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INSTITUTO SUPERIOR MUTASA - ISMU

DELEGAÇÃO DE MAPUTO

MANUEL INACIO MATSINHE

DESÁFIOS JURÍDICOS NA APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE


CIVIL DOS FILHOS POR ABANDONO DOS PAIS IDOSOS NA ORDEM
JURÍDICA MOCAMBICANA

LICENCIATURA EM DIREITO

MAPUTO, MARÇO DE 2024


INSTITUTO SUPERIOR MUTASA - ISMU

DELEGAÇÃO DE MAPUTO

TEMA

DESAFIOS JURÍDICOS NA APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL


DOS FILHOS POR ABANDONO DOS PAIS IDOSOS NA ORDEM
JURÍDICA MOCAMBICANA

SUPERVISOR:

MESTRE IVAN ERIC

REALIZADO POR:

MANUEL INACIO MATSINHE

LICENCIATURA EM DIREITO

MAPUTO, MARÇO DE 2024


DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO DE HONRA

Eu, Manuel Inácio Matsinhe, declaro por minha honra que o presente trabalho é da minha autoria e
nele observei os requisitos e recomendações do Instituto Superior Mutasa - ISMU concernentes à
elaboração de trabalhos de investigação científica. Declaro ainda que este trabalho não foi
apresentado em nenhuma outra instituição para obter qualquer grau académico.

Maputo.Março de 2024

Manuel Inácio Matsinhe

------------------------------------------------

i
DEDICATÓRIA

Esta monografia é dedicada aos meus familiares.

ii
AGRADECIMENTOS

Nada neste mundo é alcançado sem a Graça de Deus. Minha mais humilde e gratidão
sincera são, portanto, oferecidas ao Todo-Poderoso, que graciosamente me abençoou com a
oportunidade de realizar esta tarefa.

Ao meu supervisor, Mestre Ivan Eric, pela paciência, orientação, conselho, encorajamento
e ensino ao longo deste grau licenciatura, e especialmente durante esta pesquisa, são todos
imensamente apreciados. Sem a sua dedicação desta monografia não teria sido possível.

A toda minha família, em especial a minha esposa e filhos, que sempre estiveram dispostos
a me ajudar em tudo, não medindo esforços, o meu muito obrigado um sincero agradecimento é
estendido..

iii
RESUMO

O presente trabalho tem como objectivo analisar o desafios jurídicos na aplicação da


responsabilidade civil dos filhos por abandono dos pais idosos na ordem jurídica moçambicana.
Todavia, para o alcance desse objectivo como metodologia optamos por uma abordagem
qualitativa que consistiu na leitura e interpretação dos mecanismos legais existentes sobre a
matéria em análise. Desta pesquisa podemos constatar que mesmo que a questão da solidariedade
familiar no contexto moçambicano a responsabilização dos filhos é quase inexistente. Com este
trabalho pode-se demostrar que é dever dos filhos prestar assistência aos seus pais idosos ou
mesmo em caso de necessidade, garantindo-os uma vida segura e adequada, devendo assim o
descumprimento desse cuidado gerado pelo abandono ser responsabilizado. Desta forma
percebemos ainda que se necessita maior efectividade nos instrumentos protectivos para os pais
idosos em situação de vulnerabilidade.

Palavras-chave: Pais idosos; Direitos fundamentais; Abandono; Responsabilidade Civil.

iv
ABSTRACT

The objective of this paper is to analyze the legal perspective on the civil liability of children for
abandonment by elderly parents in Mozambique. However, to achieve this objective as a
methodology, a qualitative approach was chosen that consisted of reading and interpreting the
existing legal mechanisms on the matter under analysis. From this research we can see that even if
the issue of family solidarity in the Mozambican context, the accountability of children is non-
existent. With this work, it can be demonstrated that it is the duty of children to provide assistance
to their elderly parents or even in case of need, guaranteeing them a safe and adequate life, and
therefore the non-compliance with this care generated by abandonment must be held responsible.
In this way, we also realize that greater effectiveness is needed in the protection instruments for
parents in vulnerable situations.

Keywords: Elderly parents; Fundamental rights; Abandonment; Civil responsability

v
ÍNDICE GERAL
DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO DE HONRA i

DEDICATÓRIA......................................................................................................................ii

AGRADECIMENTOS............................................................................................................iii

RESUMO................................................................................................................................iv

ABSTRACT.............................................................................................................................v

CAPITULO I - INTRODUÇÃO..............................................................................................1

1.1. Contextualização...............................................................................................................1

1.2. Problema da Pesquisa........................................................................................................3

1.3. Justificativa da Pesquisa...................................................................................................4

1.4. Objectivo do Estudo..........................................................................................................5

1.4.1. Objectivo geral...............................................................................................................5

1.4.2. Objectivos Específicos...................................................................................................5

1.5. ESTRUTURA DO TRABALHO......................................................................................5

II. CAPITULO I. REVISÃO DA LITERATURA...................................................................7

2.1. Família...............................................................................................................................7

2.1.2. Pessoa Idosa...................................................................................................................8

2.1.3. Filiação.........................................................................................................................10

2.1.4. Abandono.....................................................................................................................11

2.2. Protecção da Pessoa Idosa no Ordenamento Jurídico Moçambicano.............................12

2.3. Responsabilidade Civil....................................................................................................13

2.4. Pressupostos da Responsabilidade Civil.........................................................................15

CAPÍTULO II: METODOLOGIA DE PESQUISA..............................................................20

3.2. Amostra e Procedimentos................................................................................................22

vi
CAPÍTULO III: ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS........................................25

4.1. Estudo de Caso................................................................................................................26

4.2. Da Protecção Jurídica dos Pais idosos no Direito Comparado.......................................32

CAPITULO V. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................35

5.1 Conclusão.........................................................................................................................35

5.2. Recomendações...............................................................................................................37

Apêndice- Questionário..........................................................................................................41

vii
CAPITULO I - INTRODUÇÃO

1.1. Contextualização

No âmbito jurídico em Moçambique, a responsabilidade civil dos filhos pelo


abandono dos pais idosos é uma questão complexa que está sujeita a várias considerações
legais e práticas. Em termos legislativos, Moçambique reconhece a importância de proteger os
direitos dos idosos e promulga leis que visam garantir seu bem-estar e dignidade. A
Constituição da República de Moçambique (2004), assim como outras leis, estabelece
princípios fundamentais de igualdade, não discriminação e proteção dos direitos humanos,
que são aplicáveis a todas as pessoas, incluindo os idosos.

No entanto, a aplicação dessas leis no contexto específico do abandono dos pais idosos
pelos filhos enfrenta vários desafios. Um desses desafios é a questão da prova. Provar o
abandono dos pais idosos pode ser difícil, especialmente quando há dependência emocional
ou financeira entre as partes envolvidas. Além disso, a falta de registros adequados ou
testemunhas pode complicar ainda mais o processo de estabelecer responsabilidade.

Outro desafio está relacionado à capacidade dos tribunais e do sistema jurídico em


lidar com casos envolvendo idosos. Em muitos casos, os tribunais podem não ter recursos
adequados para lidar com questões específicas relacionadas aos idosos, como abuso ou
negligência. Além disso, a falta de sensibilidade cultural e compreensão das dinâmicas
familiares pode afetar a eficácia do sistema jurídico em lidar com esses casos de maneira justa
e equitativa.

Além disso, é importante considerar o contexto socioeconômico em que essas


questões ocorrem. Em Moçambique, onde a pobreza e a falta de acesso a recursos básicos são
prevalentes, as famílias podem enfrentar dificuldades significativas ao tentar cuidar de seus
membros idosos. Isso pode resultar em situações em que os filhos não são capazes de prover
adequadamente para seus pais idosos, apesar de seus melhores esforços, levando a acusações
de abandono que podem ter implicações legais.

1
Portanto, no contexto jurídico moçambicano, abordar a responsabilidade civil dos
filhos pelo abandono dos pais idosos requer uma abordagem holística que leve em
consideração não apenas as questões legais, mas também os aspectos culturais, sociais e
econômicos envolvidos. Isso pode incluir o fortalecimento do sistema jurídico para lidar com
casos relacionados aos idosos, o desenvolvimento de programas de conscientização e
educação sobre os direitos dos idosos e o fornecimento de apoio e recursos adequados para as
famílias que enfrentam dificuldades em cuidar de seus membros idosos.

A responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos é um tema sensível
e complexo que tem ganhado cada vez mais relevância em diversas sociedades, incluindo
Moçambique. O envelhecimento da população é uma realidade global, e países em
desenvolvimento, como Moçambique, enfrentam desafios específicos relacionados ao cuidado
e proteção dos idosos.

