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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

GUILHERME CENTA ROSS

CULPA POST PACTUM FINITUM:


APLICAÇÕES E LIMITES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
PÓS-CONTRATUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

CURITIBA
2022
GUILHERME CENTA ROSS

CULPA POST PACTUM FINITUM:


APLICAÇÕES E LIMITES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
PÓS-CONTRATUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro
Universitário Curitiba (UNICURITIBA).

Orientador: Prof. Eros Belin de Moura Cordeiro

CURITIBA
2022
GUILHERME CENTA ROSS

CULPA POST PACTUM FINITUM:


APLICAÇÕES E LIMITES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
PÓS-CONTRATUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em


Direito do Centro Universitário Curitiba pela Banca Examinadora formada pelos
professores:

Orientador: ______________________________

______________________________
Professor Membro da Banca

Curitiba (PR), _____ de __________ de 2022.


As alternâncias jurídicas podem também apresentar uma amplitude
bem maior, para lá das variações do dia e da noite ou do ciclo das
estações; em certos casos, o fluxo e refluxo do direito prolongam-se
durante anos, e até décadas. Reencontramos aqui o tempo da longa
duração, mas, se assim se pode dizer, no seu lado negativo: com o
tempo, a força obrigatória das leis enfraquece em vez de se reforçar,
os títulos jurídicos definham em vez de se consolidar, as provas, mais
do que acumular-se, dispersam-se e baralham-se. Veremos aí, quer
a ação destruidora do tempo, quer o vestígio da sua obra tradicional
de apaziguamento; em qualquer hipótese, o movimento contínuo,
ainda que subterrâneo, de uma vida jurídica que nada detém e que,
como Janus, apresenta sempre dois rostos: enquanto o direito de um
se afirma progressivamente, o do outro esbate-se, e enquanto uma
regra se sente morrer pouco a pouco, atingida pela ineficácia, uma
outra, mais jovem, ocupa em breve o lugar deixado vazio.

OST, François. O tempo do direito (2005).


RESUMO

A partir da análise do vínculo obrigacional enquanto processo, a presente monografia


pretende estudar o nível de incidência, fundamentos e efeitos da responsabilidade civil
pós-contratual – denominada culpa post pactum finitum – no âmbito do ordenamento
jurídico brasileiro. Considerando que a Constituição da República Federativa do Brasil,
extremidade da ordem jurídica nacional, tem por base princípios sociais, notadamente
relacionados à justiça social e à dignidade da pessoa humana, partindo de sua estreita
correlação com o princípio da boa-fé objetiva, premissa das relações privadas prevista
no Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), intenciona-se demonstrar a
presença, viabilidade e aplicação da teoria da responsabilidade civil como fenômeno
passível de desenvolvimento durante o momento de pós-contratualidade, merecedora
de tutela jurídica, capaz de fazer reverberar direitos e obrigações, a exemplo daquilo
que verifica-se nas fases de pré-contratualidade – denominada culpa in contrahendo
– e da contratualidade propriamente dita – denominada culpa lato sensu. A pesquisa
estrutura-se em revisão bibliográfica concernente aos temas de responsabilidade civil,
boa-fé objetiva e contratos.

Palavras-chave: Contratos. Responsabilidade civil. Culpa post pactum finitum. Boa-fé


objetiva. Deveres acessórios.
ABSTRACT

Considering that the legal obligation can be seen as process, this undergraduate thesis
aims to study the level of incidence, fundamentals, and effects of post-contractual civil
liability – named culpa post pactum finitum – in the scope of the Brazilian legal system.
Considering that the Constitution of the Federative Republic of Brazil, the pinnacle of
the national legal system, is based on social principles, notably related to social justice
and the human dignity, as well its close connections to the principle of objective good
faith, being it a premise of private relations as established in the Brazilian Civil Code
(Law n. 10.406, dated January 10th, 2002), this term paper intends to demonstrate the
presence, the feasibility and the application of the aforementioned theory that regards
civil liability as a phenomenon subject to develop itself on the post-contractual moment,
deserving legal protection of its own, and being capable of reverberating rights and its
own private obligations, as seen during the pre-contractual phase – named culpa in
contrahendo – and during the execution of the contract itself – named culpa lato sensu.
This undergraduate thesis is built upon bibliographical review of themes regarding civil
liability, objective good faith, and contracts.

Keywords: Contracts. Civil liability. Culpa post pactum finitum. Objective good faith.
Accessory duties.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ampl. ampliada
atual. atualizada
art. artigo
CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor
cf. conferir
CJF Conselho da Justiça Federal
coord. cient. coordenação científica
CPC Código de Processo Civil
cppf culpa post pactum finitum
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
des. desembargador
DF Distrito Federal
ed. edição
EDUSC Editora da Universidade do Sagrado Coração
EMERJ Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
min. ministro
n. número
org. organização; organizador; organizadores
prof. professor
p. página
rev. revista
reimp. reimpressão
RIL Revista de Informação Legislativa
super. supervisão; supervisor; supervisores
t. tomo
TJ-RS Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
v. volume
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 A OBRIGAÇÃO COMO PROCESSO .................................................................... 12
2.1 CONCEITO E ESTRUTURA DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL ........................... 20
2.1.1 Teorias do vínculo obrigacional: débito e responsabilidade ............................. 23
2.1.2 Teoria unitária das obrigações .......................................................................... 31
2.1.3 Teoria dualista das obrigações ......................................................................... 34
2.2 FONTES OBRIGACIONAIS ................................................................................ 40
2.2.1 A lei: origem e fim da obrigação ........................................................................ 42
2.2.2 O ato ilícito e o abuso de direito: reparação e limitação de condutas ............... 43
2.2.3 O negócio jurídico: objetivos privados e função social ..................................... 45
2.3 BOA-FÉ OBJETIVA: DISCIPLINA E FUNÇÃO OBRIGACIONAL ........................ 52
2.3.1 Função interpretativa: boa-fé e prática contratual ............................................. 58
2.3.2 Função corretiva: boa-fé e controle contratual .................................................. 60
2.3.3 Função integrativa: boa-fé e deveres acessórios de conduta ........................... 63
3 TEMPO, CONTRATO E RESPONSABILIDADE ................................................... 67
3.1 CONCEITO E ESTRUTURA DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................... 70
3.2 PRESSUPOSTOS E FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................... 79
3.2.1 O pré-contrato e seus deveres anexos: a culpa in contrahendo ....................... 80
3.2.2 O contrato e seus deveres anexos: a culpa lato sensu .................................... 82
4 ENTRE O TEMPO E O DIREITO: A PÓS-EFICÁCIA DAS OBRIGAÇÕES .......... 84
4.1 Espécies de pós-eficácia: aparente, virtual, continuada e strictu sensu .............. 86
4.2 O pós-contrato e seus deveres anexos: a culpa post pactum finitum .................. 89
4.3 Segurança jurídica e culpa post pactum finitum ................................................... 95
4.3.1 Apelação Cível n. 588.042.580/TJ-RS: o caso da compradora escorraçada ... 97
4.4 Natureza jurídica da culpa post pactum finitum: contratual ou extracontratual .... 99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 101
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 104
10

1 INTRODUÇÃO

O direito consiste em organismo vivo. Dependente dos indivíduos para existir,


existe, somente, para os próprios indivíduos, e, por eles, interpretado e reinterpretado.
Altera-se. Renova-se. Supera-se. Reveste-se de autorreferência e de metalinguagem
em um espaço onde proposições jurídicas disputam espaço sob o filtro constitucional.1
Inseridos neste cenário, os vínculos contratuis reproduzem as variações do
tempo do direito, aproximando ou afastando propostas doutrinárias e jurisprudenciais
que repercutem, pessoalmente e patrimonialmente, nos direitos dos indivíduos. Aqui,
neste caminho, localiza-se o presente tema: na busca de deveres presentes não no
texto, mas no contexto; não na palavra, mas no espírito do ordenamento jurídico.
A partir desta premissa, pretende-se discorrer sobre a incidência e a extensão
dos deveres acessórios ao contrato que originam-se após a extinção do instrumento
particular, mas que, em alguma medida, permanecem vinculando as antigas partes,
sob pena de responsabilidade civil pós-contratual – a culpa post pactum finitum.
O tema da pesquisa – aplicações e limites da responsabilidade pós-contratual
no ordenamento jurídico brasileiro – demonstra relevância dada a limitada apreciação
acadêmica, que, ao tratar da temática das fases contratuais, privilegia o estudo dos
momentos da pré-contratualidade e da contratualidade propriamente dita.
Ainda, a análise acerca da pós-contratualidade carece de discussão, em
especial, por não possuir previsão expressa no direito privado, mas de decorrer de
necessária interpretação do caso concreto, cotejando-o à principiologia constitucional
e civilista para fundamentar sua incidência.
Embora pouco submetido às análises acadêmicas, o tema tem sido explorado
por doutrinadores que, baseados em teorias estrangeiras sobre responsabilização civil
pela violação de deveres anexos, dedicaram-se a institucionalizar este tipo próprio de
responsabilidade na sistemática legal brasileira. Pretende-se, no resultado, demarcar
na ordem jurídica a pós-contratualidade como momento próprio, dotado de autonomia
e capaz de fazer fundar direitos e deveres aos contratantes.

1 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed., rev. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 37: “A ciência do direito produz enunciados sobre o seu objeto, isto é, produz
enunciados sobre o direito. Sucede que não há apenas uma ciência do direito, porém um conjunto de
ciências do direito. [...] Todas as ciências do direito são ciências sobre o direito. Assim, as linguagens
das ciências do direito são metalinguagens”. Grifo do autor.
11

Objetivando analisar o fenômeno dos deveres de consideração pós-contratuais


na legislação brasileira, parte-se da premissa de que o ordenamento jurídico brasileiro
funda-se, em parte, através de cláusulas abertas, no que resulta em uma ordem
jurídica receptiva à formação, criação e recepção de novos institutos legais.
Ainda, pretende-se apresentar o contrato como processo (fase pré-contratual,
fase contratual propriamente dita e fase pós-contratual), tendo como foco sua última
etapa; analisar esta terceira fase processual como momento gerador de direitos com
repercussão obrigacional e, se violada, civilmente reparável; e, por fim, exemplificar a
subsistência de deveres de consideração após o término da relação contratual através
de apreciações de doutrina e jurisprudência, expondo as dinâmicas entre os principais
diplomas legais e a responsabilidade civil pós-contratual.
Para tanto, propõe-se no capítulo inaugural apresentar a leitura de obrigação
enquanto processo, tratando-se do encadeamento de procedimentos realizados pelas
partes para a consecução do objeto ajustado, a partir da noção de que os contratantes,
durante o vínculo obrigacional, revezam-se, dinamicamente, nas posições de credor
e devedor, resultando em prestações típicas ao momento pós-contratual. Aqui, tratase
das teorias obrigacionais que analisam os elementos que compõe a obrigação: o
débito e a responsabilidade. Também, trata-se das fontes obrigacionais relevantes ao
tema: a lei, o ato ilícito e os exercícios inadmissíveis de uma posição jurídica, sob o
prisma da função social dos negócios jurídicos. Nesta senda, complementa-se com a
exposição das funções legalmente atribuídas ao princípio da boa-fé: hermenêutica,
corretiva e integrativa, residindo, nesta, o fulcro das obrigações pós-eficazes.
Sequencialmente, no capítulo central, trata-se da relação entre tempo, contrato
e responsabilidade civil a partir de sua conceituação, estrutura, pressupostos e fases
de consideração desta responsabilidade aos momentos contratuais, diferenciando-os
na pré-contratualidade, na denominada culpa in contrahendo, e na contratualidade
propriamente dita, na denominada culpa lato sensu.
Conclusivamente, no capítulo final, adentra-se ao tema propriamente proposto:
a busca quanto à incidência da responsabilidade civil pós-contratual no ordenamento
jurídico brasileiro; dos tipos existentes de pós-eficácia e diferenciações ante a culpa
post pactum finitum; da segurança jurídica atinente à pós-eficácia contratual; do marco
jurisprudencial que inaugurou a teoria no País; e, por fim, da natureza jurídica da culpa
post pactum finitum, suas aplicações e os limites desta manifestação no (e a partir do)
ordenamento jurídico brasileiro.
12

2 A OBRIGAÇÃO COMO PROCESSO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)2, como


norteadora absoluta de todas as relações públicas e privadas no País, obriga aqueles
que se vinculam juridicamente, seja por vontade ou por acaso, à observância de seus
princípios fundamentais, notadamente, àqueles referentes ao solidarismo negocial.3
Em concordância à hierarquia das normas legais, o Código Civil Brasileiro (CC)
(Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002)4 fixou bases socializantes ao direito privado,
superando a noção de que os efeitos de um negócio jurídico devem amarrar somente
os seus contratantes. Assim, a partir desta perspectiva, as previsões ajustadas entre
as partes, em quaisquer uma de suas fases, seja negocial ou extranegocial, deverão
considerar seus efeitos internos e externos antes, durante e mesmo após o fim deste
vínculo, além de atentar-se a eventuais repercussões perante terceiros.5
Neste sentido, os negócios jurídicos, embora baseados na autonomia privada,
realizam-se, precipuamente, a partir de uma noção social: um agir bem-intencionado,
com retidão e probidade, capaz de fornecer previsibilidade aos atos de seus agentes
e, por consequência, segurança ao sistema jurídico.
Deste modo, a fim de aliar os preceitos solidários oriundos da norma e permitir
que situações privadas fossem passíveis de adequações conforme o caso concreto,
o texto codificado precisou ser redigido de maneira aberta, isto é, tipificado através de
princípios e cláusulas gerais que indicam um caminho possível para que as partes o
trilhem como melhor lhes prover, entendendo que tal modelo, sociável e disposto às
novas interpretações, expressa-se como a forma mais adequada ao atendimento das
premissas que guiam as relações civis.6
Assim, a partir de uma hermenêutica que funcione de maneira responsiva aos
negócios jurídicos, pretende-se analisar o fenômeno da pós-contratualidade como um
momento próprio, capaz de fazer reverberar direitos e obrigações, resguardando os
interesses das partes durante todo o tempo do contrato – e mesmo após seu fim.

2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de


outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional nº 108/2020. Brasília, DF: Senado Federal,
2020. p. 10.
3 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São

Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 34.


4 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. 360 p.
5 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 34.
6 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 73.
13

Considerando que as normas privadas compõem um “sistema em construção”7,


amparadas, sobretudo, aos paradigmas da eticidade, socialidade e operabilidade, os
vínculos privados afastam-se de uma natureza estritamente hermética, produtora de
efeitos somente entre as partes, apresentando-se envoltos de um sentido coletivista:

Por esta razão, a técnica utilizada foi a das cláusulas gerais, que permitem
tanto a ligação intra-sistemática (entre as normas do próprio Código) quanto
a conexão inter-sistemática (por exemplo, entre o Código e a Constituição) e
mesmo extra-sistemática (remetendo o intérprete para fora do sistema
jurídico, a fim de concretizar determinado valor ou diretiva).8

Neste sentido, considerando que os termos legais foram editados, de maneira


racional, visando possibilitar a imputação de análises valorativas para aqueles que se
vinculam, estão presentes as premissas que ordenarão as relações privadas e todos
os seus agentes, formas e fases: autonomia privada dotada de consideração social.
Assim, o diálogo entre diferentes níveis da norma, e mesmo entre diferentes
fontes, permite propor soluções viáveis aos fatos da vida humana sem a necessidade
de que haja, necessariamente, uma previsão legal à cada interação social, permitindo
às partes a guarda dos seus interesses a partir da subsunção do fato à norma. Sobre
o tema, traz Martins-Costa:

Nos seus traços mais elementares e esquemáticos, a subsunção funciona no


seguinte modo: uma disposição normativa, sendo ‘geral’ (no sentido de
‘genérica’, isto é, a que não foi pensada para valer num só caso singular), tem
a forma verbal de uma proposição, à qual, se encaixada em certo fato, resulta
em certa consequência jurídica.9

Conforme o exposto, tem-se que o sistema jurídico, a partir das circunstâncias


dos fatos, permite e incentiva que novos elementos componham o panorama do direito
privado, resultando, assim, em um complexo legal que pretende ser atual e inovador.

7 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais


no projeto do Código Civil Brasileiro. In: SENADO FEDERAL, Revista de Informação Legislativa
(RIL), v. 35, n. 139, jul.-set. 1998. Brasília, DF: Senado Federal. p. 5-22.
8 MARTINS-COSTA, Judith. O Novo Código Civil Brasileiro: em busca da “ética da situação”. In:
BRANCO, Gerson; MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro.
São Paulo: Saraiva, 2002. p. 99.
9 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais
no projeto do Código Civil Brasileiro. In: SENADO FEDERAL. Op. cit., p. 6: “No universo craquelé
[rachado] da pós-modernidade não tem sentido, nem função, o código total, totalizador e totalitário,
aquele que, pela interligação sistemática de regras casuísticas, teve a pretensão de cobrir a plenitude
dos atos possíveis e dos comportamentos devidos na esfera privada, prevendo soluções às variadas
questões da vida civil em um mesmo e único corpus [conjunto] legislativo, harmônico e perfeito em
sua abstrata arquitetura”.
14

Neste sentido, sintetiza-se que tanto a elaboração quanto a interpretação dos


negócios jurídicos deverão adequar-se à racionalidade constitucional, o que resultará,
portanto, no processo de constitucionalização do direito privado. Tal processo realiza-
se de maneira tópica, ou seja, a partir das circunstâncias do caso concreto. Acerca do
tema, diz Fachin:

Com efeito, a interpretação tópico-sistemática não toma o sistema como um


conjunto de respostas prontas e acabadas a problemas que podem se pôr no
futuro – pretensão das codificações civis –, mas, sim, parte dos problemas
concretos, buscando no sistema a melhor entre várias possíveis soluções.
Tal escolha se faz por meio da hierarquização axiológica. É por meio da
hierarquização axiológica em cada caso concreto que os direitos
fundamentais se concretizam como normas – que não são modelos abstratos
pré-ordenados. Se a abstração constitutiva do modelo da relação jurídica é o
elemento unificador da racionalidade do Código Civil, o único modo de
operar-se uma ‘correção hermenêutica’ da codificação – permitindo a
efetividade dos direitos fundamentais nas relações interprivadas, com o
repúdio ao estatuto da exclusão operado pela fetichização dos modelos – é a
sua interpretação não à luz dessa mesma racionalidade, mas, sim, da ordem
principiológica constitucional. De outro lado, os princípios constitucionais não
podem ser interpretados como um conjunto de soluções prêt-à-porter [prontas
para vestir], mas como possibilidades de concretização normativa, por meio
de um método que parta da tópica.10

Assim, este processo de conjugação e aplicação dos preceitos constitucionais,


de natureza comutativa e solidária, ante às convenções privadas, trata-se de premissa
limitadora ao pleno exercício da autonomia das partes. Os negócios jurídicos, embora
possam ser celebrados e dispostos conforme queiram seus agentes, precisam, sob a
perspectiva constitucionalista do direito privado, atender não somente aos anseios das
partes integrantes, mas instrumentalizar uma função social, atentando-se aos efeitos
externos das pactuações privadas.
Este fenômeno de irradiação dos princípios constitucionais à legislação civilista
serve como ferramenta condicionante de existência, validade e eficácia dos negócios
jurídicos que, embora vinculem as partes ao seu conteúdo, privilegia a proteção do
indivíduo em detrimento da prestação obrigacional. Na prática, quer dizer que, durante
o exercício do programa negociado, as atores devem praticar condutas imbuídas dos
paradigmas de eticidade, socialidade e operabilidade, fundantes do código civilista.

10 FACHIN, Luiz Edson. Direito civil: sentidos, transformações e fim. Rio de Janeiro, Renovar: 2015.
p. 93-94: “Os princípios norteadores da teoria contratual passam por processos de releituras ao longo
do tempo, que os adequam ao contexto histórico e social no qual os contratos estão inseridos. A
teoria formal dos contratos teve como regentes os princípios da autonomia privada e da
vinculatividade do pactuado. No entanto, com o decorrer do tempo, a autonomia privada passou a
representar abusos e, por este motivo, sofrer limitações” (Op. cit., p. 105). Grifo do autor.
15

Propriamente aos axiomas da norma civil, tem-se que a eticidade compreende


a premissa de decoro, seriedade, correção e lealdade que ordenará a execução dos
atos jurídicos, estando prevista, por exemplo, na redação do artigo 11311, do CC, que
traz uma série de sentidos a ser considerados quando do estabelecimento do vínculo
obrigacional, tais como práticas consuetudinárias do local onde celebra-se o ato, a
razoabilidade na interpretação de seus termos e ainda a elaboração de regras próprias
de aplicação dos acordos estabelecidos pelas partes.12
Por sua vez, a socialidade embutida no código resume-se no “predomínio do
social sobre o individual”13. Deste modo, conforme previamente aduzido, não poderá
o indivíduo praticar atos absolutamente soberanos, desconsiderando seus efeitos
para a parte contrária e, também, perante a sociedade. De maneira tipificada, nota-
se, por exemplo, esta previsão na redação trazida pelo art. 42114, do CC, quando
direciona e limita o agir dos contratantes à noção comunitária de que os negócios
jurídicos devem visar uma função social.
Derradeiramente, a operabilidade apresenta-se como meio à concretização da
justiça, permitindo a quem busca a aplicação da norma uma adequação do texto legal
ao seu fato da vida, propiciando resolvê-lo, conforme previamente trazido, decorrente
da perspectiva de cláusulas abertas. Neste sentido, nota-se esta previsão na redação
do art. 72015, do CC, ao elencar elementos subjetivos à solução do negócio jurídico e
que, necessariamente, requerem uma valoração caso a caso.

11 BRASIL. Op. cit., p. 57: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé
e os usos do lugar de sua celebração; § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o
sentido que: I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; II
– corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; III –
corresponder à boa-fé; IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável;
e V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida
das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as
informações disponíveis no momento de sua celebração; § 2º As partes poderão livremente pactuar
regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos
diversas daquelas previstas em lei”
12 REALE, Miguel. Visão Geral do Novo Código Civil. Revista da Escola da Magistratura do Estado

do Rio de Janeiro (EMERJ), Rio de Janeiro, v. 1, nº 4: Anais da 4ª Semana de Integração Jurídica


Interamericana. Número Especial. 2003. Anais dos Seminários “EMERJ Debate o Novo Código Civil”,
parte I, fevereiro a junho [de] 2002. p. 40.
13 REALE, Miguel. Op. cit., p. 41
14 BRASIL. Op. cit., p. 78: “Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social

do contrato. Parágrafo único: nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da


intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”.
15 BRASIL. Op. cit., p.100: “Art. 720. Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes

poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível
com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente. Parágrafo único. No caso de divergência
entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido”.
16

Deste modo, tal abertura pretendida pela legislação civil-constitucional funciona


como ferramenta de revigoramento do ordenamento jurídico a partir de interpretações
e reinterpretações das dinâmicas sociais.
Tem-se, portanto, que o sistema normativo se mostra receptivo às premissas
gerais que, por sua vez, atuam, especialmente, como mecanismo de “abertura do
sistema”16, proporcionando a acomodação dos interesses das partes, seja de maneira
individual ou coletiva, e acarretando, como consequência, em uma relativa mobilidade
interpretativa ao arcabouço jurídico. Neste sentido, segue a autora:

[...] a razão de se visualizar o novo texto legislativo à luz de suas cláusulas


gerais responde à questão de saber se o sistema de direito privado tem aptidão
para recolher os casos que a experiência social contínua e inovadoramente
propõe a uma adequada regulação, de modo a ensejar a formação de
modelos jurídicos inovadores, abertos e flexíveis. Em outras palavras, é
preciso saber se, no campo da regulação jurídica privada, é necessário, para
ocorrer o progresso do Direito, recorrer-se sempre à punctual intervenção
legislativa ouse o próprio sistema legislado poderia, por si, proporcionar os
meios de se alcançar a inovação, conferindo aos novos problemas soluções
a priori [a princípio; primeiramente] assistemáticas, mas promovendo,
paulatinamente,a sua sistematização.17

Assim, importante evidenciar o caráter transcendente desta abertura normativa


em que o complexo sistema jurídico pátrio congrega bases oportunamente valorativas,
mas suficientemente sólidas, às normas rígidas, mas suficientemente acolhedoras às
mudanças sociais:

As cláusulas gerais têm por função auxiliar a abertura e a mobilidade do


sistema jurídico, propiciando o seu progresso mesmo se ausente a inovação
legislativa. A abertura diz respeito ao ingresso no corpus [conjunto] legislativo
de princípios, máximas de conduta, standards [padrões] e diretivas sociais e
econômicas, viabilizando a captação e a inserção de elementos extrajurídicos
de modo a promover a ‘adequação valorativa’ do sistema (abertura ou
permeabilidade do sistema). A mobilidade diz respeito à acomodação no
interior do sistema desses novos elementos, conectando-os, num movimento
dialético, com outras soluções sistemáticas (ressistematização).18

16 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 112.
17 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais

no projeto do Código Civil Brasileiro. In: SENADO FEDERAL. Op. cit., p. 6. Grifo da autora.
18 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 113: “O processo pelo qual esta adaptação valorativa se realiza

é lento e complexo. Este vai-se realizando pouco a pouco, mediante um trabalho que é em parte
casuístico, em parte de generalização da casuística, constituído pela síntese judicial dos casos
pretéritos, tomados estes, entretanto, não como limites à interpretação e aplicação do direito, mas
como pontos de apoio para a compatibilização entre o sistema e as novas realidades e
circunstâncias”. Grifo da autora.
17

Portanto, o estabelecimento destes diversos preceitos normativos requer uma


inevitável ponderação entre princípios jurídicos: ao passo que haverá a valorização
de certas condutas, outros modos de agir serão relativizados, seja pela vontade das
partes ou por força legal. Entretanto, atenta-se ao fato de que tais princípios emanam
independentemente do objeto do contrato, estando presentes com o objetivo de criar
uma atmosfera de previsibilidade e segurança aos negócios jurídicos.19
Na prática, a presença dos princípios como premissa de agir significa que tais
previsões existem mesmo antes da formalização obrigacional, passando ao nível de
cogência quando formalizado um vínculo contratual e pretendendo-se perenes na fase
posterior ao fim formal do vínculo jurídico. Naturalmente, a depender do escopo e dos
termos engendrados pelas partes, os princípios presentes nas cláusulas gerais serão
aplicados em maior ou menor grau:

É, portanto, o aplicador da lei, direcionado pela cláusula geral a formar


normas de decisão, vinculadas à concretização de um valor, de uma diretiva
ou de um padrão social, assim reconhecido como arquétipo exemplar da
experiência social concreta. [...] Daí uma distinção fundamental: as normas
cujo grau de vagueza é mínimo, implicam que ao juiz seja dado tão somente
o poder de estabelecer o significado do enunciado normativo; já no que
respeita às normas formuladas através de cláusula geral, compete ao juiz um
poder extraordinariamente mais amplo, pois não estará tão somente
estabelecendo o significado do enunciado normativo, mas por igual criando
direito [...].20

De todo modo, em decorrência da necessária aplicação de uma interpretação


social, a liberdade dos que negociam tem limites, sendo inevitável a consideração dos
efeitos alheios que possam acarretar a terceiros: necessário imperar-se, daí, a função
social dos negócios jurídicos.
Complementarmente, quando em âmbito processual, nota-se o relevo dado à
abertura das cláusulas que poderá resultar, por fim, em função jurígena, efetivamente
reconhecendo direitos e criando obrigações às partes.

19 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 104: “O conceito de ‘princípio jurídico’ está vinculado, na
linguagem corrente, a pelo menos sete focos de significação. Assim, com a ideia de ‘núcleo básico’
ou ‘característica central’ de algo; de ‘regra, guia, orientação ou indicação’; de ‘origem’ ou ‘causa
geradora’; com as noções de ‘finalidade, objetivo, propósito ou meta’; com as ideias de ‘premissa’,
ou ‘axioma’, ou ‘verdade teórica postulada como evidente’; com o sentido de ‘verdade ética
inquestionável’; e, finalmente, com as ideias de ‘máxima, aforisma, provérbio ou peça de sabedoria
prática que nos vem do passado e que traz consigo o valor da experiência acumulada e o prestígio
da tradição’”.
20 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais
no projeto do Código Civil Brasileiro. In: SENADO FEDERAL. Op. cit., p. 9.
18

Esta missão criadora, decorrente da abertura do ordenamento jurídico, implica


em reconhecer que as vinculações resistem, de algum modo e em alguma medida, ao
próprio fim do objeto contratado em verdadeiro processo obrigacional.
Neste contexto, durante as fases de negociação, formação, cumprimento e
conclusão do vínculo jurídico, desenvolvem-se diferentes tipos de responsabilidades
civis, ficando as partes vedadas do exercício de atos incompatíveis àqueles recém
finalizados, sendo, inclusive, possível exigir delas um eventual dever de reparar caso
procedam a comportamentos contraditórios, nos termos da lei.
Em decorrência desta reunião de variáveis, entende-se o processo obrigacional
não somente como uma relação estritamente relacionada à prestação entre crédito e
débito, mas como uma intricada união de direitos e deveres, principais e acessórios,
que visam a consecução de um objeto.
A partir desta segmentação quer-se “sublinhar o ser dinâmico da obrigação, as
várias fases que surgem no desenvolvimento da relação obrigacional e que entre si
se ligam com interdependência”21.
A noção de obrigação como processo tem como basilares os princípios gerais
da “autonomia da vontade, o da boa-fé e o da separação entre as fases, ou planos,
do nascimento e desenvolvimento do vínculo e a do adimplemento”22, reconhecendo
em cada estágio contratual a obediência às considerações típicas de seu momento.
Assim, e em parceria com a disponibilidade permitida pelas cláusulas gerais,
tem-se que “a sistemática atual é predominantemente dedutiva, mas dá larga margem
para que se possa pensar casuisticamente, do que pode resultar a descoberta de
novos princípios e a formação de novos institutos”23, desde que sejam compatíveis
com o espírito trazido pelo ordenamento jurídico.
Deste modo, em casos em que os negócios jurídicos são contínuos, aqueles
que se estendem no tempo ou se executam através de uma sequência de prestações,
a visualização de cada fase obrigacional apresenta-se de maneira explícita, enquanto
os pactos de prestação instantânea, aqueles concluídos mediante prestação singular,
os processos obrigacionais ocorrem sucessivamente ou mesmo concomitantemente,
a depender de suas peculiaridades, dilatando ou estreitando o vínculo jurídico.24

21 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2013. 8. reimp., p. 20.
22 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 23.
23 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 69.
24 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 168.
19

Recapitulando os temas tratados neste preâmbulo, ficaram demonstradas as


bases que fundam as relações interprivadas: a CRFB/88 que, trazendo princípios e
expectativas de comportamento, atua como baliza abstrata aos negócios jurídicos, em
parceria do CC, corpo de normas objetivas e premissas genéricas que regula e orienta
as obrigações particulares propriamente ditas, sendo responsáveis pela fundação de
um vínculo jurídico caracteristicamente marcado pelo solidarismo negocial.
Posteriormente, anotou-se que o ordenamento jurídico pátrio tem sua redação
elaborada por cláusulas gerais que viabilizam a recepção de eventuais situações que
furtem à expressa previsão do texto legal, permitindo a oxigenação do próprio sistema
legislativo. Nesta senda, revisa-se que:

A investigação da solução correta, dentro de um sistema aberto, poroso e


plural, se assenta, nessa perspectiva, em desenvolvimento nessa ocasião
num horizonte desafiante para o intérprete, qual seja a de encontrar
possibilidades dentro dos limites, e ao assim fazê-lo irá arrostar sentidos
formais, substanciais e prospectivos das figuras jurídicas em pauta, bem
como deverá considerar, simultaneamente, significados pretéritos a serem
reconstruídos, acepções presentes e aquelas possíveis a serem edificadas
na hipótese. [...] Tal sentido teve (e tem) larga repercussão e acolhimento de
que o Direito não é um sistema meramente dedutivo, é, isso sim, dialético,
problematizante, aberto e plural.25

Assim, a partir da conjunção de premissas axiológicas, análise jurisprudencial,


proposições doutrinárias, analogias entre casos, usos do tráfego, práticas costumeiras
ou quaisquer outras fontes que tornem resolvível o caso concreto, da melhor maneira
possível às partes, desde que seja compatível ao espírito do ordenamento jurídico,
pode-se utilizá-los à solução de controvérsia jurídica.
Este possibilidade dinâmica imputada à norma tem-se por essencial quando da
fundamentação da responsabilidade civil que produza efeitos pós-contratuais, eis que
esta funda-se em princípios constitucionais, na boa-fé objetiva e seus deveres anexos.
Por fim, estabeleceu-se a noção de obrigação como processo: uma sequência
de procedimentos, condutas e expectativas que atam as partes e objetivam, ao fim, a
execução de determinado objeto, mas que, após o adimplemento, não desvinculam
por completo os antigos contratantes, restando a eles deveres anexos ao pactuado.
Ante o exposto, exibidos os fundamentos introdutórios relativos às obrigações,
pretende-se, na sequência, descrever como este conjunto de regras obrigacionais
relaciona-se no espaço – sua estrutura – e no tempo – suas fases.

