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CURITIBA
2022
GUILHERME CENTA ROSS
CURITIBA
2022
GUILHERME CENTA ROSS
Orientador: ______________________________
______________________________
Professor Membro da Banca
Considering that the legal obligation can be seen as process, this undergraduate thesis
aims to study the level of incidence, fundamentals, and effects of post-contractual civil
liability – named culpa post pactum finitum – in the scope of the Brazilian legal system.
Considering that the Constitution of the Federative Republic of Brazil, the pinnacle of
the national legal system, is based on social principles, notably related to social justice
and the human dignity, as well its close connections to the principle of objective good
faith, being it a premise of private relations as established in the Brazilian Civil Code
(Law n. 10.406, dated January 10th, 2002), this term paper intends to demonstrate the
presence, the feasibility and the application of the aforementioned theory that regards
civil liability as a phenomenon subject to develop itself on the post-contractual moment,
deserving legal protection of its own, and being capable of reverberating rights and its
own private obligations, as seen during the pre-contractual phase – named culpa in
contrahendo – and during the execution of the contract itself – named culpa lato sensu.
This undergraduate thesis is built upon bibliographical review of themes regarding civil
liability, objective good faith, and contracts.
Keywords: Contracts. Civil liability. Culpa post pactum finitum. Objective good faith.
Accessory duties.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ampl. ampliada
atual. atualizada
art. artigo
CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor
cf. conferir
CJF Conselho da Justiça Federal
coord. cient. coordenação científica
CPC Código de Processo Civil
cppf culpa post pactum finitum
CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
des. desembargador
DF Distrito Federal
ed. edição
EDUSC Editora da Universidade do Sagrado Coração
EMERJ Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
min. ministro
n. número
org. organização; organizador; organizadores
prof. professor
p. página
rev. revista
reimp. reimpressão
RIL Revista de Informação Legislativa
super. supervisão; supervisor; supervisores
t. tomo
TJ-RS Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
v. volume
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 A OBRIGAÇÃO COMO PROCESSO .................................................................... 12
2.1 CONCEITO E ESTRUTURA DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL ........................... 20
2.1.1 Teorias do vínculo obrigacional: débito e responsabilidade ............................. 23
2.1.2 Teoria unitária das obrigações .......................................................................... 31
2.1.3 Teoria dualista das obrigações ......................................................................... 34
2.2 FONTES OBRIGACIONAIS ................................................................................ 40
2.2.1 A lei: origem e fim da obrigação ........................................................................ 42
2.2.2 O ato ilícito e o abuso de direito: reparação e limitação de condutas ............... 43
2.2.3 O negócio jurídico: objetivos privados e função social ..................................... 45
2.3 BOA-FÉ OBJETIVA: DISCIPLINA E FUNÇÃO OBRIGACIONAL ........................ 52
2.3.1 Função interpretativa: boa-fé e prática contratual ............................................. 58
2.3.2 Função corretiva: boa-fé e controle contratual .................................................. 60
2.3.3 Função integrativa: boa-fé e deveres acessórios de conduta ........................... 63
3 TEMPO, CONTRATO E RESPONSABILIDADE ................................................... 67
3.1 CONCEITO E ESTRUTURA DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................... 70
3.2 PRESSUPOSTOS E FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................... 79
3.2.1 O pré-contrato e seus deveres anexos: a culpa in contrahendo ....................... 80
3.2.2 O contrato e seus deveres anexos: a culpa lato sensu .................................... 82
4 ENTRE O TEMPO E O DIREITO: A PÓS-EFICÁCIA DAS OBRIGAÇÕES .......... 84
4.1 Espécies de pós-eficácia: aparente, virtual, continuada e strictu sensu .............. 86
4.2 O pós-contrato e seus deveres anexos: a culpa post pactum finitum .................. 89
4.3 Segurança jurídica e culpa post pactum finitum ................................................... 95
4.3.1 Apelação Cível n. 588.042.580/TJ-RS: o caso da compradora escorraçada ... 97
4.4 Natureza jurídica da culpa post pactum finitum: contratual ou extracontratual .... 99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 101
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 104
10
1 INTRODUÇÃO
1 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed., rev. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 37: “A ciência do direito produz enunciados sobre o seu objeto, isto é, produz
enunciados sobre o direito. Sucede que não há apenas uma ciência do direito, porém um conjunto de
ciências do direito. [...] Todas as ciências do direito são ciências sobre o direito. Assim, as linguagens
das ciências do direito são metalinguagens”. Grifo do autor.
11
Por esta razão, a técnica utilizada foi a das cláusulas gerais, que permitem
tanto a ligação intra-sistemática (entre as normas do próprio Código) quanto
a conexão inter-sistemática (por exemplo, entre o Código e a Constituição) e
mesmo extra-sistemática (remetendo o intérprete para fora do sistema
jurídico, a fim de concretizar determinado valor ou diretiva).8
10 FACHIN, Luiz Edson. Direito civil: sentidos, transformações e fim. Rio de Janeiro, Renovar: 2015.
p. 93-94: “Os princípios norteadores da teoria contratual passam por processos de releituras ao longo
do tempo, que os adequam ao contexto histórico e social no qual os contratos estão inseridos. A
teoria formal dos contratos teve como regentes os princípios da autonomia privada e da
vinculatividade do pactuado. No entanto, com o decorrer do tempo, a autonomia privada passou a
representar abusos e, por este motivo, sofrer limitações” (Op. cit., p. 105). Grifo do autor.
15
11 BRASIL. Op. cit., p. 57: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé
e os usos do lugar de sua celebração; § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o
sentido que: I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; II
– corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; III –
corresponder à boa-fé; IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável;
e V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida
das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as
informações disponíveis no momento de sua celebração; § 2º As partes poderão livremente pactuar
regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos
diversas daquelas previstas em lei”
12 REALE, Miguel. Visão Geral do Novo Código Civil. Revista da Escola da Magistratura do Estado
poderá resolvê-lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que transcorrido prazo compatível
com a natureza e o vulto do investimento exigido do agente. Parágrafo único. No caso de divergência
entre as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido”.
16
16 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 112.
17 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais
no projeto do Código Civil Brasileiro. In: SENADO FEDERAL. Op. cit., p. 6. Grifo da autora.
18 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 113: “O processo pelo qual esta adaptação valorativa se realiza
é lento e complexo. Este vai-se realizando pouco a pouco, mediante um trabalho que é em parte
casuístico, em parte de generalização da casuística, constituído pela síntese judicial dos casos
pretéritos, tomados estes, entretanto, não como limites à interpretação e aplicação do direito, mas
como pontos de apoio para a compatibilização entre o sistema e as novas realidades e
circunstâncias”. Grifo da autora.
17
19 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 104: “O conceito de ‘princípio jurídico’ está vinculado, na
linguagem corrente, a pelo menos sete focos de significação. Assim, com a ideia de ‘núcleo básico’
ou ‘característica central’ de algo; de ‘regra, guia, orientação ou indicação’; de ‘origem’ ou ‘causa
geradora’; com as noções de ‘finalidade, objetivo, propósito ou meta’; com as ideias de ‘premissa’,
ou ‘axioma’, ou ‘verdade teórica postulada como evidente’; com o sentido de ‘verdade ética
inquestionável’; e, finalmente, com as ideias de ‘máxima, aforisma, provérbio ou peça de sabedoria
prática que nos vem do passado e que traz consigo o valor da experiência acumulada e o prestígio
da tradição’”.
20 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais
no projeto do Código Civil Brasileiro. In: SENADO FEDERAL. Op. cit., p. 9.
18
21 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2013. 8. reimp., p. 20.
22 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 23.
23 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 69.
24 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 168.
19
26 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: obrigações. v. 2, 9.
ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. p. 13: “Etimologicamente, obrigação vem do vocábulo
latino obrigare [...], que significa atar, ligar, unir, impor um determinado compromisso”. Grifo dos
autores.
27 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 31: “O direito das obrigações é
considerado o principal livro da parte especial de nosso Código Civil. A razão é singela: grande parte
da teoria geral do direito civil tem aplicação direcionada às obrigações, em detrimento das demais
especialidades”.
28 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 31.
29 NORONHA, Fernando apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 32.
30 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 14.
31 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 14.
32 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 50.
21
Assim, uma vez estabelecidos os atores obrigacionais, estes têm como função
concorrer ao elemento objetivo: as prestações, ou seja, “aquilo que deve ser feito,
prestado ou omitido”34. Tais prestações, por sua vez, caracterizam-se como prestação
positiva, aquela em que se pretende realizar uma conduta ou ação, ou prestação
negativa, quando quer-se impedir ou evitar a efetivação de algum ato juridicamente
relevante.35
Aqui, por tudo, deve-se atentar que esta coisa a se prestar deverá preencher,
por sua vez, os critérios de validade do negócio jurídico: existência de capacidade civil
à realização dos atos jurídicos, a possibilidade de o objeto negociado ser executável
e, em caso de haver previsão legal, a observância de formalidades próprias ao objeto
em questão, de acordo com a previsão do artigo 10436, do CC.
