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PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS

Revogação parcial do §4º do artigo 381 do CPC e


competência de juízos estaduais
Juízos estaduais são competentes para julgar as causas em que a União e autarquias federais gurem como
partes?

LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA

12/12/2019 18:25

Crédito Pexels

Prezados leitores do JOTA,

Na presente coluna, recebemos contribuição do Professor Leonardo Carneiro da


Cunha, Professor da Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de
Pernambuco, que aborda a revogação parcial do §4º do artigo 381 do CPC e do
artigo 15 da Lei 5.010/66, fruto da recente Reforma da Previdência (Emenda
Constitucional n.º 103/2019). Agradecemos ao Professor Leonardo pelo envio do
texto, desejando a todos uma ótima leitura.

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Revogação parcial do §4º do artigo 381 do CPC e do artigo 15 da Lei 5.010, de


1966, pela EC 103, de 2019

Os juízos federais são competentes para processar e julgar as causas em que a


União, autarquias federais e empresas públicas federais gurem como autoras, rés,
opoentes ou assistentes. Essa competência, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 109
da Constituição Federal, é delegada, em alguns casos, a juízos estaduais.

O § 3º do artigo 109 da Constituição Federal, em sua redação originária, assim


dispunha: “Serão processadas e julgadas na Justiça estadual, no foro do domicílio dos
segurados ou bene ciários, as causas em que forem parte instituição de previdência
social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se
veri cada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também
processadas e julgadas pela Justiça estadual”.

Nas ações previdenciárias, o próprio texto constitucional já delegava a competência


federal aos juízos estaduais da comarca onde não houvesse vara federal. Outras
hipóteses deveriam estar previstas em lei.

Assim, em alguns casos, aos juízos estaduais da comarca, onde não houvesse vara
federal, poderia ser atribuída competência federal por expressa previsão legal.
Nesses casos, a competência é da Justiça Federal, mas, por razões de amplo
acesso à justiça, poderia ser delegada a juízes estaduais. Trata-se, portanto, de
competência delegada.

O artigo 15 da Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, já delegava a varas estaduais


competência federal em diversos casos, nos seguintes termos:

Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo
12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar:

I – os executivos scais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores


domiciliados nas respectivas Comarcas;

II – as vistorias e justi cações destinadas a fazer prova perante a administração


federal, centralizada ou autárquica, quando o requerente fôr domiciliado na
Comarca;        

III – os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou


bene ciários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza
pecuniária.

IV – as ações de qualquer natureza, inclusive os processos acessórios e incidentes a


elas relativos, propostas por sociedades de economia mista com participação
majoritária federal contra pessoas domiciliadas na Comarca, ou que versem sôbre
bens nela situados. 

O inciso I – que previa que as execuções scais, nos lugares onde não houvesse
vara federal, seriam propostas na Justiça Estadual – foi revogado expressamente
pelo inciso IX do art. 114 da Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014. Signi ca que
já não havia mais, desde novembro de 2014, competência federal delegada nas
execuções scais. Todas execuções scais propostas por entes federais devem,
desde então, ser ajuizadas na Justiça Federal, não podendo mais tramitar na Justiça
Estadual.

O artigo 381 do CPC prevê a produção antecipada de provas e, em seu § 4º, em


virtude da autorização dada pelo § 3º do artigo 109 da Constituição Federal, prevê
mais um caso de competência federal delegada, a dispor: “§ 4º. O juízo estadual tem
competência para produção de prova requerida em face da União, de entidade
autárquica ou de empresa pública federal se, na localidade, não houver vara federal”.

A emenda constitucional nº 103, de 2019, alterou a redação do § 3º do artigo 109 da


Constituição Federal, que passou a assim dispor: “§ 3º Lei poderá autorizar que as
causas de competência da Justiça Federal em que forem parte instituição de
previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual
quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal.”

A Constituição Federal só permite agora que a lei preveja delegação de competência


federal à Justiça Estadual apenas em causas em que gurem, como parte,
instituição de previdência social e segurado.