Moçambique é um país situado na região sudeste da África, caracterizado por sua rica
diversidade cultural, mas também por desigualdades sociais e econômicas significativas. Com
a urbanização crescente e mudanças nos padrões familiares, o tradicional sistema de apoio
intergeracional, em que os mais velhos eram naturalmente cuidados pelos filhos e familiares,
vem enfrentando pressões e desafios.

Ao longo dos anos, a vida moderna, a migração para centros urbanos em busca de
emprego e oportunidades, bem como a crescente influência de valores individualistas,
levaram a uma mudança nos papéis e responsabilidades familiares. Como resultado, muitos
idosos têm sido negligenciados ou abandonados, o que levanta questões importantes sobre a
responsabilidade legal dos filhos em relação aos pais idosos.

A questão do abandono dos pais idosos envolve as questões correlacionadas com a


responsabilidade civil focando na averiguação da possibilidade de existir dano material e dano
moral em decorrência da violação do dever fundamental de cuidar e prestar assistência aos
parentes em geral e, aos pais idosos em especial, decorrente do dever especial de cuidar os
idosos.

2
É facto que a família é o porto seguro de todo ser humano, desde o nascimento, é o
primeiro referencial da socialização e de estabelecimento de vínculos sociais, sendo
responsável pelo equilíbrio físico, psíquico e afectivo, e quando há ausência ou rompimento
desse laço, cria-se um vazio, uma sensação de desamparo total. Por um lado os progenitores
têm a obrigatoriedade de prestação de alimentos, os filhos menores e incapacitados, é também
dever dos filhos de prestarem assistência afectiva aos pais, tal como se pode vislumbrar do
artigo 258 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro, Lei da Família:
1. Os pais e filhos devem-se mutuamente respeito, cooperação,
auxílio e assistência.
2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar
alimentos1 e a de contribuir, durante a vida em comum, para os
encargos da vida familiar, de acordo com os recursos próprios.
3. Os filhos devem assistir os pais sempre que estes careçam de
alimentos nos termos do disposto nos artigos 417 e seguintes da
presente Lei.

1.2. Problema da Pesquisa

O fenómeno do abandono de idosos por parte de seus filhos é uma questão


multifacetada e preocupante em Moçambique, que coloca em destaque a fragilidade dos
sistemas de proteção social e jurídica para essa parcela da população. Apesar da existência de
legislação voltada para a proteção dos direitos dos idosos, observa-se uma lacuna entre as leis
existentes e sua efectiva implementação, especialmente no que diz respeito à responsabilidade
civil dos filhos pelo abandono de seus pais idosos.

Essa lacuna não só impacta diretamente a qualidade de vida e o bem-estar dos idosos,
mas também levanta questões éticas e morais sobre o papel da família e da sociedade no
cuidado dos mais velhos. Diante desse contexto, surge a necessidade premente de uma

1
Nos termos do artigo 417 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro (Lei da Família) 1. Por alimentos entende-se
tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida do alimentado, nomeadamente, o seu sustento,
habitação, vestuário, saúde e lazer. 2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado
no caso de este ser menor ou, ainda que maior, se encontrar na situação descrita no artigo 295 da presente Lei.

3
investigação aprofundada que explore os desafios jurídicos enfrentados na aplicação da
responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos na ordem jurídica
moçambicana. Quais são os desafios jurídicos específicos e as barreiras institucionais que
dificultam a aplicação efectiva da responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos na ordem jurídica moçambicana?

1.3. Justificativa da Pesquisa

A crescente incidência de abandono de idosos por parte de seus filhos em


Moçambique representa não apenas uma violação dos direitos humanos fundamentais, mas
também um desafio significativo para o sistema jurídico e social do país. Embora existam leis
e políticas que visam proteger os idosos e responsabilizar aqueles que os abandonam, a
eficácia dessas medidas permanece incerta devido a uma série de fatores complexos e inter-
relacionados.

Em primeiro lugar, a falta de estudos aprofundados sobre os desafios jurídicos na


aplicação da responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique
cria uma lacuna significativa no entendimento das barreiras específicas que impedem a efetiva
implementação da legislação existente. Uma investigação mais detalhada é necessária para
identificar esses desafios e propor soluções adequadas.

Além disso, o abandono de idosos não apenas viola seus direitos individuais, mas
também tem repercussões sociais e econômicas abrangentes. O abandono pode resultar em
danos físicos e psicológicos graves para os idosos, aumentando a demanda por serviços de
saúde e assistência social. Além disso, sobrecarrega o sistema de justiça ao lidar com disputas
familiares e questões de responsabilidade civil.

Outro ponto relevante é a necessidade de fortalecer a proteção dos direitos dos idosos
e promover uma cultura de respeito e cuidado para com os mais velhos. Esta pesquisa tem o
potencial de informar políticas públicas e práticas jurídicas mais eficazes que garantam o
cumprimento dos direitos dos idosos e a responsabilização daqueles que os negligenciam.

4
Portanto, esta pesquisa é justificada pela necessidade premente de compreender os
desafios jurídicos na aplicação da responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos em Moçambique, bem como pelo potencial de contribuir para o desenvolvimento de
soluções eficazes que protejam os direitos dos idosos e promovam o bem-estar social e
jurídico da sociedade como um todo

1.4. Objectivo do Estudo

1.4.1. Objectivo geral

 Analisar a eficácia jurídica da responsabilidade civil dos filhos por abandono dos pais
idosos em Moçambique.

1.4.2. Objectivos Específicos


 Indetificar o instrumento jurídico da responsabilidade civil do filho em caso de
abandono dos pais;
 Descrever os instrumentos jurídicos da protecção da pessoa idosa;
 Reflectir sobre a responsabilidade civil dos filhos em outros ordenamentos jurídicos.

1.5. ESTRUTURA DO TRABALHO

A responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos é um tema relevante
e sensível em Moçambique, assim como em outras sociedades que enfrentam desafios
relacionados ao envelhecimento da população. Este trabalho foi estruturado com 5 capitulos.
No primeiro fez-se uma contextualização breve do trabalho, justificativa e objectivos.

No segundo foi realizada uma revisão da literatura existente sobre a responsabilidade


civil dos filhos em relação ao abandono de pais idosos em Moçambique. Serão abordados
estudos e pesquisas anteriores que investigaram o tema, assim como a legislação vigente
relacionada aos direitos dos idosos e às obrigações dos filhos em relação ao cuidado e
assistência aos pais idosos. Foram explorados conceitos teóricos de responsabilidade civil,
bem como estudos de casos e exemplos práticos relacionados ao abandono de idosos por seus

5
familiares. Também serão consideradas as mudanças sociais, econômicas e culturais que
podem estar contribuindo para o aumento desse fenômeno.

No segundo terceiro os procedimentos de coleta de dados, a escolha das fontes de


informação, bem como as estratégias utilizadas para analisar as informações obtidas. Foram
esclarecido se foram utilizados métodos qualitativos, quantitativos ou uma combinação de
ambos, e como foram selecionados os participantes da pesquisa, caso seja aplicável. Além
disso, será discutida a ética envolvida na pesquisa, considerando a privacidade e os direitos
dos indivíduos envolvidos no estudo.

No quarto foi de feita a análise e Discussão dos Dados, os dados obtidos na revisão da
literatura e na pesquisa serão analisados e discutidos em profundidade. Serão identificadas as
principais tendências, padrões e problemas relacionados à responsabilidade civil dos filhos
pelo abandono dos pais idosos em Moçambique. Foram discutidas as implicações legais,
sociais e culturais desse fenômeno, bem como os impactos para a sociedade moçambicana
como um todo. Serão apresentadas conclusões e recomendações com base nos resultados
obtidos na pesquisa.

Na no quinto foi feita conclusão foram apresentadas as conclusões gerais do estudo


sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique.
Serão destacados os principais pontos abordados na pesquisa e suas implicações para o
sistema jurídico, para a sociedade e para o bem-estar dos idosos.

6
II. CAPITULO I. REVISÃO DA LITERATURA

Neste segundo capítulo buscamos apresentar os conceitos básicos relacionados com o


tema em análise sendo que iremos conceituar a família, responsabilidade e pessoa idosa.
Iremos também neste capítulo apresentar alguns fundamentos jurídicos sobre a questão em
estudo.

2.1. Família

O conceito de família é multifacetado e varia ao longo do tempo e das culturas, mas


geralmente é caracterizado como uma unidade social básica composta por pessoas que
compartilham laços afetivos e/ou sanguíneos. Essa instituição desempenha um papel
fundamental na organização da sociedade e na formação dos indivíduos.

