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RESUMO: Este artigo visa analisar o risco do dissenso, na teoria de Jürgen Habermas, como
um elemento que - ao invés de enfraquecer ou dilacerar - fortalece a prevalência do consenso
na sociedade democrática moderna.
ABSTRACT: This article aims at analyzing the risk of controversy according to the Theory
of Jürgen Habermas, as element at – in spite of weaken or tearing into pieces – strengthens the
prevalence of the consensus in the modern democratic society.
1. Considerações Iniciais
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Por isso, Habermas não permite que os ideais de sociedade se desvencilhem de uma
carga fática, em puro discurso abstrato ou filosófico. Da mesma forma, não permite que a
realidade perca as potencialidades ideais a que serve, em uma sociologia do direito
estritamente descritiva. E é com base nesses fatos que demonstra a preocupação em não
estudar a tensão entre facticidade e validade, fixando uma única orientação disciplinar,
adotando, em toda a sua teoria, um caráter nitidamente interdisciplinar.
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força de direito através de procedimentos jurídicos tidos como válidos; 2) validade social das
normas do direito positivo: a validade social é determinada pelo grau em que consegue se
impor na esfera social; só se impõe se for socialmente, no campo fático, aceita como norma
jurídica.
Ele aponta que o conflito do Direito se dá por causa da tensão permanente existente
entre coerção e positividade versus aceitabilidade racional e legitimidade. Isto é, sob pena de
as decisões e as normas serem estritamente arbitrárias e, conseqüentemente, inaceitáveis,
levando à desintegração social, o Direito deve, justamente, fundar a positividade na
legitimidade. A coerção deve garantir um nível de aceitação da norma. Para que se atinja a
integração social efetiva, o Direito deve mediar o mecanismo da legalidade e da legitimidade,
2
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. 2a ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003,
Vol. I, págs. 17-27
3
Habermas substitui o conceito de razão prática pelo de razão comunicativa, e o faz, a fim de que seja possível dar respostas
à questão da integração social, sem, no entanto, negar, por completo, o conceito de razão. A razão prática vinculava-se,
sobremaneira, ao elemento moral, já a razão comunicativa é dele desvinculada. Maria Repolês assim se expressa ao definir a
substituição do conceito de razão feito por Habermas: “(...) é que a razão comunicativa vai ser compreendida a partir do
medium da linguagem cotidiana, liberando-se, portanto, do elemento moral que estava presente na razão prática. Sob a sua
base moral, a razão prática tinha necessidade de pressupor um possível ator individual ou um macro-sujeito no nível do
estado ou da sociedade. A razão prática, sendo uma faculdade subjetiva, diz aos atores o que “devem” fazer, sendo, assim,
uma fonte imediata de prescrição que estabelece regras de ação. A razão prática, em definitivo, estabeleceria um dever
transcendental forte e centrado, que indica concretamente como agir. E tem, por isso, uma ligação direta com a prática social
(...) Já a razão comunicativa, liberta dessa moral, é capaz de se abrir ao mesmo tempo para discursos éticos, morais e
pragmáticos (...) apenas obriga os indivíduos comunicativamente atuantes a se comprometerem com pressupostos
pragmáticos contrafactuais, cujo telos é o entendimento mútuo. A razão comunicativa mantém uma ligação indireta com a
prática social, porque não diz aos atores como agir. São os próprios atores que, ao usarem a linguagem com vistas ao
entendimento mútuo, estabelecem determinadas condutas como válidas.”. (REPOLÊS, María Fernanda Salcedo. Habermas e
a Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, págs. 48-49)
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sendo certo que esta, por sua vez, é alimentada através da capacidade comunicativa da
sociedade.
