Você está na página 1de 8

FICHAMENTO

ADI 2.847/DF, de relatoria do Ministro Carlos Velloso

Iara Bazilio

RELATÓRIO

A Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.847/2004 possui, como pedido


central, a suspensão cautelar das seguintes Leis Distritais:
a) 1.176, de 29 de julho de 1996, que "institui e regulamenta a Loteria Social
do Distrito Federal" (fls. 20/21);
b) 2.793, de 16 de outubro de 2001, que "altera dispositivos da Lei 1.176, de 29
de julho de 1996" (fls. 24/25);
c) 3.130, de 16 de janeiro de 2003, que "altera dispositivos da Lei nº 1.176, de
29 de junho de 1996, alterada pela Lei nº 2.793, de 16 de outubro de 2001" (fl. 22);
d) 232, de 14 de janeiro de 1992, que "autoriza o Governo do Distrito Federal
a instituir a Loteria Social e dá outras providências" (fl. 23).
O requerente, Procurador Geral da República à época, Claudio Fonteles,
sustentou que houve violação do inciso XX do art. 22 da Constituição Federal,
“dado que a competência legislativa para dispor sobre sistemas de consórcios e
sorteios, inclusive loterias e bingos, é privativa da União”; violação ao inciso I do
art. 22 da Constituição Federal, pois, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n.º
204/67, “a exploração de loteria federal dar-se-á como derrogação excepcional das
normas de Direito Penal, constituindo serviço público exclusivo da União não
suscetível de concessão, sendo permitida apenas nos termos do mencionado
Decreto-lei" (fl. 11)”. Ao final, o autor requereu medida cautelar para suspender a
eficácia das leis supramencionadas até o julgamento final da ação.
Solicitadas as informações, o Presidente da Câmara Legislativa do Distrito
Federal sustentou que há necessidade “necessidade da análise de diploma
infraconstitucional, no caso, o D.L. 204/67, o que inviabiliza o controle
concentrado de constitucionalidade”; existe “constitucionalidade das normas
impugnadas, porquanto a legislação distrital atender ao disposto no art. 195, III, da
Constituição Federal, que autoriza a instituição de concursos de prognósticos
pelas loterias; estaduais para assegurar o financiamento da seguridade social.”.
A Governadora do Distrito Federal em exercício sustentou, por sua vez,
preliminarmente a inépcia da inicial, “consubstanciada na impugnação genérica e
abstrata das normas tidas como inconstitucionais e na ausência de pedido
principal de declaração de inconstitucionalidade, requisitos essenciais ao
conhecimento da presente ação”. Quanto ao mérito, entendeu pela
constitucionalidade das leis impugnadas.
O Advogado Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa,
manifestou-se no sentido pela inconstitucionalidade das referidas leis distritais. Já
o Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pela procedência
da presente ação, tendo em vista a possibilidade de efeito repristinatório.

VOTO DO RELATOR - MINISTRO CARLOS VELLOSO


O excelentíssimo Ministro Carlos Velloso concorda com o entendimento do
Advogado-Geral da União pela inconstitucionalidade das Leis Distritais. Segundo
ele, a exploração da loteria possui “derrogação excepcional de normas de Direito
Penal”, sendo de competência da União a atividade legislativa sobre o assunto (art.
22, I e XX, da CF/88).. Ainda, traz jurisprudência da casa, referindo-se à ADI
1.169-MC/DF, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão. Dessa forma, julgou
procedente a Ação, declarando a inconstitucionalidade das Leis 3.176, de 27.7.96,
2.793, de 16.10.2001, 3.130, de 16.01.2003, e 232, de 14.01.92, todas do Distrito
Federal.

