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Resumo: O presente artigo discute como o filósofo Jürgen Habermas compreende a possiblidade de
um diálogo multicultural dos direitos humanos hodiernamente. De início, retoma-se o conceito de
direitos humanos por meio da compreensão de sua matriz moral e de sua positivação como norma
jurídica. A seguir, propõe-se uma análise acerca da pretensão de validade universal dos direitos
humanos por meio da primazia moral da dignidade humana e a provável hermenêutica desses direitos
sob o ponto de vista de outras culturas. No terceiro momento, são apresentadas críticas orientais ao
sistema ocidental de direitos humanos e às respectivas réplicas expostas por Habermas, bem como
uma breve explanação sobre sua proposta a um possível direito cosmopolita. Ao final, passa-se a uma
análise do ataque fundamentalista a respeito da autolegislação secular dos direitos humanos e à
conclusão sobre a importância do diálogo intercultural para uma hermenêutica mais inclusiva e eficaz
dos direitos humanos.
Palavras-chave: Habermas; direitos humanos; dignidade humana; validade universal.
Abstract: This article debates how the philosophe Jürgen Habermas understands a multicultural
dialog possibility of human rights nowadays. In the beginning, the concept of human rights is return
through the comprehension of the moral source and its positivation as legal rights. After that, starts the
analysis about the human rights universal intention by the moral primacy of human dignity and its
probable hermeneutic from the point of view of other cultures. In a third moment, shows the oriental
critics about over the occidental system of human rights and the respective Habermas’ answers, as
well as a brief explanation about his proposal of a probable cosmopolitan rights. Lastly, this article
exams the fundamentalist attack on the secular self-legislation of the human rights and the conclusion
about the importance of the intercultural dialog toward a hermeneutic more inclusive and efficient of
the human rights.
Keywords: Habermas; human rights; human dignity; universal validation.
1 INTRODUÇÃO
A concepção atual dos direitos demandas por mais liberdades e mais
humanos é fruto de um longo processo igualdades se mostram necessárias no
histórico de agregação de valores, os quais tempo e determinado local à convivência
foram adquiridos por meio de lutas e coletiva e à existência humana. A Segunda
movimentos sociais à medida que as Guerra Mundial (1939-1945) despertou o
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mundo para uma reformulação dos Direitos espaço geográfico, é forçoso que o
Humanos. Os horrores dessa guerra, não etnocentrismo perca sua força a fim de
somente pelos sangrentos conflitos, mas prover a formação de uma comunidade,
principalmente pelas atrocidades dos minimamente, pacífica. Isso porque, essas
regimes totalitários, mostraram um descaso sociedades necessitam abrigar diferentes
pela dignidade da pessoa humana e fizeram culturas, religiões, etnias etc., a fim de
emergir uma opinião pública internacional embrionar as características do modus
decidida a impedir que tais episódios se vivendi dos Estados modernos. Estes são
repetissem. No entanto, a Organização das assim designados, principalmente, a partir
Nações Unidas (ONU) ficou a cargo dos da Revolução Francesa e pela Declaração
vencedores da Segunda Guerra Mundial, dos Direitos do Homem e do Cidadão
bem como o título e o conteúdo da (1789), documento histórico que dará a
Declaração Universal dos Direitos base à Declaração de 1948.
Humanos (DUDH), de 10 de dezembro de Dessa forma, para a tomada de
1948, veio a refletir, segundo as críticas decisões políticas, uma tradição
que passaremos a analisar, o etnocentrismo cultural/religiosa ou uma ideologia não
ocidental e a imposição de certa pode se sobrepor às demais, sem que haja
hegemonia política dos EUA, Inglaterra, ameaça real de rompimento do tecido
França e Rússia e outros aliados políticos social. Portanto, sobre a legitimidade dos
(PANDEYA, 1985, p. 299). direitos humanos, faz-se necessária a
Eis, assim, uma problemática à reflexão se eles apresentam esse
definição de direitos humanos, pois: etnocentrismo europeu ou se é possível que
eles projetem anseios da comunidade
O etnocentrismo consiste em erigir,
de maneira indevida, os valores global. Diferentemente das ordens jurídicas
próprios da sociedade a que se tradicionais embasadas no direito natural
pertence em valores universais. O fundamentado na religião ou na metafísica,
etnocentrista é, por assim dizer, a o direito moderno – assim entendido como
caricatura natural do universalista:
aquele que nasce no seio do Estado
este, em sua aspiração ao universal,
parte de um aspecto particular que Moderno – edifica-se essencialmente sobre
depois procura generalizar; e esse direitos subjetivos, consoante a posição
aspecto particular deve hobbesiana, de que aos agentes é permitido
necessariamente ser-lhe familiar, isto tudo aquilo que não for expressamente
é, encontrar-se na sua própria cultura.
