Você está na página 1de 27

INVESTIMENTO EM CULTURA E DANÇA NO BRASIL E REPUTAÇAO

ORGANIZACIONAL1
LUIZA OLIVA GONÇALVES 2

RESUMO

Este artigo aborda ações de Responsabilidade Social voltadas para o campo das
artes, tomando como objeto de análise as empresas que patrocinam os grupos
Corpo e o corpo de baile da Fundação Clóvis Salgado. A finalidade do estudo é fazer
um apanhado do investimento em cultura no Brasil e apresentar alguns dos
principais argumentos das empresas em termos da sua ação comunicativa
transcendente, ou seja, os argumentos organizacionais que justificam o patrocínio
cultural. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental. O estudo
indica que apesar de os investimentos em cultura estarem crescendo no Brasil,
grande parte deles é direcionado para a educação. Nas considerações finais
apontamos que a cultura apesar de receberem incentivos de grandes empresas no
Brasil não o alvo central da busca por reputação. No caso dos grupos analisados os
argumentos dos patrocinadores são genéricos, não sendo a dança um elemento da
retórica organizacional na busca por reputação.

Palavras-chave: Responsabilidade Social. Lei de Incentivo. Grupo Corpo. Fundação


Clóvis Salgado.

ABSTRACT

This article discusses Social Responsibility actions focused on the arts field, taking
as an object of analysis the companies that sponsor the Grupo Corpo and Fundação
Clóvis Salgado dance groups. The purpose of the study is to provide an overview of
the investment in culture in Brazil and present the main arguments of the companies
in terms of their transcendent communicative action, that is, the organizational
arguments that justify cultural sponsorship. The methodology used was bibliographic
and documentary research. The study indicates that although investments in culture
are growing in Brazil, most of them are directed to education. In the final remarks we
point out

Keywords: Social Responsibility. Incentive Law. Grupo Corpo. Fundação Clóvis


Salgado.

1 Artigo apresentado como requisito para aprovação no Trabalho de Conclusão de Curso, TCC III.
Orientação profa. Dra. Lúcia Lamounier Sena
2 Graduanda do curso de Relações Públicas da Puc Minas.
1 INTRODUÇÃO

Quando falamos em projetos sociais podemos identificar matrizes conceituais


diversas. Desde aqueles que vão falar dos projetos sociais com uma dimensão
organizacional, na perspectiva de uma crença em ações que promovam impactos
sociais, até aquelas que focam especificamente em estratégias de comunicação e
marketing das empresas, ou ainda aquelas que trabalham ambas as perspectivas.

Segundo Santos (2014, p. 63) “os indivíduos encontram-se em um período de


busca de um sentido identitário, de referência e de valores a serem seguidos”. Diante
disso, surge uma variedade de discursos e de atores sociais e organizacionais, tais
como as organizações com fins lucrativos, que buscam distinguir-se ao
apresentarem-se como referências centrais em ações de Responsabilidade Social
Empresarial. A pluralidade de discursos organizacionais sobre o tema da RSE tem a
intenção de atrair a atenção dos públicos e legitimá-las frente à sociedade através de
conteúdos que alegam agir em conformidade com as demandas sociais por um
desenvolvimento mais equitativo e sustentável da sociedade. Dessa forma, percebe-
se que as organizações buscam a legitimação através da retórica ou de ações
comunicativas que transcendem seus produtos, serviços e objetivos organizacionais
(HALLIDAY, 2009).

É nessa perspectiva que as questões relacionadas à cultura e ao social


ganham força e passaram a ser utilizadas com o objetivo de melhorar a reputação de
uma marca frente ao contexto social em que está inserida. No contexto brasileiro a
partir dos anos de 1990, as ações de Responsabilidade Social passaram a ser a
tônica das grandes organizações, tais como ações no campo ambiental, ações
voltadas para as minorias políticas, defesa dos direitos do público infantil, ações
destinadas às populações mais pobres, apoio à cultura, entre outras. É no contexto
acima apresentado que se coloca nosso tema central de estudo, os investimentos
empresariais que beneficiam as artes. Tomamos como objeto os patrocinadores do
corpo de baile da Fundação Clóvis Salgado e o Grupo Corpo, que por sua vez
também investe em um projeto social, o Corpo Cidadão. Ambos grupos situam-se
em Belo Horizonte, ainda que os patrocinadores sejam empresas nacionais e alguns
com formação de acionistas internacionais. Nossa pergunta de pesquisa foi: quais
são os argumentos centrais das empresas na sua retórica, na sua ação
comunicativa, para justificar os investimentos no âmbito da política de
responsabilidade social? Para responder a esta questão de pesquisa, nosso estudo
de natureza documental se desdobra na análise das estratégias de comunicação e
visibilidade das empresas em relação aos referidos projetos.

Para essa discussão, inicialmente traçando um histórico do conceito de


Responsabilidade Social para entender suas constantes transformações Para tanto,
analisaremos as origens do conceito de RSE através de um mapeamento da
transformação das narrativas organizacionais no que diz respeito, principalmente,
aos conceitos de responsabilidade social.

Em um segundo momento, esse estudo apresenta um apanhado de dados


sobre o contexto das leis de incentivo à cultura no Brasil e os focos principais de
ação de Responsabilidade Social das empresas brasileiras, buscando identificar os
principais investidores, as áreas que foram privilegiadas e os argumentos centrais
das empresas investidoras.