VOTO/VISTA - MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO


O excelentíssimo Ministro Carlos Ayres Britto se utilizou de dois
argumentos do Ministro Carlos Velloso para impugnar a presente ADI. O primeiro
deles, acerca da usurpação de competência privativa da União para legislar sobre
Direito Penal; o segundo, sobre a competência do sistema de consórcios e sorteios,
também com privatividade da matéria.
Quanto à competência da União para legislar em matéria penal, o Ministro
Ayres Brito entende que não houve usurpação de competência. Para ele, as Leis
Distritais em questão não possuem nenhuma intenção de delitividade ou repressão
sobre conduta. A principal intenção, no caso, é a autorização do Poder Executivo
distrital para “instituir e gerenciar determinadas loterias”, a fim de arrecadar
dinheiro para o financiamento de políticas públicas do DF ou instituir recompensa
monetária para apostadores dos sorteios que seriam instituídos. Não existe na
Constituição brasileira alguma norma que tenha como conteúdo a instituição de
atividade lotérica ou sorteio, caracterização do sorteio como espécie de serviço
público ou excludente do sorteio como atividade passível de “protaganização
econômica privada”. Desse modo, não há como configurar confronto entre normas
constitucionais e infraconstitucionais. Ainda sobre a questão penal, como não há
cláusula que tipifique o sorteio ou a loteria, a conduta humana não se torna
questão penal. O Ministro também asseverou que a presente matéria não é
conteúdo para uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, justamente por não
haver o citado confronto direto entre normas constitucionais e inconstitucionais.
Portanto, para o Ministro, há “óbice formal intransponível” que o força a não
conhecer a “ação direta sob judice”.
Acerca da competência da União sobre o sistema de consórcios e sorteios, o
Ministro Ayres Britto concorda com o voto do Ministro Carlos Velloso. Para ele, a
legislação aberta e abstrata das referidas Leis Distritais sobre jogos de azar é
competência privativa da União. O consórcio também estaria no âmbito dessa
proibição, pois se trataria de um tipo menor de sorteio. Contudo, atenta ao fato de
que a “vontade objetiva” da Lei torna o vocábulo “sorteios” como um gênero
relacionado à competição para obtenção de prêmios, sempre inclinada a destinos
criminosos, como a lavagem de dinheiro e a corrupção. Por isso, no que tangem os
consórcios, a matéria, de relevo social, considera o sorteio de datas, não podendo
ser comparado com o impacto dos sorteios no cotidiano brasileiro. O consórcio é
“um fenômeno ainda restrito a pessoas que de alguma forma podem poupar
recursos financeiros para aquisição de bens de consumo durável ou até mesmo de
raiz”, diferente do sorteio, que tem um cunho de menores frequência e gasto.
Desse modo, o Ministro rejeita a associação que ocorre entre consórcios e
sorteios, na legenda do inciso XIX do art. 22 da CF/88. Contudo, é importante
frisar que essa constatação não elimina a gravidade da usurpação legislativa
perpetrada contra a União. Há como delegar, pela Constituição, competências por
meio de Lei Complementar ("Lei Complementar poderá autorizar os Estados a
legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo"). No
entanto, tal dispositivo não existe na questão versada por essa ADI. “Noutros
termos, para que o Distrito Federal e os Estados-membros possam legislador sobre
aspectos específicos de um dado sorteio", é preciso que haja uma lei federal
complementar que trace o regime jurídico central desse mesmo tipo de jogo ou
loteria.”
O Ministro lembra, porém, que o tema “sorteios” está disciplinado na
Constituição como “sistema”. Desse modo, pressupõe-se o próprio desenho de
Estado federativo em que estamos, no qual existe uma “confluência ou interseção
federativa, e, portanto, exigentes de aplicabilidade federativamente igual, em suas
linhas gerais”; ou seja, a própria Lei Máxima do país elucida em seu texto uma
forma de agir integrada por um interesse estatalmente comum. Como exemplo, o
Ministro cita o “sistema nacional de viação”, o “sistema tributário”, o “sistema
eleitoral”, entre outros. Considerando essa percepção de sistema, é possível
entender a diferença entre legislar com privatividade e atuar com privatividade.
Portanto, “se é correto ajuizar que apenas a União pode originariamente legislar
sobre essa ou aquela espécie de sorteio (e assim excluí-lo de ilicitude
contravencional), não parece verdadeiro, contudo, afirmar que somente ela pode
explorá-lo”. A competência para legislação de matéria inovadora é sempre da
União; contudo, se autorizado um jogo pela pessoa jurídica central da Federação
(ainda que por lei ordinária); “qualquer das duas unidades estatais periféricas
(Estado-membro ou Distrito Federal), pode concorrer com ela, União Federal”. O
único pré-requisito levantado é o uso das mesmas normas federais que regem o
tema, com adaptações. Em outras palavras, não é possível a inovação de conteúdo
por meio desses entes, além de ser necessária aprovação legislativa regional.
No voto, o Ministro ainda aduz que a instauração em si dos sorteios é uma
atividade econômica, a princípio, não sendo atividades rotuladas como próprias de
nenhuma das quatro pessoas de natureza político-administrativa. Segundo o art.
170 da Constituição Federal, as atividades econômicas são asseguradas à iniciativa
privada, independente da autorização de órgãos públicos, salvo em casos previsto
em lei. A União Federal não possui exclusividade na exploração dos sorteios; dessa
forma, não pode excluir a coparticipação dos Estados e do Distrito Federal (vide
art. 25 da CF/88).
Por fim, o Ministro vota pela inconstitucionalidade das quatro leis distritais.
Justifica seu voto do seguinte modo: “não pela decisão de o Governo Distrital
instituir e gerenciar atividades lotéricas. A mácula da inconstitucionalidade é de
ser confirmada é pelo fato de que essa decisão legislativo distrital foi tomada
origina na mente. À margem de qualquer lei da União, seja de caris originário, seja
de feição complementar. Vale dizer, desapegada do regime jurídico central de
sorteio já vigorante no âmbito da União.”.