proibido. Com isso, passamos a observar
A única diferença — mas é evidente
que ela é decisiva — é que o uma separação entre o direito jurídico e a
etnocentrista segue a via do menor moral.
esforço, e procede de maneira não Na visão do filósofo alemão Jürgen
crítica: acredita que os seus valores Habermas, o direito moderno precisa ser
são os valores, e isso basta-lhe.”
compreendido como um complemento
(TODOROV, 1989, p. 19-20).
funcional à moral pós-tradicional, vez que
Dentro da lógica do etnocentrismo, sem o esteio religioso metafísico ou
o mundo é visto por intermédio da cultura daquela unicidade etnocêntrica, perde-se o
daquele que observa, cuja tendência é motivo mais forte para o seguimento de
considerar o seu modo de vida mais mandamentos morais, sejam eles fundados
orgânico que dos demais, bem como dá a na expectativa da salvação, sejam eles
esse indivíduo a percepção de que sua embasados por uma ordem étnica
dinâmica de viver seja a mais correta e, uníssona1. Assim, Habermas (1997, v. 1, p.
consequentemente, mais justa. Todavia,
com a formação de sociedades cada vez 1
“Outra conotação deve-se à mudança da
mais complexas, nas quais diversas formas perspectiva, de Deus para o homem. “Validade”
de vida precisam coexistir em um mesmo significa agora que normas morais contarão com a
concordância de todos os envolvidos, quando esses,
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139) afirma que para determinar o dever diante de sua formalidade (LUCHI, 2005,
ser moral dos agentes, o discurso necessita p. 123).
de uma complementaridade que imponha Por ser sua principal característica
coercibilidade nas práticas individuais e evolutiva a radicação nas liberdades de
coletivas. Para o autor, esse complemento ação subjetivas, esse direito não mais está
só pode vir do direito positivo moderno. subordinado à moral, não configurando,
Os processos jurídicos e moral são
como na formulação kantiana, uma
separados, sendo que os produtos dedução de preceitos transcendentais. A
resultantes de ambos são relacionados moral, agora entendida em um nível pós-
como se a moral fizesse exigências convencional correlacionado com a ética
conteudísticas àquilo que deveria do discurso, passa a ser uma fonte de
resultar do procedimento jurídico.
Ademais, os próprios produtos
saberes, enquanto o direito moderno, por
morais podem já entrar diretamente usa vez é fonte de ações, cuja abrangência
no procedimento jurídico, juntamente exerce influência para além da moral,
com outros argumentos. Esse é o atingindo os campos éticos, pragmáticos,
sentido da complementaridade como referindo-se também como fonte de saber.
explicitamente tratado em FG [1991],
pois aí a moral exige positivação. Mormente, no que concerne aos
Pode-se afirmar que se trata de uma direitos humanos, Habermas (2002, pp.
complementaridade do ponto de vista 214, 217) lhes concede duas características
do observador, segundo a qual o próprias às normas morais. A primeira
direito parece cumprir um papel
afirma que tanto os direitos humanos
funcional de suprir os déficits
funcionais da moral; (DUTRA, 2009, quanto as normas morais fazem referência
p. 129). a todas as pessoas, não apenas como
cidadãs de um Estado, mas sim como seres
Contudo, não é nosso objetivo aqui humanos; e, a segunda diz que a
adentrar aos conceitos e diferenças das argumentação moral é a única justificativa
normas morais e das normas jurídicas. para ambos. Entretanto, essas semelhanças
Partimos, assim, da noção de que tanto não significam que os direitos humanos
questões morais quanto questões jurídicas são constituídos apenas por pretensões
têm em comum a tarefa de regular de morais de validade. Argumentos morais
forma legítima as resoluções interpessoais são necessários para se justificar os direitos
de conflitos. Todavia, a diferença entre humanos, mas não o bastante para aquilo
ambos reside no modo como cada um que é inerente ao seu conceito, pois
responde aos mesmos problemas. também compartilham características de
Enquanto a moral se revela como uma ordenamentos jurídicos (seja nacional,
fonte de saber atemporal e sem barreiras no internacional ou global).