Consequentemente, serão nulas quaisquer avenças celebradas por indivíduo
absolutamente incapaz, que promova algum tipo de matéria manifestamente ilegal,
apresente conteúdo indeterminado ou de execução impraticável, que desobedeça a
regulações tipificadas em lei ou, ainda, que tenha como objetivo a prática de fraude
de mandamento legal ou processual, conforme aduzido pelo art. 16637, do CC.
Por fim, o quesito relativo à imaterialidade trata-se de autorreferência: consiste
no vínculo jurídico propriamente dito, que atrela uma parte à outra, atando-as e criando
expectativas de conduta a serem realizadas durante o complexo obrigacional.38
lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei”.
37 BRASIL. Op. cit., p. 61: “Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa
absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo
determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for
preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo
fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar
sanção”.
38 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 56: “O elemento imaterial e cerne
da obrigação é o vínculo jurídico estabelecido entre os sujeitos. Trata-se do liame abstrato que une
as partes (credor e devedor), possibilitando a um deles exigir do outro o objeto da prestação, sob
pena de excussão patrimonial através do Poder Judiciário”.
22
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito”.
43 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 6.
44 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 43: “O processo obrigacional supõe, portanto, duas
47 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 64: “A prestação que constitui objeto da obrigação
consiste [n]as mais das vezes numa ação, numa atividade, numa conduta de sinal positivo (entregar
uma quantia – comprador, inquilino; restituir uma coisa – mutuário, comodatário; prestar uma
informação – consultor técnico ou jurídico; representar alguém num processo – mandatário judicial;
pintar um quatro; realizar uma obra – empreiteiro). Mas pode também traduzir-se numa abstenção,
numa omissão ou, como diziam os romanos, num non facere [não fazer] (não exercer certo ramo de
atividade em determinada localidade, para não fazer concorrência a outrem; não comprar certo
produto senão a determinada empresa ou não vender certa mercadoria, dentro de determinada área,
senão a um revendedor – contratos de exclusivo; não revelar certo segredo de fabrico; não se opor
a que outrem cace na sua coutada; etc.). Por isso, em lugar de se dizer que a prestação consiste
numa ação ou em certa atividade do devedor, é mais correto afirmar que a prestação se traduz em
certo comportamento ou conduta do obrigado”. Grifo do autor.
48 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São
Note-se, porém, que a doutrina moderna das obrigações tem salientado, com
razão, a complexidade das próprias obrigações unas ou simples. A
complexidade assim entendida reflete-se no vínculo obrigacional em geral e
traduz-se na série de deveres, secundários e de deveres acessórios de
conduta que gravitam as mais das vezes em torno do dever principal e até do
direito à prestação (principal).52
Ante o exposto, convém afirmar que a divisão doutrinária não trata-se de mera
clareza lexical ou preciosismo gramatical. Sua importância resta no fato de que, uma
vez reconhecida a complexidade das relações obrigacionais, tem-se reconhecida a
possibilidade de transcendência de deveres que permanecem após a prestação final
do objeto que vincula as partes.
No âmbito do sistema privado brasileiro, tal complexidade encontra-se presente
em decorrência da lógica permissiva dos princípios e das cláusulas gerais, resultando
na revelação destes deveres na seara do direito contratual e, propriamente, durante a
fase pós-contratual. Desta forma, aprecia Antunes Varela:
A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui
cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do
contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.60
422. Os contratantes são obrigados a guardas, assim como na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios da probidade e boa-fé”.
58 BRASIL. Op. cit., p. 82: “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do
contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por
perdas e danos”.
59 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados.
Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior (coord. cient.). Brasília, DF: Centro de Estudos Judiciários, 2012.
135 p.
60 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 19.
28
a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance
desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.62
a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz
interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-
fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos
contratantes.66
Tal ligame entre as partes trata-se do mais relevante elemento que compõe a
relação obrigacional, imputando ao encargo patrimonial dupla função: de garantidor,
em caso de inadimplemento, e, ao mesmo passo, de coercibilidade, visto intimidar o
devedor ao fiel cumprimento obrigacional.69 Em síntese, retoma Antunes Varela:
Este vínculo, constituído pelo enlace dos poderes conferidos ao credor com
os correlativos deveres impostos ao titular passivo da relação, forma o núcleo
central da obrigação, o elemento substancial da economia da relação. Atenta
a facilidade com que mudam os sujeitos da obrigação e ponderadas as
transformações que sofre e a cada passo a própria prestação debitória, o
vínculo estabelecido entre o devedor e o credor constitui o elemento
verdadeiramente irredutível da relação. Nele reside o cerne do direito de
crédito.70
Deste modo, dentre os componentes que formam o liame entre aqueles que se
vinculam e, embora caracteristicamente convergente no que concerne aos elementos
e aos conceitos dos componentes do vínculo obrigacional, a doutrina historicamente
divergiu em relação a maneira com a qual os itens do vínculo se relacionam.71
Os contratos passaram a ser considerados, de vínculos absolutamente
interpessoais entre credores e devedores, afastados quase que por completo de uma
tutela estatal, para vínculos fundados na socialidade. Desta noção, diz Martins-Costa:
digressões sobre a origem histórica das obrigações, razão pela qual limitou-se a referenciar as
doutrinas clássicas e suas formas de analisar os elementos do vínculo jurídico (débito e
responsabilidade). Sobre o tema da origem e desenvolvimento histórico da obrigação, cf.: ANTUNES
VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 132-156; e MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito
privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 138-145: “A
construção jurisprudencial sobre a complexidade da relação obrigacional não se deveu ao acaso. A
concepção atomística da relação obrigacional mostrara a sua insuficiência especialmente no
tratamento dos demais deveres nascidos da relação, ou situados ao lado dos interesses de
prestação, bem como na regulação das obrigações duradouras e dos contratos lacunosos.”
(MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 142).
72 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 144. Grifo da autora.
31
Desenvolvida pela doutrina alemã de Friedrich Carl von Savigny, tendo como
fundamento a análise histórica do desenvolvimento do Direito Romano, a teoria
unitária das obrigações reconhece, ante a decomposição da obrigação em seus
elementos subjetivo, objetivo e imaterial, que os elementos do vínculo, formados, por
sua vez, pelos componentes débito e responsabilidade, encontram-se absolutamente
associados, materializando-se “como um poder do credor sobre a pessoa do
devedor”73 ou “como um poder do credor sobre os bens ou o patrimônio do devedor”74
ou, ainda, “como uma relação, não entre pessoas, mas entre dois patrimônios”75,
considerando, deste modo, que a obrigação trata-se de união entre o direito do crédito
e o dever do débito, formando, portanto, uma relação jurídica singular.
Revela-se, assim, o caráter personalista do vínculo, resultando em uma espécie
de submissão do devedor ao credor, estando as prestações entre as partes no centro
gravitacional da relação jurídica. Entende-se, portanto, que a obrigação trata-se de:
[...] uma forma especial de propriedade do credor, não sobre toda a pessoa
do devedor [...], mas sobre um dos seus atos. Através do vínculo criado entre
os sujeitos da relação, [...] o ato devido transita da esfera da liberdade do
devedor para o domínio (real) da vontade do credor.76
Exemplo destes casos encontra-se presente na redação trazida pelo art. 82282,
do CC, ao atestar a impossibilidade de o devedor exigir a devolução de valores pagos
para solver dívida prescrita ou do cumprimento de dever impossível de ser executado
judicialmente. Deste modo, sucintamente:
882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação
judicialmente inexigível”.
83 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Desenvolvida pela doutrina alemã de Alois Ritter von Brinz, igualmente tendo
como fundamento a análise histórica do desenvolvimento do Direito Romano, a teoria
dualista das obrigações reconhece, ante a decomposição da obrigação em seus
elementos subjetivo, objetivo e imaterial, que os elementos do vínculo, formado, por
sua vez, pelos componentes débito e responsabilidade, encontram-se plenamente
desassociados, tratando-se, portanto, de fenômenos distintos no âmbito do processo
obrigacional:
84 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 143-144. Grifo do autor. O autor faz referência aos
termos no vernáculo original, em latim (debitum e obligatio), assim como na língua de origem do
doutrinador, em alemão (schuld e haftung). Tais expressões, mais do que literalidades, exprimem
conceitos do direito obrigacional, sendo utilizadas pelas doutrinas nacionais e estrangeiras, de modo
que faremos uso de tais vocábulos no decorrer do presente trabalho com o objetivo de exprimir seus
respectivos significados. Por todos, cf.: ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 143-157.