Não há mais delegação expressa no texto constitucional; é preciso que alguma lei
federal a delegue expressamente. A delegação restringe-se, a partir da emenda
constitucional 103, de 2019, a ações em que gurem, como parte, instituição de
previdência social e segurado. Qualquer outra demanda não poderá ser processada
e julgada por juízo estadual, pois não se autoriza mais a delegação da competência
federal em qualquer outra demanda que não tenha como partes, de um lado,
instituição de previdência social e, de outro, segurado.

A superveniente modi cação operada no texto constitucional revoga as leis


anteriores que delegavam competência federal a juízos estaduais para casos
diversos dos que tenham, como partes, instituição de previdência social e segurado.

Consolidou-se no Supremo Tribunal Federal o entendimento segundo o qual não há


inconstitucionalidade superveniente. A superveniência de mudança constitucional
não torna inconstitucionais as leis com ela incompatíveis; na verdade, o que há é
uma revogação. No julgamento da ADI 2, o STF a rmou que “o vício de
inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição
vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em
relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição
futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela
con itantes: revoga-as” (STF, Pleno, ADI 2, rel. Min. Paulo Brossard, j. 6.2.1992, DJ
21.11.1997, p. 60.585).

Realmente, “a incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público, em


face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples
revogação dessas espécies jurídicas” (STF, Pleno, ADI 7, rel. Min. Celso de Mello, j.
7.2.1992, DJ 4.9.1992, p. 14.087). Em outras palavras, “A superveniência de uma
nova Constituição não torna inconstitucionais os atos estatais a ela anteriores e que,
com ela, sejam materialmente incompatíveis. Na hipótese de ocorrer tal situação, a
incompatibilidade normativa superveniente resolver-se-á pelo reconhecimento de
que o ato pré-constitucional acha-se revogado, expondo-se, por isso mesmo, a mero
juízo negativo de recepção, cuja pronúncia, contudo, não se comporta no âmbito da
ação direta de inconstitucionalidade.” (STF, Pleno, ADI 4222 AgR, rel.  Min. Celso de
Mello, j. 1º.8.2014, DJe-169 divulg 1º.9.2014 public 2.9.2014).

Quer isso dizer que os incisos II a IV do artigo 15 da Lei nº 5.010, de 1966, e o § 4º


do artigo 381 do CPC foram revogados. Na verdade, foram parcialmente revogados,
pois se mantêm relativamente às ações que tenham, como partes, instituição de
previdência social e segurado. Qualquer outra ação, que tenha como parte a União,
outras autarquias federais ou empresas públicas federais, não pode mais ser
processada e julgada na Justiça Estadual, com competência federal delegada.

Somente poderá ser processada e julgada na Justiça Estadual, com competência


federal delegada, a produção antecipada de provas, se tiver, como partes, instituição
de previdência social e segurado. De igual modo, as vistorias e demais demandas
mencionadas no artigo 15 da Lei nº 5.010, de 1966.
Se, entretanto, não houver observância à revogação e o caso for processado e
julgado na Justiça Estadual, haverá incompetência e violação ao disposto no texto
constitucional. Como as disposições da legislação federal foram revogadas, não
cabe recurso especial, cabendo, apenas, recurso extraordinário, por violação ao
disposto no § 3º do artigo 109 da Constituição Federal (nesse sentido: STJ, 1ª
Turma, EDcl no AgRg no Ag 256.862/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j.
17.8.2000, DJ 25.9.2000, p. 77).

O § 4º do artigo 381 do CPC foi, en m, parcialmente revogado pela Emenda


Constitucional nº 103, de 2019, somente podendo ser processadas, na Justiça
Estadual, com competência federal delegada, as ações de produção antecipada de
prova que tenham, como partes, instituição de previdência social e segurado. Não
pode mais ser processada e julgada na Justiça Estadual, com competência federal
delegada, qualquer outra produção antecipada de prova, em que gure como parte a
União, outra autarquia federal diversa do instituto de previdência social ou empresa
pública federal.

LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA – Professor Associado da Faculdade Direito do Recife (UFPE), nos
cursos de graduação, mestrado e doutorado. Advogado, sócio de Carneiro da Cunha Advogados.

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