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UNI-anhanguera – Centro Universitário de Goiás

RESPONSABILIDADE CIVIL

Professora: Márcia Santana Soares

 OBJETIVO DO MATERIAL: o conteúdo desse material visa reforçar o aprendizado do aluno.


Trata-se de uma síntese dos pontos principais do conteúdo programático, com opiniões do professor,
de diversos autores e com a utilização, inclusive, da transcrição de vários trechos da doutrina. Dessa
forma, este resumo não pretende ser original, muito menos se destina à publicação, sendo dirigido de
forma a facilitar o estudo antes das avaliações, com a conseqüente compreensão dos temas pelo aluno.
Imprescindível, portanto, a aquisição de livros e obras clássicas para o aprofundamento da matéria.
Esse material foi extraído das obras dos doutrinadores Sérgio Cavalieri Filho, Carlos Roberto
Gonçalves, Flávio Tartuce, Sílvio de Salvo Venosa, Luiz Antônio Scavone Júnior, Pablo Stolze e
Rodolfo Pamplona, Maria Helena Diniz e Sílvio Rodrigues, com algumas adaptações.

1. TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1. DA ORIGEM E CONCEITO

Como observam os brilhantes professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo


Pamplona Filho, "De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas
civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção da vingança privada,
forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação
pessoal contra o mal sofrido".

A vingança, permitida nas origens do Direito Romano, importava a


retribuição privada contra o autor do prejuízo, com a idéia de que o dano poderia ser
reparado com outro dano. A responsabilidade sem culpa constituía a regra, sendo o
causador do dano punido de acordo com a pena de Talião (“olho por olho, dente por
dente”), prevista na Lei das XII Tábuas.

A experiência romana demonstrou que a responsabilidade sem culpa


poderia trazer situações injustas, surgindo a necessidade de comprovação desta como
uma questão social evolutiva. A partir de então, a responsabilidade mediante culpa
passou a ser a regra em todo o Direito Comparado. Surge, a partir de então, a Lex
Aquilia de Damnum (Lei de Áquila), que fixou a necessidade de culpa para a

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caracterização da responsabilidade civil pela reparação do dano causado. Com essa lei,
as penas passaram a ser proporcionais ao prejuízo.

A palavra “responsabilidade”, é uma palavra oriunda do latim, do verbo


respondere, que significa responsabilizar-se, assegurar, assumir algo ou do ato que
praticou. Numa acepção jurídica, responsabilidade corresponde ao dever de responder
pelos atos próprios e de terceiros, sob proteção legal, e de reparar os danos que forem
causados. Já o uso da expressão “civil” refere-se ao cidadão, assim considerado em sua
relação com os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos a exigir,
bem como, a obrigações que devem ser cumpridas.

Dessa forma, nas palavras de Maria Helena Diniz, responsabilidade civil é


definida como “[...] a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou
patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem
ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.

Carlos Roberto Gonçalves também nos ensina que: “Quem pratica um ato, ou
incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as conseqüências do seu procedimento.
Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o problema
da responsabilidade. Vê-se, portanto, que a responsabilidade é um fenômeno social.”

A violação de um direito gera a responsabilidade em relação ao que a


perpetrou. Nesse desiderato, a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo,
que tem como conseqüência à violação de uma obrigação; assim, sempre que almejar
saber quem é o responsável, ter-se-á que observar a quem a lei atribuiu a obrigação ou
o dever originário de reparar o dano.

O atual Código Civil brasileiro dedicou maior número de dispositivos à


matéria. Na Parte Geral, nos arts. 186, 187 e 188, estabeleceu a regra geral da
responsabilidade aquiliana e algumas excludentes. A Parte Especial, no art. 389, tratou
da responsabilidade contratual, dedicando-lhe, ainda, dois capítulos, um à "obrigação
de indenizar" e outro à "indenização", sob o título "Da Responsabilidade Civil".

1.2. DA RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

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Grande parte da doutrina tece comentários sobre a responsabilidade moral,


civil e penal, indubitavelmente, com o fito de, pela análise prévia de suas semelhanças
e diferenças, facilitar o aprendizado posterior. A distinção apontada dá-se em virtude
da norma violada.

Quando a norma violada for de direito público, temos a responsabilidade


criminal, se for do direito privado, temos a responsabilidade civil, ou em outras
palavras, o estado, exercendo a função de legislar, por critérios de conveniência e
oportunidade, define quais condutas humanas ilícitas merecem maior reprimenda, e as
selecionadas, além de obrigar a reparação do dano na forma do art. 186, do CC,
também conduzem à pena cominada por lei.

