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Manual de Investigação em Ciências Sociais (Quivy)

Numa investigação social importa que o investigador seja capaz de conceber e de pôr em prática um
dispositivo para a elucidação (esclarecimento) do real, ou seja, um método de trabalho.

A escolha, a elaboração e a organização dos processos de trabalho variam com cada investigação específica
(exigem ser reinventados para cada trabalho).

Num trabalho de investigação social em ciências sociais, aprendesse:

- a compreender melhor os significados de um acontecimento ou de uma conduta;

- a fazer inteligentemente o ponto da situação;

- a captar com maior perspicácia as lógicas de funcionamento de uma organização;

- a refletir acertadamente sobre as implicações de uma decisão política

- a compreender com mais nitidez como determinadas pessoas apreendem um problema e a tornar visíveis
alguns dos fundamentos das suas representações.

Trata-se de estudos, análises ou exames, mais ou menos bem realizados, consoante a formação e a imaginação
do “investigador” e as precauções de que se rodeia para levar a cabo as duas investigações.

3 POSSÍVEIS MANEIRAS DE COMEÇAR MAL UMA INVESTIGAÇÃO

1. A gula livresca ou estatística;


2. A “passagem” às hipóteses;
3. A ênfase que obscurece.

1. A gula livresca ou estatística:

Consiste em “encher a cabeça” com uma grande quantidade de livros, artigos ou dados numéricos com
esperança de aí encontrar o objetivo e o tema de trabalho que se deseja efetuar. Deve-se aprender a refletir, em vez
de devorar, a ler em profundidade poucos textos cuidadosamente escolhidos e a interpretar judiciosamente alguns
dados estatísticos particularmente eloquentes.

 Bem compreendida, a lei do menor esforço, é uma regra essencial do trabalho de investigação. Consiste
em procurar sempre tomar o caminho mais curto e mais simples para um melhor resultado.
2. A “passagem” às hipóteses:

Consiste em precipitar-se sobre a recolha dos dados antes de ter formulado hipóteses de investigação e em
preocupar-se com a recolha e aplicação prática das técnicas de investigação mesmo antes de saber exatamente aquilo
que se procura e, para o que irão servir.

3. A enfase que obscurece:

Consiste em investigadores, por vezes novatos, assegurarem a sua credibilidade julgando ser útil exprimirem-
se de forma pomposa e ininteligível. São então dominados pela ambição desmedida e por uma completa confusão.

2 ETAPAS A PERCORRER NA CONSTRUÇÃO DE UMA INVESTIGAÇÃO:

1. Os três atos do procedimento


2. As sete etapas do procedimento

1. Os três atos do procedimento

Um procedimento é uma forma de progredir em direção a um objetivo e como tal existe uma ordem que deve
ser respeitável e à qual chamam “hierarquia dos atos epistemológicos”. Estes três atos são: a rutura, a construção e a
verificação.

- rutura: consiste em romper com os preconceitos e as falsas evidências, que somente nos dão a ilusão de
compreendermos as coisas. É o primeiro ato constitutivo do procedimento cientifico.

- construção: consiste na existência de uma construção teórica que ergue as proposições explicativas do fenómeno a
estudar e a prever qual o plano de pesquisa a definir, as operações a aplicar e as consequências que logicamente
devem esperar-se no termo da observação. Sem construção de um quadro teórico de referência não existe
experimentação válida ou verificação frutuosa.

- verificação: uma investigação só tem direito ao estatuto científico na medida em que pode ser verificada pelos factos
(verificação ou experimentação).

2. As sete etapas do procedimento

No esquema, distinguidas de forma precisa umas das outras, as etapas estão em permanente interação. Existe
uma lógica que as liga.
Etapa 1: a pergunta de partida

Etapa 2: a exploração Rutura

Etapa 3: a problemática
Construção
Etapa 4: a construção do modelo de análise

Etapa 5: a observação

Etapa 6: a análise das informações Verificação

Etapa 7: as conclusões

. PRIMEIRA ETAPA: PERGUNTA DE PARTIDA

A melhor forma de começar um trabalho de investigação em ciências sociais consiste em enunciar o projeto
sob forma de uma pergunta de partida. Com esta pergunta o investigador exprime o mais exatamente possível aquilo
que procura saber, elucidar, compreender melhor. A pergunta de partida serve de primeiro fio condutor da
investigação. Para desempenhar devidamente a sua função, a pergunta de partida deve apresentar: qualidades de
clareza, de exequibilidade e de pertinência.

As qualidades de clareza:

- DEVEM SER PRECISAS- não encerra imediatamente o trabalho numa perspetiva restritiva e sem
possibilidades de generalização. Permitem-nos simplesmente saber onde nos dirigimos e comunica-lo aos outros.

- DEVE SER CONCISA E UNÍVOCA- para que possa ser compreendida sem dificuldade e ajudar o seu autor a
perceber claramente o objetivo que persegue.

