Você está na página 1de 18

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2020.0000592638

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de


Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em
que é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE TIETÊ, é réu PRESIDENTE DA
CÂMARA MUNICIPAL DE TIETÊ.

ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São


Paulo, proferir a seguinte decisão: "JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE EM
PARTE, COM EFEITO "EX TUNC". V.U.", de conformidade com o voto do
Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


PINHEIRO FRANCO (Presidente), EVARISTO DOS SANTOS, MÁRCIO
BARTOLI, JOÃO CARLOS SALETTI, FRANCISCO CASCONI, RENATO
SARTORELLI, FERRAZ DE ARRUDA, ANTONIO CELSO AGUILAR
CORTEZ, ALEX ZILENOVSKI, CRISTINA ZUCCHI, JACOB VALENTE,
JAMES SIANO, CLAUDIO GODOY, SOARES LEVADA, MOREIRA VIEGAS,
COSTABILE E SOLIMENE, TORRES DE CARVALHO, LUIZ ANTONIO DE
GODOY, LUIS SOARES DE MELLO, RICARDO ANAFE, ANTONIO CARLOS
MALHEIROS, MOACIR PERES E FERREIRA RODRIGUES.

São Paulo, 29 de julho de 2020.

PÉRICLES PIZA

RELATOR

Assinatura Eletrônica
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000

Autor: Prefeito do Município de Tietê


Réu: Presidente da Câmara Municipal de Tietê
Comarca: São Paulo
Voto nº 40.605

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº


3.740/2019, do Município de Tietê, que "obriga as
maternidades, casas de parto e estabelecimentos
hospitalares congêneres, da rede pública e privada do
Município de Tietê/SP, a permitirem a presença de doulas
durante todo o período pré-natal, trabalho de parto, parto
e pós-parto imediato, sempre que solicitado pela
parturiente".
Pretendida a declaração de inconstitucionalidade dos
artigos 4º e 5º do referido diploma normativo, por violação
ao pacto federativo e por criar despesa sem previsão de
custeio, bem como por violação ao princípio da separação
de poderes. Parcial inconstitucionalidade. Competência
legislativa concorrente entre a União, os Estados e o
Distrito Federal para dispor sobre proteção e defesa da
saúde (CF, art. 24, XII). Existência de legislação federal e
estadual versando sobre a matéria. Não há espaço para
inovações naquilo que a União e o Estado já definiram no
exercício de suas competências legislativas, sob pena de
violação ao princípio federativo. Sanções não previstas na
legislação federal ou estadual. Violação ao pacto federativo
(artigo 144 da CE). Precedentes deste C. Órgão Especial.
Inconstitucionalidade do artigo 4º configurada. No restante
da norma, entretanto, não verificada a eiva constitucional.
Inexiste ofensa ao princípio da separação de poderes.
Ausência de fixação de prazo para exercício do pode
regulamentar por parte do Poder Executivo. Ausência de
previsão de dotação orçamentária que não implica a
existência de vício de inconstitucionalidade, mas apenas
eventual inexequibilidade da lei no exercício orçamentário
em que aprovada. Ação parcialmente procedente.

I Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade

ajuizada pelo Prefeito do Município de Tietê, com pedido de medida

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 2


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

liminar, pretendendo a imediata suspensão da eficácia dos artigos 4º e 5º, da

Lei nº 3.740, de 04 de outubro de 2019, do Município de Tietê, que "obriga as

maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres, da

rede pública e privada do Município de Tietê/SP, a permitirem a presença de

doulas durante todo o período pré-natal, trabalho de parto, parto e pós-parto

imediato, sempre que solicitado pela parturiente" e, ao final, a declaração de

sua inconstitucionalidade.

O autor afirma que o ato impugnado encontra-se eivado

por vícios insanáveis de inconstitucionalidade, decorrentes de máculas de

ordem material.

Com efeito, argumenta-se que, ao dispor sobre a matéria

em questão e impor penalidades a seu descumprimento, a Municipalidade

teria extrapolado os limites de sua função legiferante, de forma a ferir o pacto

federativo. Aduz, ainda, que o ato normativo viola o princípio da separação de

poderes ao determinar que o Alcaide venha a regulamentar tal norma, além de

criar despesa sem indicação da respectiva fonte de custeio.

Diante disso, aduz estar a lei em comento em

descompasso com os artigos 5º, 47, inciso II e XIV, 144 e 174, inciso III,

todos da Constituição do Estado de São Paulo.

