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I
LEGITIMIDADE ATIVA DO PSOL
II
DISTRIBUIÇÃO POR PREVENÇÃO À MINISTRA RELATORA ROSA
WEBER, EM VIRTUDE DA ADPF 964
A ADPF 964 foi distribuída, por sorteio, no mesmo dia, à Ministra Relatora Rosa
Weber, conforme extrato do processo eletrônico (doc. 04).
2
Assim, requer-se antes de mais nada, como medida de coerência e economia
processuais, a distribuição por prevenção desta APDF para a Ministra Relatora Rosa
Weber (vide art. 66 caput do RISTF).
III
CABIMENTO
Conforme prevê o art. 1º da Lei 9.882/99, a ADPF tem por objeto ato do poder
público lesivo a preceitos fundamentais. In casu, trata-se de Decreto Presidencial que -
ao arrepio dos diversos preceitos fundamentais tratados abaixo – concedeu graça
constitucional (indulto individual) ao Deputado Federal Daniel Lucio da Silveira,
condenado por este STF no bojo da AP n° 1.044 (doc. 05), que ainda sequer transitou em
julgado.
Trata-se de (i) manifestação jurídica do Estado que produz efeitos de direito; (ii)
ato concreto, posto diz respeito a “um único e específico caso”; e (iii) individual, já que
tem por destinatário sujeito “especificamente determinado”.1
Vale anotar que a jurisprudência deste STF segue o entendimento de que integra
a subsidiariedade a eficácia da medida processual, ou seja, “não se verificando a
existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma
1
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo¸ 33ª edição, São Paulo: Malheiros, 2016,
p. 397, 435 e 436.
2
Cf. STF, Tribunal Pleno, ADPF 101, rel. Min. Carmen Lúcia, j. 24.6.2009, DJe 4.6.2012.
3
ampla, geral e imediata –, há de se entender possível a utilização da arguição de
descumprimento de preceito fundamental.”3
Outrossim, cumpre destacar a nova feição que esta Corte vem conferindo à ADPF
como a medida processual apta a dar cabo a situações complexas que exijam a
participação de todos os Poderes da República,4 tal como no caso em tela, o qual exige a
análise da constitucionalidade da concessão de graça com claro desvio de finalidade e por
intermédio do qual o Presidente buscou se substituir ao STF.
Por tratar-se, neste caso, da (i) guarda da Constituição Federal (art. 102, caput,
CF); (ii) do princípio da separação de poderes (art. 2º, CF); e (iii) da moralidade dos atos
administrativos que, por sua vez, serve de suporte de legitimidade ao poder estatal (art.
37¸caput, CF), está-se diante de uma clara afronta a preceitos fundamentais da
Constituição Federal.
IV
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA QUESTÃO EM DEBATE: A
INCONSTIUCIONALIDADE DO INDULTO INDIVIDUAL (GRAÇA) DE
21.04.2022
3
STF, Tribunal Pleno, ADPF 33, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 7.12.2005, DJU 27.10.2006. No mesmo sentido: “Não
bastasse, tem sido prestigiada, na interpretação desse dispositivo, a consideração da eficácia típica dos processos
objetivos de proteção da ordem constitucional, vale dizer, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante próprios ao
controle abstrato de constitucionalidade. Significa afirmar que o referido dispositivo, ao consagrar o que a doutrina
vem convencionando chamar de cláusula de subsidiariedade da arguição de descumprimento, exige, como
condição de admissibilidade da ação, a inexistência de outro meio de sanar a lesividade que seja tão eficaz e
definitivo quanto a ADPF, qual seja outra medida adequada no universo do sistema concentrado de jurisdição
constitucional.” STF, Tribunal Pleno, ADPF 405, rel. Min. Rosa Weber, j. 21.6.2021, DJe 30.6.2021. Destaques
nossos.
4
“É cabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver (i) uma violação generalizada de
direitos humanos; (ii) uma omissão estrutural dos três poderes; e (iii) uma necessidade de solução complexa que exija
a participação de todos os poderes.” STF, Tribunal Pleno, ADPF 635 MC, rel. Min. Edson Fachin, j. 18.8.2020, DJe
21.10.2020, p. 3/198 do acórdão.