No último tópico deste artigo apresentamos nosso estudo de casos


exemplares. O primeiro deles, o Grupo Corpo e seu projeto social o Corpo Cidadão,
projeto que nasceu em fevereiro do ano 2000 e que promove uma série de ações,
por meio da oferta de contato e experiência com a arte e a cultura, voltadas para o
desenvolvimento humano de crianças e adolescentes em comunidades de baixa
renda na região metropolitana de Belo Horizonte. O segundo caso apresentado é o
corpo de baile da Fundação Clóvis Salgado. Para ambos grupos destacamos as
empresas que lhes são patrocinadoras e seus argumentos justificadores dos
patrocínios. O estudo se baseia em um levantamento bibliográfico e documental. Os
documentos analisados são os que se encontram disponíveis no site das empresas e
dos grupos analisados.
2 PROJETO SOCIAL: TRANSFORMAÇÃO DE UM CONCEITO

Antes de entrar na discussão sobre os conceitos de Responsabilidade Social


Empresarial e Sustentabilidade, é importante ressaltar algumas questões acerca das
transformações que o pensamento organizacional teve a respeito do seu papel frente
à sociedade e a formação de uma “comunicação transcendente”, nos termos
utilizados por Tereza Halliday (1990).
Historicamente, a gestão socialmente responsável não fazia parte da cultura
empresarial brasileira, porém com o cenário político-econômico, permeado pelas
consequências da globalização, sobretudo dos grandes mercados, a partir dos anos
1970, houve uma crescente valorização desse tipo de visão. Conforme afirmam
Capellin e Giuliani (1999), as empresas passaram a ser vistas como co-responsáveis
pelo desenvolvimento e bem-estar da sociedade e isso tornou-se uma importante
estratégia competitiva. Nesse período surgem de maneira concomitante dois
conceitos que serão trabalhados a seguir, o Marketing Social, de natureza mais
instrumental e a Responsabilidade Social Empresarial de natureza social, ainda que
utilizada como estratégia de mercado para a construção da reputação das
organizações.
O Marketing Social no Brasil tem suas primeiras iniciativas nos anos de 1970,
se intensificando na década seguinte. Nesse momento, o pensamento
organizacional considerava um mercado cada vez mais competitivo e global,
portanto, desponta-se a necessidade de ir além da oferta de um produto ou serviço
“de qualidade” (Capellin; Giuliani, 1999) . Outro fator que contribuiu para essa linha
de pensamento foi a emergência de uma série de ações com o objetivo de fidelizar o
cliente. Nessa perspectiva, Pringle e Thompson (2000) afirmam que a fidelidade
deixou de ser “comprada”, com descontos, cupons, ofertas e afins e passou a ser
algo que precisava ser “conquistado” por fatores de diferenciação social, aprovação,
pertencimento e reputação. Os consumidores exigiam produtos e razões para
consumi-los:
(...) uma série de fatores combinaram-se para questionar e ameaçar as
marcas, e, ao mesmo tempo, oferecer oportunidades: a ameaça da
competição global (...) coexiste com a oportunidade de atrelar uma nova
forma de comunicação e se diferenciar em meio a essas diversidades e
multiplicidade existentes e agregar novos valores, desejáveis a marca.
(PRINGLE e THOMPSON, 2000, p. 12)

Em conformidade com os autores já citados, Trevisan (2002) afirma que a


prática social das empresas, ou seja, sua atuação para a construção de valores e
projetos coletivos voltados para a sociedade, se tornou parte indissociável de uma
empresa próspera. O vínculo entre as organizações e projetos sociais, se expressa
enquanto um negócio utilizado como instrumento de Marketing nos dias de hoje.
Nesse contexto de afirmação do social nas ações organizacionais, ainda nos
anos de 1990 surgiu o Balanço Social como uma ferramenta que pode apresentar
efetivamente para o mercado e para uma comunidade a identidade social de uma
organização. Trata-se, segundo Neves (2001, p. 25) de “um instrumento colocado na
mão de empresários para que possam refletir, medir [e comprovar] o seu
empreendimento no campo social”. É um processo de “prestação de contas”, no qual
as organizações apresentam para a sociedade e os stakeholders tudo aquilo que a
empresa faz no âmbito social, sob os signos da verdade e transparência. Para
Neves, é através da mensuração de resultados e explicitação da eficiência dessas
ações sociais que a empresa conquista a “simpatia” do público.
Paralela à linha do Marketing Social, alguns autores vão afirmar que as ações
das empresas precisam ir além do discurso no qual se embasa o Marketing Social,
de maneira que se apresente uma verdade organizacional em termos de ações
sociais. É na busca da “verdade organizacional” que surge a perspectiva da
Responsabilidade Social Empresarial, que vai buscar além da simpatia a
legitimidade organizacional, em que as ações transcendentes não são ações de
“venda”, mas de um posicionamento da marca que vai atrelar seus produtos e
serviços às questões sociais que permeiam o contexto da organização e seu público
alvo (HALLIDAY, 1990).
Nos anos de 1980/1990 tem-se uma nova geração de marcas que trazem
consigo um discurso de aderirem a um propósito voltado para o social, com um tipo
de comunicação que transcende o incentivo ao consumo de seus produtos e
serviços, sobretudo através da utilização de apelos mais humanizados. Segundo
Halliday (1990), essa nova e crescente ação empresarial, que aqui denominaremos
Responsabilidade Social Empresarial, contribui fortemente para a busca de ações
organizacionais que objetivam a formação da reputação positiva.
Nesse contexto surge no Brasil no final dos anos de 1990 o instituto ETHOS
que passa a ser referência norteadora dessa área para as organizações que até
então não possuíam uma diretriz que pudesse atuar como “centro de inteligência”.
Criado em 1998, o Instituto Ethos surgiu justamente com esse propósito, ser um
núcleo de organização de conhecimento e desenvolvimento de ferramentas que
pudessem “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de
forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma
sociedade sustentável e justa” (INSTITUTO ETHOS, 2016, p. 04).
Segundo o Instituto Ethos (2007), a Responsabilidade Social Empresarial
(RSE) pode ser entendida como uma forma de gestão que é definida pela relação
ética e transparente da organização com os públicos com quem ela se relaciona. A
SER, também se caracteriza pelo estabelecimento de metas em direção a um
desenvolvimento sustentável da sociedade, que se atente para a preservação de
recursos ambientais e culturais, respeito à diversidade e contribuição para a redução
das desigualdades sociais.
Ainda na abordagem do ETHOS são pontuados alguns critérios que, acima do
fator econômico, fazem com que uma empresa se destaque: a preocupação com os
fatores sociais, culturais e relativos às questões ambientais. Nas orientações do
ETHOS percebe-se que as marcas, ao atrelarem os valores de seus produtos ou
serviços ao conjunto de novas demandas e posturas ético-sociais, esperam obter um
impacto positivo na percepção dos consumidores. Em outras palavras, ao se
associarem a uma causa social para desenvolvimento de um propósito que vai além
do produto ou serviço em si, as empresas buscam, através de ações
transcendentes, fazer com que o público consumidor, ou uma comunidade em geral
se sensibilize com a organização e a partir daí sejam criados laços com aquela
marca, que podem ser fator determinante no momento de uma decisão de compra.
Em concordância com essas pontuações Capellin e Giuliani (1999) afirmam que

