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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PUNIR, PREVENIR E COMPENSAR: O DANO IMATERIAL E SUAS VERTENTES.

GABRIELLA DE BARROS AFONSO FERREIRA

Prof. Daniel e Silva Meira


(Orientador)

Recife - PE, 2015

1
GABRIELLA DE BARROS AFONSO FERREIRA

PUNIR, PREVENIR E COMPENSAR: O DANO IMATERIAL E SUAS VERTENTES.

Monografia Final de Curso apresentada como


requisito para obtenção do título de
Bacharelado em Direito pelo CCJ/UFPE.

Área de concentração: Teoria Geral do Direito;


Direito Civil.

Recife - PE, 2014


GABRIELLA DE BARROS AFONSO FERREIRA

PUNIR, PREVENIR E COMPENSAR: O DANO IMATERIAL E SUAS VERTENTES.

Monografia Final de Curso para obtenção do título de Bacharel em Direito


Universidade Federal de Pernambuco/CCJ/FDR
Data de Aprovação: ____/____/_______

_________________________________________
Prof. Daniel e Silva Meira

______________________________________

_______________________________________________
RESUMO

Durante muitos anos, a compreensão dos danos morais como um patrimônio ideal,
insuscetível de valoração econômica, constituiu óbice ao acesso à justiça, em sua
acepção mais ampla: o acesso a uma ordem jurídica justa, cuja efetividade do processo
repare a lesão sofrida e restabeleça o equilíbrio social. Com o advento da Constituição
Federal de 1988, a possibilidade de reparação civil pelos danos morais restou
superada, de maneira que a reparação civil, nos moldes delineados pela Carta Maior,
deve atingir sua tríplice função: compensatória, preventiva e sancionatória. Dentre os
critérios eleitos pela legislação, doutrina e jurisprudência para a mensuração do dano,
o caráter punitivo/sancionatório da condenação é o que recebe as maiores críticas por
parte da doutrina. Os chamados punitive demages, originários do Direito Americnao,
constituem uma indenização adicional assegurada à vítima com a finalidade de punir o
ofensor, excedendo a função precípua da responsabilidade civil que é a compensação
dos danos sofridos. Neste cenário, o presente trabalho objetivou analisar a essência da
reparação por dano moral, em suas vertentes compensatória, punitiva e preventiva,
haja vista a relevância do tema para a sociedade contemporânea ante a insuficiência da
doutrina tradicional brasileira em traçar um padrão para fixação da indenização por
dano moral e para a avaliação da repercussão econômica do montante a ser pago pelo
ofensor. Trata-se de uma investigação exploratória, que possibilita uma aproximação
com o fato e/ou fenômeno analisado, de base bibliográfico-documental. O estudo
possibilitou verificar que a função punitiva da indenização é uma exigência social,
desencadeada pela evolução das relações humanas, que tem por objetivo maior a
segurança e a eficiência na prevenção do dano.

Palavras Chave: Responsabilidade Civil. Danos Morais. Critérios para Fixação.


Função Punitiva.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................7

1. RESPONSABILIDADE CIVIL.............................................................................8

1.1 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA...............................10

2. DANO................................................................................................................11

2.1 DANO MATERIAL............................................................................................12

2.2 DANO MORAL..................................................................................................12

3. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL: PRINCIPAIS TEORIAS......................14

A) TEORIA DO RECONHECIMENTO DA REPARAÇÃO POR DANO


IMATERIAL DE FORMA LIMITADA;.........................................................................14

B) TEORIA DA REPARAÇÃO SANCIONATÓRIA;.............................................15

C) TEORIA DO CARÁTER COMPENSATÓRIO DA INDENIZAÇÃO POR DANO


MORAL;......................................................................................................................15

D) TEORIA DO PAPEL DÚPLICE DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL;....15

4. MUDANÇA DE PARADIGMA QUANTO À FUNÇÃO DA


RESPONSABILIDADE CIVIL.....................................................................................17

4.1 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL..................................................18

4.1.1.1 FUNÇÃO REPARATÓRIA;........................................................................18

4.1.1.2 FUNÇÃO PREVENTIVA;...........................................................................18

4.1.1.3 FUNÇÃO PUNITIVA...................................................................................19

5. NECESSIDADE DE SEPARAÇÃO ENTRE DIREITO CIVIL E DIREITO


PENAL........................................................................................................................21

6. PREVISÃO EXPRESSA DA FUNÇÃO PUNITIVA NAS INDENIZAÇÕES POR


DANO IMATERIAL NOS ESTATUTOS NORMATIVOS PÁTRIOS..........................23
7. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA.........25

A) DANO MORAL CONSTATADO;......................................................................25

B) DOLO OU CULPA GRAVE;.............................................................................25

C) LUCRO PROVENIENTE DO ILÍCITO;.............................................................26

8. SITUAÇÕES EXCLUDENTES DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA.......................27

A) CULPA LEVE;...................................................................................................27

B) RESPONSABILIDADE OBJETIVA;.................................................................27

9. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ADMISSÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA


28

A) BIS IN IDEM;.....................................................................................................28

B) VALORES INDENIZATÓRIOS;........................................................................28

C) ENRIQUECIMENTO INJUSTIFICADO DA VÍTIMA;........................................29

10. JULGADOS DOS TRIBUNAIS.........................................................................30

CONCLUSÕES...........................................................................................................34
INTRODUÇÃO

Não é segredo que as demandas com pretensões indenizatórias por danos morais
aumentaram significativamente nos últimos anos, sendo umas das vilãs do abarrotamento dos
fóruns brasileiros. Afora a grande quantidade de ações, há a diversidade de decisões –
especialmente quanto à fixação do montante e à fundamentação estabelecida para as
condenações reparatórias – a justificar o interesse no exame dos critérios punitivo, preventivo
e compensatório para a determinação da indenização por dano moral.
Objetiva este trabalho, portanto, a análise da essência da reparação por dano
moral, em suas vertentes compensatória, punitiva e preventiva, ante a relevância do tema para
a sociedade contemporânea. Isso porque a doutrina tradicional brasileira mostra-se
insuficiente para traçar um padrão para fixação da indenização por dano moral e para a
avaliação da repercussão econômica do montante a ser pago pelo ofensor.
Para tanto, o estudo abordará, inicialmente e de forma superficial, o conceito de
responsabilidade civil. Será, também, examinada a questão atinente à compensação por dano
moral, enfocando-se as teorias de inegável influência punitiva e preventiva, sem deixar de
estudar as situações caracterizadoras de sua exclusão, bem como os mais fortes argumentos
daqueles que se opõem ao reconhecimento da indenização punitiva por dano moral,
notadamente acerca das questões referentes aos valores indenizatórios, ao enriquecimento
injustificado da vítima e ao bis in idem.
Em conclusão, procura-se demonstrar que, da análise de comandos constitucionais
pátrios e da normatização infraconstitucional, pode-se chegar à uma compreensão da
existência das funções punitiva e preventiva na reparação do dano moral, as quais já vem
integrando as decisões dos julgadores brasileiros, como uma resposta mais efetiva e eficaz
contra ações que causem danos aos cidadãos e afetem, em última análise, toda a coletividade.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL

Sergio Cavalieri Filho1, ao tratar da noção de responsabilidade civil, assim a


define:

Em seu sentido etimológico, responsabilidade exprime a idéia de obrigação,


encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa idéia.
Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um
outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico
sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever
jurídico originário. Daí ser possível dizer que toda conduta humana que, violando
dever jurídico originário, cause prejuízo a outrem é fonte geradora de
responsabilidade civil.

