabilização civil, é desnecessária a análise
dos elementos subjetivos (dolo/culpa). Basta apenas que sejam demonstrados o
dano e o nexo causal entre o agente e esse dano.

NOTA

No Direito Civil, tratando de ato ilícito e responsabilidade civil, não é comum


distinguir culpa e dolo, como no Direito Penal. A culpa é utilizada em seu sentido amplo,
abarcando tanto o dolo (ou seja, as condutas praticadas com o intuito de prejudicar o
terceiro) como a culpa em sentido estrito (ou seja, as situações em que chega a um
resultado danoso, mas sem o querer). Isso ocorre porque, para a definição da indenização
a ser paga pelo causador do dano, o que importa, em regra, é o prejuízo sofrido pela vítima,
e não a conduta do agente. Pereira (2011, p. 551) explica que:

Não ficou, porém, afastada a noção de culpa. Ao contrário, está


presente na composição do esquema legal do ato ilícito. É mesmo na
culpa, definível como quebra do dever a que o agente está adstrito, que
assenta o fundamento primário da reparação. Abandonando aquelas
outras sutilezas, o princípio da indenização vai procurar na culpa
(lato sensu) seu melhor conteúdo ético. Mas a palavra culpa traz aqui
um sentido amplo, abrangente de toda espécie de comportamento
contrário a direito, seja intencional ou não, porém imputável por
qualquer razão ao causador do dano.

O nexo de causalidade, por sua vez, apesar de indicado por alguns


autores como elemento do ato ilícito, é, na maioria das vezes, indicado apenas
como pressuposto para a responsabilização do causador do dano. O nexo de
causalidade nada mais é que o liame, a conexão entre o agente e o dano. É, pela
investigação do nexo de causalidade, que se identifica o verdadeiro responsável
pelo dano.

Por fim, a imputabilidade diz respeito à capacidade do agente. Não quer


dizer que uma criança, por exemplo, não possa causar um dano, mas, nesse
caso, o ato ilícito não é a ela imputável, mas sim, ao seu responsável. Assim, a
imputabilidade será também mais importante na investigação da responsabilidade
do que para a caracterização do ato jurídico em si.

170
TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

2.1.1 Abuso de direito


Além do ato ilícito previsto no Art. 186, o Código Civil de 2002 previu
também outra modalidade, o chamado abuso de direito. Veja:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao


exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL,
2002, s.p).

Apesar de críticas por parte da doutrina, de acordo com a legislação, o


abuso de direito é também classificado como ato ilícito. Ocorre que, ao contrário
do ato ilícito stricto sensu do artigo precedente, o abuso de direito nasce de uma
conduta legítima, respaldado por um direito garantido ao agente. Ocorre que,
no curso do exercício desse direito, o agente extrapola os limites impostos pelas
suas finalidades econômicas ou sociais, pela boa-fé ou pelos bons costumes. É
caso típico da pessoa que, não podendo ser obrigada a firmar um determinado
contrato, espera até o último minuto da negociação para avisar a outra parte que
não pretende fechá-lo: nesse caso, há quebra da boa-fé se a pessoa toma o tempo da
outra e gera expectativas, inclusive, prejudicando a realização de outros negócios.

A figura do abuso de direito foi consolidada de caso ocorrido na França,


no início do século passado. Farias e Rosenvald (2017, p. 699) narram que:

O leading case, em matéria de abuso de direito, data de 1912. É o


caso Clement Bayard, julgado pela Corte de Amiens, no qual foi
acolhida, expressamente, a teoria do abuso de direito. Consta que o
proprietário de um terreno vizinho a um campo de pouso de dirigíveis
construiu, sem qualquer justificativa ou interesse próprio, enormes
torres com lanças de ferro, colocando em perigo as aeronaves que ali
aterrissavam. Julgando a causa, o Tribunal reputou abusiva a conduta
do titular do domínio, vislumbrando exercício anormal do seu direito
de propriedade.

Nesse caso, é possível vislumbrar que o réu exercia o seu direito de


proprietário de um terreno ao construir as torres na área. Formalmente, não
havia qualquer ilegalidade na conduta. Todavia, ele abusou do exercício dessa
propriedade ao utilizá-la com o intuito de prejudicar o tráfego aéreo ali na região.
Pode-se reputar, como abuso de direito, a pessoa que, por exemplo, acumula
entulhos e lixo no seu terreno, permitindo com que se desenvolvam animais que
passam a circular pela vizinhança. Basicamente, uma das chaves para identificar
o abuso de direito é perceber quando o exercício de um direito acaba afetando,
negativamente, outras pessoas. Até o volume excessivo do som em um imóvel
(mesmo durante o dia, pois não estamos tratando de violação frontal da lei) pode
ser considerado abuso de direito, se afetar a vizinhança. Obviamente, para se
pleitear a responsabilização do agente pelo abuso de direito, é fundamental que
se prove o prejuízo, o dano (material ou moral).

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UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Doutrinariamente, o abuso de direito pode ser caracterizado como:

Aquele pelo qual o sujeito excede os limites ao exercício do direito,


sendo estes fixados por seu fundamento axiológico, ou seja, o
abuso surge no interior do próprio direito, sempre que ocorra uma
desconformidade como sentido teleológico em que se funda o direito
subjetivo. O fim – social ou econômico – de um certo direito subjetivo
não é estranho à sua estrutura, mas elemento de sua própria natureza
(CARPENA, 2013, p. 425-426).

Por fundamento axiológico a autora está se referindo ao valor, ao sentido


moral, do direito. Os direitos não existem por existir, eles têm uma justificativa
valorativa quando ao motivo da sua existência. No caso do abuso, o agente
aproveita-se do direito que existe para proteger um determinado valor, e age em
desconformidade com a dia finalidade (seu sentido teleológico), razão pela qual
pode ser sancionado, quando este desvio prejudica terceiros. Conforme Farias e
Rosenvald (2017, p. 706), no abuso de direito:

Alguém aparentemente atua no exercício de um direito subjetivo.


O agente não desrespeita a estrutura normativa, mas ofende sua
valoração. Conduz-se de forma contrária aos fundamentos materiais
da norma, por negligenciar o elemento ético que preside a sua
adequação ao ordenamento. Em outras palavras, no abuso do direito
não há desafio à legalidade estrita de uma regra, porém à sua própria
legitimidade, posto vulnerado o princípio que fundamenta e lhe
concede sustentação sistemática.

Assim, enquanto o ato ilícito stricto sensu a ilicitude reside no todo, tanto
no conteúdo como nas consequências; no abuso de direito a ilicitude está na forma
de execução do ato (TARTUCE, 2016). Ou seja, no ato ilícito temos um problema
de conteúdo, de direito material violado. No abuso de direito, o problema está na
forma de exercício de um direito que é garantido a parte. Tartuce (2016, p. 489,
grifos do original) esclarece, ainda, que “o abuso de direito é um ato lícito pelo
conteúdo, ilícito pelas consequências, tendo natureza jurídica mista – entre o ato jurídico
e o ato ilícito – situando-se no mundo dos fatos jurídicos em sentido amplo”.

Pode-se perceber, portanto, que na prática pode ser muito mais difícil
caracterizar o abuso de direito do que o ato ilícito, já que a conduta é em parte
lícita, legítima. Carpena (2013, p. 426) explica que:

Com efeito, a caracterização do ato abusivo depende do


estabelecimento de limites ao exercício do direito subjetivo, além dos
quais o titular ingressa no plano da antijuridicidade, sujeitando-se
às sanções correspondentes. Importa, portanto, no reconhecimento
de sua relatividade e significa uma valoração da conduta segundo
determinados critérios, os quais serão examinados adiante. A
teoria aplica-se também a outras prerrogativas individuais, como
as liberdades, faculdades, funções ou poderes, visto que todas elas
possuem igualmente um fundamento axiológico.

172
TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

Importante observar, deste excerto, que o abuso pode recair não só sobre
direitos tratados em sentido estrito, mas também sobre as liberdades, faculdades,
funções ou poderes. Por exemplo, se Fulano ingressar na casa de Sicrano sob a
justificativa de estar exercendo sua liberdade de ir e vir, estará abusando dessa
liberdade, ao invadir a esfera da privacidade de Sicrano. Ainda, se Beltrano tem
o poder familiar sobre seu filho, mas o exerce de maneira abusiva, imputando
castigos excessivos, por exemplo, também se pode falar em abuso. Do mesmo
modo, o empresário que tem a faculdade de demitir funcionários sem justa causa,
pode incorrer em abuso se fizer isso em retaliação a determinada reivindicação
legítima que um empregado tenha feito.

O abuso de direito, portanto, está em consonância com os princípios


constitucionais norteadores do direito civil atual, em especial a socialidade e a
boa-fé. Segundo Tartuce (2016, p. 489, itálico no original), “o Art. 187 do CC/2002
consagra a função de controle exercida pela boa-fé objetiva, fazendo com que
o abuso de direito esteja presente na esfera contratual, ou seja, da autonomia
privada”. Lembre-se de que “a boa-fé é o parâmetro de correção e honestidade
nas relações obrigacionais” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 702). Ou seja, é
elemento essencial tanto para a validade como para licitude das ralações jurídicas
praticadas.

Importante mencionar que, ao contrário do ato ilícito do Art. 186, a


responsabilização pelo abuso de direito é objetiva, ou seja, independe de culpa
(TARTUCE, 2016). Isso quer dizer não é necessário demonstrar o dolo, ou que a
conduta da parte seja imprudente, ou negligente. O simples fato de extrapolar
os limites do exercício do seu direito já é suficiente para caracterizar o abuso
e, havendo dano, pleitear-se indenização. Isso porque “o mérito do Art. 187 do
Código de 2002 é realçar que o critério do abuso não reside no plano psicológico
da culpabilidade, mas no desvio do direito de sua finalidade ou função social”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 705). Farias e Rosenvald (2017, p. 702) ainda
destacam que “tratando-se de cláusula geral e matéria de ordem pública, o ato
abusivo poderá ser suscitado como matéria de defesa (sendo desnecessária a
propositura de ação) pela parte interessada, pelo Ministério Público ou mesmo
conhecido ex officio, a qualquer tempo ou grau de jurisdição”.

173
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

NOTA

O Conselho da Justiça Federal - CJF possui diversos enunciados interpretativos


em relação ao abuso de direito:

Enunciado 37: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito


independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-
finalístico (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

Enunciado 413: Os bons costumes previstos no Art. 187 do CC


possuem natureza subjetiva, destinada ao controle da moralidade
social de determinada época, e objetiva, para permitir a sindicância
da violação dos negócios jurídicos em questões não abrangidas
pela função social e pela boa-fé objetiva (CONSELHO DA JUSTIÇA
FEDERAL, s.d., s.p.).

Enunciado 414: A cláusula geral do Art. 187 do Código Civil tem


fundamento constitucional nos princípios da solidariedade, devido
processo legal e proteção da confiança, e aplica-se a todos os ramos
do direito (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

Enunciado 539: O abuso de direito é uma categoria jurídica autônoma


em relação à responsabilidade civil. Por isso, o exercício abusivo de
posições jurídicas desafia controle independentemente de dano
(CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

Tendo em vista que o preceito norteador principal para caracterização do


abuso de direito é o princípio da boa-fé, é possível encontrar nas suas figuras
parcelares modalidades de abuso bastante comuns no cotidiano.

• Proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium):


no que toca ao abuso, esse preceito diz respeito à quebra da confiança entre as
partes. Farias e Rosenvald (2017, p. 711, grifos do original) explicam que:

A vedação de comportamento contraditório obsta que alguém possa


contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em
outra pessoa, uma determinada expectativa. É, pois, a proibição da
inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência),
contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa,
frustrando as expectativas de terceiros. Enfim, é a consagração de que
ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa.

• A supressio e a surrectio: no âmbito do abuso de direito, dizem respeito


à impossibilidade da exigência de certos direitos quando pela sua prática
reiterada, ou retardamento fez com que a outra parte criasse expectativas
diversas. Mais detalhadamente:

174
TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

É possível dizer que supressio é o fenômeno da perda, supressão, de


determinada faculdade jurídica pelo decurso do tempo, ao revés da
surrectio, que se refere ao fenômeno inverso, isto é, o surgimento de
uma situação de vantagem para alguém em razão do não exercício por
outrem de um determinado direito, cerceada a possibilidade de vir a
exercê-lo posteriormente (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 714).

• O tu quoque: diz respeito também às expectativas, quando se espera que uma


pessoa haja de maneira coerente em situações semelhantes. Farias e Rosenvald
(2017, p. 718, itálico no original) esclarecem que:

Ocorre o tu quoque quando alguém viola uma determinada norma


jurídica e, posteriormente, tenta tirar proveito da situação, com o fito de se
beneficiar. Nessa figura, portanto, encontra-se um acentuado aspecto
de deslealdade, malícia, gerando a ruptura da confiança depositada
por uma das partes no comportamento da outra, por conta dos critérios
valorativos antes utilizados.

• O duty to mitigate the loss (o dever do credor de mitigar as próprias perdas):


ocorre quando

[...] o credor tem diversos direitos, dentre os quais, exigir o cumprimento


integral da obrigação e o respectivo atendimento de seu interesse
creditício. Todavia, se o credor se comporta de maneira excessiva,
comprometendo e agravando a situação jurídica do devedor, estará
caracterizado o abuso de direito (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 720).

Nesse sentido, o Enunciado 169 do CJF ressalta que: “O princípio da


boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”
(CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

• O substantial performance (a tese do inadimplemento mínimo ou


adimplemento substancial): De acordo com Farias e Rosenvald (2017, p. 722):

A tese do inadimplemento mínimo é uma das formas de controle da


boa-fé sobre a atuação de direitos subjetivos. Atualmente, é possível
questionar a faculdade do exercício do direito potestativo à resolução
contratual pelo credor, em situações caracterizadas pelo cumprimento
de substancial parcela do contrato pelo devedor, mas em que, todavia,
não tenha suportado adimplir uma pequena parte da obrigação.

Por sua vez, o Enunciado 361 do CJF esclarece que: “O adimplemento


substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar
a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação
do Art. 475” (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

• A violação positiva de contrato (tese do adimplemento fraco ou ruim):


conforme Farias e Rosenvald (2017, p. 725):

175
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Enquanto o inadimplemento absoluto e a mora concernem ao


cumprimento do dever de prestação, a violação positiva do contrato
aplica-se a uma série de situações práticas de inadimplemento que
não se relacionam com a obrigação principal – mais precisamente, o
inadimplemento derivado da inobservância dos deveres laterais ou
anexos.

Dessas situações é possível perceber a variedade de condutas que, mesmo


que materialmente válidas, ultrapassam os limites dos princípios e acabam
afetando a outra parte do negócio ou terceiros, ingressando na esfera da ilicitude.

2.2 CONSEQUÊNCIAS DO ATO ILÍCITO


Como você pode perceber, para o Direito Civil, o cerne do ato ilícito e do
abuso de direito está no dano, seja patrimonial, seja moral, causado a outrem.
Assim, deve-se garantir que quem sofreu esse dano não fique com o prejuízo.
Para isso, o Direito Civil se vale da responsabilização civil dos causadores dos
danos, em geral com a sua condenação a compensação dos prejuízos sofridos
pelas vítimas. Pois, “a consequência do ato ilícito é a obrigação de indenizar, de
reparar o dano, nos termos da parte final do Art. 927 do CC” (TARTUCE, 2016,
p. 487).

É importante ter em mente que a responsabilidade civil é uma modalidade


de responsabilidade jurídica. “Por seu turno, pode ser definida como sendo a
consequência imediata da infração de um dever normativo preexistente, causador de lesão ao
interesse jurídico que se pretendia tutelar” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015,
p. 494, grifos do original). Mesmo na esfera cível, outras consequências podem
decorrer do desrespeito à lei quando da ocorrência de fatos jurídicos e realização
de negócios jurídico, podendo ser “indenizantes, caducifiantes, invalidantes ou
autorizantes etc.” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 694, grifos do original).

Entretanto, conforme lecionam Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 494,


grifos do original):

No que se refere à responsabilidade civil, o prejuízo decorrente


da violação normativa é essencialmente patrimonial, impondo-se
ao agente causador do dano a obrigação de indenizar, desde que se
observem os seguintes pressupostos: a) ação humana (positiva ou
negativa); b) dano (material ou moral); c) nexo de causalidade (entre o
agente e o prejuízo); d) imputabilidade [...].

Em que pese a responsabilidade civil ser a consequência principal do ato


ilícito, nem isso, nem seu inverso podem ser tidas como máximas verdadeiras.
Conforme advertem Farias e Rosenvald (2017, p. 691):

176
TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

[...] É preciso desvincular o fato ilícito da responsabilidade civil,


desatrelando os institutos. Com efeito, a responsabilidade civil (isto
é, o dever de indenizar danos causados a terceiros) é um dos efeitos
possíveis decorrentes da ilicitude, mas não é, com toda convicção, a
sua causa ou origem. Não há, pois, uma correlação necessária entre a
ilicitude civil e a responsabilidade civil: a obrigação de reparar danos
poderá ser a consequência de determinados fatos ilícitos, mas não será
de todos.

Ainda, também a responsabilidade civil, ou melhor, o dever de indenizar,


nem sempre decorre de um ato ilícito. É possível, em alguns casos, como no do
estado de necessidade, que você estudará na sequência, que o dever de indenizar
decorra de um ato lícito. Isso ocorre porque, como já destacado anteriormente, o
direito civil análise o prejuízo causado a vítima, e não necessariamente o grau de
responsabilidade do agente (ao contrário do direito penal, cujo principal objeto
de análise é a conduta do agente).

No ponto, é importante lembrar também que o ato ilícito pode provir da


violação do sistema jurídico ou de um negócio jurídico. Haverá, no primeiro caso,
o ato ilícito, conforme previsto no Art. 186, do qual decorre a responsabilidade
civil extracontratual, também chamada de aquiliana, na qual, quando subjetiva,
deverá a vítima comprovar a culpa do agente para conseguir a sua condenação. Por
outro lado, quando a violação se der no âmbito de um negócio jurídico, teremos
uma violação contratual, e como consequência, a responsabilidade contratual.

Nesses casos, uma vez que a parte viola os termos do negócio ao qual está
atrelado voluntariamente, sua culpa é presumida. É o caso da pessoa que deixa
de receber o prestador do serviço no horário previsto no contrato. O prestador
poderá demandar o pagamento de indenização pelo inadimplemento do tomador,
sem que tenha que comprovar que este agiu com dolo ou com culpa.

A responsabilidade civil é uma temática extremamente ampla e relevante,


mas que não faz parte dos objetos de estudo desta disciplina. Por ora, o importante
é entendê-la como a principal consequência do ato ilícito e do abuso de direito.
Seus pressupostos, seus limites e forma de cálculo da indenização estão previstos
nos Arts. 927 a 954 do Código Civil.

2.3 EXCLUDENTES DE ILICITUDE


Até agora, você estudou os elementos que caracterizam o ato ilícito, com
destaque ao fato de que, no Direito Civil, o ilícito ganha relevo quando causa
dano a alguém, seja esse dano patrimonial ou moral. Ocorre que há situações em
que alguém causa dano a outra pessoa, mas de forma legítima, acobertado pelas
chamadas excludentes de ilicitude. Veja o que dispõe o Código Civil (BRASIL,
2002, s.p):

177
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:


I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a
fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente
quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

O inciso I diz respeito à legítima defesa e ao exercício regular de um


direito, enquanto o inciso II trata do estado de necessidade.

A legítima defesa ocorre quando alguém tem que repelir uma agressão a
um direito próprio ou alheio no momento em que ocorre ou está prestes a ocorrer,
não havendo tempo hábil para acionamento das autoridades do estado. Ela exclui
a ilicitude do dano eventualmente causado, pois “a ação de quem se defende
ou acode outrem não infringe o ordenamento jurídico, mas sim ajusta-se a seu
comando” (CRUZ, 2013, p. 449).

Não há definição de legítima defesa no Código Civil, por isso, a definição


é pautada na previsão do Art. 25, caput, do Código Penal:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente


dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a
direito seu ou de outrem.

Ou seja, haverá legítima defesa quando alguém defender a si próprio


(ou seus bens) de “uma ofensa atual ou iminente, bem como proporcional à injusta
agressão, com o uso moderado dos meios à disposição do agente” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 697, grifos do original).

Importante entender os elementos caracterizadores da legítima defesa.


Cruz (2013, p. 452) explica que “injusta é a agressão não autorizada pelo Direito,
isto é, ilícita ou abusiva. Dessa forma, não age em legítima defesa aquele que
reage à agressão justa, como ao cumprimento de um mandado judicial”. No que
toca à atualidade da agressão, a mesma autora explica que:

Atual é a agressão que ainda está em curso; enquanto iminente é aquela


que está prestes a ocorrer, apresentando um perigo concreto. Não
há legítima defesa contra agressão futura, porém remota, que pode
ser evitada por outro meio. Pela mesma razão, não atua em legítima
defesa aquele que pratica o fato típico após uma agressão finda, que já
cessou. A reação deve ser imediata à agressão ou tentativa dela, pois a
demora desconfigura a descriminante (CRUZ, 2013, p. 453).

