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GABRIELLA DE BARROS AFONSO FERREIRA
_________________________________________
Prof. Daniel e Silva Meira
______________________________________
_______________________________________________
RESUMO
Durante muitos anos, a compreensão dos danos morais como um patrimônio ideal,
insuscetível de valoração econômica, constituiu óbice ao acesso à justiça, em sua
acepção mais ampla: o acesso a uma ordem jurídica justa, cuja efetividade do processo
repare a lesão sofrida e restabeleça o equilíbrio social. Com o advento da Constituição
Federal de 1988, a possibilidade de reparação civil pelos danos morais restou
superada, de maneira que a reparação civil, nos moldes delineados pela Carta Maior,
deve atingir sua tríplice função: compensatória, preventiva e sancionatória. Dentre os
critérios eleitos pela legislação, doutrina e jurisprudência para a mensuração do dano,
o caráter punitivo/sancionatório da condenação é o que recebe as maiores críticas por
parte da doutrina. Os chamados punitive demages, originários do Direito Americnao,
constituem uma indenização adicional assegurada à vítima com a finalidade de punir o
ofensor, excedendo a função precípua da responsabilidade civil que é a compensação
dos danos sofridos. Neste cenário, o presente trabalho objetivou analisar a essência da
reparação por dano moral, em suas vertentes compensatória, punitiva e preventiva,
haja vista a relevância do tema para a sociedade contemporânea ante a insuficiência da
doutrina tradicional brasileira em traçar um padrão para fixação da indenização por
dano moral e para a avaliação da repercussão econômica do montante a ser pago pelo
ofensor. Trata-se de uma investigação exploratória, que possibilita uma aproximação
com o fato e/ou fenômeno analisado, de base bibliográfico-documental. O estudo
possibilitou verificar que a função punitiva da indenização é uma exigência social,
desencadeada pela evolução das relações humanas, que tem por objetivo maior a
segurança e a eficiência na prevenção do dano.
INTRODUÇÃO..............................................................................................................7
1. RESPONSABILIDADE CIVIL.............................................................................8
2. DANO................................................................................................................11
A) CULPA LEVE;...................................................................................................27
B) RESPONSABILIDADE OBJETIVA;.................................................................27
A) BIS IN IDEM;.....................................................................................................28
B) VALORES INDENIZATÓRIOS;........................................................................28
CONCLUSÕES...........................................................................................................34
INTRODUÇÃO
Não é segredo que as demandas com pretensões indenizatórias por danos morais
aumentaram significativamente nos últimos anos, sendo umas das vilãs do abarrotamento dos
fóruns brasileiros. Afora a grande quantidade de ações, há a diversidade de decisões –
especialmente quanto à fixação do montante e à fundamentação estabelecida para as
condenações reparatórias – a justificar o interesse no exame dos critérios punitivo, preventivo
e compensatório para a determinação da indenização por dano moral.
Objetiva este trabalho, portanto, a análise da essência da reparação por dano
moral, em suas vertentes compensatória, punitiva e preventiva, ante a relevância do tema para
a sociedade contemporânea. Isso porque a doutrina tradicional brasileira mostra-se
insuficiente para traçar um padrão para fixação da indenização por dano moral e para a
avaliação da repercussão econômica do montante a ser pago pelo ofensor.
Para tanto, o estudo abordará, inicialmente e de forma superficial, o conceito de
responsabilidade civil. Será, também, examinada a questão atinente à compensação por dano
moral, enfocando-se as teorias de inegável influência punitiva e preventiva, sem deixar de
estudar as situações caracterizadoras de sua exclusão, bem como os mais fortes argumentos
daqueles que se opõem ao reconhecimento da indenização punitiva por dano moral,
notadamente acerca das questões referentes aos valores indenizatórios, ao enriquecimento
injustificado da vítima e ao bis in idem.
Em conclusão, procura-se demonstrar que, da análise de comandos constitucionais
pátrios e da normatização infraconstitucional, pode-se chegar à uma compreensão da
existência das funções punitiva e preventiva na reparação do dano moral, as quais já vem
integrando as decisões dos julgadores brasileiros, como uma resposta mais efetiva e eficaz
contra ações que causem danos aos cidadãos e afetem, em última análise, toda a coletividade.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL
RT, 520:140); b) do hoteleiro, pelo furto de valores praticado por empregados contra hóspedes (CC, art. 649,
parágrafo único; RT, 222:537); c) do banco, que paga cheque falsificado (RT, 481:130, 169:614, 514:120,
508:223, 185:319, 547:190, 193:830; Súmula 28 do STF).”.
