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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE DIREITO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

DISCIPLINA: PESQUISA JURÍDICA

DOCENTE: JOSÉ GERALDO DE SOUSA JUNIOR

DISCENTE: EVERSON PEREIRA DUARTE

ESCRIVÃO FILHO, Antônio Sérgio, SOUSA JUNIOR, José Geraldo de. Para um Debate
Teórico-Conceitual e Político sobre os Direitos Humanos. Belo Horizonte: Editora D`Plácido,
2016.

Esta resenha aborda o Cap VII do livro acima, sob o título “Reforma do Ensino
Jurídico e Direitos Humanos”. Neste capítulo, os autores relatam que durante a década de
1990 o ensino jurídico começou a ser amplamente questionado no que se refere ao seu
distanciamento da realidade social no contexto nacional, tornando juristas e profissionais do
direito, indivíduos com suas visões limitadas ao conhecimento positivista e abstrato do direito
tradicional então vigente no meio acadêmico.

Diante deste contexto, a Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB


elaborou amplo trabalho, cooperado por especialistas, no que resultou em duas publicações
com objetivo de levantar os problemas e propor soluções para o ensino jurídico brasileiro
voltado para um direito que dialogue com a realidade social e apontado na valorização dos
direitos humanos, juntamente com a reforma de 1994 (Portaria 1886) que adotou por meio dos
Núcleos de Práticas Jurídicas, o ensino prático do direito através de simulações
supervisionadas.

Essa nova perspectiva vem ao encontro dos ideais preconizados pelo Direito Achado
na Rua, por Roberto Lyra Filho, no sentido de que o direito ensinado nos meios acadêmicos é
errado, pois sem a articulação do conhecimento teórico com as condições sociais fáticas,
coloca-se o direito num campo isolado no mundo das ciências, sem poder projetá-lo no
mundo real e sem uma razão de ser.

As diretrizes curriculares vigentes atualmente tem grande influência dessa concepção


que por meio de seminários e livros mostram as mudanças da realidade social em curso,
fazendo com que os juízes se deparem com uma demanda crescente de atendimento concreto
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às promessas constitucionais de justiça social, fugindo do pragmatismo objetivo do direito


positivista tradicional e da função adjudicatória consequente.

Ao mesmo tempo em que essas diretrizes também se aproximam aos agentes públicos
legislativos, em pesquisas, seminários e debates promovidos pelo Ministério da Justiça e com
a contribuição das assessorias jurídicas de movimentos sociais no sentido de elaborar políticas
públicas voltadas para a valorização dos direitos humanos e em consonância com a realidade
social das comunidades.

Na segunda parte, o autor descreve o contexto em que em discussões no meio de


juristas e juízes, cada vez mais destaca-se a necessidade de mudança de perspectiva sobre a
aplicação do direito por parte destes. O afloramento de demandas mais sociais e o
fortalecimento de novos sujeitos do direito induzem a necessidade de fuga do normativismo
frio e objetivo positivista tradicional e cria uma concepção de um direito mais dialético e
plural, voltado para a valorização dos direitos humanos e aproximando-se de uma prática mais
social.

Não se trata de desconsiderar os textos legislativos, mas de


compreender que a rigidez das fórmulas em que se expressam, não dispensa
uma mediação que recupere ―o aspecto verdadeiro das coisas de modo a
desvendar o direito que se revela ―na sociedade organizando-se por si
própria. (p.141)

Neste viés, o autor cita e analisa vários autores como Anatole France, Victor Hugo,
João Mangabeira e Gerivaldo Neiva para embasar a tese de que é preciso estender a função
social na aplicação da jurisdição por parte dos juízes, com sensibilidade e reconhecimento à
realidade social e à necessidade de atendimento aos direitos humanos, como no exemplo do
Projeto Justiça Comunitária, inicialmente itinerante, que instituiu no Tribunal de Justiça do
DF uma proposta de justiça emancipatória, sendo reconhecido e premiado pela suas ações de
democratização do acesso à justiça por meio da iniciativa da conciliação como forma de
resolver grande parte dos litígios.
Por fim, o autor finaliza o texto analisa em breves dizeres sobre o projeto do Direito
Achado na Rua, que dentro tem por objetivo aproximar a construção do conhecimento
jurídico e sua aplicação aos movimentos sociais emergentes, no entendimento que o direito
deve ser modelo de libertação de minorias e oprimidos, tornando-o mais democrático e social.
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Trata-se do texto integral da conferência, por ocasião do encerramento do seminário


sobre Pesquisa em Direito do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC-Rio. Lyra Filho
inicialmente usa da ironia ao fazer uma analogia com o escritor inglês John Ruskin, no qual,
em certa ocasião, divulgou que iria tratar de assunto diverso ao comumente abordado somente
para conseguir a atenção do público já acostumado com suas divagações. O que o
conferencista propõe ao público realmente é abordar o tema, num viés mais filosófico,
indagando sobre qual Direito estava sendo discutido?