25 FACHIN, Luiz Edson. Op. cit., p. 116.


20

1.1. CONCEITO E ESTRUTURA DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL

Obrigação significa compromisso.26 De acordo com Farias e Rosenvald, para o


direito privado, o tema obrigacional trata-se do mais relevante componente do Código
Civil (CC), ocupando lugar de privilégio no ordenamento jurídico nacional, uma vez
que repercute na esfera patrimonial dos indivíduos.27
Neste sentido, resume-se o direito das obrigações como o “direito da dinâmica
patrimonial, na medida em que disciplina o tráfico econômico, a circulação de bens
entre as pessoas e a sua colaboração ou cooperação mediante comportamentos”28.
Tipicamente, tais comportamentos referem-se às prestações reflexas entre os
sujeitos do vínculo jurídico nos seguintes sentidos:

o direito das obrigações disciplina essencialmente três coisas: as relações de


intercâmbio de bens entre as pessoas e de prestação de serviços (obrigações
negociais), a reparação de danos que umas pessoas causem a outras
(responsabilidade civil geral, ou em sentido estrito) e, no caso de benefícios
indevidamente auferidos com o aproveitamento de bens ou direitos de outras
pessoas, a sua devolução ao respectivo titular (enriquecimento sem causa).29

Aparentando “uniformidade conceitual na doutrina brasileira”30, a obrigação traz


ainda elementos relativos ao seu tempo de duração, de relação entre as partes, de
encargo patrimonial e de conduta.31 Estes itens que compõe a obrigação dividem-se,
para fins de estudo, em elementos subjetivo, objetivo e espiritual.32
O quesito relativo à subjetividade refere-se às partes – os sujeitos – que se
vinculam. Precipuamente, os personagens da relação obrigacional – denominados
credor e devedor –, uma vez vinculados, compelem-se mutuamente à consecução do
objeto ajustado da melhor maneira possível. Sobre este trânsito obrigacional, seguem
os autores:

26 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: obrigações. v. 2, 9.
ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. p. 13: “Etimologicamente, obrigação vem do vocábulo
latino obrigare [...], que significa atar, ligar, unir, impor um determinado compromisso”. Grifo dos
autores.
27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 31: “O direito das obrigações é

considerado o principal livro da parte especial de nosso Código Civil. A razão é singela: grande parte
da teoria geral do direito civil tem aplicação direcionada às obrigações, em detrimento das demais
especialidades”.
28 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 31.
29 NORONHA, Fernando apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 32.
30 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 14.
31 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 14.
32 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 50.
21

O elemento subjetivo da obrigação é dúplice, encontrando-se, em posições


contrapostas, credor e devedor (que representam o sujeito ativo e o passivo,
respectivamente). O credor é aquele que pode exigir de outrem um
determinado comportamento, enquanto o devedor é quem deve cumpri-lo.
Evidente que será rara a hipótese em que um indivíduo será apenas credor
ou devedor, eis que habitualmente as partes são credoras e devedoras
reciprocamente.33

Assim, uma vez estabelecidos os atores obrigacionais, estes têm como função
concorrer ao elemento objetivo: as prestações, ou seja, “aquilo que deve ser feito,
prestado ou omitido”34. Tais prestações, por sua vez, caracterizam-se como prestação
positiva, aquela em que se pretende realizar uma conduta ou ação, ou prestação
negativa, quando quer-se impedir ou evitar a efetivação de algum ato juridicamente
relevante.35
Aqui, por tudo, deve-se atentar que esta coisa a se prestar deverá preencher,
por sua vez, os critérios de validade do negócio jurídico: existência de capacidade civil
à realização dos atos jurídicos, a possibilidade de o objeto negociado ser executável
e, em caso de haver previsão legal, a observância de formalidades próprias ao objeto
em questão, de acordo com a previsão do artigo 10436, do CC.
Consequentemente, serão nulas quaisquer avenças celebradas por indivíduo
absolutamente incapaz, que promova algum tipo de matéria manifestamente ilegal,
apresente conteúdo indeterminado ou de execução impraticável, que desobedeça a
regulações tipificadas em lei ou, ainda, que tenha como objetivo a prática de fraude
de mandamento legal ou processual, conforme aduzido pelo art. 16637, do CC.
Por fim, o quesito relativo à imaterialidade trata-se de autorreferência: consiste
no vínculo jurídico propriamente dito, que atrela uma parte à outra, atando-as e criando
expectativas de conduta a serem realizadas durante o complexo obrigacional.38

33 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 51.


34 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 53.
35 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 53.
36 BRASIL. Op. cit. p. 56: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto

lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei”.
37 BRASIL. Op. cit., p. 61: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa

absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo
determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for
preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo
fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar
sanção”.
38 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 56: “O elemento imaterial e cerne

da obrigação é o vínculo jurídico estabelecido entre os sujeitos. Trata-se do liame abstrato que une
as partes (credor e devedor), possibilitando a um deles exigir do outro o objeto da prestação, sob
pena de excussão patrimonial através do Poder Judiciário”.
22

Sequencialmente, ainda sobre a estrutura da obrigação, a condição temporal


consiste na qualidade transitória do vínculo jurídico em que os sujeitos marcham,
invariavelmente, em direção à sua própria extinção.
Deste modo, vê-se que os sujeitos não antagonizam, mas complementam-se,
o que resulta em “verdadeira ordem de cooperação”39, que irá gerar reflexos, também,
no momento posterior à finalização do negócio jurídico, originado a responsabilidade
civil pós-contratual.
Após alinhavados os termos negociais, as partes encontram-se em relação de
interdependência, apresentando, reitera-se, um “caráter dúplice, percebendo-se, a um
só tempo, dois diferentes fatores: o débito e a responsabilidade”40.
Tais elementos são essenciais às relações obrigacionais, compreendendo as
doutrinas denominadas teoria unitária e teoria dualista do vínculo obrigacional.41
Por fim, finalizando os requisitos do vínculo jurídico, a conduta refere-se àquela
justa expectativa de correspondência entre o pactuado e as intenções e os atos dos
agentes, sempre costurados, em sua integralidade, pelo princípio da boa-fé e por seus
desdobramentos em deveres de consideração, sob pena de, assim como em caso de
eventual inadimplemento contratual, a parte infratora responsabilizar-se pelo excesso
cometido no exercício de um direito, nos termos do art. 18642, do CC. Neste iter, dizem
os autores que:

Através da via de controle do abuso do direito [...], o exercício de um direito


subjetivo ou potestativo que ofenda as legítimas expectativas de confiança
do parceiro contratual, e seja considerado como desproporcional em face das
exigências éticas do sistema, será fulminado por um juízo de antijuridicidade
material, posto contrário aos fundamentos valorativos do ordenamento.43

Desta feita, o caminho traçado pela legislação civil-constitucional, seja em teses


principiológicas ou em mandamentos expressos, permite decretar que, de maneira
sistemática, os atos de vontade estarão impregnados pela boa-fé em todas as fases
da obrigação.44

39 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 16.


40 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 14.
41 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 17.
42 BRASIL. Op. cit., p. 62: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”.
43 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 6.
44 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 43: “O processo obrigacional supõe, portanto, duas

fases: a fase do nascimento e desenvolvimento dos deveres e a fase do adimplemento”.


23

2.1.1 Teorias do vínculo obrigacional: débito e responsabilidade

Propriamente aos elementos do vínculo, antecipadamente introduzidos, passa-


se a explorá-los individualmente tendo como base leituras doutrinárias obrigacionais
e suas respectivas formas de correlacionar os conceitos de débito a responsabilidade.
Conforme previamente aduzido, aliado ao atributo da transitoriedade, o vínculo
obrigacional caracteriza-se pela criação de um dever jurídico, qualificado por Antunes
Varela como:

a necessidade imposta pelo direito (objetivo) a uma pessoa de observar


determinado comportamento. É uma ordem, um comando, uma injunção
dirigida à inteligência e à vontade dos indivíduos, que só no domínio dos fatos
podem cumprir ou deixar de o fazer. Não é simples conselho, mera
advertência ou pura exortação; a exigência da conduta (imposta) é
normalmente acompanhada da cominação de algum ou de alguns dos meios
coercitivos (sanções) próprios da disciplina jurídica, mais ou menos fortes
consoante o grau de exigibilidade social da conduta prescrita.45

Deste modo, a obrigação trata-se de um dever de prestação entremeado a uma


expectativa de comportamento que, se propositalmente frustrada, poderá ensejar um
cumprimento forçado da prestação devida através da tutela estatal. Portanto, aquele
que se encontra em estado de violação de algum interesse juridicamente relevante
tem a crença de que, em caso de inadimplemento, seu direito estará assegurado, com
algum grau de certeza, em decorrência da constante ameaça sancionatória estatal; o
devedor, por sua vez, igualmente consciente desta possível coação, concorre à justa
execução do objeto entabulado, o que explicita, além do caráter material, também um
aspecto processual da responsabilidade obrigacional. Sobre o tema, segue o autor:

O dever tutelado pela sanção pode ser ditado no interesse da coletividade ou


do Estado, de uma generalidade de pessoas, ou de pessoas determinadas.
Quando a ordem jurídica confere às pessoas em cujo interesse o dever é
instituído o poder de disporem dos meios coercitivos o protegem – quando,
por outros termos, o funcionamento da tutela do interesse depende da
vontade do titular deste – diz-se que ao dever corresponde um direito
subjetivo. O direito subjetivo é o poder conferido pela ordem jurídica a certa
pessoa de exigir determinado comportamento de outrem, como meio de
satisfação de um interesse próprio ou alheio. O titular deste direito subjetivo
não é, assim, apenas um vigilante interessado do comportamento prescrito;
é o árbitro ou o juiz da vantagem do funcionamento, em cada caso concreto,
da tutela jurídica do dever, mesmo quando dela não possa dispor livremente
(direitos indisponíveis).46

45 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 52. Grifo do autor.


46 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 52-53. Grifo do autor.
24

Tais direitos subjetivos concretizam-se, conforme visto, através de prestações.


Estas, por sua vez, a depender da quantidade de interações que constituem o vínculo
obrigacional, dividem-se em relações obrigacionais simples ou relações obrigacionais
complexas.47

Propriamente aos tipos, denominam-se relações simples àquelas nas quais os


partícipes do vínculo possuem correspondência de encargos: ao direito do credor
corresponde a prestação do devedor, consistindo, portanto, em relação de caráter
personalista e patrimonial.48 Apesar de fundamentalmente simplificado, este conceito
“não se trata, obviamente, de uma noção equivocada. Indiscutivelmente há, em toda
a relação obrigacional, a criação de um vínculo jurídico ligando credor e devedor e há,
igualmente, o nascimento de direitos subjetivos de crédito e de deveres jurídicos.”49
Deste modo, resume-se a relação simples pela análise de seus componentes
externos: partes, obrigações e vínculo. Em síntese, para Martins-Costa:

A relação simples é visualizada por seus elementos estruturantes principais,


o crédito e o débito, contrapondo-se ao dever de prestar, por parte do
devedor, o direito a exigir a prestação, por parte do credor. Aí está a estrutura
básica da relação, ligando os seus dois polos subjetivos, o credor e o devedor.
Salienta-se, aí, o seu aspecto externo, qual seja: o definido pelos seus
elementos, os sujeitos, o objeto e o vínculo de sujeição que liga – assujeita –
o devedor ao credor, o crédito e a dívida.50

Logo, por consequência, as relações simples desconsideram aspectos outros


que não os elencados, tais como a aderência do negócio jurídico à uma função social,
ao princípio da boa-fé e de seus deveres conexos.

47 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 64: “A prestação que constitui objeto da obrigação
consiste [n]as mais das vezes numa ação, numa atividade, numa conduta de sinal positivo (entregar
uma quantia – comprador, inquilino; restituir uma coisa – mutuário, comodatário; prestar uma
informação – consultor técnico ou jurídico; representar alguém num processo – mandatário judicial;
pintar um quatro; realizar uma obra – empreiteiro). Mas pode também traduzir-se numa abstenção,
numa omissão ou, como diziam os romanos, num non facere [não fazer] (não exercer certo ramo de
atividade em determinada localidade, para não fazer concorrência a outrem; não comprar certo
produto senão a determinada empresa ou não vender certa mercadoria, dentro de determinada área,
senão a um revendedor – contratos de exclusivo; não revelar certo segredo de fabrico; não se opor
a que outrem cace na sua coutada; etc.). Por isso, em lugar de se dizer que a prestação consiste
numa ação ou em certa atividade do devedor, é mais correto afirmar que a prestação se traduz em
certo comportamento ou conduta do obrigado”. Grifo do autor.
48 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São

Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 140: “Construído doutrinariamente, o conceito de relação


obrigacional não é um conceito neutro ou dotado do atributo da imutabilidade. É modelado pela
História e, por isso, variante, uma vez inexistirem no direito verdades imutáveis, por não ser uma
ciência de certezas matemáticas, mas de adequações normativas”
49 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 140.
50 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 141.
25

Assim, a partir dos elementos presentes na análise externa, percebe-se que a


relação obrigacional retrata basicamente uma operação econômica que, ao fim,
pretende resultar em trocas idênticas de direitos e deveres entre credor e devedor,
sem a incidência de quaisquer outras incumbências, além da prestação principal.
Entretanto, a análise externa mostra-se incapaz de descrever a totalidade das
dinâmicas obrigacionais sob o prisma dos paradigmas do direito civil hodierno por
desconsiderar, além do crédito e do débito, os componentes sociais que também
integram a estrutura do vínculo obrigacional.
Deste modo, e em consonância às perspectivas de direito privado comosistema
em construção, da noção de abertura do sistema privado por princípios e cláusulas
gerais, aliado à lógica de obrigação como processo, tem-se por essencial que seja
considerada, para a composição do vínculo obrigacional, além dos elementosinternos,
os quesitos externos como itens naturalmente integrantes das obrigações. Nesta
perspectiva, segue a autora:

[...] a classificação externa da relação obrigacional é insuficiente porque nada


diz sobre a estrutura dos múltiplos deveres, estados, ‘situações’ e poderes
que decorrem do vínculo, o que se denomina de aspecto interno, vale dizer,
o que se volta ao exame do complexo dinâmico de deveres, poderes, ônus e
faculdades estabelecidos pela lei, pelas partes, ou decorrentes da conduta
concreta das partes no dinâmico processo de desenvolvimento da relação
obrigacional. Na análise externa, estes deveres se encontram como que
‘soltos’ no vínculo, atomizados, sem que se possa perceber a existência de
uma gradação entre eles.51

Deste modo, em um sistema balizado pela socialidade, aliado aos elementos


externos, tem-se por imperativo que considerar os elementos internos, resultando nas
qualificadas relações complexas, ou seja, nas múltiplas manifestações desvinculadas
do objeto principal, mas que permeiam o complexo obrigacional.
Assim, com a integralidade dos elementos da obrigação sendo ponderados à
composição do vínculo, consegue-se exprimir de melhor forma o espírito trazido pelo
ordenamento jurídico.
Por fim, complementarmente, reconhece-se a existência do processo complexo
mesmo nas denominadas relações simples, o que demonstra a insuficiência deste
conceito:

51 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 141.


26

Note-se, porém, que a doutrina moderna das obrigações tem salientado, com
razão, a complexidade das próprias obrigações unas ou simples. A
complexidade assim entendida reflete-se no vínculo obrigacional em geral e
traduz-se na série de deveres, secundários e de deveres acessórios de
conduta que gravitam as mais das vezes em torno do dever principal e até do
direito à prestação (principal).52

Ante o exposto, convém afirmar que a divisão doutrinária não trata-se de mera
clareza lexical ou preciosismo gramatical. Sua importância resta no fato de que, uma
vez reconhecida a complexidade das relações obrigacionais, tem-se reconhecida a
possibilidade de transcendência de deveres que permanecem após a prestação final
do objeto que vincula as partes.
No âmbito do sistema privado brasileiro, tal complexidade encontra-se presente
em decorrência da lógica permissiva dos princípios e das cláusulas gerais, resultando
na revelação destes deveres na seara do direito contratual e, propriamente, durante a
fase pós-contratual. Desta forma, aprecia Antunes Varela:

Ao lado destes deveres principais, primários ou típicos, podem surgir, porém,


na vida da relação obrigacional, outros a que, por contraste, podemos chamar
de deveres secundários (ou acidentais) de prestação. Dentro desta categoria
cabem não só os deveres acessórios da prestação principal (destinados a
preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação),
mas principalmente os deveres relativos às prestações substitutivas ou
complementares da prestação principal (o dever de indenizar os danos
moratórios ou o prejuízo resultante do cumprimento defeituoso da obrigação)
e ainda os deveres compreendidos nas operações de liquidação [...] das
relações obrigacionais duradouras.53

Assim, tais deveres paralelos não consistem, necessariamente, em ações que


servem à prestação principal, mas que orbitam ao seu redor, e, ao mesmo tempo, “são
essenciais ao correto processamento da relação obrigacional em que a prestação se
integra”54.
Estes compromissos paralelos funcionam de modo a perfectibilizar a prestação
do objeto negociado entre os contraentes, o que, na execução do escopo contratual,
representa a fidelidade das partes ao princípio da boa-fé e nas demais prescrições de
natureza legal, doutrinária e jurisprudencial que complementem o referido princípio e
modelam o ordenamento jurídico.55

52 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 68. Grifo do autor.


53 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 122. Grifo do autor.
54 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 123. Grifo do autor.
55 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 125-126. Grifo do autor.
27

Depreende-se este entendimento, por exemplo, na redação trazida pelo art.


17056, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), quando
expressa os princípios fundantes da ordem econômica, invariavelmente voltados à
observância de um agir solidário quando do exercício destas atividades econômicas.
Em matéria civil, tal previsão encontra-se no texto do art. 42257, do CC, quando
submete a atuação dos contraentes às noções genéricas de probidade e de boa-fé, a
serem moldadas conforme os aspectos do caso concreto. Nesta lógica, tem-se que o
indivíduo prejudicado por um descumprimento contratual, mesmo que oriundo dos
deveres anexos, poderá proceder à resolução do pacto e, ainda, à pleito indenizatório,
conforme redação do art. 47558, do CC.
Consideração suplementar encontra-se em âmbito doutrinário, reconhecendo
que a inobservância dos deveres secundários configura inadimplemento civil e, em
especial, a existência perene destes quando terminado o negócio jurídico, conforme
entendimentos consolidados pelo Conselho da Justiça Federal (CJF).59 Sobre o tema,
exemplificativamente, o Enunciado n. 21, da I Jornada de Direito Civil, traz exemplo
de aplicação da norma ao expor que:

A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do
contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.60

56 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5


de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional nº 108/2020. Brasília, DF: Senado
Federal, 2020. p. 97: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III –
função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais
e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo
único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente
de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
57 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 79: “Art.

422. Os contratantes são obrigados a guardas, assim como na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios da probidade e boa-fé”.
58 BRASIL. Op. cit., p. 82: “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do

contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por
perdas e danos”.
59 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados.

Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior (coord. cient.). Brasília, DF: Centro de Estudos Judiciários, 2012.
135 p.
60 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.
28

De modo semelhante, o Enunciado n. 22, da I Jornada de Direito Civil, reitera


o uso da função social do contrato como instrumento de justiça entre os contraentes:
“a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas
úteis e justas”61.
Tratando da perspectiva limitadora imputada pela socialidade do ordenamento
jurídico, o Enunciado n. 23, da I Jornada de Direito Civil, reafirma a necessidade de
ponderação entre o princípio da autonomia privada e demais interesses fundamentais
do indivíduo, reconhecendo que:

a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.62

Explicitando a incidência de responsabilidade pelo descumprimento de deveres


paralelos, o Enunciado n. 24, da I Jornada de Direito Civil, prevê que “em virtude do
princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres
anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”63.
Complementarmente, o Enunciado n. 25, da I Jornada de Direito Civil, confirma
a aplicação do preceito da boa-fé na fase contratual propriamente dita, assim como
na pós-contratualidade: “o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo
julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual”64.
Entendimento similar acerca da exigibilidade da boa-fé no pós-contrato repete-
se no Enunciado n. 170, da III Jornada de Direito Civil: “a boa-fé objetiva deve ser
observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do
contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”65.
A primazia do princípio da boa-fé no sistema privado mostra-se tão marcante a
ponto de a doutrina reconhecer nele funções capazes de promover a interpretação,
revisão e complementação dos termos contratuais, mesmo em âmbito processual, a
fim de que estes sejam coerentes ao princípio, nos termos do Enunciado n. 26, da I
Jornada de Direito Civil:

61 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.


62 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.
63 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.
64 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.
65 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 38.
29

a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz
interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-
fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos
contratantes.66

Finalmente, retoma-se a noção de que o ordenamento jurídico privado consiste


em verdadeiro sistema aberto e, por isso, permite a consideração de fatores externos,
conforme resumido no Enunciado n. 27, da I Jornada de Direito Civil: “na interpretação
da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as
conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos”67.
De maneira geral, evidencia-se a atuação do princípio da boa-fé como cláusula
geral às pactuações civis, agindo, seja em âmbito material ou processual, como fator
de interpretação do negócio jurídico, impondo limitações a direitos e tornando-os, por
força hermenêutica, coerentes ao espírito da legislação privada, conforme previsão
trazida pelo referido art. 113, do CC.
Ante a lista exemplificativa de entendimentos doutrinários que correlacionam o
princípio da boa-fé à manutenção e à modulação de seus efeitos em diferentes
momentos da contratualidade, e previamente introduzidos os conceitos essenciais e
os elementos fundantes das obrigações, assim como tipificações legislativas e
apontamentos doutrinárias sobre a teoria geral das obrigações, retoma-se o tema dos
componentes do processo obrigacional: débito e responsabilidade. Acerca destes,
especificam Farias e Rosenvald que:

O débito traduz a prestação a ser espontaneamente cumprida pelo devedor,


em decorrência da relação de direito material originária. Seria o bem da vida
solicitado pelo credor, consistente em um comportamento traduzido por um
dar, fazer ou não fazer. Em suma, cuida-se do direito subjetivo do credor à
prestação, como um poder jurídico de satisfação de seu interesse. O
cumprimento exato da prestação extingue em regra o direito à prestação.
Não obstante a existência de um direito à prestação, o credor não dispõe ainda
dopoder de exigir o cumprimento, mas, apenas, de uma simples expectativa
deadimplemento por parte do devedor. Sendo certo que o devedor possui o
dever específico de prestar, a fim de satisfazer o direito subjetivo alheio, o
inadimplemento da obrigação gera a responsabilidade do devedor. A
responsabilidade patrimonial, por seu turno, é a sujeição que recai sobre o
patrimônio do devedor como garantia do direito do credor, derivada do
inadimplemento do débito originário. Por intermédio de agressão aos bens do
devedor, será concretizada a pretensão do credor, quando houver lesão a
seu direito material.68

66 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.


67 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.
68 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 17. Grifo dos autores.
30

Tal ligame entre as partes trata-se do mais relevante elemento que compõe a
relação obrigacional, imputando ao encargo patrimonial dupla função: de garantidor,
em caso de inadimplemento, e, ao mesmo passo, de coercibilidade, visto intimidar o
devedor ao fiel cumprimento obrigacional.69 Em síntese, retoma Antunes Varela:

Este vínculo, constituído pelo enlace dos poderes conferidos ao credor com
os correlativos deveres impostos ao titular passivo da relação, forma o núcleo
central da obrigação, o elemento substancial da economia da relação. Atenta
a facilidade com que mudam os sujeitos da obrigação e ponderadas as
transformações que sofre e a cada passo a própria prestação debitória, o
vínculo estabelecido entre o devedor e o credor constitui o elemento
verdadeiramente irredutível da relação. Nele reside o cerne do direito de
crédito.70

Deste modo, dentre os componentes que formam o liame entre aqueles que se
vinculam e, embora caracteristicamente convergente no que concerne aos elementos
e aos conceitos dos componentes do vínculo obrigacional, a doutrina historicamente
divergiu em relação a maneira com a qual os itens do vínculo se relacionam.71
Os contratos passaram a ser considerados, de vínculos absolutamente
interpessoais entre credores e devedores, afastados quase que por completo de uma
tutela estatal, para vínculos fundados na socialidade. Desta noção, diz Martins-Costa:

Dessas ideias restou, a final, ao menos assentado o discernimento, na


relação obrigacional, entre dois momentos: o marcado pelo dever de prestar,
imposto ao devedor, e o assinalado pelo correlativo direito à prestação,
atribuído ao credor, isto é, o seu chamado ‘poder de agressão’ sobre o
patrimônio do devedor, no caso de inadimplemento, e a consequente garantia
que aquele representa.72

Assim, ante o exposto, passa-se a tratar os modos pelos quais historicamente


entendeu-se a correlação entre os elementos que compõe o vínculo obrigacional.

69 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 17.


70 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 109. Grifo do autor.
71 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 132. O escopo deste trabalho não comporta

digressões sobre a origem histórica das obrigações, razão pela qual limitou-se a referenciar as
doutrinas clássicas e suas formas de analisar os elementos do vínculo jurídico (débito e
responsabilidade). Sobre o tema da origem e desenvolvimento histórico da obrigação, cf.: ANTUNES
VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 132-156; e MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito
privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 138-145: “A
construção jurisprudencial sobre a complexidade da relação obrigacional não se deveu ao acaso. A
concepção atomística da relação obrigacional mostrara a sua insuficiência especialmente no
tratamento dos demais deveres nascidos da relação, ou situados ao lado dos interesses de
prestação, bem como na regulação das obrigações duradouras e dos contratos lacunosos.”
(MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 142).
72 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 144. Grifo da autora.
31

2.1.2. Teoria unitária das obrigações

Desenvolvida pela doutrina alemã de Friedrich Carl von Savigny, tendo como
fundamento a análise histórica do desenvolvimento do Direito Romano, a teoria
unitária das obrigações reconhece, ante a decomposição da obrigação em seus
elementos subjetivo, objetivo e imaterial, que os elementos do vínculo, formados, por
sua vez, pelos componentes débito e responsabilidade, encontram-se absolutamente
associados, materializando-se “como um poder do credor sobre a pessoa do
devedor”73 ou “como um poder do credor sobre os bens ou o patrimônio do devedor”74
ou, ainda, “como uma relação, não entre pessoas, mas entre dois patrimônios”75,
considerando, deste modo, que a obrigação trata-se de união entre o direito do crédito
e o dever do débito, formando, portanto, uma relação jurídica singular.
Revela-se, assim, o caráter personalista do vínculo, resultando em uma espécie
de submissão do devedor ao credor, estando as prestações entre as partes no centro
gravitacional da relação jurídica. Entende-se, portanto, que a obrigação trata-se de:

[...] uma forma especial de propriedade do credor, não sobre toda a pessoa
do devedor [...], mas sobre um dos seus atos. Através do vínculo criado entre
os sujeitos da relação, [...] o ato devido transita da esfera da liberdade do
devedor para o domínio (real) da vontade do credor.76

Assim, o direito de exigir encontra-se inserido no dever de prestar, compondo,


ambos, ao mesmo tempo, elemento unitário do vínculo jurídico. Nesta perspectiva, a
responsabilidade depende do débito, não havendo que se diferenciar tais elementos
para a análise da relação jurídica, mas considerá-los como manifestação una. Martins-
Costa, contemporizando sobre o tema, assenta que:

Para as doutrinas pessoalistas, a obrigação é um direito a uma atividade


humana, alicerçado em uma estrutura unitária, é dizer: a obrigação resulta de
uma ligação entre pessoas ou sujeitos jurídicos constituindo uma relação
entre dever e pretensão e uma relação entre duas vontades. Essa importaria
uma restrição à liberdade do sujeito que ocupasse a posição de devedor: pelo
vínculo obrigacional o credor adquiriria o domínio sobre parcela da liberdade
do devedor. A obrigação é, nesse imaginário jurídico, o domínio da vontade
do devedor pela vontade do credor.77

73 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 132.