As qualidades de exequibilidade:

- DEVE SER REALISTA- adequada aos recursos pessoais, materiais e técnicos, em cuja necessidade podemos
imediatamente pensar e com que podemos razoavelmente contar (recursos em tempo, dinheiro e meios logísticos)
que lhe permitiram elementos de resposta válidos.

As qualidades de pertinência:

- DEVE TER UMA INTEÇÃO DE COMPREENSÃO DOS FENÓMENOS ESTUDADOS- não procurar julgar, mas sim
compreender.
- DEVE SER UMA VERDADEIRA PERGUNTA – ou seja, uma pergunta “aberta”, o que significa que devem poder
ser encaradas a priori várias respostas diferentes e que não se tem a certeza de uma resposta preconcebida.

- DEVE ABORDAR O ESTUDO DO QUE EXISTE, BASEAR O ESTUDO DA MUDANÇA NO DO FUNCIONAMENTO-


não visa prever o futuro, mas captar um campo de constrangimentos e de possibilidades.

. SEGUNDA ETAPA: EXPLORAÇÃO

Tem como objetivo atingir uma certa qualidade de informação acerca do objeto estudado e encontrar as
melhores formas de o abordar. O trabalho exploratório compõe-se em duas partes:

- um trabalho de leitura;

- entrevistas ou outros métodos apropriados

As leituras preparatórias servem para obter informação sobre as investigações já levadas a cabo sobre o tema
do trabalho e para situar em relação a elas a nova contribuição que se pretende fazer. Através destas leituras, o
investigador pode ainda fazer ressaltar a perspetiva que lhe parece mais pertinente para abordar o seu projeto de
investigação. A escolha das leituras deve ser feita em função: das ligações com a pergunta de partida; da dimensão
razoável do programa; dos elementos de análise e interpretação; das abordagens diversificadas; dos períodos de
tempo determinados à reflexão pessoal; às trocas de pontos de vista.

A leitura deverá ser efetuada com a ajuda de uma grelha de leitura adequada aos objetivos pretendidos. Os
seus resumos, corretamente estruturados, permitirão destacar as ideias essenciais dos textos estudados e compará-
los entre si.

As entrevistas exploratórias completam as leituras. Permitem ao investigador tomar consciência de aspetos


da questão para os quais a sua própria experiencia e as suas leituras, por si só, não o teriam sensibilizado. O seu
objetivo é imaginar novas ideias. Três tipos de interlocutores (pessoas que participam no processo de interação que
se dá por meio de linguagem), interessam aqui ao investigador:

 Os especialistas científicos do objeto estudado - podem ajudar a melhorar o nosso conhecimento do


terreno, expondo-nos não só os resultados dos seus trabalhos, mas os procedimentos utilizados, os
problemas que encontraram e as escolhas a evitar.
 As testemunhas privilegiadas – pessoas que, pela sua posição, ação ou responsabilidades, têm um bom
conhecimento do problema.
 As pessoas diretamente interessadas – o público. Neste caso é impossível que as entrevistas cubram a
diversidade do público envolvido.
A exploração das entrevistas é dupla:

 As conversas podem ser abordadas diretamente enquanto fonte de informação – abrir pistas de reflexão,
alargar e precisar os horizontes de leitura, tomar consciência das dimensões e dos aspetos de um dado
problema. Permitem não nos lançarmos em falsos problemas, produtos inconscientes dos nossos
pressupostos e pré-noções.
 Cada entrevista pode ser descodificada como um processo ao longo do qual o interlocutor exprime sobre
si mesmo uma verdade mais profunda do que a imediatamente percetível (visa levar o interlocutor a
exprimir a sua vivencia ou a perceção que tem do problema que interessa ao investigador).

Estas entrevistas exploratórias podem ser usadas em conjunto com outros métodos complementares:
observação e a análise de documentos. No final desta etapa, o investigador pode ser levado a reformular a sua
pergunta de partida, de forma a ter em conta os ensinamentos do trabalho exploratório.

. TERCEIRA ETAPA: A PROBLEMÁTICA

A problemática é a abordagem ou a perspetiva teórica que se decide adotar para tratar o problema colocado
pela pergunta de partida. É uma maneira de interrogar os fenómenos estudados. É responder à pergunta “como vou
abordar este fenómeno?”.

Para se conceber uma problemática pode fazer-se em dois momentos:

 Primeiro momento: faz-se o balanço das problemáticas possíveis, elucidam-se e comparam-se as duas
características partindo-se dos resultados do trabalho exploratório. Com a ajuda de pontos de referência
(como esquemas de inteligibilidade) tenta-se esclarecer as perspetivas teóricas que subentendem as
abordagens encontradas e podem descobrir-se outras.
 Segundo momento: escolhe-se e explicita-se a sua própria problemática com conhecimento de causa
(escolhe-se adotando um quadro teórico, explicita-se redefinindo o melhor possível o objeto da
investigação). Paralelamente, expõe-se a orientação teórica escolhida, reorganizando em função do
objeto de investigação, por forma de obter um “sistema conceptual organizado”, apropriado ao que se
investiga.