espaço social que nos diz por que devemos Habermas acentua que o conceito
fazer algo, o direito, além de ser um saber, "direito" na expressão "direitos humanos"
é ao mesmo tempo um sistema de ações, requer um entendimento como conceito
vez que orienta de forma precisa o agir em jurídico. Direitos humanos são, segundo
casos de conflitos e protege a integralidade seu pleno significado, direitos jurídicos, e
de seus membros na história e em um não direitos pré-jurídicos, puros
território geográfico limitado. Soma-se moralmente (LOHMANN, 2013); eles são
que, no âmbito institucional, o direito normas legais, que foram declaradas em
positivo se distingue dos costumes atos de fundações revolucionárias do
desvalorizados e de meras convenções, Estado, ou, como após a Segunda Guerra
Mundial, foram anunciados na unificação
em discursos práticos, testarem em conjunto se a legal dos povos – sendo o exemplo maior a
respectiva práxis vem ao encontro do interesse de Declaração Universal dos Direitos
todos em igual medida” (HABERMAS, 2002b, p. Humanos, 1948 – ou em documentos da
49).
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Estados em que as pessoas vivem, onde podem se concretizar passo a passo, com
são detentoras de seus direitos reveses e decretos (idem).
fundamentais. Em princípio, parece clara Apesar de reconhecer ser uma
essa dupla universalização de uma situação instável, Habermas insiste que os
democracia específica, porém, em sua direitos humanos oferecem forte
forma concreta, ela é difícil e complexa no fundamento de legitimação para uma
aprimoramento; assim, segundo Lohmann política inclusiva na comunidade dos
(2013), a força dos direitos humanos povos, vez que quase todos os Estados
universais para a constituição da sociedade ratificaram o teor da Declaração Universal
mundial continuaria obscura. dos Direitos Humanos da ONU3, de 1948,
Dessa forma, a exigência bem como as demais Convenções e Pactos
apresentada pelo art. 28 da DUDH só que lhe sucedem. Além disso, o autor
traduz o que reza a força garantidora legal compreende que a melhor hermenêutica
da dignidade humana. Entretanto, ainda desses direitos no mundo contemporâneo
precisa ser analisada a questão de como seria aquela obtida através e sob o ponto de
deve ocorrer, em nível transnacional, a vista de outras culturas.
realização do conteúdo normativo da Aqui, merece destaque as
dignidade humana. Nesse ponto, Habermas considerações que Richard Rorty (2011)
aproveita a discussão levantada desde faz sobre a hermenêutica dos direitos
Kant, na qual diferentes modelos de estado humanos. A crítica do autor norte-
mundial, federação de estados, sistema americano não é, necessariamente,
federal de nível mais amplo, direcionada à compreensão habermasiana,
"constitucionalização dos direitos dos mas sim como ele entende que deveria ser
povos", "República da humanidade" foram a interpretação desses direitos. Para Rorty,
colocados, desenvolvendo sua sugestão de esses dois séculos de afirmação histórica
uma "constitucionalização dos direitos dos dos direitos humanos são melhor
povos" (LOHMANN, 2013). Nesse sentido percebidos como aquele no qual ocorreu
republicano, estão ligados à dignidade um enorme e rápido progresso de
humana modelos nos quais as pessoas não sentimentos, tornando-se mais fácil
são apenas portadoras passivas de direitos motivar uma pessoa à ação ao se contar
humanos, mas sim próprias autoras desse histórias tristes e sentimentais de outras
regime jurídico internacional. pessoas/povo. Isso difere em muito de se
Isso é muito significativo, pois compreendê-los como um período de
nessa assunção do papel de legislador, uma profundo entendimento sobre a natureza da
pessoa passa a formar um nível mais racionalidade ou da moralidade. Por meio
elevado na esfera política, na qual é dessas narrativas, seria possível
discutida e reivindicada, publicamente, a sensibilizar habitantes de países ricos e
obtenção e o aprimoramento dos direitos seguros a se colorarem no lugar daqueles
humanos. Neste processo de deliberação e que são perseguidos, humilhados e tolhidos
institucionalização política, valem os de qualquer direito. Eis, assim, a resposta à
argumentos e os motivos que devem ser pergunta que o próprio filósofo lança: “Por
diferenciados conforme as várias que eu deveria me importar com um
dimensões (morais, legais, política- estranho, uma pessoa que não é meu
históricas) da dignidade humana e dos
direitos humanos. Para Habermas, estes 3
Para melhor análise, ver “ONU publica textos
são processos deliberativos nos quais a explicativos sobre cada artigo da Declaração
ideia de direitos humanos universais Universal dos Direitos Humanos”. Disponível em:
argumentos históricos, evolutivos, https://nacoesunidas.org/onu-publica-textos-
políticos, práxis e institucionalizações só explicativos-sobre-cada-artigo-da-declaracao-
universal-dos-direitos-humanos/. Acesso em: 31
maio 2019.
