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Caius Brandão
Pesquisador PIVIC 1
Graduando em Filosofia, UFG
Introdução
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Esta comunicação foi desenvolvida como resultado parcial do projeto de pesquisa Da Ética Contextualista a uma Moral Universal,
de Iniciação Científica, sob orientação da Profª Drª Helena Esser dos Reis.
ser a justiça uma idéia constituída para servir como instrumento de certo poder político
e econômico ou de resistência contra ele. Através de uma breve análise de seu livro
Vigiar e Punir, de 1975, pretendemos demonstrar que o estudo foucaultiano do sistema
judicial penal europeu enfatiza a utilização da justiça em termos de lutas sociais.
No capítulo Sobre a Justiça Popular, em Microfísica do Poder, Foucault
reconhece que a justiça popular é um instrumento de resistência importante e autêntico,
das classes oprimidas. A pergunta central do debate é se o tribunal popular pode ser
uma expressão da justiça popular. Na resposta de Foucault a esta questão, buscamos
uma possível definição para o conceito de justiça popular e a compreensão de quais
circunstâncias políticas, econômicas e sociais ela se faz necessária.
O Conceito de Justiça
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Idem.
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CHOMSKY, N.; FOUCAULT, M. Human Nature: Justice versus Power. Disponível em
http://www.chomsky.info/debates/1971xxxx.htm . 20/05/2010
5
Idem.
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Idem.
que Freud descobriu os princípios de análise dos sonhos, ou antropologistas culturais as
estruturas dos mitos. Em seguida, Foucault afirma:
“Na história do conhecimento, a noção de natureza humana me parece ter
desempenhado, principalmente, o papel de referência epistemológica para
designar certos tipos de discursos, em relação ou em oposição à teologia,
biologia ou história. Eu dificilmente veria nisto um conceito científico.” 7
[tradução nossa].
7
Idem.
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Idem.
Como veremos a seguir, o estudo arqueológico que Foucault faz do sistema
judicial penal europeu enfatiza a noção de justiça como instrumento de poder e
dominação.
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FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.
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Idem.
populares pelas massas, porque ousaram desafiar o poder do soberano. Foucault faz a
seguinte ponderação:
“No abandono da liturgia dos suplícios, que papel tiveram os sentimentos de
humanidade para com os condenados? Houve de todo modo, de parte do
poder, um medo político diante do efeito desses rituais ambíguos.” 11
Para Foucault, seria um exagero atribuir como causa da mitigação das penas
na reforma do sistema penal o aumento de sensibilidade da sociedade européia ou os
esforços de reformadores humanistas:
“Não foram os mais esclarecidos dos expostos à ação da justiça, nem os
filósofos inimigos do despotismo e amigos da humanidade, não foram nem
os grupos sociais opostos aos parlamentares que suscitaram a reforma. (...) A
reforma não foi preparada fora do aparato judiciário e contra todos os seus
representantes; foi preparada, e no essencial, de dentro, por um grande
número de magistrados e a partir de objetivos que lhes eram comuns e dos
conflitos de poder que os opunham uns aos outros.” 12
A reforma do sistema judicial penal não visava estabelecer uma nova justiça
com base em princípios humanitários, mas instituir o que Foucault chama de “uma nova
‘economia’ do poder de castigar” 13, garantindo, assim, a sua melhor distribuição. De
acordo com Dreyfus e Rabinow (1995), com a reforma, o crime deixa de ser visto como
ataque direto ao corpo do soberano para ser tratado como quebra do contrato social que
vitima a sociedade como um todo. Antes de princípios democráticos, o que determina
essa mudança é uma necessidade estratégica de distribuir o poder de julgar e punir. A
punição, então, deixa de ser um direito do soberano para se consolidar como uma
obrigação da sociedade. O objetivo da reforma não é punir menos, mas punir com maior
eficácia.
Com a dissolução dos governos monárquicos e o surgimento do estado burguês,
o poder de fazer justiça passa a se fundamentar e obter suas justificativas e regras a
partir do desenvolvimento de um ‘complexo científico-judiciário’, até então inexistente.
Foucault demonstra como os novos saberes produzidos pelas chamadas ciências do
espírito, tais como a psicologia, a psiquiatria e a psicopedagogia, foram postos a serviço
do aparato jurídico do Estado. Chegamos à era dos ‘castigos incorpóreos’. O alvo agora
não é mais o corpo do condenado, mas a sua alma. O objetivo não é mais punir o autor
de um crime, mas estudar, classificar, qualificar, prender e recuperar o sujeito
delinquente. No lugar do crime, temos agora a criminalidade como objeto da
11
Idem.
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Idem.
13
Idem.
intervenção da justiça penal. De acordo com Dreyfus e Rabinow, “em Vigiar e Punir,
Foucault apresenta a genealogia do indivíduo moderno como um corpo dócil e mudo
(...)” 14.
“No caso que eu cito, o Tribunal Popular, tal como funcionou durante a
Revolução Francesa, tendia a ser uma terceira instância, aliás bem
determinada socialmente; representava uma linha intermediária entre a
burguesia no poder e a plebe parisiense, uma pequena burguesia composta
de pequenos proprietários, pequenos comerciantes, artesãos. Colocaram-se
como intermediários, fizeram funcionar um tribunal mediador e, para fazê-lo
funcionar referiram-se a uma ideologia que era até certo ponto a ideologia
da classe dominante, ao que era "bom" e "não bom" fazer ou ser. (...) Vê-se
bem então que eles retomaram o lugar "mediano" da instância judiciária tal
como ela tinha funcionado no Antigo Regime. Eles substituíram o revide das
massas àqueles que eram os seus inimigos pelo funcionamento de um
tribunal e boa parte de sua ideologia.” 15
Conclusão
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Idem.
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Idem.
vigilância e coerção da classe opressora sobre a massa popular. Face ao exposto,
concluímos que, para Michel Foucault, a justiça popular é um instrumento de subversão
importante e autêntico das classes oprimidas contra seus inimigos e contra o aparato de
justiça dos seus opressores.
De acordo com Nithamar Oliveira, “(...) podemos apenas falar de uma ética
não-cognitivista, não-universalizável e contextualista em Foucault, onde as práticas de
resistência e as lutas pela liberdade desautorizam qualquer pretensão humanista.” 18
Referências Bibliográficas:
18
OLIVEIRA, N. Tractatus Ethico-Politicus – Genealogia do Ethos Moderno. Porto Alegre: Edipucrs, 1999.