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SETOR DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA


INTRODUÇÃO AO DIREITO
Profª. Silvana Maria Carbonera

RELAÇÃO JURÍDICA E NEGÓCIO JURÍDICO

De uma forma geral, as relações estabelecidas entre as pessoas, físicas ou


jurídicas, que tem relevância para o sistema jurídico e que produzem algum efeito
jurídico, podem ser denominadas de relações jurídicas. É o que ocorre, por exemplo,
quando uma pessoa vende um imóvel à outra, ou quando duas pessoas celebram,
entre si, um contrato de locação. Basicamente, os efeitos que podem ser produzidos
por tais relações são:
a) A aquisição de um direito (aquisição de um direito de propriedade por meio da
compra de um imóvel, com o ingresso do mesmo em seu patrimônio);
b) A modificação de um direito (dar um imóvel em usufruto sem, com isso,
comprometer a propriedade do mesmo);
c) A extinção de um direito (alienar um imóvel e, com isso, extinguir o direito de
propriedade em seu patrimônio).

É importante ressaltar que, em todas as hipóteses de efeitos jurídicos acima


indicados, os mesmos ocorrem em razão da existência de um fato jurídico. Fatos
jurídicos, por sua vez, são acontecimentos da vida, em razão dos quais as relações
jurídicas nascem, se modificam ou se extinguem. Eles podem ser, a título de exemplo,
o nascimento de uma pessoa, a morte de um indivíduo, o passar do tempo, uma
tempestade, um terremoto, um acordo entre duas pessoas, uma declaração de
vontade ou, até, um acidente automobilístico.
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Como se pode observar, os fatos jurídicos são uma categoria jurídica genérica
na qual podem se enquadrar os mais variados tipos de situações e comportamentos,
visto que um fato jurídico pode decorrer tanto de um evento natural quanto de um ato
humano. Todavia, há, em todas as hipóteses de fatos jurídicos, um elemento comum,
qual seja, a produção de efeitos jurídicos, sejam eles decorrentes, ou não, da vontade
das partes de um negócio jurídico. Assim sendo, a classificação que segue abaixo
deve ser estudada considerando a existência, ou não, de participação voluntária de
uma, ou ambas as partes de um negócio jurídico, aspecto que interessa a este estudo.
Em relação ao modo pelo qual os fatos jurídicos ganham existência jurídica, é
possível, conforme já exposto, que eles decorram tanto de um fato natural quanto de
um evento humano.

Quando um fato jurídico tem origem em um fato natural, tem-se um


acontecimento cuja ocorrência independe tanto da intervenção humana quanto da
intervenção de alguma das partes do negócio jurídico. Tais fatos naturais podem
interferir diretamente nos efeitos esperados de um negócio jurídico, como acontece
com um fato natural ordinário, representado pelo nascimento, pela morte, pela
ocorrência do fim da incapacidade de uma pessoa, pelo passar do tempo, como no
caso da prescrição e da decadência. Em todos os casos, são fatos que irão ocorrer
independente da vontade ou da interferência da parte do negócio jurídico.
Outra categoria de fato natural relevante é o fato natural extraordinário, que
consiste em um evento cuja ocorrência é inevitável e completamente independente da
intervenção das partes do negócio jurídico no qual interferem. Tal fato se caracteriza
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pela existência de dois requisitos, um objetivo, representado pela inevitabilidade do


evento, e outro subjetivo, caracterizado pela ausência de culpa das partes do negócio
jurídico que sente seus efeitos.
Em tal categoria, duas são as hipóteses indicadas pela doutrina, o caso fortuito
e a força maior.1 Por caso fortuito pode se entender tanto a ocorrência de um acidente,
de causa desconhecida quanto o fato de um terceiro, estranho ao negócio jurídico,
desde que suficientemente forte para modificar e/ou impedir a produção dos efeitos
esperados em um contrato. Pode ser considerado caso fortuito, por exemplo, a
existência de uma greve que impeça a entrega de material de acabamento necessário
à finalização e entrega de uma obra dentro do prazo previsto.
Já o motivo de força maior é uma situação conhecida, um fato da natureza que
provoca a modificação dos efeitos originalmente esperados do contrato. É o que
ocorre, a título de exemplo, com uma enchente que alaga a olaria que produz os tijolos
necessários à obra que está sendo construída e, com isso, impede que os mesmos
sejam entregues dentro do prazo combinado.
Por outro lado, o fato jurídico terá origem em um fato humano quando houver
um ato de vontade humana, seja ele dirigido para a obtenção de um efeito específico
ou tenha ele sido praticado de forma inconsequente e danosa. Tem-se, em ambos os
casos, a prática de um ato jurídico em sentido amplo, também denominado ato jurídico
lato sensu, que podem ser subdivididos em duas categorias, considerando o respeito,
ou desrespeito à lei, a saber, os atos lícitos e os atos ilícitos.
Os atos lícitos, ou seja, aqueles praticados conforme previsto em lei ou sem
ofensa à ela, são representados por duas modalidades bem distintas, a) os atos
jurídicos em sentido estrito, também denominados atos jurídicos stricto sensu, e b) os
negócios jurídicos.
Um ato jurídico stricto sensu consiste em um ato humano voluntário que
produz exclusivamente os efeitos determinados em lei. As pessoas que desejarem
praticar um ato jurídico somente podem declarar sua vontade em tal sentido, mas não
podem definir o conteúdo do efeito que sua declaração de vontade produzirá, pois esta
é determinada, de forma inflexível, pela lei. Ex.: João quer reconhecer Junior, filho que