4
democracia, contra o processo e também a esta Corte Constitucional. Além das
consequências de natureza penal, o referido deputado também se tornará inelegível, nos
termos da legislação eleitoral brasileira (art. 14, §3º, CF, c/c art. 1º, inciso I, “e”, da Lei
Complementar 64/1990).
________________________________________________________
“Art. 1º Fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira,
Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de
abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e
nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes
previstos:
I - no inciso IV do caput do art. 23, combinado com o art. 18 da Lei nº
7.170,
de 14 de dezembro de 1983; e
II - no art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal.
Art. 2º A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida
independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Art. 3º A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que
haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as
penas restritivas de direitos.”
________________________________________________________
5
beneficiá-lo de forma induvidosa, circunstância que, em resumo, macula o decreto
presidência por desvio de finalidade, violação à separação dos poderes e por desrespeito
à vedação da proteção deficiente, o que exige, no mérito, sua retirada do ordenamento
jurídico brasileiro e, liminarmente, a imediata suspensão dos seus efeitos.
. Além deste vício intransponível, outro merece ser destacado e será devidamente
abordado nas linhas seguintes, como um reflexo dos demais: a graça foi concedida antes
do trânsito em julgado da Ação Penal nº 1.044, o que também macula irremediavelmente
o ato ora impugnado, tal como será demostrado.
V.
DESVIO DE FINALIDADE DO DECRETO PRESIDENCIAL.
. Entendem alguns autores que existem atos expedidos pelo Estado que não se
amoldam satisfatoriamente em nenhuma das três funções do Estado: legislativa,
jurisdicional e administrativa. Para Celso Antônio Bandeira de Mello5 e Roberto Dromi6,
por exemplo, além da separação tripartite de função há a função política.
5
Curso de Direito Administrativo, 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2022, p. 36.
6
Derecho Administrativo. Hispana Libros: Buenos Aires. 2009, p. 99
6
. Ao ilustrarem tal afirmação, usualmente se valem dos seguintes atos: iniciativa de
leis pelo Chefe do Poder Executivo, a sanção e veto das leis, convocação de eleições
gerais, destituição de altas autoridades por crime de responsabilidade, declaração de
estado de sítio e de estado de defesa, declaração de guerra, concessão de graça e indulto.
. Esta função política, importante destacar, não é estanha em outros países. Deveras,
quando analisamos as obras de autores franceses, observamos claramente a existência de
atos provenientes da função política, cognominados de atos de governo ou atos políticos.
A nota característica destes atos para os franceses, é a vedação de controle jurisdicional.
Paul Duez7, em sua obra clássica dedicada ao assunto, deixa isso muito claro este
posicionamento:
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Na América Latina, Roberto Dromi8 é categórico ao afirmar ser esta uma das
características dos atos políticos: “(...) son irrevisibles, no judiciables, no justiciables o
no invalidables judicialmente. Estan extensos de control jurisdiccional”.
7
Les actes de gouvernement. Dalloz: Paris, 2006, p. 18.
8
Op.cit,, p. 101.
7
. No Brasil, o que realmente existe, no caso dos denominados atos políticos, é uma
forte carga de discricionariedade conferida diretamente pela Constituição Federal aos
Poderes Executivo e Legislativo. Mas esta alta dosagem de discricionariedade, não é
elemento suficiente para apartar os atos políticos dos atos administrativos. São institutos
próximos e suscetíveis de controle jurisdicional. Muda-se, apenas, a amplitude do mérito9
do ato. O primeiro (ato político) maior que o segundo (ato administrativo)10.
Na decisão paradigmática mais recente sobre o tema (ADIn 5.874), vê-se que o
STF tem por consolidado o entendimento de que não se pode adentrar o mérito do indulto
– muito menos substituir, enquanto órgão de cúpula do Poder Judiciário, o representante
máximo do Executivo –, mas tão somente analisar a constitucionalidade de sua
concessão, o que, neste caso, revela-se de importância fundamental.