O pedido liminar foi deferido (cf. fls. 37/38).

A Câmara Municipal de Tietê prestou informações,

defendendo a constitucionalidade dos dispositivos objurgados (cf. fls. 50/57).


Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 3
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Transcorreu in albis o prazo para manifestação do

Procurador-Geral do Estado (cf. fl. 59).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça pugnou pela

procedência da ação (cf. fls. 62/71).

É o relatório.

II - Inicialmente, com a devida vênia ao i. Subprocurador

Geral de Justiça, em que pese a menção à Lei Municipal nº 3.740/2019 na

parte conclusiva de fls. 13, será analisada tão somente a constitucionalidade

dos artigos 4° e 5° da referida lei, os quais foram impugnandos

especificamente pela peça inicial.

Isto, pois, segundo consolidada jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça, à luz do disposto no parágrafo 2º do artigo 322

do Código de Processo Civil, deve-se promover a interpretação lógico-

sistemática do pedido, extraindo-se o que se pretende com a instauração da

demanda de todo o corpo da petição inicial e não apenas da leitura da sua

parte conclusiva (STJ, 2ª Turma, REsp 1.512.796/RN, rel. Min. Og

Fernandes, j. 12/12/2017; STJ, 3ª Turma REsp 1.263.234/TO, rel. Min. Nancy

Andrighi, j.11/06/2013; STJ, 4ª Turma, AgRg no REsp 526.638/SP, rel. Min.

Maria Isabel Gallotti, j. 19/02/2013).

No mérito, a ação é parcialmente procedente.

A Lei nº 3.740, de 04 de outubro de 2019, do Município


Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 4
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

de Tietê, de iniciativa parlamentar, no que concerne à presente ação, possui a

seguinte redação:

"Art. 1°. As maternidades, casas de parto e estabelecimentos

hospitalares congêneres, da rede pública e privada do

Município de Tietê/SP, ficam obrigados a permitir a presença

de doulas durante todo o período pré-natal, trabalho de

parto, parto e pós-parto imediato, sempre que solicitado pela

parturiente.

(...)

Art. 4º - O não cumprimento da obrigatoriedade instituída

no caput do artigo 1°, desta Lei, sujeitará os infratores às

seguintes penalidades:

I - advertência por escrito, na primeira ocorrência; e

II - multa no valor de 1/3 do salário mínimo, a partir da

segunda ocorrência.

III - se órgão público, o afastamento do dirigente e

aplicação das penalidades previstas na legislação

correspondente.

Art. 5° - O Poder Executivo regulamentará esta Lei após a

sua publicação, no que couber, especialmente no que tange

à delegação de competência fiscalizatória e aplicação de

penalidades (negritei)".

Pois bem.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 5


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

De proêmio, impende trazer à baila que a Carta Maior,

em seu artigo 196, descreve que “a saúde é direito de todos e dever do

Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à

redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Nesse compasso, o Ministério da Saúde introduziu nova

diretriz em seu planejamento nacional (participação de doulas durante

consultas, exames de pré-natal, pré parto, parto e pós-parto imediato, com

seus instrumentos de trabalho) para tornar o atendimento às gestantes mais

humanizados a fim de garantir e otimizar o supraprincípio constitucional da

dignidade da pessoa humana:

O Ministério da Saúde adverte: Doulas fazem bem à sua

saúde. Parto, Aborto e Puerpério - Assistência Humanizada à

Mulher (Livro do Ministério da Saúde - 2001 - páginas 64 a

67). Atribuições da acompanhante treinada.

A acompanhante treinada, além do apoio emocional, deve

fornecer informações a parturiente sobre todo o desenrolar

do trabalho de parto e parto, intervenções e procedimentos

necessários, para que a mulher possa participar de fato das

decisões acerca das condutas a serem tomadas durante este

período. Durante o trabalho de parto e parto, a

acompanhante:

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 6


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Orienta a mulher a assumir a posição que mais lhe agrade

durante as contrações:

Favorece a manutenção de um ambiente tranqüilo e

acolhedor, com silêncio e privacidade;

Auxilia na utilização de técnicas respiratórias, massagens e

banhos mornos;

Orienta a mulher sobre métodos para alívio da dor que

podem ser utilizados, se necessários;

Estimula a participação do marido ou companheiro em todo o

processo;

Apoia e orienta a mulher durante todo o período expulsivo,

incluindo a possibilidade da liberdade de escolha quanto à

posição a ser adotada.