Habermas aborda duas formas de validade jurídica das normas e o faz sob interessante
ponto de vista: o de que algumas normas podem ser respeitadas por causa das sanções
impostas como conseqüência de sua não observância e outras por causa da aceitação fática
por parte dos seus destinatários, isto é, as normas são observadas e obedecidas por puro
respeito às leis, advindo de um reconhecimento racionalmente motivado, obediência ao direito
que se dá pelo motivo não-coercitivo do dever.
Nesse particular, pelo que se pôde observar do estudo da teoria de Habermas, ele se
preocupa com o fato de, hodiernamente, mesmo no estado democrático de direito, existir um
ordenamento jurídico que, a todo momento, tem que ceder às pressões sociais decorrentes da
falta de legitimidade das decisões que são tomadas e das normas existentes. Ele acredita que
é, através da teoria do discurso, que se deve construir um direito, que seja ao mesmo tempo
coercitivo e legítimo. Esta é a busca e a intenção: em suma, mediar o estado e a sociedade, a
partir da idéia do Direito como meio de integração social.
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Mais adiante, analisar-se-á, com maior destaque, a teoria do Agir Comunicativo, onde
a questão da argumentação e do diálogo são elementares.
“O direito não representa apenas uma forma de saber cultural, como a moral,
pois forma, simultaneamente, um componente importante do sistema de
instituições sociais. O direito é um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um
sistema de ação. Por outro lado, dizer que direito e moral são distintos não
implica em dizer que eles sejam excludentes, assim, é necessário esclarecer a
relação de complementaridade entre ambos...”.
5
REPOLÊS, Maria Fernanda Salcedo. Habermas e a Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 100-105.
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Na verdade, parece-me, em suma, que Habermas quer dizer que o Direito é tanto uma
instituição social - que regula a ação/conduta humana - quanto é um texto de proposições, por
meio das quais se torna legítimo/válido. Já a moral, de caráter mais universalizado, mais
ligada à justiça, pretende, apenas, a aceitabilidade universal das normas jurídicas, não
possuindo a característica funcional do Direito. Para Habermas, uma ordem jurídica só pode
ser legítima se não contradisser preceitos morais.
No que atinge a ética, ligada à bondade, para Habermas, parece que as questões éticas
são determinadas por aquilo que as partes num ato de decisão coletiva de poriam de acordo,
estabelecendo-se certos “pressupostos pragmáticos de argumentação”, isto é, condições
concebidas com o escopo de garantir que todos possuam igual direito e oportunidade no uso
da palavra, não podendo haver distorção resultante de diferenças de poder e influência.
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Habermas foi membro da segunda fase da Escola de Frankfurt, cujo escopo era, em
linhas gerais, o de desenvolver uma teoria social crítica com intenções práticas.
Habermas é pós-positivista, sendo certo que a sua teoria foi construída na época em
que o positivismo era altamente criticado – como sustenta Maria Fernanda Salcedo Repolês –
“por ter se esquecido dos padrões de Justiça reclamados pela sociedade, em nome da
supervaloração de processos formais e da fidelidade à letra da lei”. Novas tendências,
vinculadas ao movimento da Corte Constitucional Alemã, “jurisprudência dos valores”,
buscavam uma maior aproximação do Judiciário com as questões sociais e éticas.
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Pois bem, além disso, é cediço que a sociedade moderna está calcada no pluralismo
(pluralismo este que aceita a tolerância às diversas formas de vida), sendo portanto, uma
“sociedade aberta” a todos os tipos de concepções culturais possíveis, que devem coexistir de
forma harmônica.6
6
Karl Popper define a “sociedade aberta” como uma sociedade não estamental (Idade Antiga e Idade Média). Trata-se, a
sociedade moderna, de uma sociedade aberta, por ser caracterizada por experiências diversas, que se modificam com a
convivência. Cuida-se, outrossim, de uma sociedade dinâmica, projetada pelo dissenso, que é dela naturalmente integrante,
tendo em vista o aparente conflito de interesses, concepções, pensamentos. Vê-se, ainda, a respeito, a análise de Giovanni
Reale e Dario Antiseri: “Ao contrário, a sociedade aberta, na sua concepção, configura-se inversamente como sociedade
baseada no exercício crítico da razão humana, como sociedade que não apenas tolera como também estimula, em seu interior
e por meio das instituições democráticas, a liberdade dos indivíduos e dos grupos tendo em vista a solução dos problemas
sociais, ou seja, tendo em vista contínuas reformas”. (REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da filosofia. 4ª ed.. São
Paulo: Paulus, 1991, p. 1035).