“A família é a base da sociedade” - Código Civil Moçambicano

A família pode ser entendida como um grupo de pessoas que vivem juntas e
compartilham responsabilidades mútuas, tanto emocionais quanto práticas. As formas de
família podem ser diversas, como a família nuclear tradicional, famílias monoparentais,
famílias reconstituídas, famílias extensas, entre outras. “A família não é apenas um grupo de
pessoas que compartilham o mesmo teto, mas sim um lugar onde se encontram o amor, o
cuidado e o apoio mútuo.” - Desmond Tutu

Além dos laços afectivos e da convivência diária, a família desempenha várias funções
importantes na vida de seus membros. Ela é responsável pela socialização das crianças,
transmitindo valores culturais, éticos e morais, além de ajudar na construção da identidade de
cada indivíduo.

7
“A família é a primeira escola para as crianças, onde elas aprendem sobre o amor, respeito e
valores fundamentais.” - Barbara Bush

A família também é uma fonte de apoio emocional e financeiro. Em momentos de


dificuldade, é comum buscar o amparo e o suporte dos membros da família, criando um
ambiente de segurança e acolhimento. Apesar das dificuldades, a família continua sendo uma
instituição fundamental e insubstituível na vida das pessoas. Ela oferece suporte emocional,
um senso de pertencimento e é uma fonte de aprendizado e crescimento ao longo da vida.

Portanto, o conceito de família transcende as palavras e é vivenciado de forma única


por cada indivíduo. Ela é um pilar essencial na construção da sociedade e no desenvolvimento
humano, e seu valor perdura através do tempo e das gerações.

2.1.2. Pessoa Idosa

A pessoa idosa, também conhecida como idoso ou pessoa de terceira idade, é um


indivíduo que alcançou uma fase avançada da vida e está na faixa etária considerada como a
terceira idade. Embora não haja um consenso universal sobre a idade exata em que uma
pessoa é considerada idosa, geralmente esse termo se refere a indivíduos com 60 anos ou
mais.

A classificação da pessoa como idosa é influenciada por fatores culturais, sociais e até
mesmo legais, variando de um país para outro. Por exemplo, alguns países podem adotar uma
idade mais baixa ou mais alta para definição de pessoa idosa em suas legislações. Na maioria
das sociedades, a chegada à terceira idade é vista como uma fase da vida marcada por
mudanças físicas, psicológicas e sociais. As pessoas idosas podem enfrentar desafios
relacionados à saúde, como a diminuição da capacidade física e doenças crônicas, bem como
questões psicológicas, como a solidão ou a adaptação à aposentadoria.

É essencial reconhecer que a pessoa idosa possui conhecimentos e experiências


acumuladas ao longo da vida, desempenhando um papel importante como detentora de
sabedoria e memória coletiva. A promoção do respeito e valorização das pessoas idosas é
fundamental para uma sociedade inclusiva e justa. No contexto dos direitos humanos, muitos

8
países têm leis e políticas específicas para garantir a proteção e a dignidade das pessoas
idosas, buscando assegurar-lhes uma qualidade de vida adequada, o acesso a cuidados de
saúde, o respeito aos seus direitos e a participação ativa na comunidade.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), a proporção de pessoas


acima de 60 anos está a crescer rapidamente em todo o mundo. Este cenário também é visível
em Moçambique. Segundo dados mais recentes do INE (2010), o cenário confirma-se com
um continuado envelhecimento demográfico. O envelhecimento humano consiste num
processo de mudança progressiva da estrutura biológica, psicológica e social das pessoas que,
se inicia antes do nascimento e se desenvolve ao longo da vida (Direcção Geral de Saúde –
DGS, 2004). O envelhecimento não é um problema, mas um processo do ciclo vital que deve
ser vivido de uma forma saudável e autónoma o maior tempo possível (DGS, 2004).

Tendo como base a os princípios constitucionais em Moçambique a conceitualização


do que vem a ser pessoa idosa é determinada tendo sempre em conta a faixa etária assim
como o género. Assim segundo a Resolução nº 84/2002 (GdM 2002) são consideradas
pessoas idosas todas as pessoas do género feminino com mais de 55 anos de idade sendo que
para o género masculino as pessoas deverão ter uma idade igual ou superior a 60 anos de
idade.

O critério etário, é o mais prudente, adequado para a qualificação da pessoa que atinge
a etapa idosa em sua vida, pois é objectivo, sem maiores perquirições pessoais. Ao completar
o sexagésimo ano de sua vida, toda e qualquer pessoa física, para todos os efeitos legais, é
considerada idosa, independente de suas condições físicas, psíquicas, emocionais, sociais,
econômicas (Rodrigues, 2016, p. 16).

O processo de envelhecimento tem sido alvo de estudo nos últimos tempos. O


conceito de envelhecimento e as atitudes perante as pessoas idosas têm sofrido alterações e
espelham ”por um lado, o nível de conhecimentos sobre a fisiologia e anatomia humanas e,
por outro lado, a cultura e as relações sociais das várias épocas” (Paúl e Fonseca, 2005, p.12).

Com a definição da Resolução nº 84/2002 (GdM 2002), fica evidente que este
conceito teve como base a questão etária indo ao encontro da perspectiva da Organização das

9
Nações Unidas (ONU), onde se preconiza que o limite etário mínimo quando a questão se
referi ao conceito da pessoa idosa devera ser de 60 anos. Segundo essa perspectiva acredita-se
que este é aquele que melhor espelha a realidade verificada num maior número de países no
continente africano.

Em suma, a pessoa idosa é aquela que atingiu uma fase avançada da vida e que merece
respeito, cuidado e valorização, reconhecendo suas contribuições passadas e presentes para a
sociedade. É importante considerar suas necessidades e promover políticas e práticas que
assegurem a dignidade e o bem-estar das pessoas idosas em nossa comunidade.

2.1.3. Filiação

Um outro conceito que achamos ser fundamental para a presente pesquisa é o de


filiação. Assim a filiação é a relação de parentesco consanguínea em primeiro grau e em uma
linha recta que liga uma pessoa àquelas que a geram ou a receberam com se a tivesse gerado
(Rodrigues, 2004 p.297)

Deste modo, no contexto da Constituição da Republica de Moçambique (2004) é


vedada a distinção entre a filiação legitima ou ilegítima sendo que a mesma Constituição
estabeleceu a igualdade entre os filhos não admitindo mais a retrógrada distinção entre filhos
legítimos, segundo os pais fossem casados ou não.

O Direito da Filiação pode ser analisado em sentido amplo, isto é, incluindo tanto a
filiação biológica como a filiação jurídica (que podem coincidir ou não). Já a filiação em
sentido estrito refere-se ao laço biológico de parentesco (é esta a acessão dos artigos 1796.º e
seguintes). A filiação em sentido amplo abrangerá tanto aquela gerada pelo vínculo biológico,
como a afectiva e meramente jurídica (como a adopção).

Existem vários princípios constitucionais relevantes nesta sede, tais como: - o direito
de constituir família, artigo 119º, n.º 1 da Constituição da República de Moçambique – CRM
(na medida em que todos têm o direito de ver juridicamente reconhecidos os seus laços de

10
parentesco); - A família é responsável pelo crescimento harmonioso da criança e educa as
novas gerações nos valores morais, éticos e sociais. (artigo 120.º, n.º 2 CRM) 2 - Os pais e as
mães devem prestar assistência aos filhos nascidos dentro e fora do casamento. (120.º, n.º 4
CRM).

Apesar do modo de estabelecimento da filiação ser diferente – como veremos – não


podem as leis dificultar, injustificadamente, o estabelecimento da filiação fora do casamento);
Os pais e as mães devem prestar assistência aos filhos nascidos dentro e fora do casamento
(artigo. 120º, n.º 4 CRM, tendo em conta que a adopção é uma forma de filiação afectiva que
necessita de uma especial preocupação por parte do legislador)

2.1.4. Abandono

O abandono pode ser entendido como o distanciamento entre pais e filhos instigado
pela ausência de cuidado, educação, companhia e afectividade. Nessa realidade, a
convivência familiar é um critério para caracterizar essa conduta, visto que ela se compõe
pela ausência de um dos genitores, ou ambos, no quotidiano do filho. Desse modo, é
obrigação de ambos participarem efectivamente da vida criança ou adolescente, em todos os
âmbitos, a partir da convivência, juntamente com toda e qualquer assistência.

Para conceituar o abandono pode dizer-se que nada mais é que negligência, ausência
dos pais na vida dos filhos e neste caso concreto ausência dos filhos na vida dos pais. Deve
levar em conta que ao abandonar um pai idoso é de certa forma a falta de comprometimento
da solidariedade familiar sendo que a justiça oferece o direito a alimentos 2.

