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TETE
2016
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE
FACULDADE DE GESTÃO DE RECURSOS NATURAIS E
MINERALOGIA
DEPARTAMENTO DE DIREITO
TETE
2016
DECLARAÇÃO DE AUTENTICIDADE
Armindo Zefanias Chilaule, filho de Zefanias Chilaule de Joaneta Jorge Matusse Jorge Matusse,
nascido em 25 de Setembro de 1962, natural de Maputo, Distrito de Manhiça, Província de
Maputo, juro por minha honra, que o presente trabalho é da minha autoria e é original, excepto as
citações e as referencias e resulta de uma pesquisa por mim realizada, com vista a compilação
deste trabalho do fim do curso, para a obtenção do grau de licenciatura em Direito, pela
Faculdade de Gestão de Recursos Naturais e Mineralogia na Universidade Católica de
Moçambique.
O Autor
________________________________
/Armindo Zefanias Chilaule/
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Este trabalho foi aprovado no dia_____ de________ de 20____ por nós membros de júri do
Conselho Científico da Universidade católica de Mocambique, com a nota de__________
valores.
_____________________________________
(O Presidente)
_____________________________________
(O Arguente)
_____________________________________
(O Supervisor)
______________________________________
(Armindo Zefanias Chilaule)
DEDICATÓRIA
A minha esposa (Eduarda Bernardo
Fernando) e aos meus filhos, pelo sacrifício
e aconselhamento e dedicação para o
alcance do objectivo de Obter o Grau de
Licenciatura em Direito
Aos meus Pais, e Irmãos.
AGRADECIMENTOS
Um agradecimento especial aos meus pais, minha esposa, meus filhos e irmãos por sempre me
terem acompanhado e apoiado inteiramente e acreditado em mim.
Agradeço com especial apreço ao Dr. Jacques Kabeya Kazadi e o Dr. Sérgio Soares João Baptista
pela sua orientação do tema, ajuda prestada e interesse nesta pesquisa, pela sua disponibilidade,
partilha de conhecimento, experiência científica e pelas críticas e conselhos na elaboração do
presente trabalho.
Em particular ao Dinis João de Deus, pelo apoio prestado, pela sua disponibilidade e interesse
mostrado em ajudar a realizar este trabalho.
Aos meus amigos de sempre quero agradecer pelo companheirismo e diversão nos momentos de
maior tensão, pelo incentivo e amizade de longa data.
Gostaria de agradecer a todos que, directa ou indirectamente, me ajudaram na realização deste
projecto, proporcionando-me conhecimento e crescimento profissional e pessoal.
Por fim, agradeço aos meus colegas de curso os bons momentos passados, as inúmeras
experiências, conversas e diversões partilhadas.
EPIGRAFE
“O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente.
Mahatma Gandhi”
SIGLAS E ABREVIATURAS
Art.º - Artigo;
CC - Código Civil;
CCA - Código Civil angolano;
CP – Casamento Prematuro;
LF - Lei de Família;
SS – Seguintes.
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
RESUMO
O presente trabalho tem como tema, Direitos humanos e o casamento prematuro no ordenamento
jurídico moçambicano, visto que o casamento prematuro é endémico em Moçambique, o que
quer dizer que, o casamento prematuro é revelador da discriminação existente e, acima de tudo,
da discriminação na maneira como as famílias e as sociedades tratam as meninas e os meninos. A
desigualdade no tratamento manifesta-se na desproporcionalidade no nível de atenção e
investimento entre crianças dos dois sexos na saúde, na nutrição e na educação. As meninas
enfrentam normalmente mais privações e falta de oportunidades. Com este texto pretende-se
rever o enquadramento legal aplicável a Moçambique em relação ao casamento prematuro e a sua
incidência, e discutir uma tentativa de criminalizar os implicados. É neste contexto que torna-se
importante, que as referências elencadas no ordenamento jurídico moçambicano sejam disseminadas na
comunidade como referências para o exercício de direitos de cidadania e, consequentemente, para
protecção dos direitos das crianças. Em suma, Moçambique assumiu o compromisso de adequar as
normas de direito interno às da Convenção, para salvaguardar e promover eficazmente os direitos
e liberdades nela consagrados. A partir deste vínculo jurídico ratifica a Convenção dos Direitos
da Criança, instrumento que enuncia um amplo conjunto de direitos os direitos civis e políticos,
sociais e culturais de todas as crianças, bem como as respectivas disposições para que sejam
aplicados. Por outro lado, ao considerar a dimensão que envolve o género, como indicador do
carácter social das diferenças baseadas no sexo, concluiu-se que associação do género à categoria
criança e infância permite perceber que, em Moçambique como em outras sociedades de
ideologia patriarcal, as crianças são consideradas culturalmente inferiores e posicionam-se na
base da hierarquia social. O casamento prematuro é, por isso, justificado a partir do processo de
socialização, assumindo o marco de integração da rapariga ao grupo (família e comunidade a que
pertence).
1.2. Concepções Doutrinárias Acerca da Natureza Jurídica dos Direitos Humanos ................. 18
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 54
RECOMENDAÇÕES .............................................................................................................. 56
INTRODUÇÃO
O tema que proponho a apresentar cingir- se-á aos Direitos Humanos e Casamento Prematuro no
Ordenamento Jurídico Moçambicano, comum requisito parcial para a Obtenção do Grau
Académico de Licenciatura em Direito, pela Universidade Católica de Moçambique, Faculdade
de Gestão de Recursos Naturais e Mineralogia, com o objectivo de contribuir não sópara a
prevenção e irradicação dos casamentos de raparigas, mas ainda para a efectivação dos direitos
das raparigas, previstos na Constituição da República de Moçambique e nas covenções
internacionais.
Porém, as questões ligadas aos direitos humanos da criança (neste caso da rapariga), apesar da sua
previsão, passam a ser omissas, limitando os espaços para a sua promoção. Neste contexto precisa de
entender o casamento prematuro considerando que as práticas como os ritos de iniciação podem ser
relevantes para a definição do conceito de criança e, consequentemente, promover mudanças no processo
de prescrição de papéis e espaços de actuação específicos para as crianças e adolescentes vivendo em
zonas rurais. A realidade moçambicana monstra que o casamento pode ser arranjado pela família e, nem
sempre os nubentes podem decidir sobre quando e com quem vão contrair matrimónio.