Há de se observar, portanto, que o conceito de responsabilidade civil é um dever


sucessivo – de caráter indenizatório -, advindo do não cumprimento de um dever originário,
uma obrigação.
Esta premissa, inclusive, é um princípio de ordem pública, como bem observou
Carlos Roberto Gonçalves2, ao tratar das limitações legal e jurisprudencial à validade de
cláusulas de não indenizar, principalmente quando se trata de relações de consumo.
A obrigação de indenizar, destarte, é consequência jurídica do ato ilícito.
Excepcionalmente, porém, há responsabilidade civil também por atos lícitos. A respeito desse
tema, a Professora Maria Helena Diniz afirma que no caso da responsabilidade objetiva, ante
a prescindibilidade da análise de culpa, há o dever de reparação, mesmo que o responsável
não tenha incorrido em nenhuma ilicitude3.
1
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed., ver., aum. e atual. de
acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003, p. 24.
2
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. revisada de acordo com o novo Código
Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 745. Carlos Roberto Gonçalves explica que
cláusulas de não indenizar “é o acordo de vontades pelo qual se convenciona que determinada parte não será
responsável por eventuais danos decorrentes de inexecução ou de execução inadequada do contrato.”. No
entanto, segundo o autor, o nosso “direito não simpatiza com as cláusulas de irresponsabilidade. Assim, o
Decreto n. 2.681, de 1912, considera nulas quaisquer outras cláusulas que tenham por objetivo a diminuição da
responsabilidade das estradas de ferro. A jurisprudência, de forma torrencial, não a admite nos contratos de
transporte, sendo peremptória a Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal, nestes termos: “Em contrato de
transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”. E o Código Civil, no art. 734, preceitua: “O
transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força
maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”.
3
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.3: teoria das obrigações contratuais e
extracontratuais. 17. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 754. A respeito desse assunto, expõe a ilustre jurista: “O Código Civil, ao prever as hipóteses
de responsabilidade civil por atos ilícitos, consagrou a teoria objetiva em vários momentos, como nos arts. 927,
parágrafo único, 929, 930, 933 e 938, substituindo a culpa pela idéia do risco-proveito (RT, 433:96). O mesmo
se diz dos casos: a) previstos no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565, de 19-12-1986) (RF, 154:158;
Assim, o responsável – na teoria objetiva – é pessoa que será obrigada a arcar com
o ônus da reparação, conforme estabelece a lei, independentemente de ter ou não ter cometido
ato antijurídico.
Outrossim, o estudo da conduta – lícita ou ilícita - faz-se essencial à compreensão
da responsabilidade civil, posto compor, de acordo com a corrente majoritária da doutrina, o
quarteto dos pressupostos que integram tal conceito. São eles: a conduta (ação ou omissão); a
culpa (culpa ou dolo); o nexo causal e o dano.
Sérgio Cavalieri Filho4 ainda inclui, como pressuposto à parte, a imputabilidade
do agente, pelo fundamento de que a responsabilidade subjetiva exige uma conduta culpável,
censurável, do agente, o que depende diretamente da capacidade psíquica de entendimento e
autodeterminação do mesmo.

Em linhas gerais, a conduta pode ser conceituada como “o comportamento


humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo
consequências jurídicas.” 5
Já a culpa, em sentido amplo, é toda espécie de comportamento contrário ao
Direito, seja intencional (dolo) ou não (culpa strictu sensu). Para que ela exista, faz-se mister
um mínimo de vontade na conduta do agente.
Por oportuno, destaca-se que, no ordenamento jurídico civil brasileiro, ao
contrário do penal, não existe distinção entre as consequências de um ato movido por culpa
(negligência, imprudência ou imperícia) ou por dolo, porquanto independer, a
responsabilidade civil, de dolo ou culpa6.

RT, 520:140); b) do hoteleiro, pelo furto de valores praticado por empregados contra hóspedes (CC, art. 649,
parágrafo único; RT, 222:537); c) do banco, que paga cheque falsificado (RT, 481:130, 169:614, 514:120,
508:223, 185:319, 547:190, 193:830; Súmula 28 do STF).”.
4
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed., ver., aum. e atual. de
acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003, p. 44.
5
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. revisada de acordo com o novo Código
Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 42.
6
Em face de o Novo Código Civil ter adotado, em seu art. 944, a desproporção entre a gravidade da
culpa e o dano como parâmetro para que o juiz possa reduzir a indenização, pode acontecer que um mesmo dano
tenha valores indenizatórios diferentes quando ocorrido por ato culposo ou doloso. Dá-se, assim, dentro da
responsabilidade civil, nova importância para a averiguação mais apurada de se o agente causador do dano agiu
com culpa ou com dolo, observando-se, então, em alguns casos, se o agente tiver agido culposamente, qual o
grau de sua culpabilidade. No entanto, cabe ressaltar que a base da medida da indenização é a extensão do dano,
conforme estipula o supracitado artigo.
O nexo causal, por seu turno, é a conexão da causa e efeito. Sergio Cavalieri
Filho, inclusive, defende que o “conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis
naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.”7
Por último, o dano é a lesão a um interesse juridicamente tutelado, seja ele
patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do sujeito infrator. Assim, uma vez que haja
o dano causado por outrem, surge para vítima o direito de ser ressarcido.
Deve-se, no entanto, atentar para os casos em que são os fatos naturais os agentes
causadores dos danos, os quais apenas serão juridicamente tutelados, ensejando o direito de
reparação, quando ocasionarem lesão a alguém em decorrência do não cumprimento prévio de
um dever legal de agir.

1.1 Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva

Para a teoria subjetiva faz-se primordial, à construção da responsabilidade do


agente, a presença de todos os pressupostos mencionados, assim dispondo o art. 186 do
Código Civil de 2002 “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.” Que significa, portanto, que a vítima de um dano, para obter indenização, precisa
demonstrar a culpa do ofensor, o dano e o nexo causal entre a conduta daquele e a existência
deste.
Esclarece-se ainda que, para a caracterização do ato ilícito, é necessária a presença
da imputabilidade do agente, ou seja, o agente deve ser capaz de responder por uma conduta
contrária ao dever8.
Por outro lado, se para a teoria subjetiva faz-se primordial a averiguação da
presença de todos os pressupostos, para a objetiva há a dispensabilidade de alguns deles,
somente se fazendo necessários o nexo causal e o dano. Ou seja, há a prescindibilidade da
análise de culpa ou da existência de uma conduta direta por parte da pessoa que será
responsabilizada.
2. DANO

7
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed., ver., aum. e atual. de
acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003, p. 66.
8
Contudo, diferentemente da teoria penalista, na qual os inimputáveis não são penalizados por eventuais
danos que causem a outrem, a doutrina civilista, com a adoção da teoria da responsabilidade mitigada e
subsidiária dos incapazes, estabelece que os detentores da guarda do incapaz responderão pelos atos que
causarem danos, excetuando-se os casos em que não dispuserem de meios suficientes para tanto .
Conforme anteriormente explicitado, o dano é a lesão a um interesse
juridicamente tutelado, seja ele patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do sujeito
infrator. Assim, uma vez que haja o dano causado por outrem, surge para vítima o direito de
ser ressarcida.
Destarte, sem o dano não há de se falar em responsabilidade civil, seja subjetiva
ou objetiva.
Saliente-se, por oportuno, que na esfera do direito penal existem os crimes de
mera conduta, os quais para ocorrer independem de resultado. No âmbito civilista, porém, há
de ocorrer o efetivo dano (resultado), pois este é fator determinante para a exigibilidade do
dever de indenizar.
Tendo em vista tal premissa, torna-se notório que o dano, para gerar
responsabilidade civil, há de ser indenizável. Para isso a conduta deve atender aos seguintes
requisitos estabelecidos pelo professor Caio Mário9: a) ofender bem jurídico, patrimonial ou
não; b) ser certa e evidente, não podendo ser abstrata ou hipotética 10; c) ser subsistente, ou
seja, não pode ter desaparecido ou sido reparada; e d) ter relação de causalidade entre a
antijuridicidade da ação e o dano causado.
Há de se observar, contudo, que o requisito da atualidade, isto é, a
contemporaneidade do dano com a responsabilização, não se faz essencial, porquanto não é
correto, assim, excluir definitivamente o dano futuro, uma vez que também ele será
indenizável. Destarte, se ao tempo da responsabilização, já se possam verificar os fatos que,
com certeza ou com razoável probabilidade darão ensejo a prejuízos projetados no tempo, não
há porque afastar o dever de indenizar.11
Conforme sobredito, o dano pode ser patrimonial – material – ou moral, distinção
da qual se tratará nos tópicos subsequentes.
2.1 Dano Material