85 BRASIL. Op. cit. p. 76: “Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do
devedor”.
86 BRASIL. Código de Processo Civil e normas correlatas. 13. ed. Brasília, DF: Senado Federal,
2020. p. 134. “Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o
cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
35
Ainda referente a lei civil, rememora-se o art. 475, do CC, ao tratar de cláusula
contratual resolutiva, que imputa ao devedor inadimplente uma responsabilidade
pessoal, ao obrigá-lo a cumprir com o pactuado, assim como uma responsabilidade
patrimonial, ao aludir a reparação por perdas e danos, mesmo preferindo a resolução.
Neste sentido, visível a aproximação deste entendimento à noção de obrigação
como um processo, composta por variados direitos e deveres entre as partes. Assim,
tem-se clara a adesão do ordenamento jurídico pátrio à teoria dualista das obrigações.
Reforça-se esta proposta ao retomar o tema das obrigações naturais, em que
há débito, mas a ele não corresponde qualquer responsabilidade jurídica. Nestas,
poderão constar os seguintes cenários: existência de dívida sem responsabilidade;
presença de dívida sem responsabilidade própria; e responsabilidade sem dívida
atual.87
O primeiro cenário, quando há schuld sem haftung, referem-se as já trazidas
obrigações naturais, em que não existe capacidade sancionatória em caso de não
cumprimento. Sobre estas, seu eventual adimplemento, pelo devedor, não residiria no
campo do direito, mas em sua consciência que, reconhecendo a existência de débito,
o extingue motivado por um dever íntimo, de natureza moral.
Exemplos desta hipótese consistem nas dívidas que se originaram em jogo ou
aposta, sendo ambos impossíveis de exigência, conforme expressão do art. 81488, do
CC, assim como nas dívidas vencidas, igualmente incapazes de proporcionar ao
credor a possibilidade de o devedor proceder ao seu adimplemento.
Assim, diz Antunes Varela, “é necessário que exista, como fundamento da
prestação, um dever moral ou social específico entre pessoas determinadas, cujo
cumprimento seja imposto por uma reta composição de interesses”89, decorrente da
inexistência de coercibilidade.
87 SERPA LOPES apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 20.
88 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 107: “Art.
814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia,
que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito. §
1º Estende-se esta disposição a qualquer contrato que encubra ou envolva reconhecimento,
novação ou fiança de dívida de jogo; mas a nulidade resultante não pode ser oposta ao terceiro de
boa-fé. § 2º O preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido,
só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos. § 3º Excetuam-se, igualmente, os
prêmios oferecidos ou prometidos para o vencedor em competição de natureza esportiva, intelectual
ou artística, desde que os interessados se submetam às prescrições legais e regulamentares”.
89 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 724: “A dívida extingue-se como vínculo jurídico,
uma vez decorrido o prazo prescricional e invocada pelo devedor a prescrição” (Op. cit., p. 725). Grifo
do autor.
36
[...] não atinge o direito de ação e nem mesmo o próprio direito subjetivo do
credor. Em verdade, acarreta o nascimento de um contradireito em prol do
devedor, consistente na possibilidade de alegação de exceção substancial de
prescrição. [...] Basta observar que o credor, mesmo após a prescrição, ainda
poderá obter a prestação jurisdicional do Estado (direito subjetivo público de
ação), assim como não será compelido a restituir o pagamento
voluntariamente efetuado pelo devedor após a prescrição, pois em nenhum
momento faleceu o seu direito subjetivo patrimonial.91
90 BRASIL. Op. cit., p. 62: “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Complementarmente: “Art.
205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor” (Op. cit., p.
63); e “Art. 206. Prescreve: § 1º Em um ano: I – a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de
víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou
dos alimentos; II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado
o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado
para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este
indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador
da pretensão; III – a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e
peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários; IV – a pretensão contra os peritos,
pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado
da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo; V – a pretensão dos credores não pagos
contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de
encerramento da liquidação da sociedade. § 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações
alimentares, a partir da data em que se vencerem. § 3º Em três anos: I – a pretensão relativa a
aluguéis de prédios urbanos ou rústicos; II – a pretensão para receber prestações vencidas de rendas
temporárias ou vitalícias; III – a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações
acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela; IV – a
pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; V – a pretensão de reparação civil; VI –
a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data
em que foi deliberada a distribuição; VII – a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por
violação da lei ou do estatuto, contado o prazo: a) para os fundadores, da publicação dos atos
constitutivos da sociedade anônima; b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos
sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou
assembleia geral que dela deva tomar conhecimento; c) para os liquidantes, da primeira assembleia
semestral posterior à violação; VIII – a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a
contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial; IX – a pretensão do beneficiário
contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil
obrigatório. § 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das
contas. § 5º Em cinco anos: I – a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de
instrumento público ou particular; II – a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores
judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços,
da cessação dos respectivos contratos ou mandato; III – a pretensão do vencedor para haver do
vencido o que despendeu em juízo” (Op. cit., p. 63-64).
91 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 21.
37
92 BRASIL. Op. cit., p. 108: “Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor
uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.
93 BRASIL. Op. cit., p. 113: “Art. 899. O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na falta de
indicação, ao emitente ou devedor final. § 1º Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra
o seu avalizado e demais coobrigados anteriores. § 2º Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda
que nula a obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de
forma”
94 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 519-520: “Na rubrica da responsabilidade civil cabe
95 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor e normas correlatas. 4. ed. Brasília, DF: Senado
Federal, 2020, p. 20-21: “Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação
caduca em: I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto não duráveis; II –
noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto duráveis. § 1º Inicia-se a
contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução
dos serviços. § 2º Obstam a decadência: I – a reclamação comprovadamente formulada pelo
consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente,
que deve ser transmitida de forma inequívoca; [...]; III – a instauração de inquérito civil, até seu
encerramento. § 3º Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que
ficar evidenciado o defeito”.
96 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 521-522.
97 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 145: “Art.
pena de não terem eficácia: I – o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; II – o prazo fixado
para pagamento; III – a taxa dos juros, se houver; IV – o bem dado em garantia com as suas
especificações”.
39
100 BRASIL. Op. cit., p. 171: “Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que,
em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma
coisa móvel, suscetível de alienação. Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de
veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e
conservar”.
40
101 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 203: “Diz-se fonte da obrigação o fato jurídico de
onde nasce o vínculo obrigacional. Trata-se da realidade sub specie iuris [sob a visão do direito] que
dá vida à relação creditória: o contrato [...], o negócio jurídico unilateral [...], o fato ilícito ou lícito
donde nasce a obrigação”.
102 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., 17: “O adimplemento atrai e polariza a obrigação. É
o seu fim. O tratamento teleológico permeia toda a obra, e lhe dá unidade. [...] Como totalidade, a
relação obrigacional é um sistema de processos”.
103 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 64.
104 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 65: “Sobre o aspecto lógico-jurídico, o exame das
fontes tem sido considerado problema atinente ao âmbito da teoria geral do direito. Via de regra, as
monografias a respeito do direito das obrigações versam a matéria somente de modo analítico, mas,
atualmente, é necessário estabelecer ligação entre os princípios gerais que regem as fontes e o
exame de suas espécies, de modo conjunto, pois há mútua relação”.
41
105 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 165-166: “Como tudo no Direito, também a qualificação de
determinado fato como fonte e a determinação de sua relevância, é determinado pela História. As
profundas transformações da vida social no último século se refletiram em novas proposições de
classificação. Há o retorno, em novas bases, à antiga classificação tripartite, que divide as fontes
entre negociais, delituais e restitutórias. Há a classificação dualista, que distingue entre fontes
negociais, decorrentes de negócios jurídicos, e não negociais, estando agrupadas, nessas últimas,
as obrigações decorrentes da lei (inclusa a causação de dano injusto), bem como as nascidas dos
chamados atos existenciais, dogmaticamente qualificáveis como atos-fatos, e não como negócios
jurídicos. Finalmente, há a classificação unitária, que busca o delineamento de uma fattispecie
[suporte fático] omnicompreensiva, capaz de abarcar todas as espécies de relações obrigacionais,
distinguindo apenas internamente entre elas [...]”. Para fins deste trabalho, cujo objetivo consiste na
análise da aplicabilidade e do alcance da responsabilidade civil uma vez findado o negócio jurídico,
considerou-se as fontes mais relevantes: a lei, o ato ilícito e o contrato, sempre permeados pela
concepção solidarista emanada pela legislação civil-constitucional. Grifo da autora.