74 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 132-133.
75 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 133.
76 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 133-134. Grifo do autor.
77 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 143. Grifo da autora.
32

Tem-se certa a proximidade entre a proposta unitária da obrigação com a leitura


da obrigação como relação simples. Conforme previamente apresentado, a noção de
relação simples demonstra-se insuficiente à necessária interpretação social do direito
privado. De mesmo modo, e pelos mesmos motivos, a teoria unitária parece carecer
de complementação, embora seu conceito não esteja integralmente equivocado, visto
que, de fato, o credor possui uma pretensão ante o devedor – mas não à sua pessoa,
e sim ao seu patrimônio e, ainda assim, de maneira limitada. Complementarmente,
sobre o desenvolvimento histórico dos vínculos obrigacionais, de acordo com a autora:

[...] seguiram, por antítese às doutrinas pessoalistas, as concepções realistas, em


suas várias tonalidades, o que suscitou uma objetivação da noção de
obrigação para entender que ‘o credor tem um direito não a uma conduta
meramente pessoal do devedor, mas antes a um bem, isto é, a um quid [quê]
econômico apto a satisfazer necessidades’. Como exacerbação desta ideia,
surge a definição da obrigação como uma ‘relação entre patrimônios’, e não
mais como relação intersubjetiva [...].78

Embora desprendido do caráter estritamente pessoal, o conceito de obrigação


enquanto liame puramente patrimonial afigura-se inepto ao não conseguir exprimir o
espírito trazido pelo ordenamento, promotor da dignificação do indivíduo. Deste modo:

Converter os patrimônios em sujeitos da relação, e os seus titulares em meros


representantes dos bens, [...] é não só desvirtuar o sentido da obrigação,
como subverter a função do Estado e do direito positivo em face da pessoa
humana. São os bens oferecidos pela natureza ou criados pelo trabalho do
homem que constituem o instrumento jurídico posto ao serviço da
conservação ou frutificação dos bens, como meros representantes deles.79

Ante o exposto, a leitura reducionista de todo o complexo obrigacional como a


mera sujeição de uma pessoa a outra pessoa, ou de um patrimônio a outro patrimônio,
resta-se insuficiente, de modo que débito e responsabilidade, em face da essência do
ordenamento jurídico, não podem ser considerados como termos equivalentes, nem
como ações intrinsicamente correspondentes ou mesmo dependentes.
Este entendimento demonstra-se superado quando da análise das obrigações
naturais, contraparte das obrigações civis, quando mesmo que exista dívida, não será
possível atribuir a ela qualquer dever jurídico, ou seja, a existência de um cenário em
que há débito sem uma correspondente responsabilidade.

78 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 143. Grifo da autora.


79 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 143.
33

Neste sentido, destaca Antunes Varela:

O regime jurídico das obrigações não é uniforme. Há, no concernente a cada


um dos elementos estruturais da relação obrigacional, diferenças acentuadas
de disciplina, que levam os autores a distinguir vários tipos ou modalidades
de obrigações, quer quanto ao sujeito, quer quanto ao objeto, quer quanto ao
próprio vínculo. No que toca ao vínculo, a distinção faz-se tradicionalmente
entre as obrigações civis e as chamadas obrigações naturais.80

Nestas, em eventual inadimplemento, o credor não terá à disposição nenhum


meio sancionatório a ser utilizado ao cumprimento, ainda que forçado, da obrigação.
Entretanto, as contingências em que o devedor estará desincumbido de prestação são
restritas:

São os casos de caráter absolutamente excepcional, em que, se o devedor


não cumpre, o credor não pode exigir judicialmente o cumprimento. Dir-se-ia
que, sendo assim, é sinal de que não existe obrigação. Porém, se o devedor
cumprir espontaneamente, a obrigação não pode ser repetida. E a retenção
da prestação, a título de pagamento, parece ser o sinal certo da existência
prévia de um vínculo de caráter obrigacional.81

Exemplo destes casos encontra-se presente na redação trazida pelo art. 82282,
do CC, ao atestar a impossibilidade de o devedor exigir a devolução de valores pagos
para solver dívida prescrita ou do cumprimento de dever impossível de ser executado
judicialmente. Deste modo, sucintamente:

Ainda sobre o elemento imaterial obrigacional, deve-se compreender que


está superada a teoria monista ou unitária da obrigação, pela qual essa seria
consubstanciada por um único elemento: o vínculo jurídico que une a
prestação e os elementos subjetivos. Prevalece atualmente na doutrina
contemporânea a teoria dualista ou binária, de origem alemã, pela qual a
obrigação é concebida por uma relação de débito/crédito.83

Assim, embora conceitualmente adequada, a teoria unitária das obrigações não


atende as expectativas sociais emanadas pela legislação civil-constitucional, sendo,
portanto, incapaz de expressar a amplitude do complexo obrigacional. Complementar
ao tema, passa-se à sua exposição.

80 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 719. Grifo do autor.


81 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 720. Grifo do autor.
82 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 112: “Art.

882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação
judicialmente inexigível”.
83 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:

Método, 2020. p. 517. Grifo do autor.


34

2.1.3 Teoria dualista das obrigações

Desenvolvida pela doutrina alemã de Alois Ritter von Brinz, igualmente tendo
como fundamento a análise histórica do desenvolvimento do Direito Romano, a teoria
dualista das obrigações reconhece, ante a decomposição da obrigação em seus
elementos subjetivo, objetivo e imaterial, que os elementos do vínculo, formado, por
sua vez, pelos componentes débito e responsabilidade, encontram-se plenamente
desassociados, tratando-se, portanto, de fenômenos distintos no âmbito do processo
obrigacional:

Bastante mais consistente, na forma como procura retratar a estrutura da


relação creditória, é a doutrina que decompõe a obrigação em dois elementos
distintos: o débito (Schuld; debitum) e a responsabilidade (Haftung; obligatio).
O primeiro consiste no dever de prestar, na necessidade de observar
determinado comportamento; o segundo, na sujeição dos bens do devedor
ou do terceiro aos fins próprios da execução, ou melhor, na relação de
sujeição que pode ter por objeto, tanto a pessoa do devedor [...], como uma
coisa ou um complexo de coisas do devedor ou do terceiro.84

Deste modo, os elementos existem de maneira autônoma, acumulando feições


pessoal, em relação à dívida, e patrimonial, em relação à responsabilidade, de modo
que o débito projeta-se como espécie de culpa, e a responsabilidade, como garantia,
atrelada à possibilidade do ingresso judicial na esfera privada do devedor que deixa
de cumprir a obrigação que contraiu.
Tal possibilidade apresenta-se tipificada, por exemplo, no art. 39185, do CC, ao
trazer que, quando do inadimplemento, a totalidade dos bens do devedor dispõem-se
ao pagamento do débito; em mesmo sentido, mas em norma processual, encontra-se
regulado no art. 78986, do Código de Processo Civil (CPC) (Lei n. 13.105, de 16 de
março de 2015), ao congregar a totalidade patrimonial possível dos bens do devedor
inadimplente ao cumprimento da obrigação.

84 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 143-144. Grifo do autor. O autor faz referência aos
termos no vernáculo original, em latim (debitum e obligatio), assim como na língua de origem do
doutrinador, em alemão (schuld e haftung). Tais expressões, mais do que literalidades, exprimem
conceitos do direito obrigacional, sendo utilizadas pelas doutrinas nacionais e estrangeiras, de modo
que faremos uso de tais vocábulos no decorrer do presente trabalho com o objetivo de exprimir seus
respectivos significados. Por todos, cf.: ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 143-157.
85 BRASIL. Op. cit. p. 76: “Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do

devedor”.
86 BRASIL. Código de Processo Civil e normas correlatas. 13. ed. Brasília, DF: Senado Federal,

2020. p. 134. “Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o
cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
35

Ainda referente a lei civil, rememora-se o art. 475, do CC, ao tratar de cláusula
contratual resolutiva, que imputa ao devedor inadimplente uma responsabilidade
pessoal, ao obrigá-lo a cumprir com o pactuado, assim como uma responsabilidade
patrimonial, ao aludir a reparação por perdas e danos, mesmo preferindo a resolução.
Neste sentido, visível a aproximação deste entendimento à noção de obrigação
como um processo, composta por variados direitos e deveres entre as partes. Assim,
tem-se clara a adesão do ordenamento jurídico pátrio à teoria dualista das obrigações.
Reforça-se esta proposta ao retomar o tema das obrigações naturais, em que
há débito, mas a ele não corresponde qualquer responsabilidade jurídica. Nestas,
poderão constar os seguintes cenários: existência de dívida sem responsabilidade;
presença de dívida sem responsabilidade própria; e responsabilidade sem dívida
atual.87
O primeiro cenário, quando há schuld sem haftung, referem-se as já trazidas
obrigações naturais, em que não existe capacidade sancionatória em caso de não
cumprimento. Sobre estas, seu eventual adimplemento, pelo devedor, não residiria no
campo do direito, mas em sua consciência que, reconhecendo a existência de débito,
o extingue motivado por um dever íntimo, de natureza moral.
Exemplos desta hipótese consistem nas dívidas que se originaram em jogo ou
aposta, sendo ambos impossíveis de exigência, conforme expressão do art. 81488, do
CC, assim como nas dívidas vencidas, igualmente incapazes de proporcionar ao
credor a possibilidade de o devedor proceder ao seu adimplemento.
Assim, diz Antunes Varela, “é necessário que exista, como fundamento da
prestação, um dever moral ou social específico entre pessoas determinadas, cujo
cumprimento seja imposto por uma reta composição de interesses”89, decorrente da
inexistência de coercibilidade.

87 SERPA LOPES apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 20.
88 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 107: “Art.
814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia,
que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. §
1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento,
novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de
boa-fé. § 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido,
só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos. § 3º Excetuam-se, igualmente, os
prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual
ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares”.
89 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 724: “A dívida extingue-se como vínculo jurídico,

uma vez decorrido o prazo prescricional e invocada pelo devedor a prescrição” (Op. cit., p. 725). Grifo
do autor.
36

Nestes casos, as dívidas continuam a existir materialmente, mas sua exigência


restou-se prejudicada pelo decurso temporal, em obediência aos prazos prescricionais
trazidos no art. 18990, do CC. Farias e Rosenvald explicam que a prescrição:

[...] não atinge o direito de ação e nem mesmo o próprio direito subjetivo do
credor. Em verdade, acarreta o nascimento de um contradireito em prol do
devedor, consistente na possibilidade de alegação de exceção substancial de
prescrição. [...] Basta observar que o credor, mesmo após a prescrição, ainda
poderá obter a prestação jurisdicional do Estado (direito subjetivo público de
ação), assim como não será compelido a restituir o pagamento
voluntariamente efetuado pelo devedor após a prescrição, pois em nenhum
momento faleceu o seu direito subjetivo patrimonial.91

Assim, secundariamente, em sede processual, a prescrição atua de modo que,


embora subsista o direito material de crédito, ao credor inerte restará suportar a dívida
impossível de execução extrajudicial ou judicialmente.

90 BRASIL. Op. cit., p. 62: “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Complementarmente: “Art.
205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor” (Op. cit., p.
63); e “Art. 206. Prescreve: § 1º Em um ano: I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de
víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou
dos alimentos; II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado
o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado
para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este
indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador
da pretensão; III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e
peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; IV – a pretensão contra os peritos,
pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado
da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo; V – a pretensão dos credores não pagos
contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de
encerramento da liquidação da sociedade. § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações
alimentares, a partir da data em que se vencerem. § 3º Em três anos: I – a pretensão relativa a
aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas
temporárias ou vitalícias; III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações
acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; IV – a
pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; V – a pretensão de reparação civil; VI –
a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data
em que foi deliberada a distribuição; VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por
violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos
constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos
sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou
assembleia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembleia
semestral posterior à violação; VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a
contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial; IX – a pretensão do beneficiário
contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil
obrigatório. § 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das
contas. § 5º Em cinco anos: I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de
instrumento público ou particular; II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores
judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços,
da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III – a pretensão do vencedor para haver do
vencido o que despendeu em juízo” (Op. cit., p. 63-64).
91 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 21.
37

O segundo cenário, quando há presença de schuld sem haftung próprio, trata-


se de um tipo de responsabilidade que se origina por vontade das partes, através da
celebração de um negócio jurídico, ou decorrente de expressa previsão legal, quando
o código assim regulamentar.
Exemplificam-se nas garantias fidejussórias de aval e fiança, em que terceiro
alheio ao negócio jurídico assegura eventual estado de inadimplência do devedor,
avocando para si o dever de pagar, entregar, ou fazer, conforme o objeto avençado.
A fiança garante ao credor da obrigação direito de ingressar, se necessário, no
patrimônio de quem originalmente não contraiu a obrigação principal, mas prontificou-
se à sua responsabilidade, conforme redação do art. 81892, do CC. Assim, ao devedor
existe, desde a celebração do negócio jurídico, schuld e haftung, cabendo ao fiador
uma responsabilidade subsidiária, em que não há débito, mas há responsabilidade.
O aval, por sua vez, trata-se de garantia solidária entre o devedor e o garantidor
que atraiu a dívida para si e para seu patrimônio, comprometendo-se através de uma
responsabilidade perante débito contraído por outrem, aos moldes do art. 899 93, do
CC. De mesmo modo, ao avalista, há schuld, mas não há haftung, visto não ser ele o
devedor original.
Conforme supracitado, além de ato pessoal em que um indivíduo obriga-se por
dívida alheia, a responsabilidade também poderá originar-se por mandamento da lei.
Tal garantia originará a responsabilidade civil contratual, eis que vinda de um negócio
jurídico contratualizado, a exemplo de uma prestação de serviços ou da transação de
bens em uma compra e venda.
Suplementarmente, a referida responsabilidade civil nascida do contrato será
capaz de produzir efeitos posteriores a sua conclusão, obrigando quaisquer das partes
a certas condutas legalmente previstas, resultando, portanto, na responsabilidade civil
pós-contratual de origem legal.94

92 BRASIL. Op. cit., p. 108: “Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor
uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.
93 BRASIL. Op. cit., p. 113: “Art. 899. O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de

indicação, ao emitente ou devedor final. § 1º Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra
o seu avalizado e demais coobrigados anteriores. § 2º Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda
que nula a obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de
forma”
94 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 519-520: “Na rubrica da responsabilidade civil cabe

tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos


contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da
violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a
outrem (responsabilidade extracontratual)”. Grifo do autor.
38

Esta garantia legal, obrigatória e inafastável, encontra-se tipicamente presente


em relações consumeristas, a exemplo do disposto no art. 2695, do Código de Defesa
do Consumidor (CDC) (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990), ao trazer prazo
específico para a reclamação de quem se deparar com vícios visíveis ou invisíveis em
produtos adquiridos nas relações tuteladas pelo referido microssistema jurídico.
Nota-se, entretanto, que tal responsabilidade civil pós-contratual decorrerá de
violação expressa de dispositivo legal, que diferencia-se da responsabilidade civil pós-
contratual originada pela inobservância do primado da boa-fé objetiva e seus deveres
anexos.96
Por fim, o terceiro cenário, quando há haftung sem schuld atual, demonstra-se
nos casos em que garantias reais são oferecidas pelo devedor ao justo cumprimento
do negócio jurídico, a fim de que o credor detenha, em sua posse ou não, bem do
devedor à sua disposição para dele alienar, em caso de inadimplemento, em troca da
satisfação parcial ou total de seu crédito.
Espécies desta responsabilidade sem dívida corrente encontram-se dispostas
no texto do art. 1.22597, do CC, a exemplo de penhor, cujo bem empenhado vincula-
se ao cumprimento da obrigação, de acordo com o enunciado do art. 1.419 98, do CC,
se observados os requisitos legais de indicação valorativa da coisa, o prazo ajustado
para o saldo do débito e a eventual estipulação de taxa de juros, em conformidade à
previsão do art. 1.42499, do CC.

95 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor e normas correlatas. 4. ed. Brasília, DF: Senado
Federal, 2020, p. 20-21: “Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação
caduca em: I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis; II –
noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis. § 1º Inicia-se a
contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução
dos serviços. § 2º Obstam a decadência: I – a reclamação comprovadamente formulada pelo
consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente,
que deve ser transmitida de forma inequívoca; [...]; III – a instauração de inquérito civil, até seu
encerramento. § 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que
ficar evidenciado o defeito”.
96 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 521-522.
97 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 145: “Art.

1.225. São direitos reais: I – a propriedade; II – a superfície; III – as servidões; IV – o usufruto; V – o


uso; VI – a habitação; VII – o direito do promitente comprador do imóvel; VIII – o penhor; IX – a
hipoteca; X – a anticrese; XI – a concessão de uso especial para fins de moradia; XII – a concessão
de direito real de uso; e XIII – a laje”.
98 BRASIL. Op. cit., p. 170: “Art. 1.419. Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem

dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação”.


99 BRASIL. Op. cit., p. 171: “Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob

pena de não terem eficácia: I – o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; II – o prazo fixado
para pagamento; III – a taxa dos juros, se houver; IV – o bem dado em garantia com as suas
especificações”.
39

Assim, competirá ao devedor pignoratício a responsabilidade pela execução da


prestação a qual esteja vinculado o bem dado em garantia, assim como os deveres
de transferência, guarda ou conserva, conforme o art. 1431100, do CC, não havendo,
entretanto, a presença efetiva de débito na relação de penhor enquanto mantenha-se
adimplente. Deste modo, a dívida somente estará manifestada em caso de o devedor
descumprir os termos do negócio que ensejou a relação, de maneira que a relação, a
princípio, reconheça a presença de responsabilidade e a ausência de débito.
Em suma, reitera-se, ante os exemplos ora exibidos, a aderência da legislação
privada brasileira à teoria dualista das obrigações, reconhecendo a exteriorização dos
elementos débito e responsabilidade de modo distintos e, por isto, passíveis de gerar
deveres que superam a prestação principal, estendendo-se pelas fases do vínculo e
gerando efeitos mesmo após o seu término.

100 BRASIL. Op. cit., p. 171: “Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que,
em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma
coisa móvel, suscetível de alienação. Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de
veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e
conservar”.
40

2.2. FONTES OBRIGACIONAIS

Apresentados os conceitos e elementos, assim como apreciações doutrinárias


acerca do vínculo obrigacional, complementa-se a temática tratando das fontes da
obrigação, ou seja, os fatos que, juridicamente relevantes, estabelecem o liame entre
os indivíduos.101
Retomando-se a noção de obrigação como processo, a qual, segundo Couto e
Silva, intenciona “salientar os aspectos dinâmicos que o conceito de dever revela,
examinando-se a relação obrigacional como algo que se encadeia e se desdobra em
direção ao seu adimplemento, à satisfação dos interesses do credor”102, deve-se notar
que “o ‘processo’ da obrigação liga-se diretamente com as fontes (como nascem os
deveres) e com o desenvolvimento do vínculo”103.
Assim, ante um ordenamento jurídico aberto, entende-se que podem ser fontes
quaisquer fatos da vida que imputem a certa pessoa um determinado dever de prestar
algo a outrem, tendo como fundamento uma pactuação formal, como um contrato, ou
ter origem legal, através de ordem expressa na legislação civil, ou decorrente de um
delito de natureza civil, resultando no dever de indenizar.
Também, de maneira subjetiva, podem despontar obrigações em decorrência
de violação principiológica, especialmente em uma codificação marcada pelo princípio
da boa-fé, mas também de interesses que originam-se além do campo do direito.104
O Código Civil (CC) pátrio prevê que a obrigação poderá ter três origens: os
contratos, os negócios unilaterais e o ato ilícito, nos termos dos supracitados art. 104
e art. 186, do CC. Além destes, doutrinariamente, reconhece-se também a vontade
humana, a lei e os princípios jurídicos como fatos geradores de obrigações, a seguir
mencionados.

101 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 203: “Diz-se fonte da obrigação o fato jurídico de
onde nasce o vínculo obrigacional. Trata-se da realidade sub specie iuris [sob a visão do direito] que
dá vida à relação creditória: o contrato [...], o negócio jurídico unilateral [...], o fato ilícito ou lícito
donde nasce a obrigação”.
102 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., 17: “O adimplemento atrai e polariza a obrigação. É

o seu fim. O tratamento teleológico permeia toda a obra, e lhe dá unidade. [...] Como totalidade, a
relação obrigacional é um sistema de processos”.
103 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 64.
104 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 65: “Sobre o aspecto lógico-jurídico, o exame das

fontes tem sido considerado problema atinente ao âmbito da teoria geral do direito. Via de regra, as
monografias a respeito do direito das obrigações versam a matéria somente de modo analítico, mas,
atualmente, é necessário estabelecer ligação entre os princípios gerais que regem as fontes e o
exame de suas espécies, de modo conjunto, pois há mútua relação”.
41

Ante o exposto, cumpre atentar-se que a classificação das fontes sistematiza-


se através de diferentes acepções doutrinárias quanto a sua divisão.105
Assim, em que pese o debate doutrinário quanto as manifestações do que
pode-se considerar como fonte obrigacional, principia-se do ponto de contato comum
a toda obrigação, a lei, mandamento expresso que organiza e concede previsibilidade
à organização dos atos privados, passando ao ato ilícito, a violação do pactuado que
frustra e impede a justa execução do acordo, e o contrato, principal instrumento de
modificação da realidade econômica e social.
A relevância da lei quanto ao tema ora proposto tem-se patente: considerando
que dos contratos discorrerá uma responsabilidade pós-contratual, esta somente será
considerada caso a formação do instrumento pactual seja juridicamente perfeita, nos
termos da lei civil e observados o arcabouço principiológico dignificado pela legislação
civil-constitucional.
O ato ilícito, por sua vez, demonstra sua importância em caso de haver algum
descumprimento dos deveres de consideração na fase pós-contratual, permanecendo
a responsabilidade civil em estado de potência ou pretensa garantia caso as partes
mantenham-se fiéis a tais deveres.
Finalizando as fontes legais da obrigação, o contrato merece destaque por sua
natureza fundamentalmente vinculante: às partes compete a estrita observância aos
termos engendrados, a observância de obrigações próprias e recíprocas, assim como
a manutenção dos deveres acessórios, capazes de ensejar responsabilidade civil.
Por fim, a temática do princípio da boa-fé objetiva como fonte obrigacional será
trazida como categoria própria de fonte, como padrão de comportamento inafastável
aos que se vinculam, atuando como espécie de filtro constitucional às ações e reações
executadas pelas partes antes, durante e após o término do vínculo jurídico.

105 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 165-166: “Como tudo no Direito, também a qualificação de
determinado fato como fonte e a determinação de sua relevância, é determinado pela História. As
profundas transformações da vida social no último século se refletiram em novas proposições de
classificação. Há o retorno, em novas bases, à antiga classificação tripartite, que divide as fontes
entre negociais, delituais e restitutórias. Há a classificação dualista, que distingue entre fontes
negociais, decorrentes de negócios jurídicos, e não negociais, estando agrupadas, nessas últimas,
as obrigações decorrentes da lei (inclusa a causação de dano injusto), bem como as nascidas dos
chamados atos existenciais, dogmaticamente qualificáveis como atos-fatos, e não como negócios
jurídicos. Finalmente, há a classificação unitária, que busca o delineamento de uma fattispecie
[suporte fático] omnicompreensiva, capaz de abarcar todas as espécies de relações obrigacionais,
distinguindo apenas internamente entre elas [...]”. Para fins deste trabalho, cujo objetivo consiste na
análise da aplicabilidade e do alcance da responsabilidade civil uma vez findado o negócio jurídico,
considerou-se as fontes mais relevantes: a lei, o ato ilícito e o contrato, sempre permeados pela
concepção solidarista emanada pela legislação civil-constitucional. Grifo da autora.
42

2.2.1. A lei: origem e fim da obrigação

A lei consiste na fonte inicial de todas as obrigações, sendo a origem comum a


todos os vínculos obrigacionais. A partir dela fundam-se os deveres que ordenam a
ação e o comportamento das partes durante o curso da marcha obrigacional. Trata-
se de imperativo normativo, cogente, que fornece as bases para o início de todos os
negócios jurídicos. Sobre o tema, explana Diniz:

Desse conceito infere-se que a lei é fonte primária ou imediata de todas as


obrigações, pois como pudemos apontar em páginas anteriores, os vínculos
obrigacionais são relações jurídicas; logo, é o direito que lhes dá significação
jurídica, por ser ele que opera a transformação dos vínculos fáticos em
jurídicos. Todavia, ao lado da fonte imediata (lei), temos as fontes mediatas,
ou melhor, as condições determinantes do nascimento das obrigações. São
aqueles fatos constitutivos das relações obrigacionais, isto é, os fatos que a
lei considera suscetíveis de criar relação creditória.106

Assim, embora preveja a origem de possível vínculo jurídico, a lei, por si, tem-
se incapaz de gerar, objetivamente, qualquer ligação de fato entre os sujeitos, visto
tratar-se de norma genérica e geral a todos os indivíduos. Sua presença passará a
ser exigível quando, através de uma conduta de ação ou omissão, materializa-se
afetando a esfera jurídica de uma pessoa. Deste modo, instrui Pereira:

Remotamente, é verdade, todas as obrigações nascem da lei, pois que é esta


a fonte primária dos direitos; mesmo no campo contratual, não haveria a força
jurígena da manifestação volitiva se não fosse o poder obrigatório que a lei
lhe reconhece. Mas, em contraposição, e um outro sentido, toda obrigação
envolve um fato humano, já que a lei define tão somente a responsabilidade
abstrata, e esta não é convertida em obrigação juridicamente exigível, senão
quando interfere um procedimento ou uma conduta, uma atuação qualquer
do agente, em termos que a lei considera suscetíveis de criar uma relação
obrigacional, mediante a instituição de um iuris vinculum [vínculo jurídico].107

Ante o exposto, entende-se que o lei e o código, inseridos em um ordenamento


socializante atua de modo a instrumentalizar e dar conteúdo para a abstração dos
princípio, a exemplo da boa-fé e da função social dos contratos, estabelecendo limites
razoavelmente diretos e passíveis de adequação para o caso concreto.

106 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral das obrigações, v. 2. 22. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 41. Grifo da autora.
107 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações, v. 2.
Revisão e atualização de Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 29. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 50. Grifo do autor.
43

2.2.2. O ato ilícito e o abuso de direito: reparação e limitação de condutas

O ato ilícito consiste na violação de um bem jurídico civilmente tutelado, tendo


como resultado um dever de reparar. Pode originar-se a partir da lei, quando a conduta
do agente contraria previsão expressa ou noção principiológica, ou ainda decorrente
de um contrato, quando de seu descumprimento.
Invariavelmente, o ato ilícito provém de um fato jurídico, ou seja, uma conduta
exteriorizada que repercute no âmbito jurídico alheio. Doutrinariamente, o fato jurídico
divide-se em fato jurídico natural, aqueles provindos dos fenômenos da natureza e,
deste modo, independentes de qualquer vontade humana, e fato jurídico humano,
manifestados a partir de uma atuação volitiva do indivíduo.108
Relevante à responsabilidade civil, o fato jurídico humano, por seu turno, divide-
se fato jurídico humano voluntário e fato jurídico humano involuntário. Diferenciam-se
pelas consequências produzidas por cada um dos tipos.109
O primeiro tipo, voluntário, trata-se da ação que resulta em uma consequência
pretendida pela parte, havendo, assim, correspondência entre o ânimo individual e o
resultado concretamente obtido, sendo, finalmente, classificados como ato jurídico em
sentido estrito e negócio jurídico, a serem tratados posteriormente.110
O segundo tipo, involuntário, trata-se de ação cujo resultado desencontra-se
daquele pretendido pela parte, “hipótese em que se configura o ato ilícito, que produz
efeitos previstos em norma jurídica, [...] porque viola mandamento normativo”111.
O ato ilícito apresenta tratamento próprio dentro do ordenamento jurídico civil,
sendo abarcado pelo já referido art. 186, do CC, cláusula aberta que prevê o dever de
reparação em caso de dano material ou moral, e o subsequente art. 187 112, do CC, o
qual configura como ilicitude o abuso no exercício de um direito, cuja excessividade
dá-se pela contrariedade de objetivo econômico ou social, redizendo o caráter geral e
aberto trazido pelo ordenamento, em ambos os casos associados a ideia de culpa
subjetiva como a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro.

108 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42.


109 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42.
110 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42.
111 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42.
112 BRASIL. Op. cit., p. 62: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-

lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes”.
44

Sobre este, o Enunciado n. 414, da V Jornada de Direito Civil, informa que: “a


cláusula geral do art. 187 do Código Civil tem fundamento constitucional nos princípios
da solidariedade, devido processo legal e proteção da confiança, e aplica-se a todos
os ramos do direito”113.
Por fim, o art. 188114, do CC, elenca os atos que não se confundem com ilícitos
cíveis, eximindo-os, portanto, do dever de reparação: aqueles praticados em legítima
defesa ou no exercício regular de um direito, assim como a degradação de coisa alheia
ou lesão a pessoa com o objetivo de resguardá-la de dano imediato, observadas as
circunstâncias do fato.
Suplementarmente, o art. 927115, do CC, reporta-se às disposições anteriores
novamente trazendo a noção de responsabilização civil por aquele que causar dano
a outrem, embora complementada pela possibilidade de reparação civil objetiva, ou
seja, o estabelecimento de uma responsabilidade sem a presença de culpa. Trata-se
dos casos em que a conduta desobedeça a um comando legal, ou quando o causador
do dano o cometa em decorrência do exercício do risco de uma atividade habitual.

113 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 62.


114 BRASIL, Op. cit., p. 62: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa
ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia,
ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato
será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.
115 BRASIL, Op. cit., p. 62: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,

fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
45

2.2.3. O negócio jurídico: objetivos privados e função social

Retomando a temática do fato jurídico humano voluntário, tem-se que este


conceito exprime as condutas praticadas pelo agente que correspondem aos efeitos
jurídicos produzidos no caso concreto, subdivididos em ato jurídico em sentido estrito
e negócio jurídico.116

O primeiro consiste na efetivação do ânimo do agente, sendo “o ato jurídico em


sentido estrito é o que gera consequência jurídica prevista em lei e não pelas partes
interessadas, não havendo regulamentação da autonomia privada”117. Em resumo, há
conformidade entre a conduta exercida pelo agente, sua manifestação de vontade e
os efeitos operados pela lei.
O negócio jurídico, por sua vez, consiste no instrumento legal de regulação de
interesses privados, promovendo a composição de vontades e submetendo uma ou
mais das partes ao cumprimento de uma prestação.118 Assim, trata-se de espaço de
pactuação livre, onde os contraentes podem, sob o limite da legalidade, da socialidade
e do princípio da boa-fé objetiva, entabular o que lhes provier, fundado na autonomia
de suas vontades.119
O contrato, típico negócio jurídico por excelência, trata-se do mais relevante
instrumento alterador socioeconômico, dada sua natureza eminentemente associada
às transações comerciais. Conceitualmente, o contrato resume-se em acordo que une
as partes, fundadas em suas respectivas declarações de vontade, reciprocamente
consonantes, que pretende a execução, mediante prestações, de uma “composição
unitária de interesses”120.