178
TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

Por fim, a pessoa que age em legítima defesa deve se utilizar dos meios
necessários, que são aqueles que:

causam o menor dano indispensável à defesa do direito. O agente


responde, então, pelo excesso doloso ou culposo. Em princípio, a
necessidade é determinada de acordo com a força real da agressão,
mas, na prática, o conceito de meio necessário vai depender do que o
agente dispunha no momento em que rechaçou a agressão, podendo
mesmo ser desproporcional ao utilizado no ataque, desde que seja
o único meio disponível na ocasião. A necessidade deve ser sempre
valorada sob “o ponto de vista do sujeito no momento em que se
defende” (CRUZ, 2013, p. 453).

Portanto, a legítima defesa deve se dar no momento de uma agressão


injusta, não podendo ser anterior ou posterior, e deve se valer dos meios
necessários, ou seja, proporcionais e suficientes para cessar a agressão. Tartuce
(2016, p. 584) destaca que “para a configuração da legítima defesa cabe análise
caso a caso, sendo certo que o agente não pode atuar além do indispensável
para afastar o dano ou a iminência de prejuízo material ou imaterial”. Qualquer
excesso, assim como no direito penal, será passível de responsabilização.

Deve-se ter atenção a algumas peculiaridades da legitima defesa na esfera


cível, especialmente quando diz respeito à legítima defesa da posse. As agressões
mais comuns neste âmbito são o esbulho, quando a tomada da posse de um bem
ou parte dele por terceiro, e a turbação, que é uma perturbação no exercício da
posse. Quando estas ações ocorrem, porém, nem sempre o titular do direito ou
outra pessoa que possa defendê-lo estão presentes. Em razão disso, o Código
Civil (BRASIL, 2002, s.p) dispõe que:

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de


turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente,
se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1 o O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-
se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa,
ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou
restituição da posse.
§ 2 o Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de
propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.

A previsão em destaque é uma espécie de legítima defesa da posse.


Entretanto, o termo logo, previsto no §1º do Art. 1.210 do Código Civil, não
é sinônimo de atual ou iminente, conforme previsto no Código Penal. Este
termo diz respeito ao momento que o possuidor turbado ou esbulhado toma
conhecimento do fato, e não da prática do ato pelo agressor. Por exemplo: Fulano
tem um sítio que visita a cada quinze dias. Quando chega ao local verifica que
Sicrano, seu vizinho, construiu uma cerca invadindo parte do seu terreno. Vendo
isso, pode, desde já, retirar a cerca que está impedindo que utilize a totalidade
da sua propriedade. Não pode, por exemplo, pegar a cerca e com ela invadir
parte do terreno do vizinho. Deve-se sempre ter em mente que a legítima defesa
é para impedir o prejuízo da agressão, e não pode ser utilizada para vindicação
de alguma compensação, a qual deverá ser pleiteada judicialmente, se pertinente.
179
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

NOTA

A legítima defesa exclui a ilicitude, o que significa, na prática, que quem causou
dano a outrem por agir em legítima defesa não poderá ser responsabilizado pelo dano
causado. Entretanto, deve-se atentar que, ao contrário do que ocorre no Direito Penal, no
âmbito cível, “a legitima defesa putativa não exclui o dever de indenizar” (TARTUCE, 2016, p.
585, itálico no original). E o que é a legítima defesa putativa? É aquela que ocorre quando a
ameaça não é real. A pessoa apenas acha estar em uma situação de agressão, quando na
verdade não está. Veja o seguinte exemplo:

Ilustrando, alguém imagina que está sendo perseguido por outro


veículo e joga o seu carro sobre o do outro causando um acidente
e estragos no automóvel. Evidenciando-se que não há qualquer
perseguição, o caso é de legítima defesa putativa, havendo dever de
reparar o prejudicado pelo ato (TARTUCE, 2016, p. 585).

Do mesmo modo, no Direito Civil, a defesa só será legítima quando for própria, não cabendo,
em regra, a legítima defesa de terceiros como excludente. Nesse sentido, advertem Farias e
Rosenvald (2017, p. 697): “Vale pontuar, ademais, que o Direito Civil, reversamente ao sistema
penal, não admite a legítima defesa putativa ou de terceiro, somente reconhecimento, com
causa de afastamento da ilicitude, a legítima defesa própria”.

A segunda excludente é o exercício regular de um direito reconhecido.


Ou seja, quando o dano é causado no cumprimento da lei, de um contrato, de
uma ordem judicial, ou é decorrente da própria natureza do ato, estamos diante
de um exercício de direito, que mesmo danoso, não implicará em ilícito, pois está
de acordo com o ordenamento. Importante atentar-se que o exercício deve ser
regular, ou seja, qualquer abuso ou excesso será passível de responsabilização.

De acordo com Farias e Rosenvald (2017, p. 697), “[...] os referenciais para


descobrir se o exercício de um direito é, ou não, abusivo são os limites impostos,
naturalmente, pela boa-fé objetiva, pelos bons costumes e pela função social e
econômica”. Um exemplo típico de exercício regular de um direito é a inscrição
do devedor no rol de inadimplentes. Apesar de isso causar um dano à imagem
do devedor, a inscrição é legítima, pois prevista em lei e decorrente do próprio
inadimplemento do devedor. Cruz (2013, p. 455) complementa a explicação
dizendo que:

Desse modo, intervenções médicas e cirúrgicas, a violência esportiva


– quando o esporte é exercido nos estritos termos da disciplina que o
regulamente –, o protesto regular da duplicata e a execução de dívida
vencida acarretam, sem dúvida, danos, mas que são resultado do
exercício regular de direitos, quando não de deveres, albergados pela
ordem jurídica. O dano causado sem violação ao direito é um dano
justo e, como tal, não serve de elemento ao ato ilícito, pelo que não
gera dever de indenizar.

180
TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

Portanto, os danos causados dentro do exercício normal de um direito,


seja ela decorrente da lei, do contrato ou da própria natureza do ato, não são
considerados decorrentes de ato ilícito e, consequentemente, neste caso, não
permitem reclamação por indenização.

A última modalidade de excludente de ilicitude é o estado de necessidade.


De acordo com Farias e Rosenvald (2017, p. 698), o estado de necessidade “[...]
consiste na agressão de um bem jurídico pertencente a outrem para eliminar
um perigo atual ou iminente causado injustamente ao agente”. Ou seja, o estado
de necessidade ocorre quando a pessoa tem que escolher entre o dano a um,
entre dois bens jurídicos, e não uma defesa a uma agressão um deles apenas.
“Diferentemente do que ocorre na legítima defesa, o agente não reage a uma
situação injusta, mas atua para subtrair um direito seu ou de outrem de uma situação
de perigo concreto” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 500, itálico no
original) Conforme esclarece Cruz (2013, p. 458):

No estado de necessidade, para afastar a ameaça de bem próprio ou


alheio, permite-se que outro bem jurídico, de menor ou igual valor,
seja sacrificado. Significa dizer que, ao entrarem em conflito bens ou
interesses que igualmente merecem proteção jurídica, é concedida ao
necessitado a faculdade de agir, mesmo que de forma violenta, para
salvar qualquer deles. É o caso do indivíduo que arromba uma porta
para salvar a vida de outra pessoa, ou o do motorista que lança seu
veículo sobre outro de modo a evitar um atropelamento. Ao considerar
lícito o ato praticado em estado de necessidade, o ordenamento
autoriza a violação de um direito alheio para se evitar um mal maior.

Para a caracterização do estado de necessidade é importante que o perigo


seja atual, ou seja, “presente, concreto e imediato” (CRUZ, 2013, p. 458). Não há
estado de necessidade se o risco for remoto, futuro e nem puder ser aferido de
maneira objetiva. Além disso, “[...] a situação de perigo também deve ser alheia
à vontade do agente. Isto é, o agente não pode tê-la provocado intencionalmente
ou por grosseira inadvertência” (CRUZ, 2013, p. 458).

O parágrafo único do Art. 188 prevê que só poderá ser considerado


legítimo o ato em estado de necessidade de se ele for feito dentro dos limites
do estritamente necessário. Caso se vislumbre possibilidade de se ter agido de
outra forma, e causado um dano menor, não haverá que se falar em estado de
necessidade para fins de excludente de ilicitude no âmbito cível, pois “ao contrário
da legítima defesa, o estado de necessidade é eminentemente subsidiário. Quer
dizer, não existe se o agente podia conjeturar o perigo com o emprego de meio
não ofensivo do direito de outrem” (CRUZ, 2013, p. 459).

Um dos aspectos mais relevantes quanto ao estado de necessidade, porém,


é o fato de que, mesmo que excluída a ilicitude, o causador do dano poderá ter
que indenizar a vítima. Isso se explica pois, como já estudado anteriormente, no
direito civil há preocupação primordial em não deixar a vítima no prejuízo. Assim,
mesmo que a pessoa tenha agido em estado de necessidade, ou seja, praticado
um ato lícito, por ter causado o dano a outra, terá que indenizá-la. Conforme

181
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

explicam Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 500, grifos do original), “[...] se o


terceiro atingido não for o causador da situação de perigo, poderá exigir indenização
do agente que houvera atuado em estado de necessidade”.

Conforme explica Cruz (2013, p. 464), “[...] embora o ato praticado em


estado de necessidade seja lícito, ensejará dever de reparação no caso de o
perigo não ter sido causado pelo dono da coisa ou pessoa lesada, o que não é
contraditório. Isso porque, embora o ato seja lícito, ao mesmo tempo prova um
dano injusto”. Todavia, se a vítima do dano for ela mesma a responsável pela
situação de perigo (pelo fato de a causadora do dano ter tido que agir em estado
de necessidade), não poderá reclamar indenização.

Você pode agora estar achando injusto que a pessoa, agindo em estado de
necessidade e, portanto, licitamente, tenha que indenizar a vítima do dano. Tal
solução, porém, não é absoluta. O causador do dano em estado de necessidade,
apesar de poder ser demandado e poder ter que pagar indenização à vítima,
poderá, depois, ingressar com uma ação, que chamamos de regressiva, contra
o verdadeiro causador do dano, ou seja, contra o responsável pela situação de
perigo que demandou a ação em estado de necessidade. Tartuce (2016, p. 586)
explica didaticamente essa questão:

Imagine-se um caso em que uma criança grita em meio às chamas


de um incêndio que atinge uma residência. Um pedestre vê a cena,
arromba a porta da casa e salva a criança da morte iminente, prestes
a acontecer. Nesse caso, se o dono da casa não causou o incêndio,
deverá ser indenizado pelo pedestre herói (Art. 929 do CC). Somente
se o incêndio foi causado pelo dono do imóvel é que não haverá dever
de indenizar. No primeiro caso, o herói terá direito de regresso contra
o real culpado pelo incêndio (Art. 930 do CC). Observa-se, com tais
conclusões, que o Código Civil atual, a exemplo do seu antecessor,
continua a não incentivar intervenções heroicas.

Portanto, o estado de necessidade exclui a ilicitude, mas não a


responsabilidade de indenizar a vítima. Reserva-se à pessoa que causou o dano,
porém, o direito de ingressar com ação regressiva contra o verdadeiro causador
do dano, para reaver o que foi pago para a vítima.

182
TÓPICO 1 — ATO ILÍCITO

E
IMPORTANT

É importante ter clareza quanto à diferença entre estado de necessidade e


legítima defesa:

Não obstante a similitude ontológica, o estado de necessidade afasta-


se da legítima defesa, na medida em que: (i) só há legítima defesa
contra agressão humana dirigida a uma pessoa ou a seus bens,
enquanto no estado de necessidade o perigo advém de situação
fática que efetivamente ameaça a integridade de um bem jurídico;
(ii) na legítima defesa ocorre ataque ou ameaça de lesão a um bem
jurídico e, no estado de necessidade, conflito entre bens jurídicos;
(iii) na legítima defesa o agredido deve dirigir sua conduta contra
o agressor, mas no estado de necessidade o necessitado pode
conduzir-se contra terceiros alheios ao fato; (iv) na legítima defesa a
agressão deve ser injusta e não há ‘legítima defesa de legítima defesa’,
enquanto no estado de necessidade pode ocorrer hipótese de duas
pessoas, titulares de bens juridicamente protegidos, causarem lesões
recíprocas (CRUZ, 2013, p. 457).

Agora, com o estudo do ato ilícito você concluiu o estudo das diferentes
categorias de atos jurídicos: fatos jurídicos em sentido estrito, ato jurídico em
sentido estrito, negócio jurídico e ato ilícito! No próximo tópico, você estudará
a prescrição e a decadência que são tipos de fatos jurídicos em sentido estrito de
extrema importância para o direito.

183
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

E
IMPORTANT

Abuso de direito e culpa na responsabilidade civil

Afirma-se com frequência que a responsabilidade civil decorrente do abuso de direito in-
depende de culpa. Em sede doutrinária, é recorrente a tese de que o Art. 186 do Código
Civil conteria uma cláusula geral de responsabilidade por culpa, enquanto o Art. 187 ofere-
ceria uma cláusula geral de ilicitude de natureza objetiva. De certa forma, é também o que
propõe o Enunciado 37 na 1a Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal: A responsabilidade civil decorrente do abuso
do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.

[...]

A despeito de sua aceitação, tanto na literatura, quanto nos tribunais, a tese de que a res-
ponsabilidade decorrente do abuso de direito é objetiva comporta maior reflexão.

[...]

Todavia, não há, no Código Civil, nenhum ponto de apoio para a conclusão de que a
responsabilidade por abuso de direito seria independe de culpa. É, nesse aspecto, que o
Enunciado 37 da 1a Jornada se equivoca. A responsabilidade em caso de abuso de direito
pode ou não prescindir de culpa, a depender do suporte fático da pretensão indenizatória.
O fornecedor de produtos e serviços que abusa de seu direito responde objetivamente pe-
los danos sofridos pelo consumidor; mas isso decorre, não tanto do regime do abuso, mas,
antes, porque a responsabilidade do fornecedor está fundada no defeito do produto ou do
serviço, para o qual a culpa é irrelevante. A empresa jornalística que abusa de seu direito
pode, eventualmente, ser responsabilizada independentemente de culpa, com fundamen-
to na cláusula geral do Art. 927, parágrafo único, do Código Civil, desde que se considere
que sua atividade implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. De qualquer
forma, o abuso de direito, por si só, não torna objetiva a sua responsabilidade.

O texto completo pode ser acessado no seguinte endereço: https://www.conjur.com.br/


2017-out-16/direito-civil-atual-abuso-direito-culpa-responsabilidade-civil.

184
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Ato ilícito é um ato jurídico em sentido amplo que viola o ordenamento jurídico.

• Ato ilícito é uma ação humana voluntária, por negligência ou imprudência,


que viola o direito e causa dano (inclusive moral) a outrem.

• Ato ilícito também pode ser aquele praticado quando do exercício de um


direito, quando se ultrapassam seus limites, sendo chamado, nesse caso, de
abuso de direito.

• Enquanto no ato ilícito a ilicitude está no conteúdo, no abuso de direito, está na


forma como um direito é exercido.

• A principal consequência do ato ilícito é a reponsabilidade civil, ou seja, o


dever de o causador do dano indenizar o prejudicado.

• Uma pessoa pode causar dano a outra sem que isso configure ato ilícito quando
no exercício da legítima defesa, de direito regular, ou em estado de necessidade.

• A legitima defesa putativa e de terceiro não excluem a ilicitude civil.

• O estado de necessidade exclui a ilicitude, mas é mantido o dever de indenizar


se a vítima não for a própria causadora da situação que gerou o dano.

185
AUTOATIVIDADE

1 Dentro dos fatos jurídicos em sentido amplo, além de todos os fatos, atos
e negócios que estão de acordo com o ordenamento jurídico, que tem suas
consequências nele previstas ou por ele tuteladas, temos também uma
modalidade específica para quando as consequências de um ato não estão
em consonância com o ordenamento, que é o ato ilícito. Ao contrário do
direito penal, cujas condutas precisam estar tipificadas especificamente para
que possam sem punidas, o ato ilícito civil deve ser identificado por seus
elementos genéricos, quais sejam: ação humana, ilicitude e prejuízo. Além
disso, também serão considerados ilícitos os atos que, apesar de pautados
em um direito da parte, extrapolarem os seus limites, causando prejuízo a
outras pessoas. Tendo isso em mente, analise as situações a seguir:

I- João se distraiu com seu celular e colidiu com o veículo que transitava na
sua frente, causando um amassado.
II- Sérgio resolveu limpar sua casa durante a noite, e para animar o serviço,
colocou músicas em volume alto, gerando desconforto aos vizinhos.
III- Ana, dançando em seu quarto, escorregou e caiu, ferindo o joelho.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Todas as situações configuram ato ilícito.
b) ( ) Apenas a situação I é ato ilícito.
c) ( ) Apenas as situações I e II são atos ilícitos.
d) ( ) Apenas a situação II é ato ilícito.

2 Muitas vezes, danos são causados a fim de evitar um mal maior: Carla,
que conduzia seu veículo normalmente, ao vislumbrar um cachorro sobre
a pista, desvia do animal e, em razão da manobra, acaba arranhando um
veículo que estava estacionado. Nessa situação, é CORRETO dizer que:

a) ( ) Carla terá que pagar o prejuízo do dono do carro, mesmo tendo agido
em estado de necessidade.
b) ( ) Carla terá que pagar o prejuízo do dono do carro, pois praticou ato
ilícito.
c) ( ) Carla não terá que pagar o prejuízo do dono do carro, pois agiu em
estado de necessidade.
d) ( ) Carla terá que pagar o prejuízo do dono do carro, mesmo que seja ele o
responsável pelo cachorro na rua.

3 Leia o trecho a seguir com atenção:

186
O que diferencia as duas espécies de atos [ato ilícito e abuso de
direito] é a natureza da violação a que eles se referem. No ato
ilícito, o sujeito viola diretamente o comando legal, pressupondo-
se então que este contenha previsão expressa daquela conduta.
No abuso, o sujeito aparentemente age no exercício de seu
direito, todavia, há uma violação dos valores que justificam o
reconhecimento deste mesmo direito pelo ordenamento. Diz-se,
portanto, que no primeiro, há inobservância de limites lógico
formais e, no segundo, axiológicos materiais. Em ambos, o agente
se encontra no plano da antijuridicidade: no ilícito, esta resulta da
violação da forma, no abuso, do sentido valorativo. Em síntese,
o ato abusivo está situado no plano da ilicitude, mas com o ato
ilícito não se confunde, tratando-se de categoria autônoma de
antijuridicidade (CARPENA, 2013, p. 427).

Agora, com as suas palavras, tente explicar as principais diferenças entre o ato
ilícito em sentido estrito (do Art. 186) e o abuso de direito (do Art. 187).

187
188
TÓPICO 2 —
UNIDADE 3

DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você estudará institutos extremamente relevantes para o
direito: a prescrição e a decadência. Elas representam consequências do decurso
do tempo sobre pretensões e direitos. Entretanto, para a contagem dos prazos e
para a implementação das consequências desses institutos, é necessário conhecer
a natureza de cada um, as diferenças entre si e as regras específicas que as regem.

Você entenderá que, apesar de muito parecidas, a prescrição e a decadência


têm diferentes origens e consequências. Enquanto a prescrição só surgirá a partir
da violação do direito, o que pressupõe, portanto, que uma das partes tenha
deveres, a decadência independe de um ato prejudicial de uma das partes, pois
é um poder outorgado pela lei ou pelo contrato, a ser exercido em determinado
prazo.

Em razão disso, o decurso da prescrição fulminará apenas a pretensão,


e não o direito, enquanto na decadência é o direito em si que se extinguirá com
o passar do tempo. Essas características implicarão nas regras para contagem,
renúncia, alteração, suspensão ou interrupção dos prazos, que se aplicam por
vezes a um instituto e não a outro, conforme você verá na sequência.

2 DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

FIGURA 2 – RELÓGIO

FONTE: <https://unsplash.com/photos/eIkbSc3SDtI>. Acesso em: 19 jul. 2020.

189
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

A prescrição e a decadência são consequências do decurso do tempo.


O tempo é um evento natural. Desse modo, o decurso do tempo que implica
na ocorrência da prescrição ou da decadência é um fato jurídico em sentido
estrito ordinários, pois, conforme explicam Farias e Rosenvald (2017, p. 732),
“[...] é que, como visto alhures, um dos fenômenos produzidos pelo decurso do
tempo é a consolidação (aquisição) ou a extinção (perda) de situações jurídicas,
evidenciando a importância prática e teórica do tema”.

A previsão de prazo para o exercício de direitos e pretensões se faz


necessária para a pacificação social. Pensando em uma situação de cobrança
de uma dívida, por exemplo, se não houvesse prazo para que fosse realizada a
cobrança, o devedor ficaria eternamente com este peso sobre as costas, mesmo
se o credor não estivesse fazendo o mínimo esforço para cobrá-lo. Há no seu
fundamento, ainda, a necessidade de segurança jurídica, a fim de a própria
sociedade possa funcionar adequadamente. Uma pessoa insegura quanto às
possibilidades de ser executada, por exemplo, será menos suscetível a fazer
algum tipo de investimento ou empreendimento.

