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VOTO

O Senhor Ministro Alexandre de Moraes: Trata-se de Ação Direta de

22
Inconstitucionalidade por omissão proposta pelo Procurador-Geral da

0
República em face da mora do Congresso Nacional em tornar efetivo o art.

6/2
155, § 1º, III, da Constituição Federal, que dispõe:

0
01/
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir
impostos sobre:
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou

-
direitos; (...)

to
§ 1º O imposto previsto no inciso I

vo
(...)
III - terá competência para sua instituição regulada por lei
de
complementar:
a) se o doador tiver domicilio ou residência no exterior;
ta

b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve


o seu inventário processado no exterior.
nu
mi

O requerente narra que a controvérsia constitucional subjacente à


presente ação foi analisada por este SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
-

quando do julgamento do Recurso Extraordinário 851.108/SP (Rel. Min.


al

DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 20/4/2021), paradigma de


rtu

repercussão geral (Tema 825), em que a CORTE assentou ser inviável que
Estados e o Distrito Federal instituam ITCMD nas hipóteses referidas no art.
Vi

155, § 1º, III, da Constituição Federal, enquanto não editada a Lei


Complementar federal nele mencionada, sob pena de afronta ao referido
rio

dispositivo constitucional e também ao art. 146, I e III, a, da Constituição


Federal.

Ple

Destaca que, naquela oportunidade, poucos Ministros se pronunciaram


sobre a proposta de direcionar apelo ao legislador para editar a lei
complementar referida, e que, nada obstante, a decisão proferida no
Recurso Extraordinário não inviabiliza a análise em sede própria, na via do
controle concentrado de constitucionalidade.

No tocante à caracterização da suscitada omissão inconstitucional,


afirma que, decorridos mais de 32 anos desde a promulgação da
1
Constituição Federal, não houve ainda a edição da lei complementar federal
exigida pelo seu art. 155, § 1º, III, de modo que “ a inércia da União está a
ocasionar prejuízos aos cofres públicos e à autonomia dos entes regionais
da Federação, que encontram-se impossibilitados de exercer plenamente

22
suas incumbências e prerrogativas tributárias estatuídas nos arts. 24, I e § 3º,
e 155, I, da CF e no art. 34, § 3º, do ADCT ”.

0
6/2
Ao final, postula (a) seja declarada a omissão inconstitucional na edição

0
da lei complementar que torne efetivo o art. 155, § 1º, III, da CF; e (b) seja

01/
fixado prazo razoável para que o Congresso Nacional supra mora
legislativa.

-
to
O Senado Federal defendeu o não conhecimento da ação e, no mérito,

vo
sua improcedência, nos seguintes termos:
de
Ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
ta

Regulamentação do art. 155, § 1º, III, da CF. ITCMD nas hipóteses de


doador com domicílio ou residência no exterior e do de cujus que
nu

possuía bens, era residente e domiciliado ou teve seu inventário


processado no exterior. Ausência de mora do Congresso Nacional.
mi

Propostas legislativas sob análise e tramitação. Ausência de omissão


inconstitucional para efetividade de direito fundamental.
-

Regulamentação por lei complementar como condição que pode, ou


al

não, ser implementada para exercício de faculdade consistente na


rtu

instituição de tributo por ente federado. Requerimento de não


conhecimento e improcedência da ação.
Vi

A Advocacia-Geral da União, por sua vez, manifestou-se pela


rio

improcedência do pedido:

Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer


Ple

bens ou direitos (ITCMD), nas hipóteses em que o doador tiver


domicílio ou residência no exterior. Suposta omissão inconstitucional,
imputada ao Congresso Nacional, quanto à edição de lei
complementar federal sobre a matéria, nos termos do artigo 155, § 1º,
inciso III, da Constituição da República. Insubsistência da
argumentação formulada pelo requerente. Não caracterizada a
suposta mora legislativa apontada em desfavor do Poder Legislativo.
A existência de projetos de lei complementar em tramitação no
Congresso Nacional para disciplinar a competência para instituição do
2
referido tributo, bem como as recentes atividades parlamentares
direcionadas à obtenção de celeridade nos respectivos processos
legislativos, todos submetidos a regime prioritário de tramitação,
esvaziam os argumentos apontados pelo requerente. Suposta omissão
inconstitucional não configurada. Manifestação pela improcedência.