Cabe destacar, que a prerrogativa ora em debate já vem

amparada na Lei Federal n. 11.108, de 7 de abril de 2005, que alterou a Lei

Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o

direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós

parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde SUS:

CAPÍTULO VII DO SUBSISTEMA DE

ACOMPANHAMENTO DURANTE O TRABALHO DE

PARTO, PARTO E PÓS-PARTO IMEDIATO

Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde -

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 7


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a

permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um)

acompanhante durante todo o período de trabalho de parto,

parto e pós-parto imediato.

§ 1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será

indicado pela parturiente.

“§ 2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos

direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da

lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder

Executivo.”

“§ 3º Ficam os hospitais de todo o País obrigados a manter,

em local visível de suas dependências, aviso informando

sobre o direito estabelecido no caput deste artigo.”

Há, ademais, previsão similar no Estatuto do Idoso, Lei

Federal nº 10.741/03:

“Art. 16. Ao idoso internado ou em observação é assegurado

o direito a acompanhante, devendo o órgão de saúde

proporcionar as condições adequadas para a sua

permanência em tempo integral, segundo o critério médico.

Parágrafo único. Caberá ao profissional de saúde

responsável pelo tratamento conceder autorização para o

acompanhamento do idoso ou, no caso de impossibilidade,

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 8


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

justificá-la por escrito.”

A legislação estadual também trata do assunto por meio

da Lei nº 10.241/99, in verbis:

"Art. 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no

Estado de São Paulo:

(...) XV - ser acompanhado, se assim o desejar, nas consultas

e internações por pessoa por ele indicada;”

Há ainda previsão na Lei estadual nº 10.689/00. Confira-

se:

“Art. 1º - Fica assegurado o direito a entrada e permanência

de um acompanhante junto a pessoa que se encontre internada

em unidades de saúde sob responsabilidade do Estado inclu

sive nas dependências de tratamento intensivo ou outra equi

valentes.

§ 1º-A Secretaria Estadual da Saúde criará programa especi

fico, visando facilitar a implementação do disposto no'caput'.

§ 2º - A unidade de saúde responsabilizar-se-á por providen

ciar as condições adequadas de permanência do acompanh

ante junto a pessoa atendida.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 9


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

§ 3º - A entrada e permanência de um acompanhante deverá

ser devidamente anotada pela unidade de saúde respectiva,

oportunidade em que será confiado ao acompanhante crachá

de identificação de uso obrigatório.

§ 4º - Serão objeto de atenção preferencial por parte da uni

dade de saúde as crianças, os deficientes, os idosos e

outros considerados hipossuficientes.”

Na mesma senda, seguindo a supracitada cartilha de

política nacional, inúmeros municípios do Estado de São Paulo possuem

legislação que possibilitam o acompanhamento das gestantes pela doulas.

Como exemplo, temos a Lei Municipal de São Paulo nº 16.602, de 23 de

dezembro de 2016, bem como a Lei nº 7.618, de 13 março de 2018, do

Município de Guarulhos.

Nesse contexto, é cediço que os Municípios possuem

autonomia legislativa para assuntos de interesse local e para suplementar a

legislação estadual e federal no que couber, nos termos do artigo 144 da

Constituição Estadual e artigo 30, incisos I e II, da Constituição Federal1.

Especificamente, quanto à proteção da saúde, tal


1
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
(...)

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 10


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

possibilidade já restou assentada em precedente do Supremo Tribunal Federal,

in verbis:

"(...) a competência para legislar concorrentemente sobre

proteção e defesa da saúde está prevista no inciso XII do art.

24 da Constituição Federal para a União, os Estados e o

Distrito Federal.

De maneira geral, cabe à União editar normas gerais,

enquanto que os Estados e o Distrito Federal podem exercer,

com relação a tais normas, competência suplementar, ou seja,

suprir as eventuais lacunas existentes. Na falta completa de lei

com normas gerais, o Estado pode legislar amplamente,

suprindo a existência do diploma federal. Por sua vez, aos

Municípios é dado legislar para suplementar a legislação

estadual e federal, inclusive as enumeradas no art. 24 da

Constituição Federal, desde que isso seja necessário ao

interesse local. É o caso dos autos. A Lei Municipal

8.845/2002, alterada pela Lei Municipal 9.727/2005, em

consonância com as disposições trazidas pela Lei Estadual

14.427/2004, nada mais fez do que estabelecer diretrizes para

viabilizar o uso dos desfibriladores em locais de grande

concentração de público, por meio de treinamento de pessoal,

fiscalização dos estabelecimentos pelo ente municipal, dentre

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 11


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

outros temas"

(STF, 2ª Turma, AG.REG. no RE 741.596 PARANÁ, Relator Min.