Formulação da pergunta de partida (que se torna ao longo do trabalho a pergunta central da investigação),
leituras, entrevistas exploratórias e problematização, constituem as componentes complementares de um processo
onde se efetua a rutura e onde se elaboram os fundamentos do modelo de análise que operacionalizará a perspetiva
escolhida.
. QUARTA ETAPA: A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE ANÁLISE

É o prolongamento natural da problemática articulada de forma operacional os marcos e as pistas que serão
retidos para orientar o trabalho de observação e análise. É composto por conceitos e hipóteses estritamente
articulados entre si, para em conjunto formarem um quadro de análise coerente. A conceção/construção de conceitos,
é uma construção abstrata que visa dar conta do real. Retém somente aquilo que exprime o essencial da realidade do
ponto de vista do investigador. É uma construção-seleção.

A construção de um conceito consiste em definir as dimensões que o constituem e precisar os seus


indicadores. Existem duas formas de construir um modelo:

 Através dos conceitos operatórios isolados- são indutivos e construídos empiricamente a partir de
observações diretas ou informações coligadas.
 Através dos conceitos sistémicos – são dedutivos e são construídos pela experiencia e pelo raciocínio
abstrato e possuem um grau mais elevado de rutura com os preconceitos.

Uma hipótese: é uma proposição que prevê uma relação entre dois termos (conceitos ou fenómenos); é uma
proposição provisória, uma suposição que deve ser verificada; será confrontada numa etapa posterior de investigação;
para poder ser objeto de verificação empírica, a hipótese deve ser refutável – deve poder ser testada indefinidamente,
deve admitir enunciados contrários que sejam teoricamente suscetíveis de verificação.

Só respeitando estas exigências metodológicas se pode pôr em prática o espirito de investigação (re-
questionar conhecimentos provisoriamente adquiridos).

. QUINTA ETAPA: A OBSEVAÇÃO

Conjunto das operações das quais o modelo de análise é confrontado com dados observáveis. Ao longo desta
etapa são reunidas numerosas informações, que serão sistematicamente analisadas na etapa posterior. Aqui
respondesse a três perguntas: Observar o quê? Observar em quem? Observar como?

Observar o quê?

Os dados a reunir são aqueles que são úteis à verificação das hipóteses (cada investigação é um caso único
que o investigador só pode responder recorrendo à própria reflexão e ao bom senso), são determinados pelos
indicadores das variáveis. Chamam-se dados pertinentes.

Observar em quem?

Trata-se de circunscrever (limitar, impor limites) o campo das análises empíricas no espaço geográfico, social
e temporal. Dependendo do caso, o investigador poderá estudar o conjunto da população considerada ou somente
uma amostra representativa ou significativa dessa representação.
Observar como?

Incide sobre os instrumentos da observação e a recolha dos dados propriamente dito. A observação compõe-
se de três observações:

 Conceber o instrumento capaz de fornecer as informações adequadas e necessárias para testar as


hipóteses (exemplo: questionário por inquérito)
 Testar o instrumento de observação antes de o utilizar sistematicamente, de modo a assegurar-se que o
seu grau de adequação e precisão é suficiente.
 Aplica-lo sistematicamente e proceder à recolha de dados pertinentes

Na observação:

- é importante recolher informações que traduzam o conceito

- é importante obter essas informações de uma forma que permita aplicar-lhes posteriormente o tratamento
necessário à verificação das hipóteses

- é necessário preocupar-se com o tipo de informação que fornecerá e com o tipo de análise que deverá e
poderá ser previsto

- a escolha entre os diferentes métodos de recolha de dados depende das hipóteses de trabalho e da
decorrente definição dos dados pertinentes

- é necessário, ainda, ter em conta as exigências de formação necessárias para uma aplicação correta de cada
método.

. SEXTA ETAPA: ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES

Etapa que trata a informação obtida através da observação para a apresentar de forma a poder comparar os
resultados observados com os esperados, a partir, da hipótese. No cenário de uma análise de dados quantitativos,
esta etapa compreende três operações:

- primeira operação: consiste em descrever os dados, apresenta-los na forma exigida pelas variáveis
implicadas nas hipóteses e apresenta-las de maneira que as características destas variáveis sejam claramente
evidenciadas pela descrição

- segunda operação: consiste em medir as relações entre as variáveis

- terceira operação: consiste em comparar as relações observadas com as relações teoricamente esperadas a
partir da hipótese e em medir a diferença entre as duas (se esta for nula ou muito fraca concluímos que a
hipótese é confirmada, se não, será necessário procurar a origem da discrepância e tirar as conclusões
apropriadas).
Os principais métodos de análise das informações são a análise estatística de dados e a análise de conteúdo
(exemplo: Field research). Aplicação contemporânea de diferentes métodos de observação e de análises das
informações.

.SÉTIMA ETAPA: CONCLUSÕES

Deve recapitular-se o procedimento, explicando todos os processos, etapas, procedimentos e consequências


do mesmo. Depois deve apresentar-se os resultados, pondo em evidência: os novos conhecimentos e as
consequências das práticas.

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