Além disso, o Min. Gilmar Mendes, na decisão que suspendeu a eficácia do ato
de nomeação do ex-presidente Lula para o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil (MSs
34070 e 34071), apontou, de forma expressa e inequívoca, para a possibilidade de
sindicar atos de atribuição privativa do Presidente da República (no caso, o art. 84, I, da
CF), e portanto, com forte carga de discricionariedade, com base na ocorrência de desvio
da sua teleologia constitucional.
9
Sobre o mérito do ato administrativo classificado como discricionário são precisas as palavras de Celso Antônio
Bandeira de Mello: “Mérito é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso
concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais
soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser
objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada.” (Discricionariedade e Controle Jurisdicional.
Malheiros: São Paulo, 2003, 2ª ed, p. 38)
10
Lúcia Valle Figueiredo também entende que atos políticos são, em verdade, atos administrativos (Curso de direito
administrativo. 8ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 215)
8
. O que se tem, em casos como o do indulto do Deputado Federal Daniel Silveira,
é, justamente, nas palavras do Min. Gilmar Mendes, “a adoção de uma conduta que
aparenta estar em conformidade com uma certa regra que confere poder à autoridade
(regra de competência), mas que, ao fim, conduz a resultados absolutamente
incompatíveis com o escopo constitucional desse mandamento e, por isso, é tida como
ilícita.”11
11
MS 34070 MC/DF, decisão monocrática, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 18.3.2016, p. 19.
12
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2022, p.
79.
13
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p. 103.
9
. Ao se analisar a anatomia dos atos administrativos, especialmente a partir do que
se convenciona chamar de plano da validade, um dos pressupostos destacados pela
doutrina administrativista para a validade do ato é o teleológico. Este pressuposto
estabelece que todo ato administrativo é expedido para se alcançar um resultado, uma
determinada finalidade pública. A finalidade do ato administrativo, portanto, é justamente
o bem jurídico objetivado pelo ato14.
. Quando o ato administrativo expedido não satisfaz a finalidade buscada pela lei
para aquele tipo de ato, viola o princípio da legalidade por desvio de poder ou desvio de
finalidade. Esta é a relação inexorável entre o princípio constitucional da legalidade e um
de seus vícios, o desvio de finalidade.
. É que a administração pública, nas palavras do saudoso Professor Ruy Cirne Lima,
é a atividade de quem não é proprietário15. E se o administrador não é proprietário, senhor
absoluto da coisa16 que administra, só pode realizar aquilo que a Lei, expressão da
vontade popular, determinou. A relação, reforcemos, é de total submissão, sendo defesa
qualquer tentativa do agente público expedir ato administrativo desgarrado da específica
finalidade prevista em lei, ainda que eventualmente atinja outro interesse público17. É
que, nas palavras de Caio Tácito, o “juiz definitivo da finalidade do poder é o legislador,
nunca o executor da lei”18.
14
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p. 397.
15
Princípios de Direito Administrativo. 7ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2007.p. 36.
16
A expressão também é de Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, p. 37).
17
TÁCITO, Caio. Temas de Direito Público. 1º Vol. Renovar: Rio de Janeiro, 1997 p. 90.
18
Op. Cit., p. 90/91.
10
V.III. Sistematização do desvio de finalidade
. Caio Tácito anota, com muita razão, ser a primeira hipótese a mais grave, pois “se
oculta sob a aparência de legitimidade. A violação maliciosa encobre os abusos de direito
com a capa de virtual pureza”22.
19
De la Desviacion de Poder. Montevideo: Faculdad de Derecho de Montevideo, 1957 ,p. 225/236.
20
Discricionariedade e Controle Jurisdicional. Malheiros: São Paulo, 2003, 2ª ed p. 58/67.
21
Curso de derecho administrativo. 13ª Ed. Navarra: Ed. Thomson Civitas, 2006. Vol. I, p. 534.
22
Op. Cit., p. 162.
11
ato administrativo visa satisfazer um interesse privado, seu ou de terceiro, quer para
favorecer, quer para prejudicar alguém23.