O Seminário versou sobre a pesquisa em Direito; mas, afinal de QUE Direito


se cogita? Eis uma “dúvida metódica”, semelhante à que Norberto Bobbio
inseria na polemica sobre o socialismo – quale socialismo? -, assim como
eu indago – pesquisa em QUE Direito? (p.06)

Nessa proposta, Roberto Lyra Filho pressupõe que não basta o pesquisador utilizar-se
dos conceitos e das hipóteses de trabalho apenas para justificar ou substituir uma visão
predefinida do fenômeno pesquisado, e sim que deve haver uma colaboração da sociologia e
da filosofia nos estudos da todo e da parte que o compõe, numa dialética constante a fim de
“encontrar a essência deste na própria cadeia das transformações, no próprio vir-a-ser
jurídico, expresso em fenômenos e dentro do mundo histórico e social” (p.07).

Nesse mesmo diapasão, a Nova Escola Jurídica Brasileira, designada por Lyra Filho
de NAIR, constitui-se de um grupo de produtores intelectuais independentes das amarras de
ideologias, ou dogmas aprisionadores e preconceituosos, no qual utiliza-se da abordagem
filosófica, sociológica e jurídica para a pesquisa em Direito em constante evolução, portanto,
nunca se finaliza o debate, mantendo a dialética epistemiológica e ontológica das questões.
Logicamente a NAIR assimila influências libertadoras e revolucionárias, apresentadas nos
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pensamentos de Engels, Marx e Rosa de Luxemburgo, sem vestir as vestes de suas correntes
doutrinárias.

Aliás, quem nos deu as melhores lições de independência foram,


insuspeitamente, Marx e Engels, entre outros, e Rosa de Luxemburgo: “a
liberdade, reservada somente aos partidários do governo ou membros do
partido, não é liberdade/. A liberdade é sempre do que pensa diversamente”.
Nosso trabalho é uma coisa séria, autônoma, sem alaúza nem servilismo. (p.
10).

A NAIR nega a forma com se realiza o Direito Positivista atual e preconizado ainda no
ensino jurídico tradicional, que apresenta inversões, contradições, autoritarismo e
coercitividade ainda preconizado nas Faculdades. O normativismo estatal é autoritário a partir
do momento que não houve uma revolução que o investiu de poder normatizador e
sancionador. Também é contraditório no momento em que algumas normas compões o
Direito afirmando que a norma estatal não é o Direito verdadeiro, como no exemplo, citado
pelo conferencista, do Estatuto da OAB que fundamenta o direito de advogar no
reconhecimento da “injustiça da lei” (p.13).

A proposta da NAIR é submeter o direito estatal à evolução e à transformação advinda


da dialética jurídica sabendo reconhecer a historicidade do desenvolvimento social e acima de
tudo dar liberdade humanista ao Direito tendo como norte a valorização dos Direitos
Humanos.

A NAIR não é apenas crítica, ela também é propositiva e renovadora, onde não apenas
se enquadra no positivismo e nem no jusnaturalismo, por meio de cinco proposições: a de que
o Direito é libertador, pois dá livre condição de desenvolvimento do conjunto; que essa
liberdade consciente reflete a dialética dos grupos antagônicos e produz a verdadeira Justiça;
que a legitimidade das normas estão amparados no vetor histórico das sociedades realmente
livres, isso se chama direitos humanos; que o processo de liberdade não pode ser totalmente
controlado por um calhamaço de normas aprisionadoras e limitadoras do Direito e nem pode
estar sob a égide de tutores que determinam e delimitam essa liberdade dentro de uma área
que lhes interessam; e que a positivação oriunda da dialética jurídica proposta não ficará
trancada numa ordem social e seu direito positivo.

O Direito real e concreto é aquele advindo dos anseios de um povo que o substancia
em norma, e não o contrário, fazendo com o Estado seja influenciado pela liberdade
conscientizada daquele povo. Este Direito é libertador e tem pluralidade jurídica.
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Com a passagem das comunidades primitivas para as comunidades classistas, onde os


grupos se dividiram em dominantes e dominados, suas reinvindicações deram origem à
pluralidade de normas que se contrapõem e vivem em constante luta. Estes conflitos se
encaminham para um Estado que normatiza condutas e atitudes dos indivíduos, porém as
normas não-estatais não deixam de ser jurídicas, pois são elas que promovem as discussões e
as transformações que refletem na ação coercitiva do Estado.

Durante o processo histórico, o contexto social influencia nesta luta inter-normas,


favorecendo a certo grupo ou classe, que estabelece uma nova estrutura de normas polarizadas
e com a finalidade de consolidar sua hegemonia, porém, a constante dialética jurídica torna
evidentes as contradições, e o faz perecer.

De tal sorte, o progresso nunca pode ser efetuado dentro da ordem instituída,
mas segundo o processo que a condena à perecebilidade social, tanto quanto
o processo da vida humana também nos condena à perecibilidade biológica –
e até com a mesma ressalva à Lavoisier, de que nada se perde, nem se cria,
senão que tudo se transforma. (p. 26).

O Estado não pode ser o único dono do Direito, afinal a busca da felicidade pessoal
não depende dele, por isso as concepções socialistas de pensadores como Marx e Engels,
podem recuperar a dignidade do Direito e da política.

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