7
A questão do “pluralismo razoável”, tratada por John Rawls, no amadurecimento de sua Teoria da Justiça, é, justamente, o
reconhecimento do fato irrefutável de que vivemos hoje em sociedades plurais, em que não é possível, nem desejável,
alcançar uma unidade do pensamento, qualquer que seja a sua esfera, nem mesmo uma unidade do ponto de vista religioso ou
cultural. Aliás, as tentativas acompanhadas dessa unidade resultaram, sempre, em autoritarismo e violência. Por isso, não é
possível tratar de questões pessoais. Os princípios devem se tratados de forma abstrata, sendo este, a meu ver, o embrião que
despertou John Rawls a mudar a sua concepção metafísica de justiça, a partir do viés político (sempre empregado no sentido
de público), o que fez em sua obra “Justiça e Democracia”, especificamente, no capítulo IV, A teoria da justiça como
eqüidade: uma teoria política, e não metafísica.
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É neste contexto social que a teoria habermasiana se aplica e é, pois, justamente, esta a
dificuldade de tratar o assunto “consenso”, face ao atual pluralismo inevitável das sociedades
modernas.
8
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Tradução Laureano Pelegrin. Bauru, São Paulo: EDUSC, 1999.
9
CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: elementos da filosofia constitucional contemporânea. 3 a ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, pág. 77.
10
KAUFMANN, Arthur. Filosofia del derecho. Tradução de Luis Villar Borda e Ana María Montoya. 2ª ed.. Bogotá:
Universidad Externado Colombia, 1999, p. 519, disponível em http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/1573, em 14/07/2005.
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en el mismo sentido en que para un violinista es una carga verse con todos los
músicos que actúan em una orquestra. Y así como el violinista no es ningún
impedimento para la sinfonía, el pluralismo no es obstáculo para el
esclarecimiento de la verdad, sino por el contrario una condición de la
posibilidad de verdad. El pluralismo se infiere no sólo del relativismo sino
también del modo de conocimiento de la verdad. Es un servicio
imperecedero el prestado por la teoria del discurso, al haver dejado en
claro que el conocimiento científico no se obtiene en solitario sino que
existe un esfuerzo cooperativo. La teoría de consenso y la teoría de
convergencia de la verdad, que la complementa, presuponen
necesariamente una multiplicidad de sujetos cognoscentes.”. (grifou-se)
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Importante traçar esse panorama, a fim de registrar o contexto social em que a teoria
habermasiana foi construída, pois, sem isso, não se teria a idéia completa do seu objeto de
análise.
11
O consenso por justaposição consiste no fato de que doutrinas diferentes e – em alguns casos – até mesmo, conflitantes,
sustentem a base comum e pública das disposições políticas da sociedade democrática em que se aplica. A solução de John
Rawls para a justiça consiste em estabelecer o consenso como forma de justificar a não preponderância de uma vontade
particular sobre um interesse coletivo. Ou seja, a importância de que a doutrina particular não imponha as suas regras ou
respostas. Outro fato importante é a preocupação de Rawls em construir uma teoria publicamente reconhecida, fazendo-o a
partir de um consenso através de premissas reconhecidas publicamente como verdadeiras e aceitáveis, o que leva,
inevitavelmente, ao alcance de um consenso racional, isto é, voluntário, alheio a imposições ou coações, advindo da
deliberação e da consciência de todos. (RAWLS, John. Justiça e Democracia. 1a ed. 2a tir. São Paulo: Martins Fontes, 2002).
