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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

CARMEN DOS SANTOS OÑORO

A TRANSEXUALIDADE E O DIREITO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2019
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

CARMEN DOS SANTOS OÑORO

A TRANSEXUALIDADE E O DIREITO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Direito, núcleo de Direito
Constitucional, sob a orientação do
Professor Doutor Luiz Alberto David
Araujo.

SÃO PAULO

2019
Autorizo, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação, desde que devidamente citada a fonte.

São Paulo, _______________________________________.

__________________________
Banca Examinadora:

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________
DEDICATÓRIA

A todo indivíduo que devido a


características, preferências, interesses
ou qualquer outro ponto que o possa
diferenciar do padrão imposto, seja
submetido a situações de cunho
discriminatório. Seguimos andando de
mãos dadas na busca por respeito,
justiça e igualdade.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Ana Maria e Vitor, por


toda dedicação, ensinamentos e
carinho.

Ao professor Luiz Alberto David Araujo


pelo voto de confiança, apoio e
excepcional orientação, sem a qual este
trabalho não existiria.

À professora Flavia Pinheiro que


sempre me incentivou na busca por
conhecimento no âmbito do direito
constitucional.

A todas as pessoas que, de algum


modo, colaboraram para a realização
deste trabalho.
“A única arma para melhorar o planeta é a
Educação com ética. Ninguém nasce odiando
outra pessoa pela cor da pele, por sua origem,
ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas
precisam aprender, e se podem aprender a
odiar, podem ser ensinadas a amar.”
(Nelson Mandela)

“A educação é o grande motor do


desenvolvimento pessoal. É através dela que a
filha de um camponês pode se tornar uma
médica, que o filho de um mineiro pode se tornar
o diretor da mina, que uma criança de peões de
fazenda pode se tornar o presidente de um
país.”

(Nelson Mandela)
RESUMO

Os transexuais representam um grupo minoritário que por estarem


presentes em uma sociedade eivada por preconceito enfrentam situações
discriminatórias. Tal cenário já foi objeto de diversas pesquisas e concluíram pelo
elevado número de violência, tanto verbal como física, que, inclusive podem
acarretar a morte destes indivíduos.

As escolas que deveriam representar ambiente acolhedor e incentivar a


convivência pacífica entre todos muitas vezes reproduzem o aspecto excludente
vivenciado pelos transexuais fora do ambiente escolar, ocasionando uma
conjuntura de discriminação que os impede de ter seu direito a educação
concretizado, sendo imperioso para tanto a implementação de ensino inclusivo
que atenda às necessidades desta parcela da população.

O direito à educação, a qual abrange o direito ao ensino inclusivo, é


componente do mínimo existencial, indispensável à garantia do princípio da
dignidade da pessoa humana e base para assegurar direitos fundamentais
introduzidos no ordenamento jurídico pela Constituição Federal de 1988. Através
de sua efetivação o indivíduo se torna senhor de sua consciência crítica que o
guiará por caminhos escolhidos livremente, havendo portanto estreita relação
entre o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade e o Estado
Democrático de Direito.

Ademais, as decisões do Supremo Tribunal Federal, apesar de não haver


julgado específico para o caso do ensino inclusivo para os transexuais,
demonstram posicionamento de proteção às minorias, de preocupação com sua
inserção social e de busca pela convivência pacífica, respeitando as diferenças
e características pessoais.

PALAVRAS-CHAVE: TRANSEXUAIS; GRUPO MINORITÁRIO; ENSINO


INCLUSIVO; DISCRIMINAÇÃO.
ABSTRACT

Transsexuals represent a minority group who, because they are present


in a society riddled with prejudice, face discriminatory situations. Such scenario
has already been object of several researches and concluded by the high number
of violence, both verbal and physical, that can even cause the death of these
individuals.

Schools that should represent a welcoming environment and encourage


peaceful coexistence among all often reproduce the exclusionary aspect
experienced by transsexuals outside the school environment, causing a
conjuncture of discrimination that prevents them from having their right to
education realized, and it is imperative for this to be implemented inclusive
education that meets the needs of this portion of the population.

The right to education, which covers the right to inclusive education, is a


component of the existential minimum, indispensable for guaranteeing the
principle of the dignity of the human person and a basis for securing fundamental
rights introduced in the legal system by the Federal Constitution of 1988. Through
its effectiveness, the individual becomes master of his critical conscience it will
guide it in freely chosen paths, and there is therefore a close relationship between
the principle of the dignity of the human person, the right to freedom and the
democratic state of law.

In addition, the decisions of the Federal Supreme Court, although not


specifically judged by the case of inclusive education for transsexuals,
demonstrate a position of protection for minorities, concern for their social
insertion and the pursuit of peaceful coexistence, respecting differences and
personal characteristics.

KEYWORDS: TRANSEXUAL; MINORITY GROUP; INCLUSIVE EDUCATION;


DISCRIMINATION.
SUMÁRIO

Introdução......................................................................................................11

1. Educação.................................................................................................13
1.1. Conceito e processo educacional............................................13
2. Direito à educação na Constituição Federal de 1988................................15
2.1. Direito fundamental................................................................15
2.2. Direito social...........................................................................20
2.3. Competência legislativa.........................................................23
2.4. Objetivos................................................................................25
2.5. Deveres do Estado.................................................................30
2.6. Recursos financeiros..............................................................43
3. Gênero.....................................................................................................49
3.1. Transexualidade....................................................................51
3.2. Grupos minoritários................................................................55
4. Constituição como garantidora dos direitos dos transexuais....................62
4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana.............................63
4.2. Princípio da igualdade............................................................67
4.3. Direito à não discriminação...................................................71
4.4. Direito à liberdade..................................................................73
5. Âmbito internacional.................................................................................77
6. Ensino inclusivo........................................................................................90
6.1. Aspectos da Educação inclusiva............................................93
7. Jurisprudência........................................................................................101
7.1. ADI 4277..............................................................................102
7.2. ADPF 186.............................................................................110
7.3. ADI 5357..............................................................................115
7.4. ADO 26................................................................................121
8. Papel do Estado como garantidor do direito à educação aos
transexuais.............................................................................................129
8.1. Ações afirmativas.................................................................129
8.2. Programa Transcidadania....................................................133

Conclusão....................................................................................................137

Referências bibliográficas............................................................................140
11

INTRODUÇÃO.

A transexualidade ainda comporta dúvidas no pensamento do cidadão


médio, com relação aos fatores que são determinantes para que o indivíduo seja
inserido nessa parcela da população e de outros aspectos que não importam para
o enquadramento em questão, gerando uma miscelânea de ideias e pensamentos
que seriam solucionados com o simples acesso à informação de forma correta e
idônea.

Também, tal peculiaridade muitas vezes não é bem vista pela sociedade,
mesmo não possuindo conhecimento suficiente e acertado de sua definição, fator
este responsável por ocasionar situações discriminatórias que acabam por excluir,
ceifar direitos e até vidas desta parcela da população por não se enquadrar no
posicionamento e ideais dominantes da respectiva comunidade.

Assim, enquanto a média nacional de expectativa de vida no Brasil é de 75,5


anos de idade, em consonância com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
a página da internet do Senado Federal trouxe que em junho de 2017 a expectativa
de vida dos transexuais é de apenas trinta e cinco anos, ou seja, menos da metade
da média nacional.

Desta feita no setor da educação, o qual será o objeto deste trabalho, a


exclusão dos transexuais não é diferente. Para tanto, a Associação Nacional de
Travestis e Transexuais elaborou relatório com dados alarmantes referentes ao ano
de 2017, no qual destaca-se que a média de idade em que essa parte da população
é expulsa de casa é aos trezes anos, que apenas dois centésimos por cento estão
na Universidade, setenta e dois por cento não possuem o ensino médio completo
e cinquenta e seis por cento não completaram o ensino fundamental.

A partir deste cenário apresentado, no qual indivíduos são alvejados e


segregados simplesmente por serem quem são, é preciso avaliar a existência de
omissões ou não no ordenamento nacional e internacional, para em seguida ser
possível a cobrança de atitudes positivas e negativas por parte do Estado e dos
cidadãos. Inclusive a discriminação e a violência sofridas pelos transexuais tem
sido recorrentes ao redor do mundo a ponto de haver uma preocupação
internacional quanto à necessidade de sua proteção.
12

Nota-se no sistema educacional, portanto, que o preconceito vivenciado


pelos transexuais na sociedade é trazido para dentro das escolas por meio dos
alunos, professores e demais funcionários, havendo agravante diante da ausência
de professores preparados para lidar com a situação de preconceito e
discriminação e a falta de políticas públicas que sejam suficientes para garantir o
direito à educação, o qual representa a base para a formação dos cidadãos, bem
como assegurar a convivência com as diferenças.

Posto isso o presente trabalho procura pensar mecanismos no âmbito da


educação que integrem esta parcela da população na sociedade, visto que um
Estado Democrático de Direito baseado em princípios constitucionais como a
dignidade da pessoa humana deve buscar a harmonia por meio da inclusão e,
também, devido a importância da concretização do direito à educação que busque
possibilitar aos transexuais as mesmas oportunidades que os demais cidadãos.

Ressalta-se que a garantia do direito à educação possibilitará a resolução


da questão de exclusão e situações discriminatórias observando a raiz do
problema, ou seja, a ausência da concretização deste direito resultará na falta de
uma formação básica para a pessoa se enquadrar no mercado de trabalho e se
desenvolver socialmente, prejudicando também a convivência, a qual é benéfica
para todos, uma vez que os demais aprendem a respeitar as diferenças.
13

1. Educação.

A educação, em sua amplitude, é temática antiga utilizada pelos povos e


comunidades de acordo com suas necessidades e interesses. O passar dos
séculos trouxe evolução e mudanças, ante os acontecimentos e a exigência de
adaptações trazidas pelas transformações nos diversos campos, como social e
econômico.

Deste modo tem-se que a educação é direito básico para a construção de


uma sociedade que busca o Estado Democrático de Direito e embasa-se no
princípio da dignidade da pessoa humana, como é o caso da atual República
Federativa Brasileira.

1.1. Conceito e processo educacional.

Conceituar educação trata-se de tarefa complexa diante da abrangência do


tema e de sua importância para a formação dos indivíduos visando ao
desenvolvimento físico, moral e intelectual, bem como em auxiliá-los na convivência
dentro da respectiva comunidade ao preocupar-se com a interação social.

Diante disso os parâmetros e critérios da educação serão diversos a


depender do período, da localidade, da cultura e da necessidade da sociedade que
será analisada, retratando o modo de vida dos grupos nela inseridos.

Assim, ao se examinar os povos primitivos nota-se que a educação


funcionava de modo a garantir a sobrevivência, uma vez que por meio da
observação os mais novos imitavam os mais velhos e assim aprendiam técnicas de
proteção e obtenção de alimentos, além da existência de outras atividades de
cunho social como rituais religiosos e cerimônia de iniciação dos jovens.

Por outro lado a educação na civilização grega, por exemplo, buscou o


desenvolvimento do indivíduo, a partir da preocupação com o intelecto e com o
autoconhecimento através do estudo da literatura, das artes, da política e da
filosofia, propiciando também o progresso social com a organização da sociedade.
14

Deste modo o processo envolvido no direito à educação refere-se à


transmissão de informações, preceitos e vivências entre as gerações buscando a
evolução e a manutenção da coletividade, por meio de uma estabilidade social, ou
seja, trata-se de fenômeno dinâmico, em constante transformação, aperfeiçoando-
se de acordo com a evolução e desenvolvimento das sociedades.

Também consiste em um processo de trato contínuo e permanente na vida


do ser humano, pois se inicia com o nascimento e prossegue durante toda a
existência do indivíduo, envolvendo valores culturais, morais, políticos e
profissionais, portanto, representando a base e a estrutura de qualquer
coletividade, seja com relação ao Estado, ao núcleo familiar ou até mesmo a um
grupo de amigos, uma vez que possuidores de valores e propósitos comuns
responsáveis por tal união.

Neste ponto cabe ressaltar a nomenclatura existente, apesar do texto


constitucional atual não mencionar tal distinção, assim educação informal será
aquela adquirida pela vivência em sociedade, enquanto a educação formal, a qual
denomina-se apenas “ensino”, faz referência aos conhecimentos adquiridos nos
estabelecimentos escolares por meio de determinado sistema pedagógico, logo
conclui-se que o ensino é parte integrante da educação.

Desta feita a educação é responsabilidade conjunta da família, da escola e


da sociedade, conforme disposto nos artigos 205, da Constituição Federal1, 1.634,
I, do Código Civil2 e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente3, envolvendo
valores culturais, morais, políticos e profissionais.

1
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
2
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder
familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
3
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda,
no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
15

2. Direito à educação na Constituição Federal de 1988.

Para analisar como o direito à educação é tratado e aplicado pela


Constituição Federal de 1988 deve-se buscar as diretrizes, princípios, deveres e
direitos trazidos, bem como analisar a legislação derivada do texto constitucional
verificando se está de acordo com tais ditames e como deve funcionar na prática
para que o direito à educação seja concretizado.

2.1. Direito fundamental.

A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como “constituição cidadã”,


pois representou um marco da transição de uma ditadura militar para um regime
democrático, sendo responsável por trazer avanços no âmbito dos direitos
fundamentais, bem como por pautar-se na observância do princípio da dignidade
humana4, tido como princípio estruturante e um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito.

Ingo Wolfgang Sarlet ensina que há relação de interdependência e


reciprocidade entre tais direitos e a democracia, uma vez que representam a
essência do Estado constitucional ao fazer parte da Constituição formal e constituir
elemento nuclear da Constituição material por trazer valores básicos a serem
observados. Deste modo, os direitos fundamentais também possuem estreita
relação com o cerne de um Estado social, na medida em que são essenciais para
a garantia de regime democrático que busque o efetivo exercício dos direitos,
garantias e liberdades e assim ao intentar alcançar uma justiça material possibilitem
a igualdade de oportunidades.5

Assim, o texto constitucional deve ser interpretado sistematicamente de


modo a dar a maior efetividade possível às normas, regras e princípios,

4
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
5
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais
na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Editora livraria do advogado, 2011, p. 61/62.
16

principalmente no que se refere aos direitos fundamentais, visto que o Estado ideal
é determinado por eles.

Quanto à titularidade desses direitos deve-se observar o princípio da


universalidade, o qual demonstra que todas as pessoas são titulares de direitos e
deveres fundamentais, inclusive Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes
Júnior ensinam que, por meio de uma interpretação sistemática e finalística do texto
constitucional, os direitos em apreço são garantidos a todos independente de sua
nacionalidade ou situação no Brasil, ou seja, alcançam também os estrangeiros não
residentes no país6.

A partir disso os direitos fundamentais consistem em direitos que ao longo


da evolução histórica assumiram papel de suma importância, representando a base
do ordenamento jurídico, de modo a se tornarem necessários para o indivíduo
alcançar uma existência digna, diretriz esta básica do texto constitucional,
possuindo características próprias.

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a


este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a
concepção do mundo e informam a ideologia política de cada
ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito
positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em
garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No
qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de
situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não
convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no
sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente
reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não
como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos
fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa
humana ou direitos humanos fundamentais.7

6
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Editora Verbatim, 2018, p. 196/197.
7
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores, 1997, p. 176/177.
17

Assim, as características básicas dos direitos fundamentais consistem em


serem históricos, inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis e inerentes ao
homem.

Cabe ressaltar, todavia, as lições de Walter Claudius Rothenburg que


destaca em sua obra os aspectos dos direitos fundamentais de forma mais
completa8, são eles: a sua fundamentalidade, representam a base do ordenamento
jurídico; a universalidade e a internacionalização, por serem inerentes ao ser
humano não se restringem aos indivíduos nacionais daquele país, são
reconhecidos pelos Estados e aplicados também pelos organismos internacionais;
a autonomia, o poder que é fornecido ao indivíduo para decidir de forma livre e com
plena capacidade de discernimento o que irá fazer com seus direitos fundamentais;
a indivisibilidade, deve-se respeitar tais direitos como um todos, ou seja, não é
possível reconhecer apenas alguns e ignorar outros; historicidade ou
temporalidade, são reconhecidos por meios das experiências sociais, como
revoluções e lutas por direitos; positividade, tais direitos são revelados de forma
expressa, principalmente, por normas constitucionais e internacionais;
sistematicidade, interrelação e interdependência, de modo que os direitos
fundamentais interagem entre si havendo uma influência recíproca que deverá ser
observada quando da aplicação no caso concreto, assim como a dependência
deve-se ao fato do conteúdo de alguns estar vinculado a outros, sendo necessário
projetá-los em seu conjunto; abertura e inexauribilidade, não havendo um rol
taxativo, tanto em termos numéricos quanto de conteúdo, e devendo ocorrer
interpretação ampliativa diante da possibilidade de expansão ao visar a melhor
aplicação; projeção positiva, o Estado deve atuar de modo a garanti-los e protege-
los; perspectiva objetiva, servem de base para a construção de situações jurídicas,
uma vez que atribuem deveres (incluindo atos positivos e omissivos que podem ser
questionados por via judicial e administrativa), trazem definições e apresentam
parâmetros de interpretação; dimensão transindividual, baseia-se na solidariedade
ao tratar de situações que representam perspectiva metaindividual e acabam por
atingir a todos; aplicabilidade imediata, podem ser requeridas desde logo sem a
necessidade de algum complemento; concordância prática, quando da colisão

8
ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Método, 2014, capítulo2.
18

entre direitos fundamentais na aplicação no caso concreto deve haver um


tratamento harmônico, pautando-se na proporcionalidade, ante a inexistência de
hierarquia, para alcançar a melhor solução; restringibilidade excepcional, tais
direitos não podem ser diminuídos por interpretação a não ser que exista previsão
expressa nesse sentido no texto constitucional; eficácia horizontal, além do Poder
Público os particulares também devem respeitar e cumprir os direitos fundamentais
(eficácia irradiante); proibição de retrocesso, depois de reconhecidos estes direitos
não podem ser restringidos ou abolidos; maximização, deve-se buscar atingir o
máximo grau de efetividade dos direitos fundamentais e assim apenas a proibição
seria uma proteção insuficiente9.

Também é cristalina a relação entre os direitos fundamentais e o mínimo


existencial, o qual apesar de não possuir um conceito consolidado refere-se,
basicamente, a um conjunto de direitos tidos como essenciais estando também
relacionados com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
dispostos no artigo 3º do texto constitucional10. Tais direitos representam o mínimo
para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana estando de
acordo com o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual
afirma ser inerente ao ser humano11.

Outro ponto que demonstra a importância conferida pela Carta Magna aos
direitos fundamentais é a posição de cláusula pétrea12, ou seja, foram impostos
limites ao poder constituinte reformador sendo vedadas propostas de emenda ao
texto constitucional tendentes a abolir, atenuar, mitigar ou reduzi-los, havendo, por

9
Ressalta-se que a Declaração de Viena de 1993 reconhece a universalidade, a indivisibilidade, a
interdependência e ainterrelação como características próprias dos direitos fundamentais. Disponível em:
http://centrodireitointernacional.com.br/wp-content/uploads/2014/05/Declarac%CC%A7a%CC%83o-e-
Programa-de-Ac%CC%A7a%CC%83o-de-Viena-Confere%CC%82ncia-Mundial-sobre-DH.pdf. Acesso em:
06/10/2019.
10
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
11
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos
seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;
12
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.
19

outro lado, a possibilidade de apresentação de proposta que tenha por objetivo


ampliá-los de modo a buscar à concretização do projeto constitucional. Neste ponto
convém ressaltar o princípio da proteção ao núcleo essencial dos direitos
fundamentais de modo que não é possível restringir direito fundamental em sua
essência, ou seja, suprimi-lo tornando-o vazio e sem a mínima eficácia.

Dito isso é manifesto que o direito à educação faz parte do rol dos direitos
fundamentais devendo ser aplicado e interpretado de modo a conferir a maior
eficácia e assim atingir os anseios constitucionais.

Também incontestável sua relação com a ideia de democracia e de


liberdade, sendo a última direito fundamental que possui diversas conceituações
que foram se desenvolvendo de acordo com a evolução do homem, destacando-
se a autodeterminação como seu elemento central, ou seja, refere-se, de acordo
com José Afonso da Silva, ao poder de atuação do homem para optar por seu
comportamento com intuito de alcançar a realização pessoal, buscar sua felicidade
(conforme será melhor explanado no capítulo 4), sendo necessário para tanto o
acesso ao conhecimento.

Neste ponto cabe ressaltar a definição de liberdade trazida por Gabriel


Chalita.

A liberdade é a possibilidade de duvidar, a possibilidade de errar, a


possibilidade de procurar, de experimentar, de dizer não a uma imposição,
seja literária, seja artística, filosófica, religiosa, política. E, principalmente,
dizer não com consciência, sem teimosia, mas com convicção. Liberdade
é ainda mais, ou talvez menos. Liberdade é poder escolher. E antes que
acabemos caindo na armadilha das palavras, a liberdade não é o poder-
dominação, mas o poder-autorização de fazer o que nossa alma pede,
sem restrições, a não ser os limites íntimos colocados pela consciência.

Para a prática da liberdade todos os instrumentos do espírito são


necessários; os conhecimentos que adquirimos nas relações familiares,
os que nos ensinam nas escolas, os que adquirimos no trabalho, nas férias
etc. Mas o maior de todos os conhecimentos é o de si mesmo.13

13
CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001, p 69.
20

Inclusive é possível concluir a existência de ligação entre a educação e a


liberdade, uma vez que a primeira deve libertar o aluno auxiliando-o no desenvolver
de um raciocínio crítico. Assim tem-se que por meio da educação será possível
exercer de maneira mais concreta seu direito à liberdade principalmente em um
regime democrático que busque o respeito aos direitos fundamentais, ao invés de
promover obstáculos.

Já vimos que o regime democrático é uma garantia geral da realização


dos direitos humanos fundamentais. Vale dizer, portanto, que é na
democracia que a liberdade encontra campo de expansão. É nela que o
homem dispõe da mais ampla possibilidade de coordenar os meios
necessários à realização de sua felicidade pessoal. Quanto mais o
processo de democratização avança, mais o homem se vai libertando dos
obstáculos que o constrangem, mais liberdade conquista. 14

O desenvolvimento da qualidade de vida na sociedade irá depender da


efetividade conferida aos direitos fundamentais, mormente no que se refere ao
direito à educação por ser a base do Estado democrático, uma vez que sem o
acesso à educação não há existência digna, pois ela está incluída no mínimo
existencial e por meio dela será possível o exercício do direito à liberdade, bem
como dos demais direitos fundamentais.

2.2. Direito social.

A Constituição Federal traz dentro do título II, denominado “dos direitos e


garantias fundamentais”, o capítulo II, onde no artigo 6º15 faz alusão expressa a
direitos sociais, dentre eles o direito à educação, ou seja, todos os direitos sociais
representam direitos e garantias fundamentais.

Os direitos sociais retratam normas que foram conquistadas e incorporadas


ao ordenamento jurídico ante evolução histórica, assim como os demais direitos

14
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores, 1997, p. 228.
15
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.
21

fundamentais, visando ao equilíbrio da sociedade, isto é foram surgindo de acordo


com a necessidade social devendo o Estado se adaptar e agir da maneira que for
preciso para assegurá-los, com o intuito de conferir efetividade na maior medida
possível ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim sendo e apesar da possibilidade de se questionar a vinculação


direta de todos os direitos sociais (e fundamentais em geral) consagrados
na Constituição de 1988 com o princípio da dignidade da pessoa humana,
não há como desconsiderar ou mesmo negar tal conexão, tanto mais
intensa, quanto maior a importância dos direitos sociais para a efetiva
fruição de uma vida com dignidade, o que, por sua vez, não afasta a
constatação elementar de que as condições de vida e os requisitos para
uma vida com dignidade constituam dados variáveis de acordo com cada
sociedade e em cada época, o que harmoniza com a já destacada
dimensão histórica-cultural da própria dignidade da pessoa humana e,
portanto, dos direitos fundamentais (inclusive sociais) que lhe são
inerentes.16

Diante desse processo de evolução em que foram sendo acumulados


direitos fundamentais no ordenamento jurídico tem-se a sua classificação em
gerações ou dimensões.

Assim, em um primeiro momento tem a necessidade de proteger o indivíduo


frente ao Estado de modo a garantir seus direitos individuais, concentrando-se nos
direitos civis e políticos, ou seja, o Estado deverá agir como guardião da liberdade
ao não interferir nas relações sociais e individuais, denominando-se “liberdades
públicas negativas” ou “direitos negativos”.

A segunda geração surgiu após a Primeira Guerra Mundial diante da


necessidade de intervenção do Estado para assegurar as condições de eficácia
dos direitos mínimos, embasando-se na igualdade e na dignidade da pessoa
humana. Assim, o Estado deve intervir de modo a atender as necessidades

16
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de
1988. Porto Alegre: Editora livraria do advogado, 2008, p.99.
22

coletivas de seu povo, denominando-se “direitos positivos” e fazendo clara


referência aos direitos sociais, além dos econômicos e culturais.

Essa nova forma de alforria coloca o Estado em uma posição


diametralmente oposta àquela em que foi posicionado com relação aos
direitos fundamentais de primeira geração. Se o objetivo dos direitos aqui
estudados é o de dotar o ser humano das condições materiais
minimamente necessárias ao exercício de uma vida digna, o Estado, em
vez de abster-se, deve se fazer presente, mediante prestações que
venham a imunizar o ser humano de injunções dessas necessidades
mínimas que pudessem tolher a dignidade de sua vida. Por isso, os
direitos fundamentais de segunda geração são aqueles que exigem uma
atividade prestacional do Estado, no sentido de buscar a superação das
carências individuais e sociais.17

Já a terceira geração preocupou-se com as relações humanas ao focar nos


direitos difusos e coletivos, sendo considerados direitos transindividuais tutelados
por representantes da sociedade civil, como é o caso do direito ao meio ambiente,
à paz e ao desenvolvimento econômico dos países.

Cabe destacar nesse ponto que a doutrina diverge acerca da existência ou


não de uma quarta geração de direitos fundamentais. Assim, Paulo Bonavides
defensor desta quarta dimensão defende tratar de direitos que preocupam-se com
a participação democrática, a informação e o pluralismo.

Desta feita o direito à educação, que faz parte dos direitos fundamentais sociais,
pertence a segunda geração, ou seja, exigem uma prestação positiva do Estado para
sua concretização, de modo a assegurar o princípio da igualdade material ao atender
as necessidades coletivas da população e enfrentar obstáculos sociais.

17
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Editora Verbatim, 2018, p. 185/186.
23

2.3. Competência legislativa.

A Constituição Federal de 1988 pretendeu, por meio da distribuição de


competências, a criação de um pacto federativo embasado na integração e na
cooperação, de modo a fortalecer a autonomia de seus entes federados e manter
a união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

Deste modo a repartição constitucional de competências legislativas


relaciona-se a um sistema horizontal, no qual há rígida determinação da
competência de cada ente (competências privativas); ou, sistema vertical, sendo
que mais de um ente federativo terá competência para tratar sobre a mesma
matéria, denominando-se competências concorrentes próprias (previstas
expressamente) e impróprias (previstas implicitamente).

