Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISBN 978-85-9502-428-1
CDU 347
Introdução
Como ensina Pontes de Miranda (2012), o fato jurídico é um evento ocor-
rido no mundo dos fatos que encontra correspondência em uma norma
jurídica por meio do suporte fático (ações ou omissões previstas nessa
norma). Esse fato jurídico pode se dar por meio do cumprimento das ações
ou omissões esperadas pelo ordenamento jurídico ou pelo desrespeito
a estas, quando estamos diante de um fato ilícito.
Neste capítulo, você vai ler a respeito das características da ilicitude, da
diferenciação entre um fato e um ato ilícito e, finalmente, da classificação
dos fatos ilícitos e das suas repercussões na prática jurídica.
Características da ilicitude
Conforme se depreende do vocábulo, ilicitude é a contrariedade ao que é
lícito, sendo essa figura a representação do que é legal, previsto ou permitido
pela lei ou normas costumeiras.
Dentro da esfera pública, conforme o conteúdo do princípio da legalidade,
aquilo que não se encontra descrito na lei não é permitido, e a extrapolação do
que é previsto é, portanto, ilegal. Já na esfera privada, conforme o princípio
da autonomia da vontade, aquilo que não é expressamente vedado pela lei
é permitido, estando a esfera da ilegalidade restrita ao descumprimento do
que é previsto em lei ou manifestado pela vontade das partes em atos ou
negócios jurídicos.
196 Fato ilícito
Dessa forma, o fato ilícito é um evento ocorrido no mundo dos fatos que
rompe com determinada norma primária (ação ou omissão prevista na norma)
e que faz com que incida uma norma secundária, sendo esta a sanção esperada
pelo descumprimento da primeira.
Dentro da teoria do fato jurídico, portanto, pode-se dizer que o fato ilícito
é aquela ação ou omissão que se encontra com o suporte fático previsto em
determinada norma (seja de forma direta ou indireta). Incide sobre o fato
ilícito, no entanto, não a norma primária, que prevê deveres e obrigações,
mas a norma secundária, que prevê a sanção pela qual a ilicitude será sanada
aos olhos da outra parte, da vítima ou da sociedade, a depender da espécie
de norma incidente.
198 Fato ilícito
fatos;
fatos jurídicos;
atos–fatos;
atos jurídicos;
negócios jurídicos.
Ato lícito e ato ilícito são espécies de fatos jurídicos, que se consubstanciam
em acontecimentos que geram, modificam ou extinguem relações jurídicas.
Fatos jurídicos são a grande fonte de criação de direitos subjetivos e de
deveres jurídicos. [...] Tanto o ilícito civil quanto o criminal, em sentido
amplo, representam quebra de dever e violação de direitos subjetivos. No
dizer preciso de Nélson Hungria, “A ilicitude jurídica é uma só, do mesmo
modo que um só, na sua essência é o dever jurídico”. Não há uma distinção
ontológica entre o ilícito civil e o penal. A orientação do legislador se-
gue os imperativos de conveniência. Se determinada conduta é irregular,
afronta, mas sem ferir interesses maiores, contenta-se com a sanção civil.
Na hipótese, contudo, de atentar contra os valores básicos da pessoa, como
a vida, a honra, a liberdade, o patrimônio, o legislador tipifica a conduta,
sancionando-a penalmente.
Segundo o art. 481 do Código Civil, “Pelo contrato de compra e venda, um dos con-
tratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo
preço em dinheiro” (BRASIL, 2002, documento on-line). Já segundo o art. 155 do Código
Penal, “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena — reclusão, de um a
quatro anos, e multa” (BRASIL, 1940).
O fato ilícito, no entanto, também pode ser classificado como fato ilícito
lato sensu e subdivisões, como ato–fato ilícito, ou seja, que independe da
vontade do agente em cometer o ilícito, mas apenas da incidência de norma
que contenha o suporte fático aos atos por este cometido ou omitido, ou ato
ilícito, quando há vontade de realização dos atos contrários à norma primária.
Em relação à classificação dos atos ilícitos, esclarece Pontes de Miranda
(2013, p. 129) que:
Os crimes são atos jurídicos; porque atos jurídicos não são somente os atos
conforme o direito, os atos (lícitos) sobre os quais a regra jurídica incide,
regulando-os; são-no também os atos ilícitos, sobre os quais incidem regras
penais, ou de ofensa aos direitos absolutos, ou de reparação dos danos, ou de
violação dos direitos de crédito, ou outros.
Os atos jurídicos, que consistem em declarações ou manifestações de vontade
reguladas pela lei, foram suporte fático de regras jurídicas, que os classificaram
e lhes regulam a eficácia jurídica. Os atos ilícitos, penais ou civis, são tratados
como reprovados e reguladas pelas regras jurídicas e as suas consequências. As
consequências dos atos ilícitos são criações das regras jurídicas, para os repro-
var. Tais atos ilícitos são, por vezes, simples infrações de obrigações pessoais.
200 Fato ilícito
Dessa forma, em que pese seja possível distinguir os atos ilícitos como
espécie pertencente ao grupo dos atos jurídicos, é impossível destacar o úl-
timo grupo do primeiro, eis que ambos fazem parte da mesma família, cuja
característica principal se assenta no aspecto volitivo que os distingue dos
demais fatos jurídicos.
A divisão fundamental, portanto, centra-se na presença ou não da ma-
nifestação da vontade do indivíduo, que é igualmente imprescindível para a
compreensão do conceito de sanção subjetiva e objetiva, em que a primeira leva
em consideração a graduação da vontade do agente ou condições de considerar
a sua atitude ou omissão e a segunda independe da vontade da parte, mas de
uma disposição normativa clara, objetiva e vigente.
No entanto, como lembra Pontes de Miranda (2013, p. 147):
Dessa forma, é possível concluir que o fato ilícito é uma espécie de fato jurídico que
depende da contrariedade à uma norma jurídica primária (dever) e da incidência de
uma norma secundária (sanção). Ato ilícito, então, é aquela infração em que se avalia
a vontade do agente em incorrer na ilicitude, que, por sua vez, é parte do conjunto
formado pelos fatos ilícitos, junto com a figura dos atos–fatos ilícitos.
Fato ilícito 201
Também inclui o ato ilícito lato sensu, que, segundo o autor, seria “ação
ou omissão voluntária, culposa ou não, conforme a espécie, praticada por
pessoa imputável que, implicando infração de dever absoluto ou relativo,
viole direito ou cause prejuízo a outrem” (MIRANDA, 2013, p. 183-185), e
as subdivisões do ato ilícito:
Aquele que, ao abalroar outro carro, causa danos ao veículo do outro condutor, deve pagar
pelos danos causados, uma vez que por negligência ou imprudência os gerou. Dessa
forma, há dever legal de indenização, que pode se dar na forma da restituição integral
ou conserto das peças danificadas por meio de obrigação de fazer (reparar o carro de
outrem) ou da restituição pecuniária (indenização) para que a vítima possa reparar o carro
por seus próprios meios ou satisfazer-se com os valores recebidos pelo agente danoso.
BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF, 1940.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.
htm>. Acesso em: 8 maio 2018.
BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso
em: 8 maio 2018.
KELSEN, H. Teoria pura do Direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1984.
MIRANDA, P. de. Tratado de Direito Privado: Parte Geral — pessoas físicas e jurídicas.
São Paulo: RT, 2012. t. 1.
NADER, P. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
PEREIRA, C. M. da S. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 1.
Leituras recomendadas
LARENZ, K. Lehrbuch des Schuldrechts. Berlin: Beck, 1987.
MIRAGEM, B. Direito Civil: Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2017.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.