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Teoria Geral dos Fatos Jurídicos

Discente: Diogo Lácio Oliveira Nobre


Email: diogolacio@alu.uern.br
Docente: Giovanni Weine Paulino Chaves

1 Considerações preliminares
Neste tópico, bem introdutório Farias e Rosenvald relembram que o Direito “serve para a
adaptação social, ordenando a comunidade e viabilizando a convivência.” 1, sendo assim, o
Direito surge como organizador e harmonizador social, baseando-se em fatos. Dessa forma,
pode-se dizer que o Direito e a comunidade jurídica atua sobre o fato quando este interfere no
relacionamento inter-humano.
A partir disso, o Direito traça regras e valora os fatos que se referem a importantes
intersubjetivas, alçando-os ao título de fatos jurídicos, conferindo, assim, coercibilidade a
determinados acontecimentos. Sendo assim, será um fato jurídico “aquele evento, seja qual
for a sua natureza e origem, que repercutir na esfera jurídica.” 2

2 Distinção entre fato jurídico e o fato material (ajurídico) e a lógica do mundo jurídico
Desse modo, caracteriza-se como fato jurídico todo aquele fato que produz efeito jurídico
e, sendo assim, aquele que não produz será o fato material, ou ajurídico. Ademais, esses fatos,
embora se distinguam, podem ter a mesma origem, visto que, para definir um fato como
jurídico, não importa nada além de seu efeito.
Outrossim, para ser transformado um fato material em um jurídico é necessário que ele
passe por alguns requisitos do mundo jurídico, que são: “i) definição pela norma jurídica da
hipótese fática merecedora de qualificação; ii) concreção da hipótese definida na realidade
fenomenológica da vida (realização concreta da hipótese); iii) incidência automática da norma
sobre a hipótese valorada; iv) juridicização do acontecimento, como consequência da
incidência.” 3. Avaliando isso de forma prática, Farias e Rosenvald trazem um exemplo
esclarecedor, relacionando a teoria com o nascimento de uma criança, veja:
Tomando como exemplo o nascimento de uma criança, é possível raciocinar ilustrativamente.
Em primeiro lugar, a norma (CC, art. 2') prevê a aquisição da personalidade como
consequência jurídica do nascimento. Ora, no momento em que alguém nasce (presença de ar
nos pulmões), tem-se a concreção do acontecimento previsto na norma, vindo,
consequentemente, a ocorrer a incidência da norma, juridicizando o evento.4

3 Definição de fato jurídico


Tradicionalmente, tem-se que a caracterização a caracterização de um fato jurídico é
“todo aquele fato que produz efeito jurídico”, entretanto, é perceptível que, em alguns casos,
mesmo um fato possuindo título “jurídico” ele não necessariamente produz um efeito. Por
exemplo, no texto, os autores trazem o exemplo de um testamento que, inegavelmente, é um
fato jurídico, porém, caso este seja revogado antes da morte do testador, ele desaparecerá sem
produzir nenhum efeito. Desse modo, para se ter uma definição mais realista acerca dos fatos
jurídicos, tem-se que eles são capazes de produzir efeitos jurídicos, ou seja, têm o poder para
tal, porém não necessariamente estes efeitos ocorrem de fato.

4 Classificação dos fatos jurídicos

1
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 590
2
Idem, ibidem, p. 591
3
Idem, ibidem, p.592
4
Idem, ibidem, loc. cit.
Neste tópico, os autores apresentam as classificações dos fatos jurídicos, que iniciam se
dividindo entre o fato lícito e o ilícito, estando o primeiro em conformidade com a norma
jurídica e o segundo não, além de negar direitos. Mais adiante, em se tratando dos fatos lícitos,
eles podem se dividir em outros dois: naturais e humanos, que, como o nome bem diz, se
tratam de fatos que se originam de ações da natureza e de ações humanas, respectivamente.
São exemplos para diferenciar ambos são, primeiro, o de um raio que cai em uma casa com
um seguro: o fato (raio) é algo proveniente da natureza, entretanto, possui um efeito jurídico,
e, como outra alusão, pode-se pensar em um casamento, ou um contrato, que terão efeitos
jurídicos e são totalmente criação humana.
Além disso, tem-se também os atos e os atos-fatos, que se distinguem por o primeiro se
derivar da vontade humana desde o seu suporte fático, enquanto o segundo, após a tipificação
por volitividade, passa a desprezá-la.

5 Os diferentes planos do mundo jurídico


Nessa questão, Farias e Rosenvald são, como os próprios diriam, de clareza solar, ao
afirmarem que:
[...] todo e qualquer fato jurídico passa por diferentes planos (dimensões): primeiramente, o
fato jurídico tem existência (plano ontológico, ganhando uma estruturação básica e
elementar); em seguida, ganha validade (quando se confrontar com a ordem jurídica vigente,
atendendo aos elementos exigidos pelo sistema jurídico); e, finalmente, sendo existente e
válido, o fato jurídico, naturalmente, produzirá efeitos jurídicos (admitindo-se, porém, que
essa eficácia, produzida, de ordinário, automaticamente, possa ser controlada pelos
interessados). 5.
Desse modo, sendo mais específico, pode-se dizer que no plano da existência estariam
presentes todos os fatos, sejam lícitos ou ilícitos6. Acresça-se a isso o caráter de validade, que
diz respeito aos requisitos que os fatos devem cumprir para ganhar um status de perfeição7.
Por fim, tem-se a eficácia, quando os fatos irão produzir um efeito jurídico, podendo passar
por isso todos os faros jurídicos, inclusive os que foram anulados, mas em determinados casos
produzem um efeito.

6 Consequências dos fatos jurídicos

6.1 Generalidades
Precisa-se delimitar as características de cada efeito, por conta da potencialidade dos
fatos jurídicos lato sensu.

6.2 Aquisição de direitos


Sobre a aquisição de direitos, é possível afirmar que isso é concebível,primeiramente, de
dois modos: originário e derivado, sendo o primeiro referente aos direitos que são apropriados
sem a interferência de terceiros, e o segundo aos que são transmitidos de uma pessoa para
outra, evidenciando uma relação jurídica. Sobre a aquisição ainda é possível afirmar que ela
pode ser gratuita (como no caso da doação de órgãos) ou onerosa (no caso de uma compra),
além de ainda poder ser operada a título universal (quando o novo proprietário tem poderes
totais sobre a coisa) ou singular (quando os poderes são cerceados). Outrossim, vale lembrar
que o ato de aquisição ainda pode ser simples (quando só se depende de um fator, como a

5
Idem, ibidem, p. 596
6
Por conta disso, no Código Civil não se traz a definição da existência, mas sim apenas uma bidimensionalidade entre
validade e efetividade, pois entendem que a existência já está implícita.
7
Lembrando que apenas atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos passam por esse crivo, ficando de fora fatos
jurídicos stricto sensu, atos-fatos jurídicos e fatos ilícitos.
compra) ou complexo (quando outro fator entra em cena, como na compra de um remédio que,
além de pagar, precisa-se apresentar uma receita médica).

6.3 Modificação dos direitos


Neste ponto, os autores falam que um fato ou ato jurídico podem modificar direitos, bem
como podem ser modificados, sem sofrerem alterações em suas essências. Quanto à
modificação em si, eles são claros ao afirmarem que:
A modificação pode ser: (i) objetiva, quando atingir a qualidade ou quantidade do objeto da
relação jurídica (como na amortização de débito ou recebimento de obrigação de fazer em
dinheiro); ou (ii) subjetiva, dizendo respeito aos sujeitos, subsistindo a relação jurídica
íntegra (é o exemplo da desapropriação). Também se opera com multiplicação ou diminuição
de sujeitos.8

6.4 Defesa dos direitos


No que se refere à defesa de direitos já adquiridos, os titulares podem praticar atos
conservatórios (como protesto, greve, etc) ou utilizar da via judicial, sendo comprovado os
motivos (econômicos ou morais) para justificar tal ato e, somente em casos excepcionais, se
atendido todos os requisitos, pode-se defender diretamente o seu direito (como nos casos de
autodefesa diante de uma tentativa de homicídio). Outrossim, vale lembrar que tanto direitos
patrimonais quanto extrapatrimoniais podem ser defendidos, e, além disso, também vale
recordar que a defesa em juízo só é possível para direitos atuais ou futuros deferidos, sendo os
não deferidos defendidos apenas de modo conservatório.

6.5 Extinção dos direitos


Neste ponto, também há a necessidade de se transcrever a fala dos autores, devido a sua
clareza:
Extinguem-se os direitos pelo: (i) perecimento do objeto (quando o objeto do direito perde
suas qualidades essenciais ou valor econômico ou quando se confunde com outro, não sendo
possível distingui-lo, ou ainda, quando cair em local onde não possa ser retirado); (ii)
alienação; (iii) renúncia (despojamento do direito, sem transferência, com exceção de alguns
direitos de caráter irrenunciável, como os direitos da personalidade); (iv) abandono (deixando
a coisa em qualquer local, não mais tendo interesse); (v) falecimento do titular (em se
tratando de direito da personalidade); (vi) prescrição (extinção da pretensão); (vii)
decadência (fulminando o próprio direito); (viii) abolição de instituição jurídica (como se deu
na escravidão); (ix) confusão (reunião de direitos na mesma pessoa); (x) implemento da
condição resolutiva; (xi) escoamento de prazo, se a termo; (xii) perempção da instância ou do
processo (CPC, art. 301, IV, apesar de ficar ileso o direito); (xiii) aparecimento de direito
incompatível com o atual e que o suplanta.9.

Vale lembrar sempre que, mesmo extinto o direito, o titular ainda pode ser indenizado em
alguns casos, para compensar danos sofridos.

7 Fato jurídico em sentido estrito


O fato jurídico stricto sensu se refere, basicamente, a afatos naturais, que são ocorrem
sem a vontade humana, como no exemplo citado acima, do raio que cai em uma casa. Além
desses casos, puramente naturais, também existem aqueles que possuem uma ação humana
presente, mas que mesmo assim não deixam de ser consideradas naturais, como o nascimento
ou mesmo a morte, pois, mesmo podendo haver atuação humana nesses casos, ela não está na
composição essencial do fato.