(...) na busca da eficiência e excelência empresarial, parece não ser mais


satisfatória a tradicional alquimia do cálculo custo benefício com o aumento
da produtividade e a ampliação das vendas no mercado. Os critérios de
avaliação do sucesso começam a incorporar dimensões que vão além da
organização econômica e que dizem respeito à vida social, cultural e à
preservação ambiental. Pode-se dizer que a eficiência não é só “fazer as
coisas bem” segundo as regras do mercado, mas é “fazer as coisas boas”
segundo os princípios éticos. (CAPELLIN; GIULIANI, 1999, P. 10)

Considerando as transformações das primeiras décadas do século XXI,


Fischer (2002) avalia que as empresas deram um novo sentido para a função
produtiva e passaram a ser importantes atores na promoção do desenvolvimento
econômico, do avanço tecnológico e principalmente no conjunto de atividades
sociais. Ainda segundo o autor, a dinâmica do ambiente corporativo foi modificada
tanto internamente, quanto externamente, no que diz respeito à comunicação com os
diversos públicos. São transformações que consideram a queda da produtividade
cujo fim se limita ao lucro, e se alinham à busca por uma postura ética, que associe
sustentabilidade com a viabilidade do negócio, contribuindo então para a percepção
positiva do negócio organizacional.
Na perspectiva acima apresentada a Responsabilidade Social Empresarial é
entendida como a gestão de uma organização de maneira ética e transparente com
os públicos com quem ela se relaciona. Nosso pressuposto é de que o Marketing
Social se iguala ao conceito de RSE quando esta pode ser definida como ações que
tenham o intuito de associar as marcas aos assuntos que sejam de interesse social,
sejam eles voltados para as questões ambientais, relativas ao tema das
desigualdades sociais, preconceito de raça e gênero ou afins (HALLYDAY, 1990).
Ainda que sejam por vezes tomados como conceitos que operam de maneira
particular, o Marketing Social e a RSE vão se encontrar no que diz respeito à busca
por legitimidade organizacional, no intuito das organizações buscarem construir uma
reputação positiva para seus negócios. Halliday (1990) afirma que esse modelo de
negócio baseado em atitudes e ações comunicativas que levem ao desenvolvimento
sustentável da sociedade passou a ser uma das principais características do
mercado atual. No próximo item apresentamos a relação entre RSE e o conceito de
reputação, traçando as linhas centrais que unem esses conceitos.

2.1 Responsabilidade social empresarial: a busca por reputação

Legitimação é um tipo de dimensão que traz a perspectiva da construção de


uma reputação positiva para as organizações através de ações transcendentes. O
conceito de Responsabilidade Social Empresarial é o que mais se aproxima disso.
A reputação está diretamente ligada ao que a própria organização projeta
sobre si mesma, fenômeno que Van Riel (2003) chama de identidade projetada.
Segundo o autor, esse conceito pode ser entendido como a semiose que a empresa
utiliza para expressar seus atributos aos seus públicos de interesse de maneira
explícita ou não. O espaço para construção dessa reputação se dá na troca entre
empresa e seu público e se consolida a partir da legitimação. Segundo Scott e Lane
(2000), a atribuição de legitimidade reflete uma percepção generalizada acerca dos
comportamentos e crenças da organização e se estes estão condizentes com o que
a sua cultura entende como adequado.
Segundo Almeida (2005), se a percepção dos públicos for favorável esta pode
inferir no crescimento da marca em um mercado que está cada vez mais competitivo
e ainda contribuir para minimizar crises relacionadas à mídia e aos grupos de
pressão. Assim, surge nas empresas a necessidade de produzir e gerir a troca de
informações que acontecem sobre si mesmas com seus atores sociais, de forma que
atendam aos seus próprios interesses. Portanto, ainda segundo Almeida (2005), a
construção de uma reputação positiva é questão de governança corporativa e
através do processo de comunicação adotado pela organização, é possível criar e
garantir sua reputação favorável, tornando-a fator de diferenciação para a marca.
A reputação por se tratar de um ativo organizacional intangível precisa de uma
base construída sob uma comunicação bem estruturada e que seja coerente com os
valores e objetivos da organização. Através das práticas comunicacionais e de
relacionamento busca-se conseguir transmitir de maneira legítima e verossímil
competências e atitudes que expressem aos públicos de relacionamento a
identidade que pretende projetar enquanto organização, com a intenção de
conquistar a legitimação (ALMEIDA, 2005).
A relação que podemos estabelecer entre RSE e Reputação Organizacional
tem no campo do investimento cultural uma das áreas que nos permitem uma boa
análise empírica. No caso do Brasil o investimento em cultura desde os anos de
1980 foi possível pelas Leis de Incentivo à Cultura que beneficiam as empresas de
duas formas: por um lado trazem incentivos fiscais e por outro contribuem para uma
reputação positiva de empresas amigas da cultura. Por outro lado, a sociedade e os
artistas também ganham com esse tipo de investimento que ao longo das últimas
décadas possibilitou ampliação do acesso e da prática cultural. Para essa discussão
apresenta-se a seguir um mapeamento dos principais investidores de cultura no
Brasil.