Assim a Constituição Federal prevê em seu artigo 22, inciso XXIV18 ser
competência privativa da União legislar sobre as diretrizes e bases da educação
nacional, ou seja, apenas a União poderá legislar sobre este ponto. Tal como foi
feito na Lei federal nº 9.394/9619, a qual possui natureza estrutural, uma vez que
consagra as diretrizes constitucionais e dispõe sobre princípios e regramentos que
devem ser observados pelas demais pessoas políticas, traz o mínimo necessário
para concretizar o direito à educação em seu aspecto formal e para assegurar o
direito fundamental social à educação, respeitando o disposto no artigo 214 20, da
Carta Magna.

18
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
19
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em 20/jun/2019.
20
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular
o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias
de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis,
etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas
que conduzam a:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto
interno bruto.
24

A partir disso a lei em apreço logo em seu primeiro artigo21 traz a amplitude
da educação ao envolver a família, sendo que as relações familiares representam
o primeiro contato do indivíduo com a sociedade auxiliando na formação de sua
personalidade, na convivência com os demais, incluindo todos os contatos que
influenciam positiva ou negativamente o trabalho referente às relações
profissionais, além de demais movimentos sociais, manifestações culturais,
instituições de ensino e organizações importantes para desenvolver o cidadão
conforme for seu interesse.

Ainda, de acordo com o artigo 24, inciso IX22, da Constituição Federal a


competência para legislar acerca da educação é concorrente entre União, Estados
e Distrito Federal, assim em seus primeiros parágrafos23 esclarece que cabe à
União editar as normas gerais, conforme feito na Lei nº 10.172/2001 que aprova o
Plano Nacional de Educação, devendo os Estados e Distrito Federal suplementá-
las.

Também importa destacar que no caso de a União não editar norma geral
poderá o Estado fazê-la, a qual será aplicada apenas em seu território, permitindo
o exercício da legislação estadual plena, e, ao ser editada a norma geral pela União
esta irá suspender a eficácia dos dispositivos presentes na norma estadual que lhe
forem contrários, conforme determinado pelos últimos parágrafos do artigo em
apreço24.

Quanto às competências do Município estão dispostas no artigo 30, inciso II,


da Carta Magna25 cabendo a eles suplementar legislação federal e estadual no que

21
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais.
22
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
23
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos
Estados.
24
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para
atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for
contrário.
25
Art. 30. Compete aos Municípios:
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
25

for de seu interesse possibilitando no tocante à educação organizar seu sistema


próprio de ensino.

Nesse sentido, cumpre desde logo verificar que o art. 30, II, da
Constituição Federal atribui aos Municípios competência para
“suplementar a legislação federal e estadual no que couber”. Assim sendo,
parece claro que a divisão das competências concorrentes próprias ocorre
em três níveis: no federal onde foi conferido à União o poder de edição de
normas gerais; no estadual, em que foi outorgada competência
suplementar aos Estados-membros; e no municipal, onde os Municípios
ficaram encarregados da suplementação das normas gerais e estaduais
em nível local todas as vezes em que este interesse ficar evidenciado. 26

Ressalta-se que por representar uma garantia mínima trazida pela União
tanto os Estados como os Municípios poderão ampliar o alcance da norma geral de
modo a conferir maior eficácia ao direito à educação, a depender de suas
possibilidades, interesses e necessidades e que os entes federados deverão atuar
de forma colaborativa visando alcançar a universalização do ensino, ou seja, o
acesso de todos.

2.4. Objetivos.

O artigo 205 da Constituição Federal amparado pela essência do texto e


pelos objetivos fundamentais dispostos no artigo 3º, traz os objetivos do direito à
educação, os quais também são trazidos no artigo 2º, da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional27, são eles o pleno desenvolvimento da pessoa humana,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho,
abarcando tanto a educação formal como informal e tornando evidente a relação
de tal direito com valores culturais, morais, políticos e profissionais.

26
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Editora Verbatim, 2011, p. 306.
27
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
26

O pleno desenvolvimento da pessoa humana refere-se à possibilidade


conferida ao indivíduo de evoluir de maneira a atingir sua plena realização em todas
as dimensões por meio do contínuo progresso, sendo a educação instrumento
indispensável para a sua formação plena. Assim além do aspecto cognitivo envolve
outros valores como o incentivo à convivência social, às práticas esportivas, à
cultura como um todo e à preservação do meio ambiente.

O preparo para o exercício da cidadania previsto como um dos fundamentos


da República Federativa do Brasil no primeiro artigo, inciso II, da Constituição
Federal28, diz respeito ao reconhecimento de cada indivíduo como parte integrante
da sociedade, devendo o Estado se submeter à vontade do povo através da
consciência crítica desenvolvida pela concretude do direito à educação.

Deste modo a partir do conhecimento acerca de seus direitos e deveres, bem


como das obrigações do Estado, os cidadãos irão atuar e participar da política sem
serem manipulados pela ausência de informação, portanto a educação trata-se de
instrumento de poder a ser conferido ao povo.

A qualificação para o trabalho por meio da educação possui extrema


importância, devendo ser desenvolvido no meio escolar projetos que ajudem a
progredir as habilidades dos alunos e criar responsabilidades, pois através deles
que a pessoa irá garantir sua subsistência, além do desenvolvimento pessoal e do
país, sendo o trabalho base da ordem social29 e sua valorização fundamento da
ordem econômica30.

Tais objetivos expostos acima estão intimamente ligados ao princípio da


dignidade da pessoa humana, conforme trazido por José Afonso da Silva.

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo


de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.

28
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II - a cidadania
29
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça
sociais.
30
Art. 170, CF. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
27

“Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos


fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de
dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que
tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma
qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais,
esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir
‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate
de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170),
a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação,
o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania
(art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.31

Neste ponto cabe destacar duas decisões das Cortes Superiores que
invocam os objetivos do direito à educação.

A primeira refere-se ao Mandado de Segurança 7.407, do Distrito Federal,


julgado em 2002 pelo Superior Tribunal de Justiça32, o qual foi impetrado por um
casal que queria educar seus três filhos em casa, independente de frequência
escolar, alegando que os conhecimentos das crianças seriam avaliados pelas
provas aplicadas aos demais alunos, como vinha sido feito com resultados
positivos.

A segurança fora denegada por inexistência de direito líquido e certo diante


da ausência de lei regulamentadora para o ensino em residência própria, tendo o
Ministro Relator Francisco Peçanha Martins ressaltado em seu voto a necessidade
do comparecimento regular na escola, pois a convivência com os demais indivíduos
é necessária para o desenvolvimento das crianças e exercício da cidadania.

31
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores, 1997, p. 106/107.
32
Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=46256&num_
registro=200100228437&data=20050321&formato=PDF. Acesso em: 20/jun/2019.
28

MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO FUNDAMENTAL. CURRICULO


MINISTRADO PELOS PAIS INDEPENDENTE DA FREQUÊNCIA À
ESCOLA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E
CERTO. ILEGALIDADE E/OU ABUSIVIDADE DO ATO IMPUGNADO.
INOCORRÊNCIA. LEI 1.533/51, ART. 1º, CF, ARTS. 205 E 208, § 3º; LEI
9.394/60, ART. 24, VI E LEI 8.096/90, ARTS. 5º, 53 E 129.

1. Direito líquido e certo é o expresso em lei, que se manifesta inconcusso


e insuscetível de dúvidas.

2. Inexiste previsão constitucional e legal, como reconhecido pelos


impetrantes, que autorizem os pais ministrarem aos filhos as disciplinas
do ensino fundamental, no recesso do lar, sem controle do poder público
mormente quanto à frequência no estabelecimento de ensino e ao total de
horas letivas indispensáveis à aprovação do aluno.

3. Segurança denegada à míngua da existência de direito líquido e certo.

Também o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 888.815 do


Rio Grande do Sul em caso análogo ao anterior, visto o desejo de educar indivíduo
em regime domiciliar (homeschooling), negou o seu provimento em doze de
setembro de 2018, por não existir legislação para regulamentar essa modalidade
de ensino.33

Ementa: CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL


RELACIONADO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À
EFETIVIDADE DA CIDADANIA. DEVER SOLIDÁRIO DO ESTADO E DA
FAMÍLIA NA PRESTAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL.
NECESSIDADE DE LEI FORMAL, EDITADA PELO CONGRESSO
NACIONAL, PARA REGULAMENTAR O ENSINO DOMICILIAR.
RECURSO DESPROVIDO.

1. A educação é um direito fundamental relacionado à dignidade da


pessoa humana e à própria cidadania, pois exerce dupla função: de um
lado, qualifica a comunidade como um todo, tornando-a esclarecida,
politizada, desenvolvida (CIDADANIA); de outro, dignifica o indivíduo,
verdadeiro titular desse direito subjetivo fundamental (DIGNIDADE DA

33
Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE888815mAM.PDF. Acesso
em: 20/jun/2019.
29

PESSOA HUMANA). No caso da educação básica obrigatória (CF, art.


208, I), os titulares desse direito indisponível à educação são as crianças
e adolescentes em idade escolar.

2. É dever da família, sociedade e Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, a educação. A
Constituição Federal consagrou o dever de solidariedade entre a família e
o Estado como núcleo principal à formação educacional das crianças,
jovens e adolescentes com a dupla finalidade de defesa integral dos
direitos das crianças e dos adolescentes e sua formação em cidadania,
para que o Brasil possa vencer o grande desafio de uma educação melhor
para as novas gerações, imprescindível para os países que se querem ver
desenvolvidos.

3. A Constituição Federal não veda de forma absoluta o ensino domiciliar,


mas proíbe qualquer de suas espécies que não respeite o dever de
solidariedade entre a família e o Estado como núcleo principal à formação
educacional das crianças, jovens e adolescentes. São inconstitucionais,
portanto, as espécies de unschooling radical (desescolarização radical),
unschooling moderado (desescolarização moderada) e homeschooling
puro, em qualquer de suas variações.

4. O ensino domiciliar não é um direito público subjetivo do aluno ou de


sua família, porém não é vedada constitucionalmente sua criação por meio
de lei federal, editada pelo Congresso Nacional, na modalidade
“utilitarista” ou “por conveniência circunstancial”, desde que se cumpra a
obrigatoriedade, de 4 a 17 anos, e se respeite o dever solidário
Família/Estado, o núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão,
avaliação e fiscalização pelo Poder Público; bem como as demais
previsões impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no
tocante às finalidades e objetivos do ensino; em especial, evitar a evasão
escolar e garantir a socialização do indivíduo, por meio de ampla
convivência familiar e comunitária (CF, art. 227).

5. Recurso extraordinário desprovido, com a fixação da seguinte tese


(TEMA 822): “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua
família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira”.

Todavia nos votos deste julgamento cabe ressaltar os destaques feitos pelos
Ministros Lewandowski e Luiz Fux os quais observaram que a escola é importante
30

para, além do ensino formal, a convivência com a diversidade, a construção da


cidadania e a qualificação para o trabalho, sendo o ensino domiciliar
inconstitucional por não estar de acordo com os objetivos do direito à educação
trazidos pela Carta Magna.

2.5. Deveres do Estado.

O artigo 205, da Constituição Federal determina que a educação é direito de


todos, bem como dever do Estado e da família, desta feita tem-se a aplicação do
princípio da universalidade, uma vez que todos têm o direito e podem busca-lo
frente ao Estado.

O direito à educação é caracterizado como um direito individual, na medida


em que pode ser pleiteado individualmente, mas também trata-se de direito difuso
por ser um direito fundamental social. Desta maneira todos têm o direito à educação
e ao negá-lo, mesmo que seja a apenas um indivíduo, será afrontado o princípio da
universalidade e o Estado Democrático de Direito, assim tal lesão social gerada
possui natureza difusa.

Assim o direito à educação não se trata de uma concessão ao legislador,


mas sim de deveres positivos, relacionados à proteção e à ação que decorrem de
mandamentos constitucionais, representando, assim, parte fundamental do
contrato social e uma obrigação a ser assegurada.

Diante disso o Estado deve se estruturar de modo a buscar atingir os


objetivos determinados pela Carta Magna, atentando-se aos princípios e deveres
trazidos para a concretização do direito à educação em sua amplitude, dispostos
31

no artigo 20634, da Constituição Federal e 3º35, da Lei de Diretrizes e Bases da


Educação Nacional.

Assim com base nos princípios o ensino básico formado pelo nível infantil,
fundamental e médio deve ser acessível à todos, inclusive para aqueles que não o
concluíram em idade própria, sendo proibido a imposição de restrições ou
condições, tanto nas instituições públicas como nas privadas, com igualdade de
condições para os alunos acessarem, permanecerem nas escolas, bem como com
o acompanhamento em recuperação ou atividades didáticas complementares.

Deste modo, deve ser assegurado que a matrícula do aluno seja em


instituição de ensino próxima ao seu domicílio, pois assim ele terá condições de
frequentar as aulas, conforme previsto no artigo 4º, X36, da Lei de Diretrizes e Bases

34
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com
ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei
federal.
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação
básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
35
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial.
XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.
36
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a
toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade.
32

da Educação Nacional e artigo 53, V37, do Estatuto da Criança e do Adolescente,


e, caso isso não seja possível deve ser garantido o transporte do domicílio até a
escola (artigo 208, VII38, da Constituição Federal, e artigos 10, VII39 e 11, VI40, da
Lei nº 9394/96).

De fato, constituiria medida puramente hipócrita e violadora da regra em


comento a realização de matrículas aleatoriamente, sem a observância da
real possibilidade de acesso do aluno à unidade educacional respectiva.

Em outras palavras, de nada adiantaria matricular crianças residentes na


zona leste de São Paulo em unidades de ensino sediadas na zona oeste,
sem que fosse providenciado, pelo Poder Público, o devido transporte: no
caso, teríamos em tese o pleno atendimento da demanda – vez que as
matrículas formalmente se aperfeiçoaram. No entanto, o artigo 206, I, da
Constituição Federal, estaria sendo descumprido do mesmo modo, pois o
acesso do infante à escola respectiva seria fática e economicamente
impossível.41

Ressalta-se neste ponto que apesar do artigo citado da Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional dispor que a regra do estabelecimento escolar ser
próximo do domicílio deverá ser aplicado a partir dos quatro anos de idade tal
enunciado, em consonância com Motauri Ciocchetti de Souza, não é devido, ante
os ensinamentos e diretrizes dispostos na Carta Magna, ou seja, deverá ser
aplicado também às crianças com menos de quatro anos matriculadas em creches
públicas.42

37
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa,
preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
38
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
39
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual.
40
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal.
41
DE SOUZA, Motauri Ciocchetti. Direito Educacional. Editora Verbatim, 2010, p. 40.
42
DE SOUZA, Motauri Ciocchetti. Direito Educacional. Editora Verbatim, 2010, p. 41.
33

Também cabe ao Estado e a família zelar pela frequência dos alunos,


conforme artigo 5º, § 1º, III43, da Lei 9.394/96. Inclusive caso ocorra a ausência
reiterada de alunos é dever dos dirigentes de ensino pesquisar os motivos das
faltas e adotar junto com a família as medidas necessárias para que elas não
ocorram mais, e, se não resolver o Conselho Tutelar deverá ser avisado (artigo 52,
II44, do Estatuto da Criança e do Adolescente).

Caso a questão não seja solucionada mesmo com a interferência do


Conselho Tutelar o Ministério Público deverá tomar ciência para adotar as devidas
providências quanto à evasão escolar, podendo ocorrer à destituição do poder
familiar.

Neste ponto cabe destacar que em 10 de janeiro de 2019 foi sancionada a


Lei nº 13.80345 e entrado em vigor na data de sua publicação, a qual foi responsável
por alterar o inciso VII, do artigo 12, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Assim de acordo com a redação atual da norma os estabelecimentos de


ensino possuem a incumbência de notificar o Conselho Tutelar do Município, o juiz
competente da comarca e o Ministério Público a relação dos alunos que
apresentem a quantidade de faltas acima de 30% (trinta por cento) do percentual
permitido em lei, enquanto anteriormente deveria haver a notificação se as faltas
ultrapassassem cinquenta por cento do percentual, ou seja, foi conferida maior
rigidez ao tratamento do direito à educação, ratificando sua importância e dever de
observância por parte do Estado de família.

43
Art. 5o O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão,
grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo.
§ 1o O poder público, na esfera de sua competência federativa, deverá:
III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
44
Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os
casos de:
II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares;
45
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13803.htm. Acesso em:
20/jun/2019.
34

Destaca-se que no caso de os pais impediram ou deixarem de prover o acesso


à educação estará configurado o crime de abandono intelectual previsto no artigo
24646, do Código Penal.

Deste modo tem-se que o indivíduo pode exigir do Estado a garantia de seu
direito à educação nos termos constitucionais e legais e este pode exigir que o
primeiro seja educado, por tratar-se de direito fundamental, importante componente
do mínimo existencial, e, portanto, irrenunciável.

Dito isso tem-se que de acordo com os preceitos constitucionais e legais


deve-se garantir tanto o elemento quantitativo, uma vez que devem ter vagas
disponíveis para atender a todos, quanto o qualitativo, ou seja, a disponibilização
aos alunos de escolas estruturadas possuidoras de ensino com qualidade, bem
como a valorização do corpo docente, com professores preparados e bem
remunerados, para que assim seja possível cumprir os princípios norteadores do
ensino trazidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e observados
anteriormente, tais como o “respeito à liberdade e o apreço à tolerância”, o qual
representa a evolução do ser humano de modo a conviver pacificamente ao
combater o preconceito e a discriminação, e a “liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, sendo livre a criação
de um processo de aprendizagem amparado por regime democrático.

A Constituição Federal também garante que em estabelecimentos oficiais o


ensino será gratuito estando incluso para tanto todos os materiais e amparo que
forem necessários para garantir o direito fundamental social à educação com
qualidade, conforme já decidido pela Terceira Turma da 4ª Região do Tribunal
Regional Federal na Apelação em Mandado de Segurança nº 90.04.02703, do Rio
Grande do Sul, publicado em 199247.

ADMINISTRATIVO. MATRICULA GRATUITA.CONSTITUCIONAL E


PROCESSO CIVIL.LEGITIMAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS E
ENTIDADE ESTUDANTIL PARA AÇÃO MANDAMENTAL

46
Abandono intelectual
Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
47
Disponível em: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8558025/apelacao-em-mandado-de-
seguranca-ams-2703-rs-900402703-3-trf4?ref=serp. Acesso em: 20/jun/2019.
35

COLETIVA.TEM OS PARTIDOS E ENTIDADES ESTUDANTIS DIREITO


DE AÇÃO COLETIVA INDEPENDENTE DO INTERESSE PECULIAR,
POSTO QUE SE CONSTITUEM EM INSTRUMENTOS DE
PARTICIPAÇÃO IDEOLOGICAMENTE ORGANIZADOS.GRATUIDADE
DA MATRICULA CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDA.MATERIAL
ESCOLAR OU PROGRAMAS COMPLEMENTARES DE ENSINO -
COMO ATIVIDADES LIGADAS AO ENSINO PÚBLICO - SÃO
IGUALMENTE GRATUITAS. A ESSE PROPOSITO NÃO SE PODE
COBRAR TAXAS DE MATRICULA. RECURSO PROVIDO. SEGURANÇA
CONCEDIDA. VOTO VENCIDO QUE ENTENDIA NÃO SEREM TAIS
ATIVIDADES INTEGRANTES DO SERVIÇO PÚBLICO DE ENSINO.

Ainda, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 1248, a


qual ressalta ser inconstitucional a cobrança de taxa de matrícula em universidades
públicas e foi utilizada pela Corte em diversos julgamentos, por exemplo ao decidir
também pela inconstitucionalidade na cobrança de taxa para expedição de
diplomas em universidades públicas no Agravo Regimental em Recurso
Extraordinário nº 597.872, julgado em 201449. Tais decisões embasadas nas
diretrizes trazidas visam retirar empecilhos eventualmente criados de modo a
assegurar o direito à educação a todos.

TAXA PARA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA – UNIVERSIDADE PÚBLICA –


ARTIGO 206, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O mesmo
raciocínio utilizado na elaboração do Verbete Vinculante nº 12 deve ser
observado nas hipóteses de cobrança de taxa para a expedição de
diploma em Universidade Pública, considerada a gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais.

Além do ensino gratuito é permitido pelo texto constitucional que a iniciativa


privada ingresse nessa seara, desde que cumpra as normas gerais de educação
nacional e tenha a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (artigo

48
Súmula Vinculante 12: A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art.
206, IV, da Constituição Federal. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1223. Acesso em: 20/jun/2019.
49
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6579829. Acesso
em: 20/jun/2019.
36

20950, da Constituição Federal), sendo possível coexistir instituições públicas e


privadas de ensino.

A partir dessas explanações nota-se que o direito à educação trazido pela


Constituição está em consonância com os dizeres do artigo 2651, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.

Os artigos 20852, da Constituição Federal e 5º53, da Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional trazem os deveres do Estado com relação à educação.

50
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
51
Artigo 26°
1.Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao
ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser
generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do
seu mérito.
2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e
das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações
e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para
a manutenção da paz.
3.Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.
52
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive
sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de
cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
53
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da
seguinte forma:
a) pré-escola;
b) ensino fundamental;
c) ensino médio;
II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade;
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades,
preferencialmente na rede regular de ensino;
37

Deste modo tal artigo, logo no primeiro inciso, dispõe que a educação básica
é obrigatória e ressalta o princípio da universalidade ao assegurá-la a todos,
inclusive àqueles que não tiveram acesso em idade adequada.

Assim, cabe observar que a educação básica citada refere-se ao ensino


infantil, fundamental e médio e busca assegurar a formação para o exercício da
cidadania e fornecer instrumentos para progredir no trabalho e nos estudos, de
acordo com artigos 21, I54, e 2255, ambos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.

O ensino infantil garante o desenvolvimento integral da criança até os cinco


anos de idade, ou seja, envolve aspectos psicológicos, intelectuais, físicos e sociais
de forma a prepará-la para o ingresso no ensino fundamental por meio de creches
ou entidades equivalentes e pré escolas, consoante os artigos 29 ao 31 56, da Lei

IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade
própria;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de
cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas
às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso
e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno,
de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a
toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade.
54
Art. 21. A educação escolar compõe-se de:
I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
55
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores.
56
Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.
Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I - avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de
promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental;
II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias
de trabalho educacional;
38

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sendo que o último traz a organização


do ensino, como a avaliação, a carga horária e o controle de frequência.

O ensino fundamental tem início aos seis anos de idade e duração de nove
anos, compreende ao menos quatro horas diárias referente ao trabalho em sala de
aula e em regra deve ser presencial, uma vez que o ensino à distância deve ser
usado apenas de forma complementar ou em situação de emergência, estando
previsto nos artigos 32 ao 3457, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas
para a jornada integral;
IV - controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60%
(sessenta por cento) do total de horas;
V - expedição de documentação que permita atestar os processos de desenvolvimento e aprendizagem da
criança.
57
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública,
iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores
em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e
habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em
que se assenta a vida social.
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o
regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem,
observadas as normas do respectivo sistema de ensino.
§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades
indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da
aprendizagem ou em situações emergenciais.
§ 5o O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das
crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto
da Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático adequado.
§ 6º O estudo sobre os símbolos nacionais será incluído como tema transversal nos currículos do ensino
fundamental.
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito
à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino
religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para
a definição dos conteúdos do ensino religioso.
Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em
sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola.
§ 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alternativas de organização autorizadas nesta
Lei.
§ 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de
ensino.
39

A tal nível de ensino foi conferido grande importância pelo legislador visto
que este almejava acabar com o analfabetismo, bem como por objetivar a formação
básica do cidadão, impondo no §3º, do artigo 208 a obrigação conjunta do Poder
Público e da família em zelar pela matrícula e frequência dos alunos, buscando a
concretização do princípio da universalidade.

Nessa senda, a imperatividade do ensino fundamental, como acima


afiançado, é de natureza dúplice, vez que imposto ao Estado o dever de
atendimento universal, assim como aos pais a obrigação de matricularem
seus filhos.58

Assim o Estado deve identificar o índice de indivíduos que não possuem o


acesso ao ensino fundamental e insistir em sua matrícula e frequência criando
mecanismos de incentivo para o ingresso em questão.

Cabe enfatizar dentre os objetivos previstos no artigo 32 para a formação do


cidadão o inciso IV, pois ao impor o fortalecimento dos laços de solidariedade
humana e tolerância recíproca corrobora a imprescindibilidade do direito à
educação, visto a sua importância para a construção de uma sociedade harmoniosa
pautada no respeito mútuo a todos os indivíduos e na observância do princípio da
dignidade humana que irá possibilitar a consagração do Estado Democrático de
Direito.

O artigo 21059, da Constituição Federal traz que devem ser fixados


conteúdos mínimos para assegurar a formação básica no ensino fundamental
dispondo, ainda, que o ensino religioso será matéria facultativa e que o ensino
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa possibilitando, todavia,
que sejam adotados idiomas indígenas para as respectivas comunidades.

58
DE SOUZA, Motauri Ciocchetti. Direito Educacional. Editora Verbatim, 2010, p. 74.
59
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação
básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental.
§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades
indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
40

Por sua vez o ensino médio, previsto nos artigos 35 ao 3660, da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, possui duração mínima de três anos nos

60
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como
finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando
o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a
ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento
da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria
com a prática, no ensino de cada disciplina.
Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio,
conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas.
§ 1o A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema de
ensino, deverá estar harmonizada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto
histórico, econômico, social, ambiental e cultural.
§ 2o A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e
práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia.
§ 3o O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio,
assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas.
§ 4o Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar
outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a
disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.
§ 5o A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior
a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas
de ensino.
§ 6o A União estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência
nos processos nacionais de avaliação, a partir da Base Nacional Comum Curricular.
§ 7o Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar
um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos,
cognitivos e socioemocionais.
§ 8o Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas
redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e
atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;
II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários
formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a
relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas;
V - formação técnica e profissional.
§ 1o A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e habilidades será feita de
acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino.
§ 3o A critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto itinerário formativo integrado, que se traduz na
composição de componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular - BNCC e dos itinerários
formativos, considerando os incisos I a V do caput.
41

quais serão consolidados e aprofundados os conhecimentos adquiridos no ensino


médio de forma a preparar o indivíduo para o trabalho e pleno exercício da
cidadania. Neste nível educacional também poderá haver a preparação do aluno
para o exercício de profissões técnicas, podendo ser implementada dentro do
próprio nível médio ou de forma paralela.

Quanto ao ensino regular no período noturno este será adequado às


condições do estudante maior de quatorze anos de idade e que trabalha, assim não
é possível a matrícula no período noturno de menores desta idade, ainda que com
autorização de seus pais.