O ato ilícito pode repercutir na ordem civil e na ordem penal. Ocorre que a
responsabilidade civil, normalmente patrimonial (já que a privação da liberdade
atualmente só é possível em caso de falta de pagamento de pensão alimentícia, quando
o alimentante pode recolher e não paga os alimentos), depende de violação de norma
de direito privado.

A responsabilidade penal, com sanções diversas, como a reclusão, a


detenção, decorre da violação de norma de direito público. Como antes escrito, o ato
ilícito pode violar norma de direito público e de direito privado, como o homicídio, a
violação da honra, a lesão corporal etc.

Podemos afirmar que a única diferença entre a ilicitude penal e a civil é


somente de quantidade ou de grau; está na maior ou menor gravidade ou imoralidade
de uma em cotejo com outra. Aquelas condutas humanas mais graves, que atingem
bens sociais de maior relevância, são sancionadas pela lei penal, ficando para a lei civil
a repressão das condutas menos graves.

O ato ilícito pode ser civil, penal ou administrativo. Entretanto, é


fundamental apontar que há casos em que a conduta ofende a sociedade (ilícito penal)
e o particular (ilícito civil), acarretando dupla personalidade. Por exemplo, em um
acidente de trânsito é possível que haja um crime, bem como o dever de indenizar. Não
se pode esquecer a regra prevista no art. 935, do CC, pela qual a responsabilidade civil
independe da criminal, regra geral.

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No entanto, é possível que haja certa influência da responsabilidade civil na


penal ou vice-versa. Veja, por exemplo, um caso em que alguém esteja sendo acusado
de ter cometido um crime de bigamia e alegue que o primeiro casamento era nulo. Em
sendo verdadeira a alegação, inexiste a responsabilidade criminal (CP, art. 235, § 2º).

Contudo, não compete ao juiz criminal perquirir a validade do casamento,


nem o processo penal é meio adequado para a anulação de matrimônio. Nessa
hipótese, o processo criminal se suspende, "até que no juízo cível seja a controvérsia
dirimida por sentença passada em julgado" (CPP, art. 92).

Por outro lado, às vezes, a sentença penal condenatória passada em julgado


também tem eficácia na esfera cível. O art. 91, I, do CP dá como efeito secundário da
sentença penal condenatória "tornar certa a obrigação de indenizar o dano resultante do
crime". Isso significa que a condenação criminal corresponderá a uma sentença no cível
que declare a existência de dano a ser ressarcido. Passada em julgado a condenação, a
autoridade da coisa julgada estende-se também à possível pretensão civil, de modo que
não se poderá mais questionar, em processo algum, sobre a existência da obrigação de
indenizar.

1.3. DA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

A responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional,


pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar
determinada pessoa de observar um preceito normativo que regula a vida. Neste
sentido, fala-se, respectivamente, em responsabilidade civil contratual ou negocial e em
responsabilidade civil extracontratual, também denominada responsabilidade aquiliana.

Sob certos aspectos, a doutrina contemporânea aproxima essas duas


modalidades de responsabilidade e tenta retirar as suas diferenças sob a alegação de
que a culpa vista de forma unitária é fundamento genérico da responsabilidade. Se
uma e outra se fundam na culpa, que é a infração de uma obrigação preexistente, não
são diferentes a violação oriunda de um contrato e a violação derivada de qualquer
outra fonte. Defende que o inadimplente, qualquer forma, vai responder em pecúnia
pelas perdas e danos.

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Não há dúvidas de que tanto na responsabilidade extracontratual como na


contratual há a violação de um dever jurídico preexistente. No entanto, a distinção está
na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico
violado (ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato.

A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o


dever específico a cuja observância ficam adstritos. Haverá responsabilidade
extracontratual se o dever jurídico violado (ilícito extracontratual) não estiver previsto
no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica.

É possível também diferenciá-las quanto se trata de matéria de prova. Se a


responsabilidade for aquiliana (art. 186, CC e art. 927, do CC), a vítima alega o dano e
deve mostrar e provar a culpa do agente causador do dano, salvo em alguns casos
como na responsabilidade civil do Estado.

Na responsabilidade negocial, quem descumpre o contrato (art. 389, CC)


deve provar que não agiu com culpa, provando, por exemplo, que descumpriu o
contrato por conta de caso fortuito ou força maior (presume-se em favor da vítima a
culpa do inadimplente). Há vínculo, pacto, contrato entre causador do dano
(inadimplente) e vítima.

Na culpa contratual, examinamos o inadimplemento como seu fundamento


e os termos e limites da obrigação. Na culpa aquiliana ou extracontratual, levamos em
conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato.