42
Assim, embora preveja a origem de possível vínculo jurídico, a lei, por si, tem-
se incapaz de gerar, objetivamente, qualquer ligação de fato entre os sujeitos, visto
tratar-se de norma genérica e geral a todos os indivíduos. Sua presença passará a
ser exigível quando, através de uma conduta de ação ou omissão, materializa-se
afetando a esfera jurídica de uma pessoa. Deste modo, instrui Pereira:
106 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria geral das obrigações, v. 2. 22. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 41. Grifo da autora.
107 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações, v. 2.
Revisão e atualização de Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 29. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 50. Grifo do autor.
43
lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes”.
44
fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
45
interesses das partes, harmonizando vontades aparentemente antagônicas [...] e que se subordinam
a algumas disposições comuns”. Grifo da autora.
119 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Autonomia da Vontade (Princípio da –) (no Direito Contratual). In: Flávio
GALDINO; KATAOKA, Eduardo Takemi; TORRES, Ricardo Lobo (Org.). TORRES, Silva Faber
(superv.). Dicionário de princípios jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 127-128: “[O
princípio da autonomia da vontade] É o poder negocial conferido pelo ordenamento jurídico aos
particulares para autorregulamentação de seus interesses, nos limites estabelecidos. [...] O Código
Civil de 2002 não refere explicitamente ao princípio, cuidado estritamente da limitação positiva e
negativa da liberdade de contratar mediante a função social (art. 421)”. Grifo do autor.
120 ANTUNES VARELA. Op. cit., p. 212: “Diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou
121 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, v. 3. Revisão e atualização
de Caitlin Mulholland. 22. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 34: “Como sempre sói,
o vocábulo não está adstrito a esta rigidez semântica. Ao revés, vai estender a sua abrangência a
toda espécie de negócio jurídico em que ocorrer a participação de vontade plúrima, ainda que não
limitado seu objetivo a estes desiderata [desejos]”. Grifo do autor.
122 ROPPO, Enzo. O Contrato. Tradução de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra (Portugal):
124 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 24: “Uma vez que o contrato reflete, pela sua natureza, operações
econômicas, é evidente que o seu papel no quadro do sistema resulta determinado pelo gênero e
pela quantidade das operações econômicas a que é chamado a conferir dignidade legal, para além
do modo como, entre si, se relacionam – numa palavra pelo modelo de organização econômica a
cada momento prevalecente. Analogamente, se é verdade que a sua disciplina jurídica – que resulta
definida pelas leis e pelas regras jurisprudenciais – corresponde instrumentalmente à realização de
objetivos e interesses valorados consoante às opões políticas e, por isso mesmo, contingentes e
historicamente mutáveis, daí resulta que o próprio modo de ser e de se conformar do contrato como
instituto jurídico, não pode deixar de sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-
social a cada momento afirmada. Tudo isto se exprime através da fórmula da relatividade do contrato
(como aliás de todos os outros institutos jurídicos): o contrato muda a sua disciplina, as suas
funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido” (Op.
cit., p. 24). Grifo do autor.
125 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 34: “A liberdade, como se viu, tendencialmente limitada, de contratar ou
de não contratar, de contratar nestas ou naquelas condições, no sistema, por outro lado,
correspondia como necessário contraponto desta, uma tendencialmente ilimitada responsabilidade
pelos compromissos assim assumidos, configurados como um vínculo tão forte e inderrogável que
poderia equiparar-se à lei”.
126 ROPPO, Enzo. Op. cit., p. 34-35.
48
132 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 50: “O que são normas de ordem pública e o que são
bons costumes não há critério rígido para precisar. Ao revés, ocupam umas e outras zonas de
delimitação flutuante, que os juristas a custo conseguem definir. Segundo doutrinas aceitas com
visos de generalidade, condizem com a ordem pública as normas que instituem a organização da
família [...]; as que estabelecem a ordem de vocação hereditária e a sucessão testamentária; as que
pautam a organização política e administrativa do Estado, bem como as bases mínimas da
organização econômica; os preceitos fundamentais do Direito do Trabalho; enfim, as regras que o
legislador erige em cânones basilares da estrutura social, política e econômica da Nação. Não
admitindo derrogação, compõem leis que proíbem ou ordenam cerceando nos seus limites a
liberdade de todos. Bons costumes são aqueles que se cultivam como condições de moralidade
social, matéria sujeita a variações de época a época. Atentam contra bonos mores [boa moral]
aqueles atos que ofendem a opinião corrente no que se refere à moral sexual, ao respeito à pessoa
humana, à liberdade de culto, à liberdade de contrair matrimônio. Dentro desses campos, cessa a
liberdade de contratar. Cessa ou reduz-se”. Grifo do autor
133 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. 360 p.
226: “Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em
vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus
efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver
sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção
prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código
para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
134 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 56.
135 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 57. Grifo do autor.
51
139 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 32-35: “A influência da boa-fé na formação dos
institutos jurídicos é algo que não se pode desconhecer ou desprezar. [...] Modernamente, fato
similar ocorre com as chamadas cláusulas gerais que consagram o princípio da boa-fé [...]. Com
relação às obrigações, manifesta-se como máxima objetiva que determina o aumento de deveres,
além daqueles que a convenção explicitamente constitui. Endereça-se a todos os partícipes do
vínculo e pode, inclusive, criar deveres para o credor, o qual, tradicionalmente, era apenas
considerado titular de direitos. [...] O princípio da boa-fé contribui para expressar o que e o como da
prestação e, ao relacionar ambos os figurantes do vínculo, fixa, também, os limites da prestação”.
Grifo do autor.
140 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 34. Grifo da autora.
141 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 46.
53
Nota-se, então, que a boa-fé produz efeitos que extrapolam os limites restritos
àqueles positivados no contrato, estendendo-se à criação de deveres laterais, anexos
e secundários aos da prestação principal. Tais deveres, embora não necessariamente
componham o escopo do objeto, entremeiam-se de modo imprescindível para que se
configure a obrigação em sua totalidade. Sobre o tema, segue a autora:
Deste modo, o instituto da boa-fé consiste no exercício de uma conduta que vai
ao encontro de um comportamento tipicamente esperado, ou seja, em uma atuação
conforme as regras, sejam elas as avençadas entre agentes privados em um contrato,
ou oriundas das demais fontes obrigacionais, com capacidade de promover a revisão
do que tenha sido privadamente negociado. Assim, a presença da boa-fé mostra-se
como meio de contemporizar os termos dos tratados particulares às previsões trazidas
pela ordem jurídica.
142 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé como modelo (uma aplicação da teoria dos modelos de Miguel
Reale). In: BRANCO, Gerson; MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 198-199.
143 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São
Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV –
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação”.
151 NEVES, Karina Penna. Deveres de consideração nas fases externas do contrato:
responsabilidade pré e pós contratual. São Paulo: Almedina, 2015. p. 66. (Coleção Monografias):
“Foi com a edição da Constituição Federal em 1988 que se deu início a um processo de
humanização do direito, quando o indivíduo foi alçado ao centro do ordenamento, especialmente
por meio da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Essa
humanização do direito por meio da Carta Constitucional ocorreu no Brasil seguindo uma tendência
mundial denominada direito civil constitucional, quando as relações obrigacionais, agora complexas
e dinâmicas, passariam a ser também tuteladas por normas constitucionais relacionadas a matérias
antes afeitas somente à lei ordinária, especialmente quando fossem envolvidos direitos
fundamentais e sociais”.
57
152 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. O princípio da boa-fé no direito civil. São Paulo: Almedina,
2020, p. 85-86. (Coleção Teses): “Também se costuma definir juridicamente a boa-fé a partir dos
seus objetos de proteção: a confiança e a segurança nas relações jurídicas. [...] Para tanto, as
pessoas devem fornecer informações precisas e considera-se ato ilícito o exercício do direito que
frauda a expectativa alheia. Ademais, a boa-fé protege a aparência e sua finalidade é o aumento da
segurança das relações jurídicas, facilitando a circulação de mercadorias e prestações” (Op. cit., p.
116).
153 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 87.
154 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 90.
155 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. Op. cit., p. 90-91.
58
156 BRASIL. Código Civil e normas correlatas. 11. ed. Brasília, DF: Senado Federal, 2020. p. 57: “Art.
112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao
sentido literal da linguagem”.