2
Segundo o artigo n.º 411º Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro (Lei da Família) os alimentos podem assumir a
natureza de definitivos ou provisórios, sendo que estes últimos se destinam a obstar que o menor, enquanto não
lhe forem atribuídos alimentos definitivos, se veja privado dos meios que necessita para conseguir viver com
dignidade. Deste modo, os alimentos devidos a menor compreendem tanto as quantias necessárias à sua
instrução e educação, como as quantias necessárias para prover o seu sustento, habitação, vestuário, saúde e
segurança, competindo a ambos os pais prestar esses alimentos

11
Assim, a falta de convívio, cumplicidade entre pais e filhos tende a gerar um
rompimento do elo de afectividade, o que pode comprometer seriamente a saúde física e
psicológicas dos pais idosos pela sua situação de vulnerabilidade. Sendo que essas situações
o torna uma pessoa insegura, infeliz e consequentemente terá grandes sequelas psicológicas
e consequentemente uma morte infeliz.

Outro sim, a solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afectivas,


porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de
compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário.
(Madaleno, 2013, p. 93).

Assim, face a questão do abandono, Lobo (2008) acredita que ao tratar do abandono
em todas as suas formas há um dever imposto aos pais em relação os seus filhos menores e
incapacitados assim como dos filhos aos seus pais idosos, ainda que haja desamor ou
desafeição entre eles”

2.2. Protecção da Pessoa Idosa no Ordenamento Jurídico Moçambicano

No contexto da legislação moçambicana o legislador oferece garantias constitucionais


de protecção da pessoa idosa, salvaguardando o reconhecimento da dignidade da pessoa
humana, assim como o direito a integridade moral e física, direitos estes que se revelam
independentemente das espécies circunstâncias de cada indivíduo. (vide artigo 124 da CRM)

Todavia, o legislador moçambicano como forma de garantir ainda maior protecção a


pessoa idosa consagra que para além dos direitos fundamentais consagrados são ainda
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e
a Carta Africana dos Direitos (Vide artigo 46 da CRM de 2004)3.

Essa posição jurídica tem como fundamento a questão da igualdade de todos perante a
lei, a situação social, económica e política como podemos ler do artigo 35 da CRM:

3
Os preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com
a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos

12
“Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos
mesmos direitos e estão sujeitas aos mesmos deveres,
independentemente da cor, raças, sexo, origem étnica, lugar de
nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado
civil dos pais, profissão ou opção política”

Assim, fica claro que é neste normativo que se encontra salvaguardado outros direitos
fundamentais, como sejam a protecção do direito a identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade à capacidade, ao bom nome, à reserva da vida privada e familiar ou protecção
contra qualquer forma de discriminação.

De uma forma específica quando a questão é a pessoa idosa podemos ainda perceber
que para além dos direitos fundamentais ela tem alguns direitos que devem ser observados
como podemos ler no artigo 125 da CRM :

1. Os idosos têm direito à protecção especial da família, da


sociedade e do Estado, nomeadamente na criação de condições
de habitação, no convívio familiar e comunitário e no
atendimento em instituições públicas e privadas, que evitem a
sua marginalização.

2. O Estado promove uma política de terceira idade que integra


acções de carácter económico, social e cultural, com vista à
criação de oportunidades de realização pessoal através do seu
envolvimento na vida da comunidade

Face ao exposto, fica evidente que é por meio da Constituição da República de


Moçambique e da própria Lei da Família que a protecção aos direitos da pessoa idosa é
assegurada com vista a eliminar todos tipos de abusos e violação bem como desrespeito aos
direitos do idoso.

13
2.3. Responsabilidade Civil

Segundo Antunes Varela, a responsabilidade civil, consiste na imposição da lei, há


aquele que causa prejuízo a outrem, do dever de colocar o lesado na situação em que estaria
sem a lesão, a responsabilidade civil exige a culpa do agente.

A Responsabilidade Civil é um conceito jurídico que se refere à obrigação de reparar


os danos causados a terceiros por ação, omissão ou negligência de uma pessoa ou entidade.
Ela está fundamentada no princípio de que todo indivíduo deve responder pelas
consequências de seus atos e comportamentos que causem prejuízos a outros.

Em outras palavras, quando alguém causa um dano a outra pessoa ou a seus bens, essa
pessoa pode ser responsabilizada civilmente e ter a obrigação de compensar os prejuízos
causados. A Responsabilidade Civil pode abranger uma ampla gama de situações, incluindo
acidentes de trânsito, danos causados por produtos defeituosos, negligência profissional,
invasão de privacidade, difamação, entre outros.

A Responsabilidade Civil é aplicada em diversos sistemas jurídicos ao redor do


mundo e é regida por leis específicas de cada país. Essas leis estabelecem os critérios e as
condições para que uma pessoa seja considerada responsável por um dano e quais as formas
de reparação ou indenização que podem ser exigidas.

Existem diferentes tipos de Responsabilidade Civil, como a responsabilidade


objectiva, em que não é necessário comprovar culpa, basta demonstrar que o dano ocorreu em
decorrência de uma atividade ou situação específica. Já na responsabilidade subjetiva, é
preciso provar que a pessoa agiu com culpa ou negligência para que seja responsabilizada
pelo dano.

A Responsabilidade Civil é essencial para a preservação dos direitos e a proteção dos


indivíduos e suas propriedades. Ela busca garantir a justa compensação às vítimas,

14
incentivando o cuidado e a prudência por parte de todos os cidadãos e empresas em suas
atividades cotidianas.

Passamos agora a apresentar o conceito de responsabilidade Civil no sentido do direito


moçambicano. O Código Civil Moçambicano actualizado pelo Decreto Decreto-Lei n.º
3/2006, de 23 de Agosto teve fortes influências no Código Civil de Napoleão isto é na
legislação francesa.

A responsabilidade civil quanto a origem encontra-se na Lei de Talião (olho por olho,
dente por dente), cujo objectivo era devolver o mal pelo mal (sistema arcaico). A Lei das XII
Tábuas (450 a. C) adoptou a Lei de Talião, e também estabelecia uma responsabilidade
pessoal (COELHO, 2012,p. 22).

É uma verdade que a teoria da culpa trazida pela legislação francesa não respondeu
com o passar do tempo os novos casos concretos que foram surgindo em diversos contextos
facto que fez com que novas teorias de culpa surgissem. Tais teorias são amparadas em várias
legislações mundiais, sem, contudo, fazer desaparecer totalmente a teoria clássica da culpa, o
que ocorreu inclusive com o Código Civil Moçambicano.

A responsabilidade civil pode ser objectiva assim como pode ser subjectiva, no que se
refere ao instituo da responsabilidade civil por abandono dos pais no ordenamento jurídico
moçambicano.

2.4. Pressupostos da Responsabilidade Civil

A responsabilização civil por danos pressupõe alguns factos, uma vez que todos os
actos ilícitos são aqueles que contrariam as normas objectivas do ordenamento jurídico
lesando desde modo o direito subjectivo de alguém.

Nesta lógica faz nascer à obrigação de reparar o dano de que se pode ler no artigo 483
do Código Civil Moçambicano (CC) vigente: “Aquele que, por acção ou omissão voluntaria,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete acto ilícito” assim estamos diante de um acto ilícito.

15
Assim, por forma aludir o dever de indemnizar, faz-se necessário a verificação de
certos pressupostos, factores, factos dominantes, elementos representantes da retribuição
social, assim para que haja uma responsabilidade civil do agente infractor é necessário que
haja: Acção ou omissão violadora do Direito; Dano; Culpa ou dolo do Agente; Nexo de
Causalidade.

Como verificamos anteriormente, não se pode falar de uma responsabilidade civil sem
dano, assim o ónus de prova cabe a pessoa que invoca tal direito. Dessa forma, fica evidente
que o dano é o elo de imputação da responsabilidade civil, e torna importantes as
consequências que a partir dela possa advir o dever de reparação.

Segundo Antunes Varela, o direito subjectivo é o poder conferido pela ordem jurídica
a certa pessoa de exigir determinado comportamento de outrem, como meio de satisfação de
interesse próprio ou alheio. O titular do direito subjectivo não é apenas um vigilante do
comportamento, é um árbitro em cada caso concreto da tutela jurídica do dever.

Tendo como base a questão do abandono dos pais pelos filhos no contexto
moçambicano, vários são os danos que são causados a esses pais, seja por acção, omissão ou
mesmo por negligência por parte dos seus filhos, que por culpa exclusiva dos filhos muitas
vezes são privados dos seus direitos fundamentais e sendo dever da família o de cuidar, dai
que havendo a violação desse dever, é possível despoletar o instituto da responsabilidade
civil.