Outra diferença é que na responsabilidade contratual, o menor púbere e o


incapaz não responde, salvo se agir com dolo, mentindo sobre a sua idade, ou o
incapaz antes da interdição, desde que pratique negócio jurídico com terceiro de boa-fé
que não possa desconfiar da menoridade ou da incapacidade.

Já na responsabilidade extracontratual, responde o menor púbere de


qualquer forma, porque é equiparado ao absolutamente capaz para responder por ato
ilícito. O menor impúbere não, pois os pais respondem. Nesse ponto, o art. 928, do CC,
inovou a ordem anterior ao estabelecer que o incapaz responde pelo dano causado a
terceiro se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não
dispuserem de meio suficiente.

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Podemos elencar vários casos de responsabilidade civil extracontratual:


responsabilidade por ato de outrem; responsabilidade por coisa sob a guarda do
agente; responsabilidade por danos provocados por animais; responsabilidade por
danos causados por edifícios e construções; responsabilidade nos acidentes de trânsito;
responsabilidade do Estado; responsabilidade por ofensa à honra e à liberdade pessoal,
etc..

1.4. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

A responsabilidade subjetiva baseia-se no elemento culpa. Dessa forma,


para que o agente indenize, para que responda civilmente, é necessária a comprovação
da sua culpa genérica, que inclui o dolo e a culpa em sentido restrito.

Diz-se que a responsabilidade é subjetiva, pois o que está em exame é o


comportamento do sujeito, ou seja, se este ao ter causado o dano, o fez com base na
culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou no dolo (intenção deliberada do
agente em causar o dano). O Código Civil, em seu art. 186, manteve a culpa como
fundamento da responsabilidade civil subjetiva.

Por outro lado, na responsabilidade objetiva o elemento culpa é


absolutamente desprezado, pois bastará ao lesado provar o nexo de causalidade entre
o dano que experimentou e ato do agente que o causou para fazer surgir a obrigação de
indenizar.

O Código Civil admite expressamente a responsabilidade objetiva em seu


art. 927, parágrafo único. A sua aplicação ocorrerá em duas hipóteses, quais sejam:

a) "nos casos especificados em lei";

b) "ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,


por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

Na maior parte dos casos há de prevalecer a teoria subjetiva como regra


geral. A exceção é apenas nos casos previstos em lei e "quando a atividade

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normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem", onde será aplicada a teoria objetiva.

E é no terreno da responsabilidade objetiva que se fala na Teoria do Risco,


segundo a qual aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para
terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu
comportamento sejam isentos de culpa.

Segundo Aurélio Buarque de Holando Ferreira, em seu renomado


dicionário da língua portuguesa, "atividade", é "qualquer ação ou trabalho específico;meio
de vida; ocupação; profissão; exercício efetivo de função ou emprego"; etc. E assim conceituou
o "risco": "perigo ou possibilidade de perigo; situação em que há probabilidades mais ou menos
previsíveis de perda ou ganho". O que significa dizer que aquele que exerce uma atividade
perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente.

Em torno da teoria do risco, surgiram várias concepções ou modalidades,


dentre as quais podem ser destacadas:

a) Teoria do risco-proveito: a responsabilidade incorre sobre aquele que


adquire algum proveito da atividade danosa, com base no princípio de que, “onde está
o ganho, aí reside o encargo”. De acordo com essa teoria, o dano deve ser reparado por
aquele que retira algum proveito ou vantagem do fato lesivo. Quem colhe os frutos da
utilização de coisas ou atividades perigosas deve experimentar as consequência
prejudiciais que dela decorrem.

O agente retira uma vantagem do risco criado, como nos casos envolvendo
os riscos de um produto, relacionados com a responsabilidade objetiva decorrente do
Código de Defesa do Consumidor. Em um outro exemplo, deve uma empresa
farmacêutica responder por um novo produto que coloca no mercado e que ainda está
em fase de testes (risco de desenvolvimento).

b) Teoria do risco da atividade ou risco profissional: quando a atividade


desempenhada cria riscos a terceiros, aos direitos de outrem (art. 927, 2ª parte, do CC).
Para essa teoria, o dever de indenizar sempre decorre de um fato prejudicial à
atividade ou profissão do lesado, tal como ocorre nos danos causados por acidente de
trabalho, independentemente de culpa do empregador.