2.1.1 Mapeamento dos investimentos em cultura no Brasil

Para realizar o mapeamento dos investimentos em cultura no Brasil foi


utilizado o último relatório de dados do GIFE – Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas, associação dos investidores sociais do Brasil, referência no que tange
aos investimentos sociais privados. A organização produz a cada dois anos o Censo
GIFE, documento que mapeia esses investimentos e que servirá de base de dados
para o presente artigo.
A quinta edição do Censo (2010) traz um dossiê sobre Cultura e nele percebe-
se que ainda que esta área esteja entre as principais que recebem investimentos,
não é a prioridade das organizações, uma vez que apenas 4% dos associados do
GIFE, aproximadamente, se dedicam diretamente à Cultura. Esse índice não sofreu
grande alteração comparado ao Censo GIFE de 2018, que coloca a área da cultura
como terceira principal área de investimento das organizações, conforme gráfico 1 a
seguir.

Gráfico 1 - Organizações por áreas temáticas indicadas nos projetos ou programas.


Fonte: Censo GIFE, 2018.

Seguindo uma tendência histórica, a educação permanece como principal


área de atuação de investidores sociais, com 75% das menções, seguido pela área
de Trabalho, Empreendedorismo e Geração de Renda com 50% e em terceiro lugar
Cultura e Artes, mencionados por 46% dos associados (GRAF. 1). O relatório aponta
que mais da metade das organizações que investem em Cultura e Artes a
compreendem como área complementar de investimento.
André Desenszajn, gerente de Conhecimento do GIFE, afirma no relatório do
censo cultural 2010 que “uma parcela desses associados trabalha a dimensão da
cultura e arte como parte do investimento mais amplo em educação”. Em
concordância com a diretriz educacional anteriormente citada, o diretor do Instituto
Itaú Cultural, Eduardo Saron, em sua participação no seminário Economia da Arte,
realizado pela Folha e pelo Itaú Cultural em 2019, coloca que o investimento privado
em cultura tem pensado na área principalmente como instrumento de educação e
inclusão social, e não como um fim em si. Portanto, se o Censo representa a forma
como os investimentos sociais são realizados, pode-se dizer que a área da cultura
ainda é, para a maioria das empresas, um meio, e não um fim. Censo GIFE (2018-
2019).
Em relação ao investimento social e/ou cultural no Brasil, parte dele é
advindo do financiamento do setor privado, através das Leis de Incentivo Fiscal.
Essas leis se caracterizam como a principal estratégia de captação de recursos por
parte do setor da cultura e está também entre as principais estratégias das
Instituições familiares e empresariais. No entanto, ao observar organização culturais
que não dispõem de estratégias de captação de recursos estruturadas, as Empresas
e Instituições ou Fundações empresariais também são o maior percentual. O que se
diferencia das Instituições ou Fundações independentes que em sua maioria alegam
ter estratégias estruturadas, sendo elas principalmente o contato direto com
doadores, ferramentas online para doações e campanhas de comunicação para o
público geral de maneira periódica ou contínua, conforme pode ser observado na
tabela 1, a seguir.

Tabela 1 - Organizações por estratégias de captação e tipo de investidor (2018).

Fonte: Censo GIFE, 2018.

No âmbito dos incentivos fiscais, as Leis de Incentivo Federal contribuem


como principal fonte de captação de recursos incentivados, apresentando, em sua
maioria, um crescimento significativo na quantidade de investimentos, conforme
gráficos 2 e 3, a seguir.

Gráfico 2 - Proporção de investimentos por meio de leis de incentivo de esfera


federal no investimento incentivado (2016 e 2018)

Fonte: Censo GIFE (2018)

Gráfico 3 - Proporção de investimentos por meio de leis de incentivo de esfera


estadual no investimento incentivado total (2016 e 2018)

Fonte: Censo GIFE (2018)

Pode-se perceber ainda que a proporção de recursos investidos na cultura em


nível municipal e federal cresceu entre os anos 2016 e 2018, crescimento que se
deve, principalmente, à Lei Rouanet. Essa lei, concebida em 1990, se tornou,
segundo o jornal Folha de São Paulo (2019), o “mais importante instrumento federal
de investimento público no setor”. Segundo Eduardo Saron (2019), as diretrizes da
antiga Lei Rouanet, agora chamada de Lei Federal de Incentivo à Cultura, explicam
o peso que eventos como exposições, festivais e mostras de teatro têm nas
estratégias das organizações culturais no Brasil, tendo em vista a centralidade do
modelo de financiamento.
João Leiva, diretor da Consultoria JLeiva Cultura e Esporte, afirma que “a Lei
Rouanet passou a ter que dar conta de tudo”, isso porque segundo ele, as
discussões acerca desses investimentos no país são monopolizados pelo
instrumento de renúncia fiscal, assim, afirma que para contornar essa situação é
preciso um maior envolvimento dos estados e municípios em políticas culturais.
Ainda segundo Neiva, para que as organizações de cultura sejam cada vez mais
sustentáveis financeiramente é preciso diversificar suas fontes de receita, segundo
Ricardo Levisky, especialista em fundos patrimoniais entrevistado pela Folha de São
Paulo (2019).
Com o objetivo de ilustrar como estão alocados os principais investimentos
em cultura no Brasil, destacamos na tabela 2, a seguir, algumas empresas dentre as
que mais investiram em cultura no país, através das leis de incentivo fiscais federais
em 2019.

Tabela 2 - Maiores incentivadores em cultura no Brasil por meio das leis de incentivo
fiscais federais (2019).

Fonte: Secretaria Especial da Cultura, 2019.