116 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42.


117 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42.
118 DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 42: “O negócio jurídico [...] procura criar normas para regular

interesses das partes, harmonizando vontades aparentemente antagônicas [...] e que se subordinam
a algumas disposições comuns”. Grifo da autora.
119 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Autonomia da Vontade (Princípio da –) (no Direito Contratual). In: Flávio

GALDINO; KATAOKA, Eduardo Takemi; TORRES, Ricardo Lobo (Org.). TORRES, Silva Faber
(superv.). Dicionário de princípios jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 127-128: “[O
princípio da autonomia da vontade] É o poder negocial conferido pelo ordenamento jurídico aos
particulares para autorregulamentação de seus interesses, nos limites estabelecidos. [...] O Código
Civil de 2002 não refere explicitamente ao princípio, cuidado estritamente da limitação positiva e
negativa da liberdade de contratar mediante a função social (art. 421)”. Grifo do autor.
120 ANTUNES VARELA. Op. cit., p. 212: “Diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou

mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas,


mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de
interesses”. Grifo do autor.
46

Entretanto, a mera acepção gramatical pouco exprime a essência contratual em


sua totalidade.121 Deste modo, para Roppo, o conceito contemporâneo de contrato
demanda um tratamento substancialmente mais aprofundado do que um trivial ajuste
de vontades particulares:

‘Contrato é um conceito jurídico: uma construção da ciência jurídica


elaborada (além do mais) com o fim de dotar a linguagem jurídica de um
termo capaz de resumir, designando-os de forma sintética, uma série de
princípios e regras de direito, uma disciplina jurídica complexa. Mas, como
acontece comtodos os conceitos jurídicos, também o conceito de contrato
não pode ser entendido a fundo, na sua essência íntima, se nos limitarmos a
considerá-lo numa dimensão exclusivamente jurídica – como se tal
constituísse uma realidade autônoma, dotada de autônoma existência nos
textos legais e nos livros de direito. Bem pelo contrário, os conceitos jurídicos
– e entre estes, em primeiro lugar, o de contrato – refletem sempre uma
realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de
situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas
maneiras, uma funçãoinstrumental. Daí que, para conhecer verdadeiramente
o conceito do qual nos ocupamos, se torne necessário tomar em atenta
consideração a realidade econômico-social que lhe subjaz e da qual ele
representa a tradução científico-jurídica: todas aquelas situações, aquelas
relações, aqueles interesses reais que estão em jogo, onde quer que se fale
de ‘contrato’ (o qual, nesta sequência, já se nos não afigura identificável com
um conceito pura e exclusivamente jurídico).122

Assim, a noção de contrato enquanto instrumento de trocas de bens ou serviços


resta-se incapaz de expressar-se adequadamente ante ao meio ao qual está inserido:
um amplo mundo jurídico aberto, receptivo a novas interpretações e revisões, e atento
às diferentes realidades econômicas e sociais. A fim de que haja um norte balizador
a este vasto cenário de possibilidades contratuais, a liberdade encontra-se limitada
aos princípios gerais dos contratos.
Deste modo, o ordenamento jurídico civil-constitucional dedica-se a impregnar
uma intensa carga valorativa socializadora às relações interpessoais, modelando as
vontades particulares à uma consideração que transcende o objeto ao qual o contrato
prestou-se pactuado. Assim, tem-se que a relativização da autonomia privada não
consiste em constrição de vontade das partes, de modo que não a constrange – mas
a condiciona à observância do arcabouço axiológico social.123

121 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, v. 3. Revisão e atualização
de Caitlin Mulholland. 22. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 34: “Como sempre sói,
o vocábulo não está adstrito a esta rigidez semântica. Ao revés, vai estender a sua abrangência a
toda espécie de negócio jurídico em que ocorrer a participação de vontade plúrima, ainda que não
limitado seu objetivo a estes desiderata [desejos]”. Grifo do autor.
122 ROPPO, Enzo. O Contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra (Portugal):

Almedina, 2009. p. 7-8. Grifo do autor.


123 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 129.
47

O reposicionamento dos desígnios pessoais contraporem-se a possibilidade de


revisão dos termos contratuais deveu-se a um longo processo histórico de valorização
do indivíduo e da sociedade enquanto sujeitos de direitos. Ao fim deste percurso,
imperou-se a função social dos negócios jurídicos, manifestação principiológica que
pretende promover uma justiça contratual.124
Esta lógica, como antevisto, trata-se da socialização dos negócios privados, de
modo que, além da instrumentalização da atividade econômica, o contrato atua como
meio de adequação das obrigações à ordem legal. Nesta perspectiva, as estipulações
privadas manifestam-se tal qual lei entre as partes, ainda que passíveis de revisão.125
Sobre o tema, Roppo assevera que:

Cada um é absolutamente livre de comprometer-se ou não, mas, uma vez


que se comprometa, fica ligado de modo irrevogável à palavra dada: pacta
sunt servanda [os pactos devem ser cumpridos]. Um princípio que, além da
indiscutível substância ética, apresenta também um relevante significado
econômico: o respeito rigoroso pelos compromissos assumidos é, de fato,
condição para que as trocas e as outras operações de circulação de riqueza
se desenvolvam de modo correto e eficiente segundo a lógica que lhes é
própria, para que se não frustrem as previsões e os cálculos dos operadores
[...]; condição necessária, assim, para a realização do proveito individual de
cada operador e igualmente para o funcionamento do sistema no seu
conjunto.126

Previamente ao ingresso dos princípios coletivos na esfera contratual privada,


a possibilidade de revisão tinha-se dificultada ante o valor legalmente estimado para
a avença particular. Assim, remonta-se que o sentido expressado pelo princípio não
perdeu seu efeito ante à socialidade, mas abstraiu-se para o atendimento do social.

124 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 24: “Uma vez que o contrato reflete, pela sua natureza, operações
econômicas, é evidente que o seu papel no quadro do sistema resulta determinado pelo gênero e
pela quantidade das operações econômicas a que é chamado a conferir dignidade legal, para além
do modo como, entre si, se relacionam – numa palavra pelo modelo de organização econômica a
cada momento prevalecente. Analogamente, se é verdade que a sua disciplina jurídica – que resulta
definida pelas leis e pelas regras jurisprudenciais – corresponde instrumentalmente à realização de
objetivos e interesses valorados consoante às opões políticas e, por isso mesmo, contingentes e
historicamente mutáveis, daí resulta que o próprio modo de ser e de se conformar do contrato como
instituto jurídico, não pode deixar de sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-
social a cada momento afirmada. Tudo isto se exprime através da fórmula da relatividade do contrato
(como aliás de todos os outros institutos jurídicos): o contrato muda a sua disciplina, as suas
funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido” (Op.
cit., p. 24). Grifo do autor.
125 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 34: “A liberdade, como se viu, tendencialmente limitada, de contratar ou

de não contratar, de contratar nestas ou naquelas condições, no sistema, por outro lado,
correspondia como necessário contraponto desta, uma tendencialmente ilimitada responsabilidade
pelos compromissos assim assumidos, configurados como um vínculo tão forte e inderrogável que
poderia equiparar-se à lei”.
126 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 34-35.
48

Historicamente, as mudanças suportadas pela relação entre Estado e indivíduo


convergiram para a criação de uma rede protetora da coletividade em detrimento de
propósitos pessoais, notadamente na seara constitucional. Para Lôbo:

As vicissitudes por que tem passado o contrato após o advento do Estado


social refletiram-se nos limites da autonomia da vontade, tanto negativos
como positivos. [...] Todavia, o imperativo de justiça social, predominante nas
chamadas constituições sociais, fez com que crescessem técnicas jurídicas
de limitação da liberdade de contratar, mediante normas cogentes. Por outro
lado, princípios sociais do contrato (função social, boa-fé objetiva e
equivalência material) passaram a conformar a autonomia da vontade, a qual
chega a ser desconsiderada em situações de natural desequilíbrio de direitos
e obrigações, como se dá com os contratos de adesão a condições gerais.127

Neste seguimento, manifesta-se a necessária compatibilidade a ser observada


entre a legislação infraconstitucional e as normas civis aplicáveis aos contratos, de
modo que os princípios emanados pelo vértice do ordenamento irradiem ao resto do
corpo legislativo, restringindo declarações avessas ao expressado pela CRFB/88.
Portanto, considerando que a principiologia contratual contemporânea decorre
de um encadeamento histórico que culminou na valorização de um direito gregário em
oposição a um direito individualista, natural que o ato de contratar reproduza a mesma
lógica, mesmo que os termos pactuais consistam em acordo essencialmente privado.
Esta mudança de perspectiva foi influenciada e evidenciou-se pelo uso massificado
dos instrumentos contratuais na vida humana:

Com o passar do tempo, entretanto, e com o desenvolvimento das atividades


sociais, a função do contrato ampliou-se. Generalizou-se. Qualquer indivíduo
– sem distinção de classe, de padrão econômico, de grau de instrução –
contrata. O mundo moderno é o mundo do contrato. E a vida moderna o é
também, e em tão alta escala que, se se fizesse abstração por um momento
do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo, a consequência seria
a estagnação da vida social. O homo economicus [homem econômico
racional] estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a
subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade
do homem limitar-se-ia aos momentos primários.128

Assim, neste raciocínio, nota-se que a individualidade trazida pelo ordenamento


jurídico limitador da autorregulação plena dos contratantes, acaba, por fim, a protegê-
los, pois assegura que o pactuado mantém-se exigível enquanto estiverem justas as
condições que permitam a execução do conteúdo contratual sem onerar as partes.

127 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit., p. 129.


128 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 37. Grifo do autor.
49

A autonomia contratual mantém-se conservada, mesmo estando condicionada


ao necessário preenchimento de uma função social, nos termos do aludido art. 422,
do CC. Portanto, tem-se que a aparente dicotomia entre a liberdade de contratar e a
necessidade de atender aos princípios gerais dos contratos não se contrapõem, mas
complementam-se de modo que, juntos, impõem estabilidade e segurança jurídica ao
balizar as expectativas dos agentes ao justo cumprimento do acordado.
Retomando a consideração de que o contrato efetiva uma obrigação que emula
a força cogente da lei, o princípio da função social do contrato no ordenamento jurídico
fornece maior proteção aos que negociam e a seus patrimônios, visto que:

Aquele que contrata projeta na avença algo de sua personalidade. O


contratante tem a consciência do seu direito e do direito como concepção
abstrata. Por isso, realiza dentro das suas relações privadas um pouco da
ordem jurídica total. Como fonte criadora de direitos, o contrato assemelha-
se à lei, embora de âmbito mais restrito. Os que contratam assumem, por
momento, toda a força jurígena social. Percebendo o poder obrigante do
contrato, o contraente sente em si o impulso gerador da norma de
comportamento social, e efetiva este impulso.129

Nesta toada, a possibilidade de revisão contratual dialoga com a principiologia


constitucional, especialmente o preceito da dignidade da pessoa humana, previsto no
art. 1º, inciso III130, da CRFB/88, ao impedir a absoluta sujeição de um indivíduo a
outro quando da eventualidade de fatos supervenientes que modifiquem ou impeçam
as condições de execução originais do contrato, expondo-o à onerosidade excessiva.
Sobre o tema, versa Antunes Varela:

[...] o regime dos contratos sofreu uma progressiva e notória transformação.


Acentuou-se cada vez mais [...] a intervenção do Estado na própria área dos
contratos, anteriormente considerados como feudo da livre iniciativa dos
particulares. Com o ideal da justiça social multiplicou-se o número das normas
imperativas destinadas, por um lado, a proteger, em diversos contratos típicos,
a situação da parte considerada social ou economicamente mais débil e, por
outro, a tutelar certos valores que no domínio dos negócios jurídicos
ascenderam à zona dos interesses de ordem pública.131

129 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 37-38


130 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5
de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional nº 108/2020. Brasília, DF: Senado
Federal, 2020. p. 10: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição”.
131 ANTUNES VARELA. Op. cit., p. 228-229.
50

Tal como as cláusulas gerais e os princípios gerais das obrigações, os referidos


preceitos de ordem pública, ou seja, as previsões que emanam da legislação e, por
isto, integram os negócios jurídicos independentemente da vontade dos negociantes,
consistem em termos abstratos e carentes de interpretação tópica.132
Manifestação expressa da obrigatoriedade desta ordem tem-se prevista no art.
2.035, parágrafo único133, do CC, ao atestar que os termos das pactuações privadas
necessitam estar acomodados à lógica da função social dos contratos.
Doutrinariamente, entende-se que este fim coletivo deve ser compreendido em
relação aos efeitos externos, ou seja, à coletividade em geral, mas também observada
nos efeitos internos às partes que contratam, no sentido de promover uma justiça
interna ao que se negocia, nos termos do Enunciado n. 360, da IV Jornada de Direito
Civil: “o princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre
as partes contratantes”134.
Também, depreende-se da função social uma correspondência de fidúcia entre
os contraentes, impedindo-os à prática de atos que atentem contra a proba execução
do objeto negociado, conforme o Enunciado n. 362, da IV Jornada de Direito Civil: “a
vedação comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na
proteção da confiança, tal como se extrai dos artigos 187 e 422 do Código Civil”135.

132 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 50: “O que são normas de ordem pública e o que são
bons costumes não há critério rígido para precisar. Ao revés, ocupam umas e outras zonas de
delimitação flutuante, que os juristas a custo conseguem definir. Segundo doutrinas aceitas com
visos de generalidade, condizem com a ordem pública as normas que instituem a organização da
família [...]; as que estabelecem a ordem de vocação hereditária e a sucessão testamentária; as que
pautam a organização política e administrativa do Estado, bem como as bases mínimas da
organização econômica; os preceitos fundamentais do Direito do Trabalho; enfim, as regras que o
legislador erige em cânones basilares da estrutura social, política e econômica da Nação. Não
admitindo derrogação, compõem leis que proíbem ou ordenam cerceando nos seus limites a
liberdade de todos. Bons costumes são aqueles que se cultivam como condições de moralidade
social, matéria sujeita a variações de época a época. Atentam contra bonos mores [boa moral]
aqueles atos que ofendem a opinião corrente no que se refere à moral sexual, ao respeito à pessoa
humana, à liberdade de culto, à liberdade de contrair matrimônio. Dentro desses campos, cessa a
liberdade de contratar. Cessa ou reduz-se”. Grifo do autor
133 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. 360 p.

226: “Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em
vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus
efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver
sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção
prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código
para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
134 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 56.
135 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 57. Grifo do autor.
51

Ainda, reconhece-se a natureza principiológica como sendo de ordem pública,


competindo a quem tenha sido lesado a prova da ofensa ao bem jurídico, de acordo
com a providência do Enunciado n. 363, da IV Jornada de Direito Civil: “Os princípios
da probidade e da confiança são de ordem pública, sendo obrigação da parte lesada
apenas demonstrar a existência da violação”136.
Por fim, em âmbito processual, como decorrência da natureza compulsória da
execução dos contratos, as ações que objetivem a resolução do negócio jurídico por
fato superveniente que acarrete prejuízo em demasia para o devedor, poderão ter seu
conteúdo contratual revisado judicialmente, observado o primado do contraditório,
conforme atesta o Enunciado n. 367, da IV Jornada de Direito Civil:

Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que


tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o
juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada
sua vontade e observado o contraditório.137

Explicitada a relevância do contrato como origem das obrigações, tendo como


fundamento a iminência de atingir uma finalidade sistêmica transcendental à vontade
das partes, que atuam limitadas aos sentidos do ordenamento jurídico. Sobre o tema,
conclui Pereira:

A função social do contrato, portanto, desafia a concepção clássica de que


os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia
da vontade. Reconhece-se, ao revés, que a autonomia da vontade é limitada
pela função social do contrato, dada a repercussão da relação contratual
sobre interesses extracontratuais socialmente relevantes, a demandar maior
controle da atividade das partes. Em nome do princípio da função social do
contrato se pode, v. g. [verbi gratia, ou seja, por exemplo], evitar a inserção
de cláusulas que venham injustificadamente a prejudicar terceiros ou mesmo
proibir a contratação de determinado objeto, em razão do interesse maior da
coletividade. A função social do contrato é um princípio moderno que vem a
se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da liberdade, da
força obrigatória e da relatividade dos seus efeitos. Como princípio novo ele
não se limita a se justapor aos demais, pelo contrário, interage com os
princípios clássicos, mitigando seus contornos e alterando sua essência,
diante do interesse social maior.138

Assim, a função social integraliza as convenções privadas às proposições da


ordem jurídica, manifestando-se como proteção à dignidade da pessoa humana.

136 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 57.


137 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 57.
138 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 39. Grifo do autor.
52

2.3. BOA-FÉ OBJETIVA: DISCIPLINA E FUNÇÃO OBRIGACIONAL

O princípio da boa-fé consiste na mais relevante expectativa de comportamento


prevista no ordenamento jurídico privado brasileiro. Atuando como marco axiológico
norteador dos demais princípios, este instituto tem a capacidade de produzir deveres,
fundar obrigações e dar ensejo a reformas no texto e na interpretação dos contratos
em caso de suas premissas desviarem da função social.139
Deste modo, evidente que, seguindo a característica das cláusulas gerais, dos
demais princípios obrigacionais e da função social do contrato, a boa-fé será revelada
somente no caso concreto, visto sua ampla e necessária carga interpretativa. Neste
sentido, traz Martins-Costa que:

O sintagma ‘boa-fé’ é utilizado na linguagem dos juristas de modo multifacetado,


nem sempre designando o mesmo fenômeno jurídico. A própria legislação
registra a locução em diversas situações e significados, ora como conceito
indeterminado integrante de regra jurídica, ora como princípio, ora plasmando
uma acepção objetiva, como standard [padrão] jurídico (boa-fé como pauta
de conduta devida) e como regra de comportamento, ora como acepção
subjetiva (boa-fé como crença e/ou estado de ignorância), muito embora
melhor se deva qualificar a boa-fé como instituto ou modelo jurídico.140

Segundo a leitura literal do art. 422, do CC, os limites prestacionais exigiriam a


presença da boa-fé objetiva somente aos momentos de execução e de conclusão do
contrato, desobrigando, portanto, o indivíduo de manter uma conduta com retidão e
probidade antes de formalizado e após finalizado o negócio jurídico.
Naturalmente, ante uma lógica que preconiza o social perante o individual, a
literalidade trazida pela norma civil não atende ao primado da função social, motivo
pelo qual o dispositivo prescinde de uma hermenêutica compreensiva, que considere
a incidência da boa-fé também às fases da pré e da pós-contratualidade.141

139 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 32-35: “A influência da boa-fé na formação dos
institutos jurídicos é algo que não se pode desconhecer ou desprezar. [...] Modernamente, fato
similar ocorre com as chamadas cláusulas gerais que consagram o princípio da boa-fé [...]. Com
relação às obrigações, manifesta-se como máxima objetiva que determina o aumento de deveres,
além daqueles que a convenção explicitamente constitui. Endereça-se a todos os partícipes do
vínculo e pode, inclusive, criar deveres para o credor, o qual, tradicionalmente, era apenas
considerado titular de direitos. [...] O princípio da boa-fé contribui para expressar o que e o como da
prestação e, ao relacionar ambos os figurantes do vínculo, fixa, também, os limites da prestação”.
Grifo do autor.
140 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 34. Grifo da autora.
141 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 46.
53

Nota-se, então, que a boa-fé produz efeitos que extrapolam os limites restritos
àqueles positivados no contrato, estendendo-se à criação de deveres laterais, anexos
e secundários aos da prestação principal. Tais deveres, embora não necessariamente
componham o escopo do objeto, entremeiam-se de modo imprescindível para que se
configure a obrigação em sua totalidade. Sobre o tema, segue a autora:

Se o sentido geral da boa-fé é o de nortear o teor geral da colaboração


intersubjetiva, especialmente no Direito das Obrigações, é porque a boa-fé
produz deveres instrumentais e ‘avoluntaristas’, neologismo que emprego
para indicar que não derivam necessariamente do exercício da autonomia
privada nem de punctual explicitação legislativa: sua fonte reside justamente
no princípio, incidindo em relação a ambos os participantes da relação
obrigacional.142

Assim, tais deveres decorrentes da boa-fé revestem-se de autorreferência, eis


que seu fundamento e sua justificativa consistem no próprio princípio, manifestando-
se como filtro de compatibilidade entre os interesses privados e os sentidos da norma
de modo a harmonizar o ordenamento jurídico e, por isto, agindo efetivamente como
um padrão jurídico complexo e de cumprimento obrigatório:

A boa-fé configura um modelo jurídico complexo e prescritivo. Trata-se de um


modelo porque o significado e as eficácias do ‘comportamento segundo a
boa-fé’ não resultam de uma norma isolada, mas de uma estrutura normativa
que articula, finalisticamente, normas provindas de mais de uma das fontes
(lei e jurisprudência; ou lei, costume e negócio jurídico; ou lei, jurisprudência
e doutrina, quando a jurisprudência acolhe um modelo hermenêutico
sedimentado na doutrina para suprir lacuna do sistema normativo prescritivo), ou
propor determinado entendimento. E se trata de um modelo prescritivo
porque é dotado da possibilidade de impor ações, condutas, vedações,
sanções – e não apenas ‘recomendações’ ao aplicador do Direito.143

Deste modo, o instituto da boa-fé consiste no exercício de uma conduta que vai
ao encontro de um comportamento tipicamente esperado, ou seja, em uma atuação
conforme as regras, sejam elas as avençadas entre agentes privados em um contrato,
ou oriundas das demais fontes obrigacionais, com capacidade de promover a revisão
do que tenha sido privadamente negociado. Assim, a presença da boa-fé mostra-se
como meio de contemporizar os termos dos tratados particulares às previsões trazidas
pela ordem jurídica.

142 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé como modelo (uma aplicação da teoria dos modelos de Miguel
Reale). In: BRANCO, Gerson; MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 198-199.
143 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São

Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 183. Grifo da autora.


54

Em síntese, somente com a ponderação dos elementos externos e internos que


compõe o vínculo obrigacional poderá ser atestada a presença do instituto da boa-fé,
sua necessidade de correção ou sua ausência ante o pactuado. Nesta perspectiva,
diz a autora:

Por vezes estará a boa-fé associada diretamente à lealdade; por outras, à


probidade no tráfico negocial; em outras, a uma especial consideração com
os interesses alheios cujo fim é a correção de assimetrias de poderes na
relação obrigacional. Estará, ainda, na matriz de institutos jurídicos como os
que se dirigem a assegurar uma conduta não deslealmente contraditória [...],
proba [...] e atenta aos legítimos interesses do alter.144

Constata-se, então, que a boa-fé consiste em verdadeira fonte obrigacional pois


dela originam-se deveres próprios e implícitos aos negócios jurídicos tutelados pelo
ordenamento civil. Tais deveres, na prática, responsabilizam-se pela sistematização
do ordenamento, dando a ele sua característica fundamentalmente aberta e social.
Sobre o tema, Menezes Cordeiro resume que a presença e o valor atribuído à
boa-fé decorrem de um processo histórico que cristalizou o princípio como elemento
de fidúcia negocial, permitindo, por fim, o funcionamento do próprio sistema jurídico:

O comportamento das pessoas deve respeitar um conjunto de deveres


reconduzidos, num prisma juspositivo e numa ótica histórico-cultural, a uma
regra de atuação de boa-fé. As incursões anteriores permitiriam detectar
esses deveres – e logo o aflorar dessa regra – no período pré-negocial, na
constância de contratos válidos, em situações de nulidades contratuais e na
fase posterior à extinção das obrigações. [...] A boa-fé veio a ser utilizada, de
modo repetido, para fundamentar, no Direito positivo, as diversas soluções
propugnadas: a sua consagração legal, a sua carga histórico-cultural e a sua
disponibilidade davam-lhe, para tanto, as qualidades requeridas. A existência
efetiva de consagrações reais, traduzida na aplicação dos aludidos deveres
dispersos, faculta uma possibilidade histórica ímpar de penetrar no conteúdo
material do vago dever de agir segundo a boa-fé.145

Releva-se na passagem o reconhecimento dos deveres da boa-fé ao momento


da pós-contratualidade, o que equivale dizer que o princípio e seus deveres laterais
continuam presentes após o fim formal do negócio jurídico, predispondo e indicando,
então, a extensão da carga obrigacional, criando direitos e reiterando a existência da
responsabilidade civil pós-contratual.

144 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 174. Grifo da autora.


145 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. Coimbra (Portugal):
Almedina, 2013. (Coleção Teses). p. 632.
55

Retomando-se as concepções da boa-fé, nota-se a segmentação do instituto


em modalidades distintas, boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva, diferenciando-se em
decorrência por tratar-se do estado de consciência e das condutas individuais.
A forma subjetiva trata-se de conduta atentatória contra um bem juridicamente
tutelado, mas que seu agente desconhece tratar-se de ato ilícito, desprezando, por
ignorância, o cometimento de qualquer ofensa. Conceitualmente:

Diz-se subjetiva a boa-fé compreendida como estado psicológico, isto é:


estado de consciência caracterizado pela ignorância de se estar a lesar
direitos ou interesses alheios [...], ou a convicção de estar agindo em bom
direito [...]. Assim, sinteticamente, é lícita a fórmula: pela expressão boa-fé
subjetiva trata-se ou de designar um fato pelo qual um sujeito tem a
convicção, ainda que errônea, de estar a respeitar o Direito, pois crê na
legalidade da situação; ou de indicar a situação de um terceiro que deve ser
protegido porque confiou – legitimamente – na aparência de certo ato.146

Tratando-se de atributo íntimo, originando-se no querer do agente, tem-se por


indispensável a devida averiguação sobre o real estado de sua consciência, de modo
que a má-fé demanda comprovação, não comportando a mera presunção de que um
sujeito intentou, racionalmente, à violação de direito alheio.147
Considerando que a faceta subjetiva da boa-fé refere-se a questão de intenção
do agente, esta modalidade não compõe o objeto da hipótese relevante, visto que a
presente análise tem como foco o momento posterior ao da conclusão de um contrato,
fato que se origina a partir do caráter volitivo e racional, pois, manifestado pelas partes.
A boa-fé objetiva, por sua vez, percebe-se essencial ao direito obrigacional, sendo
o padrão de conduta e compasso legal de adequação das condutas dos atores no
âmbito de suas relações privadas. Assim, materializam-se na ajustada execuçãodos
termos contratuais e de seus deveres paralelos, a serem analisados no exercício
do caso concreto.
Assim, a dificuldade na conceituação acurada do termo reside no fato de que
sua presença dependerá de todo o contexto contratual: as características objetivas e
subjetivas das partes, o objeto negociado, sua complexidade e eventual tipicidade, do
modo pelo qual este será prestado e os deveres que poderão estender-se no tempo,
a exemplo das cláusulas de confidencialidade em contratos empresariais de longa
duração.

146 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 180.


147 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 181.
56

Acerca do tema, condensa Pereira:

O princípio da boa-fé, apesar de consagrado em norma infraconstitucional,


incide sobre todas as relações jurídicas na sociedade. Trata-se de cláusula
geral de observância obrigatória, veiculadora de conceito jurídico
indeterminado, a ser concretizada segundo as peculiaridades de cada caso.
[...] A boa-fé objetiva não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente,
mas lhe impõe comportamentos objetivamente conforme aos parâmetros de
cooperação, honestidade e lealdade dirigidos à promoção dos gins
perseguidos na concreta relação obrigacional. O seu conteúdo consiste,
portanto, em padrões de conduta, que variam de acordo com a específica
relação existente entre as partes. Nesse sentido, a boa-fé objetiva não cria
apenas deveres negativos, como o faz a boa-fé subjetiva. Ela cria também
deveres positivos anexos ao dever de prestação principal, já que exige que as
partes atuem de modo a garantir obtenção, por ambas, do resultado útil
programado. Mesmo no silêncio do contrato, ou até contra sua disposição
expressa, o sujeito deve colaborar com a outra parte, fazendo o que estiver
ao seu alcance para que eles obtenham o resultado previsto no contrato,
desde que, evidentemente, isso não importe em sacrifício de interesses
legítimos próprios.148

Tipo relevante ao estudo do direito obrigacional, em especial no que se refere


aos seus efeitos na pós-contratualidade, a boa-fé objetiva coaduna-se ao trazido pelo
art. 1º149, da CRFB/88, que institui a dignidade da pessoa humana como fundamento
do Estado Democrático de Direito, vez que o princípio da boa-fé, em âmbito contratual,
manifesta-se de modo recíproco entre os contraentes. Em mesmo sentido, a boa-fé
operacionaliza os princípios constitucionais da justiça e da solidariedade, pautados no
art. 3º150, da CRFB/88, quando elencados os objetivos pelos quais o País rege-se.151

148 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 46.


149 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5
de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional nº 108/2020. Brasília, DF: Senado
Federal, 2020. p. 10: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos
desta Constituição”.
150 BRASIL. Op. cit., p. 10: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV –
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação”.
151 NEVES, Karina Penna. Deveres de consideração nas fases externas do contrato:

responsabilidade pré e pós contratual. São Paulo: Almedina, 2015. p. 66. (Coleção Monografias):
“Foi com a edição da Constituição Federal em 1988 que se deu início a um processo de
humanização do direito, quando o indivíduo foi alçado ao centro do ordenamento, especialmente
por meio da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Essa
humanização do direito por meio da Carta Constitucional ocorreu no Brasil seguindo uma tendência
mundial denominada direito civil constitucional, quando as relações obrigacionais, agora complexas
e dinâmicas, passariam a ser também tuteladas por normas constitucionais relacionadas a matérias
antes afeitas somente à lei ordinária, especialmente quando fossem envolvidos direitos
fundamentais e sociais”.
57

Assim, a boa-fé como manifestação do primado da dignidade humana consiste


no reconhecimento de que um contraente detém direito a um comportamento justo e
adequado ante à parte adversa. Para Tomasevicius Filho:

Este dever significa que cada um deve respeitar a personalidade do outro


como se fosse a sua, já que ambas têm a mesma dignidade. [...] o princípio
da boa-fé funcionaliza o princípio da dignidade da pessoa humana. Seria o
instrumento por excelência do enquadramento constitucional do direito
obrigacional, pois esta impõe o respeito aos interesses que a parte contrária
espera obter. [...] Dessa forma, a boa-fé impõe o bom andamento das
relações jurídicas, mediante a inserção de deveres de coerência, informação
e de cooperação, os quais, se respeitados, dificultam o comportamento
oportunista, protegendo-se a confiança que naturalmente se desperta no
contato social.152

Introduzida constitucionalmente sob o signo da dignidade, a boa-fé funciona de


modo a estabelecer uma base comum aos desequilíbrios socioeconômicos presentes
entre aqueles que contratam, de modo a aproximar partes díspares “devido à redução
do estado de informação assimétrica e dos custos de transação que proporciona.” 153
Ainda, segundo o autor, a boa-fé manifesta-se de modo binário: primeiramente,
reforça a tese de standard jurídico, “modelo de comportamento abstraído da conduta
social média da população”154, mas também “sob a forma de princípio, ou de cláusula
geral ou norma específica”155.
Acerca da primeira atribuição, repisa-se a qualidade de paradigma de conduta
social outorgada pela boa-fé e, no que concerne ao segundo encargo, age de modo a
preencher eventuais lacunas normativas, de conteúdo contratual e de interpretação.
Doutrinariamente, tais capacidades consistem nas funções atribuídas à boa-fé:
interpretar negócios jurídicos de modo a compatibilizá-los ao espírito do ordenamento
jurídico, controlar a atuação dos agentes a fim de mantê-los adstritos à função social
e aos demais predicados emanados pelo ordenamento jurídico e, por fim, de criação
de deveres anexos à prestação principal.