Todavia, faz-se necessário a comprovação do dano, seja ele na esfera patrimonial ou


moral, ressalta-se que ao se falar no dano patrimonial, poderá se pensar de imediato no
ressarcimento do prejuízo, enquanto o dano moral, por envolver a esfera psíquica, irá visar a
recomposição da pessoa lesada (Diniz. 2001,p.22).

Um outro pressuposto fundamental para que haja a responsabilidade civil é a culpa.


Assim pode se perceber a culpa como a negligência ou mesmo imprudência de tal forma que
o dolo consiste na vontade de cometer uma violação de direitos. Assim o dolo é a violação
deliberada, consciente, intencional do dever jurídico.

16
Face ao tema em análise é possível ter elementos suficientes para responsabilizar os
filhos pelo abandono dos pais idosos pois o Código Civil Moçambicano estabelece que
“aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer
disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado
pelos danos resultantes da violação (Cfr artigo 483 Código Civil Moçambicano).

Através da análise deste artigo é possível identificar os elementos da responsabilidade


civil, que são: ilicitude, a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa. Este artigo é
a base fundamental da responsabilidade civil, e consagra o princípio de que a ninguém é dado
o direito de causar prejuízo a outrem.

2.5. Responsabilidade civil dos filhos por abandono dos pais idosos em Moçambique

2.5.1. Relação Jurídica Entre Pai e Filho verso responsabilidade Civil

A questão da relação jurídica entre os pais e os filhos tem sua base jurídica na ideia de
filiação e paternidade. Assim segundo Gonçalves (2012, p.318): “A filiação é o parentesco
consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram,
ou a receberam como se tivessem gerado. Todas as regras sobre parentesco consanguíneo
estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a
principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos.”

A lei prevê a especial obrigação a cargo dos progenitores de proverem ao sustento dos
filhos cujo conteúdo repousa nos vínculos da filiação e nos poderes-deveres incluídos nas
responsabilidades parentais. O dever de assistência entre pais e filhos tem duas vertentes
como podemos observar no artigo 258 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro - Lei da
Família:

1. Os pais e filhos devem-se mutuamente respeito, cooperação,


auxílio e assistência. 2. O dever de assistência compreende a

17
obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a
vida em comum, para os encargos da vida familiar, de acordo
com os recursos próprios. 3. Os filhos devem assistir os pais
sempre que estes careçam de alimentos nos termos do disposto
nos artigos 417 e seguintes da presente Lei.

Com esta informação fica assim evidente que relativamente nesta relação tanto o pai
assim como filho têm obrigação e dever de se cuidar mutuamente sendo esses um princípio de
solidariedade familiar.

Passamos agora a dissecar sobre o exercício de responsabilidade na relação jurídica


entre pais e filhos tendo sempre em vista o dever de cuidar como uma garantia
constitucionalmente consagrada. Perante uma situação de velhice ou de incapacidade há uma
certa responsabilidade por parte dos filhos em relação aos pais como esta prevista na Lei.

Assim, da regulação das responsabilidades e da consequente obrigação de alimentos a


pais idosos podemos falar em bom rigor quando, esteja estabelecida a filiação biológica ou
adopção, há uma obrigação moral e material de cuidar desses filhos em relação aos seus
progenitores concedendo-os alimentos devidos. (vide artigo 280 da Lei n 10 de 2004 Lei da
Família).

A prestação de alimentos constitui, simultaneamente, uma obrigação do progenitor e


um direito subjectivo do filho menor, com vista à sua manutenção e desenvolvimento, pelo
que a determinação do seu quantitativo deve ser de molde a assegurar o indispensável à
subsistência do menor, sendo este um imperativo ético e social inalienável.

Acresce que, as referidas normas devem ser interpretadas à luz da nossa Constituição,
mormente o disposto no seu artigo 120º n.º 3, sob pena da tutela da solidariedade familiar
esvaziar de sentido o princípio de que é aos pais a quem incumbe, primacialmente, a
obrigação de educar, sustentar e manter os seus filhos.

Associados ainda a essa questão da responsabilidade dos filho um novo conceito nos é
apresentado pelo legislador como forma de garantir maior protecção a todos os elementos da

18
família que é o princípio da solidariedade incide permanentemente sobre a família, impondo
deveres a ela enquanto ente colectivo e a cada um de seus membros, individualmente. Ao
mesmo tempo, estabelece directriz ao legislador, para que o densifique nas normas
infraconstitucionais e para que estas não o violem; ao julgador, para que interprete as normas
jurídicas e solucione os conflitos familiares tendo em vista as interferências humanas que
encerram, sem a dura escolha do tudo ou nada.

O dever solidariedade, no plano das famílias, apresenta duas dimensões: a primeira, no


âmbito interno das relações familiares, em razão do respeito recíproco e dos deveres de
cooperação entre seus membros; a segunda, nas relações do grupo familiar com a
comunidade, com as demais pessoas e com o meio ambiente em que vive. Assim a Lei da
Família vigente em Moçambique no seu artigo 281 e 282 garante que os filhos tenham o
dever de concorram para a manutenção dos pais sempre que esses se encontrem em
necessidade.

A responsabilidade dos filhos decorre dos princípios assegurados pela própria CRM
bem, como pela lei, sem como dos protocolos ratificados como exemplo, a dignidade da
pessoa humana e a solidariedade. A partir da dignidade da pessoa humana são elencados
todos os direitos inerentes a condição humana: direito à vida; à saúde; à alimentação; à
educação; à cultura; ao exporte; ao lazer; ao trabalho; à cidadania, entre outros.

O princípio da dignidade da pessoa humana, é o princípio basilar do Estado. É um


valor supremo, inerente a condição humana, independe de qualquer qualificação específica da
pessoa, o simples facto de ser humano garante ao sujeito direitos mínimos e invioláveis.

Actualmente esse princípio é elemento central nas discussões do Direito de Família,


sendo recurso argumentativo para a resolução de diversos conflitos no âmbito das relações
familiares.

19
CAPÍTULO II: METODOLOGIA DE PESQUISA

A metodologia é uma parte essencial de qualquer trabalho de pesquisa ou estudo


acadêmico. Ela descreve os procedimentos, técnicas e abordagens utilizados para coletar,
analisar e interpretar os dados, bem como para responder às perguntas de pesquisa ou alcançar
os objetivos estabelecidos. Neste contexto, o presente trabalho aborda a metodologia
empregada na análise da responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em
Moçambique.

Este capítulo foi fundamental para compreender a estrutura e o rigor científico da


pesquisa, oferecendo uma visão detalhada de como os dados foram obtidos e como as
conclusões foram alcançadas. Ao revelar os métodos empregados, a transparência é
promovida, permitindo que outros pesquisadores possam avaliar a validade dos resultados e
reproduzir o estudo, se necessário.

A escolha adequada da metodologia é de extrema importância para garantir a


confiabilidade e a relevância dos resultados obtidos. Assim, a presente seção apresentará
detalhes sobre a abordagem utilizada, a seleção dos participantes, as técnicas de coleta de
dados, bem como os instrumentos de análise empregados. Tudo isso visando fornecer uma
base sólida para a investigação da problemática do abandono de pais idosos pelos seus filhos
e suas implicações jurídicas em Moçambique.

20
3.1. Tipo de abordagem

Para uma pesquisa sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos em Moçambique, uma abordagem qualitativa seria adequada e enriquecedora. A
abordagem qualitativa é uma metodologia de pesquisa que busca compreender e interpretar os
fenômenos sociais de forma mais profunda, explorando as perspectivas, percepções e
experiências dos participantes.

Quanto à abordagem, a pesquisa adoptará o modelo qualitativo, que consoante


Mezzaroba e Monteiro (2016), leva em conta a compreensão das informações de modo mais
amplo, se relacionando com outros factores, levando em consideração, principalmente, outros
contextos. Para tanto, como procedimentos técnicos, serão utilizadas técnicas bibliográficas,
fundadas em referencial teórico que envolve doutrina, artigos de periódicos e materiais de
estudiosos da área encontrados em sites especializados, e documentais, com o uso de
legislação.

Neste contexto, a abordagem qualitativa permitiria explorar em detalhes as


motivações, crenças, valores e contextos culturais que podem influenciar as atitudes dos filhos
em relação ao cuidado e assistência aos pais idosos. Seria possível entender os factores
subjacentes ao abandono de idosos, assim como identificar possíveis mudanças sociais e
culturais que podem estar afetando essa dinâmica familiar em Moçambique.