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parente, uma pessoa cujos hábitos que eu direito internacional passa por profundos
considero repugnante?” (id., p. 185). Mas questionamentos e cada vez mais se coloca
toda essa proposição não responde o em dúvida a tutela do ocidente em relação
porquê se deve agir moralmente com o a certos valores, outrora tidos como
outro. universais. A crescente globalização injeta
Rorty afirma que não está claro o a necessidade de maior consciência acerca
porquê se deve respeitar a dignidade do pluralismo cultural e da compreensão
humana e por que essa deve se sobrepor a sobre a visão das diversas culturas
qualquer atributo pessoal de cada humano existentes, não apenas a visão eurocêntrica
(ex.: religião, gênero, tradição cultura, ou norte-americana, como se essa culturas
orientação sexual, etnia...). detivessem o que Rorty (2011, p. 179)
Tradicionalmente, a “racionalidade” é o denomina de o “paradigma humano”.
atributo humano que sustenta a No diálogo intercultural sobre
moralidade. Entretanto, para esse filósofo, direitos humanos, uma das questões
não fica demonstrada a relevância da centrais é se esses possuem qualquer
escolha moral e acrescenta que o que validade fora da cultura ocidental de onde
separa os seres humanos de outros seres do se originaram. Em particular, a grande
reino animal são os fatos historicamente crítica se concentra na facticidade de um
contingentes de mundo e de cultura feitos individualismo inerente à ideia de direito
pelos próprios humanos. Erroneamente, subjetivo ser uma imposição estrangeira a
essa contingência, como o próprio autor culturas orientadas de forma mais
afirma, é entendida por alguns de seus comunitária. Para Pogge (2000, p. 51), a
críticos como um “relativismo cultural”, o insistência na juridificação dos direitos
qual estaria associado à irracionalidade por humanos provoca críticas de autores
negar a existência de uma moralidade comunitaristas e de intelectuais orientais
transcultural. em sentido de que essas normas levam as
Rorty ressalta que projetos pessoas a se enxergarem como ocidentais,
fundacionistas – aqueles com alta carga ou seja, atomizadas, seculares, indivíduos
sobre o “absoluto”/verdade metafísica – autointeressados em seus direitos, mesmo
estão fora de moda, pois “nós vemos nossa que seja a custo de outras pessoas ou de
tarefa como uma questão de fazer nossa toda a sociedade.
própria cultura – a cultura dos direitos Habermas (2001, pp. 153, 155)
humanos – mais autoconsciente e mais enfatiza que a controvérsia gira em torno,
poderosa, ao invés de demonstrar sua sobretudo, do individualismo e do caráter
superioridade para outas culturas ao apelar secular dessas normas. Portanto, mais que
para algo transcultural” (RORTY, 2011, críticas a uma tentativa de imposição e
pp. 170-171). Podemos extrair então, dominação, são críticas ao valor central da
resumidamente, que para a filosofia autonomia. Diante disso, o filosofo de
pragmática não existe conhecimento como Frankfurt expõe que as críticas orientais
o anunciado por Platão, o ideal. aos direitos humanos vão em três direções.