4
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed., ver., aum. e atual. de
acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003, p. 44.
5
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. revisada de acordo com o novo Código
Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 42.
6
Em face de o Novo Código Civil ter adotado, em seu art. 944, a desproporção entre a gravidade da
culpa e o dano como parâmetro para que o juiz possa reduzir a indenização, pode acontecer que um mesmo dano
tenha valores indenizatórios diferentes quando ocorrido por ato culposo ou doloso. Dá-se, assim, dentro da
responsabilidade civil, nova importância para a averiguação mais apurada de se o agente causador do dano agiu
com culpa ou com dolo, observando-se, então, em alguns casos, se o agente tiver agido culposamente, qual o
grau de sua culpabilidade. No entanto, cabe ressaltar que a base da medida da indenização é a extensão do dano,
conforme estipula o supracitado artigo.
O nexo causal, por seu turno, é a conexão da causa e efeito. Sergio Cavalieri
Filho, inclusive, defende que o “conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis
naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.”7
Por último, o dano é a lesão a um interesse juridicamente tutelado, seja ele
patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do sujeito infrator. Assim, uma vez que haja
o dano causado por outrem, surge para vítima o direito de ser ressarcido.
Deve-se, no entanto, atentar para os casos em que são os fatos naturais os agentes
causadores dos danos, os quais apenas serão juridicamente tutelados, ensejando o direito de
reparação, quando ocasionarem lesão a alguém em decorrência do não cumprimento prévio de
um dever legal de agir.
7
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed., ver., aum. e atual. de
acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2003, p. 66.
8
Contudo, diferentemente da teoria penalista, na qual os inimputáveis não são penalizados por eventuais
danos que causem a outrem, a doutrina civilista, com a adoção da teoria da responsabilidade mitigada e
subsidiária dos incapazes, estabelece que os detentores da guarda do incapaz responderão pelos atos que
causarem danos, excetuando-se os casos em que não dispuserem de meios suficientes para tanto .
Conforme anteriormente explicitado, o dano é a lesão a um interesse
juridicamente tutelado, seja ele patrimonial ou não, causado por ação ou omissão do sujeito
infrator. Assim, uma vez que haja o dano causado por outrem, surge para vítima o direito de
ser ressarcida.
Destarte, sem o dano não há de se falar em responsabilidade civil, seja subjetiva
ou objetiva.
Saliente-se, por oportuno, que na esfera do direito penal existem os crimes de
mera conduta, os quais para ocorrer independem de resultado. No âmbito civilista, porém, há
de ocorrer o efetivo dano (resultado), pois este é fator determinante para a exigibilidade do
dever de indenizar.
Tendo em vista tal premissa, torna-se notório que o dano, para gerar
responsabilidade civil, há de ser indenizável. Para isso a conduta deve atender aos seguintes
requisitos estabelecidos pelo professor Caio Mário9: a) ofender bem jurídico, patrimonial ou
não; b) ser certa e evidente, não podendo ser abstrata ou hipotética 10; c) ser subsistente, ou
seja, não pode ter desaparecido ou sido reparada; e d) ter relação de causalidade entre a
antijuridicidade da ação e o dano causado.
Há de se observar, contudo, que o requisito da atualidade, isto é, a
contemporaneidade do dano com a responsabilização, não se faz essencial, porquanto não é
correto, assim, excluir definitivamente o dano futuro, uma vez que também ele será
indenizável. Destarte, se ao tempo da responsabilização, já se possam verificar os fatos que,
com certeza ou com razoável probabilidade darão ensejo a prejuízos projetados no tempo, não
há porque afastar o dever de indenizar.11
Conforme sobredito, o dano pode ser patrimonial – material – ou moral, distinção
da qual se tratará nos tópicos subsequentes.
2.1 Dano Material
9
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.2: teoria geral de obrigações. 19. ed. –
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 213.
10
Existe controvérsia doutrinária a respeito do cabimento da indenização em situações de dano abstrato
ou hipotético, a exemplo dos casos de perda de chance profissional em decorrência de atraso da empresa de
transporte, mesmo tendo a vítima tomado todas as providências possíveis.Para a doutrina francesa o caso é de
ressarcimento do lucro cessante, o qual irá basear-se "na evolução normal (e, portanto, provável) dos
acontecimentos". Para a doutrina brasileira, contudo, esse tipo de dano é mais complexo, tendo que se analisar
caso por caso.
11
TEPEDINO, Gustavo et al. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. vol.