12
PRATES, Francisco de Castilho. O Estado Democrático de Direito em uma Sociedade Complexa e de Risco, disponível em
http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto714.htm, em 15/08/2005.
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Parece-me que Habermas reconhece, na razão comunicativa, uma forma de, através da
linguagem, construir-se e manter-se uma determinada ordem social. Isto porque, falante e
ouvinte – membros da sociedade – ao se comunicarem e dialogarem, acabam por definir
normas de conduta social que lhes serão aplicáveis e impostas através da aceitação racional,
advinda do entendimento e da conseqüente conscientização de sua importância e validade
para todos, não por coação.
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Maria Fernanda Repolês, mais uma vez, define de maneira muito pertinente a visão
habermasiana sobre a razão comunicativa, valendo destacar o trecho a seguir, expressis
verbis13:
“ (...) Apresentada a teoria da linguagem reconstruída por Habermas, pode-se
concluir que a linguagem pode ser uma forma de integração social
bastante efetiva porque é por meio dela que as práticas sociais podem se
dar tendo como fim o entendimento mútuo, por via do agir
13
REPOLÊS, María Fernanda Salcedo. Habermas e a Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p.64
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estratégico, simula a intenção para perquirir se os meios de argumentação que utiliza são
hábeis para produzir os efeitos efetivamente desejados, de sucesso, poder ou influência.
14
SAMPAIO, Inês Sílvia Vitorino. Conceitos e Modelos da Comunicação, disponível em
http://www.uff.br/mestcii/ines1.htm, em 12/07/2005.
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Para Habermas, a teoria do agir comunicativo não implica anarquia, mas, de fato, traz
consigo a idéia de uma liberdade comunicativa plena, imprescindível ao estado democrático
de direito e que se propõe a, em última instância, garantir efetivamente liberdades
subjetivas/individuais iguais.
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de consenso. Nesse processo, faz-se possível ultrapassar o nível da cotidianidade, onde impera
o consenso ingênuo – não problematizado, mas a qualquer hora problematizável (esfera da
socialidade fática) – e atingir o consenso crítico, fundamentado em razões (esfera discursiva),
âmbito da ação comunicativa, tudo isso a partir de um processo mútuo de compreensão,
mediado lingüisticamente. Por conseguinte, o elemento que estrutura esse tal processo mútuo
de compreensão é a intersubjetividade daqueles que participam da relação discursiva, ausente
qualquer postura manipuladora.
José Eduardo Farias destaca, de forma bastante interessante, que: “(...) só se produz
consenso a partir do dissenso, ao mesmo tempo em que todo consenso é apenas o primeiro
passo para um dissenso futuro (...)”, ou seja, o dissenso é o ponto de partida para a conquista
do consenso.16
15
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. 2a ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003,
Vol. I, p. 36.
16
FARIAS, José Eduardo. Poder e Legitimidade: uma introdução à política do direito. São Paulo: Perspectiva, 1978.
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María Fernanda Salcedo Repolês, mais uma vez, destaca de forma interessante a
questão do risco do dissenso em Habermas, bem como a dificuldade de aplicar a sua teoria
nas sociedades modernas, valendo destacar o seguinte trecho de sua obra17:
“...A integração social ainda é possível sobre o pano de fundo comum que
faz possível a comunicação entre falante e ouvinte, e que é, inclusive,
pressuposto para o desacordo entre ambos. O mundo da vida é o horizonte
presente em toda interação entre atores e, ao mesmo tempo, a fonte a partir da
qual os atores podem elaborar suas interpretações e atos de fala. No mundo da
vida está presente um saber não problematizado que é visto pelos atores como
uma certeza óbvia e imediata. Quando tematizado, ele deixa de ser mundo da
vida para entrar em contato com as pretensões de validade, mas é justamente
por meio
O fato de a teoria de Habermas ter como pano de fundo a ética do discurso, ou seja,
estar preocupada com questões de ordem moral, faz com que se torne ainda mais complicado
17
REPOLÊS, María Fernanda Salcedo. Habermas e a Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p.68.