É válido ressaltar também que quatro, das dez empresas listadas estão à
frente no ranking das Marcas Brasileiras mais Valiosas de 2019, pela Interbrand. No
entanto, duas delas, Banco do Brasil e Petrobrás, são empresas estatais.
Um destaque especial do setor privado é o Banco Itaú, que além de liderar o
ranking da consultoria, ainda incentivou mais de 48 milhões de reais em cultura no
último ano por intermédio do Itaú Cultural, sendo hoje um dos principais
patrocinadores do Grupo Corpo, Fundação Clóvis Salgado, Instituto Inhotim e
Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, conforme indicado nos seus respectivos
canais institucionais. Em 2019 o Itaú Cultural apoiou cerca de 80 projetos artísticos
entre eles shows e apresentações, como forma de reforçar seu discurso e
posicionamento organizacional de defesa da democratização do acesso à cultura no
país, valorização da diversidade e, em consequência, tem atuado na construção de
um legado cultural para a marca.
Em terceiro lugar temos o Banco do Brasil, que há 25 anos promove
gratuitamente mostras, eventos e seminários nas mais diversas áreas da cultura
dentro de seus próprios centros culturais, localizados em Belo Horizonte, Brasília,
Rio de Janeiro e São Paulo.
No âmbito estadual, a estatal Cemig se consolidou em 2019 como uma das
maiores incentivadoras da cultura em Minas Gerais, segundo o Jornal Estado de
Minas (2019). Sendo patrocinadora da Fundação Clóvis Salgado (FCS), Grupo
Corpo, Corpo Cidadão, Grupo Galpão, Instituto Inhotim, Orquestra Filarmônica de
Minas Gerais e várias outras instituições.
Apresentado esse contexto, na última seção desse artigo trazemos os casos
exemplares, o Grupo Corpo e seu projeto social, o Corpo Cidadão, bem como a Cia.
De Dança Palácio das Artes – Fundação Clóvis Salgado; com o intuito de mostrar a
Responsabilidade Social Empresarial e todos os dividendos que o investimento em
cultura podem oferecer.

3 COMPANHIAS DE DANÇA EM MINAS GERAIS E SEUS PATROCINADORES

Neste item vamos fazer uma análise de natureza exploratória a respeito da


Cia. De Dança Palácio das Artes, bem como o Corpo Cidadão, um projeto de
responsabilidade social do Grupo Corpo. A pesquisa se restringe a analisar o
material que é público disponibilizado nos sites das organizações e dados
disponibilizados pelos próprios patrocinadores, em seus canais digitais. Para tanto,
foi realizada uma pesquisa documental nas redes sociais e demais canais
institucionais de ambas organizações.

3.1 Grupo Corpo


Fundado em 1975, na cidade de Belo Horizonte, o Grupo Corpo é uma
companhia de dança contemporânea que traz em suas produções e comunicação
um olhar singular definido por “algo de brasileiro” (Bogéa, 2001) 3. Com 45 anos de
existência, o Grupo Corpo passou por diversas transformações, em busca da
construção de estabilidade, identidade própria e continuidade em seu trabalho. Em
termos estruturais da organização, há no grupo o Corpo de dança, a Escola de
Dança Corpo, o Corpo Cidadão, o Instituto Cultural Corpo, criado para gerir os
empreendimentos do grupo e o Centro de Arte Corpo, um complexo cultural ainda
em construção.
Apesar de sua estrutura, o Grupo não se apresenta como um corpo
organizacional, sua identidade se é uma companhia de dança. Todos os canais de
comunicação do Grupo Corpo tratam exclusivamente dos espetáculos da
companhia, o site não indica missão ou valores da organização e não evidencia as
outras entidades do Grupo, tendo cada uma delas um endereço virtual específico e,
aparentemente, independente.

3.2 Companhia de Dança Palácio das Artes

Fundada no ano de 1971, pelo coreógrafo e mestre em Ballet Carlos Leite, a


Cia. de Dança Palácio das Artes (CDPA), junto com o Coral Lírico e a Orquestra
Sinfônica, formam os grupos profissionais da Fundação Clóvis Salgado, em Belo
Horizonte. A companhia surgiu com o intuito de se dedicar à criação de espetáculos
das óperas produzidas pela Fundação Clóvis Salgado e demais repertórios do ballet
clássico e hoje a CDPA, sob a direção do ex-bailarino da companhia, Cristiano Reis,
se configura como um grupo de dança contemporânea, atuando ainda nas óperas
produzidas pelo Palácio das Artes e em espetáculos cênico-musicais.
A companhia traz novos diretores e coreógrafos a cada projeto, e convida
seus próprios bailarinos a assumir desafios da experimentação e co-criar em suas
peças, promovendo a pesquisa e valorizando suas potencialidades e processos de
criação. Seu mais recente projeto, Entremundos, evidencia essa proposta de

3 Os dados biográficos sobre o Grupo Corpo que serão aqui apresentados baseiam-se no compilado realizado por
Inês Bogéa, 2001.
construção e têm ampliado a presença da CDPA em palcos nacionais e
internacionais.
3.3 Mapeamento dos patrocinadores das companhias de dança mineiras

Neste item vamos fazer um mapeamento das empresas que patrocinam a


dança em Minas Gerais e as principais motivações para tal investimento. Conforme
os tópicos anteriormente descritos, em Belo Horizonte temos duas grandes
companhias de dança, a Cia. de Dança Palácio das Artes (Fundação Clóvis Salgado)
e o Grupo Corpo. Estas duas companhias de dança contam com investidores
históricos cujo posicionamento em relação ao investimento cultural aponta para um
conjunto significativo de empresas cuja reputação quer estar alinhada com um perfil
de organizações que contribuem para a existência e a popularização das artes no
Brasil.
Nesse sentido, o quadro 1 a seguir apresenta o conjunto de patrocinadores da
Cia. De Dança do Palácio das Artes, bem como destacamos os argumentos centrais
dessas empresas.
Quadro 1 - Patrocinadores da Cia. de Dança Palácio das Artes (2020).

Fonte: Fundação Clóvis Salgado, 2020.