A escolha da abordagem qualitativa para esta pesquisa sobre a responsabilidade civil


dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique é justificada por diversas razões
importantes:

Complexidade do fenómeno: O abandono de pais idosos é um fenómeno complexo e


multifacetado, influenciado por fatores culturais, sociais, econômicos e familiares. A
abordagem qualitativa permite investigar em profundidade esses aspectos complexos,
buscando compreender as motivações, crenças e valores dos filhos envolvidos e como eles se
relacionam com o contexto cultural e social do país.

21
Perspectiva dos participantes: A abordagem qualitativa coloca os participantes no
centro da pesquisa, permitindo que suas vozes, percepções e experiências sejam valorizadas.
Isso é essencial para entender o fenômeno do abandono de pais idosos a partir das
perspectivas dos próprios filhos e dos idosos afetados.

Exploração de significados e motivações: A pesquisa qualitativa permite explorar os


significados atribuídos pelos participantes ao abandono de pais idosos e suas motivações para
esse comportamento. Isso é fundamental para compreender os fatores subjacentes ao
abandono e as possíveis mudanças sociais e culturais que podem estar afetando essa dinâmica
familiar em Moçambique.

Contextualização cultural e social: Moçambique tem uma rica diversidade cultural e


social, e a abordagem qualitativa possibilita investigar como as normas culturais e os valores
sociais podem influenciar a responsabilidade dos filhos em relação aos pais idosos. Isso ajuda
a entender como as práticas e tradições culturais podem estar afetando o cuidado e assistência
aos idosos.

Flexibilidade e adaptabilidade: A pesquisa qualitativa é flexível e permite que o


pesquisador ajuste o foco e as questões da pesquisa à medida que novos insights e temas
emergem durante o processo de coleta e análise dos dados. Isso possibilita uma abordagem
mais aberta e sensível às nuances do tema em estudo.

Em suma, a escolha da abordagem qualitativa foi fundamental para aprofundar a


compreensão do fenómeno do abandono de pais idosos em Moçambique, permitindo uma
análise abrangente e detalhada das perspectivas dos participantes e do contexto cultural e
social em que essa questão se insere. A pesquisa qualitativa oferece uma riqueza de
informações e insights que contribuirão significativamente para o enriquecimento do
conhecimento sobre o tema e para a formulação de recomendações relevantes para enfrentar
esse desafio social

22
3.2. Amostra e Procedimentos

Relativamente a amostra da presente pesquisa foram realizadas algumas entrevistas


com questões abertas direccionadas a 100 indivíduos sendo que 50 delas são pessoas idosas e
as outras 50 são pertencentes a camada considerada jovem, como forma de perceber deles se
têm consciência sobre as suas obrigações em cuidar dos pais idosos. Por outro lado, dos
idosos buscamos perceber o seu sentimento relactivamente a sua situação de abandono por
parte dos seus filhos.

Como forma de recolher os dados para essa pesquisa optamos por um questionário com
perguntas abertas para os primeiros 50 elementos que participaram desse estudo, e para os
restantes 50 elementos dessa pesquisa sendo todos idosos optamos em fazer uma entrevista
semi-estruturada4.

Na pesquisa sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos
em Moçambique, a definição dos critérios de seleção da amostra é um passo crucial para
garantir a representatividade e relevância dos dados coletados. Dada a natureza complexa e
sensível do tema, é importante que a amostra seja selecionada de forma cuidadosa e
estratégica. Alguns dos critérios que podem ser considerados para a seleção da amostra
incluem:

 Faixa etária dos filhos: Considerar a faixa etária dos filhos envolvidos é essencial,
pois diferentes gerações podem ter perspectivas e experiências distintas em relação ao
cuidado dos pais idosos.

 Localização geográfica: A selecção de participantes em diferentes bairros na cidade


de Maputo pode fornecer insights sobre as possíveis variações regionais nas atitudes e
práticas em relação ao cuidado dos idosos.

4
Neste tipo de entrevistas o entrevistador pergunta para os diversos entrevistados uma mesma série de perguntas
pré-estabelecidas, ficando o entrevistador preso ao enunciado específico no roteiro da entrevista: ele não é livre
de adaptar suas perguntas à situação específica, de modificar a ordem dos tópicos ou de fazer perguntas Gil A.C
(2008) Métodos e Técnicas de Pesquisa Social São Paulo Atlas

23
 Diversidade cultural: Moçambique é uma nação culturalmente diversa, e é
importante garantir a inclusão de participantes de diferentes grupos étnicos e culturas
para entender como as tradições e normas culturais podem afetar a responsabilidade
dos filhos em relação aos pais idosos.

 Relações familiares: A amostra pode incluir filhos que tenham diferentes tipos de
relações familiares, como aqueles que vivem com os pais idosos, aqueles que vivem
separados e aqueles que residem em outras localidades. Isso permitirá entender como
a proximidade física afeta o cuidado dos idosos.

 Experiências com abandono de idosos: Pode ser relevante incluir filhos que tenham
experiências de abandono de pais idosos ou que tenham conhecimento de casos de
abandono em suas famílias ou comunidades. Isso fornecerá insights sobre as razões e
implicações desse comportamento.

 Disposição para participar: Foi importante considerar a disposição dos participantes


em colaborar com a pesquisa, garantindo que eles estejam confortáveis e dispostos a
compartilhar suas perspectivas.

 Tamanho da amostra: A definição do tamanho da amostra dependeu dos objectivos


da pesquisa, da abordagem metodológica e da disponibilidade de recursos. Buscar
uma amostra representativa e significativa é essencial para garantir a validade dos
resultados.

 Ética e privacidade: Ao selecionar a amostra, é fundamental garantir a privacidade e


o anonimato dos participantes, bem como obter o consentimento informado para sua
participação na pesquisa.

A seleção criteriosa da amostra foi um processo fundamental para garantir a validade e a


confiabilidade dos resultados da pesquisa. A inclusão de participantes diversificados permitirá
obter uma compreensão abrangente das atitudes e práticas relacionadas ao abandono de pais
idosos em Moçambique, enriquecendo a análise e as conclusões da pesquisa.

24
CAPÍTULO III: ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

O capítulo de análise e discussão dos dados foi uma etapa essencial desta pesquisa
sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique.
Neste capítulo, os resultados coletados por meio da metodologia qualitativa foram
minuciosamente examinados e interpretados, com o objetivo de compreender as
complexidades subjacentes ao tema em estudo.

A pesquisa teve como base uma abordagem qualitativa, que permitiu explorar as
perspectivas e experiências dos participantes de maneira profunda e contextualizada. Através
de entrevistas em profundidade, grupos focais e observações, pudemos capturar os
significados atribuídos pelos filhos em relação ao abandono de seus pais idosos, bem como os
fatores culturais, sociais e familiares que influenciam suas atitudes e comportamentos.

Neste capítulo, apresentamos as principais tendências e temas emergentes


identificados durante a colecta e a análise dos dados. Os resultados foram cuidadosamente
contextualizados dentro do cenário cultural, social e econômico de Moçambique, buscando
compreender como essas influências moldam as dinâmicas familiares e afetam a
responsabilidade dos filhos em relação aos seus pais idosos.

25
Os depoimentos dos participantes foram utilizados para ilustrar e respaldar as
conclusões, e foram tratados com o máximo de respeito e confidencialidade, garantindo a
privacidade e o anonimato dos envolvidos. Foram apresentados insights relevantes e reflexões
importantes, proporcionando uma visão holística sobre o fenômeno do abandono de pais
idosos em Moçambique e suas implicações jurídicas e sociais.

Este capítulo forneceu uma análise crítica e fundamentada dos dados coletados,
buscando responder às questões de pesquisa e aos objetivos estabelecidos no início do
trabalho. Foram discutidas as implicações dos resultados para a compreensão do fenómeno e
foram propostas recomendações pertinentes para enfrentar esse desafio social. Assim, foi um
dos momentos mais importantes desta pesquisa, pois foi nele que os dados brutos ganharam
significado e relevância. Ao compreender e interpretar os resultados obtidos, estivemos
avançando no conhecimento sobre a responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais
idosos em Moçambique, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e
solidária com os idosos e suas famílias.

4.1. Estudo de Caso

Na análise e discussão de dados o investigador analisa o conjunto dos resultados e


interpreta segundo o tipo de pesquisa e o quadro das referências utilizadas, tendo em conta o
facto de que visa a descrição de um fenómeno ou a explicação e a verificação de algumas
relações entre os fenómenos, assim como a verificação de hipóteses causais.

Neste capítulo buscamos analisar os dados colhidos na Cidade de Maputo, onde


buscamos perceber o sentimento dos idosos que são abandonados pelos seus familiares
(filhos). Este capítulo foi construído com base nos resultados das entrevistas feitas entre os
meses de Dezembro de 2023 e Janeiro de 2024.