Portanto, a prescrição e a decadência são, de certa forma, uma sanção para


quem tem um direito ou uma pretensão e não os exerce, para quem fica inerte.
Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 505) esclarecem que:

[...] A existência de prazo para o exercício de direitos e pretensões


é uma forma de disciplinar a conduta social, sancionando aqueles
titulares que se mantêm inertes, numa aplicação do brocardo latino
dormientibus non sucurrit jus. Afinal, quem não tem a dignidade de
lutar por seus direitos não deve sequer merecer a sua tutela.

No mesmo sentido, Farias e Rosenvald (2017, p. 733) ensinam que:

[...] Além da aproximação com o elemento tempo, a prescrição e a


decadência também dizem respeito à inércia do titular de determinada
relação jurídica. Equivale a dizer, além de fundar-se em aspecto
objetivo, o decurso temporal também tem como suporte uma conduta
omissiva do titular do direito em perecimento.

Enfim, prescrição e decadência “[...] são institutos que decorrem da


projeção de efeitos jurídicos pelo decurso do tempo” (FARIAS; ROSENVALD,
2017, p. 732). Apesar dessa significativa semelhança, são institutos diferentes,
aplicáveis a situações distintas e que demandam regulação jurídica própria em
diversos aspectos. Assim, antes de ingressar nas regras legais sobre prescrição e
decadência, você deve estudar os elementos que os distinguem, a fim de conseguir
identificar as situações em que cada uma delas é pertinente.

190
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

2.1 DISTINÇÃO ENTRE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA


Para iniciar, o que você não pode esquecer: a prescrição é a perda de uma
pretensão, enquanto a decadência é a perda de um direito potestativo. Você já
pode imaginar, então, que para realmente entender as diferenças entre prescrição
e decadência, você terá que ter muito clara a distinção entre pretensão e direito
potestativo. E o que são eles, afinal?

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 507, itálicos no


original):

Pretensão é a expressão utilizada para caracterizar o poder de exigir de


outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico, vale dizer, é
o poder de exigir a submissão de um interesse subordinado (do devedor da
prestação) a um interesse subordinante (do credor da prestação) amparado
pelo ordenamento jurídico.

O Código Civil de 2002 prevê o seguinte:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se


extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206
(BRASIL, 2002, s.p)

Perceba que a pretensão surge da violação de um direito. Essa violação


de um direito pode se dar em uma ralação negocial, por um inadimplemento, ou
seja, pelo não cumprimento de uma obrigação que tinha para com a outra pessoa.
Ela pode também nascer em decorrência de um ato ilícito, pois o ato ilícito, como
estudado anteriormente, nada mais é do que a violação do direito de outrem. Fica
claro, então, que a pretensão nasce em decorrência do descumprimento de um
dever jurídico negocial ou legal de alguém. O exemplo trazido por Gagliano e
Pamplona Filho (2015, p. 507, itálicos no original), em sua obra, ilustra a situação
de nascimento de uma pretensão em decorrência de inadimplemento:

Caio (credor) é titular de um direito de crédito em face de Tício (devedor).


Nos termos do contrato pactuado, Caio teria direito ao pagamento de
100 reais, no dia 1o de janeiro de 2002 (dia do vencimento). Firmado
o contrato no dia 10 de dezembro de 2001, Caio já dispõe do crédito,
posto somente seja exigível no dia do vencimento. Observe, pois, que
o direito de crédito nasce com a realização do contrato, em 10 de dezembro.
No dia do vencimento, para a surpresa de Caio, o devedor nega-se a
cumprir a sua obrigação. Torna-se, portanto, inadimplente, violando o
direito patrimonial de Caio de obter a satisfação do seu crédito. Neste exato
momento, portanto, violado o direito, surge para o credor a legítima
pretensão de poder exigir, judicialmente, que o devedor cumpra a prestação
assumida. Esta pretensão, por sua vez, quedará prescrita, se não for
exercida no prazo legalmente estipulado para o seu exercício (dez anos, no
Novo Código Civil - Art. 205; vinte anos, no Código Civil de 1916 - Art.
177).

191
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Observe com atenção esse exemplo e verifique que, o nascimento da


pretensão se deu no dia do vencimento da dívida, quando Tício não pagou Caio,
tornando-se inadimplente. Lembre-se que quando você estudou os elementos
acidentais do negócio jurídico, foi explicado que o termo (neste caso, a data de
vencimento é um termo) suspende a exigibilidade do crédito, mas não o seu direito.
A pretensão, aqui, está relacionada à exigibilidade, pois antes do vencimento,
apesar de o credor ter o direito de crédito, ele não pode exigir o pagamento da
outra parte. Assim, enquanto não atingido o termo, ou seja, não vencida a dívida,
não há que se falar em violação. Deste modo, o início da contagem do prazo
prescricional será da data do nascimento da pretensão, e não da data da realização
do negócio jurídico entre as partes.

Não é diferente o nascimento da pretensão decorrente de ato ilícito. Nestas


situações, a regra é que o prazo prescricional se inicia quando do ato ilícito, que
nada mais é que a violação de direito mencionada no Art. 189. Portanto, se Fulano
é atropelado por Sicrano em 10/10/2020, foi neste dia que nasceu sua pretensão de
ingressar com uma ação de cobrança de reparação por danos materiais e morais
contra o motorista descuidado.

Importante perceber que a terminologia não é uma questão só formal.


Quando dizemos que a prescrição atinge a pretensão e não o direito, isso tem
implicações práticas relevantes. Quer dizer que a pessoa, o credor, por exemplo,
passado o prazo prescricional, não poderá mais exigir coercitivamente (por meio
de uma ação judicial, por exemplo) o cumprimento da obrigação.

O direito ao crédito, porém, perdura como uma obrigação natural,


ou dever moral da outra parte. Ele não pode ser cobrado, mas se o devedor,
passado o prazo prescricional, resolver pagar a dívida, este ato não poderá ser
considerado enriquecimento ilícito do credor. Em decorrência disso, é possível
haver a renúncia à prescrição, sobre o que você estudará um pouco melhor na
sequência. Sobre esse ponto, Tartuce (2016, p. 312) explica que:

Na prescrição, nota-se que ocorre a extinção da pretensão; todavia, o


direito em si permanece incólume, só que sem proteção jurídica para solucioná-
lo. Tanto isso é verdade que, se alguém pagar uma dívida prescrita, não pode
pedir a devolução da quantia paga, já que existia o direito de crédito que não foi
extinto pela prescrição.

Ainda, de acordo com a doutrina, pode-se dizer que:

[...] Somente estão submetidos aos prazos prescricionais os direitos


subjetivos patrimoniais – isto é, aqueles que conferem ao titular uma
pretensão de exigir de alguém um determinado comportamento.
São que permitem ao seu titular exigir e outrem um determinado
comportamento, apreciável economicamente. Assim, não realizado
voluntariamente, o comportamento esperado, poderá o titular exercer
a sua pretensão (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 735, grifos do
original).

192
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Importante perceber que quando os autores mencionam direitos


subjetivos patrimoniais, eles estão se contrapondo aos direitos de personalidade,
os quais são imprescritíveis. É importante lembrar, entretanto, que os direitos de
personalidade podem ter sua faceta com valor patrimonial. Por exemplo, o direito
de imagem é um direito de personalidade e, portanto, imprescritível. Se Fulano
descobre que sua imagem está sendo utilizada em uma página da internet sem a
sua autorização, ele pode, a qualquer momento, solicitar a retirada da imagem,
como exercício do seu direito de personalidade. Todavia, no que toca aos valores
referentes à indenização pelo uso indevido da sua imagem (violação do direito
que gera a pretensão) ele terá um prazo determinado para cobrá-los, sob pena de
prescrição.

Uma outra característica que pode ser relacionada à prescrição é o fato de


que as pretensões são reclamadas em ações condenatórias. Ora, se uma pessoa
teve um direito violado, ela deverá requerer em juízo que o violador do direito
seja condenado ao cumprimento da obrigação inadimplida, ou ainda que seja
condenado a pagar pelos danos causados. Pode-se dizer, então, que:

Sob o ponto de vista processual, convém anotar, ainda, que somente


as ações condenatórias podem sofrer os efeitos da prescrição, na
medida em que constituem o único mecanismo de proteção dos
direitos subjetivos patrimoniais. É o exemplo das ações de cobrança,
de execução ou de reparação de danos (FARIAS; ROSENVALD, 2017,
p. 735).

Outro ponto relevante no que diz respeito a prescrição que deve ser
destacado, é que a prescrição não tem apenas o efeito de extinguir pretensões. A
prescrição tem o poder também de permitir a aquisição de direitos. Nas palavras
de Farias e Rosenvald (2017, p. 734), “[...] convém ressaltar que a prescrição tem
de ser compreendida a partir de uma dualidade conceitual, servindo, a um só
tempo, para extinguir situações jurídicas (prescrição extintiva) e para consolidar
relações que se protraem, se perpetuam, no tempo (prescrição aquisitiva)”. Ainda
sobre o tema, os autores explicam que:

No direito brasileiro, a prescrição aquisitiva foi tratada com o nomen


juris de usucapião, enquanto o termo vocabular prescrição ficou restrito
para a prescrição extintiva (também chamada de prescrição liberatória).
A importância da observação é para fixar que se aplicam ao instituto
da usucapião (isto é, da prescrição aquisitiva) as regras legais da
prescrição extintiva, como, por exemplo, as hipóteses de suspensão
e de interrupção do prazo prescricional, obstando a aquisição da
propriedade em tais circunstâncias (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p.
734-735, grifos do original).

Ou seja, a usucapião, nada mais é que uma modalidade de prescrição, mas


que em vez de extinguir direitos, dá origem ao direito de propriedade para quem
vem exercendo a posse de um bem há tempos, desde que preenchidos outros
requisitos também previstos na lei, que são estudados nas disciplinas referentes
à parte especial do Código Civil. A prescrição que nos interessa neste momento,

193
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

é a prescrição extintiva, regulada na parte geral do Código Civil. Até porque,


suas regras serão também aplicáveis à prescrição aquisitiva em determinadas
circunstâncias.

Compreendido, então, que a prescrição atinge a pretensão de exigência


do cumprimento de uma obrigação decorrentes de uma violação de direito, seja
um inadimplemento ou um ato ilícito, e não o próprio direito, vamos, agora,
ingressar no estudo sobre a decadência, que, como já mencionado, atinge o direito
potestativo de alguém, e não uma pretensão.

Mas afinal, o que é direito potestativo? De acordo com Amaral (apud


GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 509), direitos potestativos são “[...]
aqueles que conferem ao titular o poder de influir ou determinar mudanças na
esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente,
apenas uma sujeição”. Ou seja, direito potestativo é um poder que é concedido
a alguém, seja pela lei, seja por contrato. Sendo direito potestativo, preenchido
o requisito para o exercício do direito, a outra parte apenas se sujeita, tendo que
aceitar o exercício do direito, que é decidido unilateralmente. Um exemplo da
nossa legislação consumerista deixa isso muito claro:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias


a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou
serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e
serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por
telefone ou em domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento
previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer
título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato,
monetariamente atualizados (BRASIL, 1990, s.p).

De acordo com esse dispositivo do Código de Defesa do Consumidor,


a pessoa que contratar ou comprar produto ou serviço fora do estabelecimento
comercial (por telefone ou pela internet, por exemplo) pode desistir do contrato,
“arrepender-se” da aquisição e solicitar o seu desfazimento. Preste atenção:
para o exercício deste direito o requisito é que a compra tenha sido feita fora
do estabelecimento. Não é necessário que o produto venha com problemas, não
precisa haver atraso na entrega, nada. Basta que o adquirente mude de ideia
e manifeste seu interesse de desfazer o contrato dentro do prazo de sete dias
(que de acordo com entendimento consolidado é contado a partir da entrega do
produto ou serviço). Pois bem. A parte vendedora, ou prestadora do serviço, não
precisa ter feito nada errado. Mesmo assim, estará sujeita ao direito potestativo do
consumidor de se arrepender da compra, e terá que aceitar o produto de volta, e
ressarcir o valor pago, sob pena de estar ela violando a legislação pátria. Portanto,
o direito de arrependimento é um poder outorgado pela lei ao consumidor.

Em outras situações, o pré-requisito para exercício do direito potestativo


pode depender de fatos que deverão ser provados, como no caso da anulabilidade
de negócios jurídicos por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude
contra credores. Como você já estudou na Unidade 2, os defeitos dos negócios

194
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

jurídicos os tornam anuláveis, e o pedido de anulação deve ser feito no prazo de


4 (quatro) anos, conforme previsão do Art. 178 do Código Civil. A anulação é,
portanto, também um direito potestativo, mas que está subordinado a prova da
ocorrência do vício. Provado este, a outra parte do negócio não poderá questionar
o direito de anular a relação viciada.

Assim, quando há direitos, que por sua própria natureza possuem prazo
determinado para serem exercidos, o decurso desse prazo, aliado à inércia do
titular, caracterizará a decadência (também chamada de caducidade) desse direito
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015). Resumindo: a decadência

[...] portanto, consiste na perda efetiva de um direito potestativo, pela


falta de seu exercício, no período de tempo determinado em lei ou
pela vontade das próprias partes. Sendo, literalmente, a extinção do
direito, é também chamada, em sentido estrito, consoante já se disse,
de caducidade, não remanescendo qualquer sombra de direito em favor
do titular, que não terá como exercer mais, de forma alguma, o direito
caduco (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 509, grifos do
original).

Enquanto, como já destacado, a prescrição está relacionada às ações


condenatórias, a decadência se vincula às ações constitutivas ou desconstitutivas.
Ou seja, aquelas ações em que se determina a constituição de uma relação jurídica,
ou a sua desconstituição, como é o caso nas ações anulatórias. Tartuce (2016, p.
310, grifos do original) explica que:

[...] a decadência está associada a direitos potestativos e às ações


constitutivas, sejam elas positivas ou negativas. As ações anulatórias
de atos e negócios jurídicos, logicamente, têm essa última natureza.
A decadência, portanto, tem relação com um estado de sujeição,
próprio dos direitos potestativos. Didaticamente, é certo que o direito
potestativo, por se contrapor a um estado de sujeição, é aquele que
encurrala a outra parte, que não tem saída.

Além dessas questões, é possível apontar outros aspectos mais objetivos


que podem ajudar a identificar se determinados prazos são prescricionais ou
decadenciais. O primeiro deles, como você poderá perceber melhor na sequência,
é o fato de que, no Código Civil, os prazos prescricionais estão concentrados
nos Arts. 205 e 206. Pode-se afirmar, então, que todos os outros prazos previstos
no Código Civil são decadenciais. Atenção, porém, às legislações especiais, as
quais podem ter prazos próprios tanto de decadência como de prescrição, sem
necessariamente estarem devidamente identificadas. Assim, nestes casos, você
precisará analisar a situação para perceber se se trata de um direito potestativo
ou uma pretensão. “Além disso, nota-se que os prazos de prescrição são todos em
anos. Por outra via, os prazos de decadência podem ser em dias, meses, ano e dia
ou também em anos. Em suma, se surgiu um prazo que não seja em anos, com
certeza será decadencial” (TARTUCE, 2016, p. 310).

195
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Organizando sistematicamente a questão, é possível estabelecer os


seguintes critérios de distinção entre os institutos:
i) pelo objeto, pois a prescrição fulmina a pretensão de ver reparado
um direito, enquanto a caducidade atinge o próprio direito;
ii) quanto a inércia, a prescrição pressupõem o não exercício do direito
de defesa; já a decadência preestabelece prazo para o exercício do
próprio direito material;
iii) a prescrição admite interrupção, suspensão e renúncia, enquanto
na decadência não se admitem quaisquer das hipóteses;
iv) no que concerne às fontes, a prescrição deriva apenas da lei,
enquanto a decadência pode ter origem convencional (contrato,
testamento...);
v) de acordo com a natureza do direito correlato, a prescrição
restringe-se ao campo patrimonial, ao contrário da caducidade, que
atinge relações não patrimoniais, como no Direito das Famílias;
vi) pela origem e natureza, a prescrição somente se inicia com a
violação ao direito, ao passo que a decadência floresce juntamente com
o direito;
vii) quanto à possibilidade de arguição ou declaração, tanto a
prescrição, quanto à decadência, pode ser conhecida ex. officio, com
exceção da caducidade convencional” (FARIAS; ROSENVALD, 2017,
p. 776).

NOTA

A prescrição e a decadência são institutos de direito material, tanto que previstos


no Código Civil. Elas não podem ser confundidas com a preclusão e a preempção, que são
institutos de direito processual. Sobre isso, Farias e Rosenvald (2017, p. 778) explicam:

Vale o alerta para que não se promova confusão entre a prescrição


e a decadência com outros institutos similares, como a preclusão e
a preempção. Esses são institutos com nítida natureza processual,
ao revés da prescrição e decadência, que têm conteúdo de direito
material. A preclusão diz respeito à perda de uma faculdade processual,
enquanto a preempção concerne à perda do direito de propor uma
ação em virtude de ter a parte dado causa por três vezes à extinção
do processo sem julgamento de mérito (nas hipóteses emolduradas
no Art. 485 do Código de Processo Civil), tendo em vista a mesma
demanda. Ocorrendo a preempção, a quarta ação objetivando a
mesma pretensão tem de ser extinta sem resolução do mérito.

Compreendidas essas distinções principais, vamos, agora, ao estudo das


regras que se aplicam à prescrição e à decadência, oportunidade que você poderá
perceber, ainda, algumas outras diferenças.

196
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

DICAS

Os critérios de distinção entre a prescrição e a decadência, que são até hoje


explicados pelos doutrinadores civilistas, foram quase todos sistematizados por Agnelo
Amorim Filho, em seu famoso artigo Critério científico para distinguir a prescrição
da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. O artigo pode ser facilmente
encontrado na rede mundial de computadores. Segue um dos links para acesso: http://
www.direitocontemporaneo.com/wp-content/uploads/2014/02/prescricao-agnelo1.pdf.

2.2 REGRAS QUANTO À PRESCRIÇÃO


A prescrição, importante lembrar, é uma espécie de pena para o titular
da pretensão que permanece inerte. Ainda, pode-se dizer “[...] que a prescrição
constitui um benefício a favor do devedor, pela aplicação da regra de que o direito
não socorre aqueles que dormem, diante da necessidade do mínimo de segurança
jurídica nas relações negociais” (TARTUCE, 2016, p. 312). Ela atinge a pretensão,
e não o direito subjetivo em si, tanto que “o devedor poderá, querendo, honrá-lo
voluntariamente” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 736).

“Exaurido o prazo prescricional previsto em lei, o direito de fundo


subsiste, porém o seu titular não mais pode exigir o seu cumprimento porque a
pretensão restou neutralizada” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 736). Ou seja, a
prescrição sanciona o titular da pretensão com a vedação a exigibilidade formal
da obrigação inadimplida.

Conforme mencionado anteriormente, a pretensão nasce com a violação


do direito, e se encerra decorrido o prazo de prescrição. Como se conta esse
prazo? De onde começa?

Pois bem. Da própria leitura do Art. 189 do Código Civil, é possível concluir
que a contagem se inicia com o nascimento da pretensão. Portanto, o marco inicial
será a data da violação do direito. Ou seja, se Fulano empresta dinheiro para Sicrano,
sendo combinado que Sicrano deveria devolver o valor até 20 março, e Sicrano não
o faz, 20 de março será a data a violação do direito. Se esse empréstimo foi feito por
meio de instrumento particular (um contrato de mútuo), o prazo prescricional é de
5 (cinco) anos, nos termos do Art. 206, §5º, I, do Código Civil.

Aplicam-se, à prescrição, as regras de contagem de prazo previstas no


Art. 132 do CC/02, cujo §3º dispõe que: Os prazos de meses e anos expiram no
dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.
Assim, uma vez que os prazos prescricionais são sempre em anos, temos que, o
prazo se encerrará (não havendo qualquer causa suspensiva) no dia 20 de março
do quinto ano após o inadimplemento.

197
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Entretanto, o início da contagem ocorre sempre que a pretensão nasce


imediatamente após a violação do direito, pois, há casos em que a violação ocorre,
mas a pretensão aparece posteriormente. É o caso típico de um ato ilícito (um
atropelamento, por exemplo) que resulta em morte, semanas depois do acidente.
A violação do direito ocorreu em um momento, mas a pretensão indenizatória dos
familiares referente à morte da vítima ocorreu em outro. Portanto, nem sempre a
violação do direito vai necessariamente corresponder ao momento do nascimento
de algumas pretensões. Esse entendimento, inclusive, está no Enunciado 14 do
CJF, redigido da seguinte forma: “1) O início do prazo prescricional ocorre com
o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo;
2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após
a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer” (CONSELHO DA
JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

NOTA

Apesar do entendimento extraído do próprio dispositivo legal, o parâmetro


de contagem do prazo prescricional é, muitas vezes, modificado pelos julgadores. Tartuce
(2016, p. 313) explica que:

[...] esses parâmetros de início da contagem do prazo prescricional


– a partir da violação do direito subjetivo – vêm sendo contestados
jurisprudencialmente. Isso porque cresce na jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça a adoção à teoria da actio nata, pela qual o prazo
deve ter início a partir do conhecimento da violação ou lesão ao direito
subjetivo. Trata-se, na verdade, da feição subjetiva da actio nata.