Isso não quer dizer que o instituto possa ser utilizado de forma a mascarar a
descriminalização, sob a forma de graça, o que consistiria no afastamento, por abuso do
Poder Executivo, do processo penal e da pena definida judicialmente.
23
Anota Celso Antônio Bandeira de Mello: “Em tal caso, a autoridade pratica um ato administrativo movido pela
amizade ou inimizade, pessoal ou política, ou até em proveito próprio. Não raro está impulsionada pelo propósito de
captar vantagem indevida, angariar prosélitos ou cegada por objetivos torpes de saciar sua ira contra inimigos ou
adversários políticos, buscando molestá-los ou, pior ainda, vergá-los de suas conveniências.” (Discricionariedade e
controle judicial, p. 62)
12
Muito embora o Poder Judiciário não possa, segundo o STF, analisar o mérito do
clementia principis, ele deve sim sindicar, se provocado, a constitucionalidade dos
decretos de graça ou de indulto, do ponto de vista da sua coerência com a CF/88, sem
extrapolar, é claro, os limites legislativos de fixação de políticas criminais, em prol da
separação de poderes.24
Como bem notou o Ministro Alexandre de Moraes, relator para o acórdão da ADIn
5.874, no emblemático julgamento da constitucionalidade do Decreto de Indulto Natalino
do ex-Presidente Michel Temer:
________________________________________________________
24
De acordo com o entendimento corrente do Supremo, essa análise deve obedecer a três premissas: “(1) é competência
discricionária do Presidente da República a definição dos requisitos e da extensão do ato de clemência constitucional,
a partir de critérios de conveniência e oportunidade; (2) o exercício do poder de indultar não fere a separação de poderes
por supostamente esvaziar a política criminal estabelecida pelo legislador e aplicada pelo Judiciário, uma vez que foi
previsto exatamente como mecanismo de freios e contrapesos para possibilitar um maior equilíbrio na Justiça Criminal,
dentro da separação de poderes, que é uma das cláusulas pétreas de nossa Magna Carta (CF, art. 60 §4º, III); e (3) O
Decreto de Indulto não é um ato imune ao absoluto respeito à Constituição Federal e, consequentemente, torna-se
passível de controle jurisdicional para apuração de eventuais inconstitucionalidades, cujos limites estabelecidos nos
artigos 2º e 60 §4º, III, da CF, ao definir a separação de poderes, impedem a transformação do Poder Judiciário em
pura legislação, derrogando competências constitucionais do Chefe do Poder Executivo e substituindo legítimas opções
pelas suas” (STF, Pleno, ADIn 5874, min. rel. para o acórdão Alexandre de Moraes, j. 9.5.2019, m.v., DJUe 5.11.2020,
pp. 88-89 do acórdão).
25
STF, Pleno, ADIn 5874, min. rel. para o acórdão Alexandre de Moraes, j. 9.5.2019, m.v., DJUe 5.11.2020, p. 84 do
acórdão.
13
o parlamentar, o que se percebe, com clareza obscena, pelo momento em que a graça foi
concedida (= um dia após o julgamento do parlamentar e antes do trânsito em julgado).
________________________________________________________
14
. Néstor Pedro Saguês26, ao analisar o instituo do indulto, arrola as hipóteses em
que este ato político deve ser controlado pelo Poder Judiciário. Uma destas hipóteses,
como veremos no trecho transcrito abaixo, enquadra-se perfeitamente no caso em exame,
in verbis:
________________________________________________________
. Mas não é só. Outros elementos hão de ser considerado para caracterizar os
descumprimentos a preceitos fundamentais, para além do desvio de finalidade, no caso
em exame.
VI.
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA (ART. 37, CAPUT, CF).
26
Derecho Constitucional. Buenos Aires: Astrea, vol.2, 017, p. 640-641.
15
uma mesma situação jurídica e deve ser perseguido “o objetivo certo e inafastável de
qualquer ato administrativo: o interesse público”.
27
HAURIOU, Maurice. Précis Élementaires de Droit Administratif. Paris, 1926, p. 197 apud MEIRELLES, Helly
Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 83-84.