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O doutrinador Sérgio Cavalieri Filho traz o seguinte pensamento: “A


desigualdade econômica, a força de pressão do empregador, a dificuldade do empregado de
produzir provas, sem se falar nos casos em que o acidente decorria das próprias condições físicas
do trabalhador, quer pela sua exaustão, quer pela monotonia da atividade, tudo isso acabava por
dar lugar a um grande número de acidentes não indenizados, de sorte que essa teoria veio para
afastar tais inconvenientes”.

c) Teoria do risco excepcional: a reparação é devida sempre que o dano é


consequência de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima, ainda
que estranho ao trabalho que normalmente exerça, a exemplo dos casos de acidentes de
rede elétrica de alta tensão, exploração de energia nuclear, radioatividade etc.

Em razão dos riscos excepcionais a que essas atividades submetem os


membros da coletividade de modo geral, resulta para aqueles que as exploram o dever
de indenizar, independentemente de indagação de culpa.

d) Teoria do risco criado: é aquele que, em razão de sua atividade ou


profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo se provar
ter adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo. Está presente nos casos em que o
agente cria o risco, decorrente de outra pessoa ou de uma coisa. Cite-se a previsão do
art. 938, do CC, que trata da responsabilidade do ocupante do prédio pelas coisas que
dele caírem ou forem lançadas (desfenestramento).

Se alguém põe em funcionamento uma atividade qualquer, responde pelos


eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de
determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido a imprudência, a
negligência, a um erro de conduta, etc..

Diferem as teorias do risco-proveito e a do risco criado ao passo em que,


nesta última, não se correlaciona o dano a um proveito ou vantagem do agente. O que
se encara é a atividade em si mesma, independentemente do resultado bom ou mau
que dela advenha para o agente. Esta teoria amplia o conceito do risco-proveito.

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e) Teoria do risco integral: é uma modalidade extremada da doutrina do


risco, porquanto nela se dispensa até mesmo o nexo causal para justificar o dever de
indenizar, que se faz presente somente em razão do dano, ainda que nos casos de culpa
exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior. Nessa hipótese
não há excludente de nexo de causalidade ou responsabilidade civil a ser alegada,
como nos casos de danos ambientais, previsto no art. 14, §1º, da Lei 6.938/1981.

f) Teoria do Risco Administrativo: consiste no risco que o exercício da


atividade pública causa ao particular, no potencial que ela tem para provocar danos
aos membros da sociedade e de impor-lhes um sacrifício não suportado pelos demais.
É adotada nos casos de responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, §6º, da CF/88),

Em sintonia com essas teorias, conclui-se que é através do liame entre a


atividade normalmente desenvolvida pelo agente com fins lucrativos - conduta
humana, e o dano, além do nexo de causalidade, que se justifica o dever de indenizar,
ainda que inexistente a ilicitude ou a culpa. É essa, ao que nos parece, a melhor
hermenêutica da norma inserta na segunda parte, parágrafo único do art. 927, do novo
Código Civil.

Para finalizar, podemos apresentar as seguintes hipóteses de


responsabilidade objetiva: responsabilidade civil do Estado (art. 37, §6º, da CF/88);
danos causados ao meio ambiente (art. 14, §1º, da Lei 6.938/1981); Lei 6.194/1974 e
8.441/1992 (seguro obrigatório DPVAT); Lei 8.213/1991 e art. 7º, XXVIII, da CF/88
(acidente no trabalho); artigos 12, 14, 18, 19 e 20, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa
do Consumidor).

1.5. DOS ELEMENTOS OU DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Assentado o princípio, universalmente aceito, de que todo aquele que


causar dano a outrem é obrigado a repará-lo, cabe-nos agora analisar, em linhas gerais,
os pressupostos ou elementos básicos da responsabilidade civil. O art. 186, do CC,
estabelece que: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

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Interpretando dispositivo acima, extraem-se os seguintes pressupostos da


responsabilidade civil, a saber: conduta humana (ação ou omissão); culpa ou dolo do
agente; relação de causalidade; e o dano experimentado pela vítima.

Entretanto, certo de que o nosso direito positivo admitiu a idéia de


responsabilidade civil sem culpa, ou seja, a responsabilidade civil objetiva, não
podemos aceitar a culpa ou dolo do agente como pressuposto ou elemento essencial da
responsabilidade civil. Hoje, com a evolução do nosso Direito Civil, já não se admite a
ultrapassada concepção de que a responsabilidade civil está sempre interligada à
culpa.

Com a clareza que lhes é peculiar, os professores Pablo Stolze Gagliano e


Rodolfo Pamplona Filho, nos ensina que: "A culpa, portanto, não é um elemento essencial,
mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou
pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou
negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade...".

Seguindo esse entendimento, têm-se como pressupostos ou elementos


básicos da responsabilidade civil: a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade e,
como elemento especial (acidental), temos a culpa. Independente desta distinção feita
por parte da doutrina, passaremos a estudar todos os pressupostos individualmente.