022
O Procurador-Geral da República reiterou as razões da inicial, no

6/2
sentido do conhecimento da ação e da procedência do pedido.

0
01/
Submetida a controvérsia a julgamento virtual, o Ministro DIAS
TOFFOLI, relator do caso, julga procedente o pedido conforme a seguinte

-
ementa:

to
vo
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Direito tributário. ITCMD. Mora legislativa na edição da lei
de
complementar a que se refere o art. 155, § 1º, III, da Constituição
Federal. Inconstitucionalidade. Estabelecimento de prazo para que o
ta

Congresso Nacional adote as medidas legislativas necessárias para


nu

suprir a omissão.
1. No julgamento do RE nº 851.108/SP, Tema nº 825, a Corte fixou
mi

a tese de que “[é] vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o


ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição
Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido
-
al

dispositivo constitucional”.
2. Passados mais de trinta e três anos do advento da Constituição
rtu

Federal, não houve a edição de tal lei complementar. Ademais, a


inertia deliberandi pode configurar omissão passível de ser reputada
Vi

inconstitucional no caso de os órgãos legislativos não deliberarem


dentro de um prazo razoável sobre projeto de lei em tramitação.
rio

Precedente: ADI nº 3.682/DF.


3. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão julgada

procedente, declarando-se a omissão inconstitucional na edição da lei


complementar a que se refere o art. 155, § 1º, III, da Constituição
Ple

Federal e estabelecendo-se o prazo de 12 (doze) meses, a contar da


data da publicação da ata de julgamento do mérito, para que o
Congresso Nacional adote as medidas legislativas necessárias para
suprir a omissão.

É o relato do essencial.

3
A respeito da controvérsia constitucional subjacente à presente Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (qual seja: competência
concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, a qual inclui
também normas de natureza tributária, a teor do art. 24, I, da Constituição

22
Federal), tenho defendido, em sede doutrinária ( Direito constitucional . 37.

0
ed. 2021. São Paulo: Atlas, Capítulo 8 – Organização Político-

6/2
Administrativa, item 2.4), que a Constituição Federal de 1988 adotou a
competência concorrente não cumulativa ou vertical, ou seja, a competência

0
da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os

01/
Estados e o Distrito Federal especificá-las, por meio de suas respectivas leis,
fazendo uso da competência suplementar (CF, art. 24, § 2º).

-
to
Doutrinariamente, costuma-se dividir a competência suplementar dos

vo
Estados-Membros e do Distrito Federal em duas espécies: a complementar e
a supletiva. A primeira (competência complementar) dependerá de prévia
de
existência de lei federal, a ser detalhada pelos Estados-Membros e Distrito
Federal. Por sua vez, a segunda (competência supletiva) é desencadeada em
ta

face da inércia da União em editar a lei federal, quando então os Estados e o


nu

Distrito Federal, temporariamente, adquirirão competência plena, tanto


para edição das normas de caráter geral, quanto para normas específicas
mi

(CF, art. 24, §§ 3º e 4º).


-
al

Desse modo, a inércia da União em editar normas gerais a respeito das


rtu

matérias constantes no art. 24 da Constituição Federal não impede os


Estados-Membros ou o Distrito Federal de regulamentarem a disciplina
Vi

constitucional (competência supletiva). No entanto, a superveniência de lei


federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual ou distrital,
rio

no que lhe for contrário. Nesse sentido, entre outros, destaco os seguintes
precedentes: ADI 2818, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 1º

/8/2013; ADI 429, Rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe de 30/10/2014;
ADI 5077, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, DJe de 23
Ple

/11/2018; e ADI 4629, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno,


DJe de 3/10/2019, este último assim ementado:

CONSTITUCIONAL. DIREITO FINANCEIRO E


ORÇAMENTÁRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL 59/2011 DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ALTERAÇÃO DOS PRAZOS
DE ENCAMINHAMENTO DE LEIS ORÇAMENTÁRIAS. OFENSA
AOS ARTS. 165 E 166 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO
4
PRINCÍPIO DA SIMETRIA. NÃO OCORRÊNCIA. AUTONOMIA
DOS ESTADOSMEMBROS. AUSÊNCIA DE NORMAS GERAIS DA
UNIÃO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PLENA DOS ESTADOS
(ART. 24, § 3º, CF) . IMPROCEDÊNCIA.
1. O legislador constituinte deixou a cargo da lei complementar a

22
regulamentação sobre “o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a

0
elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes

6/2
orçamentárias e da lei orçamentária anual” (CF, art. 165, § 9º). No
plano federal, enquanto não editadas as normas gerais, aplica-se o

0
disposto no art. 35, § 2º, incisos I, II e III, do ADCT.

01/
2. O art. 35, § 2º, I, do ADCT dispõe que a lei do plano plurianual
tem vigência até “o final do primeiro exercício financeiro do mandato
presidencial subsequente”, com início no segundo ano de mandato.

-
Assim, no ano em que for editado o PPA, a Lei de Diretrizes

to
Orçamentárias deve ser compatível com o plano então vigente (CF,

vo
art. 166, § 4º).
3. No caso da Emenda Constitucional 59/2011 do Estado do Rio
de
Grande do Sul, o legislador estadual manteve a mesma sistemática
aplicada à União, embora com prazos próprios de tramitação das leis
ta

orçamentárias. Respeito ao Princípio da Simetria.


4. Além disso, no tocante à distribuição de competências, a
nu

Constituição Federal instituiu um “condomínio legislativo” entre a


União e os Estados-Membros, cabendo à primeira a edição de normas
mi

gerais sobre as matérias elencadas no art. 24 da CF.


5. Competência legislativa plena dos Estados-Membros quando
-

inexistente norma federal a estabelecer normatização de caráter geral


al

(CF, art. 24, § 3º).


rtu

6. Ação Direta julgada improcedente.


Vi

A possibilidade do exercício da competência plena pelos Estados e pelo


Distrito Federal, ante a ausência de legislação complementar federal,
rio

especialmente no que se refere à matéria financeiro-tributária, representa


tema sensível ao pacto federativo, por envolver o equilíbrio financeiro e a


autonomia das Unidades da Federação.
Ple

A Federação se caracteriza pela tríplice autonomia dos


EstadosMembros, que, embora não sejam dotados de soberania, têm
garantida constitucionalmente sua autonomia financeira, a partir da
previsão de suas competências tributárias e da repartição constitucional de
receitas.

5
A importância da instituição dos tributos na efetivação das políticas
orçamentárias é tanta que o art. 162 da Constituição Federal prevê ampla
publicização e transparência dos dados referentes à arrecadação dos
tributos, de forma que devem ser divulgados até o último dia do mês

22
subsequente ao da arrecadação. Corrobora a importância da instituição

0
/arrecadação dos tributos o art. 11 da Lei Complementar 101/2000 (Lei de

6/2
Responsabilidade Fiscal), que prevê que a responsabilidade na gestão fiscal
somente será garantida com a efetiva previsão e arrecadação de todos os

0
tributos da competência do ente federativo, impondo, ainda, graves

01/
consequências àqueles que forem inertes.

-
to
Diante da autonomia financeira dos entes federados, bem como da
importância da arrecadação tributária para se fazer frente à efetivação de

vo
políticas orçamentárias, nota-se que a inércia da União em editar normas
gerais sobre determinado tributo de competência dos Estados importa
de
grave violação ao pacto federativo, impactando, inclusive, na
implementação de políticas sociais em prol de toda a população.
ta
nu

Exatamente para impedir essa situação – em que a inércia da União


mi

poderia prejudicar o pleno exercício da autonomia financeira dos Estados-


Membros –, a Constituição Federal previu, expressamente, a matéria
-

tributária como de competência legislativa concorrente, admitindo a


al

atuação plena dos Estados-Membros nos casos em que a União silencia em


rtu

exercer seu munus constitucional.