152 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O princípio da boa-fé no direito civil. São Paulo: Almedina,
2020, p. 85-86. (Coleção Teses): “Também se costuma definir juridicamente a boa-fé a partir dos
seus objetos de proteção: a confiança e a segurança nas relações jurídicas. [...] Para tanto, as
pessoas devem fornecer informações precisas e considera-se ato ilícito o exercício do direito que
frauda a expectativa alheia. Ademais, a boa-fé protege a aparência e sua finalidade é o aumento da
segurança das relações jurídicas, facilitando a circulação de mercadorias e prestações” (Op. cit., p.
116).
153 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 87.
154 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 90.
155 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 90-91.
58

2.3.1. Função interpretativa: boa-fé e prática contratual

A interpretação literal de um negócio jurídico pode apresentar-se incapaz de


atender aquilo que efetivamente querem as partes, a partir do que se depreende do
art. 112156, do CC. Assim, de modo complementar ao referido art. 113, do CC, a função
interpretativa consiste no uso da “boa-fé como critério hermenêutico, exigindo que a
interpretação das cláusulas contratuais privilegie sempre o sentido mais conforme à
lealdade e honestidade”157.
Esta atribuição requer, então, que os negócios jurídicos sejam, invariavelmente,
interpretados tendo como base, além dos termos positivados, a intenção e o resultado
daquilo que efetivamente querem os contratantes, uma vez que “o sentido literal da
linguagem é um dos meios – na realidade, o ponto de partida – para a interpretação
dos negócios jurídicos”158.
O contrato, então, exige uma interpretação sistêmica tendo como marco inicial
o modelo da boa-fé, seus deveres anexos e os demais princípios normativos oriundos
do ordenamento jurídico, as intenções dos contratantes e os termos entabulados, uma
vez que, de acordo com Martins-Costa, “do ponto de vista da atividade hermenêutica,
um contrato é um todo, uma totalidade de sentido”159 e, por isto, analisado dentro de
seu contexto jurídico. Neste caminho, “a interpretação contratual não compactua com
uma perspectiva atomizada, pela qual são isoladas as singulares partes daquele
conjunto a partir do qual – e apenas a partir do qual – pode adquirir um significado”160.
Aqui, a congregação destes dispositivos legais demonstra, na prática, a união
entre os modelos da boa-fé objetiva, como exercício contratual, da boa-fé subjetiva,
ao destacar a intencionalidade dos agentes à consecução do objeto negociado, e, por
fim, da função social dos contratos, visto que privilegia o resultado perquirido pelos
agentes ao invés de considerar somente os termos estritos e isoladamente previstos
no instrumento contratual, tal que:

156 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 57: “Art.
112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao
sentido literal da linguagem”.
157 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República: Parte Geral e Obrigações (arts. 1º ao 420),


v. 1, 3. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 231.
158 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São

Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 323.


159 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 324. Grifo da autora.
160 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 325.
59

É perfeitamente compreensível, pois que a exegese literal, conquanto


necessária e relevante (e servindo como marco ao ‘momento recognitivo’ da
interpretação) seja considerada positivamente insuficiente para resolver
todas as particularidades do caso concreto, sendo a linguagem humana
sempre conotada e sujeita a ambiguidades. [...] não é a vontade das partes
in abstracto [de maneira abstrata] a ser considerada, mas ‘a declaração ou
comportamento, enquadrados na moldura das circunstâncias que lhes
confere significado e valor’. Isso significa dizer que a interpretação deverá
considerar em qualquer caso, o conjunto contratual, compreensivo de todas
as circunstâncias fáticas e normativas de relevo para o caso.161

Assim, nota-se que a função interpretativa do modelo da boa-fé funciona como


ponto de contato entre suas manifestações subjetiva e objetiva de modo a efetivar o
pactuado sem afastar-se da essência do ordenamento jurídico.162
Em consonância ao supramencionado Enunciado n. 27, entendimento conexo
encontra-se previsto no Enunciado n. 409, da V Jornada de Direito Civil, ao trazer que
“os negócios jurídicos devem ser interpretados não só conforme a boa-fé e os usos
do lugar de sua celebração, mas também de acordo com as práticas habitualmente
adotadas entre as partes”163.
Afinal, a adequação da boa-fé não significa a mera adequação entre o pactuado
e o executado, mas a subsunção de todo o contrato aos fundamentos principiológicos
estimados pelo ordenamento jurídico nacional.

161 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 324. “Justamente por essa razão, não é permitida, na técnica
jurídica, a livre atribuição de sentidos. Há técnicas, métodos e cânones hermenêuticos aos quais o
jurista está adstrito, sendo tais técnicas, métodos e cânones revestidos por especificidades, quer se
trate de interpretar leis ou negócios jurídicos e, dentre esses, os que mais perto tocam à
problemática da boa-fé, qual seja: a interpretação dos negócios jurídicos contratuais. Sublinhe-se
um ponto acima mencionado: a hermenêutica contratual envolve sempre uma applicatio [aplicação
prática] conduzindo ‘ao próprio coração do problema da autonomia privada’. Toda a interpretação
contratual é suscitada, pois, pelo problema prático a resolver: o problema chama a interpretação.
Mas é preciso ter claras, previamente, algumas questões de ordem teórica: no seu núcleo está a
vontade das partes? A compreensão dos sentidos da declaração negocial em seus aspectos
puramente objetivos? A detecção de interesses puramente econômicos das partes? A confiança
suscitada pela declaração, considerando-se um regulamento contratual em sua integralidade? O
que tem maior relevância para o intérprete – o momento da formação ou o da execução do contrato?
É ainda razoável chamar-se ao proscênio a autonomia privada em vistas das operações de troca
silenciosas e massivas características de nossa sociedade? Sob que prismas e critérios (standards
hermenêuticos) e sobre quais bases teóricas apresenta-se a tarefa hermenêutica? Que problemas
visa resolver?” (Op. cit., p. 318). Grifo da autora.
162 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 231:

“Neste rumo, como norma de interpretação dos negócios jurídicos, a boa-fé objetiva inaugura uma
posição intermediária entre as tendências subjetiva e objetiva, presentes no artigo antecedente
[referência ao art. 112, do CC], equilibrando a interpretação geral nele estabelecida e remetendo o
intérprete à análise do caso concreto, para nele estabelecer a presença ou ausência da boa-fé.
Idêntica função tem a observação dos usos do lugar da celebração, onde se consideram as
condições que o meio apresenta e, a partir delas, chega-se ao sentido dos efeitos desejados ao
negócio”.
163 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 62.
60

2.3.2. Função corretiva: boa-fé e controle contratual

Manifestada através do referido art. 187, do CC, a função de controle, por sua
vez, age de modo a impelir que o agente exceda seus próprios direitos durante o curso
da relação contratual.
Assim como a função interpretativa, a confirmação de prática abusiva requer a
análise casuística, compreendendo “noção de abuso como uma conduta que, embora
lícita, mostra-se desconforme com a finalidade que o ordenamento pretende naquela
circunstância fática alcançar e promover”164.
Assim, esta atribuição funciona de modo a condicionar as condutas perpetradas
pelos agentes no decorrer do vínculo contratual ao texto e ao espírito do ordenamento
jurídico, de modo que “o art. 187 prevê, portanto, uma ilicitude no modo de exercício
de posições jurídico-subjetivas – não apenas direitos subjetivos, em sentido técnico,
porém, por extensão, também poderes, liberdades, pretensões e faculdades”165.
Portanto, sendo necessária a conferência posterior de adequação entre a ação
do contratante e o código, a conceituação de exercício abusivo de direito consiste em
abstração pontualmente verificada. Nos termos de Martins-Costa:

Por esta razão, delineia uma ilicitude que só se pode apreender em concreto,
isto é, como resultado de uma ponderação entre os elementos circunstanciais
fáticos e normativos envolventes, precisamente, deste modo de exercício.
Sendo o direito subjetivo substancialmente funcional, os poderes que carrega
são instrumentais. São os elementos fático-contextuais que permitem
descobrir, por detrás de uma atuação formalmente adequada, a ilicitude, no
exercício, vale dizer: um modo de se exercerem direitos, poderes ou
faculdades contrário aos vetores axiológicos fundamentais do sistema
jurídico.166

Em resumo, o excesso no exercício de um direito contratualmente previsto, tal


como seu descumprimento, corresponde à violação da boa-fé objetiva, mesmo que
ausente o elemento de culpa. Assim, o descumprimento dos termos acordados basta
à configuração do ilícito civil pelo agente em desconformidade ao contratualizado.

164 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 345.
165 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 443: “Situado no art. 187 como uma das balizas ao exercício
jurídico lícito, o princípio da boa-fé impacta no plano da eficácia, pois atua como fator de
conformação do exercício de direitos subjetivos ou de direitos formativos ora determinando a
ineficácia, ora a eficácia apenas parcial, ora a eficácia indenizatória, ora apanhando, inclusive,
hipótese de perda ou de ‘paralisação’ do direito subjetivo para além dos casos tradicionais de
prescrição e decadência, nos casos de suppressio e surrectio”. Grifo da autora.
166 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 444. Grifo da autora.
61

Infere-se do Enunciado n. 37, da I Jornada de Direito Civil: “a responsabilidade


civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no
critério objetivo-finalístico”167.
Ainda, além do já mencionado Enunciado n. 362, da IV Jornada de Direito Civil,
outros dispositivos preocupam-se em aprumar o conceito de abuso do direito. Por fim,
de modo complementar, o Enunciado n. 412, da V Jornada de Direito Civil, por sua
vez, qualifica que “as diversas hipóteses de exercício inadmissível de uma situação
169
jurídica subjetiva, tais como supressio168, tu quoque , surrectio170 e venire contra
factum proprium171, são concreções da boa-fé objetiva”172.
Aqui, entende-se que o decaimento e o surgimento de direitos decorrentes do
desuso de obrigação contratual, a intenção de beneficiar-se de ato próprio contrária à
ordem jurídica, ou a prática de atos contraditórios consistem em exemplos práticos de
abuso de direito e, portanto, condutas violadoras da boa-fé contratual.

167 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 20


168 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 797: “Diz-se suppressio a situação
do direito que, não tendo sido, em certas circunstâncias, exercido durante um determinado lapso de
tempo, não possa mais sê-lo por, de outra forma, se contrariar a boa-fé”. Complementarmente:
“Tendencialmente, pode afirmar-se que todos os direitos subjetivos lhe estão sujeitos – salvas
exceções – que é necessário um determinado período de tempo sem exercício do direito e que se
requer, ainda, indícios objetivos de que esse direito não mais seria exercido. O tempo sem exercício
é eminentemente variável, consoante as circunstâncias, para que possa haver suppressio; o
segundo fator – o dos indícios objetivos de que não haverá mais atuações – cuja necessidade é
muito sublinhada, mas de conteúdo pouco explicitado, pode ter, na sua determinação, um papel
fundamental. Outro aspecto do regime da suppressio, focado com insistência na doutrina, é a
desnecessidade de culpa ou de quaisquer outros elementos ditos subjetivos, por parte do titular
não-exercente” (Op. cit., p. 810-811). Grifo do autor.
169 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 837: “A fórmula tu quoque traduz,

com generalidade, o aflorar de uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não
poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído. [...] A
sua aplicação requer a maior cautela. Fere as sensibilidades primárias, ética e jurídica, que uma
pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir a exigir a outrem o seu acatamento”. Grifo do
autor.
170 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 821-822: “Equacionando os

requisitos da surrectio: [...] exige-se um certo lapso de tempo, por excelência variável, durante o qual
se atua uma situação jurídica em tudo semelhante ao direito subjetivo que vai surgir; requer-se uma
conjunção objetiva de fatores que concitem, em nome do Direito, a constituição do novo direito;
impõem-se a ausência de previsões negativas que impeçam a surrectio”. Grifo do autor.
171 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p.742-746: “A locução venire contra

factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento
assumido anteriormente pelo exercente. [...] Venire contra factum proprium postula dois
comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. [...] Desse modo, só se
considera como venire contra factum proprium a contradição direta entre a situação jurídica originada
pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor. [...] Feitas estas previsões, há venire
contra factum proprium, em primeira linha, numa das duas situações: quando uma pessoa, em
termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado
ato e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo, também, a não ficar especificamente
adstrita, declare pretender avançar com certa atuação e, depois, se negue”. Grifo do autor.
172 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 62.
62

Também, o Enunciado n. 413, da V Jornada de Direito Civil, retoma a


importância de o intérprete atentar-se às práticas habituais, usos e costumes dos
agentes a fim de verificar nestes a presença da boa-fé objetiva de modo tópico:

Os bons costumes previstos no art. 187 do CC possuem natureza subjetiva,


destinada ao controle da moralidade social de determinada época, e objetiva,
para permitir a sindicância da violação dos negócios jurídicos em questões
não abrangidas pela função social e pela boa-fé objetiva.173

Por fim, integrando tal entendimento, o Enunciado 414, da V Jornada de Direito


Civil, explicita a origem constitucional presente no dispositivo geral contido no art. 187,
ao atrelar o abuso de direito à violação da boa-fé, tendo como objetivo resguardar os
princípios socializantes imanentes ao ordenamento jurídico:

A cláusula geral do art. 187 do Código Civil tem fundamento constitucional


nos princípios da solidariedade, devido processo legal e proteção da
confiança, e aplica-se a todos os ramos do direito.174

Assim, a função corretiva age de modo a evitar o exercício irregular de direito


ou reconduzir ao campo da boa-fé possíveis desvios de conduta perpetrados pelos
agentes no curso da relação contratual. Neste caminho, Martins-Costa reconhece, no
modelo geral da boa-fé, ainda os vetores de coerência e de utilidade contratuais:

Antes de mais, conjuga-se o princípio da boa-fé com ‘princípio’ da coerência


contratual (melhor dizendo: a diretriz da coerência), pois atenta contra a boa-
fé uma conduta contratual deslealmente contraditória. Seve, também, para
fundar a vedação ao abuso, em sentido próprio, pois não será conforme à
lealdade e à probidade o uso desmedido dos poderes contratuais. Finalmente,
alia-se o princípio da boa-fé com o ‘princípio’ da utilidade contratual,
regulando o exercício do direito formativo extintivo da resolução lato sensu
por inadimplemento e ensejando as figuras do adimplemento substancial e
do inadimplemento antecipado das obrigações contratuais [...]. Essas figuras
parcelares do exercício jurídico ilícito podem gerar eficácias indenizatórias,
se houver danos e os demais pressupostos do dever de indenizar. Caso
contrário, a eficácia será a de paralisar o exercício jurídico ou permitir o
exercício de tutelas de remoção do ilícito.175

Por fim, resume-se, então a atuação da função corretiva como meio capaz de
suspender parcialmente a eficácia de certa obrigação ou, ainda, a possibilidade de
originar responsabilidade civil à parte violadora, criando dever de indenizar.

173 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 62.


174 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 62.
175 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 444-445. Grifo da autora.
63

2.3.3. Função integrativa: boa-fé e deveres acessórios de conduta

Manifestada através do referido art. 422, do CC, a função de integração, enfim,


consiste na capacidade de criação dos deveres de consideração, anexos ou laterais
à prestação principal que manifestam-se expandindo o acervo obrigacional através de
diferentes intensidades em cada fase da relação obrigacional.
Aqui, faz-se uso da função integrativa da boa-fé para a complementação de
condutas realizadas pelas partes de modo formalmente inacabado ou tecnicamente
impreciso e que, portanto, necessitam de adequação, suplementando as intenções
dos contraentes e atuando além dos termos contratualizados. Para Martins-Costa:

Portanto, interpreta-se ‘algo’ (texto, conduta) que objetivamente existe, por


vezes, até mesmo o silêncio, em busca de determinar-se o mais precisa e
fielmente possível, o conteúdo negocial. Interpreta-se o negócio jurídico
realizado em vista de seu texto, do regulamento contratual, das
manifestações das partes (inclusa sua conduta contratual), bem como o que
determinam os comandos legais e, eventualmente, o que indicam os textos e
condutas paracontratuais, tudo segundo regras jurídicas interpretativas e
cânones de interpretação assentados nas fontes hermenêuticas e/ou no
próprio texto contratual. E integra-se o que está vazio, lacunoso, incompleto,
o que é carente da presença de algo que lá deveria estar.176

Tal função apropria-se do fato de que “por mais minudente e analítico que seja
um contrato, não pode ele prever e regular todas as situações que virão a ocorrer,
nem pode solucionar de antemão eventuais condições disfuncionais das partes”177.
Conforme antevisto, o artigo supracitado traz que os contratantes obrigam-se a
observar, durante a execução e após sua conclusão, os princípios da probidade e da
boa-fé, de modo a explicitar, no âmbito da relação obrigacional, uma complexidade de
deveres para as partes. O entendimento sobre quais os deveres de consideração a
serem observados e exigidos requer uma análise do caso concreto, de tal modo que
tantos podem ser os deveres acessórios quanto podem ser as condutas humanas.178

176 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 368. Grifo da autora.


177 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 369.
178 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 372: “A boa-fé não é, pois, o único meio integrativo com

relação a todo e qualquer contrato. Porém, quando for chamada à função de integrar, em vista de
sua incidência à relação contratual, e ‘plano’ desenhado objetivamente pelos contraentes, permitirá
detectar quais deveres são necessários para o correto adimplemento do contrato, para a
‘otimização’ do programa contratual e para a proteção das pessoas e bens jurídicos envolvidos.
Serve, então, como fonte de deveres anexos (‘instrumentais’), voltados aos interesses de prestação
e de deveres laterais (ou ‘de proteção’), que visam resguardar os interesses de proteção. É que,
entendida estritamente, a expressão integração ‘designa exatamente a elaboração de normas
implícitas, com o que se preenchem as lacunas’”. Grifo da autora.
64

Estas funções, portanto, instrumentalizam o exercício da boa-fé. Diz Antunes


Varela que tais deveres acessórios tem-se por “essenciais ao correto processamento
da relação obrigacional em que a prestação se integra”179, diferindo-se dos deveres
principais, aqueles referentes à execução do objeto contratado, do seguinte modo:

A distinção entre os deveres (primários ou secundários) de prestação e os


deveres acessórios de conduta reflete-se desde logo em dois aspectos:
primeiro, na possibilidade de os deveres acessórios de conduta (que variam
consoante as circunstâncias concretas de cada situação) surgirem antes (ou
independentemente) de se ter constituído a relação obrigacional de onde
decorre (ou viria a decorrer) o dever de prestação [...]; depois, na
possibilidade de os deveres acessórios de conduta terem como titular ativo
pessoas estranhas à relação donde nasce o dever de prestação [...].180

Aqui, complementarmente, retoma-se o conceito de obrigação como processo,


tratando-se de verdadeiro complexo de deveres e direitos a serem observados pelas
partes à consecução do objeto ajustado. Revisitando Couto e Silva, “todos os deveres
anexos podem ser considerados deveres de cooperação”181. Ainda, para o autor:

As particularidades desses deveres anexos e autônomos, de poderem ser


acionados independentemente da obrigação principal e de perdurarem
alguns deles, ainda, após o seu término, são a circunstância de terem fim
próprio, diverso do da obrigação principal. Como já se aludiu, o fim comanda
toda a relação jurídica e conforma os deveres e direitos que a relação jurídica
produz em contato com a realidade social, no curso de seu
desenvolvimento.182

Portanto, decorrente da lógica do ordenamento jurídico, entende-se que estes


deveres estendem-se às fases externas do contrato – de pré-contratualidade e de pós-
contratualidade –, produzindo efeitos próprios a cada um dos momentos contratuais,
conforme os entendimentos explicitados nos citados Enunciado n. 24, Enunciado n.
25, ambos da I Jornada de Direito Civil, e Enunciado n. 170, da III Jornada de Direito
Civil. Neste sentido, reforça-se a possível insuficiência da aparência dos termos do
contrato, sendo essencial, portanto, uma atividade interpretativa por parte de quem
executa ou examina o programa contratual.

179 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 123


180 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 124-125. Grifo do autor.
181 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 96: “Não se pode de antemão dizer quais são os

deveres acionáveis, pois isso depende do exame concreto de cada um deles no desenvolvimento
da relação obrigacional. Pode-se, apenas, indicar as hipóteses mais evidentes, mas não se pode a
priori dizer quais os que são acionáveis sem acarretar o desfazimento da ação principal e quais os
que não o são” (Op. cit., p. 97). Grifo do autor.
182 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 97.
65

Adicionalmente, Grau sintetiza que “a interpretação do direito é constitutiva, e


não simplesmente declaratória. Vale dizer: não se limita a uma mera compreensão
dos textos e dos fatos; vai bem além disso”183, de modo que concebe-se o texto legal
como dispositivos passíveis de interpretação e reinterpretação contínuas.
Ainda referente ao “alargamento e papel dos deveres acessórios”184, Menezes-
Cordeiro, identifica, enfim, sua tripartição em deveres de proteção, de esclarecimento
e de lealdade.185
Sobre os deveres de proteção, “considera-se que as partes, enquanto perdure
o fenômeno contratual, estão ligadas a evitar que, no âmbito desse fenômeno, sejam
infligidos danos mútuos, nas suas pessoas ou nos seus patrimônios”186, com o intuito
de resguardar as partes de condutas contratualmente ilícitas ou abusivas.
Por sua vez, os deveres de esclarecimento, referem-se à função de informar e
“obrigam as partes, na vigência do contrato que as une, informarem-se mutuamente
de todos os aspectos atinentes ao vínculo, de ocorrências que, com ele, tenham certa
relação e, ainda, de todos os efeitos que, da execução contratual, possam advir”187,
tendo como intuito a mitigação de possíveis riscos conhecidos por uma parte à outra.
Finalmente, quanto aos deveres de lealdade, estes “obrigam as partes a, na
pendência contratual, absterem-se de comportamento que possam falsear o objetivo
do negócio ou desequilibrar o jogo das prestações por elas consignado”188, permitindo
que partes naturalmente desiguais mantenham-se razoavelmente próximas durante o
decorrer da relação contratual.
Nota-se, então, que durante o exercício contratual a função integrativa da boa-
fé pode afigurar-se na forma de proteção, esclarecimento ou lealdade, exemplificando
e normatizando condutas de observância esperada pelos contratantes.

183 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 26: “Como e enquanto interpretação/aplicação, ela parte da compreensão dos
textos normativos e dos fatos, passa pela produção das normas que devem ser ponderadas para a
solução do caso e finda com a escolha de uma determinada solução para ele, consignada na norma
de decisão. [...] O que na verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos
resultam as normas. Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo.
A interpretação é, portanto, atividade que se presta a transformar textos – disposições, preceitos,
enunciados – em normas. Daí, como as normas resultam da interpretação, o ordenamento, no seu
valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, um conjunto de normas. O conjunto
de textos – disposições, enunciados – é apenas ordenamento em potência, um conjunto de
possibilidades de interpretação, um conjunto de nomas potenciais” (Op. cit., p. 25-26).
184 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 603.
185 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 604.
186 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 604.
187 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 605.
188 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 606.
66

Conforme exposto, após formado o núcleo obrigacional, ou seja, a soma dos


deveres contratualmente previstos aos deveres interpretativamente possíveis, forma-
se um complexo de obrigações aos contratantes. Neste caminho, Martins-Costa
elenca outros exercícios possíveis à concretização da boa-fé:

É justamente para a aclaração deste ‘sentido total’, que se torna


imprescindível a referência ao princípio da boa-fé com valência integrativa,
completando o conteúdo contratual com deveres que compõem, substancial
e concretamente, o contrato: cooperar com a contraparte, em vista de
alcançar o adimplemento, fim justificador do contrato; atuar com a lealdade
exigível a uma pessoa proba; informar com a completude necessária para
viabilizar um consentimento informado à proposição negocial ou a
modificações que alterem, no iter contratual, as condições pactuadas;
proteger os legítimos interesses da contraparte, de modo que o contrato não
seja um fator produtor de danos injustos ao outro contratante ou ao seu
patrimônio. Esses deveres passam a integrar a relação contratual, ainda que
não expressamente previstos no instrumento. Complementam o seu
conteúdo e pautam a conduta contratual correta.189

Esta capacidade integrativa coaduna-se com a previsão do art. 4º190 da Lei de


Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) (Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de
setembro de 1942), que, por sua vez, dispõe que eventuais lacunas legais devem ser
preenchidas através da comparação com casos semelhantes, com os costumes e com
a principiologia geral do direito, quando analisa-se tal omissão em âmbito processual.
Arrematando o tema, diz Donnini que “em verdade, os efeitos do contrato são
aqueles por ele produzidos, bem como os denominados efeitos integrativos, isto é,
aqueles que decorrem da lei ou, na sua falta, dos usos e costumes e da equidade”191.
Ante todo o exposto, tem-se que o fundamento da responsabilidade civil pós-
contratual reside na função integrativa do modelo da boa-fé.192 Deste modo, passa-se
a discorrer sobre o conceito, usos, apreciações legais, doutrinárias e jurisprudenciais
sobre a responsabilidade civil e sua aplicação às tratativas pré-contratuais, contratuais
propriamente ditas e, em exame aprofundado, às obrigações pós-contratuais.

189 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 376. Grifo da autora.


190 BRASIL. Op. cit., p. 32: “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.
191 DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade civil pós-contratual: no direito civil, no direito do

consumidor, no direito do trabalho e no direito ambiental. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 38: “A obrigação estampada num contrato possui o que se chama de complexidade intra-
obrigacional, consistente nos deveres principais e secundários previstos contratualmente, além dos
deveres acessórios” (Op. cit., p. 39). Grifo do autor.
192 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República: Teoria Geral dos Contratos. Contratos em


Espécie. Atos unilaterais. Títulos de crédito. Responsabilidade civil. Preferências e Privilégios
Creditórios (arts. 421 a 965), v. 2, 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 15.
67

3 TEMPO, CONTRATO E RESPONSABILIDADE CIVIL

Introduzidos o conceito e as características da relação obrigacional, suas fontes


e os pressupostos emanados pelo modelo da boa-fé e suas funções típicas, notável a
função primordial do direito civil em regular interesses privados tendo como base os
mandos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.193
Assim, passa-se a descrever de que modo relacionam-se o decurso de tempo,
as fases contratuais da pré-negociação, da negociação propriamente dita e, de modo
especial, da pós-contratualidade, além das respectivas repercussões na esfera civil
da responsabilidade dos contraentes, seja em decorrência de culpa ou pela assunção
de um risco.
Inicialmente, retoma-se o conceito de relação obrigacional em que os sujeitos,
capazes de contrair deveres e obrigações, vinculam-se e resolvem comprometer parte
de seu futuro e de seu patrimônio em uma relação transitória que objetiva uma troca
de mútuo interesse às partes.
Repisam-se, aqui, a divisão da relação obrigacional nos elementos débito e
responsabilidade: o vínculo bilateral de caráter personalista, eis que atam as partes,
e patrimonial, eis que sujeitam seus respectivos patrimônios.
Conforme antevisto, o débito traduz-se nas prestações mutuamente devidas
pelas partes no curso da relação contratual, enquanto a responsabilidade refere-se à
parcela patrimonial potencialmente apta à satisfação de um eventual inadimplemento.
A fim de que seja desenvolvido o cerne da pesquisa, adentra-se ao exame do segundo
elemento constitutivo da obrigação, sua repercussão e suas funções próprias
em âmbito contratual.
Embora a responsabilidade civil apresente conceituação doutrinária uniforme,
apresentam-se seus conceitos a partir de sua vinculação com o modelo da boa-fé,
princípio de todas as relações jurídicas sob o ordenamento jurídico nacional.

193 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações, v. 2.
Revisão e atualização de Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 29. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 31: “Vivencia-se, na atualidade, o fenômeno da repersonalização do Direito Civil
– especialmente no âmbito das relações intersubjetivas – sob a ótica da solidariedade constitucional.
Assim, a regra de ouro a ser observada é a seguinte: à pessoa humana serão reconhecidos direitos,
poderes, faculdades, entre outras situações jurídicas, na medida em que contribua para o bem-estar
da coletividade sob o prisma da utilidade social. O contrato e, logicamente, as obrigações e outros
efeitos contratuais – inclusive aqueles atinentes à responsabilidade civil – passam a ser
funcionalizados e condicionados à realização de valores que se encontram na base do ordenamento
jurídico, inclusive no fundamento da dignidade da pessoa humana e no objetivo da construção de
uma sociedade mais livre, justa e solidária”.
68

Há, portanto, como premissa à celebração do negócio jurídico, uma relação


baseada na fidúcia e na expectativa de cooperação, exprimida através do modelo da
boa-fé, que, quando violada, ensejará o gatilho da responsabilidade civil e o dever de
reparar. Neste sentido, resume Cavalieri Filho, que a ordem jurídica tem como objetivo
“proteger o lícito e reprimir o ilícito”194, sendo este o fundamento da responsabilidade:

A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre,


acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de
reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns
de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também
chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo,
lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser
humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito
absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever
jurídico: o da reparação do dano.195

Vê-se, então, que a responsabilidade civil aplicada ao contrato opera de modo


a reconstruir uma relação jurídica que fora violada, seja de ordem financeira ou moral.
Isto porque, para Pereira, a “ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em
face do prejuízo individual”196.
Assim, a reparação civil trata-se de consequência lógica daquilo que expressa
o ordenamento jurídico socializante. Neste caminho, prossegue o autor: “não importa
se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância,
onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de
ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil”197.