1.5.1. Conduta humana

A conduta humana, como pressuposto da responsabilidade civil, "vem a ser


o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do
próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem,
gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".

À luz dessa definição, conclui-se que a conduta, positiva ou negativa,


passível de responsabilidade civil pode ser praticada:

a) pelo próprio agente causador do dano;

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b) por terceiros, nos casos de danos causados pelos filhos, tutelados,


curatelados (art. 932, I e II, CC), empregados (art. 932, III, CC), hóspedes e educandos
(art. 932, IV, CC);

c) por fato causado por animais (art. 936, CC) e coisas inanimadas (arts. 937
e 938, CC) que estejam sob a guarda do agente e, ainda,

d) por um produto colocado no mercado de consumo (arts. 12, 13, 14, 18 e


19 da Lei 8.078/90 – CDC).

A conduta negativa, caracterizada pela omissão, a princípio, não pode


causar o dano sofrido pelo lesado, porquanto do nada, nada provém. No entanto, tem-
se entendido que a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável,
quando este tem dever jurídico de agir, de praticar um ato, vale dizer, de está numa
situação jurídica que o obrigue a impedir o resultado, dever, esse, que pode decorrer
da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente.

Criando o risco da ocorrência do resultado, aquele que se omitiu deve, por


isso, agir para impedi-lo. Para a omissão, é necessária a demonstração de que, caso a
conduta fosse praticada, o dano poderia ter sido evitado. Verifica-se que a regra é a
ação ou conduta culposa; já para a configuração da omissão é necessário que exista o
dever jurídico de praticar determinado ato, bem como a prova de que a conduta não foi
praticada.

Somente os pais, por exemplo, respondem, civil e penalmente, pela omissão


alimentar dos filhos, porque a eles cabe o dever legal de alimentá-los; somente o
médico contratado pelo paciente, ou está vinculado ao atendimento, responde pela
falta desse atendimento, porque assumiu a posição de garantidor (ou garante) da não-
ocorrência do resultado.

A título de ilustração apenas, a jurisprudência tem entendido que o


condomínio, em regra, não responde pelo roubo ou furto do veículo no seu interior,
uma vez que não há por parte do mesmo, ou de seus prepostos, o dever legal de
impedir o ilícito.

Observação: Da imputabilidade

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No caso da responsabilidade subjetiva, em especial, sabemos que a mesma


não decorre apenas da prática de uma conduta, nem do simples fato lesivo. Exige-se,
ainda, que a conduta seja culpável, ou seja, reprovável, passível de um juízo de
censura. Essa censurabilidade, por sua vez, depende da capacidade psíquica de
entendimento e autodeterminação do agente, o que nos leva à imputabilidade.

“Imputar” é atribuir a alguém a responsabilidade por alguma coisa.


Imputabilidade é a probabilidade de uma determinada conduta ser conferida a alguém;
é, pois, o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para poder
responder pelas conseqüências de uma conduta contrária ao dever; imputável é aquele
que podia e devia ter agido de outro modo.

Por isso se diz que não há como responsabilizar quem quer que seja pela
prática de um ato danoso se, no momento em que o pratica, não tem capacidade de
entender o caráter reprovável de sua conduta e de determinar-se de acordo com esse
entendimento. Para que a imputabilidade se concretize, mister se faz que esta conduta
(ação ou omissão) tenha origem em um ato de vontade livre e capaz. Maria Helena
Diniz esclarece com a seguinte lição:

“O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A


comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não-
observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se. [...] Deverá
ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade a qual se imputa o fato, de sorte que
excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; [...]”

É o que vem exposto no CC, em seus arts. 186 e 187. Para que alguém
pratique um ato ilícito e seja obrigado a reparar o dano causado, é necessário que tenha
capacidade de discernimento. Em outras palavras, aquele que não pode querer e
entender, não incorre em culpa e, com isso, não pratica ato ilícito.

Apresentam-se como excludentes à imputabilidade a:

a) menoridade. Os menores de 16 anos não são responsáveis porque são


incapazes, nos termos do art. 3º, I, do Código Civil. Falta-lhe maturidade,
desenvolvimento mental suficiente para autodeterminar-se. Por eles respondem os pais

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(art. 932, I, CC), se estiverem sob sua autoridade e em sua companhia (culpa in
vigilando).