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Habermas trata o risco do dissenso, na obra objeto mais específico deste estudo, da
seguinte forma, literis18:
Não se pode tratar de consenso e dissenso sem tratar do conceito de “mundo da vida”,
muito presente na teoria de Habermas. Ele é importante para reconstruir as condições da
integração social. Equivale à esfera cotidiana representada pelos elementos da cultura, da
sociedade, da personalidade etc., representando, na verdade, as nossas certezas prévias, as
nossas convicções pessoais, construídas no decorrer da vida, bem como os conceitos prévios.
18
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. 2a ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003,
Vol. I, págs. 40 e 41.
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Por outro lado, tendo em vista a diversidade presente na sociedade, qualquer busca de
‘consenso’ possibilita um maior dissenso, por isso o direito nem sempre refletirá um acordo
de todos, mas sim uma inclusão de identidades passíveis de serem alteradas em um momento
posterior. É o dissenso e sua natural aceitação e prevalência que permite a vigência da
democracia e a ausência do autoritarismo e da imposição.
A tensão imanente entre facticidade e validade consiste, também neste aspecto - ligado
ao consenso - na tensão entre aceitabilidade fática e aceitabilidade racional. A aceitabilidade
importa que – na situação ideal de discurso – ao pressupor igualdade e liberdade dos
participantes, a norma será observada por qualquer sujeito que se oriente na busca do
consenso racional.
7. Uma breve visão crítica sobre o risco do dissenso, em Habermas, a partir da Teoria
dos Sistemas, de Niklas Luhmann
Em linhas sintéticas e gerais, a teoria dos sistemas sociais, de Luhmann, é a teoria que
tem como objeto de estudo sistemas autopoiéticos sociais20.
19
TORRES, Ana Paula Repolês. A questão da obediência às normas na perspectiva da teoria dos sistemas de Niklas
Luhmann. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 03 de julho de 2005.
20
Autopoiesis significa que um sistema complexo reproduz os seus elementos e as suas estruturas dentro de um processo
operacionalmente fechado com ajuda dos seus próprios elementos. Autopoiesis refere-se à autonomia.
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o Direito seria um subsistema, ou seja, seria um sistema parcial de um sistema total, maior,
global, no caso, a sociedade.
O Direito seria um subsistema que não interviria, mas interagiria com o sistema global
e com os demais subsistemas existentes.
Como o objeto deste estudo não é, especificamente, a teoria dos sistemas, basta, para
complementar a breve definição acima destacada – necssárias, apenas, como ponto de partida
para o que se propõe tratar – transcrever trecho de Francisco de Castilho Prates, que
contextualiza muito bem dita teoria, in verbis:21
Pois bem, pontuadas tais questões, vale destacar, de plano, uma das importantes distinções
entre a teoria de Habermas e a de Luhmann, que diz respeito à moralidade.
21
PRATES, Francisco de Castilho. O Estado Democrático de Direito em uma Sociedade Complexa e de Risco, disponível em
http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto714.htm, em 15/08/2005.
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O que se nota da crítica à Habermas é que - enquanto ele se utiliza dos conteúdos
valorativos para fundamentar o consenso que, a partir do diálogo, se perfaz - a sua crítica
assegura que tais conteúdos valorativos, por não serem universais, na realidade, implicam na
existência de um dissenso, em termos de conteúdo, essencialmente.