Conforme pode ser observado no quadro 1, temos como patrocinadores
master da Fundação Clóvis Salgado a Cemig e a Unimed. A Cemig se posiciona
como uma empresa comprometida com a sociedade e com o futuro, tendo
participação como investidora não apenas na área da cultura, mas também esportes,
educação e desenvolvimento social. A empresa argumenta que ao incentivar
projetos que promovam acesso à cultura, beneficia as comunidades que atua
preservando sua memória e identidade, bem como sua própria história. Além disso, a
retórica da Cemig é de que Companhia nos indica a busca por uma reputação de
empresa que se preocupa com questões socioculturais, que valoriza a expressão
artística e que se coloca como “guardiã do patrimônio cultural”.
A Unimed, há 20 anos é apoiadora da Fundação Clóvis Salgado, não apenas
da Cia. de Dança do Palácio das Artes, mas também do Coral Lírico e da Orquestra
Sinfônica de Minas Gerais. Sua atuação se dá por meio do Instituto Unimed,
associação que busca promover ações voltadas para o desenvolvimento e ampliação
do bem-estar das pessoas, segundo os canais institucionais da organização, por
meio do estímulo do acesso à cultura.
O Instituto Unimed possui o Programa Sociocultural Unimed-BH, voltado para
essas questões e, segundo a Secretaria Especial de Cultura, é considerada a maior
experiência de patrocínio cultural do país mantida por pessoas físicas, já tendo
destinado mais de R$120 milhões em incentivo.
Seus argumentos centrais são de uma ação que tanto promove acesso à
cultura e às artes, como também possibilita através de suas ações a geração de
emprego e renda, derivados da cadeia produtiva das artes.
As empresas Rede Globo e sua afiliada Rede Minas afirmam-se como
parceiras das artes e da cultura, e portanto, seu investimento na Fundação Clovis
Salgado a partir da retórica de conexão entre os valores organizacionais e os
valores de Minas Gerais.
Também na linha de conexão organizacional com os valores da arte mineira,
mas também ampliando este escopo para a cultura brasileira está a empresa estatal
Rádio Inconfidência, cuja atuação é direcionado, sobretudo, para a divulgação
radiofônica dos espetáculos.
O Banco Itaú, que como vimos investe grande parte dos seus recursos da
Fundação Itaú em projetos educacionais afirma que atua mapeando, incentivando e
divulgando os valores artísticos brasileiros, retórica que liga a organização a valores
nacionais mais amplos.
Em seguida apresentamos o grupo corpo. Primeiramente apresentamos as
organizações que lhes são patrocinadoras, a empresa Cemig, o Itaú Cultural e o
próprio Governo de Minas. Na sequência apresentamos o próprio grupo Corpo como
uma organização financiadora da cultura a partir do seu projeto Corpo Cidadão.
O Grupo Corpo, conforme Quadro 2, a seguir, tem como principais
patrocinadores o Itaú, o Governo de Minas e, assim como a Cia. de Dança Palácio
das Artes, a Cemig, e em menor escala a Unimed também. Conforme mostrado em
sessões anteriores, o Itaú atua no âmbito social através do Itaú Cultural e considera
a cultura como uma ferramenta para promoção de cidadania e construção de
identidade.
O Itaú cultura afirma em seu site que tem como missão “inspirar e ser
inspirado pela sensibilidade e pela criatividade das pessoas para gerar experiências
transformadoras no mundo da arte e da cultura”, buscando, dessa forma, promover
uma maior participação social.
A Cemig não diferencia em seus argumentos os grupos de arte e cultura que
patrocina. Como vimos anteriormente, como empresa estatal a Cemig afirma ser
uma financiadora do futuro, sendo a arte e a cultura parte deste futuro.
E o Governo do Estado, que não é uma organização, traz em sua retórica o
incentivo aos valores de Minas, e portanto, ao maior corpo de baile mineiro.

Quadro 2 - Principais patrocinadores do Grupo Corpo (2020).

Fonte: Grupo Corpo, 2020.


3.4 Um corpo do corpo: o Corpo Cidadão

O procedimento de levantamento de dados a respeito do Grupo Corpo foi


iniciado nesta pesquisa pela busca do material de comunicação disponibilizado nos
canais institucionais a respeito dos seus projetos de responsabilidade social. Ainda
que o projeto Corpo Cidadão não faça referência direta ao Grupo Corpo,
entendemos que o trabalho feito através do projeto tenha um caráter social. Sendo
assim, destaca-se sua estrutura organizacional e o processo de construção de uma
comunicação do Grupo Corpo como organização que se volta para as questões de
responsabilidade social.

Todas as informações sobre o Corpo Cidadão foram acessadas no site,


materiais de comunicação do projeto e editais do governo. Existe ainda no site do
Grupo Corpo um link para o site do projeto, no entanto apesar de ter sido criado por
Míriam Pederneiras, da família fundadora da companhia, não fica clara a relação
entre o Grupo e o Projeto Corpo Cidadão e nem o peso institucional dessa relação.