O estudo tem como objectivo geral analisar os Direitos Humanos e Casamento Prematuro no
Ordenamento Jurídico Moçambicano”
Como objectivos especificos, o estudo visa: (i) descrever os efeitos resultantes dos casamentos
precoces ou uniões forçadas nas raparigas;(ii)analisar a falta de cobertura legal, no âmbito penal,
para proteger a rapariga em situação de relação equiparada ao casamento e a consequente
gravidez precoce;
Este tema é importante no nível académico e também por si tratar de obtenção de grau de
licenciatura segundo orientação desta faculdade é um dos requisitos principal para elaboração de
monografia. Segundo MARCONI e LAKATOS, a justificativa consiste numa exposição suscita
porém completa, das razões de ordem teórica e dos motivos de ordem prática que tornam
importante a realização da pesquisa2.
A razão de fundo para a escolha desse tema dos diversos é o interessante facto de, Criar sistemas
locais de referência para casos de violência de menores através da disseminação de informação
sobre como proceder quando se é confrontado com um caso destes. Os sistemas locais de
referência devem incluir todas as pessoas e instituições que podem desempenhar um papel de
reportagem.
1
MARCONI, Maria de Andrade, LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos de metodologia científica, p. 201
2
MARCONI, Maria de Andrade, LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos de metodologia científica, p. 202
O fim prende-se, informar as raparigas e mulheres jovens sobre os seus direitos e sobre o que
constitui o abuso sexual, a melhor forma de evitar colocar-se em situações de risco e as opções
disponíveis caso elas ou uma amiga ou parente seja vítima de abuso. Isto pode ser feito usando
estratégias de educação de pares para transmitir informação.
Logo, devemos desenvolver programas educacionais para pais sensíveis ao género que enfoquem
métodos disciplinares não violentos. Esses programas devem promover relações saudáveis entre
pais e filhos e orientar os pais no sentido de que adoptem métodos disciplinares construtivos e
positivos e abordagens que promovam o desenvolvimento da criança, levando em consideração
as suas capacidades em formação e a importância de respeitar as suas opiniões.É relevante falar
do tema, por ser actual e pelo dinamismo da sociedade, as normas devem se adequar as
realidades, para não se cair no velho ditado de só existirem leis mas que não são devidamente
aplicadas.
Da problemática dos casamentos prematuros em Moçambique surge a questão seguinte: até que
ponto o casamento prematuro garante a protecção dos direitos humanos reconhecidos as raparigas
em Moçambique?
Ora vejamos que a pobreza também tem contribuído para a ocorrência de menores em conflito
com a lei. Com aprovação da Lei da Família, em 2004, a idade para o casamento da rapariga
subiu de 14 para 18 anos. Porém, a própria Lei abre espaço para que pessoas com menos de 18
anos e mais de 16 possam contrair casamento (art. 30, nº 2), “o Estado tem o dever de assegurar a
protecção dos direitos da mulher e da criança, conforme estipulados nas Declarações e
Convenções Internacionais”, conjugado com artigo 47 da constituição da República de
Moçambique.
Resulta que este tipo de pesquisa, tem como objectivo de propocionar maior familaridade com
problema de modo a torná-lo mais explícito. Pode envolver levantamento bibliográfico,
entrevista, com pessoas experientes no problema pesquisado, etc. Geralmente, assume a forma de
pesquisa bibliográfica e estudo de caso.
Quanto ao metodo de abordagem, o método a ser utilizado na pesquisa será hipotético - dedutivo,
pois segundo LAKATO E MARCONI, este inicia-se com um problema ou uma lacuna no
conhecimento científico, passando pela formulação de hipóteses e por um processo de inferência
dedutiva, o qual testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela referida hipótese4.
No que toca "no método hipotético-dedutivo," de facto o problema levantada nesta pesquisa
resulta das pessoas perderem familiares devido ao tráfico, infelizmente não os encontrar a mais".5
Na verdade, essa é a fase de teste do modelo simplificado. É uma fase meticulosa em que é
observado determinado aspecto do universo, objeto da pesquisa. A fase seguinte é a formulação
de hipóteses, ou descrições-tentativa, consistentes com o que foi observado.
No que concerne o metodo de procedimento, o método a ser utilizado foi bibliográfico, visto que
recorreu-se a livros, artigos científicos, textos retirados da internet e legislação. No pensamento
de GIL, "a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com a base em material já elaborado,
constituído de livros, artigos científica e textos retirado de internet".6
4
Markon e Lakatos, Metodologia do trabalho científico, P.38.
5
Carvalho, Metodologia de Pesquisa Cientifica, P. 21
6
Gil, Manual de Metodologia de Pesquisa Científica.
consiste em examinar os factos ou fenómenos que se pretendem estudar, e também na utilização
de sentidos para obtenção de alguns aspectos da realidade.7
7
Markon e Lakatos, Metodologia do trabalho científico, Pág.38.
Os direitos humanos ou direitos do homem, nascem essencialmente como
direitos negativos, ou seja, como obrigação de omissão ou abstenção por parte de
Estado em face de certas condutas dos cidadãos8.
O ser humano é livre, logo o Estado deve abster-se de privar a liberdade; o ser humano tem
direito a expressar-se livremente, logo o Estado deve abster-se de censurá-lo.
A sistematização desses direitos negativos em uma determinada ordem constituicional ou em um
tratado ou em uma proclamação internacional constitui aquilo que a doutrina convenciona.
Conceituar então, a natureza jurídica dos direitos humanos se torna abrangente pela diversidade
de posicionamentos encontrados na doutrina. Onde para alguns, os direitos humanos são
simplesmente direitos subjetivos; onde para outros são direitos subjetivos, emanados diretamente
das normas positivas e somente adquirem valor jurídico ao serem reconhecidas pelo Estado.