8
Idem, ibidem, p. 599
9
Idem, ibidem, p. 600
Outrossim, pode-se dividir esses fatos jurídicos em duas categorias, os ordinários, que são
aqueles acontcimentos costumeiros, do dia-a-dia, e extraordinários, que são caracterizados
pela excepcionalidade e imprevisibilidade.

8 Ato-fato jurídico
O ato-fato jurídico é aquele que precisa de uma ação humana para ocorrer, entretanto, não
necessita haver vontade do indivíduo envolvida (podendo às vezes ir até mesmo contra a
vontade), como no caso citado pelos autores de alguém que, caminhando na praia, pega uma
concha e, em seguida, a arremessa no oceano, nesta situação, a posse da concha decorre da
ação da pessoa, mesmo que ela não tivesse a intenção de possuí-la, e o mesmo ocorre quando
ela é abandonada, ao ser jogada ao mar.
Além disso, também existem diferentes tipos de atos-fatos jurídicos, que podem ser:
(i) atos-fatos reais, também ditos atos materiais, quando consistir em ato humano do qual
resultam circunstâncias fáticas, geralmente irremovíveis (como no exemplo da ocupação); (ii)
atos-fatos indenizativos, que se configuram nas hipóteses em que de um ato humano não
contrário ao direito decorrer prejuízo a terceiro, com o dever de reparar o dano (é o caso do
estado de necessidade, com sacrifício de bem pertencente a um terceiro, como indica o art.
188 da Lei Civil); (iii) atos-fatos caducificantes, correspondendo a situações que constituem
fatos jurídicos, cujo efeito consiste em extinguir direitos, como no caso da decadência ou
prescrição. 10.

9 Ato Jurídico
Em lato sensu, um ato jurídico é aquilo que se deriva de uma ação humana, ou da
declaração de sua vontade, que produz efeito no Direito e possui as seguintes características:
i) ato humano de vontade;
ii) exteriorização da vontade pretendida (até porque a vontade enquanto interior não vincula,
nem produz efeitos. Por isso, se alguém comparece a um leilão e não levanta o braço, estará
impossibilitado de apresentar um lance para a aquisição do bem leiloado);
iii) consciência dessa exteriorização de vontade (se, nesse mesmo leilão, levanto o braço para
chamar o garçom, sem ter consciência de que estarei oferecendo um lance, não posso estar
praticando ato jurídico);
iv) que essa vontade exteriorizada dirija-se à obtenção de resultado permitido (não proibido)
pela ordem jurídica.11
Vale lembrar que a exteriorização da vontade pode ocorrer de duas maneiras: a manifestação
(quando o indivíduo demonstra por ações) e a declaração (quando o indivíduo demonstra por
palavras).
Ademais, diferenciam-se os atos jurídicos em: atos jurídicos stricto sensu e negócios
jurídicos. Dessa forma, enquanto o primeiro diz respeito aos atos que tem por efeito algo já
previsto em lei, o segundo possui autonomia para regular os seus interesses e efeitos, ou seja,
“quando a autonomia da vontade não exercer influência nos efeitos decorrentes, ter-se-á ato
jurídico sentido estrito, cujo efeito se produz ex lege, sem considerar a vontade do agente; já
se o resultado depender da vontade (ex voluntate), é caso de negócio jurídico.”12.

10 Negócio Jurídico

10.1 Noções gerais


De acordo com Farias e Rosenvald, “negócio jurídico (Rechtsgeschaft) é o acordo de
vontades, que surge da participação humana e projeta efeitos desejados e criados por ela,

10
Idem, ibidem, p. 603
11
Idem, ibidem, loc. cit.
12
Idem, ibidem, p. 605
tendo por fim a aquisição, modificação, transferência ou extinção de direitos.”13, dessa forma,
o negógio jurídico é mais “rico e complexo” que o ato jurídico, visto que ele produz efeitos
que vão além daqueles previstos em lei.

10.2 Definição
De acordo com Orlando Gomes, negócio jurídico é “toda declaração de vontade destinada
à produção de efeitos jurídicos correspondentes ao intento prático do declarante se
reconhecido e garantido pela lei” 14.
Além disso, vale lembrar que o Código Civil de 1916 não admitia diferença entre negócio
jurídico e ato jurídico stricto sensu, entretanto, a partir do Codex de 2002, influenciado pela
Escola alemã, houve a distinção.

10.3 Características e breve escorço evolutivo


É sabido, como já supracitado, que o negócio jurídico é a exteriorização da vontade das
partes, entretanto, tem-se que ter em mente que:
A materialização da autonomia privada não pode imortar na afronta a valores fundamentais
consagrados em sede constitucional, decorrentes da teoria da eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, nem, tampouco, violar certos deveres mínimos de lealdade e respeito
recíprocos entre os contratantes (Treu un Glauben, no original alemão) ou prejudicar
interesses de terceiros e da coletividade como um todo. Equivale a dizer: a liberdade negocial
tem de ser exercida nos limites impostos pela Constituição da República e pelo Código
Civil.15.
Portanto, apesar de a vontade humana ser essencial para a existência do negócio jurídico,
ela não pode intervir nos direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana, previstos
pela própria Constituição Federal. Além disso, é importante reiterar que isso de maneira
alguma diminui a importância do negócio jurídico, pois, como afirma Francisco Amaral, dar a
este “uma função social significa que os interesses da sociedade se sobrepõe aos do indivíduo,
sem que isso implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando a ação do
Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais.” 16, pois “é precisamente com
esse entendimento (função social) que a autonomia privada pode e deve direcionar-se”17
correspondendo “aos deveres das pessoas em relação à sociedade, superando-se o
individualismo jurídico em favor dos interessados comunitários e corrigindo-se os excessos
da autonomia da vontade dos primórdios do liberalismo e capitalismo” 18.

10.4 Classificação
Quanto à classificação, faz-se necessário, mais uma vez, evocar as claras palavras de
Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald ipsis litteris:
i) quanto à declaração de vontade das partes, o negócio jurídico pode ser unilateral (quando
se aperfeiçoar apenas com uma única manifestação de vontade, como no testamento),
bilateral (sendo aquele que se completa com duas manifestações de vontade, coincidentes
com o mesmo objeto, através de consentimento mútuo, porém com interesses antagônicos,
como se pode notar no casamento ou na compra e venda) ou, ainda, plurilateral (dizendo
respeito àquele negócio que envolve a composição de mais de duas vontades paralelamente
manifestadas por diferentes partes, com um interesse convergente, como, e. g., no contrato de
sociedade);

13
Idem, ibidem, p. 606
14
GOMES apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 607
15
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 609
16
AMARAL apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 610
17
AMARAL apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, loc. cit.
18
AMARAL apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, loc. cit.
ii) quanto aos titulares, o negócio pode ser inter vivos (quando é celebrado para produzir
efeitos desde logo, quando ainda vivos os contratantes, ainda que, eventualmente, um deles
venha a morrer, de que é exemplo o contrato de compra e venda) ou causa mortis (cujos
efeitos somente decorrem após o óbito de um ou de mais de um dos declarantes, podendo ser
lembrado o testamento);

iii) quanto aos benefícios patrimoniais reconhecidos às partes, o negócio jurídico pode ser
oneroso (quando há vantagem patrimonial para ambas as partes. É o exemplo do contrato de
compra e venda. Vale lembrar que o negócio oneroso pode ser comutativo ou aleatório,
distinguindo-se porque naquele há prévio conhecimento das vantagens econômicas auferidas
pelas partes, como na aquisição de um bem imóvel, enquanto neste as vantagens a serem
obtidas são incertas e não sabidas, como no contrato de seguro e na cessão de direitos
hereditários), gratuito (referindo-se àquele em que só uma das partes aufere benefícios, de
que é hipótese a doação sem encargo, chamada de pura e simples), neutro (constituindo
espécie desprovida de expressão econômica, como na gestação em útero alheio, que será,
necessariamente, destituída de qualquer envolvimento patrimonial, consoante a advertência
da Lei no 9.434/97) ou bifronte (quando o negócio puder ser gratuito ou oneroso, a depender
da vontade almejada pelas partes, como se nota do contrato de depósito, que permite a
convenção de remuneração do depositário, convertendo-se em oneroso, nos termos do art.
644 do Código Civil);

iv) quanto à forma, pode ser o ato negocial formal (também dito solene, quando tiver de
obedecer a alguma solenidade exigida por lei, como da essência do ato,como o casamento ou
a compra e venda de imóvel) ou informal (com forma livre, consistindo na regra geral, de que
é exemplo um empréstimo);

v) quanto à importância, o negócio poderá ser principal ou acessório, se tiver, ou não,


existência própria. Se tiver existência autônoma, independente de outro, é principal; se,
entrementes, a sua existência e destino são subordinados juridicamente a outro negócio,
trata-se de negócio acessório. É possível invocar o exemplo do contrato de empréstimo e de
fiança como eloquente exemplo de negócio principal (o empréstimo) e acessório (a fiança).
No mesmo passo, vale lembrar o casamento e o pacto antenupcial;

vi) quanto à duração, poderá o negócio ser instantâneo (cujos efeitos são exauridos em
momento único, podendo ser lembrada como exemplo a compra e venda à vista) ou de
duração, também dito de trato sucessivo (hipótese em que os efeitos são protraídos no tempo,
como na compra e venda em prestações). Releva a distinção porque somente o negócio de
trato sucessivo admite a resolução ou revisão judicial por onerosidade excessiva, nos termos
dos arts. 478 a 480 do Código Civil;

vii) quanto à causa, existe o negócio jurídico causal (quando fundado em motivo
determinante) ou abstrato (sem causa predeterminada);

viii) quanto à eficácia, pode ser que o negócio assuma forma consensual (bastando-lhe, para o
seu aperfeiçoamento, a exteriorização da vontade das partes), solene (quando for exigido, por
lei, o atendimento a alguma formalidade ou solenidade, sob pena de nulidade, nos termos do
art. 166 da Lei Civil) ou real (hipótese em que a perfectibilização do negócio jurídico
depende da tradição, isto é, da efetiva entrega do objeto negocial).19.
Além disso, também é falado sobre a extensão de interesses do negócio jurídico, que pode
ser intersubjetiva, plúrima ou individual homogênea, sendo a primeira quando há apenas uma
pessoa em cada ponta da relação, a segunda quando há mais de uma pessoa em pelo menos
um polo da relação e, por fim, a terceira quando existir uma entidade em uma das partes,
representando a vontade de um determinado grupo de pessoas.
19
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 611-612
Por fim, é válido lembrar que os negócios jurídicos podem ter efeitos difusos ou coletivos,
sendo estes quando forem produzidos efeitos forem de dimensões coletivas, como no caso de
sindicatos que defendem direitos trabalhistas (coletivos), enquanto aqueles quando forem
representados interesses difusos, como os interesses ambientais 20.