Relativamente ao género dos que participaram dessa pesquisa o gráfico 1 nos mostra
que 30% são do género masculino e 70% são do género feminino. Desses dados ficou
evidente a existência de maior prevalência de mulheres (mães idosas) abandonadas pelos seus
filhos por vários motivos quando comparados com os de género masculino.

26
Gráfico 1

Ao analisar os dados à luz da legislação, é importante destacar que Moçambique possui


leis e políticas específicas que visam garantir a proteção dos idosos e seus direitos. A
Constituição da República de Moçambique, por exemplo, reconhece a família como a base da
sociedade e determina o dever de solidariedade intergeracional, estabelecendo que os
membros da família têm a obrigação de cuidar e proteger os idosos.

Além disso, a Lei do Idoso em Moçambique, promulgada em 2009, prevê a proteção e


assistência aos idosos, bem como estabelece o dever de respeito e cuidado por parte dos
familiares. Essa legislação ressalta a importância da responsabilidade dos filhos em relação ao
cuidado e assistência aos seus pais idosos.

A maior prevalência de mulheres (mães idosas) abandonadas pelos filhos, conforme


indicado nos dados da pesquisa, pode levantar questões sobre a aplicação e efetividade das
leis existentes em proteger os direitos dos idosos em Moçambique. Pode indicar possíveis
desafios sociais e culturais que impactam a responsabilidade dos filhos em relação ao cuidado
dos pais idosos, ou até mesmo a falta de conscientização e sensibilização sobre os direitos dos
idosos e as consequências do abandono.

27
Esses dados podem fornecer subsídios importantes para aprimorar e fortalecer as
políticas e práticas voltadas para a proteção dos idosos em Moçambique. Podem também
destacar a necessidade de campanhas de conscientização e educação sobre os direitos dos
idosos e a importância do respeito e cuidado por parte dos familiares.

Em suma, a análise dos dados à luz da legislação revela a importância de abordar


questões culturais, sociais e educacionais que afetam a responsabilidade dos filhos em relação
ao cuidado dos pais idosos. As informações obtidas nessa pesquisa podem contribuir para o
desenvolvimento de estratégias efetivas que garantam a proteção e dignidade dos idosos em
Moçambique

Relativamente a idade dos participantes dessa pesquisa, podemos perceber que a maior
deles são pessoas idosas com idade entre 55- 75 anos de idade com 60% de participação,
sendo que 25% possuem uma idade entre 35 -45 anos de idade e finalmente os 15% para os
que tem uma idade entre 25 -34 anos de idade, como ilustra o gráfico 2.

Gráfico: 2

28
A escolha desses intervalos de idade foi intencional uma vez que permitiram a
pesquisadora alcançar um dos objectivos específicos desta pesquisa sendo que por meio dessa
divisão foi possível colher dos jovens o seu sentimento em relação a obrigação constitucional
de cuidar os seus pais em caso de velhice bem como em caso de incapacidade.

Por outro lado, permitiu perceber dos pais (pessoas idosas) o sentimento em relação a
legislação que os protege em relação ao direito a alimento um direito fundamental consagrado
constitucionalmente em Moçambique e que é dever da família, da sociedade e do estado
garantir a efectiva realização.

Tendo em conta que o objectivo desse trabalho é analisar a eficácia jurídica da


responsabilidade civil dos filhos por abandono dos pais idosos em Moçambique essa cifra é
de grande relevância uma vez que é por meio dela que se pode materializar os objectivos
pretendidos. Sendo assim dos dados adquiridos 60% de um total de 30 participante tem entre
1 a 3 filhos, seguidos de 38% com 4 a 6 filhos e por fim apenas 1% não tem nenhum filho
como se pode observar no gráfico 3.

Gráfico: 3

29
Com estes dados podemos perceber que a soma dos que tem filhos em um total de 30
participantes perfaz 99% facto esse que nos remete a uma situação da relação jurídica
existente entre os pais e os filhos que se assenta no princípio de solidariedade familiar como
esta prevista na lei5.

O princípio de Solidariedade Familiar possui um assento constitucional. Assim sob


ponto de vista da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro - Lei da Família, o direito a alimento
funda-se no princípio de solidariedade, que implica respeito e consideração mútua em relação
aos membros da família neste caso concreto entre os pais e filhos e vice-versa.

Relactivamente ao conhecimento desse princípio como podemos observar no gráfico 4


dos participantes, apenas 10% tem conhecimento desse princípio e da sua obrigação para com
os pais enquanto 90% não tem nenhum conhecimento. Todavia o desconhecimento desse
princípio não lhe tira a responsabilidade daqui que acreditamos que mesmo assim ainda é
possível criminalizar esses indeviduos pelos danos causados.

Gráfico: 4

5
Cfr: artigo 258 da Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro - Lei da Família - 1. Os pais e filhos devem-se
mutuamente respeito, cooperação, auxílio e assistência. 2. O dever de assistência compreende a obrigação de
prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, para os encargos da vida familiar, de acordo com
os recursos próprios. 3. Os filhos devem assistir os pais sempre que estes careçam de alimentos nos termos do
disposto nos artigos 417 e seguintes da presente Lei.

30
Ainda sobre este ponto de solidariedade familiar a lei prevê que os alimentos serão
proporcionados aos meios daqueles que houver de presta-los e ha necessidade de aqueles que
haver de recebe-los.

Questionados sobre o abandono, das causas, motivações entre outros factores,


pudemos perceber que 80% dos inquiridos tem mais de 2 anos que foram deixados a sorte
pelos seus filhos e desses 80% afirmaram sofrer muita discriminação por parte dos familiares
assim como por parte dos filhos.

Assim, 20% dos idosos inquiridos tem menos de 2 anos que foram abandonados,
todavia os dados nos revelam que as causas de abandono são na maioria das vezes acusados
de serem promotores da infelicidade dos filhos.

Gráfico 5

31
Com estes dados ficou ainda evidente que as questões do abandono no contexto
Moçambicano ocorrem muitas das vezes após os filhos constituírem novos lares. Pois esses
acreditam não terem nenhuma obrigação perante aos pais idosos limitando-se a cuidar da
esposa e dos seus filhos. Nesta lógica, todos preceitos constitucionais estão sendo violados
cabendo aos lesados despoletar o instituto da responsabilidade civil e até criminal em caso de
discriminação e maus tratos.

Neste ponto buscamos perceber dos participantes deste estudo se é possível


responsabilizar civilmente os filhos pelo abandono dos seus pais uma vez que a constituição
da República assim como a Lei nº 3/2014 de 5 de Fevereiro - Lei da Promoção e Protecção
dos Direitos da Pessoa Idosa. Sem deixar de lado a Lei n.º 22/2019 de 11 de Dezembro - Lei
da Família criam ou abrem espaço para a responsabilização dos violadores dos dispositivos
legais.

Atento aos dados da pesquisa, podemos observar no gráfico 6 que 82 % dos


participantes dessa entrevista cré haver espaço para a possível responsabilização, todavia em
termos práticos dizem que nada se tem feito para tornar essa responsabilização efectiva e 18%
acreditam não haver espaço para tal responsabilização.

32
Gráfico: 6

4.2. Da Protecção Jurídica dos Pais idosos no Direito Comparado

Relactivamente a protecção jurídica dos pais vítimas de abandono nos ordenamentos


jurídicos por nós analisados, se apresenta também como uma questão de grande preocupação
tendo em conta que também são Estados de Direito Democrático. Todavia tal e qual
Moçambique no ordenamento jurídico português assim como brasileiro os legisladores
salvaguardam o conhecimento da dignidade da pessoa humana6.

Assim, podemos encontrar ainda nesta mesma legislação outros direitos fundamentais
como sejam a protecção do direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade, à capacidade, ao bom nome, à reserva da vida privada e familiar, ou a
protecção contra quaisquer formas de discriminação 7 Face ao exposto fica evidente que toda
pessoa idosa abandonada pelos seus familiares encontra protecção na Constituição da

6
Cfr: artigo 25 da Constituição da Republica de Portugal
7
Cfr: artigo 26 da Constituição da Republica de Portugal.

33
República dai que o legislador português garante no artigo 72 uma protecção as pessoas da
terceira idade e busca sempre meios judiciários para responsabilizar todos os infractores.

Já no Brasil a questão das pessoas idosas são tuteladas por vários diplomas legais
tendo até um estatuto que visa garantir maior protecção a esta classe social que muitas das
vezes vê seus direitos organizados. O Estatuto do Idoso é destinado a regular os direitos
assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

O artigo 2 O idoso goza de todos os direitos


fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da protecção integral de que trata esta Lei,
assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas
as oportunidades e facilidades, para preservação de sua
saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral,
intelectual, espiritual e social, em condições de
liberdade e dignidade.