157 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil
161 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 324. “Justamente por essa razão, não é permitida, na técnica
jurídica, a livre atribuição de sentidos. Há técnicas, métodos e cânones hermenêuticos aos quais o
jurista está adstrito, sendo tais técnicas, métodos e cânones revestidos por especificidades, quer se
trate de interpretar leis ou negócios jurídicos e, dentre esses, os que mais perto tocam à
problemática da boa-fé, qual seja: a interpretação dos negócios jurídicos contratuais. Sublinhe-se
um ponto acima mencionado: a hermenêutica contratual envolve sempre uma applicatio [aplicação
prática] conduzindo ‘ao próprio coração do problema da autonomia privada’. Toda a interpretação
contratual é suscitada, pois, pelo problema prático a resolver: o problema chama a interpretação.
Mas é preciso ter claras, previamente, algumas questões de ordem teórica: no seu núcleo está a
vontade das partes? A compreensão dos sentidos da declaração negocial em seus aspectos
puramente objetivos? A detecção de interesses puramente econômicos das partes? A confiança
suscitada pela declaração, considerando-se um regulamento contratual em sua integralidade? O
que tem maior relevância para o intérprete – o momento da formação ou o da execução do contrato?
É ainda razoável chamar-se ao proscênio a autonomia privada em vistas das operações de troca
silenciosas e massivas características de nossa sociedade? Sob que prismas e critérios (standards
hermenêuticos) e sobre quais bases teóricas apresenta-se a tarefa hermenêutica? Que problemas
visa resolver?” (Op. cit., p. 318). Grifo da autora.
162 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 231:
“Neste rumo, como norma de interpretação dos negócios jurídicos, a boa-fé objetiva inaugura uma
posição intermediária entre as tendências subjetiva e objetiva, presentes no artigo antecedente
[referência ao art. 112, do CC], equilibrando a interpretação geral nele estabelecida e remetendo o
intérprete à análise do caso concreto, para nele estabelecer a presença ou ausência da boa-fé.
Idêntica função tem a observação dos usos do lugar da celebração, onde se consideram as
condições que o meio apresenta e, a partir delas, chega-se ao sentido dos efeitos desejados ao
negócio”.
163 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 62.
60
Manifestada através do referido art. 187, do CC, a função de controle, por sua
vez, age de modo a impelir que o agente exceda seus próprios direitos durante o curso
da relação contratual.
Assim como a função interpretativa, a confirmação de prática abusiva requer a
análise casuística, compreendendo “noção de abuso como uma conduta que, embora
lícita, mostra-se desconforme com a finalidade que o ordenamento pretende naquela
circunstância fática alcançar e promover”164.
Assim, esta atribuição funciona de modo a condicionar as condutas perpetradas
pelos agentes no decorrer do vínculo contratual ao texto e ao espírito do ordenamento
jurídico, de modo que “o art. 187 prevê, portanto, uma ilicitude no modo de exercício
de posições jurídico-subjetivas – não apenas direitos subjetivos, em sentido técnico,
porém, por extensão, também poderes, liberdades, pretensões e faculdades”165.
Portanto, sendo necessária a conferência posterior de adequação entre a ação
do contratante e o código, a conceituação de exercício abusivo de direito consiste em
abstração pontualmente verificada. Nos termos de Martins-Costa:
Por esta razão, delineia uma ilicitude que só se pode apreender em concreto,
isto é, como resultado de uma ponderação entre os elementos circunstanciais
fáticos e normativos envolventes, precisamente, deste modo de exercício.
Sendo o direito subjetivo substancialmente funcional, os poderes que carrega
são instrumentais. São os elementos fático-contextuais que permitem
descobrir, por detrás de uma atuação formalmente adequada, a ilicitude, no
exercício, vale dizer: um modo de se exercerem direitos, poderes ou
faculdades contrário aos vetores axiológicos fundamentais do sistema
jurídico.166
164 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 345.
165 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 443: “Situado no art. 187 como uma das balizas ao exercício
jurídico lícito, o princípio da boa-fé impacta no plano da eficácia, pois atua como fator de
conformação do exercício de direitos subjetivos ou de direitos formativos ora determinando a
ineficácia, ora a eficácia apenas parcial, ora a eficácia indenizatória, ora apanhando, inclusive,
hipótese de perda ou de ‘paralisação’ do direito subjetivo para além dos casos tradicionais de
prescrição e decadência, nos casos de suppressio e surrectio”. Grifo da autora.
166 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 444. Grifo da autora.
61
com generalidade, o aflorar de uma regra pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não
poderia, sem abuso, exercer a situação jurídica que essa mesma norma lhe tivesse atribuído. [...] A
sua aplicação requer a maior cautela. Fere as sensibilidades primárias, ética e jurídica, que uma
pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir a exigir a outrem o seu acatamento”. Grifo do
autor.
170 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 821-822: “Equacionando os
requisitos da surrectio: [...] exige-se um certo lapso de tempo, por excelência variável, durante o qual
se atua uma situação jurídica em tudo semelhante ao direito subjetivo que vai surgir; requer-se uma
conjunção objetiva de fatores que concitem, em nome do Direito, a constituição do novo direito;
impõem-se a ausência de previsões negativas que impeçam a surrectio”. Grifo do autor.
171 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p.742-746: “A locução venire contra
factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento
assumido anteriormente pelo exercente. [...] Venire contra factum proprium postula dois
comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. [...] Desse modo, só se
considera como venire contra factum proprium a contradição direta entre a situação jurídica originada
pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor. [...] Feitas estas previsões, há venire
contra factum proprium, em primeira linha, numa das duas situações: quando uma pessoa, em
termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado
ato e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo, também, a não ficar especificamente
adstrita, declare pretender avançar com certa atuação e, depois, se negue”. Grifo do autor.
172 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Op. cit., p. 62.
62
Por fim, resume-se, então a atuação da função corretiva como meio capaz de
suspender parcialmente a eficácia de certa obrigação ou, ainda, a possibilidade de
originar responsabilidade civil à parte violadora, criando dever de indenizar.
Tal função apropria-se do fato de que “por mais minudente e analítico que seja
um contrato, não pode ele prever e regular todas as situações que virão a ocorrer,
nem pode solucionar de antemão eventuais condições disfuncionais das partes”177.
Conforme antevisto, o artigo supracitado traz que os contratantes obrigam-se a
observar, durante a execução e após sua conclusão, os princípios da probidade e da
boa-fé, de modo a explicitar, no âmbito da relação obrigacional, uma complexidade de
deveres para as partes. O entendimento sobre quais os deveres de consideração a
serem observados e exigidos requer uma análise do caso concreto, de tal modo que
tantos podem ser os deveres acessórios quanto podem ser as condutas humanas.178
relação a todo e qualquer contrato. Porém, quando for chamada à função de integrar, em vista de
sua incidência à relação contratual, e ‘plano’ desenhado objetivamente pelos contraentes, permitirá
detectar quais deveres são necessários para o correto adimplemento do contrato, para a
‘otimização’ do programa contratual e para a proteção das pessoas e bens jurídicos envolvidos.
Serve, então, como fonte de deveres anexos (‘instrumentais’), voltados aos interesses de prestação
e de deveres laterais (ou ‘de proteção’), que visam resguardar os interesses de proteção. É que,
entendida estritamente, a expressão integração ‘designa exatamente a elaboração de normas
implícitas, com o que se preenchem as lacunas’”. Grifo da autora.
64
deveres acionáveis, pois isso depende do exame concreto de cada um deles no desenvolvimento
da relação obrigacional. Pode-se, apenas, indicar as hipóteses mais evidentes, mas não se pode a
priori dizer quais os que são acionáveis sem acarretar o desfazimento da ação principal e quais os
que não o são” (Op. cit., p. 97). Grifo do autor.
182 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 97.
65
183 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 26: “Como e enquanto interpretação/aplicação, ela parte da compreensão dos
textos normativos e dos fatos, passa pela produção das normas que devem ser ponderadas para a
solução do caso e finda com a escolha de uma determinada solução para ele, consignada na norma
de decisão. [...] O que na verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos
resultam as normas. Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo.
A interpretação é, portanto, atividade que se presta a transformar textos – disposições, preceitos,
enunciados – em normas. Daí, como as normas resultam da interpretação, o ordenamento, no seu
valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, um conjunto de normas. O conjunto
de textos – disposições, enunciados – é apenas ordenamento em potência, um conjunto de
possibilidades de interpretação, um conjunto de nomas potenciais” (Op. cit., p. 25-26).
184 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 603.
185 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 604.
186 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 604.
187 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 605.
188 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 606.
66
consumidor, no direito do trabalho e no direito ambiental. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 38: “A obrigação estampada num contrato possui o que se chama de complexidade intra-
obrigacional, consistente nos deveres principais e secundários previstos contratualmente, além dos
deveres acessórios” (Op. cit., p. 39). Grifo do autor.