O entendimento que vem sendo firmado é no sentido de que o prazo para o exercício
da pretensão não pode ser iniciado antes de a parte ter ciência da violação. Para que esta
exceção seja aplicada, porém, deve a parte demonstrar que só teve ciência em momento
posterior, conforme ensinam Farias e Rosenvald (2017, p. 741):

Registre-se, de qualquer modo, ser ônus de prova do titular da


pretensão a demonstração de que somente teve ciência inequívoca
da violação de seu direito subjetivo (patrimonial) em determinado
momento posterior à data da violação. Essa prova deve ser
objetivamente demonstrada, não bastando meras alegações. Se assim
não for, instala-se um alto grau de instabilidade social e jurídica.

Nesse sentido, há, inclusive, Súmula do STJ versando sobre o marco inicial da prescrição
nas ações de cobrança de seguro. A Súmula 278 dispõe que: “O termo inicial do prazo pres-
cricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da
incapacidade laboral” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2003, s.p.). É no mesmo sentido o
Enunciado 539 do CJF: “Nas pretensões decorrentes de doenças profissionais ou de caráter
progressivo, o cômputo da prescrição iniciar-se-á somente a partir da ciência inequívoca
da incapacidade do indivíduo, da origem e da natureza dos danos causados” (CONSELHO
DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

198
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

E
IMPORTANT

A viés subjetiva da teoria da actio nata

[...]

No julgado esposado, com a aplicação da teoria da actio nata na viés subjetiva, ainda que
de maneira implícita, temos, pois, a valoração do princípio da boa-fé objetiva, mais adequa-
do às ideias de eticidade, socialidade e por corolário, mais justo, obstando que o titular do
direito seja prejudicado por não ter tido conhecimento da lesão que lhe foi imposta.

A teoria da actio nata na viés subjetiva é explanada como sendo o início do termo da pres-
crição que fluirá a partir do conhecimento inequívoco da lesão ou violação do seu direito
nos casos em que envolvam ilícitos oriundos a responsabilidade extracontratual (visão ado-
tada pelo Professor José Fernando Simão), e/ou também por responsabilidade contratual
(visão adotada pelo Professor Flávio Tartuce), e não de sua violação que a ação é chamada
a combater, objetivamente, como ensina Savigny.

[...]

Insta salientar que a teoria da Actio Nata em sua viés subjetiva, será aplicada em caráter de
exceção e somente na prescrição cuja natureza seja extintiva, sempre avaliado pelo caso
concreto, como já previa o professor Simão, observando ainda no tocante ao que vaticina
o Art. 374 do novo Código de Processo Civil, fatos que independem de prova.

No esteio, tal tese veio a contemplar de modo incisivo a boa-fé objetiva, onde se espera
das partes uma conduta de lealdade, que por sua vez fora muito ressaltada quando do
surgimento do nosso novo Código de Processo Civil, conforme se verifica nos Arts. 5° e 6°.

A doutrina e a jurisprudência há alguns anos relutavam em reconhecer a faceta subjetiva


da teoria da actio nata, posto que consideravam que o termo inexoravelmente começava
com o surgimento da pretensão, e não do efetivo conhecimento, conforme vaticinava o
Enunciado 14 do CJN/STJ. Os juristas que defendem tal tese, alegam em suma, que se
o termo ficar condicionado ao conhecimento inequívoco da lesão, restaria, portanto, ao
arbítrio, uma espécie de assenhoramento da vítima ao início da prescrição, demonstrando
uma possível insegurança jurídica.

Tal tese vem sofrendo duras críticas, posto que restava claro o lapso deste entendimento,
haja vista que a pretensão na verdade só nasceria efetivamente para a vítima do ilícito ex-
trajudicial ou contratual quando do conhecimento inquestionável da lesão ou da violação
do direito subjetivo, sendo impossível exercer tal pretensão em momento anterior a esta
cognição.

Ora, se não há conhecimento de lesão ou violação do direito subjetivo, não há que se falar
em nascimento da pretensão, sendo certo que o termo sequer começaria a fluir (faceta
subjetiva da teoria da actio nata). Entendimento diverso nos dias atuais tem se mostrado
superado, retratando uma verdadeira injustiça para com o lesado.

A íntegra do texto você pode acessar no seguinte link: https://www.migalhas.com.br/depe-


so/301016/a-vies-subjetiva-da-teoria-da-actio-nata.

199
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Feitas essas considerações sobre a natureza da prescrição e o modo


de contagem do prazo prescricional, agora você irá estudar as demais regras
atinentes ao instituto, conforme previsto no Código Civil. O primeiro aspecto está
previsto no Art. 190, que diz que: A exceção prescreve no mesmo prazo em que a
pretensão. Exceção, conforme explicam Farias e Rosenvald (2017, p. 757, grifos do
original), “é a possibilidade reconhecida ao titular de um direito subjetivo de invocá-lo em
sede defensiva”. Ou seja, no caso da prescrição, diz respeito à impossibilidade de
uma pessoa se defender (contestando uma ação, por exemplo) sob o argumento
de que tinha para com o autor da ação algum tipo de crédito, se este já estiver
prescrito. Para ficar mais claro, veja o exemplo: Se alguém tinha um crédito e
deixou de exercer a pretensão no prazo de lei, sendo alcançado pela prescrição,
não poderá, no futuro, vindo a ser acionado pelo seu devedor (que veio a assumir,
posteriormente, a posição de credor), alegar uma compensação, pois, junto com a
pretensão, prescreveu a exceção. Em suma: a compensação, na hipótese, somente
pode ser invocada, na defesa do réu, se ainda não prescrita a pretensão.

A regra prevista no Art. 191 diz respeito à renúncia da prescrição. O


dispositivo legal menciona que:

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só


valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição
se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do
interessado, incompatíveis com a prescrição (BRASIL, 2002, s.p)

O primeiro aspecto que deve ser destacado quando da análise desta


norma é que, só pode renunciar a algo alguém que já tem o direito a isto.
Portanto, a renúncia da prescrição só poderá ser feita quando a prescrição já
estiver consolidada. Ou seja, depois de passado todo o prazo, quando o credor
não puder mais reclamar a obrigação. Em razão disso, “é nula toda e qualquer
cláusula contratual dispondo, antecipadamente, que as partes renunciam à
prescrição que, eventualmente, lhes beneficiar” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p.
738).

Deve-se ficar atento também, ao fato de que quem renuncia à prescrição é a


pessoa que foi por ela beneficiada. Não se confunda! Quando estivermos falando
de renúncia a prescrição, estamos falando de uma possibilidade do devedor e não
do credor.

“Renunciar à prescrição” consiste na possibilidade de o devedor de


uma dívida prescrita, consumado o prazo prescricional e sem prejuízo
a terceiro, abdicar do direito de alegar esta defesa indireta de mérito
(a prescrição) em face do seu credor. Se anuncia o pagamento, e o
executa, renunciou expressamente. Se, embora não o haja afirmado
expressamente, constituiu procurador, providenciou as guias
bancárias para o depósito ou praticou qualquer ato incompatível
com a prescrição, significa que renunciou tacitamente (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 518, grifos do original).

200
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Conforme já destacado, bem como explicitado no dispositivo legal em


comento, a renúncia pode ser expressa ou tácita, as quais também podem ser
judiciais ou extrajudiciais, como explica Tartuce (2016, p. 319):

Inicialmente, essa renúncia à prescrição poderá ser expressa, mediante


declaração comprovada e idônea do devedor, sem vícios. Pode ocorrer
ainda a renúncia tácita da prescrição, por outras condutas do devedor
que induzem a tal fato, como o pagamento total ou mesmo parcial
da dívida prescrita, que não pode ser repetida, exemplo que é de
obrigação natural (art. 882 do CC). Essa renúncia à prescrição também
pode ser judicial – quando manifestada em juízo –, ou extrajudicial –
fora dele.

Por fim, apesar de ser uma exigência natural dos princípios que norteiam
nosso ordenamento jurídico, a renúncia da prescrição também não pode ser feita
com prejuízo de terceiros. Lembre-se, por exemplo, da situação de uma pessoa
insolvente: se ela perdoar um credor, há fraude contra credores; se ela pagar uma
dívida ainda não vencida, quem recebeu poderá ser demandado a devolver o
valor; do mesmo modo, se ela pagar uma dívida prescrita, em detrimento de
outras, também estará incidindo em conduta repudiada pelo direito. Sobre esse
ponto, Farias e Rosenvald (2017, p. 738) pontuam que:

Naturalmente, dizendo respeito a direitos subjetivos patrimoniais, a


renúncia à prescrição implica, em termos práticos, em abdicação de
patrimônio para uma parte (o devedor) e em acréscimo patrimonial para
a contraparte (o credor). Ou seja, consumada a prescrição, o devedor
tem o seu patrimônio acrescido e, vindo a renunciar à prescrição, estará
se despojando da vantagem econômica anteriormente obtida. Por
conta disso, a renúncia da prescrição exige a inexistência de prejuízo a
terceiros (sob pena de fraude) e a capacidade do renunciante.

NOTA

Sobre o tema, o Enunciado 295 do CJF destaca que: “A revogação do Art. 194
do Código Civil pela Lei n° 11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício
da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no Art. 191 do
texto codificado” (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.). Ou seja, o fato de se permitir
que o juiz reconheça de ofício a prescrição, não impede que a parte beneficiada a renuncie,
razão pela qual, inclusive, é recomendado que os magistrados sempre consultem ambas as
partes antes de extinguir uma demanda pela prescrição.

201
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

A regra seguinte é muito simples e clara, mas tem extrema importância


prática. O Art. 192 do Código Civil dispõe que: Os prazos de prescrição não podem
ser alterados por acordo das partes. Ou seja, prazos prescricionais são aqueles
que estão na lei. Nenhum contrato entre as partes tem o poder de modificá-los. Só
quem pode alterar é o legislador! Tartuce (2016, p. 319) explica que “o comando
legal em questão somente consolida o entendimento doutrinário anterior, pelo
qual a prescrição somente teria origem legal, não podendo os seus prazos ser
alterados por ato volitivo”.

Farias e Rosenvald (2017, p. 739) complementam que “[...] a justificativa


a essa impossibilidade de mudança dos prazos prescricionais pela vontade das
partes reside no fato de que a sua alteração implicaria, por vias transversas, em
uma renúncia antecipada à prescrição, o que é vedado pela legislação”.

O Art. 193, por sua vez, dispõe que: A prescrição pode ser alegada
em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita. Em regra, nos
procedimentos de direito privado, as alegações devem ser feitas no primeiro
momento em que se fala nos autos, não sendo possível inovar as teses se não há
uma causa superveniente. A questão da prescrição, porém, foge a esta lógica, pois
mesmo que a parte, por qualquer motivo, tenha deixado de alegar a prescrição
em um primeiro momento, poderá aventá-la posteriormente. “Ilustrando, a
prescrição pode ser alegada em sede de apelação, ainda que não alegada em
contestação” (TARTUCE, 2016, p. 320)

Entretanto, deve-se atentar que a inovação só pode ser feita nos graus
de jurisdição ordinários, não se podendo invocar a prescrição não alegada
anteriormente, por exemplo, em sede de Recurso Extraordinário perante o
Supremo Tribunal Federal. Farias e Rosenvald (2017, p. 752) explicam que:

Por evidente, não poderá ser arguida nas instâncias extraordinárias


(ou seja, em sede de recurso especial, de revista ou extraordinário,
dirigidos, respectivamente, ao Superior Tribunal de Justiça, ao
Tribunal Superior do Trabalho ou ao Supremo Tribunal Federal),
pois implicaria em inovação na lide, violando a exigência de
prequestionamento da matéria, imposta pelo Texto Constitucional.
Assim, nas instâncias excepcionais, de regra, somente será possível
discutir a prescrição quando já tiver sido objeto de provocação e
deliberação judicial anterior.

O Art. 194 foi revogado no ano de 2006. Ele vedava o reconhecimento de


ofício, ou seja, sem pedido, da prescrição. Hoje, então, verificada a consolidação
da prescrição, pode o juiz, sem pedido das partes reconhecê-la. Todavia, “[...] em
respeito ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, antes de
conhecer a prescrição de ofício, deverá o julgador cientificar as partes” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 754). Isso porque, como você já estudou, o devedor
pode querer renunciar a prescrição. Ainda, pode ser que tenha havido alguma
causa de suspensão ou de interrupção que o juiz não teve conhecimento. Assim,
imprescindível essa ciência, para evitar prejuízo às partes.

202
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Na sequência, o Código traz dispositivo garantidor da possibilidade de


regresso daqueles que dependem de representação para reivindicar seus direitos,
quando os representantes não agem no tempo devido. O Art. 195 dispõe que: Os
relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes
ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a alegarem
oportunamente.

Por exemplo, se os pais de um adolescente não o assistem para ingressar


com ação de cobrança que prescreve em um ano, quando ele completar a
maioridade, já estará prescrita sua pretensão. Ele não poderá mais demandar
o devedor, entretanto, para não ficar no prejuízo, o dispositivo em comento
permite que cobre os seus assistentes, posto que eles não agiram dentro do prazo
adequado para evitá-lo. Do mesmo modo esse dispositivo pode ser usado em
caso de sucessão de administração em pessoas jurídicas, sempre que se verificar
que a pessoa competente para representa-la não tomou as atitudes necessárias
para exigir as obrigações inadimplidas, ou cobrar os danos, dentro do prazo
legal. Assim, a nova administração poderá demandar a anterior pelas dívidas
prescritas não cobradas, por exemplo.

Por fim, ainda no que toca a essas disposições gerais sobre a prescrição,
o Art. 196 prevê o seguinte: A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a
correr contra o seu sucessor. Ou seja, se Fulano tem uma dívida para cobrar de
Sicrano, e já se passaram dois anos do prazo prescricional quando vem a falecer,
os sucessores de Fulano terão apenas o tempo remanescente para cobrar Sicrano.
Objetivamente, quer dizer que se o titular do direito falece sem que o tenha
reclamado, o prazo não se reiniciará para seus sucessores. Sobre esse dispositivo,
Tartuce (2016, p. 325-326) ainda comenta que:

A codificação de 2002 substituiu a expressão herdeiro, que constava


do Art. 165 do CC/16, pelo termo sucessor. Dessa forma, alarga-se a
possibilidade de continuidade da prescrição, tanto em decorrência de
ato mortis causa (testamento ou legado) quanto inter vivos (compra
ou sucessão de empresas).

Compreendidas essas regras gerais que norteiam o instituto da prescrição,


podemos agora passar para o estudo das causas que afetam a contagem do prazo
prescricional, podendo influenciá-lo a ponto de que não corra durante muitos
anos. Começaremos pelas causas de impedimento e de suspensão e, na sequência,
estudaremos as questões atinentes à interrupção.

2.2.1 Causas que impedem ou suspendem a prescrição


O Código Civil previu situações que fazem com que o prazo prescricional
não corra. Se ele, o prazo prescricional, nem se iniciar em razão da circunstância,
estaremos diante de uma causa impeditiva. Se o prazo começa a correr e, pela
superveniência da causa, para, dizemos que é suspensiva. O impedimento,
portanto, está no início, enquanto a suspensão ocorre durante o transcurso do

203
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

prazo. Farias e Rosenvald (2017, p. 742) explicam da seguinte forma: “Esclareça-se


que, apesar de certa confusão do Código Civil, as causas suspensivas paralisam,
temporariamente, o curso da prescrição, quando já se iniciou a fluência do prazo,
enquanto as causas impeditivas obstam o começo da fluência prazal”. Tendo
havido uma causa impeditiva ou suspensiva, e voltado a correr o prazo, pode ser
que a mesma, ou outra causa venha a suspender novamente o prazo.

É importante destacar também, que a suspensão pode ocorrer inúmeras


vezes, bem como que o prazo suspenso volta a correr de onde parou. Portanto,
se Fulano tinha três anos para cobrar reparação civil de Sicrano e passados dois
anos sobreveio uma causa suspensiva durante quatro anos, quando encerrada
essa causa suspensiva, Fulano terá apenas mais um ano para ajuizar a ação, e não
mais três anos, como tinha originalmente.

Para ficar um pouco mais claro como funcionam na prática as causas


impeditivas e suspensivas, vamos agora estudar as que estão expressamente
previstas no Código Civil de 2002, começando pelo Art. 197:

Art. 197. Não corre a prescrição:


I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante
a tutela ou curatela (BRASIL, 2002, s.p)

A primeira causa de suspensão elencada, então, é a existência de sociedade


conjugal. Isso ocorre a fim de evitar conflitos conjugais.

Os cônjuges podem ter obrigações inadimplidas entre si, decorrentes de


fatos anteriores ou que ocorreram durante a relação, mas não precisam se preocupar
com a prescrição enquanto estiverem na relação. Findado o relacionamento, volta
o prazo a correr de onde parou. Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 522) ilustram
bem essa situação:

Exemplificando: João é credor de Maria de uma dívida já vencida e


exigível, constante em instrumento público ou particular, estando em
curso o prazo prescricional (para se formular a pretensão condenatória,
via ação de cobrança) de cinco anos [...]. Dois anos após a data do
vencimento da dívida, contraem matrimônio, por força do qual o prazo
prescricional ficará suspenso até a dissolução da sociedade conjugal.
No caso, decretado a separação judicial do casal, o prazo prescricional
(suspenso durante o tempo de convivência conjugal) continuará a
correr, computados os dois anos transcorridos, até que o credor atue
ou seja atingido o limite máximo da prescrição. Se, todavia, Maria,
respeitando o regime de separação de bens, contrai a dívida perante
João, no curso do casamento, o prazo prescricional ficará impedido de
correr até a dissolução da sociedade conjugal.

Imprescindível observar que a regra também é válida quando as partes


vivem em união estável, conforme, inclusive, insculpido no Enunciado 296 do
CJF: “Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância da união

204
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

estável” (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.). Farias e Rosenvald


(2017, p. 743) também advertem que “[...] embora o Código Civil não faça menção
expressa, há de se entender que também não haverá curso do prazo prescricional
na constância de união estável (entre companheiros), hetero ou homoafetiva,
interpretando construtivamente o Art. 197 da Lei Civil”.

A situação do inciso II se justifica pelo fato de os menores de idade


precisarem de assistência das pessoas que exercem o poder familiar sobre
elas para demandarem em juízo. Assim, se os prazos prescricionais corressem
normalmente, os adolescentes poderiam ser prejudicados, pois dependeriam dos
seus próprios representantes para demandar contra eles. Importante observar
que não corre o prazo prescricional enquanto durar o poder familiar, o qual se
encerra com a plena capacidade civil do descendente. “Nesses casos, o prazo
prescricional inicia-se da data em que o menor completa 18 anos, exceção feita
aos casos de emancipação, previstos no Art. 5º da codificação civil” (TARTUCE,
2016, p. 326).

A mesma justificativa para a inclusão do segundo inciso vale para o


terceiro. Os tutelados e curatelados dependem de seus tutores e curadores para
demandarem suas pretensões. Assim, a fim de evitar conflito de interesses,
enquanto essa relação perdurar, não prescreverá o direito do tutelado ou do
curatelado demandar seu tutor ou curador. Findada a relação, inicia-se (ou volta
a correr) o prazo prescricional.

NOTA

A causa de impedimento/suspensão diz respeito, exclusivamente, às pretensões


entre ascendentes e descentes, ou seja, quando a parte a ser cobrada é o ascendente ou
o descendente. Do mesmo modo, diz respeito às pretensões entre os ali nomeados. A
prescrição contra relativamente incapazes em relação a atos de terceiros (não de seus
ascendentes, tutores ou curadores) corre normalmente.