Segundo MORÁN:
Outros ainda, que consideram os direitos humanos como valores; ou ainda como
princípios gerais de direito; enquanto para outros são faculdades de poderes
nascidos de normas objetivas previamente existentes nos ordenamentos estatais,
que lhes são impostas obrigando o seu reconhecimento, com sentido de direito
natural clássico ou simplesmente como direito objetivo numa concepção mais
actual9.
Segundo CANOTILHO:
8
ALEXANDRINHO, Os Direitos humanos em ÁFRICA, Pág. 18.
9
Cf. MORÁN, Narciso Martínez, Naturaleza y Caracteres de los Derechos, pág. 109.
10
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003, pág. 393.
morais, entende que os direitos humanos são a parte mais substancial dos direitos morais
oriundos dos princípios da inviolabilidade, da autonomia e da dignidade da pessoa humana11.
Para MORÁN “indaga ser óbvio que os direitos fundamentais incorporados nos preâmbulos são
considerados como princípios superiores do ordenamento jurídico”12.
11
NINO, Carlos Santiago, Ética y derechos humanos: un ensayo de fundamentación, pág. 110.
12
Cf. MORÁN, Narciso Martínez, pág. 112.
13
PECES-BARBA, Martínez, G., Derechos Fundamentales, pág. 113.
povos, direito ambiental, direitos do consumidor, inclusão digital, entre outros,
fundamentados no valor fraternidade)14.
Para HERKENHOFF:
14
PIOVESAN, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, pág. 25.
15
PIOVESAN, Flávia, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, pág. 124.
16
PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, pág. 25.
17
HERKENHOFF, João Baptista, Curso de Direitos Humanos, pág. 31.
Em ambas as convenções, criadas antes da Primeira Guerra Mundial, visou-se estabelecer
limites à atuação estatal e garantir a observância dos direitos fundamentais, assinalando a
necessidade de se relativizar a soberania dos Estados.
Através destes institutos, não mais se visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os
Estados. Visava-se sim ao alcance das obrigações internacionais a serem garantidas ou
implementadas coletivamente que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos
Estados contratantes.
Estas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser humano e não
das prerrogativas dos Estados” Na sequência, após a Segunda Grande Guerra, palco de
massacres e conhecido genocídio das mais distintas etnias, efeito do fortalecimento do
totalitarismo estatal dos anos 30, a humanidade percebeu a premência de se resguardar,
mediante eficazes medidas, a dignidade da pessoa humana.
Dessa maneira foi que a Declaração definiu, como nunca antes, os padrões éticos e morais a
serem perseguidos pelos Estados, conferindo uma gama extensa de direitos e faculdades sem as
quais um ser humano já não mais poderia desenvolver sua personalidade intelectual, física e
moral e acarretando uma repercussão tal que os povos passaram a ter consciência de que o
conjunto da comunidade humana se interessava pelo seu destino.
Ademais, além de internacionalizar os direitos ali contidos, a Declaração também teve a função
de conjugar, harmonizar ou conciliar as gerações de direitos civis e políticos (primeira geração
de direitos) aos direitos econômicos, sociais e culturais (segunda geração), equalizando, desta
forma, o discurso liberal e o discurso social defensores da cidadania, atando o valor da
liberdade ao da igualdade, dicotomia que até então não se cria pudesse ser ultrapassada.
Impende salientar, no entanto, tal sistematização dos direitos humanos em gerações de direitos,
não acompanha qualquer hierarquização desses valores, mas tão só corresponde ao seu
reconhecimento em dado momento histórico e em determinados ordenamentos jurídicos.
18
COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, pág. 56.
19
LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, pág.
126.
COMPARATO argumenta que:
[...] representaram a emancipação histórica do indivíduo perante os grupos
sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as
organizações religiosas. Mas em contrapartida, a perda da proteção familiar
estamental ou religiosa tornou o indivíduo muito mais vulnerável às
vicissitudes da vida20.
São vistos como direitos inerentes ao indivíduo e tidos como direitos naturais, uma vez que
precedem o contrato social. Por isso, são direitos individuais: (I) quanto ao modo de exercício é
individualmente que se afirma, por exemplo, a liberdade de opinião; (II) quanto ao sujeito
passivo do direito pois o titular do direito individual pode afirmá-lo em relação a todos os
demais indivíduos, já que esses direitos têm como limite o reconhecimento do direito de outro
[...].
20
COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, pág. 51.
21
LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, pág.
127.
parte, a promiscuidade entre poder político e religioso, assinalando a secularização do poder do
Estado22.
Essa dúvida, no entanto, desmerece maiores delongas, já que não perfaz a matéria que se
pretende analisar neste trabalho, razão porque breves as linhas que encerram tal explanação.
De segunda geração, são, pois, os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, dentre outros, cujo
sujeito passivo é o Estado, que tem o dever de realizar prestações positivas aos seus titulares, os
cidadãos, em oposição à posição passiva que se reclamava quando da reivindicação dos direitos
de primeira geração.
22
BOBBIO, Norberto, A era dos direitos, p. 60.
23
HUMENHUK, Hewerstton, O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais, 2004.
Foram positivados somente nas Constituições francesas liberais de 1791 e 1973, sendo
ampliados e reafirmados pela Constituição francesa de 1948, carta política esta que
correspondeu com a consciência da população, verdadeira interessada na efetivação de tais
direitos, dos problemas resultantes da revolução industrial e a condição dos operários.
[...] trazem como nota distintiva o facto de se desprenderem, em princípio, da figura do homem
indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação),
e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade colectiva ou difusa. […]
Dentre os direitos fundamentais da terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre
referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente
e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e
cultural e o direito de comunicação.
24
TAVARES, André Ramos, Curso de direito constitucional, págs. 421-422; ALMEIDA, pág. 45.
Cuida-se na verdade do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano,
geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância,
bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes
consequências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais.”
Tais direitos, sabe-se, caracterizam-se pelo distintivo de demandarem a participação intensa dos
cidadãos, sem a qual não tem eficácia, requerendo a existência de uma consciência coletiva na
atuação individual de cada membro da sociedade, em aliança com Estado.
Há, ainda, doutrinadores, como o constitucionalista Paulo Bonavides, que entendem que a
quarta geração de direitos identificar-se-ia com a universalização de direitos fundamentais já
existentes, como os direitos à democracia directa, à informação e ao pluralismo.