192 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil
193 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações, v. 2.
Revisão e atualização de Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 29. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2017. p. 31: “Vivencia-se, na atualidade, o fenômeno da repersonalização do Direito Civil
– especialmente no âmbito das relações intersubjetivas – sob a ótica da solidariedade constitucional.
Assim, a regra de ouro a ser observada é a seguinte: à pessoa humana serão reconhecidos direitos,
poderes, faculdades, entre outras situações jurídicas, na medida em que contribua para o bem-estar
da coletividade sob o prisma da utilidade social. O contrato e, logicamente, as obrigações e outros
efeitos contratuais – inclusive aqueles atinentes à responsabilidade civil – passam a ser
funcionalizados e condicionados à realização de valores que se encontram na base do ordenamento
jurídico, inclusive no fundamento da dignidade da pessoa humana e no objetivo da construção de
uma sociedade mais livre, justa e solidária”.
68
194 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 13: “Para atingir esse desiderato, a ordem jurídica estabelece deveres que, conforme a natureza
do direito a que correspondem, podem ser positivos, de dar ou fazer, como negativos, de não fazer
ou tolerar alguma coisa. [...] Entende-se, assim, por dever jurídico a conduta externa de urna pessoa
imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho,
advertência ou recomendação, mas de urna ordem ou comando dirigido à inteligência e à vontade
dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações” (Op. cit., p. 13-14).
Grifo do autor.
195 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 14. Grifo do autor.
196 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Revisão e atualização de Gustavo
Tepedino. 12. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 27-28: “A responsabilidade civil
consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da
relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade
civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa
do causador do dano” (Op. cit., p. 28). Grifo do autor
197 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 28: “É nesse rumo que marchará a teoria da
responsabilidade civil, com perspectiva de atingir a sua própria essência, a ponto de subverter os
seus próprios fundamentos. Talvez seja um tanto paradoxal: tanto crescerá a necessidade de se
garantir o ser humano dentro desse turbilhão evolutivo, que a ideia de responsabilidade civil se
tornará insuficiente, e será substituída por novos conceitos, que atingirão a sua própria subsistência”
(Op. cit., p. 29).
69
Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o
problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e
patrimonial provocado pelo autor do dano. Exatamente o interesse em
restabelecer a harmonia e o equilíbrio violados pelo dano constitui a fonte
geradora da responsabilidade civil. Pode-se afirmar, portanto, que
responsabilidade exprime a ideia de restauração de equilíbrio, de
contraprestação, de reparação de dano. Sendo múltiplas as atividades
humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que
abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica,
para se ligar a todos os domínios da vida social. Coloca-se, assim, o
responsável na situação de quem, por ter violado determinada norma, vê-se
exposto às consequências não desejadas decorrentes de sua conduta
danosa, podendo ser compelido a restaurar o status quo ante [estado prévio
das coisas].198
198 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 4, 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 19-20. Grifo do autor.
199 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 30.
200 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 30: “Quem infringe dever jurídico lato sensu, já vimos, de que
resulte dano a outrem fica abrigado a indenizar. Esse dever, passível de violação, pode ter como
fonte urna relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, ou, por
outro lado, pode ter por causa geradora urna obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou
pela própria lei. E com base nessa dicotomia que a doutrina divide a responsabilidade civil em
contratual e extracontratual, isto é, de acordo com a qualidade da violação. Se preexiste um vínculo
obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, ternos a responsabilidade
contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de
lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que
o possibilite, ternos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou
absoluto. [...] Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito
negocial comumente chamado ilícito contratual, por isso que mais frequentemente os deveres
jurídicos têm como fonte os contratos. Se a transgressão pertine a um dever jurídico imposto pela
lei, o ilícito é extracontratual, por isso que gerado fora dos contratos, mais precisamente fora dos
negócios jurídicos.” (Op. cit., p. 30-31). Grifo do autor.
70
201 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 41: “A palavra ‘responsabilidade’ origina-se do latim
respondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem
sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação, de restituir ou ressarcir”.
Grifo do autor.
202 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 33
203 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, t. LIII. Atualização de Rui
Stoco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 100: “Certamente, a teoria da responsabilidade
tem de variar. Muda, às vezes, com o conteúdo do próprio conceito de dano. Com as necessidades
gnosiológicas, econômicas e políticas da sociedade. A teoria teria de ser a do momento histórico,
porque, explicada a noção de responsabilidade, a teoria não seria matéria de ciência, mas sim de
técnica política e jurídica”.
204 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da
reparação à diluição dos danos. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 11.
205 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 11.
206 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 11. Grifo do autor.
207 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 241: “As conclusões, acima sintetizadas, demonstram que, ao
208 ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São
Paulo: Atlas, 2013., p. 65-66. Grifo do autor.
209 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 45: “Há quem critique esta dualidade de tratamento. São
os adeptos da tese unitária ou monista, que entendem que pouco importa os aspectos sob os quais
se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, pois uniformes são os seus efeitos. [...]
Tanto em um como em outro caso, o que se requer, em essência, para a configuração da
responsabilidade são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o nexo de
causa e efeito entre os primeiros elementos”. Grifo do autor.
72
Esta subdivisão, por sua vez, refere-se à presença do elemento culpa durante
a formação da responsabilidade civil. Diz-se responsabilidade civil subjetiva aquela
que funda-se na conduta culposa do agente. Contrapõe-se à responsabilidade civil
objetiva, quando a responsabilidade do agente prescinde de culpa, sendo considerada
a partir da presença de características próprias da relação jurídica. Sobre o tema, em
resumo, diz Gonçalves:
213 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos, v. 3. Revisão e atualização
de Caitlin Mulholland. 22. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 588-589.
214 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este
resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”.
216 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano
proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido”.
217 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida,
fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o
vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em
dobro”.
218 BRASIL. Op. cit., p. 116: “Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte,
sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao
devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que
dele exigir, salvo se houver prescrição”.
219 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit., p. 588-590. O escopo deste trabalho não comporta
digressões sobre a origem histórica da responsabilidade civil, razão pela qual limitou-se a referenciar
as tradicionais divisões doutrinárias em responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil
objetiva. Sobre o tema histórico da responsabilidade civil, cf.: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op.
cit., p. 580-594; e PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Revisão e atualização
de Gustavo Tepedino. 12. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 317-336.
74
“Vale dizer: em regra, não se indeniza o dano futuro, pela simples razão de que dano ainda não há.
Diz-se ‘em regra’ porque a evolução social fez surgir questões e anseios que desafiam a ideia de
irreparabilidade do dano futuro. Inúmeras hipóteses de ‘novos danos’, próprios da sociedade
tecnológica, apresentam lesões a bens jurídicos que, segundo os especialistas, configurarão danos
projetados para o futuro, ainda que não identificados no momento presente”.
225 BRASIL. Op. cit., p. 117: “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único.
Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização”.
75
Deste modo, tal reparação visa o ressarcimento integral referente aos danos,
independentemente de sua natureza, “vedando a interferência de considerações
acerca das características do agente ou de sua conduta na determinação do quantum
indenizatório”226. Assim, o critério para a composição dos danos consiste em análise
objetiva das circunstâncias em que o ato ilícito está inserido.
Finalmente, o nexo de causalidade trata-se do liame entre ambos os elementos
anteriores de conduta ilícita e dano indenizável: “para que surja o dever de indenizar,
é preciso que o dano verificado seja consequência da ação ou omissão do agente”227.
Por sua vez, Cavalieri Filho conceitua os elementos de maneira similar. Em relação
à conduta, o autor refere-se através da expressão “conduta culpável”228, vistoque “a
culpa, isolada e abstratamente considerada, só tem relevância conceitual. Aculpa
adquire relevância jurídica quando integra a conduta humana”229. Propriamente
às modalidades de conduta, ou seja, a ação ou a omissão, segue o autor:
Ainda sobre a conduta omissiva, esta passa a ser relevante quando o agente
“tem dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse,
que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior ao próprio
omitente, criando o risco da ocorrência do resultado”231, e evitar que seja concretizado.
226 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República: Teoria Geral dos Contratos. Contratos em
Espécie. Atos unilaterais. Títulos de crédito. Responsabilidade civil. Preferências e Privilégios
Creditórios (arts. 421 a 965), v. 2, 2. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 861.
227 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Código Civil
voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas.
A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto
psicológico, ou objetivo” (Op. cit., p. 38).
230 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 38. Grifo do autor.
231 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 38. Grifo do autor.
76
232 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 92: “Não haveria que se falar em indenização, nem em
ressarcimento, se não fosse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver
responsabilidade sem dano. O dever de reparar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa
dano a outrem. Em outras palavras, a obrigação de indenizar pressupõe o dano e sem ele não há
indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência
concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar”.