VOTO/VISTA - MINISTRO MARCO AURÉLIO


O excelentíssimo Ministro Marco Aurélio faz um pequeno resumo sobre as
leis distritais que estão sendo discutidas. Aduz ele:
“a) Lei nº 232, de 14 de janeiro de 1992: Esta lei autorizou o Governo do
Distrito Federal a instituir a Loteria Social, dando outras providências. Foi prevista
a modalidade instantânea, apontando beneficiar, exclusivamente, comunidades
carentes, crianças abandonadas, idosos e ex-presidiários. Constituiu-se um Fundo
Especial e um Conselho de Administração da Loteria Social, atribuindo-se-lhes a
responsabilidade da programação, administração e exploração das atividades
lotéricas, devendo, para tanto, definir projetos e prioridades de aplicações,
acompanhar, fiscalizar e controlar a apuração dos resultados. O Conselho fez-se
composto pelos Secretários da Fazenda e do Desenvolvimento Social, pelo
Presidente do Banco de Brasília, por um representante dos sindicatos de
trabalhadores e por quatro representantes comunitários, sendo um de instituição
beneficente. Impôs-se ao Governo a obrigação de enviar trimestralmente à Câmara
Legislativa relatório circunstanciado com a especificação da aplicação dos recursos
provenientes da Loteria Social, cumprindo aos membros do Conselho apresentar,
no ato da posse e da exoneração, declaração de bens.
b) Lei nº 1.176, de 29 de julho de 1996: Este diploma manteve a loteria no
âmbito da Secretaria de Fazenda e Planejamento do Distrito Federal. Quanto à
destinação dos recursos, alargou-a para alcançar não só o financiamento de
habitação popular, como também a infra-estrutura urbana básica, a aquisição de
equipamentos para a segurança pública e a viabilização de programas de
prevenção e repressão ao uso de drogas e de tratamento dos usuários de drogas
em programas de saúde, educação e esporte amador comunitário. Há referência a
atenção preferencial aos setores de baixa renda, beneficiando crianças,
adolescentes, idosos e ex-presidiários. O Banco de Brasília S.A. foi designado como
agente financeiro da Loteria Social, cuja atuação estendeu-se a ponto de abranger
a loteria convencional, com venda de bilhetes, a instantânea, também a partir de
bilhetes, a loteria de concurso, o sorteio numérico, o concurso de prognósticos,
com a indicação, pelo apostador, de números, símbolos ou figuras, e a loteria mista,
com venda de bilhetes a reunir características de duas ou mais modalidades.
Impôs-se o lançamento, nos bilhetes bem como nas peças publicitárias, da
expressão "Atenção: não coloque em jogo as prioridades de sua família".
Manteve-se o Conselho composto pelos Secretários de Fazenda e Planejamento e
de Desenvolvimento Social e Ação Comunitária, pelo Presidente do Banco de
Brasília e por três representantes dos trabalhadores, um representante do
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal e quatro
representantes comunitários, um dos quais oriundo de instituição beneficente.
Permaneceram, no mais e no que interessa, os dados relativos ao diploma anterior.
c) Lei nº 2.793, de 16 de outubro de 2001: Dispôs-se, neste ato normativo,
sobre a destinação de recursos, fixando-se em 50% aqueles reservados ao
atendimento dos portadores de deficiência, 25% para as ações voltadas às crianças
e aos adolescentes e 25% para os programas concernentes aos idosos. Previu-se a
fiscalização da aplicação dos recursos e deu-se nova definição ao Conselho de
Administração, incluindo-se o Presidente do Conselho de Assistência Social do
Distrito Federal, o Diretor da Diretoria para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência da Secretaria de Trabalho e Direitos Humanos, o Presidente do
Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, o titular da Gerência para
Assuntos do Idoso da Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria de Trabalho
e Direitos Humanos do Distrito Federal. Mencionou-se a participação de um
representante comunitário oriundo de instituição beneficente indicado pelo
Conselho de Entidades de Promoção e Assistência Social do Distrito Federal e de