Vi

Diante desse cenário de omissão da União, por diversas vezes, o


SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL se manifestou no sentido de que a
rio

ausência de lei complementar nacional autoriza o exercício da competência


legislativa tributária plena pelos Estados e pelo Distrito Federal, como no


caso do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA e das
Ple

custas dos serviços forenses. Confiram-se, a propósito, os seguintes


precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A
PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. AUSÊNCIA DE
LEI COMPLEMENTAR NACIONAL QUE DISPONHA SOBRE O
TRIBUTO NOS TERMOS DO ART. 146, III, A, DA CONSTITUIÇÃO.
EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA PLENA PELOS
6
ESTADOS MEMBROS COM AMPARO NO ART. 24, § 3º, DA
CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. PREVISÃO DE ALÍQUOTAS
DIFERENCIADAS EM RAZÃO DO TIPO DE VEÍCULO.
POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – Ante a omissão do
legislador federal em estabelecer as normas gerais pertinentes ao

22
imposto sobre a doação de bens móveis, os Estados-membros podem

0
fazer uso de sua competência legislativa plena com fulcro no art. 24, §

6/2
3º, da Constituição. II – A jurisprudência do STF firmou orientação no
sentido de que, mesmo antes da EC 42/03 – que incluiu o § 6º, II, ao

0
art. 155 da CF –, já era permitida a instituição de alíquotas de IPVA

01/
diferenciadas segundo critérios que não levem em conta a capacidade
contributiva do sujeito passivo, por não ensejar a progressividade do
tributo. É o que se observa no caso dos autos, em que as alíquotas do

-
imposto foram estabelecidas em razão do tipo e da utilização do

to
veículo. III – Agravo regimental improvido. (RE 601.247 AgR, Rel.

vo
Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 13/06
/2012).
de
I. Taxa Judiciária: sua legitimidade constitucional, admitindo-se
que tome por base de cálculo o valor da causa ou da condenação, o
ta

que não basta para subtrair-lhe a natureza de taxa e convertê-la em


imposto: precedentes (ADIn 948-GO, 9.11.95, Rezek; ADIn MC 1.772-
nu

MG, 15.4.98, Velloso). II. Legítimas em princípio a taxa judiciária e as


custas ad valorem afrontam, contudo, a garantia constitucional de
mi

acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) se a alíquota excessiva ou a


omissão de um limite absoluto as tornam desproporcionadas ao custo
-

do serviço que remuneraram: precedentes (Rp 1.077-RJ, 28.3.84,


al

Moreira, RTJ 112/34; Rp 1.074-, 15.8.84, Falcão, RTJ 112/499; ADIn 948-
rtu

GO, 9.11.95, Rezek; ADIn MC 1.378-5, 30.11.95, Celso, DJ 30.5.97; ADIn


MC 1.651-PB, Sanches, DJ 11.9.98; ADIn MC 1.772-MG, 15.4.98,
Vi

Velloso). III. ADIn: medida cautelar: não se defere, embora plausível a


argüição, quando - dado o conseqüentes restabelecimento da eficácia
rio

da legislação anterior - agravaria a inconstitucionalidade denunciada:


é o caso em que, se se suspende, por aparentemente desarrazoada, a

limitação das custas judiciais a 5% do valor da causa, seria


restabelecida a lei anterior que as tolerava até 20%. IV. Custas dos
Ple

serviços forenses: matéria de competência concorrente da União e dos


Estados (CF 24, IV), donde restringir-se o âmbito da legislação federal
ao estabelecimento de normas gerais, cuja omissão não inibe os
Estados, enquanto perdure, de exercer competência plena a respeito
(CF, art. 24, §§ 3º e 4º). V. Custas judiciais são taxas, do que resulta - ao
contrário do que sucede aos impostos (CF, art. 167, IV) - a alocação do
produto de sua arrecadação ao Poder Judiciário, cuja atividade
remunera; e nada impede a afetação dos recursos correspondentes a
determinado tipo de despesas - no caso, as de capital, investimento e
treinamento de pessoal da Justiça - cuja finalidade tem inequívoco
7
liame instrumental com o serviço judiciário. (ADI 1926MC, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, DJ de 10/9/1999).