9
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.2: teoria geral de obrigações. 19. ed. –
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 213.
10
Existe controvérsia doutrinária a respeito do cabimento da indenização em situações de dano abstrato
ou hipotético, a exemplo dos casos de perda de chance profissional em decorrência de atraso da empresa de
transporte, mesmo tendo a vítima tomado todas as providências possíveis.Para a doutrina francesa o caso é de
ressarcimento do lucro cessante, o qual irá basear-se "na evolução normal (e, portanto, provável) dos
acontecimentos". Para a doutrina brasileira, contudo, esse tipo de dano é mais complexo, tendo que se analisar
caso por caso.
11
TEPEDINO, Gustavo et al. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. vol.
I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 765 p. 334
São patrimoniais ou materiais os danos a interesses susceptíveis de avaliação
pecuniária. O dano patrimonial, portanto, pode ser avaliado pecuniariamente por critérios
objetivos, "podendo ser reparado, senão diretamente – mediante restauração natural ou
reconstituição específica da situação anterior à lesão –, pelo menos indiretamente – por meio
de equivalente ou indenização pecuniária". 12
Tal ofensa, contudo, não necessariamente irá atingir bem patrimonial, podendo
derivar tanto de danos a bens imateriais quanto de lesões a bens patrimoniais que gerem danos
extrapatrimoniais.
Segundo Maria Celina Bodin:
"(...) tradicionalmente, define-se dano patrimonial como a diferença entre o que se
tem e o que se teria, não fosse o evento danoso. A assim chamada ‘Teoria da
Diferença’, devida à reelaboração de Friedrich Mommsen, converteu o dano numa
dimensão matemática e, portanto, objetiva e facilmente calculável". 13

2.2 Dano Moral

Inicialmente, convém ressaltar o aspecto negativo dado ao conceito de dano moral


por boa parte da doutrina civilista brasileira, porquanto a lesão é entendida a partir de um
processo de exclusão do conceito de dano patrimonial. Assim, dano moral seria aquele que
não afeta o patrimônio e causa dor moral à vítima14.
Nesse sentido, José de Aguiar Dias15, afirma que quando o dano não possui
natureza de dano patrimonial, está-se diante de um dano moral, os quais se diferenciam pelo
resultado da lesão, pela consequência sobre a vítima ou lesado.
Pontes de Miranda, por sua vez, assinala que será dano não material aquele que
afetando o indivíduo não lhe atinge o patrimônio 16. Faz-se, assim, um paralelo entre dano
patrimonial e não patrimonial.

12
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2009. p. 96 -
97.
13
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à Pessoa Humana – uma leitura civil-constitucional dos
Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 143).
14
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
15
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, 12 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.839.
16
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: direito das obrigações,
tomo 26, Rio de Janeiro:Editora Borsoi. 1959.
Há doutrinadores, porém, que definem o dano moral por meio de elementos
anímicos e psicológicos. Assim, a dor, a tristeza, a angústia, a humilhação, bem como a dor
física estariam relacionadas ao conceito de dano moral. Nesse sentido, Silvio Rodrigues 17
assevera que dano moral seria a dor, a tristeza que se causa injustamente a outra pessoa.
Para Cavalieri Filho18, contudo, o dano moral deve ser compreendido à luz da
Constituição Federal, a qual eleva a dignidade da pessoa humana a um dos fundamentos do
Estado democrático de direito.
Assim, o dano moral atrela-se a qualquer violação do direito de dignidade, e não a
dores psíquicas ou físicas. Não se restringe, portanto, a sentimentos como a dor, tristeza e
sofrimento, alcançando, em sua tutela, todos os direitos personalíssimos.
Tal ampliação no conceito do dano moral leva à defesa da utilização das
expressões “dano não patrimonial” ou “dano imaterial”, haja vista a primeira expressão não
mais comportar o conteúdo do instituto.

3. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL: PRINCIPAIS TEORIAS

17
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. 12 ed. São Paulo:Saraiva. 1989, p. 206.
18
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed..São Paulo. Atlas S.A, 2008,
pp. 79-81.
O objetivo primeiro da responsabilidade civil é a reparação do dano causado ou a
recomposição ao status quo ante . Por vezes, contudo, esta restituição mostra-se uma tarefa
tormentosa ou mesmo impossível. Como consequência, a reparação deve ser compreendida
dentro da possibilidade indenizatória.
No estudo da indenização por dano imaterial, partilha-se do entendimento de que,
ocorrendo as lesões, torna-se inviável o retorno à situação anterior, ante a impossibilidade de
“tornar sem dano” algo não palpável, não concreto e, portanto, algo que não é passível de se
restaurar.
Assim, prevalece, no direito pátrio, o princípio da restitutio in integrum, que
objetiva a real restituição à situação anterior. No entanto, sendo inviável a concretização do
retorno, deve haver a indenização pelo valor monetário equivalente. Por esse motivo, o art.
947 do Código Civil brasileiro dispõe, dispõe: “Art. 947. Se o devedor não puder cumprir a
prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”.
Trata-se, portanto, da chamada reparação por equivalência ou compensação, haja
vista a restituição à situação anterior, de forma concreta, ser inviável19.
Tal reparação consistirá, dessa forma, em uma obrigação de fazer ou no
pagamento de quantia ou até mesmo pelas duas formas compensatórias. Importante registrar,
contudo, que, ao contrário do que ocorre com o dano material, nas lesões imateriais há uma
impossibilidade de se precisar o valor da indenização para fins de restabelecimento da
situação anterior.
Por este motivo, várias foram as teorias desenvolvidas, as quais objetivaram a
análise e mensuração da reparação por dano moral. São elas:

a) Teoria do reconhecimento da reparação por dano imaterial de forma limitada;

A partir do momento em que a reparação por dano moral passou a ser admitida,
surge esta teoria que estabeleceu a indenização apenas em casos excepcionais, os quais seriam
estabelecidos por lei20. Era essa a linha de entendimento adotada no Brasil antes do advento da
Constituição Federal de 1988, quando então a indenização por dano moral passou a ser
expressamente admitida. Assim, o Código Civil de 1916 pontuava casos específicos de dano
imaterial indenizável.
19
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
20
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
Nada obstante a previsão legal, muitos julgados acabavam por fazer uma leitura
restritiva dos dispositivos, afirmando que apenas a repercussão material do dano moral seria
indenizável.

b) Teoria da reparação sancionatória;

Esta linha de pensamento doutrinário, embora admitindo a indenização pela


ocorrência de dano moral, rejeitava a ideia de reparação da lesão, fundando-se na necessidade
de penalizar o ofensor.
Seus idealizadores, defendem a necessidade de punição do agente causador do
mal, o que dá um caráter de pena privada à reparação. Assim, a imposição de obrigação a
cumprir ao causador do dano se revestiria de caráter sancionatório, punitivo ao autor da
lesão21.