28
https://www.paesepazzaglini.com.br/artigos/artigo8.php
16
. De acordo com o STF, tal desarmonia entre a aparência do ato (o uso de
atribuições constitucionais e orgânicas) e sua real substância (favorecer uma pessoa em
detrimento de decisão judicial e de instituições) configura quebra da moralidade
administrativa.
29
RE 405386, Rel Min. ELLEN GRACIE, Rel. p/ Ac. Min. TEORI ZAVASCKI, 2ª T., julgado em 26/02/2013.
30
MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 86.
31
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 71.
17
. O decreto vergastado deixa de observar a moralidade administrativa,
desvirtuando-se de sua aparente finalidade e incorrendo em pessoalidade, fatores que o
nulificam sob o prisma do art. 37, caput da Constituição Federal.
VI.
VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO CONSTITUCIONAL DOS PODERES
18
não dentro de seus quadrantes. Está não é, obviamente, uma competência do Poder
Executivo, mas sim do Poder Judiciário.
. No caso concreto, será o Supremo Tribunal Federal quem dirá se as falas e ações
do Deputado Federal Daniel Silveira estão em sintonia com o texto constitucional; se ele
extrapolou ou não os limites do direito de liberdade de expressão. Jamais o Presidente da
República, pois este não pode, em hipótese alguma, substituir uma decisão do Poder
Judiciário. Contudo, foi isso que o Decreto de 21 de abril de 2022 ousou fazer: substituir,
antes mesmo do trânsito em julgado da Ação Penal nº 1.044, a decisão do Supremo
Tribunal Federal, dizendo, em termos práticos, que não houve crime depois de o órgão de
cúpula do Poder Judiciário ter dito o contrário, o que caracteriza, induvidosamente, pelas
razões acima, desvio de finalidade, e mais: violação à separação constitucional de
poderes.
32
MS 34070 MC/DF, p. 17.
19
Conforme lição de Levitsky e Ziblatt uma das defesas democráticas é a aquilo que
se intitula forbearance (na tradução livre, abstenção). Segundo os autores, a forbearance
é uma norma crítica para a sobrevivência do regime democrático, que consiste,
basicamente, no ato de se autoconter no exercício de um direito ou poder legalmente
estatuído.33 Por exemplo, quando a noção de forbearance é forte numa democracia,
políticos evitam determinadas ações, mesmo que tecnicamente dentro de suas
prerrogativas, se percebem que podem causar dano à estrutura do sistema.34
33
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. How democracies die, Nova York: Crown, 2018, p. 106. Ver: ABBOUD,
Georges. DEMOCRACIA E FORBEARANCE: REFLEXÕES ACERCA DAS REGRAS IMPLÍCITAS NO JOGO
DEMOCRÁTICO, in Revista de Processo, n. 299, 2020, versão online.
34
LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. How democracies die, cit., p. 106. Ver: ABBOUD, Georges.
DEMOCRACIA E FORBEARANCE, op cit..
35
GRABER, Mark A., What’s in Crisis? The Postwar Constitutional Paradigm, Transformative Constitutionalism, and
the Fate of Constitutional Democracy. In: GRABER, Mark A., LEVINSON, Sanford, TUSHNET, Mark. Constitutional
Democracy in Crisis?, New York: Oxford University Press, 2018, p. 668. Ver: ABBOUD, Georges. Democracia para
quem não acredita, Belo Horizonte: Letramento, 2021, p. 155.
36
GRABER, Mark A., What’s in Crisis? The Postwar Constitutional Paradigm, Transformative Constitutionalism, and
the Fate of Constitutional Democracy. In: GRABER, Mark A., LEVINSON, Sanford, TUSHNET, Mark. Constitutional
20
No caso sob exame, o desvio de finalidade do Decreto Presidencial é a
materialização evidente do constitucionalismo abusivo. Lançando mão do subterfúgio de
utilização de instrumento legal busca-se na realidade atingir a própria jurisdição
constitucional. Assim, o que se escamoteia no instituto da graça, ora concedida, é um
ataque deliberado à instituição do STF.