Além disso os §§1º e 2º, do artigo 208, da Constituição Federal e o caput do


artigo 5º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional dispõem que o direito
à educação é direito público subjetivo, ou seja, é eficaz e de aplicabilidade imediata,
sendo que o indivíduo que tiver tal direito ofendido poderá exigi-lo dos entes

§ 5o Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte


do ensino médio cursar mais um itinerário formativo de que trata o caput.
§ 6o A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação com ênfase técnica e profissional considerará:
I - a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação,
estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação
sobre aprendizagem profissional;
II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a
formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade.
§ 7o A oferta de formações experimentais relacionadas ao inciso V do caput, em áreas que não constem do
Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, dependerá, para sua continuidade, do reconhecimento pelo
respectivo Conselho Estadual de Educação, no prazo de três anos, e da inserção no Catálogo Nacional dos
Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados da data de oferta inicial da formação.
§ 8o A oferta de formação técnica e profissional a que se refere o inciso V do caput, realizada na própria
instituição ou em parceria com outras instituições, deverá ser aprovada previamente pelo Conselho Estadual
de Educação, homologada pelo Secretário Estadual de Educação e certificada pelos sistemas de ensino.
§ 9o As instituições de ensino emitirão certificado com validade nacional, que habilitará o concluinte do
ensino médio ao prosseguimento dos estudos em nível superior ou em outros cursos ou formações para os
quais a conclusão do ensino médio seja etapa obrigatória.
§ 10. Além das formas de organização previstas no art. 23, o ensino médio poderá ser organizado em módulos
e adotar o sistema de créditos com terminalidade específica.
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão
reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório
reconhecimento, mediante as seguintes formas de comprovação:
I - demonstração prática;
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino credenciadas;
IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras;
VI - cursos realizados por meio de educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.
§ 12. As escolas deverão orientar os alunos no processo de escolha das áreas de conhecimento ou de atuação
profissional previstas no caput.
42

federativos, ante a existência de solidariedade, por meio de medida judicial. Tal


direito poderá ser requerido por qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação
comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída e Ministério Público.

O artigo 21161, da Constituição Federal traz como a União, os Estados, o


Distrito Federal e os Municípios deverão organizar seus sistemas de ensinos. Desta
feita, a União organizará o sistema federal de ensino e financiará as instituições de
ensino públicas federais, os Municípios irão atuar com prioridade no ensino
fundamental e na educação infantil e os Estados e Distrito Federal concederão
prioridade ao ensino fundamental e médio.

À luz do que foi exposto, ressaltando o fato de o direito à educação básica


estar incluso no mínimo existencial e ser indispensável para a existência digna, não
cabe falar da cláusula da reserva do possível quando da sua ofensa, ou seja,
tamanha é sua essencialidade que não é cabível ao Estado não assegurar o direito
à educação alegando falta de recursos.

Ressalta-se que a Carta Magna ao tratar da ordem econômica e financeira


dispõe que sua finalidade é possibilitar a todos uma existência digna 62, fator este

61
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração
seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino
públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência
técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.
62
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades
regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
43

que confirma a importância conferida à dignidade da pessoa humana mesmo


quando busca tratar acerca dos princípios gerais da atividade econômica, portanto,
também ao observar o viés econômico o Estado deve sempre atuar de modo a
assegurar o mínimo existencial.

Deste modo também não é cabível a alegação por parte do Estado de


ausência de vagas ou lista de espera, uma vez que trata-se de direito que deve ser
conferido de forma imediata não podendo haver qualquer obstáculo.

Inclusive, no caso de não haver espaço físico para alocar os estudantes é


possível, por meio de demanda judicial, requisitar a construção de
estabelecimentos escolares, assim como de contratação de professores, de modo
a conferir a efetividade ao direito à educação básica.

2.6. Recursos financeiros.

De plano convém destacar que de acordo com os três primeiros incisos do


artigo 16563, da Constituição Federal é competência privativa do chefe do Poder
Executivo legislar acerca do plano plurianual, diretrizes orçamentárias e
orçamentos anuais, sendo vedado a vinculação de impostos a receita de órgão,
fundo e despesa, conforme artigo 167, IV64, da Carta Magna. Todavia, este último
dispositivo, ante a importância conferida ao direito à educação o excluí desta
vedação com a finalidade de concretizá-lo.

atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em
lei.
63
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
64
Art. 167. São vedados:
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da
arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e
serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades
da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a
prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem
como o disposto no § 4º deste artigo;
44

A partir disso a Carta Magna traz em seus artigo 21265 a imposição de


assegurar uma porcentagem mínima para ser investida no âmbito da educação ao
dispor que a União deve aplicar no mínimo dezoito por cento e os Estados e
Municípios vinte e cinco por cento de suas receitas de impostos à manutenção e
desenvolvimento do ensino, sendo que essas verbas devem obrigatoriamente ser
administradas pelo Poder Público, limitando a atuação do legislador
infraconstitucional e compreendendo as atividades dispostas taxativamente no
artigo 7066, da Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estando
excluídas as atividades trazidas pelo artigo 7167, da mesma lei.

65
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto
neste artigo, receita do governo que a transferir.
§ 2º Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão considerados os sistemas de
ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213.
§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino
obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do
plano nacional de educação.
§ 4º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão
financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.
§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-
educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.
§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão
distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes
públicas de ensino.
66
Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com
vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo
as que se destinam a:
I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;
II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;
IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade
e à expansão do ensino;
V - realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;
VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;
VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;
VIII - aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.
67
Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com:
I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de
ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;
II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;
III - formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive
diplomáticos;
IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica,
e outras formas de assistência social;
V - obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;
45

Ainda, a Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação Nacional traz em


seu artigo 6968, observando o artigo 212, da Carta Magna, as porcentagens para
manutenção e desenvolvimento do ensino acrescentado trecho que possibilita
aplicar o percentual previsto nas Constituição próprias ou em Lei Orgânica, assim
é possível vincular valor maior do que o previsto na Constituição Federal, mas
nunca menor, como feito na Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo
25569 que determina o mínimo de trinta por cento.

Neste ponto importa destacar a Emenda Constitucional nº 95/2016, a qual


chegou a receber a denominação de Projeto de Emenda à Constituição do teto dos
gastos públicos. Tal emenda acrescentou nove artigos ao Ato das Disposições
Constitucionais Orçamentárias (artigos 106 a 114) e com o argumento de equilibrar
os gastos públicos acabou por congelá-los por vinte anos a partir de 2017, inclusive
no que concerne as áreas da saúde e da educação que representam direitos
sociais.

VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade


alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.
68
Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da
receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e
desenvolvimento do ensino público.
§ 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não será considerada, para efeito do cálculo
previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.
§ 2º Serão consideradas excluídas das receitas de impostos mencionadas neste artigo as operações de crédito
por antecipação de receita orçamentária de impostos.
§ 3º Para fixação inicial dos valores correspondentes aos mínimos estatuídos neste artigo, será considerada
a receita estimada na lei do orçamento anual, ajustada, quando for o caso, por lei que autorizar a abertura
de créditos adicionais, com base no eventual excesso de arrecadação.
§ 4º As diferenças entre a receita e a despesa previstas e as efetivamente realizadas, que resultem no não
atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios, serão apuradas e corrigidas a cada trimestre do exercício
financeiro.
§ 5º O repasse dos valores referidos neste artigo do caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios ocorrerá imediatamente ao órgão responsável pela educação, observados os seguintes prazos:
I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de cada mês, até o vigésimo dia;
II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigésimo dia de cada mês, até o trigésimo dia;
III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao final de cada mês, até o décimo dia do mês
subseqüente.
§ 6º O atraso da liberação sujeitará os recursos a correção monetária e à responsabilização civil e criminal
das autoridades competentes.
69
Artigo 255 - O Estado aplicará, anualmente, na manutenção e no desenvolvimento do ensino público, no
mínimo, trinta por cento da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de
transferências.
Parágrafo único - A lei definirá as despesas que se caracterizem como manutenção e desenvolvimento do
ensino.
46

Assim os entes possuem para o ano de 2017 a despesa primária paga em


2016, com o restante a pagar e demais operações que afetarem esse resultado
primário, corrigido em sete inteiros e dois décimos por cento, e, para os anos
seguintes o mesmo orçamento do ano anterior corrigido pela variação do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para efetuar todos os
pagamentos de despesas e investimentos, conforme disposto no artigo 107, §1º,
do ADCT70.

A disposição trazida nesta Emenda acerca dos gastos públicos é contrária


ao artigo 212, da Constituição Federal, visto que este determina que a União deve
aplicar no mínimo dezoito por cento de sua receita de impostos e os demais entes
vinte e cinco por cento, quantias essas que serão impraticáveis com as limitações
trazidas pela Emenda Constitucional nº 95/2016 por serem atreladas apenas aos
gastos dos anos anteriores, durante vinte anos, sem importar a receita resultante
de impostos do respectivo exercício financeiro.

O texto constitucional se estrutura em um Estado Democrático Social de


Direito e portanto não é possível a ocorrência de alterações que comprometam sua
essência.

Desta feita uma Emenda Constitucional que contradiz um artigo


constitucional vigente e prejudica direitos sociais como a saúde e a educação, os
quais também representam cláusulas pétreas, padece de inconstitucionalidade,
conforme defendido por Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior
antes mesmo da Emenda ser aprovada.

A distorção é manifesta. Aceitas como válidas as disposições da cogitada


proposta de modificação da Constituição, as expressões nunca menos de

70
Art. 107. Ficam estabelecidos, para cada exercício, limites individualizados para as despesas primárias:
§ 1º Cada um dos limites a que se refere o caput deste artigo equivalerá:
I - para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos
e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% (sete inteiros e dois décimos por
cento); e
II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido
pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, ou de outro índice que vier a substituí-lo, para o período de doze meses encerrado
em junho do exercício anterior a que se refere a lei orçamentária.
47

e no máximo, durante longevos vinte anos, deverão ser interpretadas com


sentido diametralmente oposto: nunca mais de e no máximo.

Como integrar a uma mesma Constituição essas duas disposições


irrefragavelmente contraditórias?

Esse caminho, respeitadas opiniões discordantes, não existe. Logo,


sobrarão ao intérprete duas conclusões: ou a Emenda 95/2016, uma vez
aprovada, revogou tais disposições ou, ao menos no que toca às verbas
relacionadas à educação e à saúde, padece de inconstitucionalidade.

Ficamos com a segunda conclusão e o faço por duas razões: primeiro, a


Emenda 95/2016, expressamente, não propõe alteração da parte
permanente da Constituição, já que pretende unicamente adicionar
dispositivos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Transição, como o próprio nome diz, indica a passagem de um estado de
coisas para outro, o que, de evidência, não aconteceria aqui. Segundo,
por que as disposições permanentes referidas no novidadeiro art. 104 do
ADCT, caso aprovada a PEC, são cláusulas pétreas implícitas, que,
assim, não aceitam modificações mesmo que por emendas à
Constituição. 71

Ressalta-se que além do financiamento na área da educação é preciso ter


um mínimo de planejamento por parte do Poder Público para aplicar os recursos
de forma adequada e realizar uma boa gestão.

O artigo 21372, da Carta Magna traz destinações possíveis aos recursos


públicos em questão, os quais além de escolas públicas podem dirigir-se a escolas

71
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Editora Verbatim, 2018, págs. 603 e 604.
72
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao
Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino
fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver
falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder
Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por universidades
e/ou por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do Poder
Público.
48

comunitárias, confessionais ou filantrópicas, desde que atendam aos requisitos


trazidos.

Insta consignar, por fim, que com o intuito de garantir a efetividade das
determinações constitucionais a não aplicação, total ou parcial, destes percentuais
mínimos de verbas públicas pode ensejar tanto a intervenção federal nos Estados
quanto intervenção estadual nos Municípios, conforme o disposto nos artigo da
Constituição Federal 34, VII, “e”73 e 35, III74, respectivamente.

73
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
74
Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território
Federal, exceto quando:
III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do
ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
49

3. Gênero.

A questão do gênero é estudada pelas ciências humanas com o intuito de


perquirir a sua perspectiva, ou seja, compreender o que representa enquadrar-
se como masculino e como feminino em realidades específicas e as
consequências destas delimitações.

Assim o gênero se relaciona aos padrões de condutas que determinada


sociedade impõe aos homens e mulheres que vão além das diferenças
biológicas. Tratam-se de ideias pré-fabricadas de como determinado indivíduo
deve ser, se comportar, pensar, sentir, enfim de qual seria o seu papel na
sociedade a partir da atribuição de características que seriam naturais para
homens e mulheres. Tais imposições acabam por ocasionar discriminações e
rejeição social caso sejam contrariadas.

Tomando o lugar do termo sexo, o termo gênero apresentava-se mais


apto para expressar igualdade e evitar discriminação cultural entre
homens e mulheres. De fato a Conferência de Pequim acabou
oficializando e universalizando a aceitação do termo e a sua redução
individualista da sexualidade humana desvinculada de qualquer
ligação com seu fundamento biológico natural e procriador, e
interpretada como diversificação culturalmente conveniente de papéis
sociais e como escolha arbitrária da própria orientação e prática
sexual.75

Historicamente é fácil notar a dominação política e social do homem sobre


a mulher, uma vez que pela ideia de como a figura feminina foi construída a
subordinação ao homem era natural resultando em um contexto de
desigualdade, por exemplo às mulheres era vedado o direito de frequentar
escolas, possuir propriedade e votar, e deveriam dedicar-se integralmente aos
cuidados de seus filhos e maridos.

O conceito de gênero se desenvolve em um quadro marcado por


intelectuais e militantes feministas em todo o mundo, abrindo espaço

75
CERQUEIRA, Elizabeth Kipman (Org). Sexualidade, gênero e desafios bioéticos. São Paulo: Difusão Editora,
2011, p. 172.
50

para a consolidação de novas formas de conhecimento e de luta


política. Foram em especial as feministas norte-americanas e inglesas
que se apropriaram do termo gênero, pioneiramente utilizado pelo
psicanalista Robert Stoller (1924-1991) em intervenção no Congresso
Psicanalítico Internacional em Estocolmo (1963), para marcar a
distinção entre natureza e cultura. Apresentado por ele como
“identidade de gênero”, o conceito enfatizava o caráter social em
contraste com a diferença sexual tida como natural e inscrita no corpo
fisiológico.76

Atualmente ainda não foi alcançada a igualdade entre homens e


mulheres, mas, apesar de sua importância, não cabe realizar um estudo
aprofundado neste trabalho acerca da problemática do sistema patriarcal quanto
à opressão sofrida pelas mulheres. Todavia é imperioso destacar a separação
entre o sexo biológico e o gênero, uma vez que a anatomia não irá determinar
com exatidão a identidade de gênero de um indivíduo podendo, deste modo,
serem distintas ou não.

Além disso, se reconhece que a categoria de gênero ajudou na


compreensão da diferença sexual no seu próprio plano simbólico
sociocultural, sem apagar sua dimensão biológico-natural, mas
descobrindo que a anatomia por si não consegue sozinha determinar
a identidade de gênero e sua diferença sexual de homem e mulher: a
diferença sexual não é só uma questão biológica, mas também um
realidade corpórea e psíquica que nos afeta subjetiva, biológica e
socioculturalmente.77

Por fim importa destacar o termo “ideologia de gênero”, o qual possui forte
carga pejorativa para tratar a questão da identidade de gênero. Não se sabe ao
certo como surgiu tal expressão, mas acredita-se que foi emitida pela primeira

76
MAZZARIELLO, Carolina Cordeiro & FERREIRA, Lucas Bulgarelli. 2015. "Gênero". In: Enciclopédia de
Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em:
http://ea.fflch.usp.br/conceito/g%C3%AAnero?fbclid=IwAR3xYpeGJQWQzYiwqq8z3QJLT_Ejr3-
WNPNHCxaaXDopGaraIZ11-Gyesuw. Acesso em: 15/09/2019.
77
CERQUEIRA, Elizabeth Kipman (Org). Sexualidade, gênero e desafios bioéticos. São Paulo: Difusão Editora,
2011, p. 178.
51

vez no ano de 1998 na Conferência Episcopal do Peru intitulada “Ideologia de


gênero: seus perigos e alcances”78.

Assim é preciso ressaltar que esta expressão não condiz com a realidade,
visto que não há que se falar em uma ideologia, pois a perspectiva e identidade
de gênero não representam a criação de valores e pensamentos que visem
orientar comportamento de indivíduos, trata-se apenas de como a pessoa se
identifica e, portanto, o uso do termo “ideologia de gênero” além de errado acaba
por confundir a sociedade acerca da essência do direito de identidade de gênero
e propiciar a continuidade de um pensamento eivado por preconceito.

Enfatiza-se que a identidade de gênero não nega que as pessoas nascem


com características biológicas femininas ou masculinas como os órgãos genitais,
apenas se preocupa em com qual gênero o indivíduo em questão se identifica.
Assim mesmo com características representativas do sexo masculino o indivíduo
pode se identificar como mulher, visto que os aspectos corpóreos quando do
nascimento não são fatores definitivos para determinar a respectiva identidade
de gênero.

3.1. Transexualidade.

Antes de ingressar na definição de transexualidade é importante retomar


alguns conceitos e trazer outros com o intuito de facilitar a compreensão acerca
do tema e evitar possíveis confusões.

Assim, em um primeiro momento tem-se o vocábulo “sexo”, o qual relaciona-


se tanto a ideia do ato sexual quanto às características biológicas com as quais o
indivíduo nasce, podendo pertencer ao sexo feminino ou ao sexo masculino.

Reunião das características distintivas que, presentes nos animais, nas


plantas e nos seres humanos, diferenciam o sistema reprodutor; sexo
feminino e sexo masculino. Aquilo que marca a diferenciação (órgãos

78
Comentários disponíveis em:
https://img.cancaonova.com/noticias/pdf/281960_IdeologiaDeGenero_PerigosEAlcances_ConferenciaEpisc
opalPeruana.pdf. Acesso em: 15/09/2019.
52

genitais) entre o homem e a mulher, delimitando seus papéis na


reprodução.79

Ainda, neste campo há a questão da intersexualidade que consiste naqueles


indivíduos que possuem características de ambos os sexos (dimorfismo sexual),
sendo possível o desenvolvimento total ou parcial de dois órgãos sexuais, incluindo
aspectos físicos, genéticos e comportamentais. Neste grupo se enquadram os
hermafroditas e os andrógenos.

O gênero refere-se atualmente, visto que já foi considerado sinônimo de


sexo, a uma construção histórica, social e cultural dos diferentes papéis atribuídos
a homens e mulheres representando comportamentos e hábitos que a sociedade
lhes impõem por meio de estereótipos, ou seja, consiste em um produto da
realidade social específica, como explanado anteriormente.

Quanto à orientação sexual será definida de acordo com a atração sexual


que o indivíduo sente por outras pessoas do mesmo ou de sexo/gênero contrário,
sendo preponderante três orientações sexuais, quais sejam a heterossexualidade
(atração pelo sexo/gênero oposto), a homossexualidade (atração pelo mesmo
sexo/gênero) e a bissexualidade (atração por ambos os sexos/gêneros).

COMPREENDENDO “orientação sexual” como estando referida à


capacidade de cada pessoa de experimentar uma profunda atração
emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do
mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como de ter relações
íntimas e sexuais com essas pessoas;80

Neste diapasão a identidade de gênero refere-se a como a pessoa se


identifica e como ela deseja ser reconhecida pelos demais, sendo que a identidade
de gênero pode estar de acordo com o sexo biológico (cisgênero) ou não

79
Disponível em: https://www.dicio.com.br/sexo/. Acesso em: 20/jun/2019.
80
Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/principios_de_yogyakarta.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
53

(transgênero) e, ainda, não guarda qualquer relação com a orientação sexual. E, a


expressão de gênero diz respeito a como o indivíduo expressa sua identidade.

Deste modo ao nascer é atribuído a todo indivíduo a denominação masculina


ou feminina de acordo com os respectivos órgãos genitais, todavia há casos em
que tal designação não se coaduna com a identidade de gênero daquela pessoa,
ou seja, mesmo possuindo atribuições físicas referentes a determinado sexo o
sujeito em questão se identifica e quer ser reconhecido pelo gênero oposto,
tratando-se de uma pessoa transexual.

O fato do sexo biológico ser contrário à sua identidade de gênero ocasiona


um sentimento de inadequação da pessoa com relação ao próprio corpo e imagem
e, assim, impõe uma situação angustiante de não pertencimento.

Em muitos contextos e diferentes abordagens sobre o tema da


transexualidade, encontramos a referência a um desacordo entre o que
se costuma chamar de “sexo biológico”, de um lado, e o gênero, de outro.
As pessoas transexuais se sentem, desejam viver e ser reconhecidas
como uma pessoa de outro gênero que não o esperado pela sociedade,
com base no sexo biológico do seu nascimento. Algumas dizem: “tenho o
corpo de um sexo e a alma do outro”.81

A transexualidade é compreendida aqui como o sentimento do indivíduo


de não poder corresponder às expectativas definidas socialmente para o
seu sexo anatômico, identificando-se com os elementos tidos como do
sexo oposto ao seu e submetendo-se a tratamentos cirúrgicos e/ou
hormonais para adequar seu corpo à sua condição psicológica.
Entretanto, é a não aceitação dessa realidade pelas rígidas normas
culturais vigentes em nossa sociedade que pode ser considerada a
principal fonte de sofrimentos para as/os transexuais (ARÁN, ZAIDHAFT
E MURTA, 2008).82

81
COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas (org.); SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (org.). Transexualidades, um
olhar multidisciplinar. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2014, página 13.
82
APARECIDA DE SOUZA, H.; HESPANHOL BERNARDO, M. Transexualidade: as consequências do preconceito
escolar para a vida profissional. Bagoas - Estudos gays: gêneros e sexualidades, v. 8, n. 11, p.3. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/6548/5078. Acesso em 22/09/2019.
54

Assim, os transexuais buscam meios para adequar seu corpo à sua


identidade de gênero através de, por exemplo, comportamentos, cosméticos,
adereços, vestimentas, tratamentos estéticos e hormonais, cirurgias e retificação
do nome no registro civil, de modo a evitar possíveis constrangimentos e possibilitar
a aceitação pessoal e social conferindo maior efetividade ao princípio da dignidade
da pessoa humana.

O transexual, na busca de sua felicidade, deve ter a sua disposição todos


os meios existentes, desde que dentro de certos limites aceitos
socialmente, para a tentativa de sua integração social, que passa,
necessariamente, pela sua integração psíquica e física.

A cirurgia, portanto, surge como uma forma de redenção para a alma


infeliz na situação involuntária de transexual – ele não é transexual porque
quer ou porque optou. A natureza que traz dentro de si é controvertida,
daí a amargura e a negação de viver entre ser e não ser. O Estado precisa
promover, caso seja o primeiro interesse do indivíduo, a operação de
redesignação de sexo, já que é seu dever, com o instrumento da lei,
cooperar para a liberdade do homem, e o grande princípio dessa liberdade
é a busca da própria felicidade.83

O Sistema Único de Saúde realiza o processo transexualizador, inclusive


procedimentos cirúrgicos, desde 2008 tendo suas diretrizes atualmente
estabelecidas pela Portaria nº 2.803/2013 do Ministério da Saúde, a qual “Redefine
e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Neste ponto importa destacar que a pessoa pode desejar ou não a realização
da cirurgia de transgenitalização, não sendo elemento essencial para a
caracterização da transexualidade, pois essa se apoia em como o indivíduo em
questão se identifica, na sua identidade de gênero e não na presença ou ausência
de determinado órgão genital.

Por esta razão o Supremo Tribunal Federal em março de 2018, por meio da
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275, decidiu ser possível a alteração do

83
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Editora Saraiva, 2000,
página 111.
55

registro civil de indivíduos transexuais sem a necessidade de realização de cirurgia


de redesignação de sexo, adequando o nome social (nome pelo qual deseja ser
reconhecido) ao nome registrado e confirmando tratar-se de exceção ao princípio
de ordem pública da imutabilidade do nome civil, uma vez que o direito ao nome
integra a personalidade do indivíduo, e, portanto, invoca direito fundamental. Ainda
deliberou ser dispensável a necessidade de autorização judicial para a alteração
podendo ser pleiteada pela via administrativa.

Também cabe enfatizar que apenas em junho de 2018 a Organização


Mundial de Saúde por meio da décima primeira edição da Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde passou a classificar
a transexualidade como uma incongruência de gênero referindo-se à saúde sexual,
deixando de ser enquadrada como patologia relacionada à transtorno mental e
facilitando a escolha por tratamentos acertados.

Fator esse de grande relevância para a população transexual, uma vez que
a imputação da transexualidade como doença mental é prejudicial a esses
indivíduos, pois além de ser evidente não se tratar de doença desse porte tal
enquadramento acaba por trazer uma imagem danosa a pessoas que já encontram
dificuldades diárias por barreiras impostas pelo preconceito. A partir disso grupos
sociais defendem não ser adequado utilizar o vocábulo “transexualismo”, visto que
o sufixo “ismo” traz a ideia de patologia.

3.2. Grupos minoritários.

A questão das minorias sociais deve-se, basicamente, ao tratamento


conferido a determinado grupo dentro de uma realidade específica, assim não é
necessário que esses grupos minoritários sejam numericamente menores, mas que
ocorra uma desvantagem social por estarem fora dos padrões vigentes e
estabelecidos por grupos dominantes.

Desta feita existem diversos grupos minoritários que diante de, por exemplo,
determinados atributos, características, ideologias e crenças em comum são
estigmatizados e possuem maior dificuldade para se inserir na sociedade
56

(vulnerabilidade social) fator este que deve ser percebido pelo Estado, o qual deve
tomar medidas protetivas com o intuito de promover a igualdade e preservar o
princípio da dignidade da pessoa humana, assim como demais direitos
fundamentais estabelecidos no âmbito interno e externo.

Apesar de grupos minoritários e grupos vulneráveis serem muitas vezes


utilizados de forma sinônima, inclusive pelo motivo de ambos estarem suscetíveis
a enfrentar obstáculos e serem excluídos simplesmente devido ao seu
posicionamento dentro da sociedade, tratam-se de atributos diversos, sendo
possível dizer que o primeiro é espécie do último, que seria o gênero, ou seja, as
minorias estão dentro do grupo de vulneráveis.

Basicamente nos grupos vulneráveis não há uma identidade que os una,


apenas um fato, uma condição, é o caso dos consumidores, enquanto que nas
minorias há um traço em comum que os une, por exemplo os homossexuais,
transexuais e indígenas.

Exemplo que demonstra claramente a exclusão de um grupo minoritário é a


formação de guetos, os quais reúnem parcela da população que não se enquadra,
por determinada razão, ao padrão estabelecido pelos grupos dominantes, como
ocorre com parte da população negra nos Estados Unidos da América.

Mesmo no caso dos “guetos involuntários” havia, contudo, alguns fatores


de “atração” adicionados às decisivas forças de “repulsão”. Eles
costumavam ser “minisociedades”, replicando em miniatura todas as
principais instituições que atendiam às necessidades e ocupações da vida
diária daqueles que viviam dentro de suas fronteiras. Também forneciam
aos seus residentes certo grau de segurança e pelo menos um sopro do
sentimento de chez soi, de estar em casa, indisponível aos de fora.84

Assim os grupos minoritários possuem quatro elementos caracterizadores,


são eles: o seu posicionamento de não dominação dentro da sociedade, o vínculo
de solidariedade e identidade entre seus membros, a necessidade de proteção do

84
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 102.
57

Estado e a existência de opressão social sofrida. E, os grupos vulneráveis possuem


os mesmos componentes com exceção do vínculo citado.85

Também neste ponto cabe mencionar os ensinamentos de Ronald Dworkin


acerca dos direitos fundamentais equivalerem em um Estado Democrático a um
trunfo em um jogo de cartas, assim a carta de trunfo irá prevalecer sobre as demais,
do mesmo modo que o indivíduo possuidor de determinado direito fundamental terá
um trunfo perante o Estado que deverá atendê-lo por meio de uma atuação positiva
ou negativa.