194 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 13: “Para atingir esse desiderato, a ordem jurídica estabelece deveres que, conforme a natureza
do direito a que correspondem, podem ser positivos, de dar ou fazer, como negativos, de não fazer
ou tolerar alguma coisa. [...] Entende-se, assim, por dever jurídico a conduta externa de urna pessoa
imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho,
advertência ou recomendação, mas de urna ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade
dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações” (Op. cit., p. 13-14).
Grifo do autor.
195 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 14. Grifo do autor.
196 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Revisão e atualização de Gustavo

Tepedino. 12. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 27-28: “A responsabilidade civil
consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da
relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade
civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa
do causador do dano” (Op. cit., p. 28). Grifo do autor
197 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 28: “É nesse rumo que marchará a teoria da

responsabilidade civil, com perspectiva de atingir a sua própria essência, a ponto de subverter os
seus próprios fundamentos. Talvez seja um tanto paradoxal: tanto crescerá a necessidade de se
garantir o ser humano dentro desse turbilhão evolutivo, que a ideia de responsabilidade civil se
tornará insuficiente, e será substituída por novos conceitos, que atingirão a sua própria subsistência”
(Op. cit., p. 29).
69

Nesta toada, Gonçalves conceitua a locução como resposta à não observância


de um dever jurídico, competindo ao agente causador promover o retorno ao estado
anterior ao evento danoso nos seguintes termos:

Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o
problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e
patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em
restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte
geradora da responsabilidade civil. Pode-se afirmar, portanto, que
responsabilidade exprime a ideia de restauração de equilíbrio, de
contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades
humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que
abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica,
para se ligar a todos os domínios da vida social. Coloca-se, assim, o
responsável na situação de quem, por ter violado determinada norma, vê-se
exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta
danosa, podendo ser compelido a restaurar o status quo ante [estado prévio
das coisas].198

A responsabilidade civil contratual age, portanto, de modo a constranger e inibir


as partes a procederem em condutas incompatíveis ou que frustrem o que tenha sido
previamente ajustado. Assim, em caso de violação do programa contratual, atua como
instrumento reparatório, pelo violador, à vítima do dano.
Concernente às origens da responsabilidade civil, a doutrina reconhece o valor
atribuído pelo ordenamento jurídico aos contratos, classificando-a nos tipos contratual
e extracontratual.199 Embora evidentes, os termos merecem conceituação: enquanto
a responsabilidade civil contratual indica que as partes possuíam vínculo prévio que
originou a obrigação violada, a responsabilidade civil extracontratual origina-se da
violação de direito previsto em lei ou de preceito jurídico geral.200

198 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 4, 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 19-20. Grifo do autor.
199 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 30.
200 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 30: “Quem infringe dever jurídico lato sensu, já vimos, de que

resulte dano a outrem fica abrigado a indenizar. Esse dever, passível de violação, pode ter como
fonte urna relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, ou, por
outro lado, pode ter por causa geradora urna obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou
pela própria lei. E com base nessa dicotomia que a doutrina divide a responsabilidade civil em
contratual e extracontratual, isto é, de acordo com a qualidade da violação. Se preexiste um vínculo
obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, ternos a responsabilidade
contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de
lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que
o possibilite, ternos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou
absoluto. [...] Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito
negocial comumente chamado ilícito contratual, por isso que mais frequentemente os deveres
jurídicos têm como fonte os contratos. Se a transgressão pertine a um dever jurídico imposto pela
lei, o ilícito é extracontratual, por isso que gerado fora dos contratos, mais precisamente fora dos
negócios jurídicos.” (Op. cit., p. 30-31). Grifo do autor.
70

3.1. CONCEITO E ESTRUTURA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Responsabilidade civil significa compensação.201 Tradicionalmente, a doutrina


reconhece que esta compõe-se dos elementos de conduta comissiva ou omissiva do
agente, do dano por ele perpetrado e do nexo de causalidade entre esta conduta lesiva
e a situação de agravo causado a bem juridicamente tutelado. Deste modo, presentes
tais pressupostos, necessária a reparação.202
Entretanto, desde muito, reconhece-se que a responsabilidade civil requer uma
análise contemporânea, compatível à realidade social em que o ordenamento insere-
se.203 Acerca dos pressupostos, qualificados como “filtros da responsabilidade civil”204
ou “filtros da reparação”205, diz Schreiber que “o estágio atual da responsabilidade civil
pode justamente ser descrito como um momento de erosão dos filtros tradicionais da
reparação”206, eis que elementos subjetivos e objetivos passaram a integrar a análise
da responsabilidade civil, relativizando-a. Logo, conclui o autor:

Na esteira de sua inspiração liberal-individualista, a construção dogmática da


responsabilidade civil moderna centrava-se, e ainda hoje se centra, para a
maioria dos manuais, sobre a necessidade de demonstração de três
condições imprescindíveis: culpa, nexo causal e dano. Longe de representar
uma opção puramente científica, tal abordagem corresponde, historicamente,
ao intuito de assegurar ampla liberdade à atividade privada, cujos efeitos
lesivos somente poderiam dar ensejo à indenização dos danos sofridos pela
vítima quando superados os filtros tradicionais da reparação: a prova do nexo
causal e, especialmente, a prova da culpa do agente lesivo, ambas exigidas
com bastante rigor pelos tribunais.207

201 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 41: “A palavra ‘responsabilidade’ origina-se do latim
respondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem
sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação, de restituir ou ressarcir”.
Grifo do autor.
202 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 33
203 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, t. LIII. Atualização de Rui

Stoco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 100: “Certamente, a teoria da responsabilidade
tem de variar. Muda, às vezes, com o conteúdo do próprio conceito de dano. Com as necessidades
gnosiológicas, econômicas e políticas da sociedade. A teoria teria de ser a do momento histórico,
porque, explicada a noção de responsabilidade, a teoria não seria matéria de ciência, mas sim de
técnica política e jurídica”.
204 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da

reparação à diluição dos danos. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 11.
205 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 11.
206 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 11. Grifo do autor.
207 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 241: “As conclusões, acima sintetizadas, demonstram que, ao

contrário de compor uma babilônia de ideias contraditórias, a responsabilidade civil espelha um


confronto bastante preciso – e experimentado, de resto, em todos os ramos da ciência jurídica –
entre a antiga visão liberal, patrimonial e individualista, e uma nova abordagem, mais existencial e
solidária” (Op. cit., p. 248).
71

Assim, tais variações quanto à dimensão da responsabilidade civil permitem a


constante atualização deste instituto, sendo possível propor soluções particularmente
adequadas ao caso concreto, a exemplo da análise dos efeitos e do tratamento dado
à responsabilidade civil nas fases externas do contrato. Acerca da lógica que a funda,
diz Rosenvald:

Quando cogitamos do fundamento da responsabilidade civil, remete-se às


razões jurídicas pelas quais alguém será responsabilizado por um dano,
patrimonial ou extrapatrimonial. Um dano qualificado no caso concreto como
um dano injusto. Isto é, injusto no sentido de uma valoração comparativa dos
interesses em conflito, afinal, a esfera jurídica dos sujeitos não é protegida
tout court [somente; sem mais; meramente] contra a ocorrência de qualquer
lesão que não se submeta a um juízo de controle de merecimento. A injustiça
do dano provocado se prende a uma cláusula geral de responsabilidade civil,
cuja especificação e conversão a uma precisa fattispecie [suporte fático] terá
lugar no momento em que se concretize o juízo de responsabilidade pela
ruptura das regras de coexistência. Em suma, o instituto da responsabilidade
civil desenvolve uma função de mediação entre os interesses em conflito,
como reação a um juízo de desvalor previamente tido como relevante pelo
ordenamento.208

Acerca da cláusula geral de responsabilidade civil, cumpre recapitular a divisão


em duas modalidades: divide-se em responsabilidade civil extracontratual, quando da
ofensa à lei ou princípio geral do direito, ou responsabilidade civil contratual, quando
da ofensa à pactuação privada. Embora o escopo deste trabalho seja a investigação
e efeitos deste instituto relativos ao contrato, relevante destacar algumas ponderações
sobre ambas as modalidades, previamente à análise de seus elementos, visto que “de
fato, basicamente as soluções são idênticas para os dois aspectos”209.
Referente ao tipo extracontratual, resolve-se pelo regime geral de imputação
de responsabilidade previsto no ordenamento nos reiterados art. 186, art. 187 e art.
927, todos do CC.
Aqui, relevante a subversão trazida pelo art. 927, do CC, ao afastar a presença
de culpa do sujeito, imputando uma responsabilidade de natureza objetiva quando do
exercício de atividades que impliquem, por sua natureza, em risco para terceiros.

208 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São
Paulo: Atlas, 2013., p. 65-66. Grifo do autor.
209 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 45: “Há quem critique esta dualidade de tratamento. São

os adeptos da tese unitária ou monista, que entendem que pouco importa os aspectos sob os quais
se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, pois uniformes são os seus efeitos. [...]
Tanto em um como em outro caso, o que se requer, em essência, para a configuração da
responsabilidade são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de
causa e efeito entre os primeiros elementos”. Grifo do autor.
72

Esta subdivisão, por sua vez, refere-se à presença do elemento culpa durante
a formação da responsabilidade civil. Diz-se responsabilidade civil subjetiva aquela
que funda-se na conduta culposa do agente. Contrapõe-se à responsabilidade civil
objetiva, quando a responsabilidade do agente prescinde de culpa, sendo considerada
a partir da presença de características próprias da relação jurídica. Sobre o tema, em
resumo, diz Gonçalves:

Conforme o fundamento que se dá à responsabilidade, a culpa será ou não


considerada elemento da obrigação de reparar o dano. Em face da teoria
clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Essa teoria, também
chamada de teoria da culpa, ou ‘subjetiva’, pressupõe a culpa como
fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há
responsabilidade. Diz-se, pois, ser ‘subjetiva’ a responsabilidade quando se
esteia na ideia de culpa. A prova de culpa do agente passa a ser pressuposto
necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do
causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.210

Assim funciona a regra geral da responsabilidade civil subjetiva presente no


ordenamento jurídico: a quem acarretou dano a bem jurídico alheio, compete sua
reparação. Relevante, portanto, que a conduta tenha sido perpetrada culposamente
pelo agente.
Entretanto, de maneira especial, a responsabilidade civil poderá originar-se de
determinada circunstância legalmente prevista, imputando ao agente um “dever geral
de cuidado”211 que, uma vez violado, ensejará a reparação. Segue o autor:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a


reparação de um dano independentemente de culpa. Quando isto acontece,
diz-se que a responsabilidade é legal ou ‘objetiva’, porque prescinde da culpa
e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. [...] Uma das
teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco.
Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de
dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta
seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa
para a ideia de risco, ora encarada como ‘risco-proveito’, que se funda no
princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em
consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável [...];
ora mais genericamente como ‘risco-criado’, a que se subordina todo aquele
que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.212

210 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 48.


211 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 317: “A responsabilidade é necessariamente uma reação
provocada pela infração a um dever preexistente. Em qualquer atividade o homem deve observar a
necessária cautela para que sua conduta não venha a causar danos a terceiros, ainda que ausente
o animus laedendi [intenção de ofender]”.
212 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 48-49.
73

Embora a distinção quanto à origem seja doutrinariamente relevante, ressalta-


se que o efeito da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, coincide-se no
dever do agente causador de promover o retorno de quem foi violado ao estado prévio
do evento danoso. Ainda sobre esta diferenciação, em duas lições, diz Pereira:

[...] a regra geral, que deve presidir a responsabilidade civil, é a sua


fundamentação na ideia de culpa; mas, sendo insuficiente para atender as
imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar os casos em que deverá
ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será
sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém
quando o autorizar a ordem jurídica positiva. [...] Atualmente o nosso direito
se encaminha para a inversão do fundamento da responsabilidade civil. Se
antes a regra geral era a da responsabilidade com culpa, hoje já podemos
afirmar que esta convive em igualdade de hipóteses com a regra da
responsabilidade sem culpa [...].213

Exemplificativamente, resguardada previsão legal em contrário, consistem em


exemplos de responsabilidade civil objetiva as relações consumeristas, obrigando-se
os fornecedores ao risco de seus negócios; as relações trabalhistas e indenizações
dela decorrentes; do dono ou detentor de animal, seja domado ou selvagem, pelos
danos por ele causados, conforme predicado pelo art. 936214, do CC; do proprietário
de construção que sucumba, conforme o art. 937215, do CC; do proprietário de imóvel
cujo objeto dele caído ou lançado resulte em dano a pessoa ou patrimônio alheio, nos
termos do art. 938216, do CC; o credor que exige dívida não vencida, na medida do art.
939217, do CC, ou por dívida já adimplida, na medida do art. 940218, do CC.219

213 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, v. 3. Revisão e atualização
de Caitlin Mulholland. 22. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 588-589.
214 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este

causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”.


215 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que

resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.
216 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano

proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.
217 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida,

fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o
vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em
dobro”.
218 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte,

sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao
devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que
dele exigir, salvo se houver prescrição”.
219 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 588-590. O escopo deste trabalho não comporta

digressões sobre a origem histórica da responsabilidade civil, razão pela qual limitou-se a referenciar
as tradicionais divisões doutrinárias em responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil
objetiva. Sobre o tema histórico da responsabilidade civil, cf.: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.
cit., p. 580-594; e PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Revisão e atualização
de Gustavo Tepedino. 12. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 317-336.
74

Arrematando o tema, conclui o autor que dada a natureza abstrata do conceito


de risco, “caberá à jurisprudência, com a colaboração da doutrina, concretizar o que
significa atividade que implique por sua natureza risco para os direitos de outrem, já
que em princípio quase toda atividade humana gera risco para outra pessoa”220.
Introduzidos os fundamentos da responsabilidade civil, relativos à sua origem,
nominalmente, contratual ou extracontratual, andou-se ao tema do nexo de imputação
da responsabilidade, ou seja, as espécies que fundam o dever de reparar relativos à
subjetividade culposa do agente ou da previsibilidade objetiva do ordenamento.
Passa-se, finalmente, a descrição dos elementos que compreendem o instituto
da responsabilidade civil: a conduta, o dano e o nexo de causalidade, assuntos de
aparente acepção doutrinária razoavelmente homogênea.
Primeiramente, tem-se que a conduta trata-se de ação ou omissão que atente
contra obrigação de ordem legal ou contratual, cuja não observância resultou em
reparação civil. Assim, “exige-se que, no momento da conduta, o sujeito tenha tido a
intenção de causar o prejuízo (dolo) ou o tenha causado por agir com menos cuidado
que o esperado (culpa)”221. Ressalta-se que esta refere-se à culpa lato sensu, assim
sendo, congrega as modalidades de dolo e de culpa propriamente dita, nominada
culpa stricto sensu.222
Por sua vez, o dano consiste na efetiva violação de bem juridicamente tutelado,
protegido pelo ordenamento jurídico e, por isto, passível de reparação. 223 Entretanto,
“nem todo dano é ressarcível. Necessário se faz que seja certo e atual. Certo é o dano
não-hipotético ou seja, determinado ou determinável. Atual é o dano já ocorrido ao
tempo da responsabilização”224. Por fim, a indenização decorrente do dano causado
mede-se conforme suas próprias circunstâncias, nos termos do art. 944225, do CC.

220 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 588.


221 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República: Parte Geral e Obrigações (arts. 1º ao 420),
v. 1, 3. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 337.
222 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 337.
223 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 338.
224 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 338:

“Vale dizer: em regra, não se indeniza o dano futuro, pela simples razão de que dano ainda não há.
Diz-se ‘em regra’ porque a evolução social fez surgir questões e anseios que desafiam a ideia de
irreparabilidade do dano futuro. Inúmeras hipóteses de ‘novos danos’, próprios da sociedade
tecnológica, apresentam lesões a bens jurídicos que, segundo os especialistas, configurarão danos
projetados para o futuro, ainda que não identificados no momento presente”.
225 BRASIL. Op. cit., p. 117: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único.

Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização”.
75

Deste modo, tal reparação visa o ressarcimento integral referente aos danos,
independentemente de sua natureza, “vedando a interferência de considerações
acerca das características do agente ou de sua conduta na determinação do quantum
indenizatório”226. Assim, o critério para a composição dos danos consiste em análise
objetiva das circunstâncias em que o ato ilícito está inserido.
Finalmente, o nexo de causalidade trata-se do liame entre ambos os elementos
anteriores de conduta ilícita e dano indenizável: “para que surja o dever de indenizar,
é preciso que o dano verificado seja consequência da ação ou omissão do agente”227.
Por sua vez, Cavalieri Filho conceitua os elementos de maneira similar. Em relação
à conduta, o autor refere-se através da expressão “conduta culpável”228, vistoque “a
culpa, isolada e abstratamente considerada, só tem relevância conceitual. Aculpa
adquire relevância jurídica quando integra a conduta humana”229. Propriamente
às modalidades de conduta, ou seja, a ação ou a omissão, segue o autor:

A ação é a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque, fora do


domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos
que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever
geral de abstenção se obtém através de um fazer. Consiste, pois, a ação em
um movimento corpóreo comissivo, um comportamento positivo [...]. Já a
omissão, forma menos comum de comportamento, caracteriza-se pela
inatividade, abstenção de alguma conduta devida. [...] Em casos tais, não
impedir o resultado significa permitir que a causa opere. O omitente coopera
na realização do evento com urna condição negativa, ou deixando de
movimentar-se, ou não impedindo que o resultado se concretize.230

Ainda sobre a conduta omissiva, esta passa a ser relevante quando o agente
“tem dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse,
que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior ao próprio
omitente, criando o risco da ocorrência do resultado”231, e evitar que seja concretizado.

226 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República: Teoria Geral dos Contratos. Contratos em
Espécie. Atos unilaterais. Títulos de crédito. Responsabilidade civil. Preferências e Privilégios
Creditórios (arts. 421 a 965), v. 2, 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 861.
227 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República: Parte Geral e Obrigações (arts. 1º ao 420),


v. 1, 3. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 343.
228 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 37.
229 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 37: “Entende-se, pois, a conduta o comportamento humano

voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas.
A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto
psicológico, ou objetivo” (Op. cit., p. 38).
230 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 38. Grifo do autor.
231 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 38. Grifo do autor.
76

Passando ao dano, ainda de acordo com o autor, trata-se do “grande vilão da


responsabilidade civil”232, sendo o núcleo da obrigação de indenizar, eis que sem sua
presença, não há que se falar em dever de reparação. Neste sentido, faz-se relevante
a comprovação do dano pois sua ausência resultaria em enriquecimento ilícito, prática
vedada pelo ordenamento jurídico, nos termos do art. 884233, do CC. Sobre o tema:

Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem


causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o
objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o dano sofrido pela vítima,
reintegrá-lo ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E,
se a vítima não sofreu nenhum dano, a toda evidência não haverá o que
ressarcir. Daí a afirmação, comum praticamente a todos os autores, de que o
dano é não somente o fato constitutivo, mas, também, determinante do dever
de indenizar.234

Tratando-se de conceito aberto, o dano permite uma análise que se molde ao


caso concreto, sendo importante analisar o bem jurídico violado a partir de sua causa
e da extensão de sua efetiva lesão.235
Em mesmo sentido, para Schreiber, embora o fenômeno da ampliação da
responsabilidade civil seja positivo, eis que objetiva a guarda de direitos relevantes,
acaba por meramente resultar na criação de variações do dano moral, vez que a tutela
dos bens jurídicos privados submete-se ao filtro principiológico constitucional, nos
seguintes termos:

232 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 92: “Não haveria que se falar em indenização, nem em
ressarcimento, se não fosse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver
responsabilidade sem dano. O dever de reparar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa
dano a outrem. Em outras palavras, a obrigação de indenizar pressupõe o dano e sem ele não há
indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência
concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar”.
233 BRASIL. Op. cit., p. 112: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,

será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é
obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na
época em que foi exigido”.
234 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 92: “Não temos urna definição legal de dano, sendo esta a

razão da grande proliferação de conceitos e modalidades de danos. Temos hoje urna verdadeira
inundação de danos ressarcíveis nada criteriosa: dano de morte, dano sexual, dano hedonístico,
dano pelo custo do filho indesejado, dano de férias arruinadas, dano de mobbing [modalidade de
assédio moral efetivado em ambiente de trabalho contra o empregador], dano por brincadeiras
cruéis, dano por rompimento de noivado, dano por descumprimento de deveres conjugais, dano por
abandono afetivo de filho menor, e assim por diante”.
235 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 92: “Ternos como certo que o ponto nodal nesta questão é a

definição de dano; tudo é uma questão de conceito. Doutrina e jurisprudência partem de urna noção
aberta, de um conceito amplíssimo ao definirem o dano pelos seus efeitos ou consequências. Dizer
que dano é prejuízo ou, no caso do dano moral, que é dor, vexame, sofrimento e humilhação
significa conceituar o dano pelas suas consequências. Sem assentamento de premissas corretas,
um ponto de partida firme, doutrina e jurisprudência não terão limites na criação de novos danos”.
77

O fenômeno da constitucionalização do direito civil refletiu-se, portanto,


também na responsabilidade civil, e de forma notável. Um novo universo de
interesses merecedores de tutela veio dar margem, diante de sua violação, a
danos que até então sequer eram reconhecidos como tais, sendo, de forma
direta ou indireta, negada a sua ressarcibilidade.236

De modo complementar ao tema da responsabilidade civil, pertinente trazer as


situações em que o ordenamento jurídico atua de modo a compatibilizar o dano com
possibilidades de excludente de ilicitude, relativizando a responsabilidade do ato ilícito
e excluindo sua característica ilegal. Tais possibilidades aludem aos atos exercidos
em legítima defesa, no exercício regular de um direito ou na violação a bem jurídico
com o fito de salvaguardar risco imediato, tipificados no art. 188237 , do CC. Resume,
sobre o tema, Cavalieri Filho: “o ato é lícito porque a lei o aprova”238.
Propriamente às excludentes, em relação à legítima defesa, conceitua o autor
tratar-se de caso em que “o agente, usando moderadamente dos meios necessários,
repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”239. Há, então,
excepcionalidade na conduta tipicamente ilícita para quem, na defesa de bem jurídico,
acaba, por sua vez, em violar direito alheio para livrar-se de dano injusto.
O exercício regular de um direito, por sua vez, refere-se a conduta exercida de
modo compatível ao padrão esperado, “normalmente, razoavelmente, de acordo com
seu fim econômico, social, a boa-fé e os costumes”240, contrapondo-se ao abuso de
direito, regrado pelo supramencionado art. 187, do CC.
Finalizando o tópico, a ofensa a bem jurídico alheio também tem-se relativizada
em casos de estado de necessidade. Nestes, a exemplo da legítima defesa, o agente
atenta contra bem jurídico para salvaguardar direito próprio ou alheio, mas difere-se
daquela pois, enquanto naquele a origem do risco reside em conduta de outrem, aqui,
o perigo iminente decorre do contexto em que o indivíduo encontra-se, seja por força
da natureza ou motivo de força maior.241

236 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 88: “Esta avalanche de ‘novos danos’, se, por um lado, revela
maior sensibilidade dos tribunais à tutela de aspectos existenciais da personalidade, por outro, faz
nascer, em toda parte, um certo temor [...]. Com efeito, as últimas décadas têm demonstrado que a
criatividade do intérprete e a flexibilidade da jurisprudência podem ir bem longe”.
237 BRASIL. Op. cit., p. 62: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa

ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia,


ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato
será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.
238 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 34.
239 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 34.
240 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 34.
241 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 34.
78

Derradeiramente, trazidos os fundamentos e pressupostos da responsabilidade


civil, destaca-se o tema de suas funções. Tipicamente, dado seu fundamento, atribui-
se à responsabilidade civil uma função compensatória, visando, conforme antevisto,
repor à vítima o prejuízo material, físico ou moral decorrente da violação de seu bem
jurídico. Adicionalmente, Rosenvald imputa à responsabilidade as funções punitiva-
preventiva e punitiva-pedagógica, de modo que, além da recomposição de danos, há
242
desincentivo ao autor deste dano em reiterar a conduta agravante.
Acerca da função punitiva-preventiva, diz o autor que esta funciona de modo a
ameaçar o agente lesante de modo a desestimulá-lo da prática danosa. Deste modo,
“a pena, do ponto de vista de uma teoria preventiva, deve consistir na ameaça de um
mal ou sofrimento maior que o mal ou dano causado com a violação da norma” 243,
atuando além da “perspectiva interindividual de resolução de conflitos”244.
Conceitualmente próxima da função preventiva, a função punitiva-pedagógica,
por sua vez, objetiva “promover o individualismo responsável”245 a partir da sanção
civil fundada nos princípios sociais, visto que a violação da norma, ainda que privada,
decorre do “poder de autodeterminação situado no interior do ordenamento jurídico,
suscetível portanto de harmonização com princípios como o da solidariedade e
igualdade material”246, dissuadindo o agente do cometimento de conduta lesiva. Por
fim, arremata o autor:

Cada uma das suas funções persegue uma necessidade de segurança,


porém com desideratos distintos. Pode-se dizer que a função reparatória
objetiva uma segurança nos termos tradicionais de certeza do direito como
uma importante garantia de uma compensação. A outro turno, a segurança
que se prende às funções preventiva e punitiva é uma segurança social, na
linha do princípio da solidariedade, objetivando a transformação social pela
via constitucional da remoção de obstáculos de ordem econômica e social
que limitam de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedindo o pleno
desenvolvimento da pessoa humana.247

Assim, apresentados os temas de relevo relativos à responsabilidade civil, seus


fundamentos, pressupostos e funções, passa-se a tratar de sua relação com as fases
negociais do pré-contrato, do contrato propriamente dito e, afinal, do pós-contrato.

242 ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 14.


243 ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 14.
244 ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 15.
245 ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 54. Grifo do autor.
246 ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 26.
247 ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 83.
79

3.2. PRESSUPOSTOS E FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Embora o cerne deste trabalho resida na análise da responsabilidade civil pós-


contratual, faz-se necessário, de modo a complementar o escopo da pesquisa, indicar
as características e repercussões da responsabilidade civil durante os momentos de
pré-contratualidade, quando as partes, ainda formalmente desvinculadas, realizam
tratativas primárias acerca de um negócio jurídico, e na fase contratual propriamente
dita, momento em que, formalmente vinculadas, as partes obrigam-se mutuamente.
Precipuamente, desde o primeiro contato social, importa que o ordenamento
jurídico, em alguma medida, tutele interesses individuais e comuns formulados pelas
partes no que se pretende constituir o processo obrigacional. Para Couto e Silva, este
contato social trata-se de efetiva fonte de obrigações, visto que, desde o primeiro
momento, as manifestações dos pretensos contraentes consistem em “atos concretos,
dirigidos a pessoas também concretamente determinadas, revelando interesses, à
sua vez, concretos”248. Complementarmente, de acordo com Martins-Costa:

[...] entende-se haver, entre os agentes, deveres de proteção que, vez


violados, ensejarão [...] também responsabilidade civil subsumida no regime
geral da responsabilidade extracontratual, porém, sob as formas das
chamadas ‘responsabilidade pré-contratual’ e ‘responsabilidade pós-
contratual’, conforme a fase em que verificada a violação dos deveres, se
antes de formada a relação contratual ou se depois de extinto o vínculo. E a
especialidade dessas situações de aproximação entre os agentes está
justamente no fato de haver, em ambos os casos, relação mediata entre o
dano injurídico ocasionado e o negócio jurídico que poderá ser concluído (ou
que foi concluído e se extinguiu). Há, pois, uma qualificação do princípio geral
que manda a ninguém lesar em virtude da relação de proximidade social entre os
agentes envolvidos nas tratativas pré-negociais (ou quando findo um
contrato).249

Tal processo obrigacional, portanto, inicia-se anteriormente à formalização do


pacto, ainda em momentos prévios, das tratativas, quando, desde logo, revela-se o
princípio da boa-fé em sua função integrativa, criadora de deveres anexos às partes.
Assim, entende-se a extensão dos deveres legais, obrigacionais e os advindos
do princípio da boa-fé à todas as fases contratuais, o que significa dizer que em todos
os momentos de vinculação negocial, ainda que em formação ou finalizados, haverá
a observância dos deveres de consideração oriundos da função integrativa da boa-fé.

248 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 76.


249 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 272. Grifo da autora.
80

3.2.1. O pré-contrato e seus deveres anexos: a culpa in contrahendo

A função integrativa da boa-fé, durante a fase pré-contratual, age de modo a


tutelar a confiança dos contraentes que, em decorrência de circunstâncias internas ou
externas ao objeto da contratação, ajustam tratativas prévias à efetiva formalização
do contrato.250
Aqui, pretende-se resguardar os deveres anexos pertinentes ao escopo que
pretende-se formalizar, notadamente aqueles referentes à confiança e à informação
dos agentes. Portanto, relevante, novamente, a “complexidade intra-obrigacional”251,
ou seja, o intercâmbio de obrigações ativas e passivas vinculantes de partes presente
desde as fases externas ao contrato.
Para Antunes Varela, refere-se ao “problema da eventual responsabilidade dos
contraentes pela sua deficiente conduta (ou dos seus representantes ou auxiliares) ao
longo do período de preparação do contrato”252. Tal responsabilidade funda-se na tese
de que o “simples início das negociações cria entre as partes deveres de lealdade, de
informação e de esclarecimento, dignos da tutela do direito”253, ainda segundo o autor.
Assim, frustrada a negociação prévia à celebração do pacto em decorrência de
conduta culposa de uma das partes, presente o dever de ressarcir, pelo que dispendeu
ou comprovadamente deixou de obter, a parte oposta. Em síntese, “o interesse que o
faltoso tem de ressarcir é sempre, porém, quando o tenha havido ruptura injustificada
do contrato, o chamado interesse contratual negativo”.254

250 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 527. O escopo deste trabalho não
comporta digressões sobre a origem histórica da responsabilidade civil pré-contratual, razão pela
qual limitou-se a referenciar as doutrinas clássicas e suas formas de analisar os elementos do
vínculo jurídico prévio à celebração do contrato. Sobre o tema da origem e desenvolvimento histórico
da culpa in contrahendo, cf.: MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 527-
585; e ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 267-279. Acerca das aplicações e limites da
responsabilidade civil pré-contratual no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, cf.: MARTINS-
COSTA, Judith. Op. cit., p. 296-306.
251 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 586: “A complexidade intra-

obrigacional traduz a ideia de que o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever
de prestar, simétrico a uma pretensão creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de
autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta”.
252 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 267: “A, interessado em vender o prédio que possui

em Cascais, marca com B, residente em Coimbra e interessado em comprá-lo, uma visita ao local,
para daí a 15 dias. Na semana seguinte vende o prédio a C, mas não cuida de avisar B, que no dia
aprazado se desloca de Coimbra a Cascais. Há ou não responsabilidade de A pelas despesas que
B tenha efetuado? No caso afirmativo, que espécie de responsabilidade? Qual o seu verdadeiro
fundamento, legal e dogmático? Assim nasce o problema da chamada responsabilidade (civil) pré-
contratual” (Op. cit., p. 267-268). Grifo do autor.
253 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 268.
254 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 271. Grifo do autor.
81

A extensão do dano acarretado mede-se a partir da natureza jurídica, do objeto


e das condutas perpetradas pelos agentes previamente ao pacto malsucedido. Aqui,
portanto, requer-se que seja analisado qual o dever lateral violado que resultou na
improcedência do contrato e qual seu efetivo prejuízo causado.255
Para Martins-Costa, qualifica-se este momento pré-contratual como o evento
no qual as partes procedem a ajustes à formalização do instrumento contratual. A
depender do que se negocia, “por vezes, a fase do nascimento do vínculo é precedida
por tratativas. Há conversações, trocas de informações e negociações orientadas a
examinar as possibilidades e as conveniências de realizar um futuro contrato”256. Tais
tratativas, fundadas no modelo da boa-fé, carecem de proteção jurídica, ainda que a
prestação não seja futuramente formalizada. Segue a autora:

Ainda não há, nessa fase preliminar, relação contratual, pois as negociações
preliminares configuram ‘tratos’, e ainda não ‘contratos’ [...]. Porém, é preciso
atenção: a fase formativa não é destituída de relevância jurídica. Aí já há
tutela do direito que impõe deveres de correção no comportamento dos
negociadores. Ademais, aí podem conviver com atos não negociais e,
também, verdadeiros negócios jurídicos, como um pacto de opção, ou uma
oferta (ou ‘proposta’) que visam, justamente, preparar o planejado contrato
[...].257

Deste modo, notável que a tutela da confiança nascida no momento de pré-


contratualidade dá início ao processo obrigacional e aos princípios sociais oriundos
do ordenamento jurídico, daí o surgimento da tutela sobre o contato social, fase em
que, segundo Couto e Silva, “se cuida de harmonizar, transigir, demonstrar vantagens
e desvantagens, enfim, em cooperar para que se realize um ato jurídico”258.
Ante o exposto, à responsabilidade civil pré-contratual, imputa-se lógica similar
à da reparação civil contratual propriamente dita: em caso de violação a bem jurídico,
fica obrigado o infrator à reparação.