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DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 17 ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 531.
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teve com Maria. Sua declaração de vontade produzirá todos os efeitos determinados
em lei para a filiação e João não poderá excluir, por exemplo, o dever de prestar
alimentos ao filho reconhecido.
Já o negócio jurídico consiste no estabelecimento de um acordo de vontades,
realizado pelas partes capazes, observando a forma prevista ou não proibida em lei,
com um objeto lícito e possível, por meio do qual os efeitos jurídicos por elas
desejados (aquisição, modificação e extinção de direitos) poderão ser produzidos,
observados os limites legais.
É importante observar que tais limites podem consistir tanto nos requisitos de
validade dos negócios jurídicos, conforme previsto pelo artigo 104 do Código Civil
brasileiro, que será examinado adiante, quanto limites estabelecidos pela lei para
contratos específicos. Um exemplo de limite específico, somente para ilustrar a
situação, é a previsão constante no artigo 426 do Código Civil brasileiro, que proíbe
expressamente contratos cujo objeto seja herança de pessoa viva.
Outra questão relevante para este estudo é a relação entre negócio jurídico e
contrato. Tecnicamente, na área de negócios imobiliários, a celebração de um negócio
jurídico consiste, também, na celebração de um contrato, que pode ser de compra e
venda, de locação ou de qualquer outro contrato relacionado à área. Desta forma, em
vários momentos deste texto as duas expressões, “negócio jurídico” e “contrato”, serão
utilizadas como sinônimos visto a correspondência de ambas na área do contrato
imobiliário.
Todavia, existem negócios jurídicos não contratuais, como é o caso do
testamento, o que permite afirmar que:

Todo contrato é um negócio jurídico, mas nem todo negócio jurídico é um contrato.

Por fim, em se tratando de atos ilícitos, consistem eles em atos humanos


voluntários que ofendem a ordem jurídica vigente. Podem acontecer por ação ou
omissão, por dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia). O Código Civil
prevê expressamente a existência de tais atos, qualificando-os e excluindo situações
que, embora danosas, não configurem ilícitos, conforme se pode observar abaixo:
CCb, Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
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Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem
absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

A categoria de atos jurídicos ilícitos dá origem a um tema específico de


conhecimento para o Direito Civil, qual seja, a Responsabilidade Civil, que não será
objeto deste estudo, visto que se trata de conteúdo a ser estudado em outra disciplina
do curso.
Após identificadas todas as possibilidades de fatos jurídicos que podem, direta
ou indiretamente, produzir e/ou modificar os efeitos de um negócio jurídico contratual,
faz-se necessário aprofundar um pouco mais o estudo acerca dos negócios jurídicos
propriamente ditos, visto que eles, no contexto dos negócios imobiliários, são a base
fundante de todos os contratos imobiliários possíveis no sistema jurídico nacional.

Negócio Jurídico

Conforme foi destacado anteriormente, um negócio jurídico é um acordo de


vontades entre pessoas capazes, sejam elas físicas ou jurídicas, cujas declarações de
vontade incidem sobre certo objeto e assumem uma forma prevista, ou não proibida
em lei, nos termos do artigo 104 do Código Civil brasileiro e cujo conteúdo será
estudado ainda nesta disciplina.
Preliminarmente, é importante observar que para que um negócio jurídico
tenha condições de produzir os efeitos jurídicos para os quais foi celebrado, ele deve
obrigatoriamente passar por três análises, que verificarão se o negócio existe, se ele é
válido e, por fim, se existente e válido, pode produzir os efeitos jurídicos desejados.
Como é possível constatar, trata-se de uma análise de três aspectos sequenciais –
existência, validade e eficácia –, sendo que caso o primeiro deles apresente algum
problema, os demais ficam comprometidos.
Ou seja, um negócio jurídico precisa, inicialmente, existir. Existindo, ele precisa
ser válido. E, sendo válido, ele poderá produzir efeitos jurídicos. Para que a produção
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dos efeitos jurídicos desejados aconteça, existência e validade do negócio são


pressupostos absolutos.