Aplicada ao sistema jurídico de Estado de Direito, e tendo em conta que o


outro “jogador” é o Estado, já que, primeiramente, os direitos fundamentais
são posições jurídicas individuais face ao Estado, ter um direito
fundamental significará, então, ter um trunfo contra o Estado, contra o
governo democraticamente legitimado, o que, em regime político baseado
na regra da maioria, deve significar, a final, que ter um direito fundamental
é ter um trunfo contra a maioria, mesmo quando esta decide segundo os
procedimentos democráticos instituídos.86

Tal fato ocorre pois a democracia existente no Estado de Direito necessita


dos direitos fundamentais para seu regular funcionamento, uma vez que por meio
deles será garantido o exercício pleno da cidadania com o acesso e a participação
de todos de modo livre, igualitário, e, portanto, democrático.

Ressaltando-se a importância da promoção e proteção dos direitos


fundamentais inclusive frente a um Estado que possa ameaçá-lo, mesmo que o
governo em questão tenha sido democraticamente eleito pela maioria. Deste modo
o Poder Judiciário deverá impedir ou invalidar qualquer medida que possibilite o
enfraquecimento ou esgotamento destes direitos.

Mesmo que a maioria conjuntural que sustenta o Governo ou que forma


uma maioria parlamentar considere que o interesse público só é realizável

85
SIQUEIRA, Dirceu Pereira; CASTRO, Lorenna Roberta Barbosa. Minorias e grupos vulneráveis: a questão
terminológica como fator preponderante para uma real inclusão social, v.5, n 1, pags. 111/112. Disponível
em: http://www.unifafibe.com.br/revista/index.php/direitos-sociais-politicas-pub/article/view/219/pdf.
Acesso em: 22/09/2019.
86
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006, páginas 17
e 18.
58

através da compreensão ou supressão da autonomia e liberdade


individuais, a área da liberdade que disponha da armadura ou esteja
trunfada pela garantia que lhe é conferida por um direito fundamental não
cede, ou seja, a regra da maioria não quebra, por si só, o princípio de
Estado de Direito.87

A partir da importância dos direitos fundamentais em um Estado Democrático


de Direito e do reconhecimento de seu alcance, o qual afeta tanto o Estado quanto
os particulares, bem como da necessidade de sua proteção cabe destaque no
presente trabalho à população transexual como exemplo de grupo minoritário que
enfrenta situações de afronta a direitos fundamentais ante sua vulnerabilidade, fato
este corroborado através da análise das tristes estatísticas que os acompanham.

Assim, ao perceber essa discordância entre o sexo biológico e a identidade


de gênero os indivíduos transexuais se deparam com dificuldades de aceitação no
âmbito familiar e social, ocasionando circunstâncias humilhantes e discriminatórias
que além de excluí-los podem envolver agressões verbais e físicas, as quais
ocorrem basicamente devido à falta de informação e ao desrespeito pela vida e
sentimentos dos demais, à ausência de empatia e sensibilidade, elementos
essenciais para uma convivência harmoniosa.

Não é raro que a infância e a adolescência das pessoas transexuais sejam


marcadas por situações de conflito e discriminação. Pessoas transexuais
contam que ser diferente, principalmente na fase da adolescência,
contribui para uma atitude de isolamento, o que muitas vezes leva ao
aparecimento de quadros de depressão. (SAMPAIO; COELHO, 2012) Até
que se busque algum tipo de auxílio, muitas vezes as próprias pessoas
transexuais não compreendem o que está acontecendo e essa situação
de desconforto e inadequação é constantemente reforçada pelas
afirmações de outras pessoas, de que algo está errado com elas. Tais
situações de conflito e isolamento ocorrem inicialmente no âmbito familiar,
estendendo-se aos mais diversos contextos da vida, como a escola e o
trabalho. Para a maior parte dessas pessoas, a escola é sentida como um
ambiente hostil e promotor de violência, revelando uma realidade moldada
pelo despreparo e desconhecimento da sociedade e dos educadores

87
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra, 2006, página 33.
59

sobre a transexualidade. Nessa fase, as situações antes vividas no seio


familiar tornam-se públicas. Não são raros os relatos de situações e cenas
em que diversas formas de agressão física e moral ocorrem.88

Tais circunstâncias violadoras possuem graves consequências emocionais


e sociais, na medida em que os afasta do convívio familiar e social, provoca a
evasão escolar e reduz as possibilidades e oportunidades de se estabelecer no
âmbito profissional, ou seja, ante as dificuldades criadas no campo psicológico e
pelas obstáculos trazidos durante a formação acadêmica acrescido do preconceito
vivenciado é mais custoso para o transexual inserir-se no mercado de trabalho e
assim, por questão de sobrevivência, muitos recorrem a empregos informais,
inclusive, de cunho sexual89.
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais trouxe um relatório com
dados alarmantes referentes ao ano de 201790, assim tem-se que a média de idade
que esses indivíduos são expulsos de casa é aos treze anos, que cerca de 0,02%
(dois centésimos por cento) estão na Universidade, 72% (setenta e dois por cento)
não possuem o ensino médio completo e 56% (cinquenta e seis por cento) não
completaram o ensino fundamental.
O Ministério dos Direitos Humanos divulgou dados referentes ao ano de
2016 com base no “disque 100”91, o qual consiste em um serviço telefônico que
funciona diariamente e recebe denúncias de violações aos direitos humanos.
Com relação aos transexuais as ocorrências mais registradas foram de
violência psicológica, discriminação e violência física, respectivamente, sendo que
a maioria das vítimas tinham entre dezoito e trinta anos. Quanto aos suspeitos tem-
se que a maior parte é representada por homens brancos com idade entre vinte e
cinco e trinta anos, sem possuir qualquer relação com a vítima e tendo as violações
ocorrido em sua maioria em locais públicos.

88
COELHO, Maria Thereza Ávila Dantas; SAMPAIO, Liliana Lopes Pedral (Organizadoras).
Transexualidades um olhar multidisciplinar. Salvador: Editora EDUFBA, 2014, páginas 18 e 19.
89
De acordo com dados coletados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), no Brasil,
cerca de noventa por cento dos travestis e transexuais recorrem a profissões de caráter sexual em algum
momento da vida. Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-
assassinatos-2017-antra.pdf. Acesso em: 20/jun/2019.
90
Disponível em: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-assassinatos-
2017-antra.pdf. Acesso em: 20/jun/2019.
91
Disponível em: https://www.mdh.gov.br/informacao-ao-cidadao/disque-100. Acesso em: 20/jun/2019.
60

O Grupo Gay da Bahia divulgou um relatório em 2018 acerca das mortes


violentas referentes aos grupos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e
travestis no Brasil92, tendo sido registrado no ano em questão a morte de
quatrocentas e vinte pessoas, setenta e seis por cento vítimas de homicídio e o
restante por suicídio. Assim, a cada vinte horas uma pessoa destes grupos é
assassinada ou se suicida devido a discriminação vivenciada, sendo que a maior
parte dos assassinatos ocorre com o uso de armas de fogo em locais públicos.
Ainda, de acordo com texto publicado em página da internet do Senado
Federal em junho de 2017 a expectativa de vida dos transexuais é de trinta e cinco
anos de idade, enquanto que a média nacional é de 75,5 anos, segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística93.
Também no ano de 2018 foi divulgado que, segundo dados da ONG
Transgender Europe (TGEU)94, o Brasil é o país onde mais ocorre assassinatos de
pessoas transexuais no mundo, repetindo o posicionamento do ranking do ano de
2017, seguido por México, Estados Unidos e Colômbia. Ressalta-se que a própria
organização frisa que diversos países não especificam dados sobre os
assassinatos desta parcela da população, todavia, mesmo com tal ressalva a
posição em que o Brasil se encontra demonstra a necessidade de intervenção e de
proteção destes cidadãos.
Insta consignar que situações análogas responsáveis por violar os direitos
humanos baseando-se na orientação sexual e na identidade de gênero não
ocorrem apenas no Brasil podendo ser observadas por todo o mundo.
Entretanto, violações de direitos humanos que atingem pessoas por causa
de sua orientação sexual ou identidade de gênero, real ou percebida,
constituem um padrão global e consolidado, que causa sérias
preocupações. O rol dessas violações inclui execuções extra-judiciais,
tortura e maus-tratos, agressões sexuais e estupro, invasão de
privacidade, detenção arbitrária, negação de oportunidades de emprego e
educação e sérias discriminações em relação ao gozo de outros direitos
humanos. Estas violações são com freqüência agravadas por outras

92
Disponível em: https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-
lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf. Acesso em: 20/jun/2019.
93
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/expectativa-de-vida-
de-transexuais-e-de-35-anos-metade-da-media-nacional/expectativa-de-vida-de-transexuais-e-de-35-anos-
metade-da-media-nacional. Acesso em: 20/jun/2019.
94
Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-segue-no-primeiro-lugar-do-ranking-de-
assassinatos-de-transexuais-23234780. Acesso em 28/jun/2019.
61

formas de violência, ódio, discriminação e exclusão, como aquelas


baseadas na raça, idade, religião, deficiência ou status econômico, social
ou de outro tipo.95

Assim com relação ao setor da educação não poderia ser diferente uma vez
que os colegas, alunos e funcionários em geral da instituição de ensino por estarem
inseridos nessa sociedade discriminatória a reproduzem no âmbito escolar
resultando na evasão como forma de o indivíduo transexual tentar evitar o
sofrimento da discriminação, fator este que futuramente resultará numa dificuldade
maior em inserir-se no mercado de trabalho.
Também não há uma preocupação dos setores públicos e privados que
incentive de modo suficiente a inserção e a manutenção desta parcela da
população nos ambientes de ensino, como professores preparados para lidar com
o assunto da discriminação e da inclusão e políticas públicas que tenham essa
finalidade, e, desta feita, os transexuais acabam por ter seu direito à educação
negado e os demais acabam por não conviver com as diferenças, fator este que
facilitaria o aprendizado sobre a aceitação e o respeito.
É evidente, ainda, a necessidade de se promover a empatia, de colocar-se
no lugar do outro com o intuito de tentar compreender o sofrimento alheio e
estimular que se busque a convivência pacífica, baseada no respeito, sendo
imperioso, para tanto, a familiaridade com a diversidade.
À luz dessas informações tem-se que a aversão, a discriminação e o
preconceito aos transexuais (transfobia) é responsável por trazer situações
desumanas com consequências gravíssimas inclusive no âmbito da educação,
ocasionando a exclusão e até a morte destes indivíduos. Por essa razão é
imperioso que sejam tomadas atitudes que visem à proteção e à inclusão deste
grupo minoritário, visto que a falta de políticas pelo Estado para esse fim tem como
resultado as estatísticas absurdas apresentadas.

95
Disponível em: http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
62

4. Constituição como garantidora dos direitos dos transexuais.

A Constituição vigente foi precedida por um período de cerca de vinte


anos de ditatura militar marcado por inúmeras violações aos direitos humanos,
bem como afrontas a direitos e liberdades essenciais para uma existência digna.
Por esta razão a Carta Magna atual apoiando-se na redemocratização do país
se preocupou em consagrar a importância dos direitos fundamentais, liberdades
e garantias que irão embasar e assegurar o Estado Democrático de Direito,
recebendo a alcunha de “Constituição cidadã”, como anteriormente referido.

Logo no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 há uma preocupação


em trazer valores supremos que são essenciais para garantia de uma sociedade
livre de preconceitos, pautada na pluralidade96.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Ressalta-se que os direitos fundamentais, ao visarem às garantias das


condições mínimas para a sobrevivência e desenvolvimento do ser humano
pautando-se no princípio da dignidade, possuem características próprias, assim
tratam-se de direitos históricos, inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis e
inerentes ao homem que devem observar e adaptar-se a evolução da sociedade
de modo a atender seus anseios e necessidades.

Desta feita, diante de seus dizeres e finalidades, o texto constitucional deve


ser interpretado de forma sistemática visando conferir maior efetividade e

96
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.076/AC foi decidido que o preâmbulo não possui força
normativa devendo ser utilizado apenas como fonte de interpretação do texto constitucional, discussão esta
que ocorreu diante da existência da expressão “sob a proteção de Deus”. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324. Acesso em: 27/jun/2019.
63

concretização de seus enunciados, principalmente no que concerne aos direitos


fundamentais, fator este que garante a proteção ao direito à identidade de gênero
mesmo não havendo sua expressa menção.

Para tanto devem ser utilizados os princípios de interpretação constitucional


de modo a observar as direções e técnicas importantes para assegurar a melhor
forma de solucionar os problemas encontrados quando da aplicação no caso
concreto.

Dito isso importa destacar os princípios da unidade constitucional, o qual


consiste, basicamente, em interpretar o texto como um todo e não em pedaços
separados, o da supremacia da Constituição, uma vez que as normas
constitucionais possuem posição hierarquicamente superior as demais e o da
máxima eficácia e efetividade da Constituição vinculando o intérprete a aplicação
das normas a partir da observação do caso concreto.

A seguir serão trazidos alguns princípios gerais e direitos constitucionais que


corroboram a proteção constitucional ao direito à identidade de gênero, os quais
devem ser observados pelo Estado ao tratar acerca deste grupo minoritário.

4.1. Princípio da dignidade da pessoa humana.

A preocupação com a dignidade se tornou mais visível, tanto no âmbito


internacional quanto nas normas internas dos Estados, após a Segunda Guerra
Mundial em vista dos horrores trazidos pelo nazismo, sendo tido como, nas
palavras de Luís Roberto Barroso, uma “meta política”97, a finalidade a ser atingida,
concebendo, inclusive, fundamento para os direitos humanos.

Hodiernamente, na Carta Magna brasileira o princípio da dignidade da


pessoa humana representa um princípio estruturante essencial para a
concretização de um Estado Democrático de Direito, sendo trazido expressamente

97
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. A
construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Editora fórum, 2014,
página 61.
64

como fundamento deste no primeiro artigo do texto constitucional 98 e devendo ser


observado quando da criação, interpretação e aplicação de todas as normas.

Num primeiro momento – convém frisá-lo -, a qualificação da dignidade da


pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o
artigo 1º, III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora
também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas
que constitui norma jurídica-positiva dotada, em sua plenitude, de status
constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado
de eficácia, alcançando, portanto – tal como sinalou Benda – a condição
de valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar, neste
contexto, que, na sua qualidade de princípio e valor fundamental, a
dignidade da pessoa humana constitui – de acordo com a preciosa lição
de Judith Martins-Costa, autêntico “valor fonte que anima e justifica a
própria existência de um ordenamento jurídico”, razão pela qual, para
muitos, se justifica plenamente sua caracterização como princípio
constitucional de maior hierarquia axiológica-valorativa.99

Inclusive a Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia ao proferir


seu voto com relação ao caso sobre pesquisas com células-tronco embrionárias
(Ação Direta de Inconstitucionalidade 3510100), denomina o princípio da dignidade
humana como “superprincípio constitucional” justamente por representar o
fundamento do Estado Democrático de Direito, e, portanto, a base na qual todas as
escolhas políticas e jurídicas devem se atentar.

Tal princípio, em primeiro lugar, abrange a existência de não-


instrumentalidade da pessoa. Em outras palavras, concebido pela ordem
jurídica com um fim em si, de acordo com o conhecido imperativo
categórico kantiano, o ser humano não pode ser empregado como se

98
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
99
SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988.
Editora: livraria do advogado, 2008, p. 74.
100
Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi3510CL.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
65

fosse mero objeto para a consecução de finalidades alheias à sua


vontade.101

Apesar de tamanha importância não há como estabelecer contornos exatos


acerca do conteúdo da dignidade da pessoa humana, visto que o mesmo encontra-
se em constante evolução e desenvolvimento, ou seja, possuí teor variável a
depender do contexto específico em que está inserido.

Por conseguinte diante de contornos vagos e abertos sua materialização


impõe a análise do caso concreto, ressaltando neste ponto o papel crucial do Direito
e de seus operadores, bem como do Estado em sua proteção e promoção.

Assim, percebe-se, desde logo, que o princípio da dignidade da pessoa


humana não apenas impõe um dever de abstenção (respeito), mas
também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade
dos indivíduos. Nesta linha de raciocínio, sustenta-se, com razão, que a
concretização do programa normativo do princípio da dignidade da pessoa
humana incumbe aos órgãos estatais, especialmente, contudo, ao
legislador, encarregado de edificar uma ordem jurídica que atenda às
exigências do princípio. Em outras palavras – aqui considerando a
dignidade como tarefa -, o princípio da dignidade da pessoa humana
impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção, a obrigação de
promover as condições que viabilizem e removam toda sorte de
obstáculos que estejam a impedir as pessoas de viverem com
dignidade.102

Trata-se de princípio que representa uma qualidade irrenunciável e


intrínseca, inerente a todos os seres humanos englobando direitos e deveres que
visam à garantia de condições mínimas para uma existência digna, portanto incluso
o direito à identidade de gênero, e ao mesmo tempo busca proteger os indivíduos
de atitudes violadoras advindas tanto por parte do Estado quanto de particulares.

101
SARMENTO, Daniel (Coord.); PIOVESAN, Flávia (Coord.); IKAWA, Daniela (Coord.). Igualdade, diferença e
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.643.
102
SARLET. Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988.
Editora: livraria do advogado, 2008, p. 115/116.
66

A dignidade humana é parte do núcleo essencial dos direitos


fundamentais, como a igualdade, a liberdade ou o direito ao voto (o qual,
a propósito, não está expresso no texto da Constituição dos Estados
Unidos). Sendo assim, ela vai necessariamente informar a interpretação
de tais direitos constitucionais, ajudando a definir o seu sentido nos casos
concretos. Além disso, nos casos envolvendo lacunas no ordenamento
jurídico, ambiguidades no direito, colisões entre direitos fundamentais e
tensões entre direitos e metas coletivas, a dignidade humana pode ser
uma boa bússola na busca da melhor solução. Mais ainda, qualquer lei
que viole a dignidade, seja em abstrato ou em concreto, será nula. 103

Desta feita a não aceitação da sociedade dos indivíduos transexuais


ocasiona situações discriminatórias que acabam por privar o acesso à educação,
fator este que acaba expondo-os a circunstâncias de risco social sem qualquer
justificativa, uma vez que compromete o mínimo existencial para a vida digna.

Daniel Sarmento nesta seara defende a existência de ofensa ao direito ao


reconhecimento, o qual está incluído no princípio da dignidade da pessoa humana,
visto que os transexuais, assim como as demais minorias, necessitam de aceitação
e reconhecimento do Estado e da sociedade de modo a se sentirem acolhidos e
seguros para desenvolver sua personalidade livremente. E, conclui afirmando que
a desvalorização social de características e comportamentos específicos das
minorias ocasionam crise nas respectivas identidades, e, por conseguinte, graves
transtornos psíquicos.104

Por isso, quando se quer proteger e se quer emancipar os grupos que são
vítimas de preconceito, torna-se necessário travar o combate em dois
fronts: no campo da distribuição e no campo do reconhecimento. No
campo da distribuição, trata-se de corrigir as desigualdades decorrentes
de uma partilha não equitativa dos recursos existentes na sociedade. E no

103
BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo. A
construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial. Belo Horizonte: Editora fórum, 2014,
página 66.
104
SARMENTO, Daniel (Coord.); PIOVESAN, Flávia (Coord.); IKAWA, Daniela (Coord.). Igualdade, diferença e
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.644/645.
67

campo do reconhecimento, cuida-se de lutar contra injustiças culturais,


que rebaixem e estigmatizam os integrantes de determinados grupos. 105

Também, ante o princípio da dignidade humana, exige-se por parte do


Estado uma prestação positiva que busque sua efetividade fator este que justifica
a necessidade de políticas que visem à inclusão social de modo a afastar as
desigualdades existentes responsáveis por ocasionar a exclusão de determinados
indivíduos ou grupo de pessoas e possibilitar a igualdade de oportunidades.

4.2. Princípio da igualdade.

A questão do princípio da igualdade foi aprimorando-se com a evolução da


sociedade, assim Aristóteles, por exemplo, já defendia o dever de tratar os iguais
como iguais e os desiguais como desiguais, mas excluía deste pensamento
parcelas da população como os escravos e as mulheres devido aos ideais
presentes na sociedade daquela época.

Assim, almejava a aplicação de um conceito de igualdade respeitando os


parâmetros de divisão e exclusão social existentes, não havendo, portanto, uma
busca por uma igualdade de forma absoluta que alcançasse a todos. Imperioso
ressaltar neste ponto não ser possível realizar um recorte temporal para analisar
princípios à luz da situação atual, para tanto se faz necessário analisar o contexto
que ele está inserido.

Importante destaque histórico com relação ao princípio da igualdade foi a


Revolução Francesa, pelo menos sob o aspecto formal ao visar à igualdade perante
a lei, uma vez que se pautando no lema “igualdade, liberdade e fraternidade”, bem
como em uma herança dos ideais iluministas a estabeleceu logo no primeiro artigo
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789106.

105
SARMENTO, Daniel (Coord.); PIOVESAN, Flávia (Coord.); IKAWA, Daniela (Coord.). Igualdade, diferença e
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.645.
106
Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na
utilidade comum. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-
apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf. Acesso em: 20/jun/2019.
68

Assim como ocorreu com o princípio da dignidade da pessoa humana houve


uma maior preocupação com o princípio da igualdade após os horrores
presenciados com a Segunda Guerra Mundial havendo sua inserção no plano
internacional, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 nos artigos I e VII107, documento este que é tido como marco acerca do início
do desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

Artigo I - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra
qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal discriminação.

A partir disso as Constituições de diversos países também implantaram em


seu texto o princípio da igualdade e com a evolução das sociedades passou a
buscar tanto a igualdade formal como a material, por exemplo, as Constituições do
México de 1917 e de Weimer de 1919 ao demonstrarem a preocupação com à
promoção dos Direitos Humanos.

Atualmente a Constituição Federal do Brasil em seus artigos 3º, IV e 5º,


caput, demonstra a preocupação em atingir a igualdade material e formal,
respectivamente, normas estas voltadas tanto para o legislador quanto para o
intérprete no sentido de limitar e orientar atuações e omissões, visto que todos os
cidadãos devem ser tratados de maneira equitativa.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil:
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

107
Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
69

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à


propriedade, nos termos seguintes:

Questão que provoca discussão nesta seara é o fato do princípio da


igualdade impor tratamento diferenciado de determinada parcela da sociedade e
como estabelecer critérios que possibilitem essa diferenciação, qual seria a
motivação que impõe tratar distintamente pessoas e situações de modo a buscar a
eficácia do princípio da igualdade e não o seu afastamento.

É notório que há inúmeras diferenças entre as pessoas nos mais diversos


aspectos, mas para alcançar a efetividade do princípio da igualdade deve analisar
se aquele determinado elemento diferenciador é plausível de ser utilizado como
base para aplicar medidas que ao promover tratamentos desiguais visem ao
equilíbrio e, portanto, à igualdade108, ou seja, verificar se o discrímen em
determinado caso é legítimo ou não.

Neste sentido há situações em que é observado a necessidade de um


tratamento diferenciado visto que elementos específicos serão determinantes para
a ocorrência da discriminação devendo avaliar a legitimidade da distinção em
apreço, sua pertinência lógica.

Destarte a lei irá alçar determinados elementos diferenciais aos quais irá
atribuir efeitos jurídicos desuniformes com relação aos demais, não sendo possível,
todavia, que o traço diferencial singularize o seu destinatário de modo absoluto,
definitivo e particular.

Pode a lei, entretanto, atingir tanto uma parcela de pessoas quanto apenas
um indivíduo, desde que quando da criação da legislação tal sujeito seja
indeterminado ou indeterminável.

Ressalta-se, ainda, que qualquer característica de indivíduos, ocasiões ou


até mesmo de objetos pode ser utilizado pela legislação como o traço diferenciador
que irá legitimar o tratamento a ser conferido.

108
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello deve-se avaliar se há “critérios distintivos justificadores
de tratamentos jurídicos díspares”.
70

Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é


adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se
há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço
desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído
em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se
a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in
concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo
constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.
Em suma: importa que exista mais que uma correção lógica abstrata entre
o fator diferencial e a diferenciação consequente. Exige-se, ainda, haja
uma correlação lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses
abrigadas no direito positivo constitucional. E isto se traduz na
consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas como
valiosas na Constituição.109

Posto isso há grupos em situação de vulnerabilidade em que é facilmente


observado violações de seus direitos por suas características específicas,
necessitando de atitudes diferenciadas que visem a sua proteção, tal como ocorre
com os transexuais, e, por essa razão Flávia Piovesan destaca a existência de três
perspectivas com relação ao conteúdo do princípio da igualdade destacando o
“reconhecimento de identidades”.

a) a igualdade formal, reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei”


(que, ao seu tempo, foi crucial para a abolição de privilégios); b) a
igualdade material, correspondente ao ideal de justiça social e distributiva
(igualdade orientada pelo critério sócio-econômico); e c) a igualdade
material, correspondente ao ideal de justiça enquanto reconhecimento de
identidades (igualdade orientada pelos critérios de gênero, orientação
sexual, idade, raça, etnia e demais critérios).110

Desta feita, uma vez que a igualdade material preocupa-se com a finalidade
almejada ela deve atentar-se à diversidade em seus variados aspectos, com o

109
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Malheiros Editores,
2013, páginas 21 e 22.
110
PIOVESAN, Flávia (Coord.); SARMENTO, Daniel (Coord.); IKAWA, Daniela (Coord.). Igualdade, diferença e
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, página 49.
71

intuito de evitar situações discriminatórias responsáveis pela exclusão e demais


prejuízos, ante o duplo objetivo da igualdade, no qual ao mesmo tempo busca
assegurar as garantias individuais e inibir quaisquer tipos de favoritismo.

4.3. Direito à não discriminação.

Importante aspecto para a concretização do direito à igualdade é a proibição


à qualquer forma de discriminação, conforme previsto no artigo 3º, inciso IV, da
Constituição Federal111, estando inclusa, portanto, a vedação à discriminação por
motivo de identidade de gênero.

Assim tem-se que discriminar alguém refere-se, basicamente, a realizar


diferenciações, por meio de condutas ativas ou omissas, utilizando-se de critérios
ilegítimos ou injustos responsáveis por ocasionar situações de exclusão ou
prejudiciais de uma forma geral, ou seja, pode-se afirmar que a discriminação está
claramente ligada a desigualdade, bem como ofende o princípio da dignidade da
pessoa humana.