233 BRASIL. Op. cit., p. 112: “Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,
será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é
obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na
época em que foi exigido”.
234 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 92: “Não temos urna definição legal de dano, sendo esta a
razão da grande proliferação de conceitos e modalidades de danos. Temos hoje urna verdadeira
inundação de danos ressarcíveis nada criteriosa: dano de morte, dano sexual, dano hedonístico,
dano pelo custo do filho indesejado, dano de férias arruinadas, dano de mobbing [modalidade de
assédio moral efetivado em ambiente de trabalho contra o empregador], dano por brincadeiras
cruéis, dano por rompimento de noivado, dano por descumprimento de deveres conjugais, dano por
abandono afetivo de filho menor, e assim por diante”.
235 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 92: “Ternos como certo que o ponto nodal nesta questão é a
definição de dano; tudo é uma questão de conceito. Doutrina e jurisprudência partem de urna noção
aberta, de um conceito amplíssimo ao definirem o dano pelos seus efeitos ou consequências. Dizer
que dano é prejuízo ou, no caso do dano moral, que é dor, vexame, sofrimento e humilhação
significa conceituar o dano pelas suas consequências. Sem assentamento de premissas corretas,
um ponto de partida firme, doutrina e jurisprudência não terão limites na criação de novos danos”.
77
236 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 88: “Esta avalanche de ‘novos danos’, se, por um lado, revela
maior sensibilidade dos tribunais à tutela de aspectos existenciais da personalidade, por outro, faz
nascer, em toda parte, um certo temor [...]. Com efeito, as últimas décadas têm demonstrado que a
criatividade do intérprete e a flexibilidade da jurisprudência podem ir bem longe”.
237 BRASIL. Op. cit., p. 62: “Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa
250 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 527. O escopo deste trabalho não
comporta digressões sobre a origem histórica da responsabilidade civil pré-contratual, razão pela
qual limitou-se a referenciar as doutrinas clássicas e suas formas de analisar os elementos do
vínculo jurídico prévio à celebração do contrato. Sobre o tema da origem e desenvolvimento histórico
da culpa in contrahendo, cf.: MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 527-
585; e ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 267-279. Acerca das aplicações e limites da
responsabilidade civil pré-contratual no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, cf.: MARTINS-
COSTA, Judith. Op. cit., p. 296-306.
251 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 586: “A complexidade intra-
obrigacional traduz a ideia de que o vínculo obrigacional abriga, no seu seio, não um simples dever
de prestar, simétrico a uma pretensão creditícia, mas antes vários elementos jurídicos dotados de
autonomia bastante para, de um conteúdo unitário, fazerem uma realidade composta”.
252 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 267: “A, interessado em vender o prédio que possui
em Cascais, marca com B, residente em Coimbra e interessado em comprá-lo, uma visita ao local,
para daí a 15 dias. Na semana seguinte vende o prédio a C, mas não cuida de avisar B, que no dia
aprazado se desloca de Coimbra a Cascais. Há ou não responsabilidade de A pelas despesas que
B tenha efetuado? No caso afirmativo, que espécie de responsabilidade? Qual o seu verdadeiro
fundamento, legal e dogmático? Assim nasce o problema da chamada responsabilidade (civil) pré-
contratual” (Op. cit., p. 267-268). Grifo do autor.
253 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 268.
254 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 271. Grifo do autor.
81
Ainda não há, nessa fase preliminar, relação contratual, pois as negociações
preliminares configuram ‘tratos’, e ainda não ‘contratos’ [...]. Porém, é preciso
atenção: a fase formativa não é destituída de relevância jurídica. Aí já há
tutela do direito que impõe deveres de correção no comportamento dos
negociadores. Ademais, aí podem conviver com atos não negociais e,
também, verdadeiros negócios jurídicos, como um pacto de opção, ou uma
oferta (ou ‘proposta’) que visam, justamente, preparar o planejado contrato
[...].257
255 ANTUNES VARELA, João de Matos. Op. cit., p. 271: “A determinação exata da indenização devida
pela parte que viola o princípio da boa-fé, na fase preliminar da preparação ou conclusão do
contrato, depende obviamente da natureza do dever de conduta infringido. Se a falta da parte fez
com que a outra tivesse realizado uma deslocação que noutras circunstâncias não faria, são as
despesas dessa deslocação inútil que o faltoso tem de cobrir”. Grifo do autor.
256 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 270: “Quando não há contrato entre as partes, o princípio
reitor é o do noeminem laedere, regra basilar para possibilitar a convivência social. O que aproxima
os sujeitos é o mero fato de viver em sociedade, caracterizando-se, portanto, o contato social mais
distante. Assim, quando atuante a boa-fé na fase do mero contato social, esta atuação verifica-se
prevalentemente por via da função corretora de comportamentos no tráfico jurídico” (Op. cit., p. 271).
Grifo da autora.
257 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 270. Grifo da autora.
258 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 76.
82
259 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 270: “Percebe-se, então, com nitidez, constituir a relação
obrigacional uma totalidade de efeitos jurídicos. Atuam ou podem atuar, como efeitos da relação,
pretensões, direitos subjetivos, direitos formativos (em sua tríplice modalidade: geradores,
modificativos e extintivos), dívidas, obrigações, faculdades e ônus. Pretensões, direitos e deveres
podem ser modificados no desenvolvimento da relação por, exemplificativamente, novação, ou
cessão, ou se tornarem inexercitáveis, pois atingidos por prescrição. Com o adimplemento
satisfativo, encerra-se a relação. Mas pode haver a projeção de alguns efeitos dela decorrentes até
mesmo para além – temporalmente – do adimplemento, então atuando a boa-fé sob a forma
negativa, para evitar danos injustos ou para fundamentar a sua indenizabilidade”. Grifo da autora.
260 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 306: “A palavra ‘execução’ designa um tipo de atividade que
realiza ‘alguma coisa já existente em abstrato’, ou seja, uma atividade que ‘segue um desenho’,
traduzindo-o em atos. Quando conotada ao termo ‘contrato’, a palavra execução tem o sentido de
um conjunto de ações teleológica e vinculativamente direcionadas para a produção de efeitos
jurídicos coerentes com o que foi desenhado ou planificado no acordo contratual. Trata-se, portanto,
do momento em que devem ser desenvolvidas atividades que dão entidade concreta ao previsto no
acordo, efetivando o ‘programa contratual’ ali desenhado”. Grifo da autora.
261 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. p. 696: “Ocorre
o inadimplemento absoluto quando a obrigação deixa definitivamente de ser cumprida pelo devedor,
em oposição à mora, hipótese de não cumprimento da obrigação na forma, lugar ou tempo devidos
(CC, art. 394). Para que haja mora, todavia, é preciso que seja possível o cumprimento, ainda que
tardio, da obrigação. Deixando de sê-lo, a mora não tem lugar: o devedor torna-se absolutamente
inadimplente”.
83
262 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 32-33. Grifo do autor.
263 BRASIL. Op. cit., p. 76: “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e
danos, mais juros e atualização monetária segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos,
e honorários de advogado”.
264 BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de; TEPEDINO, Gustavo. Op. cit., p. 698.
265 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 141: “A perspectiva da totalidade dinâmica leva a considerar
Código Civil de 2002 e a positivação dos princípios da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da
função social dos contratos, é o momento de revisitar o tema, verificando sua transformação à luz
dos novos paradigmas da eticidade, operabilidade e sociabilidade introduzidos no Código e,
principalmente, tendo em vista o vasto labor doutrinário e jurisprudencial realizado no direito civil
para adequá-lo aos princípios da solidariedade social e da dignidade da pessoa humana insculpidos
a Constituição da República”.
270 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 4.
86
271 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 627-628: “Uma análise das
consagrações jurisprudenciais da cppf [culpa post pactum finitum] e das referências que ela tem
merecido, permite detectar um emprego descritivo do termo – de outras expressões equivalentes.
Num certo amorfismo acrítico, têm sido consideradas cppf todas as manifestações de juridicidade
que manifestem depois de extinta uma obrigação. Feita a destrinça, descobre-se: a pós-eficácia
aparente – quando a lei associe, de modo expresso, certos deveres à extinção das obrigações – a
pós-eficácia virtual – quando uma situação jurídica complexa preveja, desde o início, deveres a
observar no seu termo – e a eficácia continuada – quando, numa situação também complexa, se
extinga o dever de prestar principal, subsistindo os restantes. A verdadeira pós-eficácia – ou pós-
eficácia em sentido estrito – coloca-se na área atinente aos deveres acessórios”.
272 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 40.
273 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 40.