Por tal razão, é necessário examinar, de forma breve, os três aspectos


indicados, iniciando pelos requisitos de existência de um negócio jurídico. Para que um
negócio jurídico possa existir, ele precisa, minimamente, dos seguintes elementos:
agentes, objeto, forma e vontade. É importante observar que os elementos
apresentados não são acompanhados por um qualificativo de modo que a simples
existência dos quatro elementos é suficiente para um negócio existir.
Assim sendo, existirá um negócio se as pessoas interessadas fizerem um
acordo de vontades sobre um determinado objeto. Não importa que as pessoas sejam
incapazes ou capazes, ou que a vontade seja livre ou viciada, ou que o objeto seja
lícito ou ilícito, ou que a forma da declaração de vontade seja aquela exigida por lei.
Basta, somente, que eles existam e, uma vez constatada tal existência, já é possível
verificar se além de existente, o negócio também é válido.
Em relação aos requisitos de validade, é necessário recorrer ao texto do artigo
104 do Código Civil brasileiro, que determina expressamente quais são eles:

CCb, Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:


I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Assim sendo, não basta que existam pessoas, elas devem ser capazes; não
basta que exista um objeto, mas que ele seja lícito, possível, determinado ou
determinável; não basta que a vontade tenha sido declarada, é necessário que a forma
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pela qual ela tenha sido declarada seja aquela definida pela lei ou, quando não o for,
que seja uma forma não proibida em lei.
É possível observar, em relação à validade de um negócio jurídico, que os
elementos que garantem sua existência passam a ser acompanhados por um
qualificativo legal, que determina como os elementos devem existir no momento da
celebração do negócio jurídico para que ele seja válido. Por tal razão, a título de
exemplo, se uma pessoa incapaz declara sua vontade de comprar um imóvel, o
negócio não é válido pois sua incapacidade é o óbice para que sua declaração de
vontade possa surtir o efeito por ela desejado, qual seja, comprar o imóvel que lhe
interessa.
Da mesma maneira, se duas pessoas fizerem um contrato particular de
compra e venda de um imóvel com valor superior a 30 salários mínimos vigentes no
Brasil, tal documento não produzirá o efeito jurídico que elas desejam pois o Código
Civil brasileiro, em seu artigo 108, determina expressamente que, regra geral, para a
celebração de tal negócio, “a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos
reais (...).” Ou seja, não basta declarar a vontade, é necessário que tal declaração seja
feita na forma exigida em lei. Caso contrário, o negócio existirá mas não será válido.
Por fim, se o negócio jurídico existe e é válido, ele está apto a produzir os
efeitos jurídicos desejados pelas partes que o celebraram, destacando-se a questão da
eficácia dos negócios jurídicos. Todavia, aqui também é importante observar que,
mesmo existente e válido, um negócio poderá, excepcionalmente, não produzir tais
efeitos. Tal situação acontecerá quando um fato ou evento, estranho ao negócio
jurídico, interferir e impedir que os efeitos pactuados sejam possíveis. É o que ocorre,
por exemplo, quando situações de caso fortuito e/ou de força maior acontecem e
impedem a produção dos efeitos desejados. Repetindo um exemplo já apresentado, a
existência de uma greve que impeça a entrega de material de acabamento necessário
à finalização e entrega de uma obra dentro do prazo previsto é um caso fortuito que
fará com que um negócio existente e válido não produza os efeitos desejados.
Dois aspectos importantes devem ser destacados. O primeiro deles consiste
no fato de que a não produção de efeitos de um negócio válido é excepcional, a regra
é que ele produza, sim, os efeitos para os quais foi celebrado. O segundo é que a não
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produção de efeitos não pode ser causada por uma das partes pois, caso isso
aconteça, efeitos existem e serão estudados no Direito das Obrigações, especialmente
na parte de inadimplemento, que significa não cumprimento da obrigação assumida. A
não produção de efeitos deve decorrer de uma situação estranha ao negócio jurídico,
conforme apontado acima.

Resumindo!
1. Um negócio jurídico é um acordo de vontades entre pessoas, físicas ou jurídicas,
considerando a existência de capacidade de exercício para a pessoa física e previsão de
poderes para celebrar tal negócio para a pessoa jurídica.
2. A celebração do negócio se dará a partir de uma declaração de vontade válida e livre das
partes envolvidas, com a definição dos efeitos que as partes desejam produzir.
3. A declaração de vontade deverá observar a forma prevista em lei, exceto se o negócio
celebrado tiver forma livre, nos temos dos artigos 107 e 108 do Código Civil Brasileiro.
4. O objeto do negócio jurídico, que ainda será estudado, consistirá em um comportamento (a
ser estudado no Direito das Obrigações) e poderá também ser representado por um bem,
material ou imaterial, como será visto oportunamente.

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