O artigo seguinte apresenta mais três causas de impedimento e/ou


suspensão do prazo prescricional:

Art. 198. Também não corre a prescrição:


I - contra os incapazes de que trata o art. 3 o;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos
Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo
de guerra (BRASIL, 2002, s.p)

205
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

O inciso I traz uma causa que hoje é bastante objetiva, ou seja, não corre
prescrição contra os absolutamente incapazes que, desde 2016, são apenas as
crianças e adolescentes até 16 anos. Portanto, pode-se dizer tranquilamente
que essa é uma causa apenas de impedimento, e não de suspensão do prazo
prescricional, uma vez que alguém que ultrapassou o marco da incapacidade
absoluta, nunca voltará a ser absolutamente incapaz. Entretanto, a redação desse
artigo é anterior à alteração do disposto no Art. 3º do CC/02, de modo que, para
algumas situações, as consequências da mudança acabaram não sendo totalmente
benéficas. Farias e Rosenvald (2017, p. 744-745, itálicos no original) fizeram uma
ponderação detalhada sobre a questão:

Ademais, há uma situação muito importante que veio a lume com o


advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Com efeito, a partir da
nova regra imposta pelo aludido Estatuto, as pessoas com deficiência,
física ou mental, não mais se enquadram no conceito de incapacidade
absoluta, independentemente do grau de deficiência. Se, eventualmente,
uma pessoa com deficiência não puder exprimir vontade será tratada
como relativamente incapaz, consoante a nova redação do art. 4º do
Código Civil. Com isso, contra essa pessoa com deficiência que não
puder exprimir a sua vontade (relativamente incapaz, portanto)
correm, normalmente, os prazos de prescrição. A situação, sem
dúvidas, pode ensejar verdadeiros absurdos ou disparates na
vida cotidiana. Certamente, admitir a fluência de lapso temporal
prescricional contra alguém que, por conta de uma hidrocefalia ou
de uma tetraplegia, não pode exprimir vontade afigura-se, de fato,
preocupante. O ideal, seguramente, teria sido o próprio texto legal
solucionar o problema, alterando, também, a regra da suspensão dos
prazos prescricionais. Por conta do descuido do legislador, porém,
a situação merece a atenção dos juristas, diagnosticando soluções
possíveis, dentro do próprio sistema jurídico – evitando, pois, qualquer
impulso de arbitrariedade. Prospectando uma solução efetiva para o
problema, propomos invocar a teoria contra non valentem, por meio
da qual se admitem outras hipóteses de suspensão ou impedimento
de prazo prescricional, para além daquelas previstas no texto legal.
O fundamento seria a impossibilidade concreta do titular de uma
pretensão exercer os seus direitos. Exatamente o que se tem no caso
vertente. Se o relativamente incapaz não pode exprimir vontade, pode
estar impossibilitado de exercer a sua pretensão. Por isso, entendemos
que, contra ele, não pode fluir o prazo prescricional, interpretando
construtivamente a norma legal.

O inciso II do artigo em comento traz uma questão de interesse público.


Quando alguém, nesse caso, a pessoa que tem uma pretensão a ser exercida, deixa
o país a serviço da União, ou de um Estados, ou de um Município (ou também
do Distrito Federal), ela terá o benefício da suspensão da prescrição a seu favor.
Importante observar, porém, que a prescrição só se suspende se o ausente do país
for o titular da pretensão, ou seja, o credor, a pessoa que poder entrar com a ação.
Isso se justifica pelo fato de que assim, a pessoa poderá exercer sua missão, sem
ter que se preocupar com perder o prazo para ingressar com determinada ação.
Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 522) advertem que:

206
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Note-se que, dado o interesse público envolvido, a prescrição não


corre contra essas pessoas, embora possa correr a favor. Assim, se o
credor ausentou-se do País para prestar serviços em uma embaixada
brasileira em Islamabad, por exemplo, o prazo prescricional ficará
suspenso até o seu retorno. Por outro lado, se o ausente for o devedor,
a prescrição corre a seu favor, de maneira que, durante o período em
que estiver fora, o prazo fluirá normalmente.

É importante observar também que a ausência do país deve ser a serviço


público. Portanto, um funcionário de uma multinacional que é eventualmente
transferido para trabalhar no exterior não tem esse benefício. Ainda, o fato de o
serviço ser público, não significa que a pessoa tenha que ser um servidor público
concursado. É possível que seja alguém destacado para uma missão específica,
sem que tenha um vínculo anterior com o Estado.

NOTA

A doutrina estende a amplitude desse dispositivo para que se aplique também aos
ausentes. Tartuce (2016, p. 327) explica que “há entendimento pelo qual a ausência, causa de
morte presumida, está incluída nesse Art. 198, II, do CC”. Nesse sentido, extrai-se, do Enunciado
156 do CJF, que: “Desde o termo inicial do desaparecimento, declarado em sentença, não corre
a prescrição contra o ausente” (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

O inciso III diz respeito àqueles que estiverem nas forças armadas em
tempos de guerra. Do mesmo modo que com relação ao inciso antecedente, a
justificativa para esta suspensão é o fato de a pessoa ter que se dedicar ao serviço e
não dever ter que ficar se preocupando com o prazo para ingressar com demandas
de ordem privada. Na leitura estrita do Código, este inciso só é aplicável aos
servidores das Forças Armadas em tempos de guerra, não sendo um benefício
para os militares ou conscritos em geral. Tartuce (2016, p. 327, grifos do original),
entretanto, pondera que:

Também por questão de bom-senso, suspende-se a prescrição


relativamente aos militares que estiverem servindo o exército, a
marinha ou a aeronáutica em tempos de guerra, caso, por exemplo,
dos brasileiros enviados a outros países para compor os serviços de
paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar do nome
serviços de paz, os tempos são de guerra, obviamente. Até por motivos
práticos, pela impossibilidade de citação muitas vezes percebida no
caso concreto, o prazo deverá permanecer suspenso.

Considerando, porém, que os militares em missões de paz no exterior


estão em serviço público da União, mais adequado talvez fosse defender que têm
direito à suspensão de prazo devido à previsão do inciso II, de forma a não se
desvirtuar o intuito do legislador com a redação deste último inciso.

207
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

O próximo artigo traz também mais três causas de impedimento/


suspensão. Vejamos:

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:


I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção (BRASIL, 2002, s.p)

Ainda não há exigibilidade do direito, portanto, não há o que se falar de


violação. Como você já estudou na Unidade 2, a condição suspensiva suspende
a eficácia do negócio jurídico até a ocorrência de um evento futuro e incerto,
enquanto este evento não acontecer, a parte não pode exigir o que foi acordado no
negócio. Assim, não há nascimento de pretensão enquanto pendente a condição
suspensiva.

Se fixado um termo, ou seja, havendo um prazo para o cumprimento da


obrigação, enquanto este prazo não se esgotar, não há também violação de direito.
É o caso, por exemplo, daquelas promoções para aquisição de bens que preveem
o pagamento “só depois de noventa dias”. A pessoa compra o objeto, mas o
estabelecimento não pode cobrar o valor antes do prazo estipulado. Vencidos
esses noventa dias sem pagamento, aí sim há a violação do direito de crédito do
vendedor e, consequentemente, o nascimento da pretensão e, com ela, o início do
prazo prescricional.

O terceiro inciso trata da evicção. De maneira simplificada, a evicção pode


ser conceituada como uma espécie de garantia para quem adquire um direito que
vem a lhe ser tomado em decorrência de uma decisão judicial ou administrativa. É
o caso de alguém que compra um imóvel de outrem que o recebeu como herança.
Descobre-se, na sequência, que o imóvel tinha sido deixado para outra pessoa
em um testamento válido. O beneficiário do testamento ingressa com ação para
regularizar a propriedade e ingressar na posse do imóvel e, sendo procedente a
ação, quem o adquiriu perde o direito sobre a área.

Há evicção nesse caso e, em decorrência disso, a pessoa que comprou o


terreno pode, via de regra, reclamar indenização de quem lhe vendeu a área. No
exemplo dado, a suspensão vai se operar enquanto correr a ação de reintegração
de posse ajuizada pelo ente público. Somente após ela ser julgada, é que começa
a correr o prazo do comprador para demandar o vendedor com relação ao seu
prejuízo. Nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 522-523, grifos do
original):

A evicção consiste na perda total ou parcial do direito do adquirente sobre a


coisa, em razão de uma decisão judicial, que reconhece a propriedade anterior
de outrem. Pelos riscos da evicção, responde o alienante (perante o
adquirente). Assim, estando pendente ação de evicção (proposta pelo
terceiro/reivindicante contra o adquirente), os prazos prescricionais
em geral e, bem assim, o próprio prazo de usucapião (prescrição
aquisitiva) ficam suspensos até que se decida a quem, de fato, pertence
a propriedade.

208
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

O Art. 200 complementa o rol de causas impeditivas do transcurso do


prazo prescricional:

Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no
juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença
definitiva (BRASIL, 2002, s.p)

De acordo com Tartuce (2016, p. 328), “esse dispositivo legal tem aplicação
direta aos casos que envolvem a pretensão indenizatória, com prazo prescricional
de três anos, contados da ocorrência do evento danoso ou do conhecimento de
sua autoria, conforme o Art. 206, §3º, V, do atual CC”. Ou seja, ele é aplicável nos
casos em que há ato ilícito que também é um ilícito criminal.

Apesar da independência das esferas cível e criminal, alguns tipos de


decisões na esfera do processo penal têm efeitos no âmbito civil, como a absolvição
quando é comprovada que o acusado não foi autor do delito, ou a absolvição
por reconhecimento de uma legítima defesa real. Assim, a fim de evitar decisões
divergentes, o Código Civil não permite que corra o prazo prescricional enquanto
não se findar a ação criminal. Desse modo, a vítima não precisa desde logo
ingressar com a ação cível, correndo risco de perdê-la, no caso, por exemplo, do
reconhecimento da legítima defesa pelo réu na esfera criminal.

Ainda, reconhecida a culpa, a materialidade e a autoria na esfera criminal,


poderá o feito cível restringir-se ao debate sobre o valor da indenização, pois os
elementos do ato ilícito já estarão provados. É uma enorme economia processual.
Entretanto, nada impede que o interessado ingresso com a ação cível enquanto
corre a criminal. De acordo com Farias e Rosenvald (2017, p. 745), a codificação
pretendeu “garantir à vítima de um fato criminoso o direito de aguardar a
manifestação do juízo criminal, somente adotando providências executivas no
juízo cível (através da chamada ação civil ex. delito) após o trânsito em julgado
da decisão penal”.

ATENCAO

O prazo prescricional para a ação civil ex. delito só se inicia com a sentença
definitiva da ação penal. Ou seja, após o trânsito em julgado da última decisão proferida,
quando não há mais possibilidade de recursos.

Para complementar as disposições sobre impedimento e suspensão, o


legislador previu, no Art. 201 que: Suspensa a prescrição em favor de um dos
credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível. Isso
quer dizer que quando se tem mais de um credor, ou seja, mais de uma pessoa
que pode cobrar determinada obrigação de outra, e uma só delas tiver direito
209
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

à suspensão do prazo prescricional, apenas com relação à parte dela é que a


suspensão terá efeitos. Os demais credores devem se valer do prazo normal de
prescrição para cobrar as suas parcelas, sob pena de perderem o prazo, a não ser
que o objeto da obrigação seja indivisível. Gagliano e Pamplona Filho (2015, p.
525, grifos do original) trazem um exemplo ilustrativo:

Assim, se Caio, Tício e Tácito são credores solidários de Xerxes


(devedor), de uma quantia de trezentos reais, verificada uma causa
suspensiva em face de algum deles (ex.: Caio ausentou-se do país em
serviço público da União), só restará suspenso o prazo prescricional
em favor do beneficiário direto da suspensão, uma vez que se trata de
obrigação divisível (prestação de dar dinheiro). Contra os outros credores,
o prazo prescricional fluirá normalmente. Diferentemente, se o objeto
da obrigação for indivisível (ex.: um cavalo de raça), a suspensão da
prescrição em face dos credores beneficiará todos os demais.

Compreendidas essas causas que podem impedir e suspender o transcurso


do prazo prescricional, passamos agora ao estudo da interrupção da prescrição.

ATENCAO

A Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, que dispõe sobre o Regime Jurídico


Emergencial e Transitório das Relações Jurídicas de Direito Privado (RJET) no período
da pandemia do coronavírus (Covid-19), previu nova circunstância de impedimento e
suspensão dos prazos prescricionais, nos seguintes termos:

Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou


suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até
30 de outubro de 2020.
§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses
específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos
prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.
§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista
no Art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)
(BRASIL, 2020, s.p.).

2.2.2 Causas que interrompem a prescrição


As causas de interrupção da prescrição diferem das causas suspensivas
e impeditivas em vários aspectos. A primeira grande diferença é que “no
impedimento e na suspensão, o prazo não começa (impedimento) ou para
(suspensão) e depois continua de onde parou. Já na interrupção, o prazo para e
volta ao início” (TARTUCE, 2016, p. 326). Ou seja, no impedimento, e especialmente
na suspensão, o prazo é paralisado, e volta a correr de onde parou (se faltavam
dois meses para encerrar o prazo prescricional, encerrada a causa de suspensão,
a pessoa só terá dois messes para exercer sua pretensão). Já a interrupção não só

210
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

paralisa o prazo, como também o zera. Assim, se a causa interruptiva se der há


dois meses do fim do prazo prescricional, ela terá o condão de devolver todo o
prazo para o titular da pretensão. Nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho
(2015, p. 525):

A diferença entre a interrupção e a suspensão da prescrição é que,


enquanto na segunda o prazo fica paralisado, na primeira ‘zera-se’
todo o prazo decorrido, recomeçando-se a contagem ‘da data do ato
que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper’
(parágrafo único do Art. 202 do CC-02). Assim, transcorridos dois
anos do prazo prescricional para se formular uma pretensão, via ação
ordinária de cobrança (prazo máximo de dez anos no CC-02), por
exemplo, e verificada posteriormente uma causa interruptiva, todo o
lapso temporal recomeça ‘do zero’.

Além disso, “o impedimento e a suspensão envolvem situações entre


pessoas; enquanto que a interrupção da prescrição está relacionada a atos de
credor e devedor” (TARTUCE, 2016, p. 326). Ou seja, como você estudou no item
anterior, a suspensão e o impedimento dependem de situações e relações, em geral
decorrentes de questões não relacionadas ao negócio e no âmbito extrajudicial.

Por outro lado, os atos que geram a interrupção são praticados


deliberadamente com o fim de dar andamento na busca da pretensão. Em geral,
estes atos são praticados na esfera judicial, entretanto, no Código Civil estão
elencadas práticas extrajudiciais que também podem interromper a prescrição.

Além disso, o caput do Art. 202 prevê que a interrupção somente poderá
ocorrer uma vez. Ou seja, enquanto a suspensão pode ocorrer tantas vezes quanto
surgirem suas causas, a interrupção incidirá apenas uma vez sobre o prazo
prescricional. Entretanto, consoante comentam Farias e Rosenvald (2017, p. 750,
grifos do original):

A norma é lacônica, exigindo um exercício interpretativo cuidadoso.


A propósito do tema, frisa-se que, apesar da imprecisão do texto,
afigurasse-nos evidente que a i8nterrupção única somente atinge as causas
extrajudiciais (o protesto cambial e a confissão de dívida), não sendo
possível incidir sobre as hipóteses judiciais interruptivas.

Como você poderá perceber na sequência, ao estudar quais as causas


interruptivas previstas na lei, a observação dos autores é muito pertinente pois,
conforme eles mesmo complementam, “o mais relevante propósito da interrupção
da prescrição fora do processo é, exatamente, tender à propositura da ação”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 751).

211
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Vejamos, então, as causas interruptivas elencadas no Código Civil de 2002:

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer


uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação,
se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou
em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da
data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a
interromper (BRASIL, 2002, s.p)

A primeira causa elencada de interrupção da prescrição é a mais


tradicional: o despacho do juiz recebendo a demanda ajuizada. Para compreender
como funciona a interrupção nesses casos, é importante também a leitura do §1º
do Art. 240 do Código de Processo Civil:

Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo


incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui
em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
§ 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a
citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data
de propositura da ação (CÓDIGO CIVIL, 2002, s.p)

O que a combinação desses artigos quer dizer que, ajuizada a demanda, ou


seja, protocolada a ação, dentro do prazo prescricional, sendo ela admitida pelo
juiz com a determinação da citação da parte contrária, mesmo que este despacho
se dê após encerrado o prazo prescricional, considera-se que a prescrição foi
interrompida na data em que a ação foi proposta, e não na data que o juiz deu
o despacho. Isso porque, nos dias atuais, o número de demandas que ingressa
diariamente nas varas judiciais dificilmente permite que o magistrado analise e
despache o processo no mesmo dia em que ele chega. Sobre o ponto, Farias e
Rosenvald (2017, p. 748, grifos do original) esclarecem que:

Trata-se de despacho judicial realizando um juízo de admissibilidade


positivo da causa, admitindo a formação da relação jurídica processual
e determinando a citação do réu. É o famoso despacho ‘cite-se o réu’ [...].
Merece referência o fato de que a interrupção da prescrição, decorrente
do despacho judicial, retroage à data da propositura da ação, impedindo
que o interessado seja prejudicado pela demora do magistrado em
despachar o processo.

Observação importante para os dias atuais é trazida por Tartuce (2016, p.


330). Lembra que “a instauração de procedimento arbitral também interrompe a
prescrição, conforme inclusão que foi realizada na Lei de Arbitragem, por força da
recente Lei 13.129/2015”. Assim, a submissão da demanda à arbitragem também
tem o poder de interromper a prescrição.
212
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

O inciso II do artigo em comento trata do protesto judicial. Ou seja,


quando da instauração do procedimento de protesto judicialmente, mesmo não
se tratando da demanda principal, o despacho deferindo a citação também terá o
condão de interromper a contagem do prazo prescricional.

Por sua vez, o inciso III versa sobre o protesto de cambial, ou seja, aquele
efetuado nos cartórios de protesto. É, portanto, uma causa extrajudicial de
interrupção da prescrição.

Exatamente em razão dessa disposição, nasce a polêmica sobre o disposto


no caput do artigo: se a interrupção só ocorre uma vez, feito o protesto extrajudicial,
e não sendo cumprida a obrigação, o prazo volta e continua a correr, mesmo que
ajuizada a demanda pertinente? Naturalmente que não. As reflexões e soluções a
essa questão são bem descritas e explicadas por Tartuce (2016, p. 330-331, grifos
do original):

Mas há um problema relacionado a essa interrupção, que, segundo o


Código de 2002, somente poderá ocorrer uma vez. Pois bem, imagine-
se um caso em que houve o protesto cambiário (art. 202, inc. II, do
CC/2002), o que gera a interrupção da prescrição. Com a propositura
da ação (art. 202, inc. I, do CC/2002), o prazo continuará a fluir? Se
a resposta for afirmativa, o autor deverá receber seu crédito até o
final do prazo, sob pena de extinção da pretensão. É essa a melhor
interpretação? Acreditamos que não. Dois são os caminhos a seguir
para responder negativamente. O primeiro caminho é apontado por
Caio Mário da Silva Pereira. Para esse autor, tem que se entender
que nos casos de protesto (judicial ou extrajudicial) a citação para o
procedimento definitivo (ação para cobrança, por exemplo) não perde
o efeito interruptivo (dualidade de interrupções da prescrição). Diz Caio
Mário, para chegar a essa conclusão, que ‘nenhuma lei pode receber
interpretação que conduza ao absurdo’. Como segundo caminho, pode-
se entender que a ação proposta suspende a prescrição, conforme o
art. 199, I, do CC, eis que a ação é uma condição suspensiva. A última
proposta é a mais condizente com o texto legal, eis que está amparada
naquilo que a codificação consagra.

O inciso IV trata, basicamente, da atitude do credor de apresentar seu


direito em um procedimento em que se está discutindo a destinação dos bens do
devedor. De acordo com Farias e Rosenvald (2017, p. 749):

[...] trata-se da simples e pura habilitação do interessado no


procedimento de inventário, para a partilha de bens deixados
por pessoa falecida, ou em procedimento judicial de falência ou
insolvência civil. A simples apresentação de uma petição, habilitando
o interessado serve para a interrupção da prescrição.

O quinto inciso é uma cláusula supletiva. Aponta que qualquer ato judicial
que constitua em mora o devedor é suficiente para interromper a prescrição. Isso
ocorre, por exemplo, nos casos do ingresso de ações de notificação ou interpelação
judicial. Muito importante perceber que o dispositivo fala em ato judicial, assim,
conforme adverte Tartuce (2016, p. 331, grifos do original):

213
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Deve ficar claro que a notificação extrajudicial, via cartório de títulos


e documentos, não gera a interrupção da prescrição, pela ausência de
previsão legal específica. O mesmo pode ser dito quanto a qualquer ato
extrajudicial promovido pelo credor com esse objetivo, caso de uma
carta enviada pelo correio.

O último inciso inverte a lógica dos precedentes. No caso do inciso VI, é


o devedor que da causa à interrupção da prescrição com alguma atitude sua. Em
geral, um reconhecimento da dívida, por meio de uma confissão ou então alguma
oferta para purgação da mora (ou seja, para o pagamento do atrasado). Tartuce
(2016, p. 331) traz, ainda, como exemplos, “o pagamento de juros ou de cláusula
penal, o envio de correspondência reconhecendo a dívida, o seu pagamento
parcial ou total, entre outros. Essas condutas podem ocorrer no plano judicial ou
extrajudicial”.

O enunciado 416 do CJF apresenta mais uma situação em que o devedor


pode dar causa à interrupção da prescrição, nos seguintes termos: “A propositura
de demanda judicial pelo devedor, que importe impugnação do débito contratual
ou de cártula representativa do direito do credor, é causa interruptiva da
prescrição” (CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL, s.d., s.p.).