c) Teoria do caráter compensatório da indenização por dano moral;

Com esta teoria surge o entendimento de que a indenização por lesão imaterial
não deve buscar a reparação do dano, pela impossibilidade lógica de tal medida, mas sim uma
compensação, uma satisfação ao ofendido.
Na lição de Pizarro22, o que se pretende com o ressarcimento não é desfazer o mal
causado pela lesão, mas trazer a indenização pecuniária como remédio e lenitivo. Assim, não
se trata de colocar preço à dor, mas de oferecer uma resposta jurídica consentânea.

d) Teoria do papel dúplice da indenização por dano moral;

Hodiernamente, boa parte da jurisprudência e doutrina brasileiras partilham do


entendimento do duplo caráter indenizatório da lesão por dano moral. Dessa forma, preveem
tanto a compensação do dano quanto a penalização do agente. Nas palavras de Caio Mário da
Silva Pereira23, deve-se punir o ofensor que lesou bem jurídico imaterial e dar satisfação à sua
vítima entregando-lhe algo material, já que o retorno à situação anterior é inviável pela

21
RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller.2000.
22
PIZARRO, Ramón Daniel. Danõ moral. Buenos Aires: Hammurabi. 2000.
23
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1990
própria natureza da lesão. Nessa mesma linha, Sergio Cavalieri Filho 24 afirma ser inviável a
resittutio in integrum, devendo haver a substituição por uma compensação que funcionará
também como uma espécie de pena privada.
Destarte, a função punitiva visa a atingir o patrimônio do lesante, que recebe uma
pena por sua ação ilícita. Salienta-se que tal função não se limita ao agente, mas tem
repercussão coletiva, na medida em que alcança uma finalidade pedagógica geral. Já a
satisfatória objetiva conferir montante capaz de viabilizar satisfações convenientes ao lesado,
contribuindo para compensar o dano.25
Yussef Said Cahali26, por outro lado, defende a existência do caráter tríplice da
indenização por dano moral, o qual seria formado pelas funções reparatória, punitiva e
preventiva.
No entanto, não se pode deixar de registrar que vários outros doutrinadores
rejeitam a existência de outro elemento que não o estritamente compensatório, como
justificador da indenização fixada, quando da constatação do dano moral.
Afirmam, estes doutrinadores, que eventual função punitiva ou, até mesmo,
conteúdo punitivo na indenização seria um desvirtuamento da função precípua da
responsabilidade civil, o que seria inadmissível27.
É exatamente este o objeto do presente trabalho: examinar o instituto do dano
moral a partir dos seus elementos componentes, para precisar ser possível a admissão e
aplicação da indenização punitiva, quando constatado dano moral e preenchidos seus
requisitos caracterizadores.

4. MUDANÇA DE PARADIGMA QUANTO À FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE


CIVIL

Como visto anteriormente, o objetivo primeiro da teoria da responsabilidade civil


sempre foi a reparação do dano causado ou a recomposição ao status quo ante. Ocorre que,
24
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed., São Paulo: Atlas S.A, 2008,
p.79-81
25
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e sua reparação civil. 4 ed.,São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012.
26
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral.2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, p.175
27
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
hodiernamente, a aplicação tradicional dos comandos dessa teoria tem se revelado, cada vez
mais, insuficiente à real compensação, seja porque o dano moral é, em si mesmo, irreparável,
seja porque há o interesse em se punir o fato, o agente causador do dano28.
Isso porque, na atualidade abandonou-se o antigo padrão da responsabilidade
civil, o qual se fundamentava apenas na reparação ao dano patrimonial, não admitindo, por
muito tempo, nem mesmo a existência do dano moral. Assim o que se percebe - com o grande
destaque dado aos direitos imateriais, aos direitos da personalidade - é a necessidade de
alteração de paradigma, de exame da finalidade da responsabilidade civil para adequação à
realidade.
Destarte, com o avanço das relações sociais e o reconhecimento de uma gama de
direitos até então à margem da proteção jurídica, exige-se o avanço na compreensão daquilo
que se entende por compensação, por resposta estatal ao ato danoso praticado.
Inegável, portanto, a aparição das linhas de pensamento que defendem a
necessidade da existência de um componente preventivo e retributivo na teoria da
responsabilidade civil, para além do mero conteúdo reparatório.
Nesse sentido, também faz evidente a crise paradigmática pela qual passa o campo
da responsabilidade civil, especialmente quando se fala em tutela de direitos fundamentais,
direitos da personalidade, direitos coletivos, haja vista a reposta compensatória, na forma
tradicional, se mostrar absolutamente insatisfatória, trazendo a reboque a sensação de
ausência de reparação.
Urge, portanto, romper as amarras de um paradigma que foi construído e
solidificado quando sequer se falava em direitos intangíveis, e, muito menos ainda, em sua
proteção29.

4.1 Funções da Responsabilidade Civil

Tendo vista as transformações sociais e as alterações de valores e de interesses


juridicamente protegidos, impõem-se que sejam repensadas as funções do instituto. Isto
porque, a reparação tem hoje uma abrangência e amplitude muito maior do que uma simples
ação e reação linear entre ofensor e vítima - evento danoso e compensação. Para as próprias
28
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29
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vítimas, uma real compensação perpassa pela percepção de reposta inibitória e punitiva ao
lesante. Assim, ao lado da função reparadora ou compensatória, devem ser realçadas as
funções preventiva e punitiva.

4.1.1.1 Função reparatória;

Primeira e mais imediata função da responsabilidade civil. Indica a necessidade de


reparar o dano, de reaver a situação anterior, seja com a recomposição ao estado anterior, seja
com o pagamento de montante capaz de restabelecer situação existente, quando inviável o
retorno real da situação anterior.
Nesse sentido, direciona-se ao passado a fim de se precisar o dano sofrido e
procurar a recomposição da forma mais ampla e completa possível.

4.1.1.2 Função preventiva;

Na atualidade, faz-se cada vez mais presente o interesse pela tutela inibitória. A
própria Constituição Federal, em seu art.5º, inciso XXXV , estabelece a tutela à lesão ou
ameaça a direito. In verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito; (...)”

Assim, com a tutela à simples ameaça, resta clara a intenção de se prevenir o


dano. Salienta-se, ainda, a importância desta finalidade, certo que, se evitando o dano, se
atinge com precisão o que objetiva a teoria da responsabilidade civil, ou seja, evita-se o dano
antes mesmo da ocorrência.
Isso especialmente quando se trata de dano imaterial, porquanto a prevenção é o
único remédio efetivo contra essa espécie de dano, já que a compensação e a punição nunca
trarão de retorno a situação anterior.
Ademais, com a presença do caráter preventivo, pretende-se impedir ações
maliciosas e predeterminadas cujo agente considere ser mais cômodo e lucrativo lesar e
aguardar eventual ação do que tomar as medidas preventivas necessárias. Objetiva-se,
portanto, trazer um freio aquele que dolosamente comete o ato ilícito.
Importa registrar que, em determinadas situações, quando não estabelecido valor
apropriado à indenização, a simples reparação será um estímulo a outras práticas e não um
desestímulo, ficando frustrada qualquer tentativa de prevenção, haja vista o agente causador
do dano optar pela lesão, certo de que – se eventualmente acionado – a prestação que lhe será
imposta terá valor tal que compense sua ação danosa.