25
Bruce, J., Married Adolescent Girls: Human Rights, Health and Developmental Needs of a Neglected, 2002.
As raparigas que vivem nestas uniões forçadas, para além de se verem
impossibilitadas de gozarem dos seus direitos, sofrem severas consequências no
que diz respeito ao seu bem-estar psicológico e emocional, à sua saúde
reprodutiva e às suas oportunidades educativas e na vida como adultas 26.
Portanto, a idéia de educação para a cidadania não pode partir de uma visão da sociedade
homogênea, como uma grande comunidade, nem permanecer no nível do civismo nacionalista.
Torna-se necessário entender educação para a cidadania como formação do cidadão participativo
e solidário, consciente de seus deveres e direitos – e, então, associá-la à educação em direitos
humanos. Só assim teremos uma base para uma visão mais global do que seja uma educação
democrática, que é, afinal, o que desejamos com a educação em direitos humanos, entendendo
“democracia” no sentido mais radical – radical no sentido de raízes – ou seja, como o regime da
soberania popular com pleno respeito aos direitos humanos.
Não existe democracia sem direitos humanos, assim como não existe direitos humanos sem a
prática da democracia. Em decorrência, podemos afirmar o que já vem sendo discutido em certos
meios jurídicos como a quarta geração, ou dimensão, dos direitos humanos: o direito da
humanidade à democracia. Esta educação formal na escola, resultará mais viável se contar com o
apoio dos órgãos oficiais, tanto ligados diretamente à educação como ligados à cultura, à justiça e
defesa da cidadania.
26
UNICEF, Early Marriage. Child spouses, 2001.
CAPÍTULO II: CASAMENTO E SEUS EFEITOS
Trata-se pois de uma obrigação natural que não é juridicamente exigível. É uma obrigação
fundada em meros diversos de justiça e que não é exigível juridicamente.
27
Art.º 7 da Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.
28
Art.º 19 da Lei da Família, aprovada pela Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.
Já quando o direito de indemnização art. 22 º- n.º 2 é exigível é mas só nos termos restritos deste
artigo. É necessária uma ruptura injustificada por parte dos nubentes, há que analisar estas
rupturas em termos objectivo. O direito de indemnização circunscreve-se aos próprios nubentes e
os seus limites estão circunscritos às obrigações contraídas com acordo de outro nubente e só
podem ser indemnizações patrimoniais.
A promessa do casamento vem constituir também elemento de facto preponderante para a decisão
judicial a tomar em acção para o estabelecimento da filiação.
Que tem uma outra visão do casamento. Assim, este entende que “o casamento é a união
voluntária e singular entre um homem e uma mulher, com o propósito de constituir família,
mediante comunhão plena de vida”31
O nosso código de família quis deixar de reconhecer o casamento como um contrato para passar a
reconhecê-lo como uma união, embora reconheça nele um negócio jurídico em que a declaração
da vontade dos nubentes vai produzir unicamente os efeitos jurídicos previstos na lei e que são de
29
Art. 7.° da Lei da Família, aprovada pela Lei n.º 10/2004 de 25 de Agosto, 2004.
30
Cfr., VARELA, Antunes, Direito da Familia, Direito matrimonial, p.120 e segs.
31
Cfr., COELHO, F. P. e OLIVERA, G. de, Curso de Direito da Família: Introdução Direito Matrimonial, p. 173.
natureza imperativa. A sua autonomia da vontade circunscreve-se à dois pontos, considerados
como pertinentes aos direitos fundamentais da pessoa humana:
Cada pessoa é livre de casar ou não.
Cada pessoa é livre de escolher a pessoa de outro sexo com quer casar.O casamento deve
ser definido como um negócio jurídico familiar e bilateral, com a natureza de um pacto,
celebrado entre os nubentes. É o acto jurídico condição de aceitação do estado de casado,
que dele decorre, estado esse que se estabelece reciprocidade entre 2 nubentes.
Fica portanto afastada a hipótese do casamento como um contrato civil, pois a vontade do Estado
intervêm no acto do casamento, antes da sua celebração, através do conservador do registo civil,
cuja intervenção tem a natureza certificativa e a sua participação é indispensável à própria
existência do acto jurídico.
2.7. O Consentimento
É o segundo elemento consubstancial que integra o acto do casamento é o elemento psicológico e
subjectivo: a vontade do nubente.
O consentimento tem de ser dado pela pessoa do nubente, ninguém pode ser substituído, mesmo
em caso do nubente ser menor, apesar de para isso ter de estar autorizado.
No entanto é permitido que um dos nubentes esteja representado por um procurador, a lei impõe
que a procuração seja de natureza especial, válida tão-somente para o acto de casamento,
devendo mencionar expressamente o nome do outro nubente, art. 42º, n.º 2 LF e nunca se pode
fazer representar os dois nubentes no mesmo tempo. O nosso sistema não admite os casamentos
arranjados pela família pois, este tem de ser contraído com base na vontade dos nubentes. Não se
admitem no casamento condições ou termos pois o casamento tem natureza imperativa e
autonomia da vontade esgota – se com a escolha de casar ou não casar e com quem, casar. Para
ser válido tem de ser actual ou seja no momento da celebração.
Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e
sagrada, que vai merecer a mais ampla protecção do Estado. A Constituição mocambicana e o
Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem no entanto defini-la, uma vez
que não há identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia. Dentro do próprio direito
a sua natureza e a sua extensão variam, conforme o ramo.
32
Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil, volume 6: Direito de Famiia, 2010.
Direito de família é o complexo das normas que regulam a celebração do casamento, sua
validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade
conjugal, a dissolução destas as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os
institutos complementares da tutela e curatela. Podemos incluir nesse conceito a união estável,
a adoção e ao divórcio.
A família em sentido amplo, “é constituída pelas pessoas que se encontram ligadas pelo
casamento, pelo parentesco, pela afinidade e pela adopção” CAMPOS33. Portanto este autor
entende que a família é uma comunidade particularmente propícia à realização pessoal.
Ente nós, consta do nº 1 do art. 1 da Lei nº 10/2004, de 25 de Agosto, que aprova a lei de familia
(LF), que “a família é a célula base da sociedade, factor de socialização da pessoa humana”.