O artigo 116, da Lei 8.069/90 (ECA) estabelece que o adolescente pode ser
obrigado a restituir a coisa, promover o ressarcimento do dano ou, por outra forma,
compense o prejuízo da vítima, no caso da prática de atos infracionais com reflexos
patrimoniais.

b) insanidade ou demência mental. São igualmente irresponsáveis, conforme o


art. 3º. II, do CC, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o
necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil. A inimputabilidade dos
loucos decorre da falta de higidez mental, insanidade de todo gênero, que lhes tira a
capacidade de entendimento e auto determinação. Respondem por eles os curadores
(art. 932, II, CC) (culpa in vigilando).

Maria Helena Diniz adiciona às excludentes já listadas a anuência da


vítima, o exercício regular de um direito, a legítima defesa e o estado de necessidade.
Nas pessoas jurídicas, a imputabilidade se dará pela manifestação dos atos de seus
gerentes, já que por eles é que se externa sua vontade e conduta.

1.5.2. Da culpa

Quando falamos em culpa no direito civil, estamos falando em culpa


genérica, que é culpa em sentido amplo, amparando culpa e dolo.

Culpa, nos dizeres de Maria Helena Diniz é: “[...] em sentido amplo, como
violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de
omissão de diligência ou cautela compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever
jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência,
sem qualquer deliberação de violar um dever”.

Sendo assim, infere-se que não se faz necessário a intenção do agente em


causar o dano para que reste caracterizada sua responsabilidade civil, bastando, para

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tanto, que sua conduta seja reprovável e censurável. A constatação da culpa do agente
é imprescindível para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva.

A culpa classifica-se em lato sensu e stricto sensu. Se a conduta danosa


quedou realizada com deliberada manifestação de vontade, esta mesma conduta foi
dolosa (culpa lato sensu). O Prof. Caio Mário da Silva Pereira conceitua o dolo como a
infração consciente do dever preexistente, ou o propósito de causar dano a outrem.

Para Sílvio Rodrigues, o dolo se caracteriza pela ação ou omissão do agente


que, antevendo o dano que sua atividade vai causar, deliberadamente prossegue, com
o propósito, mesmo, de alcançar o resultado danoso. O agente que age dolosamente
sabe ser ilícito o resultado que intenciona alcançar com sua conduta. Está consciente de
que age de forma contrária ao dever jurídico, embora lhe seja possível agir de forma
diferente.

A culpa, em seu caráter stricto sensu, na lição de Aguiar Dias, é: [...] falta de
diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do
esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o
agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais da sua atitude.

Conceitua-se a culpa, portanto, como conduta voluntária contrária ao dever


de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário,
porém previsto ou previsível. Extraem-se desse conceito os seguintes elementos para a
culpa:

- conduta voluntária com resultado involuntário. Enquanto no dolo o


agente quer a conduta e o resultado, na culpa, o agente quer a conduta, não, porém, o
resultado; quer a causa, mas não quer o efeito.

- previsão ou previsibilidade. O resultado não é desejado, embora seja


previsto. Trata-se da culpa consciente, que é aquela em que o agente prevê o resultado,
mas acredita sinceramente que ele não ocorrerá. O resultado poderia ter sido previsto
e, consequentemente, evitado.

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- falta de cuidado, cautela, diligência ou atenção. Se o resultado era previsto


e o agente não o evitou é porque faltou com a cautela devida; violou aquele dever de
cuidado que é a própria essência da culpa.

A falta de cuidado exterioriza-se através da imprudência, negligência e


imperícia:

a) imprudência: é a falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva,


positiva, por ação. Age com imprudência o motorista que avança o farol vermelho;
dirige em excesso de velocidade.

b) negligência: é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. É o


desrespeito às normas que ordenam o agir com atenção, capacidade, solicitude e
discernimento. Haverá negligência se o veículo não estiver em condições de trafegar,
por deficiência de freios, pneus. É negligente também o agente que deixa de colocar o
cinto de segurança na criança; deixa cair um vaso de cristal no chão; deixa a jaula do
leão aberto; não puxa o freio do carro em um declive. O médico que não toma os
cuidados devidos ao fazer uma cirurgia, ensejando a infecção do paciente, ou que lhe
esquece uma pinça no abdômen, é negligente.

c) imperícia: é a falta de habilidade ou aptidão no exercício de atividade


técnica, caso em que se exige, de regra, maior cuidado ou cautela do agente. Haverá
imperícia do motorista que provoca acidente por falta de habilitação. O erro médico
grosseiro também exemplifica a imperícia.