4.1.1.3 Função punitiva

Igualmente contida e latente na ideia de prevenção está a de punição, que, mais do


que retribuir, objetiva desestimular o cometimento de condutas antijurídicas.
Observa-se, assim, um escopo preventivo específico no que toca ao agente lesante
e um escopo preventivo geral que atinge toda a coletividade, posto expressar a reposta da lei
aos atentados de consequência danosa.
No que toca especificamente à ação causadora de dano imaterial, importante
analisar que, como foi dito acima, na maioria dos casos, o proveito econômico obtido com a
ação danosa é muito maior do que a eventual indenização. Assim, o conteúdo punitivo surge
para superar a aparente inoperância de eventual indenização de cunho somente compensatório
ou preventivo.
Nesse sentido, busca-se, com a utilização do viés punitivo, reparar as muitas ações
danosas, de modo a desencorajar os ofensores de novas práticas. O que se pretende, portanto,
não é o afastamento do conteúdo compensatório-reparatório, mas um redirecionamento,
atendendo as necessidades da sociedade atual, que não mais se contenta com a limitação
indicada.
Ademais, quando se aceita a presença do caráter punitivo, dá-se relevo à figura
tanto da vítima, como do ofensor, a fim de se valorar as condutas mais ou menos reprováveis
e introduzir critério mais justo na fixação das indenizações por dano imaterial.
Neste aspecto, aponta-se o exemplo trazido por Eveline Gonçalves, em artigo que
trata da função punitiva na indenização por dano moral 30, o qual traça os critérios
diferenciadores para a fixação de indenização por danos não materiais ocasionados a) por um
motorista que, habilitado há vários anos e sem qualquer infração, por imperícia, perde o
controle do veículo em uma curva e provoca acidente, providenciando o socorro; e b) por
outro motorista alcoolizado e em excesso de velocidade que não presta socorro à vítima.

30
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Assim, diante da hipótese de que houve o mesmo dano imaterial à vitima, resta
saber se seria razoável a fixação de indenizações nas mesmas bases, observando-se tão só a
existência do caráter compensatório. Seria, portanto, absolutamente inadequada uma solução
idêntica para as duas situações, o que ocorreria caso se entendesse necessária apenas a
observância do caráter compensatório.
Faz-se necessário, assim, observar que as três funções – compensatória,
preventiva e punitiva –, nos dias atuas, se integram e se interpenetram, havendo quase que um
concatenamento lógico entre elas, de sorte que uma é insuficiente e inoperante sem a outra31.

5. NECESSIDADE DE SEPARAÇÃO ENTRE DIREITO CIVIL E DIREITO PENAL

Um argumento constantemente empregado para se afastar a utilização da


indenização punitiva por dano moral é a afirmação de que a punição deve estar adstrita ao
direito penal. Afirma-se, assim, uma clara divisão entre o direito civil e o direito penal, não
havendo que se falar em pena quando se tratar do âmbito do direito civil.

31
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações.
Tomo III. Lisboa: Almedina, 2010
Para Maria Celina Bodin de Moraes 32, no entanto, a separação entre direito
público e privado não mais se sustenta diante da realidade social e econômica da atualidade,
devendo haver uma releitura para um exame mais consentâneo do sistema atual. Esta autora
afirma, assim, existir um trânsito inegável entre os ramos do direito, servindo a divisão para o
exame sistematizado do direito.
Neste sentido esclarece Pizarro33: “A eficácia de uma instituição nunca pode ser
indiferente ao homem de Direito, nem ficar relegada por razões dogmáticas ou por apego às
tradições”.
Assim, há evidente entrelaçamento desses ramos do direito, estando a
interferência do direito penal presente em diversos dispositivos legais, tais como:
a) A cláusula penal prevista pelo art. 416 do Código Civil34.
b) Restituição duplicada prevista pelo art. 940 do Código Civil 35 e no parágrafo único do
art. 42 do Código de Defesa do Consumidor36.
c) Arras, dispostas nos Arts. 418 e 420 do Código Civil37.
No direito penal a interferência do direito civil também é largamente observada.
Com absoluta nitidez se percebe a presença dessa interpenetração nos dispositivos penais
estabelecidos pela Lei 9.099/1995 que disciplina os Juizados Especiais.
O próprio Código Penal, em sua parte geral, menciona
como circunstância atenuante quando da fixação da pena a existência de reparação do dano
32
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993.
33
PIZARRO, Ramón Daniel. Danõ Moral. Buenos Aires: Hammurabi., 2000. 37 Art. 416.
34
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. Parágrafo
único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização
suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização,
competindo ao credor provar o prejuízo excedente.
35
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias
recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que
houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
36
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será
submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia
indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de
correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
37
Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-
as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua
devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos,
juros e honorários de advogado. Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para
qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á
em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não
haverá direito a indenização suplementar.
(art.65, III, b). Em sua parte especial, dispõe o referido diploma legal que a reparação do dano
em caso de peculato culposo é causa de extinção da punibilidade (art. 312, §2º)38.
Resta indubitavelmente claro, que a antiga separação não se presta efetivamente a
trazer um limite real entre os ramos do direito, já que todo o arcabouço jurídico é único.
Objetiva, tão só, trazer uma metodologia ordenadora, mas não uma divisão de essência e de
origem.
Em consequência, essa divisão não pode servir como fundamento para que se
rejeite, de forma peremptória, a carga e a função punitiva em caso de indenizações por dano
moral.

6. PREVISÃO EXPRESSA DA FUNÇÃO PUNITIVA NAS INDENIZAÇÕES POR


DANO IMATERIAL NOS ESTATUTOS NORMATIVOS PÁTRIOS

Nada obstante a inexistência de regra geral específica a estabelecer a função


punitiva da indenização por dano imaterial, inúmeros estatutos legais já estabeleceram tal
função.

38
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público
ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviálo, em proveito próprio ou alheio Pena - reclusão,
de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse
do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio,
valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Peculato culposo § 2º - Se o
funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 3º - No
caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se
lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
A primeira deles, a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) 39, indicou a presença da
função punitiva quando da fixação do valor indenizatório, estabelecendo o grau de culpa ou a
situação econômica do agente como fatores a serem avaliados para a fixação da indenização.
Também o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), em seu art.
8440 estabelecia que, na estimação do dano moral, o juiz terá em conta a posição social ou
política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a
gravidade e repercussão da ofensa.
Por fim, o Código Civil, em seu art. 944, parágrafo único, estabelece a
possibilidade de fixação do valor da indenização, observada a culpa, e não unicamente pela
extensão do dano, desvinculando-se da teoria tradicional. In verbis:

“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.”

O exame do dispositivo, mesmo que se alegue que a alteração é restritiva e só visa


à redução do valor, não deixa de indicar uma abertura do legislador à necessidade de observar
outros elementos componentes para a fixação de indenização41.
Sobre a questão, merece registro a posição de Judith Martins-Costa e Mariana
Souza Pargendler42 que afirmam que a simetria prevista pelo art. 944 do Código Civil deve ser
aplicada em caso de danos materiais, certo que inviável a precisão de extensão e intensidade
de dano imaterial. Asseveram, com propriedade, que com relação ao dano moral deve haver
uma ponderação de valores que se expressará em quantia indenizatória e nesta ponderação
deve ser observada a função punitiva.