Portanto importa reter que a mesma tem mesmo entendimento se encontra em foque no art.º 119
da CRM, o qual reconhece e confere uma dignidade constitucional a família.
O conceito de família para o estudo deste trabalho pode ser dividido em três vertentes uma mais
jurídico-normativa, outra antropológica e por fim a que deve ser maior objeto de estudo neste
projeto, a subjetivista.
O autor GONÇALVES sustenta que:
Que possui uma visão mais normativa do direito de família, disserta que os
direitos de família são aqueles que existem por uma pessoa pertencer a uma
determinada família, sendo classificado como cônjuge, pai, mãe ou filho,
diferente dos direitos patrimoniais que tem valor pecuniário.34
O direito de família, contudo, pode ter atribuído a si conteúdo patrimonial, pois, é um ramo que
disciplina não só as relações patrimoniais como também as patrimoniais.
33
CAMPOS, Diogo Leitede, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 1997.
34
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil, volume 6: Direito de Famiia, 2010
Entretanto MELLO:
Entende que é comum não perceber que os laços que unem marido e mulher não
são de origem consanguíneas, sendo então laços de afinidade que os unem em
matrimônio. Tais laços de afinidade são de extrema importância para
configuração da organização social de qualquer agrupamento humano. 35
Ao se falar de família, via de regra, surge logo o entendimento de uma unidade social composta
de pessoas unidas por laços que podem ser afetivos ou sanguíneos. O doutrinador disserta ainda
que o termo família é um termo vago, como será visto a seguir.
Na família pode-se discernir varias instituições familiares, tais como: o namoro, o noivado, o
casamento, a vida conjugal com todos os seus papéis (pai, mãe, filhos, sogros, etc.).No entanto,
não se pode esquecer que as instituições familiares são universalmente reconhecidas, embora em
cada sociedade elas assumam formas diferentes.
O certo é que o termo “família” é um tanto vago e pode significar: a)o grupo composto de pais e
filhos; b) uma linhagem patrilinear; ou uma linhagem patrilinear; c) um grupo cognático, isto é,
de pessoas que descendem de um mesmo antepassado, seja através de homens ou de mulheres; d)
um grupo de parentes e seus descendentes, que vivem juntos.”36
Segundo DIAS:
A sociedade só aceitava o conceito de família instituído sob uma base
matrimonial, por isso o ordenamento jurídico mocambicano só dissertava sobre
casamento, as relações de filiação e o parentesco.37
As relações extramatrimoniais só começaram a ingressar no ordenamento por jurisprudência,
contudo as relações homoafetivas não foram disciplinadas pelo Código Civil.
O dever jurídico com a sociedade mudou, sendo necessário que a jurisprudência seja o maior
aliado das mutações pelo qual a sociedade esta passando, seja no âmbito da família, da adoção ou
até mesmo de sucessões.
Para VENOSA:
Nas primeiras civilizações como as assíria, hindu, egípcia, grega e romana, a
família era uma entidade ampla e hierarquizada, sendo hoje quase de âmbito
exclusivo de pais e filhos.38
35
Mello, Luiz Gonzaga, Antropologia Cultural: Iniciação, teoria e temas, 2009.
36
Idem.
37
Dias, Maria Berenice, Manual de direito das famílias, 2013.
Com a evolução do instituto da família, confirma-se que os motivos para constituir a família
mudaram, e é necessário um amparo jurídico legislativo para acompanhar o processo de evolução
do instituto familiar.
Na sociedade Romana, elistista e machista os poderes patriarcais eram numerosos. Como mostra
os pricipios que vigiamà epoca:
38
VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Família, 2005.
39
WALD, Arnoldo. O novo Direito de Família. 15.ª Edição, Ver. Actual. E ampl. Pelo autor, de acordo com a
jurisprudência e com o novo Codigo Civil, Pag. 12.
Segundo WALD:
Havia uma divergência básica entre a concepcao católica do casamento e a
concepcao medieval. Enquanto para a Igreja em princípio, o matrimónio depende
de simples consenso das partes, a sociedade medieval reconhecia no matrimónio
um acto de repercussão económica e politica para o qual devia ser exigido não
apenas o consenso dos nubentes, mas também o assentimento das famílias a que
pertenciam.40
A evolução do direito canônico ocorreu com a elaboracao das teorias das nulidades e de como
ocorreria a separacao de corpos e de patrimónios perante o ordenamento jurídico. Não se pode
negar, entrentanto, a influência dos conceiitos básicos elaborados pelo Direito Canonico, que
ainda hoje são encontrados no Direito.
40
WALD, Arnoldo, O novo Direito de Família, 15.ª Ediçção, Ver. Actual. E ampl. Pelo autor, de acordo com a
jurisprudência e com o novo Codigo Civil, com a colaboracao da Prof. Piscila M. P. Correa da Fonseca, 2004.
CAPÍTULO IV: APRESENTAÇÃO, ANALISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
4.1. Âmbito
Neste capitulo todos os institutos são relevantes para apreciacao do problema da nossa pesquisa,
neste capitulo iremos desmonstrar a Definição, motivações e influências do Casamento
Prematuro, Casamento prematuro, infância, Género e relações de poder, Aspectos jurídicos e
político estratégicos envolvidos no casamento Prematuro, tendo refrencia a Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, lei da família aprovada lei 10/2004 de 25 de Agosto, e o
Código Civil.
Segundo WILSA: “ Os mesmos são usados para justificar tal prática com motivações intra-
familiar que evocam a dimensão material (por parte dos promotores) e a dimensão simbólico
moral (por parte da vítima) ”.41
41
WLSA Moçambique, Revista Outras Vozes, págs.68-69.
42
FALEIROS, E.T.S, Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes,
pág.17.