Várias são as classificações adotadas para a culpa, tendo como elemento


distintivo a natureza e extensão do instituto. Partindo-se deste pressuposto, pode-se
falar em:

a) quanto ao grau de culpa: culpa grave, leve e levíssima. Culpa grave


consiste em não prever o que todos prevêem, omitir os cuidados mais elementares ou
descuidar da diligência mais evidente. É a decorrente de uma violação mais séria de
dever de diligência que se exige do homem mediano. Por exemplo, dirigir um veículo
em estado de embriaguez alcoólica ou em velocidade excessiva, ingressar em
cruzamento sinalizado com o semáforo fechado, etc. Para todos os efeitos, equipara ao
dolo (art. 392, CC).

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Culpa leve ou média é a culpa intermediária, situação em que a conduta se


desenvolve sem a atenção normalmente devida. A falta podia ser evitada com atenção
ordinária, com o cuidado próprio do homem comum (esbarrar em uma estante de
cristais, de uma loja). A doutrina em geral a ela se refere como a falta de diligência
própria do bom pai de família.

Culpa levíssima é a falta de atenção extraordinária, situação em que o fato


só teria sido evitado mediante uma habilidade especial ou conhecimento singular
(tropeçar em um objeto, escorregar e lesar outrem).

b) quanto à natureza do dever violado: culpa contratual e extracontratual


(aquiliana). A culpa será contratual se esse dever tiver por fonte uma relação jurídica
obrigacional preexistente, ou seja, um dever oriundo de contrato. Está presente nos
casos de desrespeito a uma norma contratual ou a um dever anexo relacionado com a
boa-fé objetiva e que exige uma conduta leal dos contratantes em todas as fases
negociais. Ex: casal gaúcho que viajou para o Rio e foram surpreendidos com a
propaganda enganosa na compra de um carro semi-novo.

Se o dever tiver por causa geradora a lei ou um preceito geral de Direito,


teremos a culpa extracontratual ou aquiliana. Como exemplo, podem ser mencionados
as situações envolvendo acidentes de trânsito, homicídio, lesões corporais, entre
outros.

c) quanto à atuação do agente: há a culpa in committendo (resulta de uma


ação, de um ato positivo do agente – imprudência) e a culpa in omittendo (decorre de
uma omissão, só tendo relevância para o direito quando haja o dever de não se abster –
negligência). Haverá culpa in committendo quando o motorista bêbado e em alta
velocidade causa um acidente. O médico que esquece a gaze na barriga do paciente pós
uma cirurgia age em culpa in omittendo.

d) quanto à sua presunção: culpa in vigilando, culpa in eligendo e culpa in


custodiendo. Na culpa in vigilando, há uma quebra do dever legal de vigilância como
era o caso da responsabilidade do pai pelo filho, do tutor pelo tutelado, do curador
pelo curatelado, do dono de hotel pelo hóspede e, ainda, do educador pelo educando.
Já na culpa in eligendo é aquela decorrente da escolha ou eleição feita pela pessoa a ser

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responsabilizada, como no caso de responsabilidade do patrão por ato de seu


empregado. Por fim, na culpa in custodiendo, a presunção da culpa decorre da falta de
cuidado em se guardar uma coisa ou animal.

Essas espécies de culpa foram extintas porque o novo Código Civil, em


seus arts. 933 e 936, estabeleceu responsabilidade objetiva para os pais, patrão,
comitente, detentor de animal, etc., e não mais responsabilidade com culpa presumida,
como era no Código anterior.

e) quanto à prova da culpa: culpa presumida e culpa contra a legalidade.


Na culpa presumida, o causador do dano, até prova em contrário, presume-se
culpado; mas, por se tratar de presunção relativa (juris tantum), pode elidir essa
presunção provando que não teve culpa. Nestes casos, ocorre a inversão do ônus da
prova, melhorando muito a situação da vítima.

A vítima não terá que provar a culpa psicológica, subjetiva, do agente, que
é presumida. Basta a prova da relação de causa e efeito entre o ato por este praticado e
o dano experimentado. Para livrar-se da presunção de culpa, o causador da lesão
patrimonial ou moral é que terá de produzir prova de inexistência de culpa ou de caso
fortuito. Assim, se o motorista sobe com o veículo na calçada e atropela o transeunte, a
culpa decorre do próprio fato, isto é, está in re ipsa, cabendo ao agente afastá-la
provando o caso fortuito ou a força maior.