255 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 271: “A determinação exata da indenização devida
pela parte que viola o princípio da boa-fé, na fase preliminar da preparação ou conclusão do
contrato, depende obviamente da natureza do dever de conduta infringido. Se a falta da parte fez
com que a outra tivesse realizado uma deslocação que noutras circunstâncias não faria, são as
despesas dessa deslocação inútil que o faltoso tem de cobrir”. Grifo do autor.
256 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 270: “Quando não há contrato entre as partes, o princípio

reitor é o do noeminem laedere, regra basilar para possibilitar a convivência social. O que aproxima
os sujeitos é o mero fato de viver em sociedade, caracterizando-se, portanto, o contato social mais
distante. Assim, quando atuante a boa-fé na fase do mero contato social, esta atuação verifica-se
prevalentemente por via da função corretora de comportamentos no tráfico jurídico” (Op. cit., p. 271).
Grifo da autora.
257 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 270. Grifo da autora.
258 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 76.
82

3.2.2. O contrato e seus deveres anexos: a culpa lato sensu

O vínculo contratual, verdadeiro processo obrigacional, guia-se pela adesão


das partes a determinados princípios gerais que pautam suas condutas e balizam os
limites de uma atuação adequada à consecução do objeto contratado. Aqui, relevante
a lógica imputada pela boa-fé à atuação dos agentes e, especialmente, a capacidade
criadora de deveres anexos, atuando até mesmo para além do adimplemento.259
Durante a fase contratual concentram-se os atos que materializam os termos
ajustados pelas partes, manifestando-se a boa-fé como princípio regulador da atuação
dos indivíduos de modo a tutelar a confiança mútua dos contraentes no decorrer do
programa contratual. De acordo com Martins-Costa, “na fase de desenvolvimento da
relação, verifica-se a execução dos deveres ajustados entre as partes, bem como
aqueles decorrentes da lei”260. Estes deveres, repete-se, originam-se de maneira
paralela à prestação principal criando deveres de proteção, esclarecimento e lealdade.
Retoma-se, também, a proteção do contato social, agora aplicada ao próprio
objeto contratado perseguido pelas partes, assim como aos seus deveres anexos.
Daí, tem-se que, para o surgimento desta responsabilidade, a violação pode originar-
se a partir do inadimplemento contratual propriamente dito, da mora no cumprimento
de uma obrigação contratualmente prevista ou, então, da violação positiva do contrato,
ou seja, da violação dos destes deveres anexos de consideração.261

259 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 270: “Percebe-se, então, com nitidez, constituir a relação
obrigacional uma totalidade de efeitos jurídicos. Atuam ou podem atuar, como efeitos da relação,
pretensões, direitos subjetivos, direitos formativos (em sua tríplice modalidade: geradores,
modificativos e extintivos), dívidas, obrigações, faculdades e ônus. Pretensões, direitos e deveres
podem ser modificados no desenvolvimento da relação por, exemplificativamente, novação, ou
cessão, ou se tornarem inexercitáveis, pois atingidos por prescrição. Com o adimplemento
satisfativo, encerra-se a relação. Mas pode haver a projeção de alguns efeitos dela decorrentes até
mesmo para além – temporalmente – do adimplemento, então atuando a boa-fé sob a forma
negativa, para evitar danos injustos ou para fundamentar a sua indenizabilidade”. Grifo da autora.
260 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 306: “A palavra ‘execução’ designa um tipo de atividade que

realiza ‘alguma coisa já existente em abstrato’, ou seja, uma atividade que ‘segue um desenho’,
traduzindo-o em atos. Quando conotada ao termo ‘contrato’, a palavra execução tem o sentido de
um conjunto de ações teleológica e vinculativamente direcionadas para a produção de efeitos
jurídicos coerentes com o que foi desenhado ou planificado no acordo contratual. Trata-se, portanto,
do momento em que devem ser desenvolvidas atividades que dão entidade concreta ao previsto no
acordo, efetivando o ‘programa contratual’ ali desenhado”. Grifo da autora.
261 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. p. 696: “Ocorre

o inadimplemento absoluto quando a obrigação deixa definitivamente de ser cumprida pelo devedor,
em oposição à mora, hipótese de não cumprimento da obrigação na forma, lugar ou tempo devidos
(CC, art. 394). Para que haja mora, todavia, é preciso que seja possível o cumprimento, ainda que
tardio, da obrigação. Deixando de sê-lo, a mora não tem lugar: o devedor torna-se absolutamente
inadimplente”.
83

Reforça Couto e Silva que tais deveres originam-se a partir do comunitarismo


presente no ordenamento jurídico, o qual objetiva a proteção do indivíduo, baseando-
se em uma espécie de tratamento geral de consideração social:

As máximas, que penetram pela cláusula geral no corpo do direito público e


privado, encontram-se em certos princípios constitucionais, nas concepções
culturais claramente definidas e suscetíveis de serem objetivadas, na
natureza das coisas e na doutrina e julgados acolhidos. A seu turno, o dever
que promana da concreção do princípio da boa-fé é o dever de consideração
para com o alter. Mas tais deveres não se manifestam em todas as hipóteses
concretas, pois que, em muitos casos, dependem de situações que podem
ocorrer, seja no próprio nascimento do dever ou no seu desenvolvimento.262

A responsabilidade civil contratual disciplina-se a partir do art. 389263, do CC,


ao atrelar o dever originário, o descumprimento obrigacional, ao dever sucessivo, a
reparação, pelo devedor, das perdas e dos danos, atualizados de juros e de correção
monetária, de modo que a reparação pela violação efetivada dê-se de forma integral.
Aqui, relevante o entendimento de que sujeitam-se ao inadimplemento e aos
seus efeitos não somente as obrigações principais, expressamente previstas no título,
mas também as obrigações acessórias, “sejam aquelas previstas expressamente no
título, sejam as que decorrem diretamente da lei e aquelas inerentes à própria relação
obrigacional”264. Assim, na prática, o alargamento dos deveres obrigacionais pretende
proteger a dignidade do indivíduo, atentando-se aos seus interesses pessoais, sem
deixar os interesses sociais e coletivos desamparados.
Esta leitura processual da obrigação coaduna-se à necessária compatibilidade
que as condutas privadas devem manifestar ante os primados constitucionais. Neste
sentido, o resguardo dos efeitos contratuais propriamente ditos, que inserem-se em
uma “relação obrigacional complexa”, corresponde, sob a análise sistêmica da ordem
jurídica, na proteção do indivíduo.265

262 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 32-33. Grifo do autor.
263 BRASIL. Op. cit., p. 76: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e
danos, mais juros e atualização monetária segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos,
e honorários de advogado”.
264 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 698.
265 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 141: “A perspectiva da totalidade dinâmica leva a considerar

que, em qualquer situação, os elementos presentes no vínculo se interligam. O todo é concretizado


por vários elementos, que se encadeiam processualmente em atenção a uma finalidade. Desse
modo, as situações jurídicas singulares inseridas nesta relação total ‘correlacionam-se e completam-
se reciprocamente, nos termos adequados a, na sua totalidade, poderem proporcionar a satisfação
da necessidade servida pelo contrato’, com o que ‘todas as suas características são recebidas a
partir da unidade e da funcionalidade da relação obrigacional em sentido amplo ou relação
contratual’ (Op. cit., p. 149). Grifo da autora.
84

4 ENTRE O TEMPO E O DIREITO: A PÓS-EFICÁCIA DAS OBRIGAÇÕES

Enquanto a responsabilidade civil pré-contratual privilegia as tratativas firmadas


em momento prévio à formalização do contrato, de modo a tutelar a confiança negocial
entre as partes, e a responsabilidade civil contratual incide sobre a execução do objeto
arregimentado, a responsabilidade civil pós-contratual age de modo a cristalizar a boa-
fé ao momento em que as obrigações principais encontram-se extintas, restando aos
contraentes um conjunto de comportamentos de observância obrigatória, sob pena de
inadimplemento contratual passível de reparação.266
Previamente ao ingresso na temática da pós-eficácia das obrigações, relevante
traçar um panorama a fim de delimitar a localização do presente objeto de pesquisa.
Partindo-se da noção de obrigação como processo, tem-se, conforme aduzido,
que o vínculo obrigacional divide-se nos elementos de débito e de responsabilidade,
correspondendo, respectivamente, às obrigações mutuamente devidas entre aqueles
que contratam, e do dever de reparar em caso de descumprimento de seus termos.
Tratou-se, na sequência, desta responsabilidade civil, o dever de reparação
decorrente do incumprimento obrigacional, podendo originar-se de maneira contratual
ou extracontratual. Referente à espécie contratual, um dos fundamentos atinentes ao
dever de cuidado reside no modelo da boa-fé objetiva, princípio balizador de todas as
relações privadas, que orbita estas relações através das funções de interpretação,
correção e integração dos pactos privados ao texto e ao espírito do sistema jurídico.
Ante os indivíduos que se vinculam, este princípio atua de modo a funcionalizar
comportamentos específicos durante o curso contratual. Precipuamente, age de modo
a interpretar os sentidos e as práticas entabuladas pelas partes, nos termos do referido
art. 113, do CC. Também, procede de modo a limitar o exercício inadmissível de uma
posição jurídica e vedar o abuso de direito, conforme disposto no supracitado art. 187,
do CC. Finalmente, opera de modo a fundar deveres anexos que ultrapassam o teor
dos dispositivos alinhavados, tendo por base o propósito comunitário e socializante
emanado pelo ordenamento jurídico brasileiro através do papel integrativo da boa-fé,
consoante ao art. 422, do CC.
Assim, reside nesta função integrativa da boa-fé o fundamento da pós-eficácia
obrigacional, criadora de deveres laterais de conduta para além da relação contratual.

266 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 625-626.


85

A possibilidade da existência de deveres autônomos que sucedem as tratativas


pré-contratuais e contratuais propriamente ditas depreende-se da noção de que trata-
se a obrigação de verdadeiro processo e que este, por sua vez, encontra-se inserido
em uma ordem jurídica aberta e porosa, apta a abarcar situações concretas que, por
não subsumirem-se com exatidão à norma positivada, exigem soluções baseadas no
conjunto principiológico extraído do ordenamento legal, notadamente fazendo uso da
boa-fé objetiva como instrumento hábil ao preenchimento de lacunas normativas.267
A pós-eficácia obrigacional constitui “um dos temas intricados do direito civil”268.
Seja pelo extenso percurso doutrinário a ser seguido até seu âmago, seja por sua
fundamentação consistir em cláusulas abertas e conceitos abstratos e, daí, sujeitos a
variáveis interpretações, ou ainda por sua escassa aplicabilidade jurisprudencial nos
tribunais pátrios, trata-se, porém, de temática necessária ante a consolidação de uma
leitura constitucional e socializante do direito privado brasileiro.269
Inaugurando o tema, trata-se de distinguir as diferentes modalidades possíveis
de pós-eficácia das obrigações, delimitando a extensão da culpa post pactum finitum
e suas diferenças para “figuras jurídicas afins aproximadas”270.
Posteriormente, expõe-se os fundamentos constitucionais, legais e doutrinários
desta responsabilidade, passando à questão da existência de suposto conflito entre
responsabilidade civil pós-contratual e segurança jurídica, eis que imputa-se a ela uma
possível capacidade de estender os efeitos do pacto já adimplido, tendo como base a
violação positiva do contrato. Também, remonta-se à primeira decisão jurisprudencial
brasileira que, de maneira nominal, referiu-se à culpa post pactum finitum como
ensejadora de responsabilidade civil.
Finalmente, adentra-se ao tema da natureza jurídica atribuída à obrigação de
reparar originada do pós-contrato – se contratual ou extracontratual –, e seus efeitos
quanto ao momento de incidência da mora e de seu prazo de prescrição.

267 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 96-97


268 MOTA, Mauricio. A pós-eficácia das obrigações revisitada. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício
(org.). Transformações contemporâneas do direito das obrigações. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011. p. 8.
269 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 4: “Com o advento do

Código Civil de 2002 e a positivação dos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da
função social dos contratos, é o momento de revisitar o tema, verificando sua transformação à luz
dos novos paradigmas da eticidade, operabilidade e sociabilidade introduzidos no Código e,
principalmente, tendo em vista o vasto labor doutrinário e jurisprudencial realizado no direito civil
para adequá-lo aos princípios da solidariedade social e da dignidade da pessoa humana insculpidos
a Constituição da República”.
270 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 4.
86

4.1. Espécies de pós-eficácia: aparente, virtual, continuada e stricto sensu

A responsabilidade civil pós-contratual pode manifestar-se de modos distintos:


a pós-eficácia aparente, a pós-eficácia virtual, a pós-eficácia continuada e, por fim, a
pós eficácia em sentido estrito, a chamada culpa post pactum finitum.271 As primeiras,
em oposição à última, não consistem na verdadeira pós-eficácia originada da boa-fé
após cumprido o contrato e suas obrigações principais ou secundárias. Neste sentido,
para Mota:

Para se definir a pós-eficácia das obrigações há de se partir do conteúdo da


obrigação. O vínculo obrigacional compreende, ou pode compreender, a
prestação principal, prestações secundárias e deveres acessórios: a primeira
relaciona-se com a atividade dominante exigida ao devedor. As segundas
redundam em atuações legais ou convencionais que, funcionalmente, servem
à prestação principal e que, noutras circunstâncias, poderiam integrar
prestações autônomas. Os terceiros derivam, direta ou indiretamente, dos
princípios sociais antes expostos e integram as adstrições necessárias à boa
realização da prestação e à proteção das partes.272

Congregando um gênero de pós-eficácia obrigacional em sentido amplo, cada


uma das espécies distingue-se a partir de características próprias que moldam e, na
prática, influenciam de modo diferente os efeitos contratuais e pós-contratuais.
Primeiramente, a pós-eficácia aparente refere-se aos “efeitos pós-eficazes de
obrigações que são cominados, expressa e especificamente, por norma jurídica que
tem o fato extintivo por previsão”273. Assim, o sentido de aparência deste tipo de pós-
eficácia decorre do fato de encontrar-se de modo manifestamente tipificado na ordem
jurídica, sendo de prévio conhecimento dos contratantes e que, embora produzam
efeitos posteriores ao término da vinculação pactuada, consistem em mera situação
de pós-eficácia, mas não de responsabilidade civil pós-contratual em sentido estrito –
a culpa post pactum finitum.

271 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 627-628: “Uma análise das
consagrações jurisprudenciais da cppf [culpa post pactum finitum] e das referências que ela tem
merecido, permite detectar um emprego descritivo do termo – de outras expressões equivalentes.
Num certo amorfismo acrítico, têm sido consideradas cppf todas as manifestações de juridicidade
que manifestem depois de extinta uma obrigação. Feita a destrinça, descobre-se: a pós-eficácia
aparente – quando a lei associe, de modo expresso, certos deveres à extinção das obrigações – a
pós-eficácia virtual – quando uma situação jurídica complexa preveja, desde o início, deveres a
observar no seu termo – e a eficácia continuada – quando, numa situação também complexa, se
extinga o dever de prestar principal, subsistindo os restantes. A verdadeira pós-eficácia – ou pós-
eficácia em sentido estrito – coloca-se na área atinente aos deveres acessórios”.
272 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 40.
273 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 40.
87

Exemplificativamente, cita-se como situação tipificada de pós-eficácia aparente


a revogação de contrato de mandato, nos termos do art. 682274, do CC, não podendo
tal rescisão opor-se a quem, agindo de boa-fé, contrata com o antigo mandatário sem
saber que a procuração não mais produz efeitos, conforme disposição do art. 686 275,
do CC. Aqui, portanto, tem-se que disposição legal prevê a conservação de efeitos
que, desde a pactuação da avença, projetam-se posteriormente ao seu fim.276
A pós-eficácia virtual, por sua vez, refere-se aos deveres passíveis de exigência
somente em momento posterior ao término do contrato. Assim, uma vez fulminada a
obrigação principal, subsistem comportamentos dela dependentes e complementares,
que requerem o prévio término da relação entre contratantes. Acerca destes, diz Mota:

Existem também obrigações complexas em cujo conteúdo se inscreva, desde


o início, a existência de determinados deveres que, por natureza, só possam
ser executados no momento imediatamente posterior ao da extinção. Aqui, a
extinção em causa não é extinção integral da obrigação, mas, apenas, a da
prestação principal. [...] As relações suscetíveis de ligar as partes fora do
período contratual são em primeiro lugar relações jurídicas. São as relações
de direito entre os contratantes que sobrevivem à expiração do contrato ou
pelas quais este joga um papel de termo suspensivo. Com efeito, ainda que
o objeto do contrato já tenha sido realizado, obrigações de executar uma ou
mais prestações podem restar ao encargo de uma das partes. São relações
de direito que continuam a ligar os contratantes depois da extinção do
contrato e sem que uma nova relação contratual as venha substituir.277

Este efeito subsiste a exemplo da “situação do advogado que, extinta a relação


advocatícia, fica obrigado a uma prestação secundária pós-eficaz, a de devolver os
documentos e papéis que houver recebido do cliente no curso da lide” 278. Assim, vê-
se que a prestação passa à exigibilidade dada a extinção do vínculo, mas mantém os
antigos contratantes, em alguma medida, ainda vinculados a determinados atos.
Assim, por tratar-se de obrigação que decorre de um dever principal, mas não
diretamente do primado da boa-fé objetiva, não consiste em culpa post pactum finitum.

274 BRASIL. Op. cit., p. 97: “Art. 682. Cessa o mandato: I – pela revogação ou pela renúncia; II – pela
morte ou interdição de uma das partes; III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a
conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; IV – pelo término do prazo ou pela conclusão
do negócio”.
275 BRASIL. Op. cit., p. 98: “Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não

se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao
constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único. É
irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios
encetados, aos quais se ache vinculado”.
276 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 38.
277 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 37-38.
278 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 38.
88

Finalmente, encerrando os tipos de figura jurídica assemelhadas à pós-eficácia


em sentido estrito, mas que com ela não se confundem, a pós-eficácia continuada
refere-se às previsões contratuais que, decorrente da lei ou da autonomia da vontade,
resistem ao fim do contrato, e, condicionados à certos prazos e condições, estendem-
se no tempo limitando direitos dos antigos contratantes. Sobre estas, diz Mota:

Existe também um gênero de obrigações complexas no qual se manifestam


ao longo do curso da obrigação tanto o dever de prestar principal quanto os
deveres secundários. Ocorre, então, a extinção do dever de prestar principal,
continuando os demais elementos até o seu cumprimento integral. É o caso,
por exemplo, de um banqueiro que, tendo realizado a venda de seu banco,
fica obrigado por cláusula contratual (prestação secundária) a não montar
novo estabelecimento na área financeira pelo prazo de três anos.279

Trata-se de cláusula usual nos contratos empresariais de longa duração que,


por sua natureza concorrencial, visam delimitar o pleno exercício de direitos de uma
parte à outra, sob pena de responsabilidade civil. Exemplos típicos encontram-se nos
contratos de cessão de direitos e obrigações, quando o alienante obriga-se à cláusula
de não-concorrência, seja por expressa previsão do negócio jurídico entabulado, seja
por força legal, nos termos do art. 1147280, do CC.
Novamente, trata-se de obrigação que atua na fase posterior à extinção da
relação contratual, mas, por originar-se do próprio instrumento contratual ou decorrer
de expressa previsão legal, refere-se a uma obrigação que apresenta efeitos pós-
contratuais, afastando-se, portanto, da responsabilidade pós-contratual em sentido
estrito, aquela baseada na boa-fé e em seus deveres anexos – a culpa post pactum
finitum.
Feita a diferenciação doutrinária entre situações capazes de promover efeitos
pós-contatuais, de forma aparente, virtual ou continuada, mas que não correspondem
à uma relação pós-contratual, passa-se a tratar da efetiva pós-eficácia obrigacional,
fundada no dever geral de consideração que, por sua vez, decorre da sociabilidade
presente no ordenamento jurídico privado, do princípio da boa-fé e de sua capacidade
de criação de deveres anexos à obrigação principal, capazes de atuar de maneira
autônoma às obrigações manifestamente previstas no contrato.

279 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 40.
280 BRASIL. Op. cit., p. 138-139: “Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do
estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à
transferência. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a
proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato”.
89

4.2. O pós-contrato e seus deveres anexos: a culpa post pactum finitum

O principal fundamento da responsabilidade civil pós-contratual em sentido


estrito, denominada culpa post pactum finitum, reside na função integrativa da boa-fé,
do que depreende-se do mencionado art. 422, do CC. Este, ao estipular que as partes
de um contrato, durante a execução e a conclusão de um acordo, obrigam-se à guarda
de deveres de probidade e de boa-fé, inaugurou, conforme anotou-se, obrigações que
sucedem as prestações contratuais tutelando a proteção, esclarecimento e lealdade
dos contraentes.
Estes deveres existem mesmo previamente à formalização do pacto, através
da responsabilidade pré-contratual – a culpa in contrahendo –, permeiam a execução
do objeto contratado, nas modalidades de responsabilidade civil lato sensu – o dolo e
a culpa em sentido estrito –, e excedem os limites estritamente positivados através da
criação de deveres laterais, anexos e acessórios ao escopo contratado – a culpa post
pactum finitum. Neste sentido, para Menezes-Cordeiro:

A culpa post pactum finitum corresponde à projeção simétrica da culpa in


contrahendo no período pós-contratual. [...] Desta feita, ocorreria o fenômeno
inverso: depois de extinto, pelo cumprimento ou por outra forma diversa, um
processo contratual, subsistiriam, ainda, alguns deveres para os ex-
contraentes. No que se viu ser a regra na formação dos institutos jurídicos
baseados na boa-fé, a culpa post pactum finitum derivou não de lucubrações
teoréticas centradas em postulados axiomáticos centrais, mas sim da
necessidade vivida de solucionar questões periféricas.281

Assim, a responsabilidade civil pós-contratual desdobra-se a partir de um senso


comunitário que, no ordenamento jurídico nacional, culmina nos vetores de eticidade,
sociabilidade e operabilidade fundantes da CRFB/88. Também justifica-se a presença
da responsabilidade civil pós-contratual na ordem legal nacional pois esta tem como
base a utilização de cláusulas gerais, abertas à formação de novos institutos jurídicos
que passam a penetrar o regime privado das obrigações.282

281 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 626. Grifo do autor.
282 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 115-116: “A função de ressistematização e a formação de
novos institutos: a função das cláusulas gerais não se limita a abrir o sistema jurídico às mudanças
de valoração. É que as cláusulas gerais, ao permitirem a sistematização dos novos casos, conotam
ao sistema também a característica da mobilidade internamente considerada. [...] Esses
movimentos acabam por desembocar na função de estabilização, atributo de todos os enunciados
normativos e também das cláusulas gerais ‘porque se relaciona, de forma direta, aos princípios
práticos gerais’, o que requer, todavia, uma dogmática firmemente ancorada, tornando estáveis
algumas conclusões para o intérprete, e, assim, viabilizando consenso acerca do significado dos
enunciados”. Grifo da autora.
90

Nesta toada, diz Martins-Costa:

Exemplifique-se com a categoria do contrato: em algumas situações,


prevalecerá o princípio da autonomia privada, incidindo as normas contratuais
que lhe dão entidade; em outras, terá mais peso o princípio da boa-fé,
carreando ao contrato regras não fundadas na autonomia, mas no dever –
por exemplo – de considerar os legítimos interesses da contraparte, de modo
que ‘o princípio da autonomia privada não pode reivindicar na disciplina do
instituto, a qual deve refletir uma pluralidade de valores conflituantes’.283

A relevância imputada à carga principiológica decorre do fato de que, no âmbito


da ordem jurídica brasileira “não há uma regra específica atinente à responsabilidade
pós-contratual nas relações entre particulares, mas apenas uma regra geral que impõe
nas relações jurídicas um comportamento segundo a boa-fé objetiva”284, o que, por sua
vez, reforça o entendimento de que “a função de ressistematização propiciada pelas
cláusulas gerais é da maior utilidade para o progresso do Direito”285.
Desde sua origem, a culpa post pactum finitum privilegiou o comunitarismo em
detrimento da autonomia da vontade das partes.286 Coaduna-se, portanto, de maneira
plena ao espírito do ordenamento jurídico pátrio, eis que seus fundamentos encontram
guarida nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, solidariedade
e justiça social, no comportamento da boa-fé objetiva e de sua missão interpretativa,
além da função social dos contratos, em uma mescla de proteção do interesse pessoal
dos contratantes e proteção da ordem social.
Estas fontes resultam em uma complexidade obrigacional em que as partes,
embora livres para celebrar contratos como melhor lhes aproveitar, atuam imbuídas
destes deveres de consideração, balizadores de condutas na fase pós-contratual.

283 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 116-117.


284 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 95.
285 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 117.
286 O escopo deste trabalho não comporta digressões sobre a origem histórica da culpa post pactum

finitum, razão pela qual limitou-se a referenciar as doutrinas clássicas e suas formas de analisar o
fenômeno e os efeitos atinentes à pós-contratualidade. Sobre o tema da origem e desenvolvimento
histórico da culpa post pactum finitum, cf.: MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op.
cit., p. 603-631; e DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 89-108: “A cppf, depois algumas rejeições
iniciais, veio a ser reconhecida pela jurisprudência [alemã] na década de vinte. A pretexto de anotar
decisões que a consagraram, a doutrina tomou contato com a cppf; fê-lo aplaudindo os seus efeitos
práticos, embora sem aprofundar o seu significado teórico. A situação era, porém, muito incipiente:
por um lado, mantiveram-se contradições de julgados, só progressivamente superadas; por outro,
falta, na jurisprudência, uma consciência clara do fenômeno, numa situação que se mantém. As
primeiras referências genéricas à cppf devem-se ao pensamento comunitário que dominou na
década de trinta; pejadas de subentendidos políticos e alicerçadas em confluências meramente
linguísticas, essas referências não tiveram fôlego científico. [...] No período posterior ao segundo
conflito mundial, deu-se, em certas proporções, a florescência mais significativa da cppf [...]”
(MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 626-627).
91

Importa, neste sentido, que os deveres acessórios pós-eficazes consistem em


verdadeiros direitos autônomos e plenamente exigíveis quando violados. Nos dizeres
de Menezes Cordeiro:

Na busca dos vetores materiais que concretizam a boa-fé nas ocorrências de


pós-eficácia, deparam-se, no essencial, a confiança e a materialidade das
situações em jogo. A confiança requer a proteção, no período subsequente
ao da extinção do contrato, das expectativas provocadas na sua celebração
e no seu cumprimento, pelo comportamento dos intervenientes.287

Aqui, a tutela jurídica da fidúcia entre as partes trata-se do mais relevante bem
jurídico a ser resguardado. Isto ocorre, pois, sendo a obrigação um processo, e tendo
o ordenamento jurídico uma natureza social, não poderia a extinção do contrato servir
de pretexto para as partes agirem de modo prejudicial ao escopo recém finalizado.
Assim, ainda segundo o autor, as relações negociais carecem não somente de
conteúdo, mas de efetiva materialidade, o que implica dizer que as manifestações pós-
contratuais das partes não devem obstaculizar a plena fruição do pacto acordado. Diz,
sobre o tema:

A materialidade das situações exige que a celebração e o acatamento dos


negócios não se tornem meras operações formais, a desenvolver numa
perspectiva de correspondência literal com o acordado, mas que, na primeira
oportunidade, se esvaziem de conteúdo. O escopo contratual não pode ser
frustrado a pretexto de que a obrigação se extinguiu. Quer a confiança quer
a materialidade das situações têm limites necessários, na sua proteção pós-
contratual. Extinta uma obrigação, as pessoas recuperam um estatuto de
liberdade, cessando as antigas adstrições. Quando isso não ocorra, falhou,
por qualquer causa, a extinção, não havendo que se falar em pós-eficácia. A
existência de uma culpa post pactum finitum traduz, deste modo, uma
situação particular, onde jogam exigências profundas do sistema, veiculadas,
normativamente, pela regra de atuação de boa-fé.288

Portanto, a ordem legal procura superar a condição naturalmente desigual em


que operam as partes posteriormente à conclusão de seus negócios jurídicos. Para
Tomasevicius Filho, visa-se a “correção do estado de informação assimétrica entre as
partes e à redução dos custos de transação nas relações jurídicas”289, o que resulta
na exata conservação do sentido emanado pelo ordenamento jurídico.