um representante da Associação Nacional das Loterias Governamentais.
d) Lei nº 3.130, de 16 de janeiro de 2003: Mediante este diploma,
imprimiu-se nova redação ao artigo lº e dispôs-se sobre a presidência do Conselho
de Administração pelo Secretário de Estado de Ação Social, versando-se ainda
acerca da Subsecretaria de Captação de Recursos.”
Em um primeiro momento, o Ministro descarta a possibilidade de conflito
entre competências, conforme voto do relator, Ministro Carlos Velloso, pois não há
matéria de Direito Penal no conteúdo das leis. Explora, ainda, a exploração de
loterias como serviço público, citando Luís Roberto Barroso, que afirma ser esta
atividade assim regulada desde 1932. Sob esse preceito, a União passou a
monopolizar a exploração das loterias (gênero). Cita, então, o parecer do Ministro
do STF Oswaldo Trigueiro, que observou o seguinte: “a Constituição não impede o
funcionamento da loteria estadual. Primeiro, porque não atribui esse serviço à
União, com exclusividade. Segundo, porque não proíbe de forma expressa, ou
simplesmente implícita, a existência das loterias estaduais. (...) Se a União pudesse,
por lei ordinária, tornar exclusivo um serviço público que a Constituição não
proíbe aos Estados, a autonomia destes estaria reduzida a letra morta; a legislação
comum poderia aumentar desmedidamente a área de competência federal,
estabelecendo a exclusividade da maioria dos serviços públicos concorrentes ou de
exclusividade estadual". Geraldo Ataliba também salientou que “"só são exclusivas
da União as competências arroladas no artigo 8º da Constituição Federal. Estas o
Estado Federado não pode desempenhar, sem acordo com a União. As demais
possíveis atividades públicas - ex vi do preceito do § 1º do art. 13 - podem ser
exercidas pelos Estados concorrentemente, ou não, com a União". Sobre a
competência de legislar sobre Direito Penal, Ataliba entende que não é possível dar
a essa proibição enfoque em serviços públicos que são regidos por leis que o ente
federado vier a adotar.
Questiona o Ministro: teria o inciso XX do art. 22 da Constituição Federal a
restrição de autonomia dos Estados membros na legislação dos sistemas de
consórcios e sorteios? Segundo Fábio Konder Comparato, a lei não pode criar
outros monopólios que não estavam estabelecidos em texto constitucional. A Carta
Magna não reserva essa competência de maneira expressa à União; assim, não há
como se considerar o monopólio. Por isso, o Senado retirou o último artigo da
Medida Provisória nº 2.216-31, de 31 de agosto de 2001, do artigo 17 emprestando
nova redação ao artigo 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1968, que, revogada
pela Medida Provisória nº 168, de 20 de janeiro de 2004, que proibia a atividade dos
bingos.
Segundo o Ministro, os vocábulos consórcio e sorteio (conforme ressalta
Luís Roberto Barroso) não englobam o serviço lotérico. As leis discutidas pela ADI
disciplinam a loteria (gênero), em esfera estadual. Ora, o Estado membro pode
legislar sobre os próprios serviços públicos. “Este julgamento ganha, portanto,
sentido maior, presentes quer as inúmeras ações em andamento contra leis de
outros Estados, quer a sinalização ao Congresso Nacional, aos deputados e
senadores, sobre o fidedigno alcance da Carta da República. É certo que a chamada
Lei Zico - Lei nº 8.672, de 6 de julho de 1993 - veio a disciplinar o bingo,
buscando-se, com isso, recursos para o setor de desportos. A seguir, a Lei Pelé -
Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 -, revogando inteiramente o diploma primitivo,
manteve os bingos como fonte de recursos para tal setor. Todavia, isso se fez no
campo federal, sem prejuízo da atividade dos Estados, mesmo porque, no Estado
do Rio de Janeiro, legislação anterior às duas federais referidas, a Lei nº 2.055, de
25 de janeiro de 1993, já autorizava a Loterj a promover o sorteio em tal
modalidade.”
Dessa forma, o Ministro entende que não existe competência exclusiva da
União quanto a legislação sobre loterias, pedindo, assim, a improcedência da
presente ação.