I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 765 p. 334
São patrimoniais ou materiais os danos a interesses susceptíveis de avaliação
pecuniária. O dano patrimonial, portanto, pode ser avaliado pecuniariamente por critérios
objetivos, "podendo ser reparado, senão diretamente – mediante restauração natural ou
reconstituição específica da situação anterior à lesão –, pelo menos indiretamente – por meio
de equivalente ou indenização pecuniária". 12
Tal ofensa, contudo, não necessariamente irá atingir bem patrimonial, podendo
derivar tanto de danos a bens imateriais quanto de lesões a bens patrimoniais que gerem danos
extrapatrimoniais.
Segundo Maria Celina Bodin:
"(...) tradicionalmente, define-se dano patrimonial como a diferença entre o que se
tem e o que se teria, não fosse o evento danoso. A assim chamada ‘Teoria da
Diferença’, devida à reelaboração de Friedrich Mommsen, converteu o dano numa
dimensão matemática e, portanto, objetiva e facilmente calculável". 13
12
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2009. p. 96 -
97.
13
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à Pessoa Humana – uma leitura civil-constitucional dos
Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 143).
14
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
15
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil, 12 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.839.
16
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: direito das obrigações,
tomo 26, Rio de Janeiro:Editora Borsoi. 1959.
Há doutrinadores, porém, que definem o dano moral por meio de elementos
anímicos e psicológicos. Assim, a dor, a tristeza, a angústia, a humilhação, bem como a dor
física estariam relacionadas ao conceito de dano moral. Nesse sentido, Silvio Rodrigues 17
assevera que dano moral seria a dor, a tristeza que se causa injustamente a outra pessoa.
Para Cavalieri Filho18, contudo, o dano moral deve ser compreendido à luz da
Constituição Federal, a qual eleva a dignidade da pessoa humana a um dos fundamentos do
Estado democrático de direito.
Assim, o dano moral atrela-se a qualquer violação do direito de dignidade, e não a
dores psíquicas ou físicas. Não se restringe, portanto, a sentimentos como a dor, tristeza e
sofrimento, alcançando, em sua tutela, todos os direitos personalíssimos.
Tal ampliação no conceito do dano moral leva à defesa da utilização das
expressões “dano não patrimonial” ou “dano imaterial”, haja vista a primeira expressão não
mais comportar o conteúdo do instituto.
17
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. 12 ed. São Paulo:Saraiva. 1989, p. 206.
18
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed..São Paulo. Atlas S.A, 2008,
pp. 79-81.
O objetivo primeiro da responsabilidade civil é a reparação do dano causado ou a
recomposição ao status quo ante . Por vezes, contudo, esta restituição mostra-se uma tarefa
tormentosa ou mesmo impossível. Como consequência, a reparação deve ser compreendida
dentro da possibilidade indenizatória.
No estudo da indenização por dano imaterial, partilha-se do entendimento de que,
ocorrendo as lesões, torna-se inviável o retorno à situação anterior, ante a impossibilidade de
“tornar sem dano” algo não palpável, não concreto e, portanto, algo que não é passível de se
restaurar.
Assim, prevalece, no direito pátrio, o princípio da restitutio in integrum, que
objetiva a real restituição à situação anterior. No entanto, sendo inviável a concretização do
retorno, deve haver a indenização pelo valor monetário equivalente. Por esse motivo, o art.
947 do Código Civil brasileiro dispõe, dispõe: “Art. 947. Se o devedor não puder cumprir a
prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”.
Trata-se, portanto, da chamada reparação por equivalência ou compensação, haja
vista a restituição à situação anterior, de forma concreta, ser inviável19.
Tal reparação consistirá, dessa forma, em uma obrigação de fazer ou no
pagamento de quantia ou até mesmo pelas duas formas compensatórias. Importante registrar,
contudo, que, ao contrário do que ocorre com o dano material, nas lesões imateriais há uma
impossibilidade de se precisar o valor da indenização para fins de restabelecimento da
situação anterior.
Por este motivo, várias foram as teorias desenvolvidas, as quais objetivaram a
análise e mensuração da reparação por dano moral. São elas:
A partir do momento em que a reparação por dano moral passou a ser admitida,
surge esta teoria que estabeleceu a indenização apenas em casos excepcionais, os quais seriam
estabelecidos por lei20. Era essa a linha de entendimento adotada no Brasil antes do advento da
Constituição Federal de 1988, quando então a indenização por dano moral passou a ser
expressamente admitida. Assim, o Código Civil de 1916 pontuava casos específicos de dano
imaterial indenizável.
19
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
20
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
Nada obstante a previsão legal, muitos julgados acabavam por fazer uma leitura
restritiva dos dispositivos, afirmando que apenas a repercussão material do dano moral seria
indenizável.