10.5 Regras de interpretação do negócio jurídico


Primeiramente, tem-se como a principal regra a boa-fé objetiva, visto que “o sentido e o
alcance de cada cláusula contratual precisam ser definidos de acordo com o comportamento
das partes, extraindo o senso ético mínimo que deve pautar as relações sociais e jurídicas.” 21.
Além disso, vale lembrar que interpretar os negócios a partir da boa-fé objetiva equivale a
respeitar os princípios constitucionais fundamentais previstos para uma atividade privada,
como a igualdade substancial, a solidariedade social, o valor social da livre iniciativa privada,
obviamente, a dignidade da pessoa humana 22.
Dessa forma, pode-se dizer que interpretar a partir da boa fé seria uma forma de buscar o
equilíbrio, pois ela:
Constitui-se, a um só tempo, na estipulação de deveres anexos, implícitos, nos
negócios, impondo probidade, honestidade, ética, honradez e informação, mesmo não
estando previstos expressamente na declaração negocial, além de limitar o exercício
dos direitos subjetivos, evitando o abuso de direito e, finalmente, servindo como
fonte de interpretação dos negócios jurídicos. O ilícito contratual, portanto, não se
caracteriza apenas pelo descumprimento de regras expressamente convencionadas,
mas também pela violação de determinados princípios, que se consideram
implicitamente inseridos, encartados, no negócio. 23.
Portanto, interpretar de acordo com a boa-fé objetiva é, então, garantir a “funcionalidade
e eticidade”24 e, por isso, é possível apresentar as seguintes regras decorrentes dela:
i) as palavras e expressões ambíguas devem ser interpretadas pelos costumes locais;
ii) as expressões não compreensíveis são tidas como não escritas;
iii) o conteúdo negocial só compreende as coisas sobre as quais podem as partes pactuar;25
Outrossim, existem outras regras além da boa-fé objetiva, porém isso, de maneira alguma,
retira a necessidade de sua aplicação, pois elas são apenas regras auxiliares, que se somam à
principal.
A primeira delas está presente no art. 110 do Código Civil, e diz respeito à chamada
reserva mental, que se caracteriza por uma “declaração não querida, não desejada, em seu
conteúdo e muito menos e seu resultado, tendo por fito único enganar, iludir, o declaratório
(parte contrária).”26, ou seja, o declarante já tem uma prévia intenção de não cumprir com o
acordo. Além disso, a reserva mental pode ocorrer de duas formas: “(i) sem o conhecimento
do destinatário e (ii) com o conhecimento do destinatário”27, desse modo, no primeiro caso o
negócio sobrevive, porém, sabendo que o declarante não irá cumprir com sua parte, o negócio
deixa de existir.
Dando continuidade, o art. 111 do Codex vigente traz outra regra: a possibilidade de
interpretar o silêncio como declaração de vontade. Nesse caso não é o silêncio uma declaração
explícita de vontade, entretando também não é uma negação, pode-se dizer que seria uma

20
Lembrando que os negócios com efeitos difusos serão sempre extrapatrimoniais.
21
Idem, ibidem, p. 614
22
Idem, ibidem, loc. cit.
23
Idem, ibidem, p. 615
24
Idem, ibidem, loc. cit.
25
Idem, ibidem, p. 616
26
Idem, ibidem, loc. cit.
27
Idem, ibidem, loc. cit.
aceitação, o “silêncio eloquente”28, o que, talvez, possa validar a famosa fala popular “quem
cala consente”.
Mais adiante, o art. 112 do Código de 2002 diz que a vontade real, ou seja, a intenção das
declarações, valerá mais que o sentido literal delas, sendo necessário agir de com boa-fé. Seria
essa a chamada teoria da confiança.
Acresça-se a isso o art. 114 do Estatuto da Cidadania “impõe interpretação restritiva para
os negócios benéficos e para a renúncia” 29. Exemplificando: “não se pode imputar ao fiador
obrigações supervenientes, inexistentes quando da prestação da garantia, em razão da
interpretação restritiva.”30.
Por fim, é sempre válido lembrar que, de acordo com o art. 423 do Código Civil e art. 47
do Código do Consumidor, em contratos de adesão ou de consumo será superior a
interpretação que mais favorecer a parte fraca, no caso, o aderente ou consumidor.

10.6 Diferentes planos (dimensões) do negócio jurídico


É possível afirmar que o negócio jurídico possui três planos, são eles:
i) plano da existência, relativo ao ser, isto é, à sua estruturação, de acordo com a presença de
elementos básicos, fundamentais, para que possa ser admitido, considerado;
ii) plano da validade, dizendo respeito à aptidão do negócio frente ao ordenamento jurídico
para produzir efeitos concretos;
iii) plano da eficácia, tendo pertinência com a sua capacidade de produzir , desde logo,
efeitos jurídicos ou ficar submetido a determinados elementos acidentais, que podem conter
ou liberar tal eficácia.31
Sendo mais específico, na primeira fase é analisado se o negócio possui elementos
essenciais para a produção de um efeito, em seguida é verificado se o negócio é válido de
acordo com o ordenamento jurídico e, por fim, será ou não conferido produtividade dos
efeitos.
10.7 Plano da existência e seus pressupostos (elementos de existência)
Nesse plano, o que é analisado, como já supracitado, não é analisado nenhum tipo de
validade ou eficácia, mas sim os elementos essenciais para que um negócio deve ter para que
possa produzir um efeito, ou seja, é analisado o ser do negócio. Além disso, caso não existam
tais elementos, o negócio é considerado inexistente (não-ser), nessa situação, salvo em casos
específicos, não é sequer preciso o negócio ser destituído judicialmente, visto que ele já não
existe.
“[...] são pressupostos de existência do negócio jurídico:
i) gente;
ii) objeto;
iii) forma;
iv) vontade exteriorizada consciente.”32

10.8 Plano de validade e seus requisitos: a invalidade (nulidade a anulabilidade) do


negócio jurídico

10.8.1 Considerações gerais sobre o plano da validade


O plano de validade é onde se analisa a validade de um negócio diante do ordernamento
jurídico vigente, ou seja, é nele que o negócio vai encontrar uma justificação teórica e, caso
não seja validado, não apresentará nenhum efeito jurídico, pois tornar-se-á inválido.

28
Idem, ibidem, p. 617
29
Idem, ibidem, p. 618
30
Idem, ibidem, loc. cit.
31
Idem, ibidem, p. 619
32
Idem, ibidem, p. 620
10.8.2 Os requisitos da validade
Enquanto no plano de existência existem os elementos essenciais, no plano subsequente,
ou seja, de validade, tem-se os requisitos para a validade, que se dão baseados nos primeiros,
de acordo com o art. 104 do Código Civil, que são:
i) agente capaz;
ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
iii) forma adequada (prescrita ou não defesa em lei);
iv) vontade exteriorizada conscientemente, de forma livre e desembaraçada.33
Sobre o agente, é possível afirmar que ele deve ser capaz, de acordo com as hipóteses de
absoluta e relativa incapacidade, podendo ser dado como nulo ou anulado, respectivamente.
Além disso, vale lembrar que a lei pode, também, exigir algum outro requisito além da
capacidade do agente.
Sobre o objeto, como já supracitado, deve ser lícito, possível, determinado ou
determinável, não podendo ir contra a norma, a moral ou os bons costumes e, caso não sejam
cumpridos esses requisitos, o negócio é inválido. Não se olvide que a impossibilidade
absoluta do objeto, e somente ela, pode anular um negócio juridico. Caso a impossibilidade
seja parcial o negócio negócio perdurará, mas pode se submeter a um controle de eficácia.
Sobre a forma, pode-se dizer que ela é, em regra, livre, entretanto, caso seja previsto em
lei ou decorrente da vontade de uma das partes, a forma pode adquirir um caráter especial, de
acordo com o art. 107 do Códex de 2002. Lembre-se: a forma é livre, a menos que haja uma
especificidade prevista na lei ou na vontade de uma parte, caso contrário, ela é livre.
Sobre a vontade, ela deve ser externada de forma livre e totalmente desembaraçada, ou
seja, nenhuma parte deve ser coagida a consentir com algo se não está, realmente, de acordo
com aquilo. Portanto, não deve haver nenhuma malícia, tampouco vício expresso na
declaração da vontade, porém, caso isso seja feito, serão caracterizados os defeitos do negócio
jurídico, podendo ser de vícios da vontade, quando a vontade expressa discordar da vontade
de fato, por qualquer motivo que seja, ou vícios sociais, quando a vontade é explicitada com o
fito de fraudar a lei ou prejudicar alguém.