VII
JULGAMENTO AINDA NÃO ENCERRADO DEFINITIVAMENTE.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E VEDAÇÃO À PROTEÇÃO
DEFICIENTE (Untermassverbot)
Democracy in Crisis?, New York: Oxford University Press, 2018, p. 678-681. Ver: ABBOUD, Georges. Democracia
para quem não acredita, Belo Horizonte: Letramento, 2021, p. 155.
21
. Isto ocorre porque, assim como o indulto, a graça é uma forma revisão externa,
de competência exclusiva do Presidente da República, da sentença condenatória
transitada em julgado. Sem o trânsito em julgado, não há espaço para a concessão de
graça ou indulto, o que eiva o ato em questão de inconstitucionalidade formal.
. Desta forma, ainda sob a análise dos pressupostos dos atos administrativos, pode-
se afirmar que o Decreto de 21 de abril de 2022 é inválido, porquanto não observa o
pressuposto objetivo do ato, no caso o motivo legal. É dizer: não houve incidência da
hipótese da norma jurídica à situação do mundo fenomênico.
37
Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen Editor, vol. 2, p. 345.
22
pressuposto subjetivo que se investiga o sujeito que produz o ato administrativo. Entre os
diversos pontos que se analisa, a competência do sujeito é uma das mais relevantes.
Caso se admita o contrário, sob o ponto de vista mais amplo, se relegará à proteção
deficiente, violando-se a Untermassverbot, o núcleo duro constitucional do Direito Penal,
promovendo, neste caso específico, uma política criminal excessivamente leniente,
incapaz, por diversos vícios e desvios de origem, de proteger a probidade administrativa
que se exige dos agentes políticos – e mais – a própria noção de Estado de Direito que
nos é, constitucionalmente, tão cara e essencial, e que consistiu, ela própria, no principal
fundamento da condenação do Deputado Federal Daniel Lúcio da Silveira.
VIII
DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA
CAUTELAR AD REFERENDUM (ART. 5º DA LEI 9.882/99)
23
. A esta altura resta evidente a presença dos requisitos do fumus boni iuris e do
periculum in mora para a concessão monocrática, ad referendum, de medida cautelar.
24
Além disso, se não concedida a cautelar, o referido parlamentar poderá
deixar de utilizar as medidas restritivas que lhe foram impostas (= tornozeleira
eletrônica) e, também, fugir do Brasil (extrema urgência).
. Dessa forma, impõe-se, nos termos do art. 5º, §1º c/c §3º, ambos da Lei n.
9.882/1999, a imediata suspensão monocrática da eficácia de todo o Decreto de 21 de
abril de 2022, ad referendum, até que se julgue definitivamente a presente Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental.
IX
DOS PEDIDOS
. Ante o exposto, requer-se:
a) a concessão monocrática de medida cautelar, em sede de liminar (art. 5º, §1º c/c
§3º, da Lei n. 9.882/1999), inaudita altera parte, ad referendum, para o fim de
suspender a eficácia de todo o Decreto de 21 de abril de 2022, até que se julgue
definitivamente a presente Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental;
25
e) a prioridade de inclusão na pauta de julgamento no Plenário deste E. Supremo
Tribunal Federal, observado o inciso VIII do art. 145, do RISTF; e
. Por fim, requer-se que das intimações oficiais pela imprensa conste
exclusivamente os nomes dos Drs. Walfrido Jorge Warde Júnior, OAB/SP n.
139.503, Pedro Serrano, OAB/SP n. 90.846, Rafael Ramires Araujo Valim, OAB/SP
n. 248.606, Gustavo Marinho de Carvalho, OAB/SP n. 246.900, Georges Abboud,
OAB/SP n. 290.069, todos com escritório na Alameda Itu, n. 852, 1º e 7º andar, CEP
01421-002, São Paulo – SP; André Brandão Henriques Maimoni, OAB/DF n. 29.498
e Alberto Brandão Henriques Maimoni, OAB/DF 21.144, com escritório no SCN,
Quadra 01, Bloco F, sala 903, Brasília-DF, sob pena de nulidade.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 23 de abril de 2022.
Pedro Serrano
OAB/SP 90.846
26