Com esta teoria surge o entendimento de que a indenização por lesão imaterial
não deve buscar a reparação do dano, pela impossibilidade lógica de tal medida, mas sim uma
compensação, uma satisfação ao ofendido.
Na lição de Pizarro22, o que se pretende com o ressarcimento não é desfazer o mal
causado pela lesão, mas trazer a indenização pecuniária como remédio e lenitivo. Assim, não
se trata de colocar preço à dor, mas de oferecer uma resposta jurídica consentânea.
21
RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Bookseller.2000.
22
PIZARRO, Ramón Daniel. Danõ moral. Buenos Aires: Hammurabi. 2000.
23
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1990
própria natureza da lesão. Nessa mesma linha, Sergio Cavalieri Filho 24 afirma ser inviável a
resittutio in integrum, devendo haver a substituição por uma compensação que funcionará
também como uma espécie de pena privada.
Destarte, a função punitiva visa a atingir o patrimônio do lesante, que recebe uma
pena por sua ação ilícita. Salienta-se que tal função não se limita ao agente, mas tem
repercussão coletiva, na medida em que alcança uma finalidade pedagógica geral. Já a
satisfatória objetiva conferir montante capaz de viabilizar satisfações convenientes ao lesado,
contribuindo para compensar o dano.25
Yussef Said Cahali26, por outro lado, defende a existência do caráter tríplice da
indenização por dano moral, o qual seria formado pelas funções reparatória, punitiva e
preventiva.
No entanto, não se pode deixar de registrar que vários outros doutrinadores
rejeitam a existência de outro elemento que não o estritamente compensatório, como
justificador da indenização fixada, quando da constatação do dano moral.
Afirmam, estes doutrinadores, que eventual função punitiva ou, até mesmo,
conteúdo punitivo na indenização seria um desvirtuamento da função precípua da
responsabilidade civil, o que seria inadmissível27.
É exatamente este o objeto do presente trabalho: examinar o instituto do dano
moral a partir dos seus elementos componentes, para precisar ser possível a admissão e
aplicação da indenização punitiva, quando constatado dano moral e preenchidos seus
requisitos caracterizadores.
Na atualidade, faz-se cada vez mais presente o interesse pela tutela inibitória. A
própria Constituição Federal, em seu art.5º, inciso XXXV , estabelece a tutela à lesão ou
ameaça a direito. In verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito; (...)”
30
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
Assim, diante da hipótese de que houve o mesmo dano imaterial à vitima, resta
saber se seria razoável a fixação de indenizações nas mesmas bases, observando-se tão só a
existência do caráter compensatório. Seria, portanto, absolutamente inadequada uma solução
idêntica para as duas situações, o que ocorreria caso se entendesse necessária apenas a
observância do caráter compensatório.
Faz-se necessário, assim, observar que as três funções – compensatória,
preventiva e punitiva –, nos dias atuas, se integram e se interpenetram, havendo quase que um
concatenamento lógico entre elas, de sorte que uma é insuficiente e inoperante sem a outra31.
31
CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português, II Direito das Obrigações.
Tomo III. Lisboa: Almedina, 2010
Para Maria Celina Bodin de Moraes 32, no entanto, a separação entre direito
público e privado não mais se sustenta diante da realidade social e econômica da atualidade,
devendo haver uma releitura para um exame mais consentâneo do sistema atual. Esta autora
afirma, assim, existir um trânsito inegável entre os ramos do direito, servindo a divisão para o
exame sistematizado do direito.
Neste sentido esclarece Pizarro33: “A eficácia de uma instituição nunca pode ser
indiferente ao homem de Direito, nem ficar relegada por razões dogmáticas ou por apego às
tradições”.
Assim, há evidente entrelaçamento desses ramos do direito, estando a
interferência do direito penal presente em diversos dispositivos legais, tais como:
a) A cláusula penal prevista pelo art. 416 do Código Civil34.
b) Restituição duplicada prevista pelo art. 940 do Código Civil 35 e no parágrafo único do
art. 42 do Código de Defesa do Consumidor36.
c) Arras, dispostas nos Arts. 418 e 420 do Código Civil37.
No direito penal a interferência do direito civil também é largamente observada.
Com absoluta nitidez se percebe a presença dessa interpenetração nos dispositivos penais
estabelecidos pela Lei 9.099/1995 que disciplina os Juizados Especiais.
O próprio Código Penal, em sua parte geral, menciona
como circunstância atenuante quando da fixação da pena a existência de reparação do dano
32
MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1993.
33
PIZARRO, Ramón Daniel. Danõ Moral. Buenos Aires: Hammurabi., 2000. 37 Art. 416.