Logo, a regra é o exercício de competência plena pelos entes federados

22
ante a ausência de normas gerais da União, conforme o art. 24, § 3º, da CF
/1988, e o art. 34, § 3º, do ADCT, ressalvada a posterior suspensão daqueles

0
6/2
pontos em que houver contrariedade com superveniente legislação de
âmbito nacional.

0
01/
Ocorre, entretanto, que, no julgamento do Recurso Extraordinário
851.108/SP, paradigma de repercussão geral (Tema 825), este SUPREMO

-
TRIBUNAL FEDERAL, por maioria e nos termos do voto reajustado do

to
Relator, o eminente Min. DIAS TOFFOLI, concluiu pela impossibilidade de

vo
os Estados-Membros e o Distrito Federal usarem da competência legislativa
plena, com fulcro no art. 24, § 3º, da Constituição Federal e no art. 34, § 3º,
de
das suas disposições transitórias, para a instituição do ITCMD nas hipóteses
previstas no art. 155, § 1º, III, alíneas a (“ doador tiver domicílio ou
ta

residência no exterior ”) e b (“ o de cujus possuía bens, era residente ou


nu

domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior ”), casos em


que ficaria ela condicionada à prévia regulamentação mediante Lei
mi

Complementar Federal.
-
al

No referido precedente, fixou-se a tese de que “ é vedado aos estados e


ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, 1º,
rtu

III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida


pelo referido dispositivo constitucional ”, em acórdão assim ementado:
Vi
rio

EMENTA: Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário.


Competência suplementar dos estados e do Distrito Federal. Artigo

146, III, a, CF. Normas gerais em matéria de legislação tributária.


Artigo 155, I, CF. ITCMD. Transmissão causa mortis. Doação. Artigo
Ple

155, § 1º, III, CF. Definição de competência. Elemento relevante de


conexão com o exterior. Necessidade de edição de lei complementar.
Impossibilidade de os estados e o Distrito Federal legislarem
supletivamente na ausência da lei complementar definidora da
competência tributária das unidades federativas. 1. Como regra, no
campo da competência concorrente para legislar, inclusive sobre
direito tributário, o art. 24 da Constituição Federal dispõe caber à
União editar normas gerais, podendo os estados e o Distrito Federal
suplementar aquelas, ou, inexistindo normas gerais, exercer a
8
competência plena para editar tanto normas de caráter geral quanto
normas específicas. Sobrevindo norma geral federal, fica suspensa a
eficácia da lei do estado ou do Distrito Federal. Precedentes. 2. Ao
tratar do Imposto sobre transmissão Causa Mortis e Doação de
quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), o texto constitucional já fornece

22
certas regras para a definição da competência tributária das unidades

0
federadas (estados e Distrito Federal), determinando basicamente

6/2
duas regras de competência, de acordo com a natureza dos bens e
direitos: é competente a unidade federada em que está situado o bem,

0
se imóvel; é competente a unidade federada onde se processar o

01/
inventário ou arrolamento ou onde tiver domicílio o doador,
relativamente a bens móveis, títulos e créditos. 3. A combinação do
art. 24, I, § 3º, da CF, com o art. 34, § 3º, do ADCT dá amparo

-
constitucional à legislação supletiva dos estados na edição de lei

to
complementar que discipline o ITCMD, até que sobrevenham as

vo
normas gerais da União a que se refere o art. 146, III, a, da
Constituição Federal. De igual modo, no uso da competência
de
privativa, poderão os estados e o Distrito Federal, por meio de lei
ordinária, instituir o ITCMD no âmbito local, dando ensejo à cobrança
ta

válida do tributo, nas hipóteses do § 1º, incisos I e II, do art. 155. 4.