87
274 BRASIL. Op. cit., p. 97: “Art. 682. Cessa o mandato: I – pela revogação ou pela renúncia; II – pela
morte ou interdição de uma das partes; III – pela mudança de estado que inabilite o mandante a
conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; IV – pelo término do prazo ou pela conclusão
do negócio”.
275 BRASIL. Op. cit., p. 98: “Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não
se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao
constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único. É
irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios
encetados, aos quais se ache vinculado”.
276 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 38.
277 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 37-38.
278 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 38.
88
279 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 40.
280 BRASIL. Op. cit., p. 138-139: “Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do
estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à
transferência. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a
proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato”.
89
281 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 626. Grifo do autor.
282 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 115-116: “A função de ressistematização e a formação de
novos institutos: a função das cláusulas gerais não se limita a abrir o sistema jurídico às mudanças
de valoração. É que as cláusulas gerais, ao permitirem a sistematização dos novos casos, conotam
ao sistema também a característica da mobilidade internamente considerada. [...] Esses
movimentos acabam por desembocar na função de estabilização, atributo de todos os enunciados
normativos e também das cláusulas gerais ‘porque se relaciona, de forma direta, aos princípios
práticos gerais’, o que requer, todavia, uma dogmática firmemente ancorada, tornando estáveis
algumas conclusões para o intérprete, e, assim, viabilizando consenso acerca do significado dos
enunciados”. Grifo da autora.
90
finitum, razão pela qual limitou-se a referenciar as doutrinas clássicas e suas formas de analisar o
fenômeno e os efeitos atinentes à pós-contratualidade. Sobre o tema da origem e desenvolvimento
histórico da culpa post pactum finitum, cf.: MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op.
cit., p. 603-631; e DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 89-108: “A cppf, depois algumas rejeições
iniciais, veio a ser reconhecida pela jurisprudência [alemã] na década de vinte. A pretexto de anotar
decisões que a consagraram, a doutrina tomou contato com a cppf; fê-lo aplaudindo os seus efeitos
práticos, embora sem aprofundar o seu significado teórico. A situação era, porém, muito incipiente:
por um lado, mantiveram-se contradições de julgados, só progressivamente superadas; por outro,
falta, na jurisprudência, uma consciência clara do fenômeno, numa situação que se mantém. As
primeiras referências genéricas à cppf devem-se ao pensamento comunitário que dominou na
década de trinta; pejadas de subentendidos políticos e alicerçadas em confluências meramente
linguísticas, essas referências não tiveram fôlego científico. [...] No período posterior ao segundo
conflito mundial, deu-se, em certas proporções, a florescência mais significativa da cppf [...]”
(MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 626-627).
91
Aqui, a tutela jurídica da fidúcia entre as partes trata-se do mais relevante bem
jurídico a ser resguardado. Isto ocorre, pois, sendo a obrigação um processo, e tendo
o ordenamento jurídico uma natureza social, não poderia a extinção do contrato servir
de pretexto para as partes agirem de modo prejudicial ao escopo recém finalizado.
Assim, ainda segundo o autor, as relações negociais carecem não somente de
conteúdo, mas de efetiva materialidade, o que implica dizer que as manifestações pós-
contratuais das partes não devem obstaculizar a plena fruição do pacto acordado. Diz,
sobre o tema:
290 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 109: “Essa fundamentação mais abrangente é imperiosa, pois
a solução mais adequada para os conflitos se faz da análise do ordenamento jurídico como um todo
e em especial de nossa Lei Maior, vértice na hierarquia das fontes”.
291 DONNINI, Rogério Ferraz. Op. cit., p. 115: “Portanto, posto preveja o art. 422 do novo Código Civil
que a noção de probidade e boa-fé deva estar presente na conclusão e execução da avença, por
tratar de uma cláusula geral (aberta), essa atitude dos contratantes deverá ser seguida não somente
durante a fase contratual, mas também antes e após a celebração do pacto. Isso significa que o
dispositivo em questão abarca situações como a culpa in contrahendo e a culpa post pactum
finitum”. Grifo do autor.
292 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 30.
93
Aurélio Mota de Souza. Bauru, Editora da Universidade do Sagrado Coração (EDUSC), 2005. p.
298. (Coleção Ciências Sociais).
95
Aliás, não se pode imaginar que uma norma não expressa da magnitude da
boa-fé não possa ser aplicada pelo simples motivo dessa falta de previsão.
Seguir esse entendimento seria privilegiar situações jurídicas injustas,
iníquas, sem equilíbrio, o que estaria a ferir a noção de justiça. Estar-se-ia,
na realidade, a não mais se valer da ideia de justiça como critério de
inspiração do direito.314
A boa-fé objetiva foi consagrada no art. 422 do novo Código Civil e com ela a
responsabilidade pré-contratual e a responsabilidade pós-contratual. Quando
determina esse dispositivo que os contratantes devem se ater aos princípios
da boa-fé e da probidade na conclusão e execução do contrato, reconhece
que a proteção reúne as fases anterior e ulterior à celebração do pacto. O
artigo antecedente (421) do novo Código Civil também serve de apoio à
aplicação da teoria culpa post pactum finitum, ao estabelecer a concepção
social do contrato, o que implica dizer que, se as partes têm de observar a
função social do pacto, considerada esta uma limitação à autonomia privada,
que busca um comportamento ético, dentro da mais exata noção de
comutatividade e boa-fé, essa atitude deve estar presente na formação do
contrato e em seu momento posterior.315
Assim, segundo Mota, releva-se “um fator fundamental que deve ser levado em
consideração na matéria: a causa final ou sinalagmática do contrato”318. Diz o autor:
Há, aqui, um vetor claro no sentido de uma justiça comutativa, pois a violação
de tais deveres resulta clara em conjunturas de injustiça objetiva a que se
tenha chegado. O Direito não procura uma igualdade negocial absoluta como
regra [...]. Mas o desequilíbrio deve ser esclarecido e livremente querido por
quem o sofra. Esta necessidade de conhecimento, face à desvantagem,
estende-se às vicissitudes que, supervenientemente, possam atingir
situações contratuais ou similares, em princípio estáticas. Desenham-se
vetores que, não correspondendo, em rigor, a situações de confiança, se
aproximam de princípios genéricos que constituem as traves mestras da
ordem jurídica. Pode-se, nestes termos, dizer que a boa-fé projeta, na sua
materialidade, nas várias situações, em que atue, na aparência indiferentes,
a imagem geral do sistema; assegura que os desenvolvimentos vetoriais dos
sujeitos não o ultrapassem, mas antes, mantendo-se nas balizas que ele lhes
atribui, se mantenham identificáveis como pertencentes ao sistema que os
reconhece. Dobrando uma série de regras singulares, a boa-fé transcendeu-
lhes a teleologia particular, projetando o sistema material onde se aplique.321
320 MOTA, Mauricio. Op. cit. In: KLOH, Gustavo; MOTA, Maurício. Op. cit., p. 50.
321 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Op. cit., p. 651.
322 BRASIL. Op. cit., p. 63: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo
menor”.
323 BRASIL. Op. cit., p. 77: “Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial”.
101
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
324 FACHIN, Luiz Edson. Op. cit., p. 13: “Nesse diálogo floresce uma dialética constitucional que se
abre tanto em função defensiva quanto em função tuteladora; de uma parte, as competências para
ações e empreendimentos; de outra, a salvaguarda, a contenção de abusos e a compensação. Tais
problematizações se distendem para a pessoa, para a liberdade e para a autonomia no Direito Civil”.
325 MARTINS-COSTA, Judith. Op. cit., p. 34: “Efetivamente, não é fácil essa caracterização, pois a
locução ‘boa-fé’ é uma expressão semanticamente vaga ou aberta e, por isso, carecedora de
concretização, sendo a tarefa de concretizar sempre, e necessariamente, contextual. Por mais que
seja manifesto um significado genérico do sintagma boa-fé – por todos compreensível, mas de
pouco auxílio, justamente por conta da elevada genericidade – especificar o conteúdo de um
comportamento pautado por esse modelo jurídico nos variados casos concretos é tarefa de difícil
realização”.
326 COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do. Op. cit., p. 169.
102
Autores que interpretam artigo por artigo de um código tem uma visão
deformada do sistema jurídico. Obrigados a uma particularização fatigante,
reduzem o campo da visualização a um só preceito, perdendo a perspectiva
do todo. O mister de que se ocupam está ao alcance de todas as
mediocridades. Enxergam árvores, mas não veem a floresta. O resultado é
fatalmente monstruoso [...]. E o direito, que nos embates da vida evolui e se
aperfeiçoa pela atividade criadora dos que o aplicam, converte-se novamente
em uma ciência dedutiva.330
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