10.8.3 A representação no negócio jurídico


a) Nota introdutória
Existem dois tipos de representação: a legal ou necessária, quando o poder de um é
repassado para outrem por uma lei, que é o que acontece no caso de um incapaz, ou pode ser
também uma representação voluntária, que é quando uma pessoa concede poder de atuação
em seu nome para um terceiro por vontade própria, para que este represente seus interesses.

b) A representação voluntária no Direito Civil


A representação voluntária, como supracitado, ocorre quando alguém pode efetuar um
negócio ou ato jurídico em nome de outrem, e nesta recairão as consequências jurídicas (boas
ou ruins) produzidas, ou seja, o representante seria uma “projeção da personalidade jurídica
do representado, muito embora não se confundam.” 34. Vale lembrar que qualquer negócio
jurídico aceita a representação privada como regra, sendo a mais comum destas o contrato.

c) O representante aparente e a boa-fé


A representação voluntária está intrinsecamente ligada ao princípio da notoriedade (ou
aparência), desse modo, pode-se dizer que, caso uma pessoa atue de modo a aparentemente
representar outra (tal qual uma pessoa com as roupas de uma loja se passando por vendedor),

33
Idem, ibidem, p. 622
34
MAIA JÚNIOR apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 625
esta (a “outra”) responderá pelo eventual negócio ou ato jurídico, se respeitado a boa-fé das
partes.
Dessa forma, nesta situação impera a teoria da aparência, chamada pelos autores de
“representação ou procuração aparente”35, que, basicamente, fala que “apesar de não existir a
manifestação de vontade do representado em outorgar poderes, a conduta dele, objetivamente
consideraram contribui para formar no terceiro a convicção de ter sido outorgada
procuração.”36. Isto é amparado pela doutrina e também pela jurisprudência.

d) Distinções necessárias e fundamentais entre a representação, o mandato e a


procuração
Representação, mandato e procuração são três coisas distintas entre si. O mandato é um
contrato no qual uma pessoa é encarregada de praticar negócios no interesse de terceiros, ou
seja é um “negócio jurídico pelo qual uma pessoa incumbe outra de realizar uma determinada
atividade, em seu nome”37.
A representação, por sua vez, é quando uma pessoa atua gerindo os interesses de outra,
como já supracitada, e pode ser de caráter legal ou voluntário. Em um mandato é perceptível a
presença de uma representação voluntária, porém eles não se confundem, pois, de forma
forma rasteira, porém clara, pode-se dizer que pode existir um mandato sem representação,
bem como uma representação sem mandato.
A procuração, evidentemente, está ligada tanto à representação quanto ao mandato,
porém preserva sua singularidade, visto que, nela, são conferidos apenas poderes de atuação,
sem imposição de nenhuma obrigação, como ocorre nos outros dois. Sendo assim, é possível
caracterizar a procuração como um instrumento do mandato.

e) Contrato consigo mesmo ou autocontrato


Pode ocorrer de uma pessoa fazer uma negociação estando, ao mesmo tempo, de um lado
em interesse próprio e do outro no de outrem, como pode acontecer no caso dos casamentos
por procuração. Estes casos são demoninados contratos consigo mesmo ou autocontratos.

10.8.4 A invalidade do negócio jurídico


a) Considerações gerais
Para invalidar um negócio jurídico pode-se ter uma nulidade ou anulabilidade deste,
sendo o primeiro quando são violados interesses públicos, ou seja, de interesse de todos,
enquanto o segundo é referente à interesses particulares. Desse modo, a distinção entre esses
dois tipos se dá não pelos efeitos dos negócios mas sim pelas suas origens, pelos motivos que
o geraram. Ademais, pode-se classificar a invalidade também em: “(i) originária ou sucessiva
(se nasceu, ou não, com o próprio ato); (ii) total ou parcial (se compromete a totalidade do
negócio ou somente parte dele).38

b) O regime jurídico das nulidades


Pode ser nulo um négocio jurídico quando
i) Celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
ii) For ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
iii) Não revestir a forma prescrita em lei;
iv) Quando for preterida solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
v) Tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

35
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 625
36
MAIA JÚNIOR apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 625
37
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p, 627
38
Idem, ibidem, p. 632
vi) A lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática sem comninar sanção
(deixando antever que o rol não é taxativo, mas meramente exemplificativo, admitindo outras
hipóteses de nulidade, como e. g., na hipótese do testamento conjuntivo, realizado
simultaneamente por duas pessoas que também é nulo de pleno direito). 39
Sendo nulo, o ato ou negócio não produz efeito jurídico e tampouco prescreve. É valido
lembrar que a invalidade deve ser reconhecida por decisão judicial meramente declaratória,
pois ela, como já supracitado, diz respeito a interesses públicos. Ademais, a nulidade do
negócio jurídico apresenta as seguintes características elementares:
i) Opera-se de pleno direito;
ii) Pode ser invocada por qualquer pessoa, inclusive pelo Ministério Público;
iii) Não admite confirmação, sendo pois, irratificável;
iv) É imprescritível;
v) Pode ser conhecida ex officia40

c) O regime jurídico das anulabilidades


O regime das anulabilidades é, como já citado anteriormente, de interesse privado, e
justamente por isso é que somente o interessado pode suscitá-la, além de que ela tem uma
gravidade muito menor que a nulidade.
Como características, tem-se o seguinte:
i) O negócio existe e gera efeitos concretos até que sobrevenha a declaração de invalidação;
ii) Somente a pessoa, juridicamente interessada poderá promover a anulação negocial;
iii) Admite ratificação;
iv) Submete-se aos prazos prescricionais;
v) O juiz pode conhecer a anulabilidade de ofício, nem o Ministério Público pode suscitá-la.41
Outrossim, vale citar que, diferente da nulidade, a anulabilidade possui um prazo
prescricional que, em regra, é de quatro anos, entretanto, se a lei determinar que tal ato é
anulável sem estabelecer um prazo o tempo cai para dois anos a partir da data de conclusão do
ato ou negócio jurídico.

d) Os negócios jurídicos, a teoria das invalidades e o Estatuto da Pessoa com


Deficiência (novo regime jurídico das invalidades das pessoas com deficiência)
Com a chegada do Estatuto da Pessoa com Deficiência foram alteradas as hipóteses de
incapacidade relativa e absoluta, como constam no art. 3 e 4 do mesmo. Dessa forma, pessoas
com deficiência, seja ela física, mental ou intelectual, foram retiradas da lista de incapazes,
sendo necessário agora, para se enquadrarem nela, comprovar que a pessoa não pode exprimir
sua vontade, seja permanentemente ou de modo transitório (como consta no inciso III do art. 4
citado).
Por conta disso, “atos e negócios jurídicos celebrados por pessoas com deficiência
passam a ser, em regra, plenamente válidos, inclusive podendo ser levados a registro, em
cartório.”42. Entretanto, justamente por isso, pode ser que em algum momento uma pessoa
com uma deficiência que não é capaz de exprimir sua vontade pode tentar efetuar um ato ou
negócio jurídico que possa prejudicar os próprios interesses e, por isso, é necessário agir com
boa-fé objetiva, utilizando-a como instrumento para o “controle de validade e eficácia do
negócio jurídico”43. Cabe relembrar que pessoas em estado vegetativo estão inclusas na
categoria de incapacidade relativa.

39
Idem, ibidem, loc. cit. (Nota: para uma explicação mais detalhada de cada ponto veja as páginas 633 e 634)
40
Idem, ibidem, p. 635
41
Idem, ibidem, p. 635-636
42
Idem, ibidem, p. 637
43
Idem, ibidem, p. 638
Além disso, sobre a invalidade relativa, vale dizer que “o ato poderá ser praticado,
mesmo sem a assistência respectiva, não podendo, por exemplo, o notário ou tabelião se
recusar a lavrar o seu registro, se for o caso.”44.

e) O princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos


O princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos diz, basicamente, que o negócio
deve ser preservado sempre que possível, contemplando os “institutos da conversão
substancial (art. 170), da ratificação (art. 172) e da redução (art. 184)”45.
A primeira (conversão substancial) se refere a uma reclassificação do negócio que foi
nulo, para que se aproveite a manifestação da vontade para reconhecer outro negócio,
respeitando os requisitos formais.
A segunda (ratificação) “concerne à possibilidade de as partes, por vontade expressa ou
tácita, declarem aprovar um determinado negócio ou ato anulável” 46, sendo esta quando,
mesmo ciente da anulabilidade, a parte cumprir o seu conteúdo, enquanto aquela “quando,
através de novo ato, que contém a substância negocial, as partes afirmam a vontade de
mantê-lo.”47.
A terceira (redução) é quando há “uma espécie de isolamento da invalidade,
aproveitando-se os demais termos do negócio”48, ou seja, reduz-se a anulação a apenas uma
parte do negócio, caso existam “diferentes vontades manifestadas no mesmo ato e quando for
admitida a separação delas” 49.
Ademais, pode-se citar também a teoria da gravitação, que, de forma resumida, fala que
se o negócio principal for anulado os negócios acessórios também serão, entretanto, o
contrário não é válido, ou seja, caso seja anulado um negócio acessório o principal ainda
poderá ser mantido.

f) Quadro Conclusivo
Distinção entre nulidades e anulabilidades 50
Nulidades Anulabilidades
Fundamenta-se em razões de ordem pública. Fundamenta-se em razões de ordem privada.
Pode ser declarada de ofício pelo juiz, a Somente poderá ser invocada por aquele a
requerimento do MP, ou de qualquer quem aproveite, não podendo ser reconhecida
interessado. de ofício.
Não é suscetível de confirmação. É suscetível de confirmação ou redução.
Não convalesce pelo passar do tempo. Prazo decadencial de quatro anos.
Não produz efeitos Produz efeitos, enquanto não for anulado.
Reconhecida através de ação meramente Reconhecida através de ação Desconstrutiva,
declaratória. sujeita a prazo decadencial.
Admite conversão substancial. Admite sanação pelas próprias partes.

10.8.5 Conversão substancial do negócio jurídico


A conservação substancial do negócio jurídico, como já supracitado, é uma das formas de
manifestação do princípio da conservação, visto que ela consiste em aproveitar a vontade das
partes e criar, a partir de um negócio nulo, um válido. Obviamente, essa manifestação só é

44
Idem, ibidem, p, 639
45
Idem, ibidem, loc. cit.
46
Idem, ibidem, p. 639-640
47
Idem, ibidem, p. 640
48
Idem, ibidem, loc. cit.
49
Idem, ibidem, loc. cit.
50
Idem, ibidem, p. 641
válida para casos nulos, pois, para os anuláveis, é necessária apenas a manifestação de
vontade das partes para que o negócio seja convalidado.
Para que seja admitida a conversão substancial devem estar presentes os seguintes
elementos:
(i) elemento de natureza objetiva, consistente na possibilidade de aproveitamento (pois na
conversão não se cria novo suporte fático) dos elementos fáticos do negócio inválido em
nova figura negocial; (ii) elemento de natureza subjetiva, relacionado à intenção dos
declarantes dirigida a obter a recategorização jurídica do negócio nulo. 51
Além disso, é sempre bom lembrar que somente o juiz pode declarar a conversão
substancial, muito embora ela possa ser reclamada tanto pelas partes, quanto por terceiros,
sendo restrita essa possibilidade apenas para quem deu nulidade à causa. Também deve-se
lembrar que conversão substancial é diferente de conversão legal.