A primeira vertente põe em questão
3 AS CRÍTICAS À CULTURA o princípio da primazia dos direitos em
OCIDENTAL DOS DIREITOS relação às obrigações. As culturas antigas
HUMANOS da Ásia e da África priorizam a
comunidade em detrimento dos indivíduos,
O pluralismo e a multipolaridade não existindo também uma separação mais
provocados pela mundialização cultural rigorosa entre direito e ética, sendo a
hodierna estão abertos à nova visão de comunidade política, tradicionalmente,
aproximações e de teorizações integrada com base não no direito, mas em
interculturais das normas jurídicas. O obrigações, cujo ethos exige a submissão e
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risco a integridade das ordens familiares, desse processo como cidadãos livres
de vizinhança e políticas, pois o e iguais. Quando esclarecemos de tal
maneira o projeto do Direito, é fácil
individualismo fornece direitos subjetivos notar que a substância normativa dos
reclamáveis e, assim, gera conflitos entre direitos à liberdade já está contida no
os próprios cidadãos, indo contra o instrumento que é, ao mesmo tempo
consenso tradicional. necessário à institucionalização
jurídica do uso público da razão por
Habermas replica ao defender que
parte de cidadãos soberanos. O objeto
os direitos humanos não devem ser vistos central da análise a seguir é formado
como direitos naturais inatos, fixados na então pelos pressupostos da
religião ou na metafísica, de indivíduos comunicação e pelos processos de
que vêm e enxergam o mundo antes de uma formação discursiva da opinião e
da vontade, em que o uso público da
qualquer socialização. Portanto, ao
razão se manifesta (HABERMAS,
descartar esse ideal, não há que se falar em 2002, p. 87).
antítese oriental, segundo a qual as
reivindicações comunitárias precedem Os cidadãos são autônomos
àquelas de direitos individuais. politicamente porque ditam suas próprias
Assim, no embate entre leis. Essa ideia de autolegislação fortalece
“invidualistas” versus “coletivistas”, o procedimento de uma construção
Habermas (2001, p. 159) explana que “o democrática da vontade, tornando
individualismo compreendido de modo exagerada qualquer fundamentação dos
correto permanece incompleto sem essa direitos humanos embasada fortemente na
dose de “comunitarismo”. Isso porque a religiosidade ou em uma filosofia
integridade da pessoa particular só pode metafísica (HABERMAS, 2001, p. 160).
ser protegida com conjunto ao acesso livre Portanto, o sistema de direitos, para ser
às relações interpessoais e às tradições legítimo, não pode ser outorgado, mas
culturais, nas quais mantém sua identidade. deve poder ser observado racionalmente e
estruturado de forma politicamente
A relação dialética entre autonomia autônoma, com a participação, em
privada e pública só se torna clara por
meio da possibilidade de
princípio, de todos os interessados
institucionalização do status de um (LUCHI, 2005, p. 136). Contudo, ao invés
cidadão como esse, democrático e de descartar o aspecto legal dos direitos
dotado de competências para o humanos na esperança de se manter um
estabelecimento do Direito, e isso consenso maior com as tradições não
somente com o auxílio do direito
coercitivo. No entanto, porque esse
ocidentais, deve-se diferenciar a concepção
direito se direciona a pessoas que, de direitos individuais da “cultura do
sem direitos civis subjetivos, não individualismo”, a qual acaba por
podem assumir de forma alguma o influenciar a cultura jurídica de várias
status de pessoas juridicamente aptas, sociedades ocidentais.
as autonomias privada e pública dos
cidadãos pressupõem-se Segundo Habermas, citado por
reciprocamente. [...], os dois Flynn (2003, pp. 450-451), o conceito de
elementos já estão entrelaçados no direitos individuais está baseado sobre uma
conceito do direito positivo e fundamentação intersubjetiva do direito e
coercitivo: não haverá direito algum,
não no ideal do individualismo. Isso tem
se não houver liberdades subjetivas
de ação que possam ser juridicamente uma lógica: por si só, um ordenamento
demandadas e que garantam a jurídico não pode determinar como tais
autonomia privada de pessoas em direitos devem ser utilizados, como devem
particular juridicamente aptas; e ser vistos pelas pessoas ou como as
tampouco haverá direito legítimo, se
pessoas devem se compreender. Indivíduos
não houver o estabelecimento comum
e democrático do Direito por parte de podem exercitar seus direitos de fala,
cidadãos legitimados para participar organização e participação em um governo
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