34
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. Parágrafo
único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização
suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização,
competindo ao credor provar o prejuízo excedente.
35
Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias
recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que
houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
36
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será
submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia
indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de
correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
37
Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-
as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua
devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos,
juros e honorários de advogado. Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para
qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á
em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não
haverá direito a indenização suplementar.
(art.65, III, b). Em sua parte especial, dispõe o referido diploma legal que a reparação do dano
em caso de peculato culposo é causa de extinção da punibilidade (art. 312, §2º)38.
Resta indubitavelmente claro, que a antiga separação não se presta efetivamente a
trazer um limite real entre os ramos do direito, já que todo o arcabouço jurídico é único.
Objetiva, tão só, trazer uma metodologia ordenadora, mas não uma divisão de essência e de
origem.
Em consequência, essa divisão não pode servir como fundamento para que se
rejeite, de forma peremptória, a carga e a função punitiva em caso de indenizações por dano
moral.
38
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público
ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviálo, em proveito próprio ou alheio Pena - reclusão,
de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse
do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio,
valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Peculato culposo § 2º - Se o
funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. § 3º - No
caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se
lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
A primeira deles, a Lei de Imprensa (Lei nº 5250/67) 39, indicou a presença da
função punitiva quando da fixação do valor indenizatório, estabelecendo o grau de culpa ou a
situação econômica do agente como fatores a serem avaliados para a fixação da indenização.
Também o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), em seu art.
8440 estabelecia que, na estimação do dano moral, o juiz terá em conta a posição social ou
política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a
gravidade e repercussão da ofensa.
Por fim, o Código Civil, em seu art. 944, parágrafo único, estabelece a
possibilidade de fixação do valor da indenização, observada a culpa, e não unicamente pela
extensão do dano, desvinculando-se da teoria tradicional. In verbis:
39
Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta,
notadamente: I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a
posição social e política do ofendido; II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação
econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de
manifestação do pensamento e informação; III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação
penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e
independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por êsse meio obtida pelo ofendido.
40
Art. 84 - Na estimação do dano moral, o Juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política
do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da
ofensa.
41
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
42
MARTINS-COSTA, Judith. PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. R.
CEJ, Brasília, n. 28, , jan-.mar. 2005 pp.15-32
7. ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA
43
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
Em momentos como esses a imposição de indenização punitiva desestimularia
este tipo de conduta. Em se tratando dessa espécie de conduta, é inadmissível que a reação
estatal seja de mera compensação à vítima. Ora, a existência de lucro ilícito já indica ação de
tal ordem contrária ao direito e à boa-fé nas relações jurídicas que, por si só, impõe a fixação
de indenização punitiva.
a) Culpa leve;
Constatada culpa leve, apesar de ter sido o dano originado de negligência ou
imprudência, tal proceder não tem o peso e o grau de reprovabilidade existentes em caso de
ação intencional ou decorrente de inobservância grave a dever de cuidado. A função da
indenização punitiva importa em focar a severa ação descuidada, sendo irrelevante o grau de
atingimento ao bem protegido. A indenização punitiva deve ter como norte a especial
reprovabilidade da conduta44.
b) Responsabilidade objetiva;
a) Bis in idem;
44
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
fundamento não é capaz de afastar a convicção da possibilidade desta espécie de indenização.
Isto porque, uma mesma ação pode constituir infração civil e administrativa ou caracterizar
um ilícito penal e administrativo, ou ainda, um ilícito penal e civil45.
André Gustavo Andrade (2009), em obra cujo conteúdo versa acerca do tema, cita
como exemplo a infração provocada por motorista sem habilitação em veículo automotor que
possui previsão de penalidade criminal e administrativa.
Não há, portanto, qualquer restrição quanto a legalidade de se impor ao sujeito
ativo da prática as duas formas de sanção previstas pelas normas positivadas. Há que se
entender pela possibilidade de uma lesão ser de tal forma protegida pelo direito que enseje
resposta de várias esferas jurídicas.
b) Valores indenizatórios;
45
CORRÊA ANDRADE, André Gustavo. Dano moral & indenização punitiva. 2 ed.Rio de Janeiro.
Lumen Juris. 2009.
46
GONÇALVES, Eveline Mendonça Felix. A função PUNITIVA de indenização por dano moral.
Ano 3 (2014), nº 9, 6821-6888 / http://www.idb-fdul.com/ ISSN: 2182-7567
c) Enriquecimento injustificado da vítima;
CONCLUSÕES
REFRÊNCIAS
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