287 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 630.


288 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 630. Grifo do autor.
289 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 97: “Essa correção dá-se mediante a imposição de

deveres de coerência, de informação e de cooperação. Portanto, quem age de boa-fé é coerente,


mantém a palavra dada, transmite informações corretas e relevantes, e coopera, facilitando a vida
das pessoas com quem relaciona”.
92

Propriamente às fontes da culpa post pactum finitum, viu-se de modo reiterado


que sua base encontra-se na função integrativa que flui da boa-fé objetiva prevista no
art. 422, do CC. Entretanto, diz Donnini, “é mister ampliar esse fundamento com outros
preceitos constitucionais, que norteiam qualquer relação jurídica e seus efeitos”290. A
princípio, ainda sobre a cláusula de boa-fé, trata-se de resultado direto da abertura do
sistema, nos seguintes termos:

Desta forma, o fundamento primacial para a aplicação no nosso direito da


culpa post pactum finitum está na cláusula geral de boa-fé, que propicia a
flexibilização do sistema jurídico, pois a solução para situações relacionadas
ao contrato que continua a produzir efeitos mesmo após o seu cumprimento
e consequente extinção seria inviável ou, no mínimo, de difícil aplicação num
sistema jurídico sem mobilidade, inflexível, rígido, sem a existência de uma
cláusula geral de boa-fé.291

Assim, rememora-se que a responsabilidade pós-contratual em sentido estrito


já ensejou entendimentos jurisprudenciais, nos termos dos supracitados Enunciado n.
24 e Enunciado n. 25, ambos da I Jornada de Direito Civil, os quais, respectivamente,
atestam que a violação de deveres anexos consiste em espécie de inadimplemento,
e, portanto, indenizável, assim como admite-se para o julgador estender a aplicação
da boa-fé objetiva à pré-contratualidade e à pós-contratualidade.
Neste iter, para Mota, “sob o ângulo da totalidade, o vínculo passa a ter sentido
próprio, diverso do que assumiria se se tratasse de pura soma de suas partes, de um
compósito de direitos, deveres e pretensões, obrigações, ações e exceções”292. Aqui,
novamente, a figura do processo obrigacional que estende o vínculo no tempo.
Também, previsto no art. 421, do CC, o princípio da função social do contrato
funciona como fundamento da responsabilidade civil pós-contratual, condicionando o
exercício contratual à observância de seus efeitos sobre terceiros. Assim, sua função
limita o livre exercício de direitos pelas partes, que passam a ter de considerar fatores
internos e externos ao contrato, além da simples satisfação do escopo contratado.

290 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 109: “Essa fundamentação mais abrangente é imperiosa, pois
a solução mais adequada para os conflitos se faz da análise do ordenamento jurídico como um todo
e em especial de nossa Lei Maior, vértice na hierarquia das fontes”.
291 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 115: “Portanto, posto preveja o art. 422 do novo Código Civil

que a noção de probidade e boa-fé deva estar presente na conclusão e execução da avença, por
tratar de uma cláusula geral (aberta), essa atitude dos contratantes deverá ser seguida não somente
durante a fase contratual, mas também antes e após a celebração do pacto. Isso significa que o
dispositivo em questão abarca situações como a culpa in contrahendo e a culpa post pactum
finitum”. Grifo do autor.
292 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 30.
93

Acerca da aplicação prática do princípio, diz Donnini:

A função social do contrato tem por escopo limitar a autonomia privada, a


liberdade contratual, impondo um comportamento ético, proporcional aos
contraentes, impedindo distorções à ideia de comutatividade, que deve
imperar em toda relação contratual. Essa função social, portanto, propicia à
relação existente entre as partes um procedimento justo, visto que
contratações desproporcionais, que acabam por lesar, prejudicar um dos
contratantes e favorecer o outro, são vedadas. Assim, qualquer cláusula
excessiva, abusiva, vexatória não se coaduna com a concepção social do
contrato.293

Assim, reitera-se que o processo obrigacional ultrapassa as pactuações postas


pelos contraentes, passando a edificar entre elas, também, deveres de consideração,
baseados no princípio da boa-fé objetiva, mirando um ideal de justiça.294 Para Mota,
de maneira similar, a função social dos contratos promove uma “funcionalização da
liberdade contratual, diante da totalidade dos interesses sociais”295, compatibilizando
as intenções contratualizadas aos princípios socializantes da ordem jurídica.
Referente aos deveres anexos, expressa Donnini que sua violação equipara-
se à violação do próprio ordenamento jurídico, eis que a base dos deveres acessórios,
além da legislação civil, provém também do texto constitucional. Nestes termos:

A violação dos denominados deveres acessórios ou anexos, após a extinção


de uma obrigação constante de um contrato, fere a cláusula geral de boa-fé
e, por conseguinte, sua base inspiradora, que é justamente o princípio da
pessoa humana.296

Finalmente, o derradeiro fundamento que permite a culpa post pactum finitum


compactuar-se com o ordenamento jurídico brasileiro encontra-se justamente em seu
vértice, a CRFB/88, substancializados nos princípios da dignidade da pessoa humana,
solidariedade, igualdade e justiça social.
A dignidade, insculpida no citado art. 1º, inc. III, da CRFB/88, aplicado na fase
pós-contratual, redunda no dever de manter o contrato útil às partes após seu término,
sendo “o que se exige é que embora a obrigação principal e característica já tenha se
extinguido pelo adimplemento, as partes ficam obrigadas a manter o negócio bom e
valioso tal qual era, dentro de um período razoável de tempo, após findo o contrato”297.

293 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 118.


294 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 118.
295 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 31.
296 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 124. Grifo do autor.
297 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 34.
94

Este princípio instrumentaliza-se através da solidariedade, conforme trazido no


art. 3º, inc. I, da CRFB/88, e da igualdade, presente no art. 5º, caput298, da CRFB/88.299
A solidariedade manifesta-se “vinculada às cláusulas gerais, uma vez que estas
buscam o comportamento solidário entre as partes, isto é, uma atitude compatível com
a concepção social”300. O princípio da igualdade, a seu turno, “deve ser visto como um
princípio de justiça social”301, coadunando-se com os ditames da ordem econômica
previstos pelo mencionado art. 170, da CRFB/88.
Em resumo, tais princípios pretendem, por fim, “o desenvolvimento e o respeito
à pessoa humana. Destarte, não há justiça social com a ruptura, numa relação jurídica,
dos deveres acessórios, laterais ou anexos”302.
Isto resulta na plena aplicabilidade dos deveres criados a partir da culpa post
pactum finitum na ordem jurídica com o fito de resguardar as expectativas legítimas
individuais para os antigos contratantes. Sobre a relação entre tempo, direito e pacto,
diz Ost:

A questão dos contratos, como a da lei e da Constituição, reencontra, assim,


o caminho do tempo metamórfico, que garante ao direito uma visão sobre o
futuro. Mais que se agarrar a uma mítica vontade comum inicial ou, ao
contrário, de se entregar a uma ilusória adaptação permanente dos acordos,
trata-se de manter os olhos fixados nas realidades do plano de fundo, que
dão ao contrato suas bases: uma vontade de colaboração, um conjunto de
gestos e de práticas que fizeram nascer expectativas legítimas, uma
exigência de boa-fé na construção das convenções. Entre o passado fictício
do acordo inicial e do futuro indefinidamente aberto a uma renegociação
permanente, há lugar para um futuro confiante – aquele do crédito e da
confiança – baseado numa promessa de colaboração.303

Tratando-se o contrato de ato fundamentalmente colaborativo, com base social


que privilegia a noção comutativa em oposição a uma atuação privatista dos agentes,
reveladas as razões pelas quais a culpa post pactum finitum conforma-se e integra-
se, de maneira precisa o ordenamento jurídico brasileiro.

298 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5


de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional nº 108/2020. Brasília, DF: Senado
Federal, 2020. p. 11: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”.
299 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 124.
300 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 124.
301 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 124.
302 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 124.
303 OST, François. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Revisão técnica de Carlos

Aurélio Mota de Souza. Bauru, Editora da Universidade do Sagrado Coração (EDUSC), 2005. p.
298. (Coleção Ciências Sociais).
95

4.3. Segurança jurídica e culpa post pactum finitum

A falta de previsão expressa da culpa post pactum finitum na legislação civilista


obstaculizaria sua aplicabilidade.304 O art. 422, do CC, referindo-se expressamente
somente à fase contratual propriamente dita, rejeitaria estender os deveres da boa-fé
para o período pós-contratual. Entretanto, diante a lógica orgânica disseminada pelo
ordenamento jurídico, de caráter social e comutativa, incongruente seria considerar
que, uma vez extinto o contrato, as partes procederiam livremente, sem a necessidade
de manter um comportamento coerente ao negócio recém terminado. Para Donnini:

Numa análise restrita, numa interpretação meramente filológica, poder-se-ia


chegar à conclusão de que a fase que antecede a celebração do contrato e o
momento posterior ao pacto, após sua extinção, não estariam resguardados,
protegidos pelos deveres de probidade e de boa-fé. No entanto, não há
dúvida dessa proteção, em que pese a redação falha desse preceito.305

Ainda, embora legislativamente omissa, a responsabilidade civil pós-contratual


em sentido estrito adequa-se ao ordenamento jurídico decorrente do caráter de ordem
pública da função social dos contratos, consistindo em preceito jurídico cogente, nos
termos do citado art. 2.035, do CC.306 Neste sentido, segue o autor:

A aplicação da cláusula geral de boa-fé poderia gerar uma certa incerteza,


haja vista a possibilidade de o magistrado estabelecer uma norma ao caso
concreto, o que, num primeiro momento, poderia transparecer certa
insegurança jurídica. Não se criou no mundo jurídico, ainda, uma regra que
norteie uma dada conduta almejada pela sociedade, sem uma certa
abrangência, sem aumentar, inegavelmente, o poder do juiz nessa árdua
tarefa de delimitar, dentro do sistema, o que é e o que não é compatível com
a boa-fé. [...] Na realidade, num mundo em que cada vez mais nos deparamos
com a rapidez com que os fatos surgem e reclamam uma solução também
célere do direito, o que se vê é um sistema legislativo incapaz de regular essa
vasta gama de fatos que devem ser normatizados. [...] Destarte, as cláusulas
gerais têm esse importante papel de tornar o sistema jurídico atualizado, para
que possa responder eficazmente aos reclamos da sociedade.307

Assim, a boa-fé atua de modo a otimizar o processo obrigacional, tanto na fase


contratual propriamente dita, quanto nas fases de pré-contratualidade e, em especial,
na pós-contratualidade, resultando na proteção integral dos interesses entabulados.

304 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 115.


305 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 115-116.
306 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 116.
307 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 116.
96

A culpa post pactum finitum, conforme consignado, origina-se dos princípios


constitucionais e civis presentes no ordenamento jurídico nacional. Decorrente deste
fundamento principiológico, os deveres acessórios exigem dos intérpretes uma leitura
sistêmica entre o sentido normativo do ordenamento e o art. 422, do CC. Este trabalho
hermenêutico reclama uma ponderação do intérprete, no caso concreto, entre valores
e bens jurídicos com a missão de discriminar a obrigação anexa violada. Deste modo:

Não existiria uma grande subjetividade, por parte do magistrado, na apuração


desse dever acessório (dever de informação, de proteção ou de lealdade)
transgredido? Não seria, da mesma forma, muito abrangente e também
subjetiva a decisão acerca da infração ou não da cláusula geral de boa-fé?
Esse fato não causaria a falta de segurança em qualquer contrato? Essas
indagações não comprometem, de maneira alguma a efetiva aplicação da
culpa post pactum finitum dentro do nosso sistema jurídico, visto que não é,
normalmente, difícil a análise da quebra do princípio da boa-fé numa relação
contratual, com a violação dos deveres de informação, proteção ou lealdade.
Na maior parte dos casos, o simples exame da avença proporciona a
averiguação se um ou mais deveres acessórios, que são imanentes ao
contrato, foram ou não infringidos.308

A consideração, portanto, quanto a violação dos deveres quem causam a culpa


post pactum finitum consiste na faceta aprofundada de uma análise tradicionalmente
realizada na jurisprudência: o do exame da violação do princípio da boa-fé contratual,
aqui, porém, aplicado à fase externa posterior ao fim da convenção. Neste tema, ainda
para o autor, a discricionaridade na verificação deste deveres não consiste em causa
que obste a utilidade de teoria, nos seguintes termos:

É inegável que na responsabilidade pós-contratual, por advir de uma atitude


derivada de um contrato, a demonstração do nexo de causalidade entre o ato
e o prejuízo suportado é mais fácil. Ademais, os deveres acessórios, por
persistirem após o cumprimento do pacto, podem ser demonstrados também
de forma menos complexa.309

Assim, a utilização de uma cláusula geral para fundamentar a responsabilidade


civil pós-contratual não consiste em impedimento à evocação e ao uso da culpa post
pactum finitum no ordenamento jurídico brasileiro, eis que funciona de modo a garantir
um comportamento informativo, protetivo e leal das partes uma vez findada a relação
contratual e, consequentemente, tendo como resultado, a segurança no proveito do
objeto contratado.310

308 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 155.


309 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 156.
310 NEVES, Karina Penna. Op. cit., p. 128.
97

4.3.1. Apelação Cível n. 588.042.580/TJ-RS: o caso da compradora escorraçada

Ingressando no País em 1988 em voto proferido pelo então desembargador do


Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), Ruy Rosado de Aguiar
Júnior, a responsabilidade civil pós-contratual em sentido estrito, a culpa post pactum
finitum, pouco repercutiu na jurisprudência nacional.311
O caso em comento refere-se à relação de compra e venda de imóvel em que
a transação frustrou-se em decorrência do comportamento do vendedor que, depois
de finalizada a prestação em sua totalidade, com a transferência de propriedade para
a adquirente, a escorraça da posse do bem, ameaçando atentar contra sua vida caso
permaneça na residência. Desta atitude, o vendedor pretendia retomar o imóvel para
vendê-lo a terceira pessoa, cuja proposta financeira tinha-se vantajosa em relação à
primeira. Nestes termos, resumida a decisão:

Ementa. Compra e venda. Resolução. Culpa post pactum finitum. O vendedor


que imediatamente após a venda torna inviável à compradora dispor do bem,
ameaçando-a de morte e a escorraçando do lugar, para aproveitar-se disso
e vender a casa para outrem, descumpre uma obrigação secundária do
contrato e dá motivo à resolução. Princípio da boa-fé. Preliminar de nulidade
rejeitada. Apelo provido em parte, apenas para suspender exigibilidade dos
ônus de sucumbência.312

Aqui, relevante notar que o contrato de compra e venda extinguiu-se decorrente


de seu pleno cumprimento, ou seja, as partes efetivamente adimpliram às obrigações
típicas, tendo sido transacionado o imóvel em todos os trâmites necessários. O pacto,
portanto, consolidou-se. Ocorre que, após adimplida a prestação principal, o vendedor
devolveu o investimento realizado pela compradora numa tentativa de desfazimento
forçado do contrato. Somado a isto, passou a ameaçá-la fisicamente caso rejeitasse
desfazer a transação, atuando de modo a prejudicar a liberdade da compradora.
Nota-se que neste caso não houve violação dos deveres relacionados ao objeto
contratado, mas sim ao propósito do contrato: a possibilidade de a compradora fruir o
imóvel, impedida de exercer os direitos respectivos à sua propriedade legitimamente
adquirida decorrente de conduta dolosa e manifestamente contrária à boa-fé objetiva.

311 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 101.


312 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. (Quinta Câmara Cível). Apelação
Cível n. 588.042.580. Apelante: Carlos Antônio de Lima Gonçalves. Apelada: Zilma da Silva
Cândido. Relator: Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Porto Alegre (RS), 16 de agosto de 1988.
Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 5 maio 2022. Grifo nosso.
98

A frustração da lealdade entre os antigos contratantes, portanto, representou a


violação das premissas comutativas do contato social, em ofensa ao espírito emanado
pelo ordenamento jurídico e, assim, ensejando a responsabilidade civil pós-contratual.
Acerca do caso e das violações pessoais e patrimoniais suportadas pela autora
da lide, Donnini reitera que a solução adequada à demanda deu-se em decorrência
do caráter aberto do ordenamento jurídico nacional, resultando no uso de conceitos e
teses não positivados na legislação.313 De acordo com o autor, o papel do princípio da
boa-fé permitiu compatibilizar o caso à ordem jurídica, resguardando os interesses da
compradora escorraçada e responsabilizando a conduta ilícita do agente. A saber:

Aliás, não se pode imaginar que uma norma não expressa da magnitude da
boa-fé não possa ser aplicada pelo simples motivo dessa falta de previsão.
Seguir esse entendimento seria privilegiar situações jurídicas injustas,
iníquas, sem equilíbrio, o que estaria a ferir a noção de justiça. Estar-se-ia,
na realidade, a não mais se valer da ideia de justiça como critério de
inspiração do direito.314

Os resultados perquiridos pelo contrato, além daqueles ajustados pelas partes,


devem coadunar-se com as obrigações de consideração decorrentes da boa-fé, não
constituindo fato impeditivo à esta verificação a prestação principal do contrato ter sido
satisfeita. Neste caminho, conclui o autor:

A boa-fé objetiva foi consagrada no art. 422 do novo Código Civil e com ela a
responsabilidade pré-contratual e a responsabilidade pós-contratual. Quando
determina esse dispositivo que os contratantes devem se ater aos princípios
da boa-fé e da probidade na conclusão e execução do contrato, reconhece
que a proteção reúne as fases anterior e ulterior à celebração do pacto. O
artigo antecedente (421) do novo Código Civil também serve de apoio à
aplicação da teoria culpa post pactum finitum, ao estabelecer a concepção
social do contrato, o que implica dizer que, se as partes têm de observar a
função social do pacto, considerada esta uma limitação à autonomia privada,
que busca um comportamento ético, dentro da mais exata noção de
comutatividade e boa-fé, essa atitude deve estar presente na formação do
contrato e em seu momento posterior.315

Ante o exposto, a plena satisfação quanto ao escopo contratado dá-se através


da coerência entre os comportamentos dos contraentes não somente à execução do
objeto negociado, mas também à aderência aos deveres de consideração que fundam
condutas compatíveis aos fins do contrato, sob pena de reparação civil pós-contratual.

313 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 102.


314 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 103.
315 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 108.
99

4.4. Natureza jurídica da culpa post pactum finitum: contratual ou extracontratual

As repercussões do contrato finalizado devem receber o tratamento dispensado


à responsabilidade civil extracontratual, resolvida pela regra geral do dever de reparar
previsto no art. 186, do CC, ou, embora autônomos da prestação principal, os deveres
de consideração, por decorrerem de convenção particular, acobertam-se de proteção
contratual, nos termos do art. 389, do CC.
A importância quanto à definição da origem da responsabilidade pós-contratual
decorre do fato de que, sendo contratual ou extracontratual, sua exigibilidade e seus
efeitos acarretam situações distintas referentes ao prazo de incidência de mora e da
contagem do prazo prescricional para o pleito indenizatório do evento danoso.
Para Donnini, a partir do cotejo entre a responsabilidade civil pré-contratual com
a responsabilidade civil pós-contratual, pode-se traçar um paralelo a fim de qualificar
a localização da culpa post pactum finitum nas obrigações privadas.316 Neste sentido:

Embora haja certa similitude entre a responsabilidade que nasce antes e


aquela que advém após a extinção do contrato, por serem momentos distintos de
responsabilidade civil, não se pode asseverar que os argumentos para a
aplicação da culpa in contrahendo e da culpa post pactum finitum sejam os
mesmos. No primeiro caso, sequer há contrato, enquanto no segundo, posto
ele tenha sido celebrado e a prestação efetivada, com a sua extinção,
continuam a existir para os contraentes deveres acessórios, também
denominados anexos ou laterais. Estes persistem mesmo após a extinção da
avença, visto que são inerentes ao contrato, estão vinculados ao acordado,
mesmo após o seu cumprimento e consequente término.317

Assim, segundo Mota, releva-se “um fator fundamental que deve ser levado em
consideração na matéria: a causa final ou sinalagmática do contrato”318. Diz o autor:

Para a determinação da natureza contratual, fundada na boa-fé objetiva, dos


deveres laterais de conduta pós-eficazes à extinção das obrigações
nucleares do contrato há que se considerar essa causa final ou sinalagmática
do contrato. A causa final é para cada contratante a sua atividade, o
comportamento que leva ao adimplemento, que é também desejado. Esse
comportamento não pode ser visto apenas como uma autovenda, mas deve
ser uma atuação leal, sem que isso signifique que seja um ato de caridade.
No microcosmos da relação jurídica obrigacional contratual, as partes devem
agir tomando em consideração o interesse comum, que o cumprimento dos
deveres contratuais em sua integralidade.319

316 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 157.


317 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 157.
318 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 50.
319 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 50-51.
100

Assim, considerando que o contrato efetiva o direito individual de exercer sua


autonomia privada, observadas as disposições e o espírito do ordenamento, razoável
entender que sua fase posterior conserve as características do momento da execução
do plano contratual. Isto corresponde a dizer que, porque os deveres de consideração
desenvolvem-se em decorrência do fato de ter havido um contrato, a responsabilidade
civil nesta fase possui natureza e repercussões tipicamente contratuais.320
Menezes-Cordeiro, sobre a aplicação da boa-fé como princípio autorregulador
do sistema jurídico, sendo fundamento e finalidade das relações sociais, conclui nos
seguintes termos:

Há, aqui, um vetor claro no sentido de uma justiça comutativa, pois a violação
de tais deveres resulta clara em conjunturas de injustiça objetiva a que se
tenha chegado. O Direito não procura uma igualdade negocial absoluta como
regra [...]. Mas o desequilíbrio deve ser esclarecido e livremente querido por
quem o sofra. Esta necessidade de conhecimento, face à desvantagem,
estende-se às vicissitudes que, supervenientemente, possam atingir
situações contratuais ou similares, em princípio estáticas. Desenham-se
vetores que, não correspondendo, em rigor, a situações de confiança, se
aproximam de princípios genéricos que constituem as traves mestras da
ordem jurídica. Pode-se, nestes termos, dizer que a boa-fé projeta, na sua
materialidade, nas várias situações, em que atue, na aparência indiferentes,
a imagem geral do sistema; assegura que os desenvolvimentos vetoriais dos
sujeitos não o ultrapassem, mas antes, mantendo-se nas balizas que ele lhes
atribui, se mantenham identificáveis como pertencentes ao sistema que os
reconhece. Dobrando uma série de regras singulares, a boa-fé transcendeu-
lhes a teleologia particular, projetando o sistema material onde se aplique.321

Imputar a qualidade contratual aos deveres pós-contratuais significa incuti-los,


conforme mencionado, aos efeitos próprios de uma relação contratual. Na prática, tais
deveres tornam-se exigíveis, após o fim do vínculo obrigacional, nos mesmos moldes
quanto aos prazos e elementos constitutivos da responsabilidade contratual, restando
aos antigos contratantes o cumprimento dos deveres acessórios relevantes.
Ante o exposto, na prática processual, a responsabilidade civil pós-contratual
decorrente da inobservância dos deveres laterais, fundadores da culpa post pactum
finitum, segue o prazo prescricional de dez anos possíveis à sua exigência, consoante
ao previsto no art. 205322, do CC. Complementa-se, ainda, que a o devedor constitui-
se em mora desde promovida citação inicial válida, nos termos do art. 405323, do CC.

320 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 50.
321 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 651.
322 BRASIL. Op. cit., p. 63: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo

menor”.
323 BRASIL. Op. cit., p. 77: “Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial”.
101

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ordenamento jurídico nacional alça o indivíduo ao centro da ordem legal ao


insculpir o princípio da dignidade da pessoa humana no art. 1º, inc. III, da Constituição
da República Federativa do Brasil. A legislação privada, por sua vez, corporificada no
Código Civil, regula os atos jurídicos particulares tendo como norte a sociabilidade, a
eticidade e a operabilidade, objetivos de necessária perquirição pelos indivíduos em
suas atuações privadas.324
Assim, os sentidos e valores constitucionais irradiam-se ao direito civil de modo
a condicionar a atuação dos agentes à observância destes preceitos socializantes e
comutativos, tanto previamente à formalização, durante a execução e após terminado
o programa contratual. O contrato, materialização típica das convenções particulares,
requer das partes adstrição aos princípios que tutelam a proteção, esclarecimento e
lealdade, corolários do standard da boa-fé objetiva.325 Conforme disposto por Couto e
Silva, entendida a obrigação como processo, os indivíduos que se vinculam implicam-
se, desde o primeiro contato social, em dimensões de responsabilidade cujos efeitos
podem perduram para além do adimplemento.326 Daí a origem dos deveres marginais,
anexos, laterais ou acessórios à prestação principal.
Tratando-se de processo estabelecido em um sistema jurídico aberto, os atos
obrigacionais merecem tutela desde sua vinculação inicial, na responsabilidade civil
pré-contratual, denominada culpa in contrahendo, na fase do efetivação do contrato,
denominada responsabilidade civil lato sensu, e posteriormente à sua conclusão, nas
figuras de responsabilidade civil pós-contratual, qualificadas como aparente, virtual,
continuada e em sentido estrito, esta, denominada culpa post pactum finitum.
Nascida da função integrativa da boa-fé, depreendida do art. 422, do CC, estas
responsabilidades exigem, da natureza contratual, a observância de deveres próprios.

324 FACHIN, Luiz Edson. Op. cit., p. 13: “Nesse diálogo floresce uma dialética constitucional que se
abre tanto em função defensiva quanto em função tuteladora; de uma parte, as competências para
ações e empreendimentos; de outra, a salvaguarda, a contenção de abusos e a compensação. Tais
problematizações se distendem para a pessoa, para a liberdade e para a autonomia no Direito Civil”.
325 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 34: “Efetivamente, não é fácil essa caracterização, pois a

locução ‘boa-fé’ é uma expressão semanticamente vaga ou aberta e, por isso, carecedora de
concretização, sendo a tarefa de concretizar sempre, e necessariamente, contextual. Por mais que
seja manifesto um significado genérico do sintagma boa-fé – por todos compreensível, mas de
pouco auxílio, justamente por conta da elevada genericidade – especificar o conteúdo de um
comportamento pautado por esse modelo jurídico nos variados casos concretos é tarefa de difícil
realização”.
326 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 169.
102

Nesta perspectiva, a proteção ao momento da pós-contratualidade coaduna-se


ao propósito do direito: a regulação de interesses privados a partir de bases comuns,
sociais e de interesses coletivos que permitem a redução dos custos de transação dos
negócios jurídicos. Em síntese, segundo Tomasevicius Filho: “tudo se resume a agir
de acordo com a boa-fé”327.
Entende-se como crítica à aplicação da culpa post pactum finitum esta formar-
se a partir de teses demasiadamente subjetivas, competindo ao intérprete do contrato
considerar não somente violação à boa-fé, tarefa que representa intricado exercício
hermenêutico, mas também de seus deveres anexos, exigindo, portanto, análise em
um nível ainda mais íntimo. Para Mota, resolve-se esta questão a partir da análise da
base do negócio jurídico, nos seguintes termos:

A determinação se o implemento de uma certa conduta constitui ou não um


dever lateral da obrigação extinta é dada pela noção de base do negócio
jurídico. Existirá tal dever sempre que a atitude de uma das partes da relação
contrariar, em infringência à boa-fé objetiva, a base objetiva do negócio, não
permitindo a fruição do resultado do negócio realizado. Por fim, deve-se
salientar, como afirmado, que os deveres laterais de conduta, pós-eficazes e
inerentes ao negócio, configuram-se como decorrentes de uma vinculação
contratual e se dirigem à realização do fim do contrato, à sua causa
sinalagmática, entendida essa como a higidez de toda a relação jurídica
realizada, de modo que não se frustre a vantagem outorgada no contrato.
Cabe ressaltar que esses deveres subsistem até a perda de sua relevância,
seja pelo carecimento de nexo causal com a situação contratual, seja pelo
vencimento do prazo de prescrição, característico de toda obrigação.328

Consectários da boa-fé, os deveres anexos funcionam de modo a não frustrar


as prestações auxiliares que concorrem à satisfatória execução do escopo contratado,
permitindo, como resultado, o pleno aproveitamento dos direitos transacionados pelos
contratantes.
Assim, reconhecendo que a obrigação não corresponde a um evento monolítico
e unitário, mas a um feixe de procedimentos que, em conjunto, vinculam as partes de
maneira recíproca e contínua, atesta-se de maneira plena a incidência deste tipo muito
próprio de responsabilidade civil no espírito, no propósito e no sentido do ordenamento
jurídico brasileiro. Observados critérios razoáveis quanto a efetiva existência no caso
concreto e quanto ao prazo prescricional, os deveres acessórios, sendo autônomos
do contrato que os deu origem, passam à exigibilidade, quando violada a boa-fé.

327 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 483.


328 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 59.
103

Finalmente, “um princípio, quando expresso, seja em normas constitucionais


ou infraconstitucionais, não é utilizado apenas como um recurso de hermenêutica,
mas passa a ser uma imposição, uma ordem, uma determinação legal”329, diz Donnini.
Neste caminho, a partir das exposições ora trazidas, qualificou-se e demarcou-se a
responsabilidade civil pós-contratual como momento próprio, capaz de fazer
reverberar direitos e obrigações nos contratos cuja obrigação principal foi adimplida,
também servindo à justa expectativa das partes de que seus interesses estarão
resguardados durante todo o iter contratual – e mesmo após o seu fim.
Ante o exposto, de modo a reiterar a possibilidade de exigência dos deveres
pós-contratuais, parte-se da advertência de Gomes sobre a necessária consideração
do ordenamento jurídico enquanto sistema legal, sendo um conjunto normativo dotado
de uma lógica, motivos e fundamentos próprios, conclui-se:

Autores que interpretam artigo por artigo de um código tem uma visão
deformada do sistema jurídico. Obrigados a uma particularização fatigante,
reduzem o campo da visualização a um só preceito, perdendo a perspectiva
do todo. O mister de que se ocupam está ao alcance de todas as
mediocridades. Enxergam árvores, mas não veem a floresta. O resultado é
fatalmente monstruoso [...]. E o direito, que nos embates da vida evolui e se
aperfeiçoa pela atividade criadora dos que o aplicam, converte-se novamente
em uma ciência dedutiva.330

A árvore – ou, melhor, a semente – da responsabilidade civil pós-contratual em


sentido estrito, a culpa post pactum finitum, já está plantada no ordenamento jurídico
brasileiro. Agora, é preciso vê-la em meio à floresta.

329 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 167


330 GOMES, Orlando. A crise do direito. Max Limonad: São Paulo, 1955. p. 6-7
104

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