Por fim, o parágrafo único do Art. 202 dispõe sobre o momento em que
o prazo prescricional volta a fluir. Basicamente, se o ato realizado é único, assim
que feito, será realizada a interrupção e o prazo voltará a correr do zero. Se o ato
se realiza por meio de um processo, o prazo zerado só volta a correr ao final deste.
Farias e Rosenvald (2017, p. 750) explicam que:

[...] uma vez interrompida a prescrição, voltará a fluir o prazo a


partir da data que a interrompeu (nas hipóteses de protesto cambial e
confissão de dívida) ou do último ato do processo (para as hipóteses
judiciais de interrupção), como reza o parágrafo único do art. 202 da
Codificação Reale. Exemplificando: se alguém sofreu colisão em seu
veículo e, pretendendo cobrar do autor do fato indenização pelos
danos sofridos, propõe a ação reparatória dois anos depois do fato,
haverá, com o despacho do juiz no processo mandando citar o réu,
interrupção do prazo (CC, art. 202, I). Quando ocorrer o último ato do
processo, que é a formação da coisa julgada (qualidade que reveste
os efeitos que decorrem de uma decisão judicial contra a qual não
mais cabe recurso), voltará a fluir o prazo prescricional, retornando
ao início. Ou seja, considerando que o prazo prescritivo nesse caso
exemplificado é de três anos, significa que a parte autora terá, agora,
três anos para propor ação de execução para concretizar o seu direito
reparatório que foi reconhecido na sentença.

Interessante disposição é a do Art. 203, que diz: A prescrição pode ser


interrompida por qualquer interessado. Isso quer dizer que se o credor estiver
inerte, outros interessados em que não ocorra a prescrição poderão tomar
medidas para interromper o transcurso do prazo. “Exemplo interessante pode
ser apresentado, lembrando do herdeiro do credor ou mesmo do credor do
credor, que possuem interesse jurídico, podendo interromper o curso do prazo

214
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

prescricional” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 751). O termo interessado não foi


delimitado pelo Código Civil de 2002, ao contrário do que fazia o de 1916. Sobre
o ponto, Tartuce (2016, p. 332) pondera que:

Cabe ao juiz, dentro das regras de equidade e razoabilidade, apontar


quem seria o interessado referido no dispositivo. Obviamente,
continuam abarcadas pelo texto genérico atual as situações antes
previstas, envolvendo o titular da pretensão, o seu representante e
aquele que tenha legítimo interesse, como no caso do cocredor, do
codevedor e dos sucessores das partes envolvidas com a pretensão.
Todavia, o modelo atual é aberto (numerus apertus), e não mais
fechado (numerus clausus).

O Art. 204 trata de regras atinentes às situações entre codevedores,


herdeiros e credores e devedores solidários. Em resumo, o Código Civil prevê
que se a interrupção é feita contra um dos devedores, ela não afeta os demais
(por exemplo, se, havendo mais de um devedor, apenas um deles é notificado
judicialmente), a favor dos quais o prazo continua correndo, do mesmo modo
se o ato é direcionado a um herdeiro destes codevedores. No caso dos credores
solidários, a interrupção feita por um, beneficia os demais, do mesmo modo que a
interrupção efetuada contra devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros
(§1º, Art. 204, CC/02).

Quando a interrupção se dá contra um dos herdeiros de um devedor


solidário, não atinge os outros herdeiros ou devedores, continuando o prazo a
correr, a não ser que a obrigação seja indivisível (§2º, Art. 204, CC/02). Por fim,
o §3º do dispositivo em comento dispõe que a interrupção contra o devedor
principal também atinge o fiador, não sendo necessário, portanto, que os atos de
interrupção sejam dirigidos para ambos.

Um outro aspecto importante de se conhecer quanto à prescrição diz


respeito à chamada prescrição intercorrente. “Nada mais é do que a perda da
pretensão interna em um procedimento judicial, decorrente, assim, da demora
na prolação da sentença pelo juiz da causa. Isto é, trata-se de uma prescrição
interna, endógena, ocorrida dentro da relação processual, contada a partir
da data da propositura da ação” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 758). A
prescrição intercorrente assume relevância em especial no âmbito do direito
penal, pois “o particular (autor da ação e titular da pretensão) não pode, a toda
evidência, ser prejudicado pela demora do Estado-Juiz em julgar a demanda”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 758). Entretanto, é possível a admissão da
prescrição intercorrente na esfera civil em alguns procedimentos específicos,
como as execuções fiscais, ou em razão do abandono (quando o autor deixa de
impulsionar o feito quando este depende dele para prosseguir). Nesse sentido,
Farias e Rosenvald (2017, p. 759) explicam que:

215
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

[...] é de se permitir a alegação de prescrição intercorrente quando o


próprio particular interessado (titular da pretensão), depois de iniciar
o processo, o abandona sem impulso, deixando, culposamente, de
imprimir continuidade. Nesse caso, abandonado o andamento do feito
por tempo suficiente para que tivesse se operado a prescrição, caso o
juiz tivesse sentenciado, estará caracterizada a prescrição intercorrente.

Pode-se mencionar, ainda, que o Art. 921 do Código de Processo Civil


prevê, em seus parágrafos, a prescrição intercorrente nas execuções, sempre que
o processo for suspenso por mais de um ano.

2.2.3 A prescrição no Direito Intertemporal


É possível que, ainda hoje, existem pretensões decorrentes de violações de
direito ocorridas antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 e que ainda
não foram ajuizadas. Nesse caso, então, pode-se perguntar, como saber qual o
prazo prescricional? Aplica-se o do Código Civil de 1916 ou o do novo Código,
de 2002?

O próprio legislador já previu solução para estes casos, através de uma


regra de transição que está nas disposições transitórias do Código Civil de 2002,
que assim dispõe:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este
Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido
mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada (BRASIL, 2002,
s.p)

Portanto, verificada uma situação cuja pretensão nasceu antes da entrada


em vigor do novo Código, deve-se inicialmente investigar quais os prazos
prescricionais nos dois Códigos. Se o prazo no de 1916 era maior que o atual (e,
em regra, será), deve-se passar para a segunda aferição: se o tempo passado desde
o nascimento da pretensão até a entrada em vigor do novo Código é mais da
metade do prazo prescricional previsto no Código antigo. Se for mais da metade,
continua-se a contagem do prazo prescricional pelo Código de 1916. Por outro
lado, se tiver transcorrido menos da metade, o prazo será o novo. Entretanto,
atenção! No caso, o prazo prescricional do novo Código passará a ser contado
a partir da entrada em vigor deste (11/01/2003), e não da data do nascimento da
pretensão.

Por exemplo: Fulano sofreu um dano moral em 20/04/1992 e tem direito


a pedir reparação civil de quem o difamou. No Código de 1916, o prazo para
requer a reparação civil era de 20 anos. No novo Código, o prazo é de 3 anos.
Assim, diminuído o prazo, deve-se observar se já havia passado mais da metade
do prazo prescricional quando da entrada em vigor da nova codificação civil.
Entre abril de 1992 e janeiro de 2003 passou mais de dez anos, portanto aplica-se
o prazo antigo. Nesse caso, a pretensão de Fulano se extinguiu em 20/04/2012.

216
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Observe, porém que, se o dano sofrido por Fulano tivesse ocorrido em 20/04/1994,
em janeiro de 2003 haveria passado menos de 10 anos, de forma que o prazo
prescricional aplicável seria o do novo Código. Assim, a pretensão de Fulano
estaria prescrita em 11/01/2006.

Em suma-síntese: se o prazo prescricional ou decadencial foi diminuído


pelo Código Civil de 2002 e, na data em que passou a viger a referida
lei, ele já havia transcorrido mais da metade do prazo previsto na lei
anterior, continuará, então, o seu fluxo normal. Porém, se, na data de
vigência do Código de 2002, ainda não havia escoado mais de sua
metade, passará a valer o novo prazo, diminuído, fluindo desde a data
em que a lei teve vigência (ou seja, 11.1.2003) (FARIAS; ROSENVALD,
2017, p. 781).

2.3 PRAZO DE PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002


Os prazos de prescrição do Código Civil foram concentrados nos Arts. 205
e 206. Contudo, esses são apenas os do Código Civil. Em legislações especiais,
há outros prazos prescricionais, como no Código de Defesa do Consumidor, por
exemplo.

O Art. 205 prevê o seguinte: A prescrição ocorre em dez anos, quando a


lei não lhe haja fixado prazo menor. Ou seja, é uma disposição supletiva. Tudo
que for pretensão prescritível e que não se encaixar nos prazos do Art. 206 ou
de alguma legislação especial, prescreverá em dez anos. Sobre o artigo, Farias e
Rosenvald (2017, p. 763) comentam que:

Em se tratando de pretensão decorrente de direito subjetivo patrimonial


sem prazo previsto, expressamente, em lei, aplica-se, então, a cláusula
geral de prescrição que é de dez anos. É o caso da ação de sonegados
(para cobrar do herdeiro um bem que deveria ter sido apresentado
no espólio e não foi, indevidamente) e da ação de petição de herança
(para condenar alguém que está na posse da herança a devolvê-la).

O Art. 206, por sua vez, traz inúmeras situações que tem o prazo de
prescrição entre 1 (um) e 5 (cinco) anos. O §1º traz as pretensões que prescrevem
em um ano. Entre elas destaca-se a prescrição da pretensão para cobrança pelo
fornecimento de hospedagem ou alimentos em hospedarias, pensões e congêneres,
e a prescrição da pretensão do segurado contra a seguradora ou da seguradora
contra ele (aplicável aqui aos seguros privados, facultativos).

O §2º do Art. 206 traz apenas uma hipótese de pretensão que prescreve em
dois anos, que a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em
que se vencerem. Sobre o parágrafo, é importante lembrar que não corre prescrição
contra os absolutamente incapazes (Art. 198, I, CC/02), e nem entre ascendente
e descendente durante o poder familiar (Art. 197, I, CC/02). Deste modo, não
prescrevem os alimentos fixados a menor de 16 anos, e nem ao adolescente entre
16 e 18 anos se o alimentante for seu ascendente.

217
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Todavia, atingida a maioridade e perdurada a obrigação alimentar, o


jovem só poderá executar o retroativo a dois anos. Do mesmo modo, as obrigações
alimentares decorrentes de divórcio/dissolução de união estável prescreverão no
prazo fixado. Quando as obrigações alimentares decorrerem de decisão judicial,
por exemplo, em um caso em que houve morte ou incapacitação permanente
de uma vítima, deverá ser observado quem é o alimentado para ver se se aplica
a prescrição: se absolutamente incapaz, não corre o prazo, se relativamente ou
capaz, o prazo para execução dos valores é de dois anos.

ATENCAO

Apesar de os pais terem o dever de prover alimentos a seus filhos, a execução


de valores só pode ser feita em decorrência de uma decisão judicial. Portanto, se o pedido
de pensão é feito só quando a criança já conta com 10 anos, é somente a partir dali que
poderá ser cobrada.

O §3º traz as hipóteses de pretensões que prescrevem em três anos. Várias


delas estão entre as situações mais corriqueiras em termos de procedimentos
judiciais. Destacam-se: a pretensão da cobrança de aluguéis; a pretensão para
cobrança de ressarcimento de enriquecimento sem causa; a pretensão de reparação
civil; a pretensão para cobrança de títulos de crédito, quando não houver prazo
específico na lei que rege o título a ser cobrado; e, ainda, a pretensão para cobrança
de seguro obrigatório (como o seguro DPVAT e outros que a legislação exige),
entre outros.

O quarto parágrafo trata de apenas uma situação, cuja pretensão prescreve


em quatro anos. É a pretensão relativa à tutela, a partir da aprovação das contas.

Por fim, o §5º traz as pretensões que prescrevem em 5 (cinco) anos. A


primeira pretensão é a de cobrança de dívidas liquidas constantes de instrumentos
públicos ou particulares. Esta disposição é aplicável a cobranças decorrentes,
por exemplo, de contratos, ou de documentos outros que não sejam títulos de
crédito. A segunda pretensão é a dos profissionais liberais em geral, procuradores
judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da
conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato. Ou
seja, é o prazo para cobrança de advogados, de professores (quando prestando
serviço, e não como empregado de uma instituição), do serviço de médicos,
veterinários, engenheiros e outros profissionais liberais. A terceira pretensão é
a do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo. É, portanto, a
possibilidade de a pessoa que teve êxito em uma demanda judicial, seja como
autor ou como réu, de cobrar os prejuízos que teve com o processo, seja para
seu ingresso, seja para sua defesa, como por exemplo pagamento de perícias
extrajudiciais, deslocamentos, e honorários advocatícios.
218
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Estudadas todas estas regras quanto à prescrição, você deve agora


compreender o que se aplica à decadência, para ficar mais claro ainda as diferenças
entre os dois institutos.

2.4 REGRAS QUANTO À DECADÊNCIA


A decadência, também chamada de caducidade (por isso se ouve dizer,
por vezes, que algo caducou), como já destacado, “é a perda de um direito
(potestativo) pelo seu não exercício em determinado prazo, quando a lei
estabelecer lapso temporal para tanto” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 771). Ao
contrário da pretensão, o direito potestativo é um direito que depende apenas
da vontade do titular. A inércia do titular faz com que perca a possibilidade de
reclamá-lo.

Uma observação importante a se fazer é que, enquanto no que toca à


prescrição das pretensões, a regra é que, não havendo prazo fixado, o prazo será o
do Art. 205, ou seja, dez anos, quando se tratar de decadência, “não havendo prazo
em lei para o exercício de determinado direito potestativo, ele não estará sujeito à
extinção pelo não exercício, não se submetendo a decadência (nem tampouco, por
evidente, à cláusula geral de prescrição)” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 772).
Portanto, existem diversos direitos potestativos que não estão sujeitos a prazos,
como por exemplo o direito de o empregador demitir o empregado sem justa
causa, ou o direito de o mandante revogar os poderes do mandato outorgado ao
mandatário.

No que toca às regras do Código Civil atinentes à decadência, temos, como


primeira delas, a do Art. 207, que dispõe: Salvo disposição legal em contrário, não
se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem
a prescrição. Portanto, as causas de impedimento, suspensão e interrupção que
você estudou até agora, não se aplicam em geral, à decadência. Farias e Rosenvald
(2017, p. 772) advertem, porém, que “muito embora não se admita interrupção ou
suspensão do prazo decadencial, não se pode olvidar que obsta a consumação da
decadência a simples propositura da ação”.

O Art. 208, por sua vez, elenca dois dispositivos que tratam da prescrição,
mas que também são aplicáveis à decadência. São eles: o Art. 195 e o Art. 198,
inciso I, do Código Civil. Lembre-se: o Art. 195 versa sobre a possibilidade de o
incapaz, que foi prejudicado por seu representante não tomar as providências
em tempo de evitar a prescrição, demandar ação contra essa pessoa para ser
ressarcido. O inciso I, do Art. 198, por sua vez, dispõe que não corre prescrição
contra os absolutamente incapazes. Portanto, também não corre decadência
contra os absolutamente incapazes.

219
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

ATENCAO

O prazo de decadência para anulação do negócio jurídico em razão da


incapacidade relativa é de quatro anos, a contar da cessação da incapacidade (do atingimento
da maioridade, ou da desinterdição/levantamento da curatela). Portanto, apesar de a regra
geral considerar que corre a decadência contra os relativamente incapazes, o prazo só se
iniciará quando o titular do direito se tornar, ou voltar a ser, plenamente capaz.

É possível, consoante previamente estudado, que seja feita a renúncia


à prescrição. No caso da decadência, o Art. 209 dispõe que: É nula a renúncia
à decadência fixada em lei. Desse dispositivo, antes de se tratar da renúncia, o
principal ponto que deve ser destacado, é o fato que “a decadência pode ter origem
na lei (decadência legal) ou na autonomia privada, na convenção entre as partes
envolvidas com o direito potestativo (decadência convencional)” (TARTUCE,
2016, p. 334). Assim, a regra do dispositivo, ou seja, a vedação à renúncia, é
aplicável apenas à decadência quando fixada em lei. Se decorrente de contrato, a
decadência “possui caráter de ordem privada, originada da previsão das partes
em negócios jurídicos, sendo renunciável (depois de consumada) e não podendo
ser conhecida de ofício pelo juiz” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 773).

Os artigos seguintes preveem que:

Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando


estabelecida por lei.
Art. 211. Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita
pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode
suprir a alegação (BRASIL, 2002, s.p)

Com relação à primeira norma, verifica-se que, com a revogação do Art. 194,
é a mesma aplicável à prescrição. Ou seja, percebendo a ocorrência da decadência
legal, o juiz pode declará-la de ofício. Entretanto, em respeito ao contraditório,
deve sempre consultar as partes antes de extinguir o processo. A regra, porém, de
acordo com a redação legal, não se aplica à decadência contratual, a qual deverá
ser arguida pela parte interessada. Por fim, o Art. 211 salienta que mesmo sendo
convencional, a decadência poderá ser alegada em qualquer grau de jurisdição.
Não pode, entretanto, o juiz declará-la de ofício.

Em resumo, pode-se dizer que a prescrição e a decadência se diferem pelos


seguintes pontos: a) a prescrição extingue a pretensão, enquanto a decadência
extingue um direito potestativo; b) a prescrição pode ser renunciada, enquanto
a decadência legal não pode; c) a prescrição tem os prazos previstos em lei e
não podem ser alterados, enquanto a decadência pode ser fixada por meio de
acordo entre as partes; d) a prescrição deve ser declarada de ofício pelo juiz, do
mesmo modo que a decadência legal; porém a decadência convencional deve ser

220
TÓPICO 2 — DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

arguida pelas partes; e) os prazos de prescrição podem ser impedidos, suspensos


ou interrompidos, enquanto a decadência depende de disposição legal expressa
para isso; f) os prazos de prescrição são todos em anos, enquanto os de decadência
podem ser dias, meses, anos, ano e dia; g) a prescrição está relacionada a direitos
subjetivos, atingindo ações condenatórias, enquanto a decadência está relacionada
a direitos potestativos, atingindo ações constitutivas e desconstitutivas.

2.5 AÇÕES E DIREITOS IMPRESCRITÍVEIS


Apesar de tudo que você estudou até agora, existem ações e direitos
imprescritíveis ou que não estão sujeitos à decadência. São tipos de ações e
direitos que pela sua natureza não admitem um prazo para que sejam exercidos.
Típico exemplo dessas ações são as meramente declaratórias, como a declaração
de nulidade, estudada na unidade 2, que por ter caráter de ordem pública, não
tem prazo para ser veiculada. Farias e Rosenvald (2017, p. 763) lembram que:

Por igual, também não se submetem a prazos prescricionais as


pretensões condenatórias extrapatrimoniais. Por isso, não há qualquer
lapso de extinção para que se reclame contra quem, indevidamente,
estiver a utilizar o nome ou a imagem de outrem, ilustrativamente.
Em se tratando de direito da personalidade (e, por conseguinte, de
interesse extrapatrimonial), não haverá qualquer prazo de prescrição.

Além das nulidades e dos direitos de personalidade, tem-se, dentre


outros, como imprescritíveis os direitos relativos ao estado da pessoa (filiação,
condição conjugal, por exemplo), os direitos de família no que tange à pensão
alimentícia, à vida conjugal ou ao regime de bens, a pretensão de divisão da coisa
entre condôminos. Portanto, apesar de a maior parte dos direitos e pretensões
terem prazo para serem exercidos, existem exceções que podem ser identificadas
pela sua própria natureza.

221
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A prescrição e a decadência são consequências do decurso do tempo e, portanto,


caracterizam-se como fatos jurídicos em sentido estrito ordinários.

• A prescrição e a decadência são uma sanção para o titular do direito que


permanece inerte.

• A prescrição é a perda de uma pretensão.

• A decadência é a perda de um direito potestativo.

• A pretensão nasce com a violação de um direito e é o poder de exigir,


coercitivamente, que outrem cumpra um dever jurídico que tem para consigo.

• Direito potestativo é aquele que confere ao titular um poder de influenciar


na esfera jurídica da outra parte, a partir de uma manifestação de vontade
unilateral, tendo aquela que se submeter a ela.

• A prescrição atinge as ações condenatórias.

• A decadência atinge as ações constitutivas e desconstitutivas.

• A contagem do prazo prescricional se inicia, em regra, com a violação do


direito; a jurisprudência, entretanto, entende que em certos casos o prazo só
começa a correr quando a parte toma ciência do dano.

• A prescrição pode ser renunciada após a sua consumação, enquanto a


decadência legal não pode.

• A prescrição só pode ser fixada por lei.

• A prescrição e a decadência podem ser alegadas em qualquer grau de jurisdição


ordinária.

• A prescrição pode ser impedida ou suspensa, e a suspensão pode ocorrer


inúmeras vezes, voltando o prazo sempre a correr de onde parou.