No que concerne a eficácia vertical e horizontal dos


direitos do idoso, o Estatuto diz no artigo 10 que é
obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa
idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa
humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais
e sociais, garantidos na Constituição e nas demais leis.

Desta forma o Estatuto do Idoso prevê a garantia do atendimento preferencial,


imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviço à
população. São justamente nesses locais que há os pictogramas que definem a pessoa do
idoso. Garante-se o direito de prioridade sem, no entanto, garantir o direito de imagem. Ainda
no Contexto do Brasil o Estado tem a obrigação de oferecer protecção à família, por ser ela a
base da sociedade segundo a CF/88. A partir deste amparo legal, a família não poderá ser
impunemente violada pelo Estado.

34
Conforme Dias, “o Estado não tem apenas o dever de se abster de praticar actos que
atentem contra a dignidade humana, mas sim ser responsável por acções positivas”. Por esse
motivo, a legislação normatiza sobre o cuidado inerente as relações familiares, atribuindo
direitos e deveres recíprocos entre os sujeitos dessas relações.

A Constituição Federal de 1998, dispõe em seu artigo. 229 sobre os deveres entre pais
e filhos: Artigo. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os
filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Adoptando a entidade familiar como base da sociedade, a CF/88 preocupou-se em


declarar expressamente que não só os pais têm o dever de cuidar dos filhos, mas estes têm
também o dever constitucional de amparar seus pais, isso como forma de efectivar a garantia
do direito à uma velhice digna. O Código Civil, lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002,
também trata do dever recíproco de cuidado entre pais e filhos, quando prevê em seu artigo
1.696 sobre a prestação de alimentos: Artigo. 1.696. O direito à prestação de alimentos é
recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos
mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Em síntese, o que se percebe na análise dos preceitos enunciados no texto é que a


legislação Portuguesa e Brasileira procura assegurar que os filhos tenham para com os pais as
mesmas obrigações que os pais tiveram com seus filhos, antes da velhice.

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CAPITULO V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Conclusão

Após uma análise cuidadosa dos dados colectados nesta pesquisa sobre a
responsabilidade civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique, podemos
validar a hipótese de que não há uma efectiva responsabilização civil dos filhos diante desse
cenário. Os resultados revelam indícios claros de que o abandono de pais idosos por parte de
seus filhos é uma realidade preocupante no contexto moçambicano e que a responsabilização
por esse comportamento é limitada.

Os dados colectados mostram que a legislação vigente em Moçambique estabelece


claramente o dever de cuidado e protecção dos idosos por parte dos familiares, mas na prática,
a efectiva aplicação dessa responsabilidade enfrenta desafios significativos. O número
expressivo de participantes do género feminino (mães idosas) que relataram terem sido
abandonadas pelos filhos é um sinal alarmante dessa problemática.

Os factores culturais, sociais e a falta de conscientização sobre os direitos dos idosos


podem estar contribuindo para a persistência do abandono de pais idosos em Moçambique.
Esses fatores podem influenciar as atitudes e comportamentos dos filhos em relação ao
cuidado e assistência aos seus pais idosos, resultando em uma falta de responsabilização
efetiva por parte dos filhos.

Dessa forma, foi possível concluir que a hipótese de que não há uma efetiva
responsabilização civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique foi validada
pelos resultados desta pesquisa. Essa conclusão destaca a importância de se enfrentar esse
problema com ações concretas, incluindo o fortalecimento da legislação, a promoção de
campanhas de conscientização, o investimento em sistemas judiciais e de proteção social e o
estímulo ao debate público sobre essa questão crítica.

É fundamental que medidas sejam adotadas para garantir uma sociedade mais justa e
solidária com os idosos e suas famílias, assegurando que os filhos assumam sua
responsabilidade de cuidar e proteger seus pais idosos. Somente assim será possível superar

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os desafios relacionados ao abandono de pais idosos em Moçambique e garantir o respeito e
dignidade a essa parcela da população que tanto contribuiu para o país ao longo de suas vidas

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5.2. Recomendações

Com base nas conclusões da pesquisa, que validaram a hipótese de que não há uma
efectiva responsabilização civil dos filhos pelo abandono dos pais idosos em Moçambique,
apresento algumas recomendações para enfrentar esse problema e promover o cuidado e
proteção adequados aos idosos:

1. Fortalecer a legislação e políticas de proteção aos idosos: É fundamental revisar e


fortalecer a legislação existente relacionada aos direitos dos idosos e ao abandono
familiar. Além disso, é importante desenvolver políticas públicas específicas que
visem garantir a proteção e assistência adequadas aos idosos em situação de
vulnerabilidade.

2. Campanhas de conscientização e educação: Promover campanhas de


conscientização e educação em nível nacional para sensibilizar a sociedade sobre a
importância do respeito e cuidado com os idosos. Essas campanhas devem destacar os
direitos dos idosos e as consequências negativas do abandono, buscando mudar
atitudes e comportamentos.

3. Capacitação de profissionais e cuidadores: Investir na capacitação de profissionais


de saúde, assistência social e cuidadores de idosos para lidar com casos de abandono e
violência contra os idosos. Esses profissionais desempenham um papel crucial na
identificação e atendimento adequado aos idosos em situação de risco.

4. Estímulo ao apoio intergeracional: Promover programas que incentivem o apoio e


convivência intergeracional, fortalecendo os laços familiares e estimulando uma maior
responsabilização dos filhos em relação aos pais idosos. Essas iniciativas podem
incluir atividades conjuntas entre idosos e jovens, valorizando a troca de experiências
e conhecimentos.

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5. Criação de redes de apoio familiar: Estimular a criação de redes de apoio familiar
para famílias que enfrentam desafios no cuidado de seus idosos. Essas redes podem
oferecer suporte emocional, social e prático para as famílias, contribuindo para a
manutenção do cuidado adequado aos idosos.

6. Reforço dos sistemas judiciais e de proteção social: Investir na melhoria dos


sistemas judiciais e de proteção social para que casos de abandono de pais idosos
sejam adequadamente investigados e punidos, garantindo que os responsáveis sejam
responsabilizados por suas ações.

7. Pesquisa e monitoramento contínuo: Incentivar a realização de pesquisas contínuas


sobre o abandono de pais idosos e o funcionamento das políticas e medidas adotadas
para combater esse problema. O monitoramento sistemático é essencial para avaliar o
impacto das intervenções e implementar ajustes necessários.

Essas recomendações buscam enfrentar o desafio do abandono de pais idosos em


Moçambique de maneira abrangente e efetiva. É crucial que haja uma abordagem integrada,
envolvendo esforços do governo, da sociedade civil e de diferentes setores da comunidade
para garantir o cuidado e proteção adequados aos idosos, assegurando que eles possam viver
com dignidade e respeito em seus anos de vida avançados

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6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA

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civil. 5ª ed. São Paulo, Saraiva.

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Editora Revista dos Tribunais.

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6. Gonçalves, C. R. (2005). Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. VI v. São


Paulo: Saraiva.

7. Lôbo, P. L. N. (2006). A Repersonalização das Relações de Família. In: Del’Olmo, F.


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sobre a aplicação do novo regime). Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1º
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(coord.). Temas Relevantes do Direito Civil Contemporâneo: reflexões sobre os cinco
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10. Maria Berenice; Pereira, R. da C. (coord.). (2003). Direito de família e o novo Código
Civil. 2ª ed. 2ª tir.

40
11. Oliveira, E.; Hironaka, G. M. F. N. (2003). Do Direito de Família. In: Dias, M. B.
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12. Porto, S. G.; Ustárroz, D. (2003). Tendências constitucionais no direito de família.


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13. Roque, H. (2005). Os Conceitos Jurídicos Indeterminados em Direito da Família e a


sua Integração. Revista Lex Familiae, Ano 2, nº 4, Coimbra Editora.

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Idoso e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Recuperado de
[www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm].

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Apêndice- Questionário

Perguntais direccionadas aos entrevistados sobre abandono afectivo.

1- Qual é sua Idade?

2- Sexo?

3- A quanto Tempo Vive no asilo?

4- Quantos Filhos Tem?

5- Recebe Visita dos seus Filhos ou Familiar?

6. Tendo sido abandonada, se recebe assistência de seus filhos, comida, roupa, lencois para
dormir, etc.

6- Como vítima de abandono, tem conhecimento sobre a possibilidade à indemnização por


danos materiais e morais em face de seus filhos?

8- Como lidou com o abandono durante a sua vida até o momento?

9- O abandono afectivo lesou-a (o) em suas relações interpessoais?

10- Porquê na sua óptica seus filhos o abandoram?

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