Os autores que representam os estudos feminista eximem-se de abordar a complexidade das
relações de subordinação que caracterizam as relações estabelecidas entre a criança e o adulto e; a
infância e o mundo do adulto que em contexto de casamento prematuro são severamente
influenciadas pelas dimensões de género, classe social, etnia, geração e, até, raça.43
Assim, a estratégia recomendável para analisar o casamento prematuro como prática que atenta
contra os direitos humanos é abordar a criança como actor social e a infância como construção
social com características específicas e não como objectos submissos, invisíveis e em trânsito
para a fase adulta, por isso, confinadas ao espaço doméstico ou às instituições escolares como
defendem as teorias de socialização e do desenvolvimento social.
Esta perspectiva permite afirmar que o casamento prematuro é fundamentado pelo processo de
socialização, na perspectiva durkheimiana, que aborda a infância como espaço social de
preparação do indivíduo para a vida adulta.
Neste espaço, estão sempre presentes interesses políticos estratégicos das estruturas familiares
que asseguram a organização das mesmas e sua relação com o meio exterior. Por isso, a partir da
43
DE BARROS, J. & Tajú, G, Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique, pág.7.
44
De Barros, J. & Tajú, G. Prostituição, Abuso Sexual e Trabalho Infantil em Moçambique, pág.31.
compreensão das lógicas que determinam o lugar que a criança ocupa na estrutura familiar e o
seu espaço de actuação torna-se, a nosso ver, fácil compreender os factores que tornam o
casamento prematuro um fenómeno que ocorre em regiões específicas do país com impacto
severo na qualidade de vida da população feminina das zonas rurais.
Os autores consultados que abordam a infância como uma das áreas de estudos sociais não
consideram existir uma infância/criança universal. Por isso, tendo consciência da não existência
de um conceito Universal de criança/infância.
Estes autores, que afirmam que os papéis e espaços sociais de actuação das crianças são
determinados em função das referências culturais do grupo no qual estas se encontram inseridas.
Esse posicionamento remete-nos à discussão sobre a capacidade que as crianças têm para
negociar seus interesses nos espaços que lhes são socialmente prescritos.45
O ponto de partida para a delimitação da noção de casamento prematuro passa pela harmonização
do conceito criança. Sendo uma categoria social importante no processo de produção e
reprodução de valores, normas e práticas culturais; a criança, conceitualmente apreendida e
compreendida é vivenciada de maneira diversificada em função das representações e lógicas de
vida dos grupos nos quais ela se encontra inserida. Sendo que o casamento prematuro constitui
um fenómeno caracterizado pelo casamento tradicional entre indivíduos adultos do sexo
masculino e raparigas na adolescência e pré-adolescência, que vivem em contextos socioculturais
específicos.
O casamento Prematuro é o reconhecimento das competências culturais e da capacidade do
indivíduo exercer papéis sociais prescritos pelo grupo.
Segundo o relatorio de SAVE CHILDREN:
Não se pode abordar o casamento prematuro como uma prática exterior às
referências socioculturais das comunidades porque ele acaba sendo um elemento
estruturante das relações que são estabelecidas na família e entre os diferentes
grupos familiares que constituem estas comunidades. 46
Entende-se por isso, que se deve ter em conta que, como prática cultural reiterada, o casamento
prematuro não é visto pela comunidade como uma forma de violação dos direitos da criança
emanados pelas convenções internacionais e pelas normas jurídicas internas instituídas para o
efeito.
45
Mucavele et al,Pesquisa sobre crianças e mulheres chefes de família, 2002.
46
Save the Children UK & Norwa, O que tem que ser feito para as crianças? 2006.
As convenções internacionais sobre os direitos da criança e, especificamente, a Carta Africana
dos Direitos e Bem-estar da Criança ratificada por Moçambique através da Resolução n.º 20/98
de 26 de Maio do Conselho de Ministros refere que o conceito de criança é consentâneo com a
definição da Declaração Universal dos Direitos da Criança (DUDC) (Artigo 2) e, defende o
princípio de prioridade nas acções relacionadas com a criança (Artigo 4). Este documento exige a
protecção da privacidade da criança (artigo 10), a necessidade de protecção contra o abuso
infantil (artigo 16), a proibição de casamentos prematuros e a promessa de casamentos a menores
(artigo 21 n. ° 2) e insta os Estados a tomarem medidas contra todas as formas de exploração e
abuso sexual artigo 27.
Nesta perspectiva, o casamento prematuro é entendida como forma de violência da rapariga com
efeitos directos no exercício da sua saúde sexual e reprodutiva. Deste modo pode-se abordar o
casamento prematuro no âmbito da protecção dos direitos Humanos das mulheres, ainda que este
artigo verse sobre os direitos da rapariga.
Na abordagem de OSÓRIO:
47
OSÓRIO, C,Direitos humanos, direitos humanos das mulheres, In Direitos humanos das mulheres em quatro
tópicos, 2000a.
Destaca-se o facto de esta considerar que na DUDH a privacidade ser concebida
como um campo de não intervenção do Estado, por isso, passível de ser regulada
por práticas e valores sociais em conflito com o público.48
Esta afirmação é crucial para entendermos até que ponto se podem desenvolver acções e
estratégias conducentes à inibição do Casamento Prematuro tendo como suporte o sistema
jurídico que, como foi anteriormente anotado, não reflecte as práticas costumeiras relacionadas
com a integração das crianças na estrutura familiar.
48
Idem
49
ARNALDO, C, Fecundidade e seus determinantes próximos em Moçambique: Uma análise dos níveis,
tendências, diferencias e variação regional, pág.154.
50
Marchi, R, Infância, género e relações de poder: interpretações epistemológicas, pág.11.
Neste âmbito, considera-se que as raparigas dispõem de espaço e instrumentos limitados e aceites
para se protegerem dos casamentos prematuros.
Este facto é fundamentado pela permanência da ideologia patriarcal que se matem nas estratégias
de organização, distribuição, representação e controlo do papel e da função social da mulher na
estrutura familiar.
51
OSÓRIO, C, Violência contra a mulher, In Direitos humanos das mulheres em quatro tópicos, 2000b.
O casamento prematuro não é elencado, de forma clara, na Lei contra a violência doméstica,
como uma das formas de violência praticadas pelos membros adultos da família contra a criança.