• A prescrição pode ser interrompida, mas a interrupção só ocorre uma vez, e faz
com que o prazo volte a correr do zero.

222
• A decadência, em regra, não é impedida, suspensa ou interrompida.

• A decadência não corre contra os absolutamente incapazes.

• A decadência pode ser prevista convencionalmente.

• Existem direitos e ações que são imprescritíveis.

223
AUTOATIVIDADE

1 A principal diferença entre a prescrição e a decadência dias respeito ao


que elas fulminam. No caso da prescrição, são pretensões, mantendo-se
incólume o direito (tanto que a prescrição pode ser renunciada). Por sua
vez, a decadência atinge o próprio direito potestativo da parte. Analise as
seguintes situações e identifique se é uma situação geradora de pretensão
(1) ou situação em que há um prazo vinculado a um direito prestativo (2):

( ) Diego pegou dinheiro emprestado de José e, no dia combinado para a


devolução, não pagou.
( ) Guilherme fez uma cadeira para Andréa e no contrato foi previsto que ela
teria 45 dias para reclamar de qualquer defeito visível.
( ) Hugo ganhou um voucher para comer uma pizza de graça que poderia ser
usado em dentro de 30 dias.
( ) Julia rasgou o vestido de formatura de Débora.
( ) O aluguel de Fábio venceu dia 10 sem que ele o tenha pago.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) 2 – 1 – 1 – 2 – 2.
b) ( ) 1 – 2 – 2 – 1 – 1.
c) ( ) 1 – 1 – 1 – 2 – 2.
d) ( ) 1 – 2 – 2 – 2 – 1.

2 Os prazos para anulação de negócios jurídicos são decadenciais, posto que


a parte prejudicada tem o direito potestativo de anular o negócio viciado. Se
Ricardo, nascido em 03/03/2002, adquire, em 06/04/2018, sem a assistência
de seus representantes legais, um carro e, tempos depois, arrepende-se
do negócio, em razão da sua falta de capacidade na época da compra, ele
poderá ingressar com ação até:

a) ( ) 06/04/2024.
b) ( ) 03/03/2024.
c) ( ) 06/04/2022.
d) ( ) 03/03/2022.

3 A prescrição se consolida quando encerrado o prazo para o exercício de uma


pretensão. Ela serve como uma punição para a parte que permanece inerte,
mesmo tem direito de reclamar uma obrigação. Os prazos prescricionais
estão previstos nos Arts. 205 e 206 do Código Civil de 2002. Entretanto,
existem situações que afetam a contagem desses prazos, são elas as causas
impeditivas e as interruptivas. Analise cada situação em relação à contagem
dos prazos prescricionais, e classifique as assertivas a seguir em V, se
verdadeiras e F, se falsas:

224
( ) Daiana nasceu em 18/07/2006. Em 25/10/2007 o juiz condenou o seu pai,
Artur, a pagar-lhe pensão alimentícia. Artur não está pagando a pensão
de Daiana desde o mês de julho de 2013. Em julho de 2015 prescreveu a
pretensão de Daiana cobrar as pensões atrasadas por seu pai.
( ) Willian, nascido em 05/05/2002, teve seu celular quebrado por um colega
de aula no dia 10/10/2018. Willian poderá ingressar com ação de reparação
civil contra o colega até o dia 11/10/2021.
( ) Renata, através de instrumento particular, emprestou R$ 10.000,00 para
Lucas, que deveria devolver o valor em 07/07/2014. Lucas não pagou Renata
na data acordada. Em 20/09/2016 Renata e Lucas casaram-se, mas, três anos
depois, em 20/09/2019, divorciaram-se. Quando do divórcio, Lucas ainda
não tinha pago a dívida com Renata, mas ela não poderá mais cobrá-lo, pois
a dívida já havia prescrito.
( ) Heitor foi lesionado por Fábio durante uma briga em 18/09/2015. Heitor
ajuizou ação criminal contra Fábio. O processo criminal só teve a sentença
tornada definitiva em 20/06/2019. Heitor poderá ingressar com a ação de
reparação civil contra Fábio até 21/06/2022.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – F – V.
b) ( ) V – F – V – F.
c) ( ) F – F – V – V.
d) ( ) V – V – F – F.

4 Além das causas impeditivas e suspensivas, o prazo prescricional pode


também ser afetado por causas de interrupção. Sobre a interrupção e os
fatores que a diferenciam da suspensão e do impedimento, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Enquanto a suspensão depende da citação válida para surtir efeitos, a


interrupção se inicia assim que realizado o protesto.
b) ( ) Enquanto a suspensão decorre da atuação das partes, a interrupção tem
relação com causas externas.
c) ( ) Enquanto a interrupção pode ocorrer inúmeras vezes até o encerramento
do prazo, a suspensão só pode ocorrer uma vez.
d) ( ) Enquanto na interrupção o prazo é zerado, na suspensão ele é apenas
paralisado, voltando a contar de onde parou.

5 O atual Código Civil entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003 e, com relação


aos fatos ocorridos antes da sua vigência, teve que determinar regras de
transição, para se saber se aplicável, em termos de prescrição, os prazos do
Código anterior, ou os do novo. Diante das regras de transição previstas no
Código, bem como do entendimento doutrinário consolidado sobre o tema,
analise a seguinte situação: Gustavo, com 24 anos na época, foi atropelado
em 10/02/1992. O Código Civil de 1916 previa um prazo de prescrição de 20
anos para se requerer a reparação civil, enquanto o Código atual prevê um
prazo de apenas 3 anos. Pode-se dizer, então, que, no caso:

225
a) ( ) A pretensão de Gustavo prescreveu em 11/01/2006.
b) ( ) A pretensão de Gustavo prescreveu em 11/02/1995.
c) ( ) A pretensão de Gustavo prescreveu em 11/02/2012.
d) ( ) A pretensão de Gustavo prescreverá em 11/01/2023.

226
TÓPICO 3 —
UNIDADE 3

DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

1 INTRODUÇÃO
Durante o estudo dos temas anteriores, provavelmente, em algum
momento, você se perguntou: como provar isso? Pois, sabemos que quando as
partes não estão de acordo e é necessário que um fato ou negócio jurídico seja
levado ao judiciário para que se resolva alguma controvérsia, a parte que alega
um fato terá que prová-lo perante o juiz. No presente tópico, então, você irá
estudar os meios de provas referentes aos negócios jurídicos, as quais poderão
ser utilizadas tanto para as relações extrajudiciais, ou, se necessário, fazer prova
em um processo judicial.

2 DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO


FIGURA 3 – DOCUMENTOS

FONTE: <https://unsplash.com/photos/tn57JI3CewI>. Acesso em: 19 jul. 2020.

O legislador do Código Civil de 2002 decidiu prever uma parte específica


para tratar de provas, tema tradicionalmente relegado à esfera do direito
processual. Todavia, conforme salienta Oliveira (2013, p. 500):

Compete, portanto, ao direito civil determinar os requisitos para a


validade da emissão volitiva, bem como pronunciar-se a respeito do
valor de certo meio de prova do negócio jurídico. À lei processual, fica
reservado, por exemplo, a atribuição de disciplinar o modo através
do qual os advogados dos litigantes deverão se utilizar, bem como
o tempo processual oportuno, para a demonstração da existência e
validade do negócio jurídico.

227
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

E o que é uma prova, afinal? De acordo com Gagliano e Pamplona Filho


(2015, p. 472), a prova “consiste no meio pelo qual se constata a veracidade do
negócio jurídico que se realizou, confirmando, assim a sua existência e validade”.
Por sua vez, Farias e Rosenvald (2017, p. 788) explicam que:

Etimologicamente, o termo prova deriva da expressão latina probo,


probatio, probus, querendo significar bom, reto, honrado, decorrendo,
naturalmente, o sentido de que a prova resulta no que é autêntico.
Comumente, por isso, liga-se a prova à ideia de demonstração da
veracidade de uma proposição.

A prova não pode ser confundida com a forma do negócio jurídico.


Enquanto a forma diz respeito à formação do negócio para que este tenha
validade jurídica, a prova é algo que pode comprovar a sua realização, mas não
necessariamente se confunde com a forma. Farias e Rosenvald (2017, p. 788), sobre
o ponto, esclarecem que “esta (a forma) é elemento integrante do fato jurídico
(negocial), enquanto aquela (a prova) pode ser constituída por um elemento do
negócio jurídico (como um instrumento público de contrato) ou mesmo estranho
a ele, como um outro documento ou uma perícia”.

Apesar das disposições aqui estudadas também terem relevância


extrajudicial, no âmbito da comprovação da realização dos negócios jurídicos.
A maior importância quando se fala de provas é para a instrução processual.
Afinal, a prova serve “como fundamento, lastro necessário, para a demonstração
de determinadas situações (existência ou não de um contrato, por exemplo) e
deliberação sobre determinados acontecimentos (decisão judicial resolvendo um
conflito de interesses)” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 789).

Importante assinalar que, nesta disciplina você estudará apenas as provas


e regras elencadas no Código Civil. Reserva-se às disciplinas de processo civil
o estudo mais aprofundado das provas e a forma como elas podem ou são
apresentadas e produzidas no curso de uma ação judicial.

O Código Civil elencou cinco meios de prova pelo qual é possível provar
os negócios jurídicos. Vejamos:

Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico
pode ser provado mediante:
I - confissão;
II - documento;
III - testemunha;
IV - presunção;
V – perícia (BRASIL, 2002, s.p)

Agora você estudará cada um desses tipos de provas que foram elencados
no Código Civil, alguns tendo regulamentação explícita e outros não.

228
TÓPICO 3 — DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

2.1 CONFISSÃO
De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 473), “a confissão é o
reconhecimento livre da veracidade do fato que a outra parte da relação jurídica
ou do próprio negócio pretende provar”. Ou seja, é quando alguém admite que é
verdade o que a outra parte alega com relação à sua conduta, em geral incidindo
em uma consequência desfavorável para o confitente.

É interessante observar que a confissão é “ato jurídico em sentido


estrito [...]. Ou seja, é um acontecimento emanado da vontade humana – livre
e desembaraçada – que tende a produzir os efeitos (desejados pelo confitente)
previstos em lei” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 818).

A confissão pode ser feita “[...] em juízo (através de depoimento pessoa


da parte) ou fora dele, por meio de declaração da parte, por exemplo” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 817). Portanto, uma declaração expressa, mesmo que não
tomada em juízo, pode se caracterizar como confissão.

Farias e Rosenvald (2017, p. 817) elencam, como requisitos da confissão:


“[...] a disponibilidade do direito, a declaração de vontade do confitente,
a inexigibilidade de forma especial para a prova do fato que se confessa e,
finalmente, a capacidade civil (genérica e especial) de quem confessa”.

A confissão deve ser normalmente expressa. Admite-se, porém, a


confissão tácita, quando decorrente de atos que permitem chegar a esta conclusão.
A confissão também pode ser espontânea, quando feita pelo confitente sem
provocação; ou, provocada, se foi feita após algum tipo de estímulo.

O Código Civil regulou a confissão em dois artigos. O primeiro, Art.


213, menciona o seguinte: Não tem eficácia a confissão se provém de quem
não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados. Ou seja,
“somente o titular da relação jurídica de direito material pode confessar, em
razão das consequências gravosas que podem se deitar sobre a sua esfera jurídica
de interesses” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 819).

O parágrafo único, do artigo supracitado, prevê que se feita a confissão


por um representante, somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o
representado. Isso quer dizer que é possível que a confissão seja feita por meio
de representante, mas ela só será válida na medida que os poderes outorgados a
autorizem. Caso a confissão seja efetuada por quem não tem poderes para fazê-la,
ela será ineficaz.

O Art. 214, por sua vez, dispõe que: A confissão é irrevogável, mas pode
ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação. Gagliano e Pamplona Filho
(2015, p. 474), comentando esse dispositivo, explicam que:

229
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

No primeiro caso, o confitente reconhece o fato por força da violência


psicológica sofrida (“confesse ou você morre!”). Note-se que, se a
coação for física, traduzida no emprego de energia corporal sobre o
corpo da vítima, o ato deixa de ser simplesmente anulável, e passa a
ser inexistente [...].
Ocorre erro de fato, por sua vez, quando o declarante se equivoca
sobre a natureza do negócio, suas qualidades essenciais, seu objeto,
ou quanto à pessoa do outro declarante, e culmina por confessar, por
engano, fato inverídico, não condizente com a realidade.

Portanto, apenas nesses casos é possível desconsiderar a confissão


efetuada, uma vez que é a palavra do próprio interessado sobre o negócio jurídico.
Para que seja anulada a confissão, é necessário o ajuizamento de procedimento
judicial, sendo a “ação rescisória – se já houve o trânsito em julgado da decisão
prolatada no processo em que se deu a confissão – ou de ação anulatória – se
não se deu ainda a formação da coisa julgada ou se a confissão foi extrajudicial”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 818).

Apesar de já ter sido considerada a “rainha das provas”, a confissão, hoje,


“tem valor probante relativo, submetendo-se ao livre convencimento do juiz,
que a ela não se vincula, podendo retirar das demais provas dos autos o seu
convencimento” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 820). Portanto, o fato de haver
uma confissão em um processo não é sinal absoluto de êxito da parte contrária.
Pode ser que, do conjunto probatório, o magistrado convença-se de outra versão
dos fatos.

2.2 DOCUMENTO
Os documentos são amplamente usados como provas, uma vez que
admitem o registro dos negócios jurídicos, ou de parte deles, de forma diversa.
Conceitualmente, pode-se dizer que documento é “[...] um escrito representativo de
determinado fato jurídico” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 475, grifos
do original).

Os documentos podem ser classificados entre públicos ou particulares.


São públicos “quando formados por oficial público, no exercício de suas funções
e na forma da lei (guias de recolhimento de impostos, v.g.)” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015, p. 475). Em outras palavras: é um documento emitido
por alguém, ou algum órgão, que atua na esfera pública, e segundo as suas
atribuições. Por exemplo, uma certidão expedida por um chefe de secretária
de cartório judicial sobre um processo que tramita na vara em que atua, é um
documento público. Agora, se esse mesmo chefe de secretaria, enquanto está indo
para o trabalho, testemunhar um acidente de trânsito e, a pedido da vítima, fizer
uma declaração sobre os fatos, esta declaração, mesmo que por escrito, não é um
documento público, pois não tem relação com as funções públicas da pessoa que
a emitiu. Segundo Farias e Rosenvald (2017, p. 823):

230
TÓPICO 3 — DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

Documento público é aquele lavrado por oficial estatal, com poderes


para tanto, dando conta de determinado fato ou notícia extrajudicial e
lançado em seus livros e notas, dotado de fé pública. Ou seja, certificam
situações fáticas ocorridas, podendo dizer respeito desde simples
confissões de dívidas e protestos de títulos (conteúdo patrimonial) até
assentos de matrimônio ou óbito (conteúdo pessoal).

Por outro lado, os documentos são particulares “quando formados por


particulares ou por quem atue nesta qualidade (aviso de cancelamento de plano
de saúde por expiração de prazo sem pagamento)” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 475). Ou seja, pode ser considerado, por exclusão, que documento
particular é todo e qualquer documento que não seja público.

Os documentos, em sentido amplo, não necessariamente são feitos no


intuito de provar alguma relação jurídica. Um esboço, uma troca de e-mails, uma
lista, fotos, podem ser considerados documentos aptos a provar determinados
fatos. Entretanto, por medida de segurança jurídica, é possível elaborar
documentos com a finalidade específica de fazer prova de um negócio jurídico.
Esse tipo de documento é chamado de instrumento.

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 475, itálicos no original),


“o instrumento público (lavrado por oficial) ou particular (firmado pelas próprias partes)
possui significado jurídico próprio, sendo espécie de documento, formado com
o propósito de servir de prova do ato representado”. Portanto, o instrumento é um
documento feito com uma finalidade específica.

O principal exemplo de instrumento que se tem é o contrato escrito: ele é


elaborado com a finalidade de registrar os termos da negociação, e serve de prova
de que o negócio foi feito e sobre o que as partes acordarão. Além do contrato,
são também instrumentos os recibos, as procurações, as atas, entre outros. Os
instrumentos configuram “prova pré-constituída” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2015, p. 475). Isso quer dizer que a parte que faz uma alegação pautada
em prova documental insculpida em um instrumento deve apresentá-lo no
primeiro momento que falar nos autos (salvo justificativa plausível), sob pena
de preclusão. “Em conclusão, pode-se afirmar que documento é gênero, e
instrumento é espécie” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 475).

Apesar de relacionarmos documentos com papéis, atualmente, nem


sempre o documento terá uma forma física. É comum que os contratos, recibos,
comprovantes, entre outros documentos, estejam em meio eletrônico. Isso
não impede que seja considerado como prova, estando passível dos mesmos
questionamentos que estariam os documentos em papel, como quanto à
autenticidade. Farias e Rosenvald (2017, p. 821) anotam que:

O documento eletrônico não se resume a escritos, podendo se


materializar através de outros meios, como um desenho, uma
fotografia digitalizada, vídeos etc. Tudo, enfim, que tenha idoneidade
para representar um acontecimento, estando armazenado em arquivo
digital. Abrange-se, inclusive, o e-mail, como meio idôneo a provar
determinados fatos.
231
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Um dos documentos que pode ter maior peso como prova em um processo
é a escritura pública. Isso porque, conforme o Art. 215, caput, a escritura pública,
lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova
plena. O fato de a escritura pública ter fé pública e fazer prova plena, que dizer
que, no que toca às declarações e à forma, gozam de uma presunção absoluta de
veracidade, só estando passíveis de questionamento se comprovada grave fraude
e violação de deveres do tabelião responsável pelo documento. Isso não quer dizer,
porém, que tudo que envolve o negócio jurídico insculpido na escritura não seja
questionável. O que é declarada pelo tabelião faz prova plena, mas o que houve
por traz, antes de as partes declararem tal conteúdo perante o oficial público, é
passível de questionamento (por exemplo, uma coação, ou uma simulação).

Em seus parágrafos e incisos, o Art. 215 apresenta requisitos que a escritura


pública deve observar, para que surtam seus efeitos. Dentre eles, pode-se destacar
a necessidade de que constem o local e a data da sua realização, o reconhecimento
da identidade e capacidades das partes e testemunhas, a qualificação de todos os
envolvidos presentes, a manifestação da vontade em si, referência ao pagamento
de eventuais tributos inerentes ao negócio, declaração de que o documento foi
lido para ou pelos envolvidos e a assinatura das partes e demais presentes.

Acaso uma das partes não souber ou não puder assinar, outra assinará
a seu rogo. Ainda, prevê-se que é obrigatório a escritura ser redigida na língua
nacional e, caso algum dos envolvidos não a entenda, poderá ser chamado
intérprete.

Tendo em vista que estamos tratando de provas, é importante saber


que as certidões expedidas por escrivão têm o mesmo valor das peças originais
do processo (Art. 216, CC/02). Do mesmo modo, as certidões expedidas pelos
tabeliães ou oficiais de registro quando extraídas dos seus livros (Art. 217). Esse
é o caso, por exemplo, das certidões de casamento ou de nascimento. O registro
destes fatos jurídicos fica arquivado nos livros do cartório. O que se usa para
provar a filiação ou o estado civil é uma certidão pelo oficial em que consta que o
registro daquele nascimento ou casamento estão em um dos seus livros.

Farias e Rosenvald (2017, p. 825) ensinam que “documento particular é


qualquer coisa representativa de um fato, escrita ou não, não emanada de oficial
público ou por quem estiver fazendo as suas vezes”. No que toca aos documentos
particulares, o Código Civil dispõe que:

Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados


presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.
Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições
principais ou com a legitimidade das partes, as declarações
enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus
de prová-las (BRASIL, 2002, s.p).

232
TÓPICO 3 — DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

Ou seja, se o documento particular é elaborado e assinado em partes,


ele é vinculante entre elas. Por exemplo, um recibo é um documento particular
firmado por uma parte. Ele pode ser utilizado como prova da quitação de um
débito se estiver sendo cobrado pelo seu signatário. Caso seja outra pessoa a
cobrar, o recibo perde significativamente sua força probatória. Isso porque “em
tese, aquele que subscreveu um documento, por presunção, encontra-se ciente
de seu conteúdo, motivo pelo qual se extrai a ilação de que as declarações ali
constantes são verdadeiras” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 825).

Complementando essa questão, o Art. 221 do Código Civil vem esclarecer


que, para ter efeitos perante terceiros, o instrumento particular deve ser registrado
no registro público. Por exemplo: Fulano fez um contrato particular de promessa
de compra e venda com Sicrano. Sicrano é um golpista, e dois dias depois de
prometer a venda a Fulano, faz outro contrato de compra e venda, desta vez
com Beltrana. Se, por acaso, Beltrana tomar posso primeiro do imóvel, o contrato
de Fulano, se não registrado, não servirá para afastá-la do imóvel e demarcar a
sua preferência, pois ela não tinha como saber que o já havia uma promessa de
compra e venda sobre o imóvel. Por outro lado, se o contrato de promessa de
compra e venda de Fulano tivesse sido registrado, ele poderia opor seu direito
contra ela. Veja o que diz o Código:

Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente


assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus
bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os
seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de
terceiros, antes de registrado no registro público.
Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se
pelas outras de caráter legal (BRASIL, 2002, s.p).