10.8.6 A simulação
Simulação seria uma “declaração enganosa de vontade, visando produzir efeito diverso
do ostensivamente indicado”52, sendo assim: “A simulação revela-se como o intencional e
propositado desacordo entre vontade declarada (tornada exterior) e a vontade interna
(pretendida concretamente pelo declarante), fazendo com que seja almejado um fim diverso
daquele afirmado.”53, indo contra um dos pontos essenciais para a validade do negócio
jurídico (mais especificamente o ponto iv, presente no subtópico 10.8.2).
Além disso, a simulação pode aparecer de forma absoluta ou relativa, sendo esta referente
à quando a real intenção de uma parte diverge da da vontade exterrnada, declarada, enquanto
aquela concerne em um ato ou negócio praticado com o fito de não produzir nenhuma eficácia,
ou seja, não há negócio nenhum, mas uma “mera aparência”54. Lembrando que: ambos os
casos geram nulidade d negócio jurídico e não produzem efeito.
Desse modo, pode-se dizer que há simulação quando:
i) os negócios estiverem aparentando conferir ou transmitir direitos a pessoas siversas
daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem, havendo interposição fictícia de
pessoa, nos termos do art. 167, § 1º, I, do Estatuto Civil (são os chamados “testas de ferro” ou
“laranjas”, como no clássico exemplo do homem casado que, não podendo realizar doação
para a sua amante, concubina impura, porque reputada nula pelo ordenamento, o faz para o
irmão dela);
ii) os contratos contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira,
conforme previsão do inciso II, do § 1º, do art. 167, da Codificação (é o típico exemplo dos
falsos atestados médicos);
iii) os instrumentos particulares forem antedatados ou pós-datados, de acordo com o inciso III,
do § 1º, do multicitado artigo (falsidade da data afirmada no negócio jurídico). 55
Vale citar que existe uma discussão acerca dimulação relativa inocente ou tolerável, que é
aquela que, mesmo existindo desacordo entre “o que deveria ser” e “o que foi”, inexiste
prejuízo para qualquer uma das partes. Segundo Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald, não
há necessidade de anular um negócio jurídico que apresente tal simulação, entretanto alguns
juristas discordam.

10.9 Plano de eficácia e seus fatores

10.9.1 Generalidades
Sobre a eficácia, Antonio Junqueira de Azevedo é mais que claro em afirmar que:

51
Idem, ibidem, p. 644
52
BEVILÁQUA apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 645
53
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 645
54
Idem, ibidem, p. 646
55
Idem, ibidem, loc. cit.
[...] o terceiro e último plano em que a mente humana deve projetar o negócio jurídico para
examiná-lo é o plano da eficácia. Nesse plano, não se trata, naturalmente, de toda e qualquer
possível eficácia prática do negócio, mas sim, tão só, da sa eficácia jurídica e, especialmente,
da eficácia própria ou típica, isto é, da eficácia referente aos efeitos manifestados como
queridos.56
E, exatamente nesse ponto, se deve analisar a presença de condições, termos e modos (ou
encargos), como elementos acidentais do negócio jurídicos. 57

10.9.2 Condição
De modo geral, a condição pode ser definida como um evento futuro e incerto, que
determinará os efeitos (ou não) de um negócio jurídico, por exemplo, se uma pessoa faz um
acordo em que diz que caso o Flamengo vença o próximo jogo contra o Corinthians, ela doará
determinada quantidade de dinheiro para a caridade. Neste caso meramente ilustrativo, fica
claro que a eficácia do negócio negócio (doação) só ocorrerá caso um evento futuro e incerto
ocorra, no caso, a vitória de um time sobre o outro.
Ademais, pode-se classificar a condição de diferentes formas, a partir de variados
critérios, vide:
i) quanto à maneira de atuação, a condição será suspensiva ou resolutiva. Aquela (suspensiva)
impedirá a produção de qualquer efeito até que se realize o evento a que se subordinou a
eficácia negocial (é o conhecido exemplo doarei um bem se você casar). Os efeitos ficam
contidos até que o acontecimento se concretize. Antes do implemento da condição suspensiva,
não se opera a aquisição, nem o exercício, do direito a que se subordina. Acresça-se,
outrossim, que, pendente uma condição suspensiva se o titular fizer novas disposições,
incompatíveis com a condição, não terão valor (é o exemplo da doação feita a alguém sob
condição suspensiva e realizada, em seguida, para outrem). Esta (resolutiva), ao seu turno,
faz cessar os efeitos que estão se produzindo (como, v. g., no empréstimo de um livro até que
o donatário se forme). Com espeque no art. 128 do Código Civil, sobrevindo condição
resolutiva, extingue-se o direito a que ela se opõe.
ii) quanto à licitude, podendo ser lícita ou ilícita. A distinção é feita, pelo art. 122 da
Codificação, por exclusão: são lícitas, genericamente, as condições não contrárias à lei, à
ordem pública ou aos bons costumes, deixando à mostra o campo das condições ilícitas, por
simples análise inversa. Exemplo típico é a condição consistente em impedir alguém de casar,
em face do absoluto cerceamento de uma liberdade. Também são reputadas ilícitas as
condições que privarem o negócio de todo e qualquer efeito (como no exemplo de alguém
que doa um imóvel se o donatário jamais utilizar ou fruir do bem), bem assim como as que
sujeitarem o negócio, exclusivamente, ao puro arbítrio de um dos negociantes (são as
chamadas condições puramente potestativas, que conferem a alguém absolutos poderes,
retirando a própria essência negocial, como na cláusula si voluero, isto é, “se me aprouver”,
“se eu quiser”...). A consequência da ilicitude da condição é a invalidação do próprio negócio
jurídico, como reza o art. 123 do Texto.
iii) quanto à possibilidade, a condição pode assumir feição possível ou impossível, física ou
juridicamente. Fisicamente impossível é a condição que não poderá ser atendida por qualquer
ser humano, como levar o mar à Feira de Santana ou ao sertão baiano. Sob o prisma jurídico,
a impossibilidade prende-se a uma vedação do ordenamento jurídico, como na proibição de
ato de disposição da herança de pessoa viva (art. 426, CC). Quando suspensiva, a condição
impossível física ou juridicamente invalidará o negócio jurídico (art. 123, I, CC).
iv) quanto à fonte de onde deriva, nota-se que a condição pode ser casual, potestativa ou
mista, se originou de evento fortuito, da vontade de um dos negociantes ou, a um só tempo,
da vontade de um dos agentes e de outra circunstância. Se a condição depende do acaso,
diz-se casual (exemplo nítido é a não ocorrência de uma tempestade). Se decorrer da vontade

56
AZEVEDO apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 649
57
Nota: lembre-se que, excepcionalmente, alguns negócios nulos podem ter efeitos, como é o caso do casamento nulo,
citado por Farias e Rosenvald.
de uma das partes, é potestativa (lembrando que somente são admitidas as condições
simplesmente ou meramente potestativas, sendo aquelas dependentes de manifestação
volitiva de uma das partes, como no exemplo de realizar uma viagem, pois as condições
puramente potestativas são vedadas pelo art. 122 do Código Civil). Finalmente, a condição
mista é a que conjuga a vontade de uma das partes e uma circunstância externa, como na
doação que se realizará se o donatário casar com determinada pessoa.58
“Enfim, condição é se.”59.

10.9.3 Termo
Sobre o termo, pode-se dizer que, assim como a condição, ele é futuro, entretanto, ao
contrário desta, ele é garantido, ou seja, ele traz certeza e futuridade. Dessa forma, o termo
pode ser determinado (ou certo), quando se referir a uma data específica do calendário (por
exemplo: o dinheiro será entregue no dia 13 de janeiro), mas também pode ser indeterminado
(ou incerto), quando diz respeito de algo que, apesar de garantido, não possui uma data fixa
(como um testamento, que só tem a eficácia após a morte do testador).
Ademais, “o termo poderá ser inicial (dies a quo), relativo àquele evento futuro e
inevitável que suspende o início da eficácia do ato, ou final (dies ad quem), caracterizado
quando a eficácia do negócio expira com o advento daquela data”60, e também “o termo,
presumivelmente, é estabelecido em favor do devedor, salvo se o instrumento, expressamente,
contemplar disposição distinta ou o contrário resultar das circunstâncias do negócio”61.
“Em resumo, é possível afirmar que o termo é quando.”62.

10.9.4 Modo ou encargo


O encargo, ou modo, impõe uma obrigação, ou seja, um ônus, ao beneficiário de um ato
gratuito, e essa obrigação pode favorecer desde o próprio feitor até um terceiro, podendo ser
até mesmo a coletividade. Outrossim, o encargo não suspende a eficácia do negócio, a não ser
que assim seja previsto, como se dá no exemplo dado por Farias e Rosenvald: “[...] lhe doarei
um determinado bem se prestares serviço gratuito no Hospital de Irmã Dulce”63. Além disso,
vale apontar que o modo, diferente das outras cláusulas acidentais, é coercitivo e pode até
constranger o beneficiá-lo a realizá-lo.
“Por derradeiro, o encargo ou modo é mas, porém.”64.

10.10 Defeitos do negócio jurídico

10.10.1 Generalidades
São chamados defeitos do negócio jurídico vícios que estejam presentes nesses, podendo
variar em vícios sociais e vícios de consentimento (ou de vontade), sendo estes quando o
desejo interno do declarante for diferente do exteriorizado, como ocorre no erro, no dolo, na
coação, na lesão e no estado de perigo, enquanto aquele referente à situação em que a vontade
externalizada é igual à real desejada, porém esta tenha o fito de prejudicar um terceiro ou
burlar uma lei, como na fraude contra credores.