CONFIRMAÇÃO DE VOTO
O Ministro Carlos Velloso, em aparte à fala do Ministro Carlos Ayres Britto,
explica que o Decreto-Lei n.º 204/67 estabelece, no tocante à loteria, uma
“derrogação excepcional de norma de Direito Penal”.
O Ministro Sepúlveda Pertence entende que a “premissa do argumento
importaria em dizer que a contravenção de loterias não autorizadas subiria da
alçada da pobre Lei de Contravenções Penais para a própria Constituição”.
O Ministro Carlos Velloso questiona, então, se os bingos não compreendem
o sorteio. Para o Ministro Ayres Britto, o bingo é, de fato, uma modalidade de
sorteio, uma competição que depende do azar.
O Ministro Cezar Peluso explicita que o objeto da ADI é explicitamente
sobre sorteios, conforme o art. 3º.
O Ministro Marco Aurélio questiona se, sendo a loteria um serviço público,
seria possível que a União legisle sobre serviço público dos Estados. O Ministro
Eros Grau responde que a loteria só é serviço público quando a lei federal assim o
diz. O Ministro Marco Aurélio, então, elucida que sua concepção de serviço público
provém, antes, da essência do serviço, e depois, da legislação. Assim, é possível
haver serviço público municipal ou estadual que não esteja previsto na lei federal.
O Ministro Ayres Britto entende que o caráter normativo das leis em
discussão não legislam somente sobre a autorização e gerenciamento de sorteios,
mas criam novas matérias. Por isso, houve usurpação da competência legislativa da
União em caráter privativo.

VOTO - MINISTRO EROS GRAU


O Ministro Eros Grau afirma que se pode argumentar que o preceito
mencionado pelo Ministro Sepúlveda Pertence foi revogado. De qualquer maneira,
a exploração de loterias, segundo ele, constitui um ilícito penal. Porém, o
ordenamento prevê algumas hipóteses em que a questão da ilicitude é afastada.
Essa regra retira a atividade de loteria do ilícito, permitindo sua exploração. Se
apenas a União pode legislar sobre matéria penal, somente ela poderá dispor a
regra de isenção. As leis de outros entes não podem promover essa alteração do
campo da ilicitude para o campo da licitude, pois ofenderia a competência
privativa da União. Assim, o Ministro considera as leis distritais sobre as quais
versam a presente ADI inconstitucionais.
É elaborada também uma distinção entre “atividade econômica em sentido
estrito” (do setor privado) e o serviço público. Essas duas acepções estão inseridas
no quadro “atividade econômica em sentido amplo”. De acordo com o Ministro,
serviço público é uma “atividade indispensável à coesão social”. Seriam as loterias
um serviço público? Caio Tácito e Ataliba sustentam que a exploração de loterias
caracterizam uma modalidade especial de serviço público, pois propicia recursos
para atendimento de determinadas necessidades sociais. Se é serviço público, não
podemos afirmar que atua em regime de monopólio, pois essa modalidade é
exclusiva da atividade econômica em sentido estrito. O regime de exploração de
serviço público se dá como um “privilégio”. Se admitirmos que as loterias são
monopólio estatal e atividade econômica, acabaríamos “fazendo migrar aquilo que
era ilícito e se tornou lícito no campo do serviço público para o campo da atividade
econômica em sentido estrito”. Encerra o voto manifestando não ser cabível o
enquadramento da loteria como uma atividade econômica, optando também pela
inconstitucionalidade das leis.