Existem diversos negócios jurídicos que para a sua realização, além


da manifestação de vontade das partes diretamente envolvidas, é necessária a
anuência ou autorização de outra pessoa. Isso se dá, por exemplo, nos casos de
pessoas casadas em alguns regimes de bens, ou então no caso de venda de bens
entre ascendente e descendente.

Sobre isso, o Art. 220 dispõe que: A anuência ou a autorização de outrem,


necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará,
sempre que se possa, do próprio instrumento. Ou seja, se o negócio tiver que ser
feito por escritura pública (como uma compra e venda acima de trinta salários
mínimos), a anuência deverá estar, preferencialmente na própria escritura pública
em que consta o teor do contrato e, caso não esteja, deverá ser dada por meio de
outra escritura pública.

Com relação a esse tema, é oportunamente observado, por Farias e


Rosenvald (2017, p. 827, grifos do original), que são:

233
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

[...] inaplicáveis os dispositivos legais que exigem outorga do cônjuge


para alienar ou onerar bens imóveis, independentemente do valor, bem
como para prestar aval ou fiança, nas relações convivenciais (união
estável). É que a união estável constitui união de fato, sem exigências
formais, não sendo possível exigir consentimento dos companheiros
para tais atos, sob pena de impor prejuízo considerável a terceiros.

O Art. 222, por sua vez, trata sobre o telegrama: O telegrama, quando
lhe for contestada a autenticidade, faz prova mediante conferência com o
original assinado. Isso quer dizer que “a presunção legal (relativa, logicamente)
de autenticidade do telegrama restringe-se à forma e ao que dele consta, não
podendo atingir aos fatos que estão nele consignados” (FARIAS; ROSENVALD,
2017, p. 827). Esse meio de comunicação vem caindo em desuso, razão pela
qual “[...] a jurisprudência, inclusive, já admitiu a aplicação das regras sobre o
telegrama também ao fax e ao telex. Veja-se, nessa linha de ideias, não haver
motivo para que não se estenda a referida regra também ao correio eletrônico”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 828).

O Art. 223 tem extrema relevância prática, uma vez que é corriqueiro a
utilização de cópias reprográficas para instrução dos processos. O dispositivo
legal prevê que:

Art. 223. A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de


notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada
sua autenticidade, deverá ser exibido o original.
Parágrafo único. A prova não supre a ausência do título de crédito, ou
do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem
o exercício do direito à sua exibição (BRASIL, 2002, s.p).

Ou seja, a cópia conferida (“autenticada”) vale como se fosse o documento


original. Entretanto, pode ser questionada a sua veracidade e, neste caso, a
parte que apresentou a cópia deverá trazer o documento original para aferição
e, eventualmente, perícia. Na prática, porém, relativiza-se a necessidade de
autenticação do documento, podendo o juiz valorá-lo como prova, desde que não
tenha havido impugnação.

O parágrafo único diz respeito aos títulos de crédito. Você os estudará


oportunamente, entretanto, é importante saber que eles, em geral, têm valor
quando apresentados no original. Se fosse permitido que o título (um cheque, por
exemplo) fosse cobrado por meio de cópia, abrir-se-ia a oportunidade de cobrança
repetida ou que a cártula original fosse utilizada para efetuar um pagamento,
gerando um grande imbróglio. Assim, exige-se a apresentação do original. Sobre
os títulos de crédito como prova, Farias e Rosenvald (2017, p. 830) explicam que:

[...] Como o título de crédito vale pelo que contém, regido pelos
princípios da literalidade, cartularidade, autonomia e abstração,
a exigência legal apresenta-se de significativo interesse prático,
excepcionando a regra contida no caput do dispositivo legal,
coadunando-se, ainda, como os Arts. 887 do próprio Código Civil.
Assim sendo, a produtividade de efeitos concretos pelos títulos de
crédito depende da sua apresentação no original, não sendo admitida
cópia, nem mesmo regularmente autenticada.

234
TÓPICO 3 — DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

Porém, com o advento do processo eletrônico, os tribunais têm tido que


repensar suas práticas quanto à apresentação dos originais. Alguns exigem o
depósito do documento em cartório, outros os inutilizam por meio de carimbos e
autorizam sua manutenção na posse da parte.

Para que sirvam como prova, em regra, conforme o Art. 224, os documentos
redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para o português para ter
efeitos legais no país. Portanto, “os documentos produzidos no país (inclusive
os instrumentos negociais) devem estar em língua portuguesa, garantindo
fácil acesso ao seu conteúdo por todos, além de corresponder a uma exigência
decorrente de motivações atreladas à própria soberania nacional” (FARIAS;
ROSENVALD, 2017, p. 830).

O fato de um documento ser juntado aos autos de um processo, sem


tradução, entretanto, “[...] não o torna inválido (nulo ou anulável). Na verdade,
a norma legal não diz respeito à constituição do documento, mas sim à sua
utilização concreta, especialmente em juízo, cabendo ao juiz realizar a valoração
no caso concreto” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 831). Tem sido aceita, até
mesmo por questão de economia, a juntada de documentos em línguas acessíveis
às partes e aos demais envolvidos na solução da lide (procuradores, juiz), sem
prejuízo para a causa.

Relevante para a realidade atual, em que quase todas as pessoas possuem


um celular com múltiplas funções, é a disposição do Art. 225, que trata das
fotografias, gravações de voz e filmagens. Vejamos:

Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros


fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou
eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte,
contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão (BRASIL,
2002, s.p).

Todas essas reproduções são meios de documentação de provas, pois “[...]


os documentos não se restringem à palavra escrita e podem se apresentar por
qualquer símbolo, razão pela qual afigura-se indubitável a natureza documental
das reproduções” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 832). Pela própria forma
como são elaborados, eles trazem uma verdadeira presunção de autenticidade,
de forma que, se não impugnados, fazem prova plena do que consta em seus
registros.

Do mesmo modo, entende-se hoje que “o documento eletrônico pode ser


admitido como meio de prova, salvo havendo impugnação da contraparte, hipótese em que
caberá ao magistrado valorar a prova, de acordo com o seu livre convencimento motivado”
(FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 834, grifos do original).

235
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Por fim, no que toca às provas documentais, o legislador previu que:

Art. 226. Os livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra


as pessoas a que pertencem, e, em seu favor, quando, escriturados sem
vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.
Parágrafo único. A prova resultante dos livros e fichas não é bastante
nos casos em que a lei exige escritura pública, ou escrito particular
revestido de requisitos especiais, e pode ser ilidida pela comprovação
da falsidade ou inexatidão dos lançamentos (BRASIL, 2002, s.p)

Ou seja, esses documentos elaborados pelas empresas (livros e fichas)


podem servir de prova, em regra, contra a própria empresa. Porém, se estiverem
escriturados em vícios, podem ser valorados a seu favor, desde que os seus dados
sejam reforçados por outros elementos. Sobre esse dispositivo, Farias e Rosenvald
(2017, p. 834) comentam que:

O Código Civil, em opção mais ampla do que a do legislador processual,


admite que os livros comerciais façam prova contra o seu titular ou em
seu favor, podendo serem admitidos, pois, contra terceiros. Entretanto,
vale destacar que o ônus de provar que as informações constantes dos
livros são verídicas pertence, obviamente, ao seu autor – ou seja, ao
empresário.

Os documentos são no âmbito civil, um dos mais importantes meios de


prova. É fundamental entender a natureza de cada um desses documentos para
saber como e em que momento utilizá-los, bem como o que pode ser questionado
quanto à sua validade no curso de um processo.

2.3 TESTEMUNHA
A prova testemunhal costuma ser de extrema importância para a solução
de diversos litígios. A sua regulamentação no Código Civil, entretanto, foi
significativamente afetada pela entrada em vigor, tanto do Estatuto da Pessoa
com Deficiência (Lei nº 13.146/15), como do Código de Processo Civil (Lei nº
13.105/15). Restou, apenas ainda vigente, o Art. 228, com parte de seus incisos.

Antes de analisar a norma, deve-se compreender que a “prova testemunhal


é aquela produzida mediante a inquirição de pessoas humanas – estranhas ao
processo – que possuem conhecimento (não técnico), direto ou indireto, acerca
dos fatos que interessam ao desate da causa ou que presenciam um determinado
acontecimento (ato)” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 843).

236
TÓPICO 3 — DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

Ainda, importante observar que:

[...] Distinguem-se, de modo geral, as testemunhas instrumentárias


das testemunhas judiciais, também ditas de fato. Enquanto aquelas
(instrumentárias) apenas presenciam situações jurídicas concretas,
compondo a estrutura externa de determinados negócios jurídicos,
não sendo mister que tenham conhecimento de seus motivos (exemplo
de testemunhas instrumentárias são as testemunhas de um contrato,
de um testamento ou de um casamento), estas (judiciais) presenciaram
um fato passado que se encontra sub judice e precisa ser demonstrado
com vistas ao convencimento do magistrado (FARIAS; ROSENVALD,
2017, p. 843).

O Art. 228 do Código Civil trata sobre as pessoas que não podem ser
admitidas como testemunhas, quais sejam: os menores de dezesseis anos; o
interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; os cônjuges,
os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das
partes, por consanguinidade, ou afinidade.

O fato de essas pessoas, entretanto, não poderem ser testemunhas, não é


uma vedação absoluta para que prestem seu depoimento, pois, como dispõe o §1º
do mesmo artigo “Para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir
o depoimento das pessoas a que se refere este artigo”. Isso é muito comum, por
exemplo, em casos de direito de família, quando apenas as pessoas do círculo
mais próximo dos envolvidos, sabem algo sobre os fatos. Essas pessoas não
serão testemunhas efetivamente, serão o que se chama de informantes. Ou seja,
prestarão seu depoimento sem estar submetidas ao dever de dizer a verdade,
razão pela qual o juiz deverá apreciar as suas falas de acordo com as demais
circunstâncias e provas que houver no processo.

2.4 PRESUNÇÕES
O Código Civil também menciona como meio de prova as presunções.

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 484, grifos do original):


“A presunção é a operação mental pela qual, partindo-se de um fato conhecido, chega-
se a um fato desconhecido, admitido como verdadeiro”. Os mesmos autores (2015, p.
484, grifos do original) explicam que:

As presunções legais, que mais de perto nos interessam, poderão ser:


a) absolutas (juris et de jure);
b) relativas (juris tantum).
As primeiras são inafastáveis, firmando a certeza jurídica da verdade
do fato que se pretende provar. Nos atos de alienação gratuita, em
fraude contra credores, por exemplo, firma-se a presunção da má-fé
(consilium fraudis) em caráter absoluto, exigindo-se para a obtenção da
ineficácia do ato apenas a prova do prejuízo causado (eventus damni).
As hipóteses de presunções relativas, por sua vez, são mais comuns.
Neste caso, admite-se prova em contrário.

237
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

Além das presunções legais, relativas e absolutas, também possui as


presunções comuns, que são extraídas da experiência ordinária (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2015). A aplicação desse tipo de presunção encontra
inclusive respaldo no Código de Processo Civil, nos seguintes termos: Art. 375. O
juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do
que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado,
quanto a estas, o exame pericial.

Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 485, itálicos no original) trazem o


seguinte exemplo para ilustrar a situação: “Assim, o comerciante que durante
anos, forneceu, para agradar o comprador, pequena quantidade a mais do produto
vendido, firma uma presunção da ocorrência deste fato, quando da efetivação de um
negócio, no mesmo lugar e em condições semelhantes”.

2.5 PERÍCIA
Por fim, temos a prova pericial. Ela é “destinada a elucidar fatos que exigem
percepção técnica e qualidades sensoriais especializadas dos observadores, aliadas
a conhecimentos científicos e técnicos” (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 835). É a
prova técnica, ou seja, que demanda conhecimento, habilidades e procedimentos
específicos para se chegar a alguma conclusão. São exemplos típicos de provas
periciais os exames de DNA, as medições de áreas em ações reivindicatórias, as
avaliações contábeis, os exames grafotécnicos, dentre outros.

Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 485) elencam três tipos de perícias:

a) exame: atividade técnica ou científica desenvolvida pelos peritos,


consistente na inspeção descritiva de coisas e pessoas com o propósito
de provar determinado ato ou fato jurídico;
b) vistoria: exame pericial realizado em bens imóveis;
c) avaliação: atribuição de valor a determinados bens jurídicos móveis
e imóveis, corpóreos e incorpóreos.

O responsável pela perícia, ou seja, o perito, “é o auxiliar da justiça e


desempenha um munus público, não podendo escusar-se sem justo motivo,
nem, muito menos, atuar temerariamente, sob pena de ser responsabilizado
penal, civil, e administrativamente” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p.
485). Sua atribuição é extremamente relevante, pois em muitos casos, a perícia é
determinante para a solução da lide. Apesar disso:

Merece realce o fato de que a perícia, em nenhuma situação, vincula


o magistrado, em razão do princípio da persuasão racional, podendo
ser extraído o seu juízo de valor livremente dos autos. Pode o juiz,
inclusive, dispensar a perícia se a entender desnecessária em face de
outras provas já efetivamente produzidas (FARIAS; ROSENVALD,
2017, p. 836).

238
TÓPICO 3 — DA PROVA DO NEGÓCIO JURÍDICO

As partes devem sempre colaborar com a realização das perícias. Caso


específico foi positivado no Art. 231, que dispõe que aquele que se nega a submeter-
se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. Farias e
Rosenvald (2017, p. 839), ao comentarem o artigo, observam que: “se a prova
pericial não foi realizada pela recusa imotivada da parte, de fato, não é crível,
nem admissível, possa ela, mais adiante, alegar a insuficiência ou inexistência de
prova em seu benefício, buscando favorecimento da sua própria negativa”.

O Art. 232, por sua vez, prevê que a recusa à perícia médica ordenada
pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. É uma
norma complementar à anterior. Quer dizer: além de a recusa à perícia médica
não poder ser utilizada a favor da parte, esta pode, inclusive, ser usada contra si.
Antes mesmo da positivação dessa norma, já era o entendimento dos tribunais,
em especial nos casos de ações de investigação de paternidade em que os réus se
negavam a realizar o exame genético.

Feitas essas considerações breves sobre as provas dos negócios jurídicos,


encerramos esta parte da matéria.

239
UNIDADE 3 — ATO ILÍCITO, PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIAS, E PROVAS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

LEITURA COMPLEMENTAR

Não fiz o contrato, e agora?

Lauren Juliê Liria Fernandes Teixeira Alves

A ausência de um contrato bem formulado gera uma tremenda dor


de cabeça. Agora, imagine a dimensão dessa dor quando nem sequer existe o
contrato? Pois é…

Em verdade, quando a lei não exigir a forma escrita, as declarações de


vontade das partes podem perfeitamente seguir a forma VERBAL, ou seja, o
ajuste desejado pode ser feito numa informal conversa de negócios.

[...]

Veja bem, a ausência de um contrato escrito pode dificultar a manutenção


do negócio e, principalmente, quando do surgimento de eventual conflito,
dificultará o entendimento das intenções e ajustes entre as partes, embora, como
já falamos anteriormente, não seja condição indispensável para o deslinde dos
negócios. (quando não houver previsão contrária em lei)

[...]

O contrato verbal pode ser demonstrado por meio de documentos físicos


ou online (ex: e-mails ou conversas em aplicativos), onde haja a discussão de
valores, os comprovantes de depósitos e pagamentos, conversas sobre a transação
e outras situações que envolvam a negociação.

Há, ainda, a possibilidade de serem ouvidas pessoas que presenciaram as


negociações, ou que presenciaram as transações posteriores ao negócio firmado,
consideradas como testemunhas e serem apresentadas todas demais provas
possíveis ao alcance da parte, desde que consideradas idôneas.

O texto completo pode ser acessado no link: https://jus.com.br/


artigos/72126/nao-fiz-o-contrato-e-agora .

240
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A confissão é o reconhecimento da veracidade de um fato, em geral alegado


pela outra parte que prejudica o confitente.

• A confissão é irretratável.

• A confissão pode ser feita por meio de representante, desde que este tenha
poderes específicos para tanto.

• Documentos são escritos representativos de negócios jurídicos.

• Os documentos podem ser públicos ou particulares.

• Instrumentos são uma espécie de documento elaborado para servir de prova


de um ato jurídico.

• Os documentos particulares vinculam, em regra, apenas as partes signatárias;


porém, se registrados em cartório serão oponíveis a terceiros.

• Testemunha é uma pessoa não relacionada aos fatos que o conhece direta ou
indiretamente.

• Pessoas impedidas de testemunhar podem ser ouvidas em juízo como


informantes.

• As presunções podem ser legais ou comuns, bem como absolutas ou relativas.

• As perícias são provas técnicas.

• A realização de perícia médica pode ser usada em desfavor da pessoa que a


recusou.

CHAMADA

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pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

241
AUTOATIVIDADE

1 A prova é o meio pelo qual os envolvidos demonstram a veracidade do


negócio jurídico que realizaram e em que condições ele foi feito. Não é
necessariamente destinada apenas a instruir processos judiciais, tanto que
encontra regulamentação no Código Civil de 2002, que aponta diretrizes
gerais sobre as provas dos negócios jurídicos. Sobre essas provas do negócio
jurídico, analise as assertivas a seguir:

I- A confissão pode ser realizada por representante, desde que tenha poderes
para tanto.
II- Um contrato escrito é um instrumento.
III- Qualquer pessoa, mesmo que parente ou amiga íntima de uma das partes,
pode ser testemunha.

Agora assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Todas as assertivas são verdadeiras.
b) ( ) Somente as assertivas I e II são verdadeiras.
c) ( ) Somente as assertivas I e III são verdadeiras.
d) ( ) Somente as assertivas II e III são verdadeiras.
e) ( ) Nenhuma das assertivas é verdadeira.

2 Os documentos são um dos meios de prova mais amplamente utilizados


para os negócios jurídicos. Além disso, eles podem ser objeto para outros
tipos de prova (por exemplo, podem ser objeto de uma perícia) ou ser
o resultado de outras (por exemplo, a ata de tomada de depoimento de
uma testemunha é um documento). A importância dos documentos para o
universo jurídico é ímpar. Sobre esse tema, análise e assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Para que sirvam como prova, os documentos devem ser públicos ou


então terem as assinaturas reconhecidas em cartório.
b) ( ) Para que sirvam como prova, os documentos devem ser físicos, ou seja,
constar em papel.
c) ( ) Para que sirvam como prova, fotografias e vídeos devem, obrigatoriamente,
passar por perícia que afira a sua autenticidade.
d) ( ) Para que sirvam com prova plena, as escrituras públicas devem ser
lavradas em notas de tabelião.
e) ( ) Para que sirvam como prova plena, basta que as cópias reprográficas
sejam autenticadas em cartório.

242
REFERÊNCIAS
ALVES, L. J. L. F. T. Não fiz contrato, e agora? 2019. Disponível em: https://jus.
com.br/artigos/72126/nao-fiz-o-contrato-e-agora. Acesso em: 21 jun. 2020.

ASSIS, M. de. Dom Casmurro. Belém: Universidade da Amazônia, 1899.


Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000194.
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AZEVEDO, A. J. de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São


Paulo: Saraiva, 2017.

BOCCHI, L. A viés subjetiva da teoria da actio nata. 2019. Disponível em:


https://www.migalhas.com.br/depeso/301016/a-vies-subjetiva-da-teoria-da-
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BRASIL. Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico


Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no
período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L14010.htm. Acesso em: 15
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BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/
l13105.htm. Acesso em: 23 fev. 2020.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.
Acesso em: 16 nov. 2019.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do


consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 23 fev. 2020.

BRASIL. Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985. Dispõe sobre o cheque e dá


outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L7357.htm. Acesso em: 20 nov. 2019.

BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de introdução


às normas do Direito brasileiro. Brasília: Presidência da República,
2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
del4657compilado.htm. Acesso em: 21 jan. 2020.

243
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código
Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/
del2848compilado.htm. Acesso em: 18 fev. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça [STJ]. REsp 1384424/SP, Rel. Ministro


Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 11/10/2016, DJe 21/11/2016.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça [STJ]. REsp 1269544/MG, Rel.


Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 26/05/2015,
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inteiroteor/?num_registro=201101243958&dt_publicacao=29/05/2015. Acesso em:
28 nov. 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça [STJ]. REsp 1264112/PR, Rel. Ministro Ari
Pargendler, Primeira Turma, julgado em 12/11/2013, DJe 29/11/2013.
Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_
registro=201101565441&dt_publicacao=29/11/2013. Acesso em: 28 nov. 2019.

CARPENA, H. O abuso de direito no Código de 2002: relativização de direitos


na ótica civil-constitucional. In: TAPEDINO, G. O Código Civil na perspectiva
civil-constitucional: parte geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2013.

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