10.10.2 Erro ou ignorância


Erro ou ignorância é quando um negócio é efetuado a partir de uma falsa perpecepção de
algo, ou mesmo falta desta, por motivos espontâneos, sem a indução por terceiros (pois nesse
58
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 650-651
59
Idem, ibidem, p. 652
60
Idem, ibidem, loc. cit.
61
Idem, ibidem, p. 653
62
Idem, ibidem, loc. cit.
63
Idem, ibidem, loc. cit.
64
Idem, ibidem, p. 654
caso seria um dolo). Sendo assim, só é anulado um erro se ele for essencial (ou substancial) e
real. Desse modo, para ser essencial, o erro deve incidir sobre os aspectos principais de um
negócio, podendo assumir as seguintes feições:
i) é o que interessa à natureza do negócio (error in negotio), podendo ser mencionada a
hipótese de alguém que imagina estar realizando compra e venda, quando, na verdade,
encontra-se praticando doação;
ii) é, também, o que interessa ao objeto principal da declaração (error in corpore), como no
caso do comprador que adquire imóvel em uma rua imaginando se tratar de outra rua
homônima, ou do antiquário que adquire um relógio de bolso na convicção de que pertenceu
a D. Pedro II, quando jamais pertenceu ao Imperador;
iii) diz respeito, ainda, às qualidades essenciais ou identidade de determinada pessoa (error in
persona), podendo ser lembrado o caso do testador que deixa benefício patrimonial para
alguém imaginando ser seu filho, quando se trata de prole de outrem;
iv) concerne, ainda, à quantidade do objeto da negociação (error in quantitate), como no
clássico exemplo do colecionador que adquire uma coleção de relógios composta por 50
peças, depois descobrindo que, originariamente, a referida coleção continha 60 unidades. 65
Além disso, o erro deve ser real, ou seja, deve produzir um prejuízo para o interessado.
Ademais, se a ignorância estiver relacionada com uma característica secundária do negócio
jurídico, tem-se um erro acidental e este, por sua vez, não afeta a validade do negócio. Por fim,
se depois de descoberto o erro parte que estava enganada se oferecer para prosseguir o
negócio, dessa vez com a intenção de fato de produzir aquele efeito, não é anulada a relação.

10.10.3 Dolo
O dolo, como já supracitado, se assemelha ao erro, entretanto, ao invés de ser espontâneo,
ele é induzido por alguém, seja um terceiro ou a outra parte do negócio jurídico. Assim como
o erro, para que o dolo anule um negócio jurídico ele precisa afetar a parte essencial deste, ou
seja, é preciso que o dolo tenha gerado a vontade de promover aquele negócio e, sem ele, não
existiria negócio, sendo dolo acidental quando ele afeta somente uma parte secundária.
Além disso, também diferencia-se o dolus bonus e o dolus malus. O último seria o ato de
iludir uma parte com o intuito de viciar o negócio jurídico, gerando prejuízo na parte contrária.
O primeiro seria basicamente o exagero feito por alguns vendedores, por exemplo, ao afirmar
que seu produto é o “melhor do mundo”66.
Ademais, é válido que o dolo também pode ser classificado em positivo (ou comissivo) e
negativo (ou omissivo/reticência), sendo o primeiro referente a um dolo gerado por uma ação
do agente, enquanto o segundo seria por conta do seu silêncio intencional. Vale também
destacar que, se ambas as partes agem com dolo, nenhuma poderá anular o negócio, pois neste
caso as duas agiram de má-fé.
Por fim, cabe apresentar a síntese feita por Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald acerca
de elementos caracterizadores do dolo:
i) Finalidade de conduzir à prática do ato;
ii) Gravidade dos artifícios utilizados;
iii) Ser a causa determinante da declaração de vontade, viciando-a;
iv) Ser realizado pela outra parte do negócio ou seu procurador e, se realizado por terceiro,
que a parte contrária, a quem o dolo aproveite, tenha ciência dele ou devesse ter. 67

10.10.4 Coação
Coação é toda e qualquer pressão física ou moral feita contra alguém para, contra a sua
vontade, forçar a prática de um negócio jurídico. A coação física (ou vis absoluta) é uma

65
Idem, ibidem, p. 656
66
Neste caso, por conta do art. 37 do Código do Consumidor, o dolus bonus não pode ser utilizado em relações de consumo,
pois se configura como propaganda enganosa.
67
Idem, ibidem, p. 662
pressão externa que limita o movimento de alguém e reprime as suas vontades, enquanto a
coação moral (ou vis compulsiva) é a ameaça de um dano material ou imaterial feita ao
declarante ou a alguém com vínculo afetivo a este, com o intuito, mais uma vez, de forçar um
negócio jurídico contra a vontade da pessoa. Vale citar também que na coação física o
negócio inexiste, enquanto na moral ele é anulável.
São requisitos para se configurar coação os seguintes pontos:
i) gravidade (ameaça de um dano sério a ser imposto à vítima ou a terceiro a quem se vincule
afetivamente);
ii) seriedade (que a coação seja idônea para assustar a vítima);
iii) iminência ou atualidade;
iv) nexo causal entre a coação e o ato extorquido (ou seja, o negócio somente foi realizado
por conta da coação);
v) que o ato ameaçado seja injusto68

10.10.5 Lesão
Lesão se caracteriza como:
o prejuízo sofrido por uma das partes na conclusão do negócio, decorrente da desproporção
existente entre as prestações dos contraenttes, sendo que, um dos negociantes, valendo-se da
premente necessidade (conhecida ou não) ou da inexperiência do outro, obtém lucro
exorbitante ou desproporcional ao proveito resultante da prestação69
Dessa forma, a lesão pode se fazer presente nas seguintes espécies:
a) a lesão enorme ou lesão propriamente dita, incluída a lesão enormíssima, resgatada a
partir de referências históricas no Direito Romano, caracterizada, simplesmente, pelo excesso
nas vantagens e desvantagens, tratando-se de defeito exclusivamente objetivo.
Materializava-se a partir de um critério tarifado, bastando, v. g., que no contrato de compra e
venda ocorresse desproporção superior à metade do justo preço;
b) a lesão usurária ou usura real, contemplada na Lei de Economia Popular, originada nas
influências do BGB, § 138, exigindo para a sua concretização, além do requisito objetivo,
outros de ordem subjetiva: (b.1) o estado de necessidade, a inexperiência ou a leviandade da
parte que declara a vontade, e (b.2) a consciência da parte que causa a lesão, se beneficiando
de forma dolosa, sabendo estar lesando a parte contrária (é o chamado dolo de
aproveitamento, exigível em face do caráter penal da lesão usurária). Veja-se que não se
investiga a vontade da vítima, mas a do autor da lesão, que pratica ato contrário aos bons
costumes;
iii) a lesão especial, assim intitulada por falta de qualificação específica162 e contemplada
no Código Civil, em seu art. 157. Diferencia-se da lesão enorme porque para a sua
caracterização não é bastante a desproporção entre as prestações (elemento objetivo),
exigindo-se, também, requisitos relacionados aos sujeitos (subjetivos). Também se distingue
da lesão usurária, no entanto, pois não cogita do dolo de aproveitamento da parte beneficiada,
caracterizando-se independentemente da vontade da parte que se beneficia em lucrar
exageradamente. Não se persegue a ocorrência de um ilícito;
iv) a lesão consumerista, tipificada no Código de Defesa do Consumidor, caracterizada, nas
linhas gerais do Direito Romano, pelo simples elemento objetivo, dispensada a perquirição
subjetiva. Porém, ao contrário da lesão enorme, não há qualquer tarifamento da desproporção
existente entre as prestações, cabendo ao juiz analisar a sua ocorrência caso a caso.70
Quanto ao reconhecimento da lesão, pode-se afirmar que ele é dependente de dois
elementos essenciais: um de ordem objetiva e o outro subjetiva, sendo o primeiro
caracterizado pela desproporção entre as parcelas estabelecidas em um negócio jurídico e a
segunda referente à inexperiência ou necessidade da parte desfavorecida diante da aceitação

68
Idem, ibidem, p. 663
69
Idem, ibidem, p. 667
70
(STJ, Ac. 4a T., REsp. 15.915-4/MG, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., j. 25.3.1998, DJU 22.6.1998, p. 99) apud
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 665-666
do negócio. Sobre as prestações, é importante dizer que a lei brasileira não determina um
número ou porcentagem para que seja considerada abusiva, isso é feito casuísticamente, e,
sobre a inexperiência ou necessidade do lesado, é importante frisar que a parte beneficiada
não precisa ter a intenção de ganhar lucros exorbitantes, mas sim apenas que conheça a
situação precária da vítima.
Por último, é imprescindível distinguir lesão de negócio aleatório, pois, enquanto naquele
uma das partes se aproveita da outra para dela conseguir lucros exagerados, nesta há um risco
desconhecido (tanto de ganho quanto de perda) para ambos os lados, com alta incerteza.