Conclui-se deste modo que o casamento prematuro fundamenta-se no processo de distribuição
desigual de poder entre homens e mulheres. Para além dos factores considerados evidentes como
motivadores como sejam referem-se aos altos índices de pobreza entre a população onde o
fenómeno tende a ocorrer com mais frequência, baixo indicies de escolarização entre a população
feminina das zonas rurais, dificuldades de acesso a serviços socais básicos, a atenção recai para
aqueles que têm impacto nas estratégias de abordagem do fenómeno quadrados na promoção dos
direitos da criança e da rapariga.
Contudo, percorrendo os dispositivos legais (Lei da Família) podemos constatar uma “almofada”
que acomoda essa pratica, ao conceber no seu art. 30, n.º 2, da aso a esta pratica ao consentir que
pessoas com menos de 18 anos e mais de 16 possam contrair casamento.
Sob o ponto de vista académico, é importante fazer o estudo sobre este tema, pois apresenta um
pouco ou quase inexplorada no contexto das discussões sociológicas e de desenvolvimento sobre
casamentos prematuros em Moçambique, que é a abordagem jurídica que analisa as Implicações
da Violação dos Direitos Fundamentais dos Menores.
Nesse sentido, a partir do que está exposto e analisado, lança-se importantes contributos para as
autoridades de administração da justiça, lançam-se novos horizontes de pesquisa que,
posteriormente ajudarão a compreender as subjectividades dos menores em situação forçada de
casamento.
Sendo prática cultural reiterada e aceite um pouco por todo o país, Moçambique é um dos países
do mundo com os maiores índices de ocorrência de casamento prematuro que tendem a ocorrer
com maior incidência nas zonas rurais.
Segundo MISAU, UEM e FNUAP:
Em 1987, 66.7 por cento da população feminina da zona rural que contraiu o
primeiro matrimónio tinha menos de 19 anos de idade enquanto nas zonas
urbanas a percentagem era de 41.5 por cento.53
De lá para cá este cenário pouco mudou como demonstram os dados do Inquérito Demográfico e
de Saúde de 2003 que indicam que 74 por cento da população feminina casada entre os 20 e 24
de idade no ano da realização do inquérito tinha contraído o matrimónio antes da idade núbil.
As motivações para esta prática estão associadas a factores socioculturais que, na nossa
sociedade, promovem o casamento das raparigas logo após a primeira menstruação e antes da
primeira relação sexual Por outro lado, a análise jurídica do Casamento Prematuro remete-nos à
discussão sobre as implicações decorrentes da adesão do Estado de Moçambique às convenções
internacionais que protegem e promovem os direitos das crianças.54
Partindo do pressuposto que ao aderir à convenções como a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, a convenção Internacional dos Direitos da Criança, a Carta Africana
dos Direitos e Bem-Estar da Criança, entre outras convenções, o Estado Moçambicano reconhece
o princípio de universalidade dos direitos, assim como, a igualdade dos seres humanos. Torna-se,
então, legítimo considerar como refere o artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos que em Moçambique todos os indivíduos têm a liberdade para contrair matrimónio
52
The United Nations Children’s Fund, União Interparlamentar: protecção da criança, Manual para
parlamentares, 2004.
53
MISAU, UEM & FNUAP, Inquérito: Comportamento reprodutivo da mulher moçambicana, pág.2.
54
SARDC, ISRI, INE&PNUD, Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano 2005, Desenvolvimento humano
até 2015, alcançando os objectivos de desenvolvimento do milénio, 2006.
desde que seja observado o princípio da consagração da idade núbil, Artigo 30 da Lei da Família
consubstanciado ao artigo 122 do Código Civil.
Esta declaração estabelece, ainda, o princípio da liberdade de escolha e consentimento de
cônjuges. A legislação moçambicana defende o princípio de eliminação de qualquer forma de
discriminação e exploração contra a criança pois, ao ratificar as convenções que protegem e
promovem os direitos da criança, o Estado moçambicano aderiu ao princípio de liberdade e
igualdade no tratamento dos direitos humanos das crianças. Considera-se assim, que as uniões de
character matrimonial envolvendo menores de idade, sendo promovidas por adultos não têm
enquadramento no ordenamento jurídico moçambicano (Ex: Código Civil, Lei da Família), é
pois, neste âmbito que torna-se importante ter em consideração que neste artigo o casamento
prematuro resume-se a relações de carácter matrimonial envolvendo indivíduo adulto de sexo
masculino e menor de sexo feminino. A magnitude dos efeitos do casamento prematuro não é
conhecida no país, porém, reconhece-se que o seu impacto está directamente relacionado com
aumento:
Da incidência da gravidez precoce e consequente aumento das taxas de morte materna
(antes, durante ou nos 42 dias subsequentes ao parto) 3;
O casamento prematuro é definido como sendo uma união de carácter matrimonial que envolve
pelo menos um indivíduo menor de idade.55
Na sociedade moçambicana, o adulto tem o domínio sobre a criança e o homem sobre a mulher,
afectando as relações conjugais e familiares decorrentes do casamento prematuro.
55
The United Nations Children’s Fund, Child and forced marriage, pág.9.
Segundo SARDC, ISRI, INE e PNUD:
Assim, em Moçambique, o casamento prematuro constitui prática comum legitimada por factores
culturais, sociais, económicos, religiosos, psicológicos e morais que violam os direitos da criança
consagrados na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
Apesar do impacto que o casamento prematuro tem na vida de 20% das raparigas mais pobres do
país com idade inferior a 19 anos, este continua à margem das prioridades de intervenção das
instituições e organizações que militam em prol da promoção e protecção dos direitos da criança.
Entretanto, o tráfico e a exploração sexual, consideradas práticas nas quais a dimensão mercantil
é dos actores envolvidos na promoção dos direitos da criança bem como da imprensa.
No actual contexto sociopolítico, o investimento na análise de factores socioculturais que
determinam a maneira como os direitos, deveres e obrigações da criança são abordados na família
e na comunidade pode resultar na identificação de boas práticas aplicáveis à inibição do
casamento prematuro e promoção dos direitos da rapariga previstos na Constituição da República
e nos instrumentos internacionais de que Moçambique é parte.
A maneira como a sociedade concebe as categorias criança (actor) e infância, enquanto espaço de
construção social, torna o casamento prematuro numa das expressões pouco percebida do abuso e
da violação dos direitos sexuais e reprodutivos da rapariga, que reflecte a estrutura de poder que
orienta as relações entre criança e adulto e homem e mulher.