Sobre a regra especial do art. 155, § 1º, III, da Constituição, é
nu

importante atentar para a diferença entre as múltiplas funções da lei


complementar e seus reflexos sobre eventual competência supletiva
mi

dos estados. Embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a


competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita
-

ao estabelecer que cabe a lei complementar – e não a leis estaduais –


al

regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus


rtu

possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário


processado no exterior” (art. 155, § 1º, III, b). 5. Prescinde de lei
Vi

complementar a instituição do imposto sobre transmissão causa


mortis e doação de bens imóveis – e respectivos direitos -, móveis,
rio

títulos e créditos no contexto nacional. Já nas hipóteses em que há um


elemento relevante de conexão com o exterior, a Constituição exige lei

complementar para se estabelecerem os elementos de conexão e fixar a


qual unidade federada caberá o imposto. 6. O art. 4º da Lei paulista nº
Ple

10.705/00 deve ser entendido, em particular, como de eficácia contida,


pois ele depende de lei complementar para operar seus efeitos. Antes
da edição da referida lei complementar, descabe a exigência do
ITCMD a que se refere aquele artigo, visto que os estados não
dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir
a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1º,
inciso III, CF. A lei complementar referida não tem o sentido único de
norma geral ou diretriz, mas de diploma necessário à fixação nacional
da exata competência dos estados. 7. Recurso extraordinário não
provido. 8. Tese de repercussão geral: “É vedado aos estados e ao
9
Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155,
§ 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar
exigida pelo referido dispositivo constitucional”. 9. Modulam-se os
efeitos da decisão, atribuindo a eles eficácia ex nunc, a contar da
publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais

22
pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta:

0
(1) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD,

6/2
considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da
cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente. (RE

0
851.108, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 19/4/2021).

01/
Muito embora o Relator do referido Recurso Extraordinário, Ministro

-
DIAS TOFFOLI, tenha acolhido a proposta do Ministro ROBERTO

to
BARROSO no sentido de se formular apelo ao legislador para que

vo
discipline a matéria do art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, no que
foram acompanhados pelos Ministros ROSA WEBER e NUNES MARQUES,
de
o TRIBUNAL não acolheu a proposta naquela oportunidade.
ta

Todavia, disso não decorre qualquer óbice ao exame da suscitada


nu

omissão em sede de controle concentrado de constitucionalidade, pois,


como bem colocado pelo Procurador-Geral da República, tal proposta
mi

surgiu apenas como matéria adicional à controvérsia lá analisada.


-
al

Feita essa aproximação inicial, observo que o objetivo pretendido pelo


rtu

legislador constitucional de 1988, com a previsão da ação direta de


inconstitucionalidade por omissão, foi conceder plena eficácia às normas
Vi

constitucionais que dependessem de complementação infraconstitucional.


rio

Assim, tem cabimento a ADO quando o poder público se abstém de um


dever que a Constituição lhe atribui. A esse respeito, a jurisprudência desta


CORTE discrimina certos requisitos para a caracterização da omissão
Ple

passível de controle via ação direta, conforme se depreende, por exemplo,


do voto do eminente Ministro CELSO DE MELLO na ADI 1439 MC (DJ de
30/05/2003), cujo excerto segue transcrito:

O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação


estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de
inconstitucionalidade, portanto, pode derivar de um comportamento
ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o
que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e
10
princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que
importa em um facere , gera a inconstitucionalidade por ação.
Pode ocorrer, no entanto, que o Poder Público deixe de adotar as
medidas, legislativas ou não, que sejam necessárias para tornar
efetivos, operantes e exequíveis os próprios preceitos da Constituição.

22
Em tal situação, o Estado abstém-se de cumprir o dever de prestação

0
que a Constituição lhe impôs.

6/2
Desse no facere ou no prestare , resulta a inconstitucionalidade
por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência

0
adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo

01/
Poder Público.