10.10.6 Estado de perigo


O estado de perigo é “quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou pessoa de
sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação onerosamente
excessiva”71, entendendo família em sentido amplo, abrangendo, também, entes queridos.
Além disso, pode-se elencar, semelhante à lesão, dois elementos do estado de perito: um
objetivo e outro subjetivo, sendo aquela referente à acepção de uma obrigação extremamente
custosa para poder salvar a si ou a outrem de uma ameaça (como no caso de um sequestro),
enquanto esta concerne à suma situação de inferioridade da vítima no momento do contrato e,
por conta disso, a parte lesada aceita a situação absurda.
Ademais, vale citar os requisitos para que se configure um estado de perigo:
(i) existência de grave dano; (ii) que o dano seja atual (ou iminente); (iii) que o perigo seja a
causa determinante da declaração; (iv) o conhecimento do perigo pela outra parte; (v) a
existência de obrigação onerosa excessivamente; (vi) a intenção do declarante de salvar a si
ou a pessoa de sua família ou a terceiro. 72

10.10.7 Fraude contra credores ou Fraude Pauliana


A fraude contra os credores, ou fraude pauliana, é um vício social e concerne em “um ato
de disposição patrimonial pelo devedor, com o propósito de prejudicar o(s) seu(s) credor(es),
em razão da diminuição ou esvaziamento do patrimônio daquele. Além disso, para prosseguir
com um bom entendimento, é imperioso que se faça a distinção entre obrigação e
responsabilidade, sendo a primeira resultado assumido em lei e a segunda decorrende do não
cumprimento daquela.
Existem três formas de alienação fraudulenta, são elas: a fraude contra credores, a fraude
de execução e a alienação de bem penhorado, e, entre essas formas, existe uma escalada
quanto à gravidade, sendo a primeira menos e a última mais grave.
A partir disso, pode-se distinguir dois elementos fundamentais e caracterizadores desse
vício social, são eles:
i) a diminuição ou esvaziamento do patrimônio do devedor, até a sua insolvência (elemento
de índole objetiva, chamado de eventus damni);
ii) o intuito malicioso do devedor de causar o dano (elemento de cunho subjetivo, nominado
de consilium fraudis), sendo possível exemplificar com a referência a uma pessoa que,
sabendo que será acionada para reparar o dano que causou o acidente de trânsito, transmite os
seus bens, gratuitamente, para terceiros. 73
Sobre o segundo ponto, o subjetivo, é preciso provar que o terceiro tinha (ou deveria ter)
consciência da má-fé naquele negócio jurídico, entretanto, a lei também pode presumir má-fé nos
seguintes casos:
i) Na transmissão gratuita de bens (CC, art. 158, caput, como, v. g., na doação ou e um
testamento);
ii) Na remissão (perdão) de dívidas (CC, art. 158, caput, quando o devedor perdoa a dívida de
alguém que lhe deve, frustrando o seu credor);
71
DINIZ apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 670
72
LOTUFO apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 671
73
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 674
iii) Na celebração de contratos onerosos do devedor com terceiros (CC, art. 159), em casos
nos quais a insolvência seja notória, pública;
iv) Na antecipação de pagamentos (CC, art. 162);
v) No pagamento de dívida ainda não vencida, por colocar alguns dos devedores em posição
desfavorável, quebrando a igualdade (CC, art. 162, quando alguém que já está devendo a
outrem, antecipa o pagamento de uma outra dívida ainda não vencida);
vi) Na outorga de direitos preferenciais a um dos credores (CC, art. 163), como a instituição
de hipoteca ou penhor em favor de um dos credores.
Além disso, sobre a fraude paulina é válido citar deve-se demonstrar a relação causal
entre o ato fraudulento e o dano. Ademais, no cenário brasileiro, existe uma discussão sobre
se a anulabilidade do negócio jurídico mediante ato fraudulento é ou não a melhor decisão,
porém, a norma positivada determina que seja sim anulado o negócio. Entretanto, Farias e
Rosenvald apresentam uma forma que possivelmente poderia se fazer valer a ideia de quem
discorda da anulabildade, mesmo sem revogar a lei vigente, utilizando o poder do juiz para,
mesmo anulando a relação, autorizar que o bem seja objeto de penhora, com o fito de garantir
os interesses do autor da ação.
Por conseguinte, é apresentada a fraude de execução, que consiste em uma modalidade
fraudulenta mais grave que a supracitada e diz respeito a “quando o ato de alienação é
praticado depois da citação do devedor para os termos de uma ação [...] ou do registro da
penhora ou da hipoteca, no cartório de imóveis” 74. Desse modo, basta apenas “a citação (ou o
registro da penhora) para que o ato de alienação posteriormente praticado se caracterize como
fraudulento”75.
Sendo assim, a fraude de execução é mais facilmente comprovada que a pauliana, visto
que ela dispensa a comprovação de elementos subjetivos, ou seja, não precisa comprovar a
intenção de ninguém, apenas o prejuízo, o elemento objetivo, além de também poder ser
“reconhecida a qualquer tempo ou grau de jurisdição”76
Em seguida, sobre a última das forma supracitada, a alienação de bem penhorado,
pode-se dizer que é a mais grave de todas as fraudes citadas, pois se refere à alienação de um
bem que, como a sua própria nomenclatura já diz, já está penhorado, ou seja, não é mais do
indivíduo. Nesse caso, entende-se como fraude não necessitando comprovação de elemento
objetivo ou subjetivo.
Por fim, é válido trazer uma tabela comparativa77 feita por Cristiano Farias e Nelson
Rosenvald que traz todas as três formas de alienação fraudulenta citadas, vide:
Fraude contra credores Fraude de execução Alienação de bem penhorado
Instituto de Direito material Instituto processual, regido Instituto processual,
contemplado no Código Civil pelo Código de Processo relacionado à Execução e
Civil regido pelo Código de
Processo Civil
Interesse puramente Interesse do particular e do Interesse público estatal e do
particular Estado-Juiz particular
Constitui defeito do negócio Não constitui defeito do Não constitui defeito do
jurídico, sendo atacável negócio jurídico, gerando negócio, apenas tornando
apenas pelo interessado, com apenas a sua ineficácia em ineficaz o ato de fraude em
sanção civil. relação ao credor lesado relação ao credor
Não constitui crime Constitui crime e ato Constitui crime e admite
atentatório à dignidade da prisão civil por dívida do
Justiça alienante

74
Idem, ibidem, p. 679
75
Idem, ibidem, loc. cit.
76
Idem, ibidem, p. 680
77
Idem, ibidem, p. 685
Atos praticados são Atos praticados são Atos praticados são
anuláveis. Segundo a Lei ineficazes em relação ao ineficazes em relação ao
Civil (embora alguns credor lesado credor lesado
entendam ineficazes)
Exige ação pauliana para o Dispensa ação pauliana, Dispensa ação pauliana,
seu reconhecimento podendo ser conhecida de podendo ser conhecida de
ofício e nos próprios autos da ofício e nos próprios autos da
execução execução
Exige elemento objetivo Exige apenas o elemento Não exige qualquer elemento,
(dano) e subjetivo (conluio objetivo (dano) bastando a alienação de bem
fraudulento) que sofreu constrição judicial

10.11 O negócio jurídico e a proteção do terceiro de boa-fé


Sobre este ponto, vale dizer que:
[...]apesar da opinião tradicional da doutrina brasileira no sentido de que ‘o ato viciado
continua com o defeito para o adquirente [...]’ [...] não faz sentido prejudicar o terceiro de
boa-fé (diligente, sério e cuidadoso) que, em confiança e com as necessárias cautelas,
adquiriu um direito cuja perfeita regularidade era evidente (embora não real). Tal situação
importaria verdadeiro caos, em total instabilidade, nas relações sociais, especialmente nos
negócios de compra e venda.78

10.12 A possibilidade de negócios jurídicos processuais atípicos (autonomia privada no


âmbito do processo civil)
Sobre a possibilidade de negócios processuais atípicos, vale ressaltar que: “[...] o art. 190
do Código de Processo Civil de 2015 introduz em nosso sistema uma possibilidade relevante:
a cláusula geral de possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais atípicos [...]
como manifestação do princípio do autorregramento da vontade no processo”79. E completa
que “Trata-se de evidente manifestação de democratização do processo, permitindo às partes
(sem dúvida, os maiores interessados no desfecho da demanda) adaptar o procedimento aos
seus anseios e interesses - o que garante a maior comparticipação.”80.
Por fim, cabe citar que o negócio processual atípico necessita dos mesmos requisitos de
qualquer outro negócio jurídico (presentes no ponto 10.8.2 do presente documento). Além
disso, cabe ao juiz analisar de forma casuística se o acordo é admissível e válido.

11 O fato ilícito

11.1 Advertência prévia


Primeiramente é preciso evidenciar que a ilicitude civil não é igual à ilicitude penal,
tampouco tem as mesmas consequências. Além disso, também é importante frisar que a
ilicitude não está diretamente relacionada com a responsabilidade civil, pois um pode existir
tranquilamente sem o outro. Por fim, faz-se necessário falar que o fato ilícito “nada mais é do
que o fato antijurídico, isto é, aquele acontecimento cujos efeitos jurídicos são contrários ao
ordenamento jurídico”81.

11.2 Noções conceituais

78
Idem, ibidem, p. 688
79
Idem, ibidem, p. 689
80
Idem, ibidem, loc. cit.
81
Idem, ibidem, p. 692
O fato ilícito é, assim, uma transgressão de um dever jurídico que possa ser imputável a
alguém, podendo ser originada de duas fontes: de um dever diretamente oriundo de uma lei ou
proveniente de uma vontade expressada em um negócio jurídico.
Além disso, o fato ilícito possui os seguintes elementos essenciais:
(i) a conduta do agente (comissiva ou omissiva) contrária ao ordenamento jurídico; (ii) a
culpa (lato sensu, abarcando, a um só tempo, o dolo, e a culpa stricto sensu, caracterizada
pela imprudência, negligência e imperícia); (iii) o dano causado a terceiro (de ordem
patrimonial ou não patrimonial); (iv) o nexo de causalidade entre a conduta culposa e o
prejuízo imposto ao ofendido. 82

11.3 Efeitos jurídicos decorrentes da ilicitude


Os fatos ilícitos podem produzir infinitas consequências no âmbito jurídico, porém, os
três mais comuns e mais importantes são os efeitos: indenizantes, caducificantes e
invalidantes.
Desse modo, pode-se dizer que os efeitos são indenizantes quando existe a obrigação de
reparar um dano causado. Por conseguinte, são caducificantes quando é possível retirar um
direito de alguém devido ao ato ilícito. Por fim, são invalidantes ou autorizantes aqueles em
que a consequência do ato ilícito é a invalidação absoluta do negócio jurídico.

11.4 Tutela preventiva e tutela reparatória da ilicitude


Sobre a proteção jurídica, pode-se dizer que pode ser de duas formas: preventiva e
reparatória, a primeira quando o ato ainda não aconteceu e a segunda após a ilicitude. Além
disso, vale citar a tutela específica, que “permite ao juiz adotar quaisquer providências para a
obtenção do resultado prático equivalente, qual seja, eliminar o ilícito ou o dano dele
decorrente”83.