Gilmar Mendes, julgado em 23.03.2018).

Entretanto, in casu, o artigo 4º da Lei nº 3.740/19 do

Município de Tietê, ao criar penalidades inexistentes na legislação federal e

estadual sobre o tema, extrapolou o interesse local, violando os art. 1º e 144,

da Carta Bandeirante.

Quanto ao exercício da competência legislativa

suplementar, por parte dos Municípios, nos ensina o Ministro Alexandre de

Moraes:

“O art. 30, II, da Constituição Federal preceitua caber ao

município suplementar a legislação federal e estadual, no que

couber, o que não ocorria na Constituição anterior, podendo o

município suprir as omissões e lacunas da legislação federal e

estadual, embora não podendo contraditá-las, inclusive nas

matérias previstas no art. 24 da Constituição de 1988. Assim,

a Constituição Federal prevê a chamada competência

suplementar dos municípios, consistente na autorização de

regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais,

para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em

concordância com aquelas e desde que presente o requisito

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 12


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

primordial de fixação de competência desse ente federativo:

interesse local.”2

Ou seja, o regramento do Município deve ser harmônico

com a disciplina estabelecida pela legislação federal e estadual, sob pena de

violação ao pacto federativo.

Assim, já assentou o Egrégio Supremo Tribunal Federal,

no Tema de Repercussão Geral nº145, ao tratar da competência do Município

em matéria de legislação ambiental, a qual, de forma semelhante à saúde, é de

competência concorrente entre União e Estado:

"O Município é competente para legislar sobre meio ambiente

com União e Estado, no limite de seu interesse local e desde

que tal regramento seja e harmônico com a disciplina

estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI c/c 30, I

e II da CRFB)".

Ressalte-se, ademais, precedentes deste Colendo Órgão

Especial sobre casos análogos ao da presente ação, no sentido do

reconhecimento da impropriedade da norma municipal especificamente no

que extrapolou a regulamentação federal e estadual sobre o assunto. Veja-se:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


Lei nº 7.618, de 13 de março de 2018, do Município de

2
Curso de Direito Constitucional - Ed. Atlas. 27ª ed., p. 331.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 13


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Guarulhos, que “obriga as maternidades, as casas de parto e


os estabelecimentos hospitalares congêneres da rede pública
do município de Guarulhos a permitir a presença de doulas
(acompanhantes) durante todo o período do trabalho de
parto,
do parto e do pós-parto imediato, sempre que solicitado pela
parturiente e dá outras providências
(...)
Pacto federativo. Lei Federal nº 10.741/03 e 8.080/90, que
asseguram a presença de acompanhante durante o trabalho
de parto. Leis Estaduais nº 10.241/99 e 10.689/00, que
conferem ao usuário do sistema de saúde no Estado de São
Paulo direito
de ser acompanhado em consultas e internações. Art. 4º da
Lei
Municipal nº 7.618/18 exorbita interesse local ao criar
penalidades não previstas em outras esferas"
(ADIn nº 2.109.612-09.2018.8.26.0000, Relator Evaristo dos
Santos, julgado em 7.11.2018)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº

3.376, de 28 de agosto de 2017, que 'dispõe sobre o direito do

paciente ter acompanhante durante as consultas e exames

médicos'. “OFENSA AO PRINCÍPIO DO PACTO

FEDERATIVO. RECONHECIMENTO PARCIAL. Lei

impugnada que foi além da mera suplementação, pois, no seu

artigo 4º, estabeleceu penalidades não previstas na legislação

federal e estadual, tais, como advertência (inciso I), multa

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 14


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

(inciso II), interdição parcial ou total do estabelecimento

privado (inciso III), cancelamento do alvará de licenciamento

(inciso IV) e responsabilização dos gestores públicos (inciso

V).” “Caracterização de ofensa à disposição do artigo 24,

inciso XII, da Constituição Federal, inclusive porque a

imposição de medidas coercitivas (se cabíveis) não constituiria

necessidade apenas do município de Hortolândia, ou seja, não

se enquadraria na denominada cláusula geral do interesse

legal (CF, art. 30, I), daí o reconhecimento de

inconstitucionalidade também sob esse fundamento.