A discriminação com base na orientação sexual ou identidade gênero


inclui qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na
orientação sexual ou identidade de gênero que tenha o objetivo ou efeito
de anular ou prejudicar a igualdade perante à lei ou proteção igual da lei,
ou o reconhecimento, gozo ou exercício, em base igualitária, de todos os
direitos humanos e das liberdades fundamentais.112

Neste ponto cumpre destacar o direito ao esquecimento, o qual possui forte


vinculação com o princípio da dignidade da pessoa humana113, como essencial
para o caso dos transexuais por representar a escolha do indivíduo de não ser
lembrado pelos fatos pretéritos que podem lhe trazer algum tipo de

111
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação.
112
Disponível em: http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
113
Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da
informação inclui o direito ao esquecimento.
72

constrangimento, uma vez que determinado fato ou característica não corresponde


a atualidade. Ressalta-se que sua aplicação também é importante para facilitar a
inclusão social ao tentar evitar algum tipo de discriminação que remeta ao passado
e buscar o respeito pelos posicionamentos, características, situações, enfim, fatos
do presente.

A ideia de preservação de um passado decorrente do direito ao


esquecimento possui estreita relação com os direitos à intimidade e à privacidade
dos indivíduos previstos no artigo 5º, inciso X, da Carta Magna114, os quais são
distintos na medida em que o primeiro está contido no último. Enquanto a
privacidade refere-se aos relacionamentos pessoais que não são necessariamente
expostos ao público, por exemplo a vida familiar e amorosa, a intimidade representa
algo mais restrito, a individualidade de cada um.

Podemos vislumbrar, assim, dois diferentes conceitos. Um, de


privacidade, onde se fixa a noção das relações interindividuais que, como
as nucleadas na família, devem permanecer ocultas ao público. Outro, de
intimidade, onde se fixa uma divisão linear entre o “eu” e os “outros”, de
forma a criar um espaço que o titular deseja manter impenetrável mesmo
aos mais próximos. Assim, o direito de intimidade tem importância e
significação jurídica na proteção do indivíduo exatamente para defende-lo
de lesões a direitos dentro da interpessoalidade da vida privada.
Os exemplos poderão elucidar as diferenças. As relações bancárias de
um indivíduo estão dentro do círculo da privacidade. Da mesma forma,
seus relacionamentos profissionais, assim como o rol de seus clientes. Por
outro lado, os segredos pessoais, as dúvidas existenciais, a orientação
sexual compõem o universo da intimidade.115

Deste modo o Estado deve agir de modo a garantir o reconhecimento e a


concretização de todos os direitos dos indivíduos transexuais assegurando a

114
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes:
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
115
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Editora Verbatim, 2018, página 228.
73

igualdade de oportunidades e impedindo que os mesmos sofram situações


discriminatórias, uma vez que é evidente que o preconceito impede a efetividade
dos direitos fundamentais.

4.4. Direito à liberdade.

A liberdade é tratada em diversos setores, com variadas conceituações,


como o político, o filosófico, o sociológico e o jurídico tamanha a sua importância e
seu posicionamento de direito fundamental. Inclusive é abordada em documentos
internacionais que são a base para criação de normas tanto no âmbito interno dos
Estado como no externo, por exemplo no preâmbulo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos116 e no artigo 4º, da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão117.

Diante das definições existentes pra tal direito destaca-se como elemento
comum e central a autonomia, ou seja, liga o direito à liberdade a ideia de que cada
indivíduo pode fazer aquilo que bem entender de sua vida sem causar prejuízos a
terceiros. As pessoas possuem liberdade de autodeterminar-se, conduzir sua vida
em conformidade com suas aspirações, ideais e posicionamentos.

O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um


poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua
felicidade. É boa, sob esse aspecto, a definição de Rivero: “a liberdade é
um poder de autodeterminação, em virtude do qual o homem escolhe por
si mesmo seu comportamento pessoal”. Vamos um pouco além, e
propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na possibilidade de
coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade
pessoal.118

116
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de
seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
117
Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício
dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da
sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.
118
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores, 1997, página 227.
74

Um dos mais importantes fundamentos do Estado Democrático de Direito


é o reconhecimento e proteção da liberdade individual. A premissa
filosófica de que se parte é a de que a cada pessoa humana deve ser
garantida a possibilidade de se autodeterminar, realizando as suas
escolhas existenciais básicas e perseguindo os seus próprios projetos de
vida, desde que isso não implique em violação de direitos de terceiro.119

Assim, o direito à liberdade confere aos indivíduos o direito de se autodefinir,


de buscar por sua real identidade, inclusive com relação ao gênero e a forma de
expressá-lo que melhor condiga com a realidade de cada pessoa
independentemente do sexo de seu nascimento, ou seja, refere-se ao direito à
identidade de gênero e a liberdade de exteriorizá-la da maneira que for desejada.

Trata-se basicamente do direito de ser, o qual implica no direito ao livre e


pleno exercício da personalidade humana fundado no princípio da dignidade da
pessoa humana.

Deste modo a autonomia a própria identidade sexual, tanto no tocante à


identidade de gênero quanto à orientação sexual, representa um dos fundamentos
da identidade pessoal e, portanto, refere-se ao direito à personalidade, não
podendo haver qualquer tipo de constrangimento por tais razões.

Tem-se que qualquer afronta aos direitos de personalidade e a sua


manifestação, expressos ou não no texto constitucional, estará eivada de
inconstitucionalidade, uma vez que há interesse relevante, no ponto social e
jurídico, de gozar de sua identidade sexual e autodeterminar-se, de modo a buscar
a harmonia entre seu corpo e sua identidade de gênero da forma que preferir.

Por outro lado, tendo em conta que uma série de dimensões essenciais à
dignidade pessoal não foi contemplada (direta e expressamente) no texto
constitucional, é preciso ter presente que o direito ao livre
desenvolvimento da personalidade e o direito geral de personalidade que
dele resulta, sendo “expressão direta do postulado básico da dignidade
humana”, abarcam toda a manifestação essencial à personalidade, de

119
SARMENTO, Daniel (Coord.); PIOVESAN, Flávia (Coord.); IKAWA, Daniela (Coord.). Igualdade, diferença e
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.646.
75

modo especial o direito à identidade pessoal e moral, que, por sua vez,
inclui o direito à identidade genética do ser humano, o direito ao nome, o
direito ao conhecimento da paternidade, de tal sorte que, embora sempre
presentes zonas – maiores ou menores – de confluência com os direitos
especiais de personalidade, o direito geral de personalidade, como já
referido, segue sendo um direito autônomo e indispensável à proteção
integral e sem lacunas da personalidade. Ainda neste contexto, vem,
portanto, a calhar a lição de Paulo Mota Pinto, ao afirmar que “o direito
geral de personalidade é, nesse sentido, também ‘aberto’, sincrônica e
diacronicamente, permitindo a tutela de novos bens, e face a renovadas
ameaças à pessoa humana, sempre tendo como referente o respeito pela
personalidade, quer numa perspectiva estática, quer na sua dimensão
dinâmica de realização e desenvolvimento”.120

Ademais, cabe destaque ao direito constitucional à busca pela felicidade, o


qual foi trazido pelo Supremo Tribunal Federal em decisão que reconheceu a
constitucionalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo ao entender
que tal direito estaria implícito no texto constitucional por decorrer do princípio da
dignidade da pessoa humana (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277).121

Inclusive houve a proposta de emenda à Constituição, que ficou conhecida


sob a alcunha de “PEC da felicidade”122, e objetivava acrescentar no artigo 6º da
Constituição Federal a essencialidade do direito à busca da felicidade com relação
aos direitos sociais, encontrando-se arquivada no presente momento.

Quanto à Constituição vigente o direito à liberdade é trazido de uma forma


geral no caput do artigo 5º123 representando, portanto, direito fundamental com

120
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, página 401.
121
Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20627236/acao-direta-de-
inconstitucionalidade-adi-4277-df-stf. Acesso em 07/09/2019.
122
Ementa: Altera o artigo 6º da Constituição Federal para incluir o direito à busca da Felicidade por cada
indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas
condições de exercício desse direito.
123
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes:
76

posicionamento de destaque que deverá ser utilizado como orientador para as


atitudes do Estado e dos membros da sociedade.
77

5. Âmbito internacional.

Assim como no âmbito interno também houve grande preocupação do direito


internacional em promover os direitos humanos tratando de forma expressa e
implícita os indivíduos transexuais, bem como trazendo especificamente o direito à
identidade de gênero.

Neste ponto importa ressaltar que os tratados e convenções de direitos


humanos apresentam os indicadores mínimos que devem ser observados pelo
Estado.

O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação


de um sistema internacional de proteção destes direitos. Esse sistema é
integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo,
a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na
medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas
centrais aos direitos humanos, na busca da salvaguarda de parâmetros
protetivos mínimos – do “mínimo ético irredutível”.124

O próprio texto constitucional estabelece em seu artigo 5º, §3º que tratados
e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos e que forem
aprovados com o mesmo quórum qualificado necessário para a aprovação de
emendas constitucionais serão equivalentes às últimas, ou seja, aqueles que forem
aprovados nas duas casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e
Senado Federal), em dois turnos de votação, por três quintos dos votos de seus
membros. Medida essa que comprova que o rol de direitos e garantias
fundamentais estabelecidos no artigo quinto não é taxativo.

Ademais o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº


466.343/SP125 que avaliou a prisão civil do depositário infiel frente ao Pacto de San
José da Costa Rica decidiu que por tratar acerca de direitos humanos tal tratado,
que não foi internalizado conforme o disposto no parágrafo anterior, possui

124
PIOVESAN, Flávia (Coord.); SARMENTO, Daniel (Coord.); IKAWA, Daniela (Coord.). Igualdade, diferença e
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, página 53.
125
Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14716540/recurso-extraordinario-re-466343-
sp. Acesso em 07/09/18.
78

natureza supralegal. Deste modo, encontra-se hierarquicamente em patamar


inferior à Constituição Federal, mas superior ao direito ordinário, e, portanto, não
há mais a possibilidade da prisão civil do depositário infiel.

Tal condição foi bem elucidada pelo Superior Tribunal de Justiça no


julgamento do Recurso Especial nº 914.253/SP126.

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL


REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC.
DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.
EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 45/2004. DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. NOVEL POSICIONAMENTO ADOTADO PELA SUPREMA
CORTE. 1. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art.
7º, § 7º, vedou a prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese do
devedor de alimentos. Contudo, a jurisprudência pátria sempre direcionou-
se no sentido da constitucionalidade do art. 5º, LXVII, da Carta de 1.988,
o qual prevê expressamente a prisão do depositário infiel. Isto em razão
de o referido tratado internacional ter ingressado em nosso ordenamento
jurídico na qualidade de norma infraconstitucional, porquanto, com a
promulgação da constituição de 1.988, inadmissível o seu recebimento
com força de emenda constitucional. Nesse sentido confiram-se os
seguintes julgados da Suprema Corte: RE 253071 - GO, Relator Ministro
MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 29 de junho de 2.006 e RE
206.482 - SP, Relator Ministro MAURICIO CORRÊA, Tribunal Pleno, DJ
de 05 de setembro de 2.003. 2. A edição da EC 45/2.004 acresceu ao art.
5º da CF/1.988 o § 3º, dispondo que "Os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais", inaugurando novo panorama nos acordos internacionais
relativos a direitos humanos em território nacional. 3. Deveras, "a
ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva do pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica, (art , 7º, 7), ambos
do ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário
infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos
humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando

126
Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8606935/recurso-especial-resp-914253-sp-
2006-0283913-8-stj/relatorio-e-voto-13677534?ref=juris-tabs. Acesso em: 07/09/2019.
79

abaixo da constituição, porém acima da legislação infraconstitucional com


ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim
ocorreu com o art. 1.287 do Código civil de 1916 e com o Decreto-Lei
911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo Código Civil (Lei
10.406/2002)." (voto proferido pelo Ministro GILMAR MENDES, na sessão
de julgamento do Plenário da Suprema Corte em 22 de novembro de
2.006, relativo ao Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, da relatoria do
Ministro CEZAR PELUSO). 4. A Constituição da Republica Federativa do
Brasil, de índole pós-positivista, e fundamento de todo o ordenamento
jurídico, expressa, como vontade popular, que a República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como
instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade
justa e solidária. 5. O Pretório Excelso, realizando interpretação
sistemática dos direitos humanos fundamentais, promoveu considerável
mudança acerca do tema em foco, assegurando os valores supremos do
texto magno. O Órgão Pleno da Excelsa Corte, por ocasião do histórico
julgamento do Recurso Extraordinário n.º 466.343 - SP, Relator MIn.
Cezar Peluso, reconheceu que os tratados de direitos humanos têm
hierarquia superior à lei ordinária, ostentando status normativo supralegal,
o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de
tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade,
máxime em face do efeito paralisante dos referidos tratados em relação
às normas infra-legais autorizadoras da custódia do depositário infiel. Isso
significa dizer que, no plano material, as regras provindas da Convenção
Americana de Direitos Humanos, em relação às normas internas, são
ampliativas do exercício do direito fundamental à liberdade, razão pela
qual paralisam a eficácia normativa da regra interna em sentido contrário,
haja vista que não se trata aqui de revogação, mas de invalidade. 6. No
mesmo sentido, recentíssimo precedente do Supremo Tribunal Federal,
verbis: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL
- REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE
DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
(ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE
SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE
JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO
INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais
subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade
80

depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de


depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário,
como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula
619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS
SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A
QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante
dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema
de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o
direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos
humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos
tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo
interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? -
Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia
constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos
humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE
MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos
informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a
interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança
informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante
interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República,
se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora,
com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos
processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus
múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea.
HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS
FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A
INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e
Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no
âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar
um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo
29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em
atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana,
em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder
Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma
mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional
como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado),
deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das
proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o
acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais
81

vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos


fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e
o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao
caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana
de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico
de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.
(HC 96772, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado
em 09/06/2009, PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-04 PP-00811)
7. Precedentes do RHC 26.120/SP">STJ: RHC 26.120/SP, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
01/10/2009, DJe 15/10/2009; HC 139.812/RS, Rel. Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe
14/09/2009; AgRg no Ag 1135369/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO
JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 28/09/2009;
RHC 25.071/RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA,
julgado em 18/08/2009, DJe 14/10/2009; EDcl no REsp 755.479/RS, Rel.
Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009,
DJe 11/05/2009; REsp 792.020/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 19/02/2009; HC 96.180/SP, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe
09/02/2009) 8. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao
regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

Em resumo a depender da forma observada para a internalização de


Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos será determinada sua
hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser equivalente à Emenda
Constitucional ou enquadrar-se em posição supralegal.

A partir dessas informações serão destacados a seguir alguns exemplos


referentes ao direito internacional que são importantes para a promoção e proteção
especificamente dos transexuais.

Em um primeiro momento cabe trazer a Declaração Universal de Direitos


Humanos adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas, a qual ao longo
de seu texto reconhece que a dignidade da pessoa humana é inerente a todos, e,
ainda, a importância do direito a igualdade e a liberdade, enfim a importância de
82

resguardar os direitos fundamentais, ressaltando o direito que todos possuem de


serem protegidos diante de qualquer tipo de discriminação127.

Convém destacar que em seu preâmbulo é imposto aos Estados o dever de


promover, por meio de medidas associadas ao ensino e à educação, o respeito e
a proteção aos direitos e liberdades trazidos.

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades


é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso.
Agora portanto como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da
sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através
do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e
liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e
internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância
universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros,
quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. 128

A partir disso tem-se a Convenção da UNESCO para Eliminação da


Discriminação na Educação adotada em 1960129, a qual foi aprovada pelo Decreto
Legislativo nº 40/1967 e logo de início já confirma que “as discriminações na esfera
do ensino constituem uma violação de direitos enunciados na Declaração Universal
de Direitos Humanos”.

Tal Convenção traz em seu corpo diretrizes, conceituações e deveres com


o intuito de evitar distinção, exclusão, limitação ou preferência quanto ao ensino
cabendo destacar a cobrança de condutas por parte do Estado que busquem evitar
a discriminação, bem como assegurar os objetivos da educação.

Artigo III
A fim de eliminar e prevenir qualquer discriminação no sentido da presente
Convenção, os Estados partes se comprometem a:

127
Artigo VII Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.
Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra
qualquer incitamento a tal discriminação.
128
Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
129
Disponível em : https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000132598_por. Acesso em: 20/jun/2019.
83

a) ab-rogar quaisquer disposições legislativas e administrativas e fazer


cessar quaisquer práticas administrativas que envolvam discriminação;
b) tomar as medidas necessárias, inclusive legislativas, para que não haja
discriminação na admissão de alunos nos estabelecimentos de ensino;
Artigo IV
Os Estados Partes na presente Convenção comprometem-se além
do mais a formular, desenvolver e aplicar uma política nacional que
vise a promover, por métodos adaptados às circunstâncias e usos
nacionais, a igualdade de oportunidades e tratamento em matéria de
ensino, e principalmente:
Artigo V
Os Estados Partes na presente Convenção convêm em que:
a) a educação deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade
humana e ao fortalecimento do respeito aos direitos humanos e das
liberdades fundamentais e que deve favorecer a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações. Todos os grupos raciais ou
religiosos, assim como o desenvolvimento das atividades nas Nações
Unidas para a manutenção da paz;
Artigo VI
Na aplicação da presente Convenção, os Estados partes comprometem-
se a dar a maior atenção às recomendações que a conferência Geral da
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura
adotar para definir as medidas a serem tomadas para lutar contra os
diversos aspectos da discriminação no ensino e assegura a igualdade de
oportunidade e de tratamento.

Também, a Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada em 1969


e promulgada no Brasil pelo Decreto nº 678/92130, traz em seu artigo 24 o direito de
todos de proteção perante a lei de forma igualitária e sem qualquer
discriminação131, assim como em seu artigo primeiro dispõe acerca da obrigação
dos Estados respeitar os direitos e liberdades nela contida, bem como promove-las
sem qualquer discriminação.

130
Disponível em: http://www.tjrr.jus.br/cij/arquivospdf/ConvencaoAmericana-pacjose-1969.pdf. Acesso
em: 20/jun/2019.
131
Artigo 24. Igualdade perante a lei - Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito,
sem discriminação, a igual proteção da lei. Disponível em:
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm. Acesso em:
20/jun/2019.
84

Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos


1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar
os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno
exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem
discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião,
opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou
social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição
social.132

No ano de 2007 um grupo de especialistas publicou os princípios de


Yogyakarta133, assim baseando-se em convenções e tratados internacionais e no
desrespeito ao direito à orientação sexual e à identidade de gênero, os quais o
documento ressalta serem direitos essenciais para a observância do princípio da
dignidade humana e não poderem ser objeto de discriminação, deliberaram sobre
vinte e nove princípios.

Apesar de tais princípios não possuírem força vinculante, sendo


denominados de soft law, são de grande relevância e observados no direito interno
prova disso é o voto do Ministro Celso de Mello em decisão que reconheceu a união
estável homoafetiva ao utilizar o princípio vinte e quatro, que trata sobre o direito
de constituir família134. Ressalta-se que tal decisão recebeu certificado da
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO)
através de seu Comitê Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo tendo
sido inscrita como patrimônio documental da humanidade no Registro Nacional do
Brasil.

Os princípios de Yogyakarta podem ser considerados soft law, vale dizer,


norma de direito internacional não obrigatória, mas nem por isso
desprovida de relevância, na medida em que seu sistema de “sanções”
reside no campo moral ou extrajurídico.

132
Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em:
20/jun/2019.
133
Disponível em: http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
134
Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277CM.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
85

Assim, os Princípios de Yogyakarta não criam normas específicas para


conter violações e responder às aspirações das pessoas, cuja orientação
sexual e identidade de gênero diferem da “norma de heterossexualidade
dominante”. O documento resgata os conteúdos de tratados e
convenções, consagrados e ratificados por um número significativo de
países, aplicando-os a 24 situações de discriminação e injustiça, derivada
da orientação sexual e identidade de gênero (direito à vida, à liberdade de
expressão, à saúde, à educação etc.). Segundo Paul Hunt, Relator
Especial da ONU para o direito à saúde entre 2002 e 2008, os Princípios
de Yogyakarta coligem e aplicam princípios estabelecidos e genéricos de
direitos humanos à sexualidade humana, de modo que não seja mais
necessário construir nenhum novo direito humano para equacionar as
inúmeras violações que ainda persistem nesse campo.135

Ainda cabe mencionar a Resolução nº 2435 da Assembleia Geral da


Organização dos Estados Americanos136 aprovada em 2008 e a Resolução nº
17/19 do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas137 de
2011, as quais tratam acerca dos Direitos Humanos com enfoque no direito à
orientação sexual e à identidade de gênero preocupando-se com a afronta a tais
direitos por meio de práticas discriminatórias que, inclusive, envolvem violência
física e psicológica.

Desta feita são essenciais atitudes dos Estados para coibi-las, assim como
para facilitar a inserção desta parcela da população na sociedade tratando
expressamente dos setores da educação, emprego e saúde, mas sem olvidar da
existência de discriminação em outras áreas relativas a serviços básicos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou em 2017 a opinião


consultiva nº 24, na qual concluiu que o direito à identidade de gênero e à
orientação sexual são protegidos pelo Pacto de San José da Costa Rica e devem
ser reconhecidos e protegidos pelos Estados destacando os direitos a igualdade, a

135 DA SILVA, Beatriz Pereira. A efetividade da proteção da identidade de gênero e do nome da pessoa
transexual: análise da constitucionalidade e da convencionalidade. 2016. 168f. Dissertação de Mestrado
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, página 72.
136
Disponível em: https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/pplgbt-180.pdf. Acesso em: 20/06/2019.
137
Disponível em:
https://www.ohchr.org/Documents/Publications/BornFreeAndEqualLowRes_Portuguese.pdf. Acesso em:
20/jun/2019.
86

não discriminação, a identidade, a vida privada, bem como as garantias de


liberdade e de autodeterminação.

Visto lo anterior, esta Corte entiende que la identidad de género es un


elemento constitutivo y constituyente de la identidad de las personas, en
consecuencia, su reconocimiento por parte del Estado resulta de vital
importancia para garantizar el pleno goce de los derechos humanos de las
personas transgénero, incluyendo la protección contra la violencia, tortura,
malos tratos, derecho a la salud, a la educación, empleo, vivienda, acceso
a la seguridad social, así como el derecho a la libertad de expresión, y de
asociación231. Sobre este punto, esta Corte señaló, en los mismos
términos que la Asamblea General de la Organización de Estados
Americanos, “que el reconocimiento de la identidad de las personas es
uno de los medios [que] facilita el ejercicio de los derechos a la
personalidad jurídica, al nombre, a la nacionalidad, a la inscripción en el
registro civil, a las relaciones familiares, entre otros derechos reconocidos
en instrumentos internacionales como la Declaración Americana de los
Derechos y Deberes del Hombre y la Convención Americana”. Por tanto,
la falta de reconocimiento de la identidad puede implicar que la persona
no cuente con constancia legal de su existencia, dificultando el pleno
ejercicio de sus derechos.138

Além disso há a agenda de 2030 da Organização das Nações Unidas 139 que
consiste em planos de ação decididos por líderes mundiais com objetivos e metas
para o planeta buscando, dentre outros, a concretização dos direitos humanos.
Desta agenda destaca-se para o presente trabalho o objetivo quatro, qual seja
“assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.

À luz dessas explanações além do controle de constitucionalidade, o qual


consiste em verificar se as normas, atos normativos e decisões estão em
consonância com a Carta Magna, deve haver o controle de convencionalidade, no
qual ao invés do texto constitucional deverá ser avaliada a compatibilidade dos

138
Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_24_esp.pdf. Acesso em: 20/jun/2019.
139
Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/. Acesso em: 20/jun/2019.
87

dispositivos em análise com tratados e convenções internacionais ratificados pelo


Brasil.

Assim tem-se que haverá consequências ao Estado caso viole norma


firmada em âmbito internacional, como a necessidade de reparação dos danos as
vítimas, inclusive há juízes responsáveis por verificar o cumprimento das
obrigações e as interpretações feitas pelo Estado.

A Corte Interamericana entende que o controle de convencionalidade não


é restrito às normas infraconstitucionais, recaindo, isso sim, sobre as
normas de direito interno, aí presentes as normas constitucionais. Nesses
termos, qualquer ato normativo interno, seja infraconstitucional – lei,
decreto, regulamento, resolução – ou de caráter constitucional, está
sujeito ao controle de convencionalidade pela Corte. 140

Dito isso deve o Estado adotar providências para prevenir violações aos
direitos humanos no âmbito jurídico, político e administrativo com o intuito de evitar
sanções internacionais e cumprir as obrigações fixadas e admitidas pelo próprio
Estado em Tratados e Convenções.

Quanto à possibilidade de responsabilidade internacional do Estado é


necessário a presença de três elementos que serão analisados por meio do
controle de convencionalidade, quais sejam a afronta a direitos e deveres trazidos
por normas internacionais ratificadas (fato ilícito internacionalmente), resultado
lesivo (referente aos danos matérias e morais da vítima, bem como de seus
familiares) e o nexo causal entre o fato em questão e a lesão.

Diferente do que ocorre no Brasil em que se verifica a ausência de legislação


própria referente à identidade de gênero, existindo apenas o projeto de Lei nº
5002/2013141, já existem leis nos países da América Latina voltadas
especificamente para a parcela transexual da população, como é o caso do Uruguai
com a denominada "Lei integral para pessoas trans", aprovada em outubro de

140
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. “Curso de Direito Constitucional.
Revista dos Tribunais”, 2014, página 1337.
141
Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=%20PL+50
02/2013. Acesso em: 21/jun/2019.
88

2018142, a qual traz as definições de identidade de gênero, expressão de gênero e


pessoa trans, também a preocupação para que tais pessoas não sejam excluídas
do sistema nacional de educação, e, ainda, por meio de políticas afirmativas busca
combater a discriminação e garantir direitos, por exemplo, acesso à moradia, ao
trabalho e à educação, inclusive por meio de bolsas e cotas em universidades.

Artículo 3º. (Objeto y alcance).- La presente ley tiene como objeto


asegurar el derecho de las personas trans residentes de la República a
una vida libre de discriminación y estigmatización, para lo cual se
establecen mecanismos, medidas y políticas integrales de prevención,
atención, protección, promoción y reparación.

Artículo 4º. (Definiciones).- A los efectos de la presente ley se entiende


por:

A) Identidad de género: la vivencia interna e individual del género según


el sentimiento y autodeterminación de cada persona, en coincidencia o
no con el sexo asignado en el nacimiento, pudiendo involucrar la
modificación de la apariencia o la función corporal a través de medios
farmacológicos, quirúrgicos o de otra índole, siempre que ello sea
libremente escogido.

B) Expresión de género: toda exteriorización de la identidad de género


tales como el lenguaje, la apariencia, el comportamiento, la vestimenta,
las características corporales y el nombre.

C) Persona trans: la persona que se autopercibe o expresa un género


distinto al sexo que le fuera asignado al momento del nacimiento, o bien
un género no encuadrado en la clasificación binaria masculino femenino,
independientemente de su edad y de acuerdo a su desarrollo evolutivo
psicosexual.