39
Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta,
notadamente: I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a
posição social e política do ofendido; II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação
econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e informação; III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação
penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e
independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por êsse meio obtida pelo ofendido.
40
Art. 84 - Na estimação do dano moral, o Juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política
do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da
ofensa.
41
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Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
42
MARTINS-COSTA, Judith. PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. R.
CEJ, Brasília, n. 28, , jan-.mar. 2005 pp.15-32
7. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA

Ante à insuficiência da regra segundo a qual a indenização mede-se pelo dano,


porquanto o dano moral não possuir qualquer forma de aferição precisa, devem-se estabelecer
os elementos que possibilitarão a fixação da indenização punitiva, certo que ela não deverá ser
empregada genericamente em qualquer situação de constatação de dano moral. São eles:

a) Dano moral constatado;


Constatado o dano moral, com ofensa a direito da personalidade, deverá haver
resposta ao causador do dano e compensação à vítima, como forma garantidora dos preceitos
insculpidos na própria Constituição Federal que erigiu a dignidade da pessoa como um de
seus fundamentos e os direitos da personalidade como centro de proteção.

b) Dolo ou culpa grave;

Importante examinar o elemento anímico do causador do dano, visto que, apesar


de grande a dimensão tomada pela responsabilidade objetiva, a culpa está presente como
elemento de essencial relevância na responsabilidade civil43.
A diferença dos graus de culpa tradicionalmente não foi de extrema relevância
para se fixar o dever de indenizar, observado o foco direcionado para a vítima e não para o
ofensor. No entanto, tendo em vista a função punitiva da indenização que aqui se defende
deve se observar que para a aplicação desta forma de indenização deverá se detectar a
existência de dolo ou culpa grave do ofensor, perquirindo-se se sua conduta foi efetivamente
reprovável.
Para tanto, é preciso saber sobre a existência de intenção de lesão, de conduta
dirigida a um fim de produção do resultado danoso (dolo) ou total indiferença para a
concretização da lesão (culpa grave).
Registre-se que também a reiterada prática de atos indicativos de culpa leve,
aparentemente sem grande relevância se tomados isoladamente podem caracterizar a culpa
grave, a exemplo das reiteradas lesões aos consumidores, decorrentes desatenção deliberada
do produtor.

c) Lucro proveniente do ilícito;

Relevante é o exame de lesões que não foram evitadas tendo-se em vista a


previsão de lucro. Situações em que, com a prática danosa, o agente aufere um lucro superior
a qualquer indenização com caráter puramente compensatório.

43
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Em momentos como esses a imposição de indenização punitiva desestimularia
este tipo de conduta. Em se tratando dessa espécie de conduta, é inadmissível que a reação
estatal seja de mera compensação à vítima. Ora, a existência de lucro ilícito já indica ação de
tal ordem contrária ao direito e à boa-fé nas relações jurídicas que, por si só, impõe a fixação
de indenização punitiva.

8. SITUAÇÕES EXCLUDENTES DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA

Existem, no entanto, situações que excluem a possibilidade de indenização


punitiva, visto que esta não deve ser imposta em qualquer caso de constatação de ação
danosa. Entre as situações excludentes de possibilidade de indenização punitiva, citam-se as
seguintes:

a) Culpa leve;
Constatada culpa leve, apesar de ter sido o dano originado de negligência ou
imprudência, tal proceder não tem o peso e o grau de reprovabilidade existentes em caso de
ação intencional ou decorrente de inobservância grave a dever de cuidado. A função da
indenização punitiva importa em focar a severa ação descuidada, sendo irrelevante o grau de
atingimento ao bem protegido. A indenização punitiva deve ter como norte a especial
reprovabilidade da conduta44.

b) Responsabilidade objetiva;

Em situações afetas à responsabilidade objetiva, quando não é necessária a


avaliação da culpa, havendo o dever indenizatório sem perquirição desse elemento, não teria
sentido a aplicação de qualquer indenização punitiva. Isto porque o vetor a orientar a
possibilidade de aplicação desta forma indenizatória é exatamente o grau de reprovabilidade
da conduta do agente lesante.
Assim, sem culpa, torna-se inviável qualquer conotação sancionatória. No entanto,
deve-se frisar que, mesmo sendo caso de responsabilidade objetiva, se houver discussão de
culpa e ela for demonstrada, poderá haver indenização punitiva.
Por esse motivo, quando o dano for causado por culpa leve ou sendo hipótese de
responsabilidade objetiva, não há que se falar em imposição da indenização punitiva, sendo o
caso, tão só, de indenização compensatória.

9. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À ADMISSÃO DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA

A admissão da indenização punitiva possui, ainda, resistência de parte da


doutrina. A seguir, serão examinados os argumentos comumente utilizados para refutá-la.

a) Bis in idem;

Argumenta-se que a imposição de indenização punitiva poderia gerar bis in idem,


porquanto em determinadas situações poderia estar caracterizado ilícito penal. Todavia, tal

44
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fundamento não é capaz de afastar a convicção da possibilidade desta espécie de indenização.
Isto porque, uma mesma ação pode constituir infração civil e administrativa ou caracterizar
um ilícito penal e administrativo, ou ainda, um ilícito penal e civil45.
André Gustavo Andrade (2009), em obra cujo conteúdo versa acerca do tema, cita
como exemplo a infração provocada por motorista sem habilitação em veículo automotor que
possui previsão de penalidade criminal e administrativa.
Não há, portanto, qualquer restrição quanto a legalidade de se impor ao sujeito
ativo da prática as duas formas de sanção previstas pelas normas positivadas. Há que se
entender pela possibilidade de uma lesão ser de tal forma protegida pelo direito que enseje
resposta de várias esferas jurídicas.

b) Valores indenizatórios;

Muito do que se percebe na resistência à aplicação da indenização punitiva diz


respeito ao receio de que se observe no Brasil o que é noticiado pela imprensa acerca de
indenizações milionárias fixadas especialmente nos Estados Unidos da América.
Realmente, muito se tem notícia sobre excessos em indenizações naquele país do
common law. No entanto, em primeiro lugar, é digno de registro que lá as indenizações são
muitas vezes fixadas por um júri, composto de pessoas do povo e sem a preparação técnica
adequada. Este fenômeno nunca ocorreria no Brasil, posto que aqui o processo, desde o início,
seria conduzido pelo magistrado, com sentença por ele proferida e com elementos técnico-
jurídicos pertinentes46.
Ademais, é da cultura jurídica pátria o comedimento na fixação de valores
indenizatórios, que nem de perto lembram o fenômeno ocorrente nos Estados Unidos da
América.
Não fosse o suficiente, observa-se que também naquele país o controle exercido
pelas Cortes de Justiça, revendo as decisões iniciais, alteram os valores que, em um primeiro
momento, tenham sido empiricamente fixadas pelo júri popular, certo que já foram traçados
parâmetros e limites legais para o estabelecimento dos punitive damages.
Neste caminho, não há que se falar em rejeição à aplicação de indenização
punitiva pelo receio de que seja ela mal utilizada.

45
CORRÊA ANDRADE, André Gustavo. Dano moral & indenização punitiva. 2 ed.Rio de Janeiro.
Lumen Juris. 2009.
46
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c) Enriquecimento injustificado da vítima;

O mais utilizado argumento para se tentar afastar a indenização punitiva é a


afirmação de que não se pode admitir o enriquecimento sem causa da vítima47.
Essa resistência não possui razão de ser. Inicialmente porque, em decorrência do
caráter não patrimonial do dano moral, este não poderá ser apurado matematicamente para
que se possa falar realmente em enriquecimento indevido. Ora, como se falar em
enriquecimento em caso de indenização por dano moral decorrente da morte de um ente
querido, quando a dignidade humana e os direitos da personalidade não são mensuráveis?
Ademais, com propriedade, Maria Celina Bodin de Moraes48 ressalta que a
sentença é ato idôneo e forte o bastante para legitimar o acréscimo patrimonial da vítima em
decorrência de imposição de indenização punitiva, não havendo que se falar assim em
enriquecimento injustificado, principalmente por se tratar de lesão a direito da personalidade,
francamente colocado em posição de destaque pela Constituição Federal. Assim, o fato de
haver um acréscimo patrimonial não pode ser tipo como ilegítimo e injustificável. Será ele
decorrente de ação danosa, duramente repelida pelo ordenamento jurídico.
10. JULGADOS DOS TRIBUNAIS