Ocorre que, a meu sentir, o que é preciso distinguir é o fato de que Habermas absorve
o pluralismo como algo existente, mas que não obstaculiza o consenso e o entendimento. A
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Habermas não teme o dissenso, ao contrário, o valora, uma vez que o processo de
entendimento em curso, inevitavelmente, permite a sua existência. O dissenso, no processo de
diálogo, de comunicação, deve ser aflorado, jamais restringido, tudo com a finalidade de
permitir a abertura na sociedade e o absoluto respeito e reconhecimento à diferença.22
Pelo que se depreende das leituras, parece-me que Luhmann até admitiria a existência
de um consenso, todavia, o admitiria apenas no que pertine aos procedimentos para a
legitimação do Direito, não quanto ao seu conteúdo. O Professor Marcelo Neves destaca de
forma peculiar tal entendimento, in verbis23:
22
O “permanecer aberto” significa predisposição ao risco do dissenso. (BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco.
Constituição, Política e Judiciário em uma Sociedade de Risco Permanente: um ensaio a partir da Teoria dos Sistemas,
disponível em http://metacritica.ulusofona.pt/pdf, acesso em 03 de julho de 2005.
23
NEVES, Marcelo. Do consenso ao dissenso: o Estado Democrático de Direito a partir de além de Habermas. In: SOUZA,
Jessé (org.): Democracia Hoje: Novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília, Editora Universidade de
Brasília (UnB), 2001, p. 143.
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Poderíamos dizer que Luhmann atenta mais para o risco, para a implausibilidade da
competência comunicativa dos cidadãos, ressaltando sempre que quanto maior a participação,
maior a possibilidade do dissenso, sendo totalmente improvável a comunicação, ainda mais
em uma sociedade pluralista como a atual, ao passo que Habermas ainda deposita sua crença
na força emancipatória da razão, na racionalidade comunicativa, como uma via para se
alcançar um direito mais justo.
Cabe lembrar que o discurso da participação tem uma face perversa, por ser útil à
política, já que ao mesmo tempo em que se prega uma consideração da igualdade de todos, na
medida em que todos podem influir, em tese, nas decisões políticas, o papel do Estado é
minimizado ao atribuir aos cidadãos a responsabilidade pelas questões que sejam de seus
interesses.
O que é revelado pela Teoria dos Sistemas e, de certa forma, aceito por Habermas, na
medida em que o mesmo afirma ser o projeto de inclusão da modernidade um processo de
aprendizagem, é que a exclusão é o outro lado da inclusão, sendo, portanto, impossível a
inclusão de todos, ao mesmo tempo, em todos os sistemas sociais.
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O que a perspectiva sociológica luhmanniana não adota é uma postura normativa que
pretenda que o direito seja sempre legítimo, nem mesmo Habermas entende que isso
seja possível, pois a liberdade comunicativa não pode ser imposta, já que se trata de um
contra-senso a imposição de um autonomia.
A meu ver, a principal crítica que se faz à teoria de Habermas é, pois, a sua insistência
quanto à pretensão da universalidade. Habermas insiste em um universalismo consensual que,
pela análise crítica, dificultaria uma consideração adequada da questão do pluralismo em
sociedades complexas. Ademais, a idéia de aceitabilidade não responde, no entender dos
críticos, ao problema do dissenso estrutural da esfera pública nas condições complexas da
sociedade mundial, globalizada e complexa24.
8. Considerações Finais
O “risco do dissenso” mereceu destaque neste estudo porque o considerei como sendo
o “paradoxo” da teoria habermasiana.
Embora a teoria habermasiana seja muito bem construída e, diante da sua lógica, até
mesmo possível de ser aplicada, acho, na verdade, que o seu entrave, no nosso contexto
social, é justamente o “risco do dissenso”.
24
Vide nota 23, p. 125.
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Aliás, o dissenso é uma realidade muito presente em nossa sociedade, cada vez mais
corrompida e desigual. Falar em consenso, em espaço público e em democracia participativa,
especialmente no Brasil, é paradoxal.
Habermas trabalha com outros contextos sociais e é preciso levar isto em conta.