Também o Chile promulgou em novembro de 2018 a "Lei de Identidade de


gênero"143 que entre diversos temas traz o conceito da transexualidade e a
possibilidade de alteração de nome e gênero em documento de identidade. A

142
Disponível em: https://legislativo.parlamento.gub.uy/temporales/docu2407969750245.htm. Acesso em:
21/jun/2019.
143
Disponível em: https://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1126480. Acesso em: 21/jun/2019.
89

Argentina já prevê tal possibilidade por meio da lei nº 26.273144 desde 2012,
ressaltando que em 2010 foi o primeiro país latino americano a permitir o
casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como o Equador também permite
tal alteração nos documentos de identidade por meio da “Lei Orgânica do Serviço
Nacional de Gestão de Identidade e Dados Civis de 2015” (R.O. 684, Segundo
Suplemento, del 04-02-2016)145 e a Bolívia em 2016 com a Lei nº 807146.

144
Disponível em: http://www.saij.gob.ar/26743-nacional-ley-identidad-genero-lns0005735-2012-05-
09/123456789-0abc-defg-g53-75000scanyel. Acesso em: 21/jun/2019.
145
Disponível em: https://www.asambleanacional.gob.ec/es/leyes-aprobadas?leyes-
aprobadas=485&title=&fecha=&page=1. Acesso em 21/jun/2019.
146
Disponível em: http://www.diputados.bo/leyes/ley-n%C2%B0-807. Acesso em: 21/jun/2019.
90

6. Ensino inclusivo.

Como visto anteriormente os indivíduos transexuais enfrentam


diariamente situações de discriminatórias e excludentes que acabam por ceifar
direitos e impedir a igualdade de oportunidades de forma concreta.

Paulo Freire explica que nessa situação de opressão existe a


problemática da consciência do oprimido e do opressor, resultando em uma
violência que parte da massa opressora ao trazer proibições aos oprimidos no
plano concreto, cabendo aos últimos enfrentar essa cultura de dominação a partir
de uma transformação revolucionária.

Daí que, estabelecida a relação opressora, esteja inaugurada a


violência, que jamais foi até hoje, na história, deflagrada pelos
oprimidos.

Como poderiam os oprimidos das início à violência, se eles são o


resultado de uma violência?

Como poderiam ser os promotores de algo que, ao instaurar-se


objetivamente, os constitui?

Não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que


os conforma como violentados, numa situação objetiva de opressão.

Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não


se reconhecem nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que
não são reconhecidos pelos que os oprimem como outro.

Inauguram o desamor, não os desamados, mas os que não amam,


porque apenas se amam.

Os que inauguram o terror não são os débeis, que a ele são


submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação
concreta em que se geram os “demitidos da vida”, os esfarrapados do
mundo.

Quem inaugura a tirania não são os tiranizados, mas os tiranos.

Quem inaugura o ódio não são os odiados, mas os que primeiro


odiaram.
91

Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram sua
humanidade negada, mas os que a negaram, negando também a
sua.147

Assim, este preconceito vivenciado pelos transexuais também ocorre nas


instituições de ensino por meio de bullyng, injúrias e assédios, os quais são
responsáveis por ocasionar a evasão escolar destes indivíduos, sendo que no
ano de 2016 uma pesquisa conduzida pelo defensor público João Paulo
Carvalho Dias, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) estimou em 82% o índice de evasão escolar com
relação aos transexuais e travestis no país148.

A UNESCO publicou no ano de 2017 um relatório cujo título é “Jogo


aberto: respostas do setor de educação à violência com base na orientação
sexual e na identidade/expressão de gênero, relatório conciso”149 e trata acerca
da violência homofóbica e transfóbica sofrida nos ambientes escolares
demonstrando que tais fatos não acontecem apenas no Brasil.

Os dados são alarmantes e deixam claro que os estudantes que se


diferenciam da maioria em vista de sua orientação sexual ou identidade de
gênero são mais propensos a serem alvos de bullyng fator este responsável por
prejudicar o respectivo rendimento e por consequência a evasão escolar, além
de outros prejuízos relacionados à saúde mental dos mesmos.

Os alunos que são alvo de bullying são mais propensos a se sentir


inseguros na escola, perder ou desistir das aulas. Por exemplo, nos
Estados Unidos, 70% dos estudantes LGBT se sentiram inseguros na
escola; na Tailândia, 31% dos estudantes que foram alvos de chacotas
ou bullying por serem (ou serem percebidos como) LGBT relataram
ausências da escola no mês anterior à pesquisa; e, na Argentina, 45%
dos estudantes transexuais abandonaram a escola. Como resultado,
os alunos que sofrem violência homofóbica e transfóbica podem atingir
piores resultados acadêmicos comparados a seus colegas. Alunos

147
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz & Terra, 2017, págs. 58/59.
148
Disponível em: http://especiais.correiobraziliense.com.br/violencia-e-discriminacao-roubam-de-
transexuais-o-direito-ao-estudo. Acesso em:01/jul/2019.
149
Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000244652_por. Acesso em: 01/jul/2019.
92

LGBT relataram menores conquistas acadêmicas na Austrália, na


China, na Dinamarca, em El Salvador, na Itália e na Polônia. A
violência homofóbica e transfóbica também tem efeitos adversos sobre
a saúde mental, incluindo o aumento do risco de ansiedade, medo,
estresse, solidão, perda de confiança, baixa autoestima,
automutilação, depressão e suicídio – que também afetam
negativamente a aprendizagem.

Também foi constatado que além de dentro do próprio ambiente escolar


a violência transfóbica e homofóbica também ocorre no entorno das escolas, no
caminho de ida e volta e na internet (bullying cibernético).

Dentre as formas de violência se encontram insultos, ameaças,


intimidações, exclusões, rumores, coerções, destruição de propriedade,
agressões físicas, assédio sexual e estupro.

Assim as escolas e universidades que deveriam ser espaços


acolhedores, visando à harmonia, ao respeito e à integração de todos acabam
por aumentar a vulnerabilidade dos transexuais, pois além de traduzirem-se em
ambientes de insegurança pela violência sofrida, física e psicológica, são criados
obstáculos para que os mesmos tenham o respectivo direito à educação
concretizado, fato este que também prejudica o desenvolvimento profissional
destas pessoas.

Diante de todo esse impacto negativo que a homofobia e a transfobia


produzem na aprendizagem dessa parcela da população, além do aspecto da
saúde e do desenvolvimento social e profissional tem-se a necessidade de
criação de um sistema de ensino inclusivo, visando à concretização do direito a
educação. Assim, a educação inclusiva é instrumento necessário para inserir os
indivíduos transexuais na sociedade e faz parte do conceito geral do direito à
educação.
93

6.1. Aspectos da Educação inclusiva.

A educação apenas poderá ser concebida como direito de todos,


obedecendo aos ditames do texto constitucional, quando ela efetivamente for
assegurada a todos, com o acolhimento de todos, ou seja, deve-se atentar-se à
intenção do constituinte ao conceder tamanha importância ao direito à educação.

Assim há menção clara ao espírito democrático da Constituição que


objetiva assegurar, dentre outros, uma sociedade com a promoção do bem de
todos sem qualquer forma de discriminação, sendo para tanto essencial a
inclusão e a convivência com o diferente de modo a estimular a solidariedade e
a possibilitar uma postura participativa dos alunos.

A partir disso há a responsabilidade de propiciar aos alunos um ambiente


escolar seguro, que vise à integração e à harmonia, sendo imperioso trabalhar
situações discriminatórias e excludentes como a transfobia, ou seja, refere-se a
uma mudança de visão do sistema educacional como um todo e envolve todos
os seus integrantes na medida em que haverá uma estrutura própria, centrada
nos alunos, inclusive com a preparação específica de seu corpo docente.
Também é certo que o direito deve ser garantido em sua integralidade com
acesso tanto aos professores quanto aos materiais e instrumentos necessários
para tanto.

No campo da educação, a inclusão envolve um processo de reforma e


de reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de
assegurar que todos os alunos possam ter acesso a todas as gamas
de oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola. Isto
inclui o currículo corrente, a avaliação, os registros e os relatórios de
aquisições acadêmicas dos alunos, as decisões que estão sendo
tomadas sobre o agrupamento dos alunos nas escolas ou nas salas de
aula, a pedagogia e as práticas de sala de aula, bem como as
oportunidades de esporte, lazer e recreação.

O objetivo de tal reforma é garantir o acesso e a participação de todas


as crianças em todas as possibilidades de oportunidades oferecidas
pela escola e impedir a segregação e o isolamento. Essa política foi
planejada para beneficiar todos os alunos, incluindo aqueles
pertencentes a minorias linguísticas e étnicas, aqueles com deficiência
94

ou dificuldades de aprendizagem, aqueles que se ausentam


constantemente das aulas e aqueles que estão sob o risco de
exclusão.150

Devido ao fato da educação ser a base para o desenvolvimento do


indivíduo como cidadão o ensino inclusivo, ao objetivar o acesso a oportunidades
de forma equitativa, demonstra estar ligado aos ideais de cidadania, justiça e
igualdade, pautando-se na necessidade de existir uma pluralidade de modo a
evitar segregações em vista de características distintas ou qualquer outro ponto
que ofereça particularidades.

Ressalta-se que a igualdade utilizada apenas no âmbito formal não


garante a inclusão no âmbito escolar, uma vez que desconsidera as
desigualdades existentes nos mais diversos âmbitos. E, que ao atingir a
igualdade material poderá proporcionar oportunidades a todos estabelecendo
um sistema mais justo, sendo a educação elemento essencial para o
desenvolvimento da cidadania.

Ademais, conforme elucidado no capítulo 2, a educação deve observar


objetivos constitucionais próprios estabelecidos no artigo 205, da Constituição
Federal, são eles o pleno desenvolvimento da pessoa humana (possibilidade do
indivíduo de forma autônoma buscar sua realização), o preparo da pessoa para
o exercício da cidadania (criação de uma consciência crítica própria) e a
qualificação para o trabalho (desenvoltura de habilidades que irão possibilitar a
inserção no mercado de trabalho).

Diante dos objetivos constitucionais estipulados tem-se no âmbito


internacional o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais151, o qual foi aprovado pelo Brasil no Decreto Legislativo 226/1991152 e
promulgado pelo Decreto Presidencial n.591 em 1992, possuindo status de

150
MITTLER, Peter. Educação inclusiva. Contextos sociais. Artmed editora S.A., 2003, página 25.
151
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em:
03/jul/2019.
152
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1991/decretolegislativo-226-12-dezembro-
1991-358251-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 03/jul/2019.
95

norma Constitucional por tratar de matéria referente a Direitos Humanos, de


acordo com a Emenda Constitucional nº 45. O Pacto em questão traz em seu
artigo 13 o direito ao ensino inclusivo como direito fundamental, ressaltando que
a educação deve capacitar todas as pessoas por guardar estreita relação com
os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

ARTIGO 13

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda


pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao
pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua
dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar
todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre,
favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e
promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
paz.

2. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que, com o


objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito:

a) A educação primaria deverá ser obrigatória e acessível


gratuitamente a todos;

b) A educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a


educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e
torna-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e,
principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito;

c) A educação de nível superior deverá igualmente torna-se acessível


a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios
apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do
ensino gratuito;

d) Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a


educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação
primaria ou não concluíram o ciclo completo de educação primária;

e) Será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede


escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema
96

adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições


materiais do corpo docente.

1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar


a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais de
escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas
autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de
ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus
filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de
acordo com suas próprias convicções.

2.Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada


no sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de
criar e dirigir instituições de ensino, desde que respeitados os
princípios enunciados no parágrafo 1 do presente artigo e que essas
instituições observem os padrões mínimos prescritos pelo Estado.

Também importa destacar o fato do direito à educação ser um direito


público subjetivo, ou seja, caso haja a impossibilidade de sua concretização é
cabível o ingresso de demanda judicial para garanti-lo, bem como os
mecanismos que forem necessários.

Com relação ao caso específico da violência transfóbica e homofóbica o


relatório de 2017 da UNESCO153, trazido anteriormente, apresenta algumas
recomendações que devem ser adotadas no âmbito da educação com o intuito
de evitá-las.

1. monitorar sistematicamente a prevalência da violência em contextos


educacionais, incluindo a violência baseada na orientação sexual e na
identidade/expressão de gênero;

2. estabelecer políticas nacionais e escolares abrangentes para


prevenir e abordar a violência em ambientes educacionais, incluindo a
violência baseada na orientação sexual e na identidade/expressão de
gênero;

153
Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000244652_por. Acesso em: 04/jul/2019.
97

3. certificar-se de que os currículos e os materiais didáticos são


inclusivos;

4. oferecer treinamento e apoio a professores e funcionários da


educação e também das escolas para prevenir e abordar a violência
em ambientes educacionais, incluindo a violência baseada na
orientação sexual e na identidade/expressão de gênero;

5. garantir que ambientes escolares seguros sejam inclusivos e


ofereçam suporte para os estudantes afetados pela violência, incluindo
a violência baseada na orientação sexual e na identidade/expressão
de gênero, bem como ofereçam apoio a suas famílias;

6. proporcionar acesso a informações não preconceituosas e precisas


sobre orientação sexual e identidade/expressão de gênero por meio de
campanhas de informação e parcerias com a sociedade civil e a
comunidade escolar; e

7. avaliar a eficiência e o impacto das respostas do setor de educação


à violência, incluindo a violência baseada na orientação sexual e na
identidade/expressão de gênero.

Assim, tem-se de forma sucinta elementos necessários para o setor de


educação enfrentar as questões levantadas enfatizando a necessidade de
políticas escolares com esse viés, inclusive com notificação para pais e
responsáveis acerca de situações de violência, assegurar materiais didáticos
propícios a explanar acerca de orientação sexual, identidade e expressão de
gênero, em conformidade com a faixa etária dos alunos, preparar professores e
funcionários da escola de modo a possibilitar a prevenção de atitudes
discriminatórias e agressivas e saber lidar quando a prática violenta ocorrer,
oferecer suporte para os alunos e familiares e acompanhar a efetividade dos
mecanismos adotados adaptando-os naquilo que se fizer necessário.

Inclusive, o relatório ensina que para o combate da homofobia e da


transfobia se faz necessária uma resposta abrangente, com atitudes do setor da
educação, ao pautar-se na aprendizagem sem violência e com respeito, e da
sociedade em nível nacional, ou seja, necessita do envolvimento de todos os
98

setores com o objetivo comum de desestimular a violência e conviver com as


diferenças de forma pacífica.

Figura 1 – Trazida na página 82 do Relatório da UNESCO de 2017 ao representar uma resposta


abrangente para combater a violência transfóbica e homofóbica.154

Ainda, apresenta alguns mecanismos utilizados em diversos países para


evitar práticas discriminatórias nas escolas, por exemplo, na Suécia o
denominado “Ato de Discriminação de 2009” veda a discriminação por

154
Disponível em: file:///C:/Users/Ana%20Santos/Downloads/jogo-aberto---respostas-do-setor-de-
educacao-a-violencia-com-base-na-orientacao-sexual-e-na-identidade-expressao-de-genero%20(3).pdf.
Acesso em: 07/09/2019.
99

orientação sexual, identidade e expressão de gênero nas escolas obrigando os


estabelecimentos de ensino, em todos os níveis, a tomar atitudes contra a
violência, e, na Nova Zelândia houve a publicação em 2015 pelo Ministério da
Educação de um guia para a educação em sexualidade que trata sobre a
necessidade de existir por parte da escola um antibullyng relacionado ao assédio
por orientação sexual, identidade e expressão de gênero.

Figura 2 – Trazida na página 83 do Relatório da UNESCO de 2017 ao tratar acerca das políticas
escolares que buscam combater a violência homofóbica e transfóbica.155

155
Disponível em: file:///C:/Users/Ana%20Santos/Downloads/jogo-aberto---respostas-do-setor-de-
educacao-a-violencia-com-base-na-orientacao-sexual-e-na-identidade-expressao-de-genero%20(3).pdf.
Acesso em: 07/09/2019.
100

Em seguida traz o último gráfico apresentado com dados acerca da


vivência dos estudantes com observações que vão desde o escutar
manifestações transfóbicas até a existência de pensamentos suicidas dos
alunos. A partir das informações trazidas tem-se que tais situações ocorrem com
mais frequência em escolas que não possuem uma política antibulyng, havendo
uma certa redução em instituições de ensino que possuem a política antibulyng
e tendo uma diminuição considerável da porcentagem em instituições que além
de possuíram uma política antibulyng fazem referência tanto à orientação sexual
como a identidade de gênero.

A implementação de um sistema de ensino inclusivo tem o condão de


transformar, a longo prazo, as estruturas existentes na sociedade ao alterar a
maneira de como as relações humanas devem funcionar, pautando-se no
respeito, na empatia, no amor ao próximo, na compreensão pela situação e pelo
sofrimento alheio, representando uma sociedade plural e rica em sua diversidade
com cidadãos vivendo em harmonia e evitando situações discriminatórias e
excludentes.

Por fim, ressalta-se que ao procurar meios que busquem eliminar a


violência e a discriminação transfóbica se faz necessário escutar esta parcela da
população, ou seja, ouvi-los, saber diretamente por eles quais são as
dificuldades e os obstáculos criados devido à discriminação e à exclusão, quais
as consequência trazidas. E, assim, em conjunto com a parcela da população
diretamente afetada criar mecanismos que possibilitem a mudança com o intuito
de, nas palavras de Paulo Freire, “esta pedagogia deixa de ser do oprimido e
passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação”.156

156
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz & Terra, 2017, p. 57.
101

7. Jurisprudência.

Ainda não houve no Supremo Tribunal Federal debate referente à


necessidade do ensino inclusivo como meio de garantir o acesso ao direito à
educação aos transexuais, todavia ao analisar julgamentos proferidos com
relação aos diferentes grupos minoritários percebe-se a linha de raciocínio
utilizada pela Corte Suprema, ressaltando a reiterada preocupação com a
inclusão e em assegurar direitos pautando-se, mormente, no princípio da
dignidade da pessoa humana e na igualdade material.

Neste ponto vale mencionar que as ações de controle de


constitucionalidade concentrado, cujos legitimados estão dispostos no artigo
103, da Constituição Federal157, são elas a Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a Ação
Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e as Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), sendo tratadas pelas leis nº
9868/99158 e 9882/99159.

Tais ações tratam-se, basicamente, de meio de se contestar diretamente


no Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade de lei ou ato
normativo ou visando à proteção de preceito fundamental, e, assim garantindo a
supremacia da Constituição.

157
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de
constitucionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal
V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
§ 1º O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e
em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.
§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será
dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
§ 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato
normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.
158
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm. Acesso em: 05/10/2019.
159
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm. Acesso em 05/10/2019.
102

Diante disso os efeitos de uma decisão em sede de controle de


constitucionalidade concentrado consistem em ter eficácia erga omnes (contra
todos), ser vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
Administração Pública federal, estadual e municipal, e, em regra ser ex tunc, ou
seja, retroativos, pois o ato que ofende o texto constitucional é nulo desde o seu
nascimento, e, portanto, não está apto a produzir quaisquer efeitos.

Todavia ressalta-se a possibilidade de haver a modulação dos efeitos pelo


Supremo Tribunal Federal no qual, diante da segurança jurídica e do relevante
interesse social, poderá realizar a manipulação temporal dos efeitos da decisão
nos termos do artigo 27, da Lei nº 9868/1999160 e do artigo 11, da Lei nº
9882/1999161.

Desta feita a seguir serão destacadas algumas decisões marcantes do


Supremo Tribunal Federal, bem como trechos dos votos proferidos pelos
Ministros, na busca pela igualdade de direitos e oportunidades, bem como
argumentos que podem ser utilizados por analogia à questão dos transexuais e
o direito à educação mesmo fazendo referência a outros grupos minoritários.

7.1. ADI 4277.

De início tem-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277162


(protocolada como a ADPF nº 178 e recebida como ADI), proposta pela
Procuradoria-Geral da República, a qual foi julgada em conjunto com a Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132163, proposta pelo
Governador do Estado do Rio de Janeiro, por possuírem o objetivo de discutir

160
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu
trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
161
Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de
descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de
outro momento que venha a ser fixado.
162
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635. Acesso em:
23/09/2019.
163
Ressalta-se que tal demanda tem como objeto a situação vivenciada pelas uniões homoafetivas dos
servidores cíveis do Estado do Rio de Janeiro.
103

acerca do reconhecimento da existência de união estável entre pessoas do


mesmo sexo como entidade familiar havendo, o qual acarretaria os direitos e
deveres decorrentes deste enquadramento.

EMENTA: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


(ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE
REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO
HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO.
CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA.
JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ
pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à
Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da
ação.

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA


NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA
ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO
COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO
PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA
DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE
VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O
sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em
sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.
Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal,
por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem
de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do
sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”,
segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está
juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual
como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito
a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à
busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a
proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz
parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da
sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente
tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
104

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA.


RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO
SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA
PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL
E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA.
INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família,
base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à
instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de
núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente
constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares
homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”,
não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária,
celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que,
voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e
a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o
principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a
própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art.
5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente
ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à
formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou
continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação
não-reducionista do conceito de família como instituição que também se
forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal
de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como
categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal
para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu
fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de
preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E


MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO
PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS
HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO
HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE
FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica
homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não
se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais
ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo
105

a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros.


Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da
Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo
do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia
“entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de
hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de
constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do
fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A
Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo.
Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de
um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a
sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos
indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos
homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a
evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na
Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.


Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar
Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de
ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família
constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união
entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar.
Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento
da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.

6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE


COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO
CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO
FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação
em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil,
não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de
“interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em
causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua,
pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família.
106

Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as


mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Antes de ingressar nos votos dos Ministros cabe ressaltar que na ADPF
nº 132 o governo do Estado do Rio de Janeiro alegou que não reconhecer a
união homoafetiva como entidade familiar contraria o direito a igualdade, a
liberdade, a vedação de discriminações odiosas e o princípio da dignidade da
pessoa humana.

O Ministro relator o Sr. Ayres Britto proferiu seu voto destacando a


problemática vivenciada pelos indivíduos que contrariam os padrões impostos
pela sociedade.

Em suma, estamos a lidar com um tipo de dissenso judicial que reflete


o fato histórico de que nada incomoda mais as pessoas do que a
preferência sexual alheia, quando tal preferência já não corresponde
ao padrão social da heterossexualidade.

E, pontuou no sentido de reconhecer a existência de união estável


homoafetiva, diante de interpretação conforme da Carta Magna, desde que
obedecidos os requisitos necessários.

E, desde logo, verbalizo que merecem guarida os pedidos formulados


pelos requerentes de ambas as ações. Pedido de “interpretação
conforme à Constituição” do dispositivo legal impugnado (art. 1.723 do
Código Civil), porquanto nela mesma, Constituição, é que se
encontram as decisivas respostas para o tratamento jurídico a ser
conferido às uniões homoafetivas que se caracterizem por sua
durabilidade, conhecimento do público (não-clandestinidade, portanto)
e continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de constituição
de uma família.

Afirma, ainda, que a Constituição Federal não trata acerca das funções
sexuais das pessoas ou com quem elas devem se relacionar sexualmente,
estando ao livre arbítrio de cada indivíduo (liberdade sexual), apenas distingue
107

a espécie feminina da masculina, assim não permite expressamente e nem


proíbe as relações homoafetivas.
Ressalta-se neste ponto que o texto da Carta Magna também não traz
qualquer imposição acerca da identidade de gênero dos indivíduos, tratando-se
também de algo referente à intimidade de cada um.
Por sua vez o texto constitucional traz a proibição de discriminação em
razão do sexo, o que abrange a sexualidade, e em seu artigo 226164 menciona à
instituição da família, base da sociedade, sem determinar se deve ser integrada
por casais heterossexuais ou homossexuais, ou seja, em nenhum momento a
Constituição limita o reconhecimento de família apenas às uniões heteroafetivas.
Consignado que a nossa Constituição vedou às expressas o
preconceito em razão do sexo e intencionalmente nem obrigou nem
proibiu o concreto uso da sexualidade humana, o que se tem como
resultado dessa conjugada técnica de normação é o reconhecimento
de que tal uso faz parte da autonomia de vontade das pessoas
naturais, constituindo-se em direito subjetivo ou situação jurídica ativa.
Direito potestativo que se perfila ao lado das clássicas liberdades
individuais que se impõem ao respeito do Estado e da sociedade
(liberdade de pensamento, de locomoção, de informação, de trabalho,
de expressão artística, intelectual, científica e de comunicação, etc).

Enfim, embasou seu voto nos direitos à privacidade, à intimidade, à


liberdade, à igualdade, à vedação a discriminação, à segurança jurídica, ao livre

164
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela
mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional
nº 66, de 2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Regulamento
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando
mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
108

desenvolvimento da personalidade e ao princípio da dignidade da pessoa


humana.

Os Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco


Aurélio, Celso de Mello, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia Antunes
Rocha e Ellen Gracie acompanharam o voto do ministro relator Ayres Britto
enfatizando que quanto aos direitos fundamentais o Estado, além de abster-se
de violá-los deve atuar positivamente para proteger seus titulares diante de
ameaças e lesões.

Cabe expor neste momento trecho do voto do ministro Luiz Fux acerca da
instituição familiar.

O que faz uma família é, sobretudo, o amor – não a mera afeição entre
os indivíduos, mas o verdadeiro amor familiar, que estabelece relações
de afeto, assistência e suporte recíprocos entre os integrantes do
grupo. O que faz uma família é a comunhão, a existência de um projeto
coletivo, permanente e duradouro de vida em comum. O que faz uma
família é a identidade, a certeza de seus integrantes quanto à
existência de um vínculo inquebrantável que os une e que os identifica
uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. Presentes
esses três requisitos, tem-se uma família, incidindo, com isso, a
respectiva proteção constitucional.

E, no voto da Ministra Cármen Lúcia o recorte sobre o dever de assegurar


a todos os direitos fundamentais.

Mas é exato que a referência expressa a homem e mulher garante a


eles, às expressas, o reconhecimento da união estável como entidade
familiar, com os consectários jurídicos próprios. Não significa, a meu
ver, contudo, que se não for um homem e uma mulher, a união não
possa vir a ser também fonte de iguais direitos. Bem ao contrário, o
que se extrai dos princípios constitucionais é que todos, homens e
mulheres, qualquer que seja a escolha do seu modo de vida, têm os
seus direitos fundamentais à liberdade, a ser tratado com igualdade em
sua humanidade, ao respeito, à intimidade devidamente garantidos.
109

Também o esclarecido pelo Ministro Gilmar Mendes quanto ao dever de


proteção ao direito à orientação sexual, posto que baseou seu voto
principalmente na proteção dos direitos fundamentais, especificamente com
relação às minorias, não concordando integralmente com os argumentos do
relator.

A orientação sexual e afetiva deve ser considerada como o exercício


de uma liberdade fundamental, de livre desenvolvimento da
personalidade do indivíduo, a qual deve ser protegida, livre de
preconceito ou de qualquer outra forma de discriminação – como a que
poderia se configurar por meio da impossibilidade de reconhecimento
da manifestação de vontade de pessoas do mesmo sexo em se unir
por laços de afetividade, convivência comum e duradoura, bem como
de possíveis efeitos jurídicos daí decorrentes.