Posicionamento alinhado à orientação do Supremo Tribunal

Federal no que sentido de que padece de inconstitucionalidade

a lei municipal que invoca “o argumento do interesse local

para restringir ou ampliar as determinações contidas em

regramento de âmbito nacional” (RE nº 477.508- AgR/RS, Rel.

Min. Ellen Gracie, j. 03/05/2011). Ação julgada parcialmente

procedente.”

(ADIn nº 2.195.333-60.2017.8.26.0000, Rel. Des. Ferreira

Rodrigues, julgado em 11.04.18).

Assim, conclui-se que o artigo 4º da Lei Municipal nº

3.740/2019, ao desrespeitar o Pacto Federativo, violou artigo 1º e art. 144, da

Constituição deste Estado.

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 15


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Por outro lado, não merece guarida a alegação de

inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 3.740/2019, do Município de

Tietê, por violação à separação de poderes.

Com efeito, inexistindo imposição de prazo rígido para

que o Prefeito Municipal exerça seu poder regulamenter, não há se falar em

invasão indevida por parte do Legislativo na seara do Poder Executivo.

Nesse sentido, remansosa posição firmada neste Egrégio

Órgão Especial. Veja-se, exemplificativamente:

“Há muito este Elevado Órgão Especial firmou orientação no

sentido de que nada impede ao Legislativo, em caráter

genérico, determinar a necessidade de regulamentação

específica de certo(s) ponto(s) da lei por ele criada" (ADIn nº

2176348-43.2017.8.26.0000 Rel. Des. Bertta da Silveira,).

Por fim, ainda que o entendimento sobre “criação de

despesas sem a respectiva dotação orçamentária” persista, ressalte-se que

mesmo que a lei implique em eventuais gastos ao Poder Executivo, isso não

seria suficiente para afastar a possibilidade de que a Câmara inicie o processo

legislativo municipal, não havendo afronta ao artigo 25 da Constituição

Bandeirante.

Neste sentido, é o entendimento do Pretório Excelso:

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 16


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1º, 2º E 3º DA
LEI N. 50, DE 25 DE MAIO DE 2.004, DO ESTADO DO
AMAZONAS. TESTE DE MATERNIDADE E
PATERNIDADE. REALIZAÇÃO GRATUITA.
EFETIVAÇÃO DO DIREITO À ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR QUE
CRIA DESPESA PARA O ESTADO-MEMBRO.
ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
NÃO ACOLHIDA. CONCESSÃO DEFINITIVA DO
BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICÁRIA GRATUITA.
QUESTÃO DE ÍNDOLE PROCESSUAL.
INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO I DO ARTIGO
2º. SUCUMBÊNCIA NA AÇÃO INVESTIGATÓRIA.
PERDA DO BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
GRATUITA. INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO III
DO ARTIGO 2º. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA
CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL QUE
DETERMINAR O RESSARCIMENTO DAS DESPESAS
REALIZADAS PELO ESTADO-MEMBRO.
INCONSTITUCIONALIDADE DO INCISO IV DO
ARTIGO 2º. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, §
1º, INCISO II, ALÍNEA "E", E NO ARTIGO 5º, INCISO
LXXIV, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL . 1. Ao
contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não
cria ou estrutura qualquer órgão da Administração
Pública local. Não procede a alegação de que qualquer
projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo
Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa
parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no
artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas
ao funcionamento da Administração Pública, notadamente
no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo.
Precedentes.” (ADI 3394, Relator(a): Min. EROS GRAU,
Tribunal Pleno, julgado em 02/04/2007) original sem grifo.

Ademais, o encargo criado no presente caso não provoca

impacto significativo no orçamento e, como já decidiu o Supremo Tribunal

Federal (RE 770.329-SP, Rel. Min. Roberto Barroso, 29-05-2014, DJe

05-06-2014), “a ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 17


TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão-somente a

sua aplicação naquele exercício financeiro”.

Destarte, verificada a ofensa aos preceitos contidos na

Constituição Bandeirante apenas no tocante ao disposto no artigo 4º da norma

guerreada, de rigor a parcial procedência da ação.

Ante o exposto, pelo meu voto, julgo parcialmente

procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do artigo 4º da Lei

nº 3.740/2019, do Município de Tietê, com efeito ex tunc, determinando,

como consequência, sua retirada definitiva do ordenamento jurídico.

PÉRICLES PIZA

Relator

Direta de Inconstitucionalidade nº 2280773-53.2019.8.26.0000 -Voto nº 40.605 18

Você também pode gostar