Evidentemente, deve ser diferenciada a omissão legislativa , ainda que

-
parcial, da opção legislativa , verificada quando o Congresso Nacional ou a

to
Casa Legislativa respectiva exercem a sua função legiferante precípua,

vo
mediante legítima valoração discricionária das opções que se colocam ao
seu exame para a formação da norma.
de
ta

No presente caso, todavia, faz-se presente a primeira hipótese, uma vez


que, passados mais de 32 anos desde a promulgação da Constituição
nu

Federal, ainda não houve a edição da lei complementar referida pelo seu
mi

art. 155, § 1º, III, do que decorre, como insustentável efeito, inúmeros
prejuízos aos Estados-Membros, que se encontram impossibilitados de
exercer plenamente suas competências.
-
al
rtu

No caso, a alegada existência de diversas propostas legislativas em


tramitação no âmbito do Congresso Nacional não é suficiente para afastar a
Vi

caracterização da mora suscitada pelo Requerente. De fato, muito embora a


jurisprudência deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já tenha assentado a
rio

não configuração de omissão inconstitucional se ao menos instaurado o


regular processo legislativo (ADI 2495, Rel. Min. ILMAR GALVÃO,

Tribunal Pleno, DJ de 02/08/2002), a atual compreensão da CORTE


Ple

reconhece que a inertia deliberandi em um prazo razoável é um dado apto a


configurar o estado de omissão inconstitucional, como se vê do seguinte
precedente:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO
DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE
REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA
REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15
11
/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A Emenda Constitucional
n° 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi
publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez)
anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do
período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes

22
à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios.

0
Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do

6/2
legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever
constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da

0
Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos

01/
projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º,
da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional
quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em

-
referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam,

to
inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta

vo
manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas,
conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A
de
inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação
direta de inconstitucionalidade por omissão . 3. A omissão legislativa
ta

em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou


dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de
nu

inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na


elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente
mi

para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso


Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses,
-

adote ele todas as providências legislativas necessárias ao


al

cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da


rtu

Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas


decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.
Vi

Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do


Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro
rio

temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado


pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis

estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais


continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja
Ple

promulgada contemplando as realidades desses municípios (ADI


3682, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 06/09
/2007).

De igual forma, a jurisprudência deste SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL indica a possibilidade de se estipular um prazo razoável para
que o Congresso Nacional adote as medidas legislativas
constitucionalmente devidas para suprir a omissão, como se observa na
ADO 25, assim ementada:
12
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. 2. Federalismo
fiscal e partilha de recursos. 3. Desoneração das exportações e a
Emenda Constitucional 42/2003. Medidas compensatórias. 4. Omissão

22
inconstitucional. Violação do art. 91 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT). Edição de lei complementar. 5.

0
Ação julgada procedente para declarar a mora do Congresso Nacional

6/2
quanto à edição da Lei Complementar prevista no art. 91 do ADCT,
fixando o prazo de 12 meses para que seja sanada a omissão. Após

0
esse prazo, caberá ao Tribunal de Contas da União, enquanto não for

01/
editada a lei complementar: a) fixar o valor do montante total a ser
transferido anualmente aos Estados-membros e ao Distrito Federal,

-
considerando os critérios dispostos no art. 91 do ADCT; b) calcular o

to
valor das quotas a que cada um deles fará jus, considerando os

vo
entendimentos entre os Estados-membros e o Distrito Federal
realizados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária –
CONFAZ (ADO 25, Rel. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 18
de
/08/2017).
ta
nu

Ante o exposto, ACOMPANHO o eminente Relator para JULGAR


PROCEDENTE a ação e: (a) declarar a omissão inconstitucional do
mi

Congresso Nacional na edição da lei complementar que torne efetivo o art.


155, § 1º, III, da Constituição Federal; e (b) fixar o prazo de 12 (doze) meses,
-

a contar da publicação da ata de julgamento de mérito, para que o


al

Congresso Nacional adote as medidas legislativas constitucionalmente


rtu

exigíveis para suprir a omissão.


Vi

É o voto.
rio

Ple

13

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