O Ministro Ricardo Lewandowski apesar de acompanhar o voto do relator


fez algumas ressalvas no sentido de entender que o texto constitucional dispõe
expressamente que as uniões estáveis devem ser constituídas por pessoas de
sexos diversos, e que há um vácuo normativo referente às relações
homoafetivas, as quais por analogia e enquanto não houver tratamento
legislativo pelo Congresso Nacional sobre a questão deverão receber o mesmo
tratamento das uniões estáveis heteroafetivas.

Por fim o Supremo Tribunal Federal deu procedência as ações para


reconhecer a união estável homoafetiva como entidade familiar, a partir de
interpretação conforme da Constituição Federal excluindo qualquer leitura que
seja contrária a tal decisão referente ao artigo 1.723, do Código Civil 165 e aos
artigos 19, incisos II e V, e 33, ambos do Decreto-Lei nº 220/75166 (Estatuto dos

165
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada
na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
166
Art. 19 - Conceder-se-á licença:
II - por motivo de doença em pessoa da família, com vencimento e vantagens integrais nos primeiros 12 (doze)
meses; e, com dois terços, por outros 12 (doze) meses, no máximo;
V - sem vencimento, para acompanhar o cônjuge eleito para o Congresso Nacional ou mandado servir em
outras localidades se militar, servidor público ou com vínculo empregatício em empresa estadual ou
particular;
Art. 33 - O Poder Executivo disciplinará a previdência e a assistência ao funcionário e à sua família,
compreendendo:
110

Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro), pautando-se, mormente, na


vedação à qualquer tipo de discriminação.

7.2. ADPF 186.

Em outubro de 2014 foi publicado o acórdão referente a Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186167, proposta pelo partido
Democratas, cujo objeto da discussão foi a política de cotas raciais pela
Universidade de Brasília tendo sido julgado improcedente, ante o entendimento
do Supremo Tribunal Federal pela sua constitucionalidade.

A fundamentação da interposição ADPF, basicamente, refere-se a uma


possível violação de preceitos fundamentais do texto constitucional, quais sejam
o princípio republicano, a dignidade da pessoa humana, a vedação à
discriminação, o repúdio ao racismo, a igualdade, a legalidade, o direito à
informação dentro dos órgãos públicos, o devido processo legal, a
proporcionalidade, a legalidade, a impessoalidade, a razoabilidade, a
moralidade, o direito à educação, a autonomia universitária, e, por fim, o princípio
meritocrático.

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL. ATOS QUE INSTITUÍRAM SISTEMA DE RESERVA
DE VAGAS COM BASE EM CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL (COTAS) NO
PROCESSO DE SELEÇÃO PARA INGRESSO EM INSTITUIÇÃO
PÚBLICA DE ENSINO SUPERIOR. ALEGADA OFENSA AOS ARTS.
1º, CAPUT, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II XXXIII, XLI, LIV, 37, CAPUT, 205,

I - salário-família;
II - auxílio-doença;
III - assistência médica, farmacêutica, dentária e hospitalar;
IV - financiamento imobiliário;
V - auxílio-moradia;
VI - auxílio para a educação dos dependentes;
VII - tratamento por acidente em serviço, doença profissional ou internação compulsória para tratamento
psiquiátrico;
VIII - auxílio-funeral, com base no vencimento, remuneração ou provento;
IX - pensão em caso de morte por acidente em serviço ou doença profissional;
X - plano de seguro compulsório para complementação de proventos e pensões.
Parágrafo único - A família do funcionário constitui-se dos dependentes que, necessária e comprovadamente,
vivam a suas expensas.
167
Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693. Acesso
em: 28/09/2019.
111

206, CAPUT, I, 207, CAPUT, E 208, V, TODOS DA CONSTITUIÇÃO


FEDERAL. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.

I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade


material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a
possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho
universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos,
mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que
atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a
estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-
lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas
particulares.

II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos


institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação
puramente formal do princípio da igualdade.

III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a


constitucionalidade das políticas de ação afirmativa.

IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro


histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico- raciais e
sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica
de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais,
isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos
critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do
arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado
brasileiro.

V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em


consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a
assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam
beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos
do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.

VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas


criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e
incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados,
muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes.

VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na


discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção
estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão
112

social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam
converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de
determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um
todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de
qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo,
outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e
os fins perseguidos.

VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada


improcedente.

Dito isso tem-se que, apesar de tratarem-se de minorias distintas a


discussão acerca do princípio da igualdade, da necessidade de ações
afirmativas e de importância de inclusão nas universidades se aproveita no caso
dos transexuais.

Assim, cabe ressaltar que também a Procuradoria Geral da República


manifestou-se pela improcedência desta Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental ao asseverar que a igualdade é uma premissa
constitucional que deve ser perseguida por meio de ações ou políticas públicas
enfatizando com isso a promoção do pluralismo nas instituições de ensino, a
superação de estereótipos negativos, o fortalecimento da autoestima e o
combate ao preconceito, e, então, as cotas seriam um meio de incluir grupo que
historicamente tiveram seus direitos ignorados.

O Ministro Relator Ricardo Lewandowski em seu voto explanou a


distinção entre igualdade formal e material asseverando que a Carta Magna por
buscar a concretização do princípio em apreço impõe que o mesmo seja
observado de forma substancial, ou seja, tanto no aspecto formal como material,
estando, inclusive, de acordo com o conceito de democracia e com a ideia de
justiça social.

Ainda, o Estado deve se mobilizar e agir nesse sentido, por exemplo, por
meio de ação afirmativas nas instituições de ensino que visem à inclusão das
minorias, como é o caso das cotas raciais, uma vez que a questão étnico-racial
113

é um fator de exclusão na sociedade e a medida está em consonância com os


princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Todavia, enfatizou a transitoriedade das ações afirmativas na medida em


que quando os objetivos que deram causa à sua implementação forem
alcançados não há mais razão para sua continuidade, ou seja, tais medidas
pautadas na existência de discriminação apenas deverão perdurar pelo período
em que houver a exclusão.

À toda evidência, não se ateve ele, simplesmente, a proclamar o


princípio da isonomia no plano formal, mas buscou emprestar a
máxima concreção a esse importante postulado, de maneira a
assegurar a igualdade material ou substancial a todos os brasileiros e
estrangeiros que vivem no País, levando em consideração – é claro -
a diferença que os distingue por razões naturais, culturais, sociais,
econômicas ou até mesmo acidentais, além de atentar, de modo
especial, para a desequiparação ocorrente no mundo dos fatos entre
os distintos grupos sociais.

Para possibilitar que a igualdade material entre as pessoas seja levada


a efeito, o Estado pode lançar mão seja de políticas de cunho
universalista, que abrangem um número indeterminado de indivíduos,
mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que
atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a
estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-
lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas
particulares.

O Ministro relator ainda ressaltou a importância da representatividade


gerada por meio da implementação de ações afirmativas, visto que a partir da
ocupação de posições de destaque por pessoas negras as demais iriam projetar-
se de modo a ampliar as suas possibilidades de planos e metas futuras, no qual
ele denomina como “importante componente psicológico multiplicador da
inclusão social nessas políticas”.

E, destaca que atualmente diante da exclusão vivenciada esse


“componente psicológico multiplicador” é aplicado de forma contrária
114

responsável por ocasionar a falta de perspectiva nessa parcela da população,


que funciona como uma barreira psicológica limitadora de seus potenciais e a
perpetuação de um pensamento de inferioridade, fatores estes que apenas
contribuem para a respectiva exclusão.

Também, o Ministro ressalta a importância de um papel integrador das


universidades de modo à incluir o outro e desmistificar preconceitos promovendo
a convivência e a “construção de uma consciência coletiva plural e culturalmente
heterogênea”.

Diante de todo o contexto trazido no presente trabalho é cristalino que a


importância da representatividade e a necessidade do papel integrador nas
universidades, além da população negra também se aplica ao caso dos
transexuais.

Os Ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Marco Aurélio, Joaquim Barbosa,


Cezar Peluso, Ayres Britto e Rosa Weber acompanharam o voto do relator,
sendo que a última destacou que igualdade e liberdade andam de mãos dadas,
uma vez que uma é necessária para a existência da outra.

O Ministro Luiz Fux ainda explanou que estatísticas comprovam que os


negros estão em situação de desvantagem perante os brancos ressaltando o
campo da escolaridade, da disparidade econômica-social e a maneira como são
vistos no contexto social, sendo essencial a implementação de ações afirmativas
na busca por uma igualdade material, respeito aos demais objetivos
constitucionais, e, também, de modo a evitar que o ambiente universitário
represente local elitista e segregacionista.

O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, chamou atenção para a existência
de outros critérios que devem ser levados em conta quando da política de cotas,
por exemplo o aspecto econômico, e, ainda citou a dificuldade em classificar e
designar quem se enquadraria como branco ou como negro, todavia enfatizou a
necessidade de ações afirmativas de inclusão social concluindo seu voto pela
improcedência da ADPF.
Cumpre neste ponto ressaltar a definição de discriminação trazida pelo
Ministro Ayres Britto, a qual deve ser combatida.
115

E quanto ao conceito de discriminação, eu volto a dizer: discriminação,


para nossa Lei Maior, é diferenciação, mas diferenciação em um único
e inequívoco sentido. Aquele tipo de diferenciação que marca ou isola
negativamente certas pessoas, que diminui a autoestima delas, que faz
incidir sobre elas um juízo depreciativo aprioristicamente formulado,
porque traduzido num pré-conceito, num conceito prévio que se
pretende impor à realidade. Em outras palavras, discriminar ou pré-
conceitualizar é conferir a uma dada pessoa um tratamento
humilhantemente desigual, nela introjetando um sentimento de inata
hipossuficiência; é dizer, forçando-a a entretecer de modo menos
obsequioso, quando não grosseiro de todo, ou até ostensivamente
indigno, as chamadas relações sociais de base.

Posto isso tem-se o posicionamento claro dos Ministros do Supremo


Tribunal Federal em buscar a concretização do princípio da igualdade não só em
seu aspecto formal, mas também material, implementando, para tanto, ações
afirmativas que visem à inclusão e busquem o fim do tratamento discriminatório
de grupos minoritários.

7.3. ADI 5357.

Um marco importante com relação ao ensino inclusivo foi a Ação Direta


de Inconstitucionalidade nº 5357168, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, o
qual em junho de 2016 indeferiu a medida cautelar pleiteada, bem como julgou
o mérito decidindo por sua improcedência, assim tanto as escolas públicas como
as privadas devem se curvar ao ensino inclusivo.

Tal demanda foi ajuizada pela Confederação Nacional dos


Estabelecimentos de Ensino (Confenen) em agosto de 2015 e visava,
basicamente, à declaração de inconstitucionalidade de dois artigos do Estatuto
da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), quais sejam o 28, §1º169 e o

168
Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf
?seqobjetoincidente=4818214. Acesso em: 26/jun/2019.
169
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e
avaliar:
116

30170, caput, ante a presença da palavra “privadas”, uma vez que a confederação
em questão defende ser inconstitucional determinar que as escolas particulares
devam receber todo e qualquer portador de deficiência, excluindo também a
possibilidade de cobrança de valores extras, por não possuir estrutura para tanto
e nem capacidade financeira, ou seja, alegam que os artigos citados traduzem
uma imposição à iniciativa privada de encargos e custos que são de
responsabilidade exclusiva do Estado.

Desta feita a procedência da demanda possibilitaria aos estabelecimentos


de ensino se recusarem a realizar matrícula de alunos portadores de
necessidades especiais, bem como a cobrança de valores adicionais seja em
matrícula, mensalidade ou anuidade.

Todavia como dito anteriormente houve a improcedência da demanda,


cujo relator foi o Ministro Edson Fachin, entendendo pela constitucionalidade dos
referidos artigos da lei. De tal modo, as escolas particulares devem, assim como
os estabelecimentos públicos, respeitar e observar todas as determinações,
direitos e deveres que envolvem o direito à educação, pautando-se em princípios
e normas internas e externas, a fim de promover a inclusão de pessoas
portadoras de deficiência nas escolas, devendo as mesmas promover as
adaptações que se fizerem necessárias sem o repasse de qualquer custo
adicional.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA


CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO
INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR.
CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.146/2015 (arts. 28, § 1º e 30,
caput, da Lei nº 13.146/2015).

§ 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto


nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a
cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no
cumprimento dessas determinações.
170
Art. 30. Nos processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de
ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as
seguintes medidas:
117

1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com


Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de
uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana.

2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da


República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é
realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim imperativo
que se põe mediante regra explícita.

3. Nessa toada, a Constituição da República prevê em diversos


dispositivos a proteção da pessoa com deficiência, conforme se verifica
nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203,
IV e V, 208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244.

4. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O


respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao princípio da
igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente
em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio.
Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso
igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa
de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação
concreta.

5. O enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência


cotidiana, privando-nos da estupefação diante do que se coloca como
novo, como diferente.

6. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário


acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa
e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).

7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de


acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao
exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as
particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas
as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação
possui e que são densificadas em seu Capítulo IV.

8. Medida cautelar indeferida.


118

9. Conversão do julgamento do referendo do indeferimento da cautelar,


por unanimidade, em julgamento definitivo de mérito, julgando, por
maioria e nos termos do Voto do Min. Relator Edson Fachin,
improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.

Tal decisão possui um impacto positivo no que concerne aos portadores


de deficiência com relação ao ensino inclusivo, devendo ser utilizada por
analogia para o caso dos transexuais, sendo imperioso para tanto o destaque de
alguns pontos dos votos dos ministros para elucidar a problemática, a
importância, a necessidade e a finalidade da existência de um sistema inclusivo
com relação ao direito à educação.

Ressalta-se, todavia, que os portadores de deficiência representam uma


minoria enquanto os transexuais retratam outro grupo minoritário, mas apesar
de pertencerem a grupos distintos e com necessidades diversas há argumentos
que se encaixam para ambos, como visto a seguir.

Desta feita inicia-se pelo voto do relator o Ministro Edson Fachin, o qual
ressalta a importância da inclusão em uma sociedade pluralista, sendo dever da
escolar prezar pela convivência no sentido geral, inclusive com o diferente, ao
invés de segregar, e expõe acerca da necessidade de mecanismos que
propiciem a concretização do princípio da igualdade, sendo devido tanto nas
escolas públicas quanto nas particulares.

Assim a construção de uma sociedade democrática que respeite o


disposto no artigo 3º, da Constituição Federal, ou seja, que promova o bem de
todos sem qualquer forma de preconceito e discriminação, necessita da
convivência com o diferente e, consequentemente, o seu devido acolhimento
partindo das suas necessidades. Ainda, afirma que o ensino inclusivo foi
incorporado à Constituição Federal vigente como regra.

Explico: essa atuação não apenas diz respeito à inclusão das pessoas
com deficiência, mas também, em perspectiva inversa, refere-se ao
direito de todos os demais cidadãos ao acesso a uma arena
democrática plural. A pluralidade - de pessoas, credos, ideologias, etc.
119

- é elemento essencial da democracia e da vida democrática em


comunidade.

Os Ministros Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki acompanharam o


voto do relator enfatizando a necessidade da inclusão e a importância da
convivência, a qual representa uma oportunidade para todos os alunos na
medida em que apresenta uma “lição fundamental de humanidade” ao inseri-los
em um ambiente sem exclusão e discriminação.

A Ministra Rosa Weber, por sua vez, ao acompanhar o voto do relator


ressaltou a possibilidade da falta de convivência com o diferente ser responsável
pela existência do sentimento de ódio e de intolerância que geram uma
sociedade preconceituosa e excludente, sendo, portanto, necessária a interação
entre todos não havendo qualquer obstrução acerca da participação social.

Tenho uma declaração de voto escrita, vou juntá-la aos autos, Senhor
Presidente, mas gostaria aqui, ao afirmar meu voto no sentido e na
mesma linha do proferido pelo eminente Relator, apenas de destacar
uma compreensão pessoal de que muitas das mazelas que hoje
estamos enfrentando, e de que a nossa sociedade tem se ressentido,
no sentido de intolerância, de ódio, de competição, de desrespeito, de
sentimento de superioridade em relação ao outro - como diz o Ministro
Fachin, um legítimo estrangeiro diante de nós -, talvez deitem raízes
no fato de nós, a nossa geração, não ter tido a oportunidade, quem
sabe, de participar da construção diária de uma sociedade inclusiva e
acolhedora, em que valorizada a diversidade, em que as diferenças
sejam vistas como inerentes a todos os seres humanos, a tornar a
deficiência um mero detalhe na nossa humanidade. É essa sociedade
que seria capaz - e que queremos -, de se tornar livre, justa, solidaria
e promotora do bem de todos, sem qualquer discriminação, em
verdadeira reverência ao art. 3º, nos seus incisos I e IV, da nossa
Constituição Federal.

Ainda, destaca um interessante trecho de 2004 da cartilha do Ministério


Público Federal, denominada “O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas
120

e Classes Comuns da Rede Regular” e que busca tratar do ensino inclusivo para
alunos com deficiência no ensino regular.

A educação inclusiva garante o cumprimento do direito constitucional


indisponível de qualquer criança de acesso ao Ensino Fundamental, já
que pressupõe uma organização pedagógica das escolas e práticas de
ensino que atendam às diferenças entre os alunos, sem discriminações
indevidas, beneficiando a todos com o convívio e crescimento na
diversidade.

O Ministro Luiz Fux ressalta o objetivo de criar uma nação justa e solidária
trazido no preâmbulo da Carta Magna, o qual tem como cerne o princípio da
dignidade da pessoa humana, sendo preciso, para tanto, a implementação do
ensino inclusivo.

Então, na verdade, o Direito brasileiro basicamente tem dois vetores


importantes: a prevalência dos direitos humanos e a dignidade da
pessoa humana que são, digamos assim, axiomas incompatíveis com
a ideia de preconceito.

Eu verifico, nos estudos que foram apresentados, que há hoje uma


propensão do Estado brasileiro de formar profissionais para apoiar as
escolas inclusivas e também programas e políticas públicas sociais
para sensibilizar a convivência escolar para que as crianças possam
desde cedo conviver com as diferenças, que, como a Ministra Rosa
destacou, é algo que pertence ao mundo pós-moderno. Nós não fomos
acostumados com isso, mas temos de nos acostumar.

Também, a Ministra Cármen Lúcia ao proferir seu voto concordando com


a necessidade de aplicação do ensino inclusivo nas escolas públicas e
particulares e salientando que “todas as formas de preconceito são doenças que
precisam ser curadas”.

Enfim, ao se deparar com as bases e fundamentos utilizados nos votos


dos ministros a respeito do ensino inclusivo nota-se que, apesar da demanda em
questão ter sido voltada especificamente para o caso dos portadores de
121

deficiência, ele também deve ser aplicado aos indivíduos transexuais, os quais
representam uma minoria que tem seu direito à educação afrontado diante da
discriminação e do preconceito existente, necessitando da implementação de
medidas e instrumentos que possibilitem sua inserção em diversos âmbitos,
assim como ocorre com os portadores de deficiências.

Neste trabalho ressalta-se a educação por representar a base para a


construção e desenvolvimento do cidadão, sendo que sua concretização é
fundamental para minimizar a vulnerabilidade existente dessa parcela da
população e garantir a igualdade de oportunidades.

7.4. ADO 26.

Em junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de


Inconstitucionalidade por Omissão nº 26171, de modo a enquadrar a homofobia e
a transfobia como “racismo social”, observando as diretrizes da Lei nº
7.716/89172, até o Congresso Nacional editar lei que trate sobre tal matéria.

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR


OMISSÃO – EXPOSIÇÃO E SUJEIÇÃO DOS HOMOSSEXUAIS,
TRANSGÊNEROS E DEMAIS INTEGRANTES DA COMUNIDADE
LGBTI+ A GRAVES OFENSAS AOS SEUS DIREITOS
FUNDAMENTAIS EM DECORRÊNCIA DE SUPERAÇÃO
IRRAZOÁVEL DO LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO À
IMPLEMENTAÇÃO DOS MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE
CRIMINALIZAÇÃO INSTITUÍDOS PELO TEXTO CONSTITUCIONAL
(CF, art. 5º, incisos XLI e XLII) – A AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO COMO INSTRUMENTO
DE CONCRETIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS
FRUSTRADAS, EM SUA EFICÁCIA, POR INJUSTIFICÁVEL INÉRCIA
DO PODER PÚBLICO – A SITUAÇÃO DE INÉRCIA DO ESTADO EM
RELAÇÃO À EDIÇÃO DE DIPLOMAS LEGISLATIVOS
NECESSÁRIOS À PUNIÇÃO DOS ATOS DE DISCRIMINAÇÃO
PRATICADOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU DA

171
Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26ementaassinada.pdf.
Acesso em: 21/10/2019.
172
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm. Acesso em: 28/out/2019.
122

IDENTIDADE DE GÊNERO DA VÍTIMA – A QUESTÃO DA


“IDEOLOGIA DE GÊNERO” – SOLUÇÕES POSSÍVEIS PARA A
COLMATAÇÃO DO ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL: (A)
CIENTIFICAÇÃO AO CONGRESSO NACIONAL QUANTO AO SEU
ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL E (B) ENQUADRAMENTO
IMEDIATO DAS PRÁTICAS DE HOMOFOBIA E DE TRANSFOBIA,
MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME (QUE NÃO SE
CONFUNDE COM EXEGESE FUNDADA EM ANALOGIA “IN MALAM
PARTEM”), NO CONCEITO DE RACISMO PREVISTO NA LEI Nº
7.716/89 – INVIABILIDADE DA FORMULAÇÃO, EM SEDE DE
PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE, DE PEDIDO DE ÍNDOLE
CONDENATÓRIA FUNDADO EM ALEGADA RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO, EIS QUE, EM AÇÕES CONSTITUCIONAIS DE
PERFIL OBJETIVO, NÃO SE DISCUTEM SITUAÇÕES INDIVIDUAIS
OU INTERESSES SUBJETIVOS – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICO-
CONSTITUCIONAL DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
MEDIANTE PROVIMENTO JURISDICIONAL, TIPIFICAR DELITOS E
COMINAR SANÇÕES DE DIREITO PENAL, EIS QUE REFERIDOS
TEMAS SUBMETEM-SE À CLÁUSULA DE RESERVA
CONSTITUCIONAL DE LEI EM SENTIDO FORMAL (CF, art. 5º, inciso
XXXIX) – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS REGISTROS
HISTÓRICOS E DAS PRÁTICAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS
QUE REVELAM O TRATAMENTO PRECONCEITUOSO,
EXCLUDENTE E DISCRIMINATÓRIO QUE TEM SIDO DISPENSADO
À VIVÊNCIA HOMOERÓTICA EM NOSSO PAÍS: “O AMOR QUE NÃO
OUSA DIZER O SEU NOME” (LORD ALFRED DOUGLAS, DO
POEMA “TWO LOVES”, PUBLICADO EM “THE CHAMELEON”, 1894,
VERSO ERRONEAMENTE ATRIBUÍDO A OSCAR WILDE) – A
VIOLÊNCIA CONTRA INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTI+ OU
“A BANALIDADE DO MAL HOMOFÓBICO E TRANSFÓBICO”
(PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI): UMA INACEITÁVEL (E
CRUEL) REALIDADE CONTEMPORÂNEA – O PODER JUDICIÁRIO,
EM SUA ATIVIDADE HERMENÊUTICA, HÁ DE TORNAR EFETIVA A
REAÇÃO DO ESTADO NA PREVENÇÃO E REPRESSÃO AOS ATOS
DE PRECONCEITO OU DE DISCRIMINAÇÃO PRATICADOS
CONTRA PESSOAS INTEGRANTES DE GRUPOS SOCIAIS
VULNERÁVEIS – A QUESTÃO DA INTOLERÂNCIA, NOTADAMENTE
QUANDO DIRIGIDA CONTRA A COMUNIDADE LGBTI+: A
INADMISSIBILIDADE DO DISCURSO DE ÓDIO (CONVENÇÃO
123

AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, ARTIGO 13, § 5º) – A


NOÇÃO DE TOLERÂNCIA COMO A HARMONIA NA DIFERENÇA E
O RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS PESSOAS E PELA
MULTICULTURALIDADE DOS POVOS – LIBERDADE RELIGIOSA E
REPULSA À HOMOTRANSFOBIA: CONVÍVIO
CONSTITUCIONALMENTE HARMONIOSO ENTRE O DEVER
ESTATAL DE REPRIMIR PRÁTICAS ILÍCITAS CONTRA MEMBROS
INTEGRANTES DO GRUPO LGBTI+ E A LIBERDADE
FUNDAMENTAL DE PROFESSAR, OU NÃO, QUALQUER FÉ
RELIGIOSA, DE PROCLAMAR E DE VIVER SEGUNDO SEUS
PRINCÍPIOS, DE CELEBRAR O CULTO E CONCERNENTES RITOS
LITÚRGICOS E DE PRATICAR O PROSELITISMO (ADI 2.566/DF,
Red. p/ o acórdão Min. EDSON FACHIN), SEM QUAISQUER
RESTRIÇÕES OU INDEVIDAS INTERFERÊNCIAS DO PODER
PÚBLICO – REPÚBLICA E LAICIDADE ESTATAL: A QUESTÃO DA
NEUTRALIDADE AXIOLÓGICA DO PODER PÚBLICO EM MATÉRIA
RELIGIOSA – O CARÁTER HISTÓRICO DO DECRETO Nº 119-A, DE
07/01/1890, EDITADO PELO GOVERNO PROVISÓRIO DA
REPÚBLICA, QUE APROVOU PROJETO ELABORADO POR RUY
BARBOSA E POR DEMÉTRIO NUNES RIBEIRO – DEMOCRACIA
CONSTITUCIONAL, PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS E
FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NO EXERCÍCIO DE SUA JURISDIÇÃO
CONSTITUCIONAL – A BUSCA DA FELICIDADE COMO
DERIVAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITA DO PRINCÍPIO
FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – UMA
OBSERVAÇÃO FINAL: O SIGNIFICADO DA DEFESA DA
CONSTITUIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
CONHECIDA, EM PARTE, E, NESSA EXTENSÃO, JULGADA
PROCEDENTE, COM EFICÁCIA GERAL E EFEITO VINCULANTE –
APROVAÇÃO, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, DAS TESES PROPOSTAS PELO RELATOR, MINISTRO
CELSO DE MELLO.

O Ministro relator Celso de Mello destaca em seu voto que tanto as


práticas homofóbicas quanto as transfóbicas representam atos passíveis de
124

repreensão penal e, em observância aos incisos XLI173 e XLII174, do artigo 5º, da


Constituição Federal, devem ser punidos, inclusive por implicarem em condutas
de racismo em seu viés social (aversão odiosa à identidade de gênero ou
orientação sexual).

Desta feita ressalta que todos nascem iguais não podendo, principalmente
em um regime democrático, serem privados ou sofrerem quaisquer restrições
em seus direitos devido a identidade de gênero ou a orientação sexual, assim é
imperioso o respeito às liberdades fundamentais, bem como a busca em
assegurar a cidadania plena.