Entendemos que o Grupo Corpo já tem sua reputação construída através de


um processo imanente, segundo a perspectiva de Halliday (1990) anteriormente
apresentada, mas ao analisarmos os dados do Corpo Cidadão esse projeto indica
interessantes resultados e alcance, tendo em vista que estimula centenas de jovens
no envolvimento com artes e cultura. No entanto, não se pode afirmar que esse
investimento institucional do Grupo Corpo está relacionado às ideias de RSE, no
sentido de atuar como construção de uma reputação favorável para si.
O Corpo Cidadão é uma organização sem fins lucrativos, de direito privado,
criada em 8 de fevereiro do ano 2000. O projeto, que conta com o patrocínio da
Cemig desde o ano passado por meio de edital da Lei Estadual de Incentivo à
Cultura, surgiu a partir da iniciativa de vários artistas e tem como missão “contribuir
para o desenvolvimento das potencialidades humanas por meio da experiência da
arte e cultura”. O projeto atua através da promoção de oficinas de dança, música,
artes visuais e acesso à uma extensa programação cultural para crianças,
adolescentes e jovens das comunidades de baixa renda da região metropolitana de
Belo Horizonte. (CORPO CIDADÃO - MOSTRA DE ARTES, 2018, p. 2).
A organização atua por três frentes: o Núcleo de Arte e Educação (NAE),
responsável pelas atividades com crianças e adolescentes das comunidades
atendidas, escolas e instituições parceiras; o Núcleo de Formação Compartilhada
(NFC), que oferece cursos de artes integradas e práticas cênicas e corporais; e dois
grupos experimentais (Gex), de Danças Urbanas e Danças Contemporâneas, que
desde 2005 possibilitam a formação profissional gratuita de professores, bailarinos e
coreógrafos, com grandes nomes da dança mineira, em especial a equipe do Grupo
Corpo, ampliando as possibilidades no mercado de trabalho para jovens que
demonstrem interesse nos mais diversos campos das artes.
De maneira geral, a relação da ONG com a comunidade no entorno é “uma
construção permanente, na qual os seus vínculos são fortalecidos”, de forma que
promovam cada vez mais diálogo, debate e reflexões. Para tanto, o Corpo Cidadão
procura envolver constantemente as famílias de participantes e os moradores das
áreas em que atua. (CORPO CIDADÃO - MOSTRA DE ARTES, 2018, p. 5).

Na comunidade em que o projeto se insere acontecem intervenções


artísticas, circulação, visitas domiciliares, realização de eventos abertos no
espaço do projeto, abertura ao voluntariado e convite a moradores para
participar das atividades. Esta é uma forma de fortalecer o diálogo e
conhecimento entre a comunidade e o projeto. (CORPO CIDADÃO -
MOSTRA DE ARTES, 2018, p. 5).

Em relação aos princípios da organização, a ONG traz como argumento sua


crença na construção de um mundo justo, solidário e sustentável através da
valorização da diversidade e da cidadania, definida por ela como um
comprometimento com a transformação direcionada pelo respeito, busca pelo bem-
estar, harmonia e responsabilização nesses processos, sejam elas pessoal ou
coletivos. Tais preceitos evidenciam-se em seu trabalho com os jovens e crianças
carentes, na educação através da expressão artística e no incentivo ao
desenvolvimento de suas potencialidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos essa pesquisa apresentando que um dos nossos objetivos era fazer
um apanhado sobre a questão das transformações do conceito de responsabilidade
social e entender o quanto essa prática organizacional se conecta, também, com a
dimensão da reputação. Como vimos, a Responsabilidade Social Empresarial é um
conceito que nasceu na década de 1980, quando as marcas passaram a se
apropriar de um discurso voltado para o social através de ações que transcendiam o
seu produto, em resposta à demanda de diferenciação em um mercado global e
competitivo.
Conforme apresentado a RSE tem o propósito de construir uma reputação
positiva frente ao seu público ao longo da existência da organização, sendo,
portanto, uma ação comunicativa de longo prazo. Sendo assim, desponta-se no
contexto empresarial investimentos em áreas como educação, cultura, meio
ambiente, vulnerabilidade infantil, dentre outros que são apropriados ao negócio
organizacional, na nova ordem comercial que exige.
Ao mapear os investimentos em cultura, especificamente da dança, no Brasil
foi possível notar que apesar de ser uma área que recebe financiamento,
principalmente por meio de incentivos fiscais no país, o segmento cultura ainda não
é colocado como a principal diretriz para a Responsabilidade Social das empresas.
Indicamos através dos dados apresentados que grande parte dos
investimentos em cultura tem como referência o setor da educação. Assim, conclui-
se que não há clareza na diferenciação de ambos os setores no que diz respeito às
formas de financiamento, ou talvez aquilo que as empresas têm priorizado seja
realmente o setor da educação, entendendo-o como uma dimensão de investimento
em cultura de maneira consequente.
No âmbito deste trabalho não foi possível explicar exatamente o motivo da
educação ser a prioridade nos investimentos. No entanto, podemos especular que a
educação em termos de visibilidade das organizações traga mais dividendos à
reputação das empresas no Brasil. Provavelmente pelo déficit histórico do país
nessa área. Mas esse nosso pressuposto merece ser mais bem aprofundado em
outras pesquisas.
É válido ressaltar também que apesar dos indicadores do investimento em
cultura serem baixos no Brasil os dados apontam para um crescimento desde 2016.
Apesar de que em sua maioria esses recursos dependem de incentivos federais,
como a atual Lei Federal de Incentivo à Cultura, em Minas Gerais saíram grandes
nomes do teatro, como o Grupo Galpão, da música com a Orquestra Filarmônica de
Minas Gerais e claro, na dança com o Grupo Corpo e a Cia. De Dança Palácio das
Artes.
Ao mapear as empresas que patrocinam a dança em Minas Gerais, pudemos
notar uma similaridade em seus discursos, boa parte desses investidores colocam
que investir em arte e cultura é investir no social, nas pessoas, na cidadania, é
também se preocupar com o bem-estar e qualidade de vida da sociedade como um
todo e até zelar por um futuro melhor para as próximas gerações. Esse
posicionamento é acompanhado, na maioria das vezes, em um ganho positivo na
reputação dessas empresas, como a Cemig coloca, é uma consequência de suas
ações transcendentes.
Em relação ao grupo Corpo como caso exemplar, tínhamos como hipótese de
que seu projeto social, o Corpo Cidadão como um projeto de grande destaque
dentro do negócio organizacional, Grupo Corpo. No entanto, as informações
apontaram para o contrário dos nossos pressupostos.
Verificamos um distanciamento entre o que é a organização Grupo Corpo e o
que é o seu projeto de responsabilidade social, Corpo Cidadão. Sendo assim, em
relação à visibilidade do Corpo Cidadão, apesar de se tratar de uma parte integrante
de uma das maiores companhias de dança do país, sua repercussão e visibilidade
pública não fazem jus à organização da qual é originária.
Apesar do Grupo Corpo ter sua legitimação fundamentada através de seu
processo imanente que é o produto dança, ainda assim é uma organização que se
propôs a fazer um investimento em um projeto social. No que tange aos valores ou
princípios do Corpo Cidadão, pode-se afirmar a existência de um comprometimento
com o desenvolvimento das potencialidades de crianças e jovens voltado para o
respeito e solidariedade, de forma que se promova cada vez mais diálogo, por meio
da arte e cultura, com a comunidade em que se atua.
Nesse sentido, esse estudo aponta para o fato de que o Corpo Cidadão se
limita a um trabalho social do Grupo Corpo, focado no oferecimento de um espaço
na formação de talentos que posteriormente possam se integrar à Companhia, no
entanto, não há como relacionar o projeto ao conceito de RSE para a construção de
uma reputação positiva.
Um aprofundamento sobre isso seria possibilitado a partir de um acesso aos
dirigentes da organização, mas devido a um contexto que é bem particular do
momento no Brasil e no mundo, esse contato não foi possível, no entanto, este é um
trabalho que futuramente pode ser retomado e certamente se abre como um bom
objeto de pesquisa para ser aprofundado.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Ana Luisa de Castro e MUNIZ, Reynaldo Maia. A Construção da