É inegável que parcela expressiva da jurisprudência brasileira se manifesta


reconhecendo o caráter punitivo da indenização por dano moral. Nesse sentido, as seguintes
decisões dos Tribunais pátrios:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO


CIRÚRGICO. RECUSA DA COBERTURA. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO.
DANO MORAL IN RE IPSA. REVOLVIMENTO DE PROVAS.
DESNECESSIDADE. INDENIZAÇÃO FIXADA EM VALOR RAZOÁVEL.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A responsabilidade da
operadora de planos de saúde pelos danos reclamados pela ora agravada
encontra-se expressamente delineada no v. aresto recorrido, sendo,
portanto, desnecessário o revolvimento do material fático-probatório dos
autos. 2. É possível a condenação por danos morais quando há negativa de
cobertura securitária às vésperas da realização de cirurgia urgente, uma
vez que não há necessidade de comprovação do sofrimento ou do abalo
47
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48
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana. Uma leitura civilconstitucional dos danos
morais. Rio de Janeiro: Renovar. 2003.
psicológico numa situação como essa, sendo presumida a sua ocorrência,
configurando o chamado dano moral in re ipsa. Precedentes. 3. Na fixação
de indenização por danos morais, são levadas em consideração as
peculiaridades da causa. Nessas circunstâncias, considerando a gravidade
do ato, o potencial econômico da ofensora, o caráter punitivo-
compensatório da indenização e os parâmetros adotados em casos
semelhantes, não se mostra desarrazoada ou desproporcional a fixação do
quantum indenizatório em R$ 10.000,00 (dez mil reais). 4. Agravo
regimental a que se nega provimento.(STJ - AgRg no REsp: 1243202 RS
2011/0036745-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento:
16/05/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2013)
........

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE


RESTRIÇÃO AO CRÉDITO. PESSOA JURÍDICA QUE INCLUIU O
NOME DO DEVEDOR. LEGITIMIDADE. PRÉVIA COMUNICAÇÃO.
NÃO OCORRÊNCIA. DANO . VERIFICAÇÃO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. MAJORAR. A pessoa jurídica que efetuou a inscrição
do nome da parte em listas de restrição de crédito é parte legítima para
figurar o pólo passivo da lide. É obrigação do credor, bem como do órgão
responsável pela manutenção do cadastro, informar previamente ao
consumidor, acerca da inscrição do seu nome em listas de restrição ao
crédito. A indevida inscrição em cadastro de inadimplentes gera direito à
indenização por dano moral. A reparação moral tem função compensatória
e punitiva. A primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas
da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A finalidade
punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, pois visa
desestimular o ofensor a reiterar a conduta ilícita. O montante da
indenização, por danos morais, deve ser suficiente para compensar o dano
e a injustiça que a vítima sofreu, proporcionando-lhe uma vantagem, com a
qual poderá atenuar parcialmente seu sofrimento. Como o valor arbitrado
não foi adequado o mesmo deve ser majorado. (TJMG, Apelação Cível
1.0027.11.025335-9/001. Relator: Desembargador Tibúrcio Marques,
julgado em 19/03/2013, publicado em 27/09/2013).

Importante observar, nos julgados colecionados, a constante menção à


necessidade de prudência e de razoabilidade na fixação dos valores indinizatórios. Fato este
que corrobora com a argumentação encimada, pondo por terra o medo relacionado à
atribuição de valores excessivos nas indenizações por dano imaterial.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. DISPARO DE ARMA DE FOGO REALIZADO POR POLICIAL.
TRANSEUNTE ALVEJADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
QUANTIA FIXADA DE FORMA RAZOÁVEL. REEXAME DE MATÉRIA
FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Caso em
que o agravante insurge-se contra o pagamento de indenização por dano
moral a que foi condenado. 2. O Tribunal a quo, soberano na análise do
acervo fático-probatório dos autos, manteve o quantum fixado a título de
dano moral em R$ 35.000,00, visto que fixados com observância à humilde
condição econômica do autor, à repercussão do fato para sua reputação, à
gravidade da conduta do agente estatal e ao necessário caráter punitivo
que esta responsabilização deve ter. Analisar a conclusão a que chegou o
Tribunal a quo esbarra no óbice constante do verbete da Súmula 7/STJ. 3.
Agravo regimental não provido.(STJ - AgRg no Ag: 1237617 ES
2009/0189835-4, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de
Julgamento: 02/09/2010, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação:
DJe 13/09/2010)
........

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS.


HOMICÍDIO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO. ATOS DOLOSOS.
CARÁTER PUNITIVO PEDAGÓGICO E COMPESATÓRIO DA
REPARAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NA
FIXAÇÃO. UTILZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO COMO INDEXADOR.
IMPOSSIBILIDADE. ART. 475-J DO CPC. VIOLAÇÃO. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Na fixação do valor da reparação do dano
moral por ato doloso, atentando-se para o princípio da razoabilidade e
para os critérios da proporcionalidade, deve-se levar em consideração o
bem jurídico lesado e as condições econômicofinanceiras do ofensor e do
ofendido, sem se perder de vista o grau de reprovabilidade da conduta e a
gravidade do ato ilícito e do dano causado. 2. Sendo a conduta dolosa do
agente dirigida ao fim ilícito de ceifar as vidas das vítimas, o arbitramento
da reparação por dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo
e pedagógico da compensação. 3. Nesse contexto, mostra-se adequada a
fixação pelas instâncias ordinárias da reparação em 950 salários mínimos,
a serem rateados entre os autores, não sendo necessária a intervenção
deste Tribunal Superior para a revisão do valor arbitrado a título de danos
morais, salvo quanto à indexação. 4. É necessário alterar-se o valor da
reparação apenas quanto à vedada utilização do salário mínimo como
indexador do quantum devido (CF, art. 7º, IV, parte final). Precedentes. 5.
A multa do art. 475-J do CPC só pode ter lugar após a prévia intimação do
devedor, pessoalmente ou por intermédio de seu advogado, para o
pagamento do montante indenizatório. Precedentes. 6. Recurso especial
parcialmente provido. (STJ, Quarta Turma, REsp. 1300187/MS, Relator
Ministro Raul Araújo, julgado em 17/05/12, publicado no DJ em 28/05/12).

No mesmo sentido, também decidiu o Tribunal de Justiça de Pernambuco com


relação à observância do caráter pedagógico punitivo para fixação da indenização:

CONSUMIDOR. TELEFONIA. DANOS MORAIS. APLICAÇÃO DO CDC.


INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO. ART. 6º, VIII, DO CDC.
ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. CARÁTER PUNITIVO.
PRECEDENTES. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. QUANTO
AO ÍNDICE A SER APLICADO À CONDENAÇÃO. UTILIZAÇÃO DA
TABELA ENCOGE. SENTENÇA MODIFICADA. APELO DA
DEMANDANTE PROVIDO POR UNANIMIDADE. APELO DA
DEMANDADA PARCIALMENTE PROVIDO POR MAIORIA DE VOTOS.
1. O conjunto probatório permite inferir que não ocorreu solicitação por
parte do demandante de novas linhas telefônicas e nem do cancelamento
das linhas de que fazia uso. Houve, portanto, a prática de ato ilícito pela
recorrente, que indevidamente cancelou linhas telefônicas das quais o
demandante se utilizava em suas relações de negócios em decorrência do
não pagamento de cobranças indevidas de linhas telefônicas que ele sequer
havia contratado. Tal situação, de fato, caracterizou-se em ilícito civil, com
o seu consequente prejuízo moral. 2. Em casos como o presente, o próprio
ato ilícito apresenta-se como ensejador dos danos morais, não havendo que
se perquirir acerca dos prejuízos efetivamente sofridos pelo autor. A
jurisprudência pátria vem admitindo a incidência do dano moral
meramente punitivo (ou punitive damages), consistindo o ato ilícito
praticado pelos fornecedores na própria fundamentação do arbitramento
da indenização. Precedentes. 3. Por se tratar de matéria consumerista, é
devida a inversão do ônus da prova, quando verificada a verossimilhança
das alegações do autor ou quando for este hipossuficiente, nos termos do
art. 6º, inc. VIII do CDC. Precedente. 4. O valor arbitrado pelo julgador de
primeiro grau deve ser majorado, porque não atende suficientemente ao
caráter punitivo que deve ser observado nas indenizações por dano moral e
ao intuito de desestimular a prática de novos ilícitos, garantindo também o
adequado conforto a que faz jus o demandante, com base no art. 944 e
seguintes, do CC. 5. Em se tratando de condenação em danos morais, deve-
se aplicar a tabela ENCOGE e não o INPC. 6. Apelo da demandante
provido à unanimidade para majorar o valor dos danos morais em R$
5.000,00 (cinco mil reais). Apelo da demandada parcialmente provido para
fixar o índice de atualização pela tabela ENCOGE. (TJ-PE - APL: 3185948
PE , Relator: Jones Figueirêdo, Data de Julgamento: 29/04/2014, 4ª Câmara
Cível, Data de Publicação: 05/05/2014)
........

PLANO PREVIDENCIÁRIO INDIVIDUAL. PECÚLIO POR MORTE.


AUSÊNCIA DE EXAME PRÉVIO. RECUSA AO PAGAMENTO DA
INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA POR ALEGAÇÃO DE DOENÇA
PREEXISTENTE. DESCABIMENTO. DANOS MORAIS. NATUREZA
COMPESATÓRIA E PUNITIVO-PEDAGÓGICA DA CONDENAÇÃO.
VALOR FIXADO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.
MANUTENÇÃO. CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. Não se
justifica a escusa da seguradora apelante ao pagamento da indenização
securitária com base em suposta omissão de doença preexistente, se ela
própria não solicitou os exames prévios ao segurado antes da aceitação da
proposta e a consequente formalização do contrato, assumindo o risco da
responsabilização por eventual sinistro. De se ressaltar que a alegada má-
fé não se presume, sendo mister a sua real demonstração, hipótese não
configurada no presente caso, em que a seguradora recorrente baseia tal
entendimento apenas no atestado de óbito do segurado e nada mais, não
havendo nos autos qualquer laudo médico ou sequer prontuário de
atendimento do paciente em hospital ou clínica anterior à contratação do
plano, ou mesmo a oitiva dos médicos que o assistiram quando da
internação no hospital onde veio a falecer, tampouco da médica que
atestou o óbito. Outrossim, não restou demonstrado pela seguradora como
havia verificado que a doença que vitimou o segurado havia sido
diagnosticada pouco antes da contratação, logo, não trazendo aos autos
fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da recorrida,
perfeitamente cabível se mostra a pretensão da beneficiária ao recebimento
da indenização securitária, devendo a seguradora apelante adimplir a
obrigação contratual nos moldes pactuados.A cadeia de acontecimentos
narrados pela apelada extrapola a barreira de simples aborrecimentos,
gerando abalo moral e psicológico suficientes a ensejar reparação
extrapatrimonial, uma vez que os dissabores experimentados não se
subsumem a mero descumprimento do contrato outrora firmado com o
segurado, mas a uma conduta lesiva por parte da seguradora, de
resistência injustificada ao pagamento da indenização securitária à
beneficiária, tendo como base apenas suposições, que não vieram a ser
comprovadas, não restando outra alternativa à parte senão o ajuizamento
da presente demanda para a obtenção da tutela judicial pretendida. Trata-
se, a toda evidência, de dano moral in re ipsa, que prescinde de
comprovação, bastando apenas a demonstração da ocorrência do próprio
fato ofensivo, como ocorrido nos autos, devendo ser mantida a condenação
não só pelo caráter punitivo, mas também pedagógico e preventivo, de
forma a evitar a reiteração da conduta lesiva, notoriamente praticada pelas
empresas do ramo securitário em situações dessa natureza, mantendo-se,
inclusive, o valor fixado pelo magistrado de 1º grau, que mostra condizente
às peculiaridades da espécie, à luz dos critérios da proporcionalidade e da
razoabilidade.(TJ-PE - APL: 3265734 PE , Relator: Alberto Nogueira
Virgínio, Data de Julgamento: 05/11/2014, 2ª Câmara Cível, Data de
Publicação: 18/11/2014)

Pode-se perceber, portanto, a partir desse pequeno apanhado de precedentes

jurisprudências, o progressivo caminhar dos pátrio operadores do Direito, no sentido de

destacar não apenas a necessidade de imposição de valor compensatório, quando da

constatação do dano moral, mas, especialmente, a necessidade de fixação de montante capaz

de atingir a finalidade preventiva e punitiva, a fim de desestimular o autor do dano e os outros

integrantes da sociedade, ante a convicção de censura e punição à ação danosa.

CONCLUSÕES

O instituto da responsabilidade civil, sob a interpretação clássica, mostra-se, na


maioria das vezes, ineficaz como instrumento de aplicação do direito e concretizador da
justiça nas ações indenizatórias por danos imateriais.
Isso porque, nos dias atuais, a partir especialmente do avanço trazido pela a
Constituição Federal de 1988, no que concerne à proteção ao direito da personalidade,
prevalece profunda insatisfação com a utilização apenas do viés compensatório para a fixação
da indenização, a qual assume a forma de restabelecimento da situação anterior.
Há, portanto, a necessidade de uma mudança de concepção, uma vez que a
reparação nesses moldes se caracterizava como uma não reparação, na medida em que a
vítima não se sente compensada, haja vista a restituição à situação anterior ser impossível ou
insatisfatória.
Nesse sentido, defende-se uma mudança de paradigma com relação ao instituto da
responsabilidade civil, com a atribuição das funções punitiva e pedagógica da indenização, as
quais se mostram capazes de dar solução mais efetiva aos conflitos sociais, protegendo os
direitos da personalidade e atendendo ao fim maior do direito e da justiça que é pacificar os
conflitos sociais.
Admitir a função punitiva da indenização por dano moral, portanto, é exigência
social, desencadeada pela evolução das relações humanas, que tem por objetivo maior a
segurança e a eficiência na prevenção do dano.

REFRÊNCIAS

CAHALI, Yussef Said. Dano Moral.2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2000, p.175
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed., ver., aum. e atual.
de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed., São Paulo: Atlas
S.A, 2008.
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português, II Direito das
Obrigações. Tomo III. Lisboa: Almedina, 2010.
CORRÊA ANDRADE, André Gustavo. Dano moral & indenização punitiva. 2 ed.Rio de
Janeiro. Lumen Juris. 2009.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, 12 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.3: teoria das obrigações
contratuais e extracontratuais. 17. ed. atual.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. revisada de acordo com o
novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo: Saraiva, 2002.
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função punitiva de indenização por dano
moral. Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
MARTINS-COSTA, Judith. PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função
punitiva. R. CEJ, Brasília, n. 28, , jan-.mar. 2005.
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à Pessoa Humana – uma leitura civil-
constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.2: teoria geral de obrigações.
19. ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.
PIZARRO, Ramón Daniel. Danõ Moral. Buenos Aires: Hammurabi., 2000.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: direito das
obrigações, tomo 26, Rio de Janeiro:Editora Borsoi. 1959.
RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller.2000.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. 12 ed. São Paulo:Saraiva. 1989.
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Revista dos Tribunais, 2012.
TEPEDINO, Gustavo et al. Código Civil interpretado conforme a Constituição da
República. vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

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