11.5 Excludentes de ilicitude


No Direito Civil, segundo o art. 188 do Código vigente, podem ser excludentes de
ilicitude a legítima defesa própria, o exercício regular de um direito e o estado de necessidade.
Sobre a legítima defesa, é importante frisar que ela não é idêntica à do Direito Penal, pois
lá ela pode ser exercida por um terceiro, enquanto cá, como citado, só pode ser exercida em
causa própria. Ademais, sobre o exercício regular de um direito, é quando a ilicitude adveio
da prática de um direito válido, sem abuso e com boa-fé. Por fim, acerca do estado de
necessidade, diz respeito a quando o ato ilícito é perpretado por conta de um perigo atual ou
iminente que não poderia ser evitado de outra forma, desse modo, para que seja entendido
uma conduta como proveniente de um estado de necessidade ela deve possuir os seguintes
elementos: “(i) perigo atual ou iminente; (ii) causado por outrem; (iii) inevitabilidade de
conduta diversa; (iv) preservação de um direito próprio, existencial ou patrimonial; (v)
inexistência de dever jurídico de enfrentar o perigo”84

12 O abuso do direito

12.1 Noções introdutórias e referências históricas


A teoria do abuso do direito tem raízes no Direito medieval e, basicamente, que há abuso
no direito quando há um desvio de seu objetivo fundamental, ou seja, quando ao exercer um
direito o indivíduo o faça de tal forma que acaba indo contra os motivos pelo qual ele existe
ou a sua função social. Além disso, é possível elencar as seguintes bases estruturais do abuso
do direito: “(i) a titularidade de um direito subjetivo; (ii) a sua utilização nos limites objetivos
82
Idem, ibidem, p. 693
83
Idem, ibidem, p. 696
84
Idem, ibidem, p. 698
que lhe são traçados em lei, com respeito à letra da norma; (iii) a confrontação do elemento
pessoal (subjetivo) com a função do fim do direito em causa (elemento social ou objetivo).”85

12.2 O abuso de direito na ordem civil-constitucional e a sua íntima relação com a boa-fé
objetiva
Tendo isso em mente, é possível fazer uma clara relação com o abuso de direito e a
boa-fé objetiva, pois esta “pressupõe um vínculo já existente de confiança entre quem invoca
esse princípio e quem deve comportar-se com submissão perante ele.” 86, sendo assim, a
boa-fé se caracteriza como um ótimo parâmetro para definir limites para o ato antijurídico,
visto que ela determina o caráter ético da relação.

12.3 Reconhecimento e efeitos do abuso de direito


Como efeitos para o abuso de direito, tem-se três possibilidades: a sanção, determinada
de acordo com a lei sendo adaptada casuísticamente, a nulidade do ato, ou, em alguns casos,
ficará por conta do juiz decidir qual será o desfecho mais adequado de acordo com o seu
arbítrio prudente.

12.4 O abuso de direito e o Código Civil (art. 187)


O art. 187 do código civil diz que “Também comete ato ilícito o titular de um direito que,
ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes.”, sendo asimm, pode-se dizer que “O mérito do art. 187
do Código de 2002 é realçar que o critério do abuso não reside no plano psicológico da
culpabilidade, mas no desvio do direito de sua finalidade ou função social. Acolhe-se a teoria
objetiva finalista, que tem em Josserand o seu maior expoente.”87
Além disso:
Como bem pondera Ruy Rosado de Aguiar Júnior, desaparece o elemento que até hoje a
nossa jurisprudência exige para reconhecer a presença do abuso do direito, que seria a
intenção de causar o dano, o “sentimento mau” a animar o agente, pois o Código Civil
dispensa o elemento subjetivo e se contenta com a culpa social que reside no comportamento
excessivo. 88
Ademais, vale ressaltar que “A cláusula geral do art. 187 propicia a exata abertura ao
influxo dos valores do art. 3º, I, da Constituição Federal, efetuando uma saudável ponderação
entre o exercício da autonomia privada do indivíduo e os valores solidaristas que
fundamentam o ordenamento.”89
Por fim, é importante frisar que:
os pequenos equívocos do art. 187 do Código Civil não impedem uma interpretação
construtiva do instituto do abuso de direito, notadamente a partir “da constitucionalização do
Direito Civil, tendência marcante do nosso tempo e característica do Estado Social,
possibilitando a permanente oxigenação do sistema ao permitir a adequação das normas à
realidade social, em constante mutação”,270 permitindo que o sistema jurídico, efetivamente,
atenda concretamente aos valores constitucionais. 90

12.5 Modalidades específicas de atos abusivos (figuras parcelares do abuso do direito)

12.5.1 Generalidades

85
Idem, ibidem, p. 699
86
Idem, ibidem, p. 702
87
Idem, ibidem, p. 705
88
Idem, ibidem, p. 706
89
Idem, ibidem, p. 708
90
Idem, ibidem, p. 709
“o abuso do direito se apresenta, nos mais distintos âmbitos de sua incidência, com
diferentes formas e feições, modelando-se às variações que defluem da própria boa-fé
objetiva”91.

12.5.2 A proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium)


A proibição de comportamento contraditório é,basicamente, uma proibição de uma
incoerência lógica de tomadas de decisão acerca de condutas ou casos semelhantes e, apesar
de não estar presente de forma escrita na lei brasileira, pode-se entender como um abuso
tendo, apenas, uma interpretação livre de ideias extremas do positivismo.
A proibição de comportamento contraditório deve apresentar os seguintes elementos
essenciais:
i) Uma conduta inicial;
ii) A legítima confiança despertada por conta dessa conduta inicial;
iii) Um comportamento contraditório em relação à conduta inicial;
iv) Um prejuízo, concreto ou potencial, decorrente da contradição. 92

12.5.3 A supressio (Verwirkung) e a surrectio (Erwirkung)


É possível dizer que “a supressia (ou Verwirkung, como preferem os alemães) e a
surrectio (ou Erwirkung, na língua tedesca) são expressões [...] para designar o fenômeno
jurídico da supressão de situações jurídicas específicas pelo discurso do tempo, obstando o
exercício de direitos, sob pena de caracterização de abuso.”93
Desse modo, pode-se dizer que:
[...] supressio é o fenômeno da perda, supressão, de determinada faculdade jurídica pelo
decurso do tempo, ao revés da surrectio, que se refere ao fenômeno inverso, isto é, o
surgimento de uma situação de vantagem para alguém em razão do não exercício por outrem
de um determinado direito, cerceada a possibilidade de vir a exercê-lo posteriormente.94.
Simplificando, tem-se que Verwirkung “ocorre quando há uma demora desleal no exercício de
um direito”95, enquanto Erwirkung “corresponde à mesma situação, enxergada pelo prisma
inverso, fazendo surgir um direito para um terceiro pela reiterada omissão do titular,
beneficiando quem depositou confiança na continuidade daquele procedimento omissivo” 96.

12.5.4 O tu quoque
O tu quoque é um tipo de proibição de comportamento contraditório, sendo ele quando a
“aplicação de critérios valorativos distintos para reger situações jurídicas substancialmente
idênticas”97, ou seja:
Ocorre o tu quoque quando alguém viola uma determinada norma jurídica e, posteriormente,
tenta tirar proveito da situação, com o fito de se beneficiar. Nessa figura, portanto,
encontra-se um acentuado aspecto de deslealdade, malícia, gerando a ruptura da confiança
depositada por uma das partes no comportamento da outra, por conta dos critérios valorativos
antes utilizados.98
Além disso, também é válido trazer uma tabela 99 feita pelos autores para diferenciar o tu
quoque do venire contra factum proprium, veja:
Ato prévio Ato posterior Consequências
Venire contra factum Positivo (exercido Negativo (exercido O ato posterior é tido
91
Idem, ibidem, loc. cit.
92
Idem, ibidem, p. 711
93
Idem, ibidem, p. 714
94
Idem, ibidem, loc. cit.
95
Idem, ibidem, loc. cit.
96
Idem, ibidem, p. 715
97
Idem, ibidem, p. 718
98
Idem, ibidem, loc. cit.
99
Idem, ibidem, p. 719
proprium em conformidade em desconformidade como ilícito
com o direito) com o direito)
Tu quoque Negativo (exercido Positivo (exercido O ato posterior é tido
em em conformidade como ilícito
desconformidadade com o direito)
com o direito)

12.5.5 O duty to mitigate the loss (o dever do credor de mitigar as próprias perdas)
O duty to mitigate the loss “consiste na obrigação do credor em buscar evitar o
agravamento do devedor” 100 , ou seja, “se o credor se comporta de maneira excessiva,
comprometendo e agravando a situação jurídica do devedor, estará caracterizado o abuso do
direito”101.

12.5.6 O substancial performance (a tese do inadimplemento mínimo ou adimplemento


substancial)
Sobre o substancial performance, pode-se dizer que “[...] o inadimplemento da parte
precisa ser prequirido objetivamente a fim de evitar abusos, pois a resolução afasta a
possibilidade de manutenção do contrato e, por conseguinte, da incidência de princípios
sociais.”102, desse modo, tem-se que:
a hipótese estrita de adimplemento substancial - descumprimento de parte mínima - equivale,
no direito brasileiro, grosso modo, ao adimplemento chamado de insatisfatório: ao invés de
infração a deveres secundários, existe discrepância qualitativa e irrelevante na conduta do
obrigado. O juiz avaliará a existência ou não da utilidade na prestação, segundo determina o
art. 395, parágrafo único, do Código Civil. É bastante natural que, em alguns casos, se repute
o descumprimento minimamente gravoso e pouco prejudicial ao projeto de benefícios
recíprocos constantes do contrato.103

12.5.7 A violação positiva de contrato (tese do adimplemento fraco ou ruim)


Sobre a tese do adimplemento fraco ou ruim pode-se afirmar que: “a violação positiva do
contrato, no direito brasileiro, corresponde ao inadimplemento decorrente do descumprimento
de dever lateral, quando esse dever não tenha uma vinculação direta com os interesses do
credor na prestação”104.

Referências
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: 1 parte
geral e lindb. 15. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. 880 p.

100
GARCIA apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 720
101
FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 720
102
ALBUQUERQUE apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 723
103
ASSIS apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 723
104
SILVA apud FARIAS & ROSENVALD, 2017, p. 725

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