Reputação Organizacional como Recurso Estratégico: o Papel dos Gestores e
a Percepção dos Stakeholders. Anais do Encontro Nacional da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração. Brasília: 2005.

ALMEIDA, Ana Luisa de Castro. A Influência da Identidade Projetada na


Reputação Organizacional. Belo Horizonte: UFMG, 2005.

ALMEIDA, Ana Luisa de Castro. Identidade, imagem e reputação organizacional:


conceitos e dimensões da práxis. In: KUNSCH, Margarida M. Krohling. (Org).
Comunicação Organizacional: linguagem, gestão e perspectivas. v.2. São
Paulo: Saraiva, 2009. p. 214-242.

BOGÉA, Inês (Org.). Oito ou nove ensaios sobre o Grupo Corpo. São Paulo:
Cosac & Naify, 2001.

CAPPELLIN, Paola e GIULIANI, Gian Mario. Compromisso social no mundo dos


negócios. 1999.

FOLHA DE SÃO PAULO. Setor da cultura precisa diversificar suas fontes de


financiamento. Folha de São Paulo, 2019. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2019/08/setor-da-cultura-precisa-
diversificar-suas-fontes-de-financiamento.shtml>. Acesso em: 14 de mar. de 2020.

FONTANA, Mário. Cemig é a nova patrocinadora máster do Palácio das Artes.


Estado de Minas, 2019. Disponível em:
<https://www.em.com.br/app/colunistas/mario-fontana/2019/11/28/interna_mario_font
ana,1104187/cemig-e-a-nova-patrocinadora-master-do-palacio-das-artes.shtml>.
Acesso em: 01 de abr. de 2020.

FUNDAÇÃO CLÓVIS SALGADO. Cia. de Dança do Palácio das Artes. [s.d.].


Disponível em: <http://fcs.mg.gov.br/>. Acesso em: 27 de jun. de 2020.

GOVERNO DE MINAS. Dança. [s.d.]. Disponível em: <https://www.mg.gov.br/>.


Acesso em: 27 de jun. de 2020.

GRUPO CORPO. Grupo Corpo, [s.d.]. Companhia. Disponível em:


<http://www.grupocorpo.com.br>. Acesso em: 10 de fev. de 2020.

GRUPO CORPO. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo635927/grupo-corpo>. Acesso em: 10 de
fev. de 2020.

Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). Censo GIFE 2018. São Paulo,
2019. Disponível em: <http://gife.org.br/censo-gife/>. Acesso em: 14 de mar. de
2020.
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). Censo GIFE traz dossiê sobre
investimento privado em cultura. São Paulo, 2010. Disponível em:
<https://gife.org.br/censo-gife-traz-dossie-sobre-investimento-privado-em-cultura>.
Acesso em: 14 de mar. de 2020.

HALLIDAY, Tereza Lúcia. A retórica das multinacionais: a legitimação das


organizações pela palavra. São Paulo: Summus, 1987.

HALLIDAY, Tereza Lúcia. Declarações de objetivos e legitimação organizacional.


Rio de Janeiro, [s.n], 1990.

HALLIDAY, Tereza Lúcia. O que é Retórica. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.

Instituto ETHOS. Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial.


São Paulo, [s.n.], 2016.

ITAÚ CULTURAL. O Itaú Unibanco e a Cultura Brasileira. [s.d.]. Patrocínios.


Disponível em: <https://www.itaucultural.org.br/institucional>. Acesso em: 01 de abr.
de 2020.

NEVES, Marcia. Marketing Social no Brasil. Rio de Janeiro: E-PAPERS, 2001.

PEDROSA, Tamires Natália Brumer. Financiamento do setor cultural no Brasil.


Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 09, Vol. 2.

PRINGLE, Hamish e THOMPSON, Marjorie. Marketing Social: Marketing para


Causas Sociais e a Construção das Marcas. São Paulo: Makron Books, 2000.

SANTOS, Larissa Conceição. História e legitimação organizacional: reflexões


acerca das narrativas histórico-organizacionais. ORGANICOM, 2014.

SCOTT, S.G.; LANE, V.R. A stakeholder approach to organizational identity.


Academy of Management Review. 25(1), 43-62. Sirgy, J. M. (1982).

TREVISAN, Fernando Augusto. Balanço Social como instrumento de marketing.


Editora: Fundação Getúlio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São
Paulo. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=205118144017

UNIMED BH. Instituto Unimed. [s.d.]. Instituto. Disponível em:


<https://portal.unimedbh.com.br/>. Acesso em: 27 de jun. de 2020.

VAN RIEL, C.B.M. Essentials of corporate communication: building and


implementing corporate stories using reputation management. Londres,
Routledge, 2003.

Você também pode gostar