VOTO/DISCUSSÃO
O Ministro Cezar Peluso entende que, se a Constituição tivesse previsto à
competência exclusiva da União a legislação sobre consórcio, essa seria feita de
maneira expressa. Acredita ele que é necessário captar a ratio iuris da norma
constitucional, admitindo que a loteria é um serviço público, e sua atividade não é
considerada um monopólio; porém, a regulamentação desse serviço é monopólio
da União.
O Ministro Carlos Ayres Britto atenta ao fato de que há dispositivo
constitucional que permite o transpasse de competência legislativa para entes
federados em caso de lei complementar - o que não ocorre.
O Ministro Cezar Peluso entende que a União tem para si a competência de
ditar normas genéricas; ainda, crê que a lei distrital opera uma fraude, pois
cuidaria de atividade ilícitas.

VOTO - MINISTRO GILMAR MENDES


O Ministro Gilmar Mendes aprecia o voto trazido pelo Ministro Marco
Aurélio, mas se atenta ao fato de ser prejudicial à competência legislativa da União
uma acepção teleológica sobre o tema. Dessa forma, acompanha o voto do
Ministro-Relator.

VOTO - MINISTRA ELLEN GRACIE


A Ministra também acompanha o voto do Ministro-Relator, em especial no
que tange a discussão sobre legislação da matéria penal.

VOTO - MINISTRO CELSO DE MELLO


O Ministro Celso de Mello acredita que a discussão acerca das leis distritais
em debate envolvem a questão da organização da Federação, e das consequências
jurídicas que dela emanam. Para poder julgar a questão de competência, o Ministro
se utiliza de algumas premissas.
O texto constitucional de 1988 segue a tradição da origem da República no
Brasil, mantendo o princípio federativo. As circunstâncias históricas justificam essa
escolha, que pode ser entendida como uma descentralização
político-administrativa das competências e prerrogativas provinciais. A
Constituição estabelece um equilíbrio entre União e outros entes federativos,
percebendo-se uma relação de coexistência entre a ordem jurídica da União e as
ordens jurídicas parciais, de caráter regional ou municipal. A mesma Constituição
concede, em caráter privativo, atribuições ao ente da União Federal. Aos Estados e
Municípios, são concedidas competências residuais - aquilo que a Constituição
lhes outorga e aquilo que a União não possui em caráter privativo. O Ministro
entende como correta a argumentação acerca de competência privativa aferida
pelo Procurador-Geral da República, bem como pelo Advogado-Geral da União,
“acentuando a ocorrência, na espécie, de usurpação da competência legislativa”.
O Ministro também lembra da experiência jurídica brasileira em relação aos
bingos. Nesse contexto normativo, ressalta a experiência histórica brasileira, que,
mediante Alvará Régio do Príncipe Regente D. João, “ordenou que a produção e a
venda das cartas de jogos, no Brasil, e nos domínios ultramarinos de Portugal,
somente competissem a quem a Casa Real portuguesa outorgasse tal privilégio, o
que traduzia, em plena fase colonial, o reconhecimento, em favor do Poder Central,
da competência para disciplinar tal matéria”. Assim, considerando, “de um lado, a
competência privativa da União para legislar sobre serviços lotéricos, jogos,
apostas, bingos e sorteios (CF, art. 22, XX) e, de outro, a evidência história de que
essa competência tem sido sempre exercida pelas instâncias centrais de Poder “-,
o Ministro reconhece a inconstitucionalidade das leis distritais.

VOTO - MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE


Entende o Ministro Sepúlveda Pertence que, como observa o Ministro
Osvaldo Trigueiro, “onde houver competência dos Estados, jamais poderia a União
incriminar o seu exercício: se determinada matéria é competência do Estado, seja a
título do serviço público, seja a título de atividade econômica, jamais poderia a
União agredir esta competência, tornando como criminosa a atividade estadual
legítima conforme a Constituição”. Entende, assim, que é competência legislativa
privativa da União não se confunde com o estabelecimento de loterias estaduais e
municipais. Portanto, vota com o Ministro-Relator pela inconstitucionalidade das
leis arguidas.

Você também pode gostar