Preocupa-se e dedica-se, de forma bastante considerável e intensa, à questão da necessidade
de se efetivar a integração social, analisando-a a partir de um contexto atual, de um mundo
globalizado, no qual, integrar-se não é nada simples. A sua teoria do discurso, o agir
comunicativo e todos os pontos por ele estudados, a meu ver, destinam-se a possibilitar,
efetivamente, formas de integração social.
Com efeito, é preciso contextualizar a teoria e verificar se, de fato, as bases para se
alcançar o consenso são possíveis na sociedade em que se pretende aplicá-la, a fim de que a
idéia, que tem cunho democrático, não apresente um resultado anti-democrático, autoritário e
baseado em sobreposição de interesses. O objetivo da teoria baseada no consenso é a
conciliação de interesses, mediante concessões mútuas daqueles que participam do processo
de diálogo, a fim de estabelecer as regras sociais.
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É fato irrefutável que a sociedade moderna é pluralista e que, por conseguinte, não é
mais possível se pensar em conceitos de aplicação universal. Todavia, não se pode confundir
isto com o fato de o consenso também não ser possível. O que Habermas propõe é,
justamente, sem ignorar o pluralismo, apostar no consenso como forma de integração social e
de democratização do Direito, legitimando-o e validando-o na prática cotidiana.
Até porque, o que é o consenso senão uma opinião universal, resultante de opiniões
particularizadas? Parece haver um paradoxo, mas na verdade, não há. Até mesmo porque, o
consenso é aplicado em um contexto multicultural, mas isto não significa, necessariamente,
que este contexto seja universal. É universal no sentido de que é alcançável dentro de um
grupo determinado e específico de pessoas. Portanto, este grupo determinado e específico de
pessoas, pode, perfeitamente, atingir o consenso, inclusive porque as opiniões, muitas vezes,
são convergentes.
No entanto, o que Habermas propõe é que, mesmo nas sociedades plurais, é possível
alcançar o consenso, construindo-o a partir do incansável diálogo entre os cidadãos, até que se
chegue a um denominador comum para as ações sociais. Parece-me que as diferenças, o
multiculturalismo e a ausência de conceitos universais, não impedem, em absoluto, a
possibilidade de se consensualizar sobre temas que, afinal de contas, serão resultado de um
interesse comum.
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O desacordo só existe nos sistemas democráticos, pois, apenas neles, é possível ouvir a
voz dos cidadãos, de forma efetiva, sendo, portanto, a meu sentir, altamente positiva a
presença do risco do dissenso na sociedade.
25
GOERGEN, Pedro L. A crítica da modernidade e educação. Pro-Posições, Campinas, v.7, n.2 [20], jul., 1996, in
“Habermas e a Teoria do Conhecimento”, por Arilene Maria Soares de Medeiros e Maria Auxiliadora de Resende Braga
Marques, disponível em http://www.bibli.fae.unicamp.br/etd/art01v5n1.pdf, acesso em 14/07/2005.
26
Paulo Ghiraldelli Jr. - Escola de Frankfurt e Pragmatismo – em Espelhos, disponível em
http://www.ghiraldelli.pro.br/Verbete.htm, em 14/08/2005.
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9. Referências Bibliográficas
FARIAS, José Eduardo. Poder e Legitimidade: uma introdução à política do direito. São
Paulo: Perspectiva, 1978.
MEDEIROS, Arilene Maria Soares de, e MARQUES, Maria Auxiliadora de Resende Braga.
Habermas e a Teoria do Conhecimento. Disponível em
http://www.bibli.fae.unicamp.br/etd/art01v5n1.pdf, acesso em 14/07/2005
PRATES, Francisco de Castilho. O Estado Democrático de Direito em uma Sociedade Complexa e de Risco.
Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso realizado em 15/08/2005.
RAWLS, John. Justiça e Democracia. 1a ed. 2a tir. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
www.mundojuridico.adv.br 29
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Artigo de Bárbara Gomes Lupetti Baptista
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