Em seguida explica que a definição de racismo não se resume apenas ao


fenótipo, mas representa a criação de uma justificativa que possibilite a
desigualdade viabilizando a dominação de grupo majoritário sobre minorias
vulneráveis e, por conseguinte, resulte em exclusão, inferiorização e afronta de
direitos.

O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-


se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois
resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole
histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e
destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação
social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade
daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não
pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma
dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes,
degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico,
expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa
estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema
geral de proteção do direito.

Ainda traz o termo tolerância no sentido de respeitar a diversidade e a


multiculturalidade, valores essenciais em um Estado Democrático de Direito, e

173
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
174
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei;
125

elucida que o fato de haver repressão penal a prática da homotransfobia não


limita o direito ao exercício de liberdade religiosa, uma vez que este é
assegurado constitucionalmente.

Apenas faz ressalva acerca da impossibilidade de ocorrerem discursos de


ódio que possam incitar a discriminação e a violência contra os demais devido a
identidade de gênero ou a orientação sexual, utilizando-se o argumento de
manifestação religiosa ou liberdade de expressão

O discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações e


manifestações que incitem a discriminação, que estimulem a
hostilidade ou que provoquem a violência (física ou moral) contra
pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de
gênero, não encontra amparo na liberdade constitucional de expressão
nem na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 13, § 5º),
que expressamente o repele.

E, desta feita, diante da inércia do Poder Público que ofende o texto da


Carta Magna ao não tratar acerca de medidas que visem assegurar e concretizar
direitos de minorias claramente expostas a situações de vulnerabilidade é
legítimo por parte do Supremo Tribuna Federal agir de modo a buscar a proteção
aos princípios, direitos e garantias constitucionais. Deste modo é possível
desrespeitar a Constituição Federal tanto por meio de ação estatal quanto pela
inércia governamental.

Impende enfatizar, bem por isso, que as omissões inconstitucionais


dos Poderes do Estado, notadamente do Legislativo, não podem ser
toleradas, eis que o desprestígio da Constituição – resultante da inércia
de órgãos meramente constituídos – representa um dos mais
tormentosos aspectos do processo de desvalorização funcional da Lei
Fundamental da República, ao mesmo tempo em que estimula,
gravemente, a erosão da consciência constitucional, evidenciando,
desse modo, o inaceitável desprezo dos direitos básicos e das
liberdades públicas pelo aparelho estatal.
126

Interessante pontuar que o relator também enfatiza que o gênero e a


orientação sexual constituem a essência e a própria identidade do indivíduo, ou
seja, é parte integrante de sua personalidade, e, mesmo se tratando de aspecto
fundamental não há proteção estatal nesse sentido para a parcela da população
que não se enquadra na maioria, inclusive chama atenção para o termo
“ideologia de gênero”, o qual atrela-se a atos intolerantes e discriminatórios de
cunho homofóbico e transfóbico.

Não obstante as questões de gênero envolvam, inegavelmente,


aspectos fundamentais relacionados à liberdade existencial e à
dignidade humana, ainda assim integrantes da comunidade LGBT
acham-se expostos, por ausência de adequada proteção estatal,
especialmente em razão da controvérsia gerada pela denominada
“ideologia de gênero”, a ações de caráter segregacionista,
impregnadas de inequívoca coloração homofóbica, que visam a limitar,
quando não a suprimir, prerrogativas essenciais de gays, lésbicas,
bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, entre outros,
culminando, até mesmo, em algumas situações, por tratá-los,
absurdamente, a despeito de sua inalienável condição de pessoas
investidas de dignidade e de direitos, como indivíduos destituídos de
respeito e consideração, degradados ao nível de quem sequer tem
direito a ter direitos, posto que se lhes nega, mediante discursos
autoritários e excludentes, o reconhecimento da legitimidade de sua
própria existência.
Para esse fim, determinados grupos políticos e sociais, inclusive
confessionais, motivados por profundo preconceito, vêm estimulando
o desprezo, promovendo o repúdio e disseminando o ódio contra a
comunidade LGBT, recusando-se a admitir, até mesmo, as noções de
gênero e de orientação sexual como aspectos inerentes à condição
humana, buscando embaraçar, quando não impedir, o debate público
em torno da transsexualidade e da homossexualidade, por meio da
arbitrária desqualificação dos estudos e da inconcebível negação da
consciência de gênero, reduzindo-os à condição subalterna de mera
teoria social (a denominada “ideologia de gênero”), tal como denuncia
o Advogado e Professor PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI, em
substanciosa obra sobre o tema, de cujo teor extraio o seguinte
fragmento (“Constituição Dirigente e Concretização Judicial das
Imposições Constitucionais do Legislativo”, p. 441, item n. 1, 2019,
Pessotto):
127

“Veja-se a que ponto chega a ideologia de gênero heteronormativa e


cisnormativa, ao impor a heterossexualidade e a cisgeneridade
compulsórias: quer tornar obrigatórios verdadeiros estereótipos de
gênero, decorrentes das normas de gênero socialmente hegemônicas,
que impõem um tipo específico de masculinidade, absolutamente
incompatível com as condutas afetivas entre homens, como se isso
fosse um traço específico apenas da feminilidade, que exige das
mulheres condutas bem sintetizadas na expressão bela, recatada e do
lar. Versões tóxicas da masculinidade e da feminilidade que acabam
gerando agressões a quem ‘ousa’ delas se distanciar, no exercício de
seu direito fundamental e humano ao livre desenvolvimento da
personalidade. Ou seja, sob o espantalho moral criado por
fundamentalistas religiosos e reacionários morais em geral,
relativamente à chamada ideologia de gênero (sic), para com isso
designarem a defesa de algo distinto da heteronormatividade e da
cisnormatividade, ou seja, da normalidade social e naturalidade das
identidades não-heterossexuais e não-cisgêneras, bem como o dever
de igual respeito e consideração às minorias sexuais e de gênero (as
pessoas não-heterossexuais e não-cisgêneras, que se configuram
como as ‘maiorias sexuais’, no sentido do grupo socialmente e
culturalmente hegemônico na sociedade), cabe destacar que, se algo
aqui é ‘ideológico’, no sentido pejorativo (…) de algo contrário à
realidade objetiva, é a tese que defende que as pessoas ‘nascem’
heterossexuais e cisgêneras e que, por opção sexual (sic),
posteriormente, passam a ‘escolher alguma identidade sexual não-
heterossexual ou identidade de gênero transgênera.”

Assim, deixa claro que esse pensamento ultrapassado ao estabelecer um


padrão heteronormativo a ser seguido impõe restrições às liberdades
fundamentais que são incompatíveis com a diversidade e o pluralismo,
elementos essenciais em uma democracia.

Enfim, privar alguém de viver de acordo com sua identidade de gênero ou


seguir com sua orientação sexual significa impedi-lo de usufruir de seus direitos
fundamentais, de possuir autonomia sobre sua própria existência e
personalidade.
128

À luz das razões expostas tal Ação Direta de Inconstitucionalidade por


Omissão foi julgado por unanimidade procedente para reconhecer a mora
inconstitucional do Congresso Nacional em atuar de modo a garantir a proteção
penal dos integrantes do grupo LGBTI+175, declarar a existência de omissão
normativa inconstitucional, cientificar o Congresso Nacional para tomar as
providências necessárias, e, por fim, diante da interpretação conforme à
Constituição enquadrar a homofobia e a transfobia nos tipos penais definidos
pela Lei nº 7.716/1989, sendo seus efeitos aplicados a partir do julgamento em
questão, de modo a qualifica-las como espécies do gênero racismo por
inferiorizarem e segregarem indivíduos por sua identidade de gênero ou
orientação sexual, ofendendo direitos e liberdades fundamentais, até que seja
editada legislação autônoma.

175
Nessa sigla estão inclusos lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros (abrangendo transexuais e travestis),
queer (não se definem como homem ou mulher), intersexo (biologicamente não se enquadram no binário
sexo feminino ou masculino), assexuais (pessoas que não sentem, ou de forma muito rara, atração sexual) e
pan (sentem atração independente do gênero).
129

8. Papel do Estado como garantidor do direito à educação aos


transexuais.

Conforme outrora explanado o direito à educação por pertencer a segunda


dimensão dos direitos humanos exige uma prestação positiva por parte do Estado
visando a sua concretização, sendo que tal necessidade se torna acentuada ao se
tratar de grupos vulneráveis, de minorias, como é o caso dos transexuais, uma vez
que frequentemente são marginalizados e têm seus direitos fundamentais
afrontados.

Pelo escopo do trabalho apresentado cabe tratar apenas da ofensa ao direito


fundamental à educação dos transexuais.

Diante disso deve-se avaliar as formas e os mecanismos que o Estado


brasileiro detém para tanto e aqueles já utilizados no âmbito do direito à educação,
ou seja, verificar políticas públicas que poderiam e que são utilizadas de forma
estratégica para combater qualquer forma de discriminação e de intolerância
tornando possível a inserção social a partir da igualdade de oportunidades.

8.1. Ações afirmativas

As ações afirmativas são instrumentos utilizados no mundo inteiro no


combate à discriminação, uma vez que a aplicação do princípio da igualdade
apenas em seu sentido formal não é suficiente para a efetiva concretização de seu
conteúdo, não basta proibir a desigualdade para criar a igualdade de
oportunidades.

De acordo com os ensinamentos das Ministra do Supremo Tribunal Federal


Cármen Lúcia Antunes Rocha os Estados Unidos da América foi o país pioneiro a
desenvolver as ações afirmativas.

Quanto ao princípio constitucional da igualdade jurídica, que desde os


primeiros momentos do Estado Moderno foi formalizado como direito
fundamental, indagava o Presidente Lyndon B. Johnson, em 4 de junho
de 1965, na Howard University, se todos ali eram livres para competir com
os demais membros da mesma sociedade em igualdade de condições.
130

Coube, então, a partir daquele momento, àquela autoridade norte-


americana inflamar o movimento que ficou conhecido e foi,
posteriormente, adotado, especialmente pela Suprema Corte norte-
americana, como a affirmative action, que comprometeu organizações
públicas e privadas numa nova prática do princípio constitucional da
igualdade no Direito. A expressão ação afirmativa, utilizada pela primeira
vez numa ordem executiva federal norte-americana do mesmo ano de
1965, passou a significar, desde então, a exigência de favorecimento de
algumas minorias socialmente inferiorizadas, vale dizer, juridicamente
desigualadas, por preconceitos arraigados culturalmente e que
precisavam ser superados para que se atingisse a eficácia da igualdade
preconizada e assegurada constitucionalmente na principiologia dos
direitos fundamentais. Naquela ordem se determinava que as empresas
empreiteiras contratadas pelas entidades públicas ficavam obrigadas a
uma “ação afirmativa” para aumentar a contratação dos grupos ditos das
minorias, desigualados social e, por extensão, juridicamente.176

Além do aspecto passivo é necessário um conceito dinâmico e ativo acerca


do princípio da igualdade, sendo necessário observar tanto a norma constitucional
formalizada quanto à experiência histórica e social de sua aplicação de modo a
buscar a realização dos objetivos da República federativa brasileira dispostos
constitucionalmente ao observar quais os fatores discriminatórios (fator de
discrímen) devem ser utilizados para a criação das ações afirmativas 177.

Ressalta-se que o princípio da igualdade, de acordo com a classificação de


José Afonso da Silva178, trata-se de norma constitucional de princípio programático,
ou seja, representa diretriz política que deve ser seguida por todos os órgãos
legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos para atender as finalidades
do Estado estipuladas pela Carta Magna.

176
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação afirmativa. O conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Página 3. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176462/000512670.pdf?sequence=3. Acesso em:
09/jul/2019.
177
Para tanto devem ser utilizadas as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello aludidas no capítulo 4.2. do
presente trabalho.
178
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p.
178/179.
131

Também importa destacar que as ações afirmativas, assim como todos os


atos, deverão passar pelo controle de constitucionalidade para verificar, tanto em
seu aspecto formal quanto material, se estão em consonância com a Constituição
Federal.

Assim, através da implementação de políticas promocionais que favorecem


grupos vulneráveis, como a população transexual, busca-se alcançar a igualdade
material de forma acelerada, a qual deve ser acompanhada de proibições
legislativas acerca de tratamentos discriminatórios e excludentes (legislação
repressiva), e, desta feita tentar sanar as distorções sociais existentes e possibilitar
a participação de tais grupos em todos os setores da sociedade de forma equitativa
e justa, assegurando a diversidade e a pluralidade, elementos essenciais em uma
democracia.

Neste ponto vale ressaltar a afirmação da Ministra Cármen Lúcia que


consiste em “a ação afirmativa constitui, pois, o conteúdo próprio e essencial do
princípio da igualdade jurídica tal como pensado e aplicado, democraticamente, no
Direito Constitucional Contemporâneo”179.

No campo da educação Paulo Freire critica o que ele denomina como uma
“concepção bancária da educação” no qual ao invés de priorizar a força
transformadora que o sistema educacional pode proporcionar tem-se a relação de
educador-educandos como uma narrativa na qual se busca a memorização de um
conteúdo de forma mecânica, assim o alunos seriam vasilhas a serem preenchidas
pelos educadores.

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que


os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e
repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única
margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os
depósitos, guarda-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores
ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes
arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada

179
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação afirmativa. O conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Página 13. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176462/000512670.pdf?sequence=3. Acesso em:
09/jul/2019.
132

concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca,


fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se
arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há
criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na
invenção, a reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que
os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca
esperançosa também.180

Então uma medida importante para ser aplicada nesse âmbito é a figura do
“professor mediador”, surgida na década de setenta com a ideia da “pedagogia
progressiva”, o qual condiz com uma postura do docente que procure incentivar e
facilitar o aprendizado com o intuito de formar cidadãos com o espírito participativo,
onde todos possam se expressar, e que busquem o conhecimento como meio de
melhorar a sociedade, instigar o aluno a ter vontade de aprender e assim contribuir
para a construção pessoal e crítica do conhecimento de cada indivíduo.

A partir dessa abertura de diálogo entre alunos e professores a troca de


experiências será facilitada resultando em um acolhimento capaz de promover a
integração de todos e o respeito, gerando aprendizados e vivências que
transcendem o conhecimento referente ao ensino formal e são fundamentais para
a convivência harmoniosa em sociedade, ou seja, como concluiu Paulo Freire os
homens se educam entre si, em comunhão181. Então ao orientar os alunos na
construção e no desenvolvimento de seus conhecimentos o “professor mediador”
facilitará a resolução de possíveis conflitos.

Também nesse ponto é importante observar os dizeres do Relatório da


Unesco trazido no capítulo anterior, uma vez que trata acerca da necessidade de
oferecer um treinamento próprio a todos os funcionários do setor da educação,
inclusive professores, possibilitando-os a tomar atitudes que visem à prevenção de
práticas violentas e discriminatórias e como agir após a ocorrência destas
situações.

180
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz & Terra, 2017, págs. 80/81.
181
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz & Terra, 2017, págs. 95/101.
133

Por fim cabe mencionar que apesar de não existir lei federal que regule cotas
para transexuais algumas universidades estabelecem tais políticas afirmativas
como a Universidade Estadual da Bahia (Uesb), a Universidade Federal do Sul da
Bahia (UFSB), a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade Estadual
do Mato Grosso do Sul (UEMS) e a Universidade do ABC Paulista (UFABC).
Também há instituições federais que adotam o sistema de cotas para transexuais
em seus programas de pós graduação.182

8.2. Programa Transcidadania.

O Decreto nº 55.874 promulgado em 29 de janeiro de 2015183 instituiu o


denominado “Programa Transcidadania”, o qual, embasando-se nos direitos
humanos, visa promover a cidadania dos transexuais e dos travestis que se
encontram em situação de vulnerabilidade social.

Em 16 de maio de 2018 houve o Decreto nº 58.227184 que instituiu nova


regulamentação a respeito do programa incluindo no calendário da cidade de São
Paulo o “mês da visibilidade trans” e trazendo em seu artigo 2º a finalidade do
programa.

Art. 2º: O Programa TransCidadania, destina-se a promover os direitos


humanos, a autonomia financeira, a elevação de escolaridade, a
qualificação profissional e a preparação para o mercado de trabalho das
travestis, das mulheres transexuais e dos homens trans em situação de
vulnerabilidade social, bem como a humanização dos serviços públicos
prestados pelo Município a essas pessoas.

182
Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/cotas-para-trans-ganham-espaco-em-
universidades-e-geram-questionamentos/. Acesso em: 11/jul/2019.
183
Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/decreto/2015/5587/55874/decreto-n-
55874-2015-institui-o-programa-transcidadania-destinado-a-promocao-da-cidadania-de-travestis-e-
transexuais-em-situacao-de-vulnerabilidade-social-altera-disposicoes-dos-decretos-n-44484-de-10-de-
marco-de-2004-e-n-40-232-de-2-de-janeiro-de-2001. Acesso em: 09/jul/2019.
184
Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/decreto/2018/5822/58227/decreto-n-
58227-2018-confere-nova-regulamentacao-ao-programa-transcidadania-instituido-pelo-decreto-n-55874-
de-29-de-janeiro-de-2015-bem-como-institui-e-inclui-no-calendario-de-eventos-da-cidade-de-sao-paulo-o-
mes-da-visibilidade-trans. Acesso em: 09/jul/2019.
134

Assim o programa Transcidadania atua em diversas áreas, sendo conferido


ao beneficiário, de acordo com informações do site da Prefeitura de São Paulo185,
acompanhamento psicológico, jurídico, social e pedagógico pelo período de dois
anos e um valor de auxílio mensal, visando à reinserção desta parcela da
população e confirmando o fato de que os transexuais pertencem a um grupo
minoritário que necessita de ações afirmativas.

Para o presente trabalho cabe destacar o âmbito da educação deste


programa, uma vez que permite que tais indivíduos concluam o ensino fundamental
e o médio, participem de cursos preparatórios para o vestibular, além de possibilitar
a qualificação profissional.

Os cursos e oficinas do programa são ministrados no Centro de Cidadania


LGBT, localizado no Largo do Arouche, centro de São Paulo, enquanto que as
aulas referentes ao ensino fundamental e médio ocorrem nos Centros Integrados
de Educação de Jovens e Adultos (Cieja), Escolas Municipais de Ensino
Fundamental (EMEF) e Escolas Estaduais.

Assim através do Portal de Transparência da Prefeitura de São Paulo foi


enviado um pedido a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, sob o
protocolo nº 039093, a respeito de informações sobre o programa no âmbito da
educação, sobre sua eficácia e com relação aos dados de evasão escolar da
população transexual obtendo resposta do chefe de gabinete da Secretaria em
questão apresentada a seguir.

Prezada requerente,

Em cumprimento à Lei Federal n° 12.527/2012 e ao Decreto Municipal n°


53.623/2012 e posteriores alterações, e em atendimento ao pedido de
acesso à informação registrado no e-SIC sob o número de protocolo
39093 a SMDHC, através da Coordenação de Políticas para LGBTI tem a
esclarecer que o Programa Transcidadania se insere no âmbito das
políticas focalizadas, ou seja, busca fornecer respostas a uma demanda
populacional específica, neste caso a Educação, com um conjunto de
ações que preveem o atendimento desse fim em especifico. Ou seja, o

185
Disponível em:
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/direitos_humanos/lgbti/programas_e_projetos/index.
php. Acesso em: 09/jul/2019.
135

Programa Transcidadania é destinado às travestis e pessoas transexuais


que tiveram o seu direito social à educação negada na infância e
adolescência.

O Programa foi engendrado na pauta política municipal em 2015, a partir


de solicitações de representantes da Sociedade Civil Organizada onde, na
ocasião, demonstrou a baixa escolarização desse segmento populacional.

Vale ressaltar o déficit na produção de indicadores oficiais a respeito da


população LGBTI de modo geral e especialmente perante a população de
Travestis e Transexuais em todos os âmbitos (saúde, educação,
assistência social, moradia, etc).

Assim, as poucas informações existentes são construídas a partir de


processos empíricos de atendimento nos Centros de Cidadania LGBTI e
de estimativas realizadas por movimentos sociais, como os relatórios
emitidos pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais e o Grupo
Gay da Bahia.

Portanto a Coordenação pode informar os dados relativos à escolaridade


das pessoas participantes do programa, não sobre a realidade da
população na cidade de São Paulo, conforme abaixo:

Bolsistas atuais:

- ensino fundamental incompleto: 73

- ensino médio incompleto: 89

- ensino médio completo: 27

- ensino superior incompleto: 3

- sem informação: 0

- total: 192 participantes.

Bolsistas desligadas:

- ensino fundamental incompleto: 140

- ensino fundamental completo: 1

- ensino médio incompleto: 107

- ensino médio completo: 22


136

- ensino superior incompleto: 1

- sem informação: 138

- total: 409 participantes.

Referente à eficácia e eficiência do Programa, essa avaliação depende do


resultado esperado e de condições objetivas de execução. O Programa
tem um período máximo de participação de 02 anos que torna inviável que
uma pessoa em processo de alfabetização conclua o ensino médio.
Entretanto, a proposta é de elevação da escolaridade como mecanismo
de reparação a exclusão escolar, fato executado de acordo com o plano
de metas do município.

Ademais, a Coordenação tem trabalhado conjuntamente com a Câmara


de Vereadores para a produção de um censo da população de travestis e
transexuais para suprir essa demanda, ora apresentada.

Atenciosamente,

Luiz Orsatti Filho

Chefe de Gabinete

Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania

Por meio de tal resposta conclui-se que apesar das poucas informações
existentes representantes da sociedade civil se organizaram e confirmaram o nível
baixo de escolaridade dos transexuais e travestis sendo pertinente a existência de
políticas públicas voltadas a essa parcela da população.

Tal programa representa um avanço na busca pelos direitos dos transexuais,


todavia ainda há limitações que impedem uma efetiva satisfação, por exemplo o
fato do programa possuir um período máximo de participação de dois anos, sendo
que este período não é suficiente para a formação em qualquer nível escolar, ou
seja, é necessária a ampliação desse programa, visto que não é possível nem
avaliar sua eficácia.
137

CONCLUSÃO

A Constituição Federal vigente traz ao longo de seu corpo inúmeros


dispositivos com diretrizes, princípios, direitos e deveres referentes à educação por
entender tratar-se de matéria que compõe a base da estrutura de um Estado
Democrático de Direito, devendo ser assegurada pelo Estado, família e sociedade,
e, também, por relacionar-se com a possibilidade de concretizar o direito à
liberdade no sentido de autodeterminação do indivíduo, ou seja, de criar uma
consciência crítica que lhe permita realizar suas escolhas sem manipulação.

Assim, diante do fato de a educação ser tratada pelo texto constitucional


como direito fundamental social, pertencente ao mínimo existencial e ser a base
para a efetivação dos demais direitos fundamentais atentando-se ao princípio da
dignidade da pessoa humana, tem-se o dever do Estado em assegurar os
mecanismos necessários para sua concretização de modo a alcançar a todos,
observando o princípio da universalidade.

Por essa razão caso haja ofensa à tal direito é cabível ao indivíduo ingressar
com demanda judicial, uma vez que trata-se de direito público subjetivo devendo,
portanto, ser aplicado de forma imediata e eficaz, não sendo adequado à utilização
por parte do Estado da alegação de cláusula de reserva do possível no caso de
direito pertencente ao mínimo existencial para uma existência digna.

A partir disso deve-se levar em consideração que os seres humanos


representam indivíduos complexos com características, pensamentos, qualidades,
dificuldades, preferências, histórias, vivências, posicionamentos, orientações enfim
individualidades que lhes tornam únicos podendo em determinados pontos
assemelhar-se ou diferenciar-se um dos outros, e, por conseguinte criando grupos
majoritários e minoritários.

E, que a riqueza dessa diversidade e a convivência de todos de forma


harmônica são engrandecedores para o desenvolvimento pessoal e, por
consequência, da sociedade como um todo. O contato com o diferente incentiva o
“olhar para o outro”, impulsiona o exercício da empatia e do respeito ao próximo,
fatores estes essenciais para uma coexistência pacífica e que vise à igualdade de
oportunidades.
138

Assim, a angústia vivenciada pelas minorias somente pode ser acolhida por
uma sociedade preparada, mormente, no que concerne ao campo da educação.

O presente trabalho pautou-se na situação vivenciada pelos transexuais, os


quais representam um grupo minoritário que, a partir da análise dos dados
apresentados, demonstram as consequências de uma sociedade que não respeita
seus integrantes e não incentiva tal aspecto de maneira eficaz.

Diante desta realidade foram analisados os contornos da identidade de


gênero e a necessidade de sua proteção em vista de regras e princípios trazidos
pelo texto constitucional, de forma implícita e expressa, bem como suas finalidades
e normas no âmbito internacional, ou seja, os indivíduos transexuais possuem o
direito de buscar por sua identidade de gênero e de exigir o respeito dos demais,
fatores estes que devem ser ponderados pelo Estado quando de suas ações e
omissões, com o intuito de evitar situações discriminatórias e excludentes
inserindo-os na sociedade.

Também foram destacadas algumas decisões do Supremo Tribunal Federal


que demonstram a linha de raciocínio utilizado pela Corte ao tratar das minorias e
do direito à educação, demonstrando o dever em promover e garantir os direitos
fundamentais, bem como a necessidade em buscar a inclusão e o respeito a todos.

Assentado nesse objetivo de inserção social e baseado na importância e


essencialidade do direito à educação tem-se o ensino inclusivo como mecanismo
eficiente tanto para os transexuais como para terceiros, uma vez que ao mesmo
tempo que integra essa parcela da população e lhes possibilita a oportunidade de
se desenvolver e crescer nos mais variados aspectos, propicia aos demais a
convivência com a diversidade, elemento essencial em uma sociedade que visa à
eliminação do sentimento de ódio e intolerância.

E, deste modo ficaria mais evidente que o fato de uma pessoa possuir
orientação sexual ou identidade de gênero diferente da maioria não a faz um
cidadão pior, assim como não é critério de idoneidade moral, apenas referem-se às
características pessoais que devem ser respeitadas.
139

À luz dessas explanações se faz necessário avaliar quais seriam os meios


para tornar possível o ensino inclusivo tendo o presente trabalho utilizado como
uma de suas bases Relatório da Unesco de 2007, o qual apresenta mecanismos
importantes para combater a violência homofóbica e transfóbica.

Dentre tais instrumentos houve destaque à implementação de políticas


nacionais e escolares eficazes, a implementação de materiais didáticos, a
preparação de todos os funcionários do ambiente escolar para lidar com essas
situações, o suporte para os estudantes e seus familiares e o acompanhamento da
eficácia das medidas adotadas.

Por fim passou a analisar o conteúdo e a necessidade de implementação de


ações afirmativas, essenciais em uma democracia, para o combate à discriminação
e à exclusão de modo a buscar a concretização do princípio da igualdade, tanto no
aspecto formal quanto material, e assim, consequentemente, atender aos objetivos
da República federativa brasileira constitucionalmente previstos. Neste ínterim foi
analisada a figura do professor mediador e o programa denominado Transcidadania
instituído por Decreto pela Prefeitura de São Paulo no ano de 2015 e que visa à
inclusão dos indivíduos transexuais e travestis na sociedade preocupando-se em
auxiliá-los em diversos âmbitos necessários para a prática da cidadania, inclusive
a educação.
140

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