Deste modo, neste artigo MARCHI (p.15)
A infância e o género apresentam-se como categorias sociais que espelham a
dinâmica das relações assimétricas de poder e acção (consubstanciada na relação
de dependência adulto/criança e homem/mulher) que estruturam e aproximam os
seus universos sociais.57
O casamento prematuro pode constituir-se veículo de análise da posição que a mulher (rapariga)
ocupa na estrutura familiar e as suas implicações, partindo do princípio que a família, como
agente primário de socialização, produz e reproduz os elementos que integram o sistema
sexo/género que fundamentam as sociedades tradicionais. O entendimento do casamento
56
SARDC, ISRI, INE&PNUD, Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano, 2005, p.52.
57
MARCHI, R. Infância, género e relações de poder: interpretações epistemológicas, p.15.
prematuro como mecanismo de representação da mulher (rapariga) (papéis e funções) na
estrutura familiar permitirá palmilhar o caminho que se espera que culmine na identificação de
estratégias e acções conducentes à inibição e; em última análise, erradicação do casamento sem
que se ponham em causa os elementos fundamentais dessa mesma estrutura familiar.
Os conceitos de poder e género, são abordados como variáreis que, quando associadas à categoria
criança/ infância, produzem argumentos para o melhor entendimento do casamento prematuro,
aqui entendido como uma prática imposta à criança (rapariga) e legitimada pelos princípios da
sociedade de base patriarcal e reproduzida através do processo de socialização abordado na
perspectiva durkheimiana.
É nesta perspectiva, que as conclusões deste artigo são produto de uma releitura crítica do
conceito de socialização na perspectiva estrutural-funcionalista que nos leva a compreender o
carácter essencialmente político que envolve este conceito como processo que manipula o poder
para assegurar a constituição e manutenção da ordem social.
Por isso, tendo em conta que, na estrutura familiar e na comunidade, o casamento de raparigas
tem uma função político-estratégica na integração e negociação de espaços sociais de acção na
esfera privada e pública, este artigo sugere recomendações, estratégias para a sua inibição e
erradicação desta prática.
58
Artigo 7º da Lei da Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, aprovada pela Lei n.º 7/2008 de 9 de Julho
(Assembleia da República)
Afectação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a protecção à
infância e à juventude.
As medidas legislativas não se mostram suficientes para prevenir e reprimir as situações de
violação dos direitos da mulher e rapariga, pois terão de ser acompanhadas de outras medidas de
promoção e protecção das mulheres e raparigas vítimas de violação dos seus direitos, como a
mudança de mentalidade das mulheres e dos homens sobre o papel, os direitos e deveres da
mulher e sobre o reconhecimento dos direitos da rapariga e o seu respeito; a intervenção
atempada dos serviços sociais sempre que ocorram casos de violação dos direitos das crianças,
particularmente, quando é vítima dos seus familiares; a criação de condições para o emprego da
mulher que não tenha fontes de rendimento ou esteja impedida pela família ou pela sua condição
física ou de saúde de as ter; a criação de casas de abrigo para as vítimas.
Deste modo, constata-se que existe uma relação directa entre a prática dos ritos de iniciação e a
incidência de casamento prematuro. Finalmente, o fraco acesso aos serviços primários básicos
(preventivos) no âmbito da saúde sexual e reprodutiva da rapariga é também apontado como uma
das causas motivadoras da alta incidência do casamento prematuro entre raparigas residentes nas
zonas rurais. Por outro lado, o facto de no ordenamento jurídico moçambicano o casamento
prematuro não ser apresentado de forma clara torna difícil sanciona-lo não permitindo enquadra-
lo como infracção. Por outro lado, dificulta a harmonização de intervenções atinentes ao seu
controle e inibição e a consequente penalização dos danos decorrentes da prática relações sexuais
com menor de idade quando ocorram no âmbito da união do tipo matrimonial.
RECOMENDAÇÕES
As instituições envolvidas na protecção e promoção dos direitos da rapariga vêm desenvolvendo
acções com o objectivo de assegurar-lhe o acesso aos recursos e serviços que permitam a
melhorar as suas estratégias de sobrevivência. Todavia, como prática que enfatiza o papel
subalterno da rapariga (criança e mulher) na estrutura familiar, o casamento é abordado como um
fenómeno com motivações intra e extra-familiares que reflecte o papel da família como agente
socializador com a função de definir regras de conduta, dependentes do sexo /género e idade. O
Processo de definição de lugares na hierarquia familiar e de reprodução de valores e
comportamentos construídos com base no direito costumeiro tende a atentar contra os direitos
humanos convencionados pelas normas jurídicas instituídas pelos Estado moçambicano. Ao
abordar questões relacionadas com a violência contra mulher, aponta o abuso sexual e
molestamento como factores com impacto no aumento da incidência dos índices do casamento
precoce contribui e, consequentemente do casamento prematuro, uma vez que a gravidez na
adolescência influencia o índice dos casamentos na adolescência. É por isso que reconhecendo os
efeitos negativos do casamento para o desenvolvimento da rapariga e na qualidade de vida das
comunidade onde este o corre são apresentadas as seguintes recomendações:
Envolvimento dos conselhos comunitários nas Intervenções para a promoção dos direitos
da criança visando inibir e mitigar o casamento: Promover a participação das madrinhas
(ritos de iniciação) dos representantes da medicina tradicionais, líderes em acções de
promoção dos direitos da rapariga visando o adiamento da primeira relação sexual e
assegurando a sua permanência na escola
Para permitir que a família se transforme num agente de protecção e promoção dos
direitos da criança (rapariga), harmonizar conceitos, estratégias de intervenção:O governo
e sociedade civil devem harmonizar conceitos e estratégias de intervenção de modo a
identificar áreas prioritárias de intervenção que permitam o reconhecimento de
referências socioculturais que determinam a evolução comportamental e cronológica dos
indivíduos.
Estimular a sociedade civil para fazer advocacia para aprovação de instrumentos jurídicos
que desencorajam o casamento prematuro.
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