Fala-se em culpa contra a legalidade quando o dever violado resulta de


texto expresso de lei ou regulamento, como ocorre, por exemplo, com o dever de
obediência aos regulamentos de trânsito de veículos motorizados, ou com o dever de
obediência a certas regras técnicas no desempenho de profissões ou atividades
regulamentadas. A mera infração da norma regulamentar é fator determinante da
responsabilidade civil; cria em desfavor do agente uma presunção de ter agido
culposamente, incumbindo-lhe o difícil ônus da prova em contrário.

f) quanto à participação da vítima no evento danoso: culpa exclusiva da


vítima e culpa concorrente. Quando o evento danoso acontece por culpa exclusiva da
vítima desaparece a responsabilidade do agente. Nesse caso, deixa de existir a relação
de causa e efeito entre o seu ato e o prejuízo experimentado pela vítima. Pode-se
afirmar que, no caso de culpa exclusiva da vítima o causador do dano é mero

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instrumento do acidente. Não há liame de causalidade entre o seu ato e o prejuízo da


vítima.

Ocorre, por exemplo, quando a vítima é atropelada ao atravessar,


embriagada, uma estrada de alta velocidade ou quando o motorista, dirigindo com
toda a cautela, vê-se surpreendido pelo ato da vítima que, pretendendo suicidar-se,
atira-se sob as rodas do veículo. Impossível, nestes casos, falar em nexo de causa e
efeito entre a conduta do motorista e os ferimentos, ou o falecimento, da vítima.

Fala-se em culpa concorrente (art. 945, CC) quando, paralelamente à


conduta do agente causador do dano, há também conduta culposa da vítima, de modo
que o evento danoso decorre do comportamento culposo de ambos. Nesse casos,
existindo uma parcela de culpa também do agente, haverá repartição de
responsabilidades, de acordo com o grau de culpa. A indenização poderá ser reduzida
pela metade, se a culpa da vítima corresponder a uma parcela de 50%, como também
poderá ser reduzida de 1/4, 2/5, dependendo de cada caso.

Da lição cada vez mais prestigiada de Maria Helena Diniz, vale destacar:
"Se o lesado e lesante concorreram com uma parcela de culpa, produzindo um mesmo prejuízo,
porém, por atos independentes, cada um responderá pelo dano na proporção em que concorreu
para o evento danoso. Não desaparece, portanto, o liame de causalidade; haverá tão somente uma
atenuação da responsabilidade, hipótese em que a indenização é, em regra, devida pela metade ou
diminuída proporcionalmente. Haverá uma bipartição dos prejuízos, e a vítima, sob a forma
negativa, deixará de receber a indenização na parte relativa a sua responsabilidade.".

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Para se caracterizar a responsabilidade civil é necessário que se coadunem


quatro elementos, a saber: a ação ou omissão do agente, a culpa ou o dolo do agente, a
relação ou o nexo de causalidade e o dano.

A Responsabilidade Civil Contratual, como o nome mesmo já sugere, ocorre


pela presença de um contrato existente entre as partes envolvidas, agente e vítima.
Assim, o contratado ao unir os quatro elementos da responsabilidade civil (ação ou
omissão, somados à culpa ou dolo, nexo e o consequente dano) em relação ao
contratante, em razão do vínculo jurídico que lhes cerca, incorrerá na chamada
Responsabilidade Civil Contratual.

Em relação à Responsabilidade Civil Extracontratual, também conhecida como


aquiliana, o agente não tem vínculo contratual com a vítima, mas, tem vínculo legal,
uma vez que, por conta do descumprimento de um dever legal, o agente por ação ou
omissão, com nexo de causalidade e culpa ou dolo, causará à vítima um dano.

Ambas as figuras de responsabilidade civil estão fundamentadas, genericamente,


nas palavras do artigo 186 do Código Civil, in verbis :

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou


imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito.

Desse modo, pode-se verificar que a única diferença entre as duas figuras de
responsabilidade civil encontra-se no fato de a primeira existir em razão de um contrato
que vincula as partes e, a segunda surge a partir do descumprimento de um dever legal.

A responsabilidade civil contratual é regulamentada nos artigos 389 a 393 do


Código Civil:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e
danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

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Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente


desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens
do devedor.
Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o
contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não
favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por
culpa, salvo as exceções previstas em lei.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Já a responsabilidade extracontratual (ou aquilina) tem regramento no artigo 927


e seguintes do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.

Feitas essas considerações iniciais, passemos à análise da teoria do dano.

Quando falamos em responsabilidade civil, pensamos logo na teoria do dano. O


que é dano? Qual o conceito mais adequado?Dano é a lesão a um bem jurídico, que
pode ser patrimonial ou moral.

Dano patrimonial se caracteriza quando uma pessoa é ofendida em seus atributos


econômicos, financeiros. Quando se fala em dano patrimonial, lembramos da ideia de
perdas e danos.

Dano patrimonial é gênero que compreende duas espécies: danos emergentes


(prejuízos efetivamente sofridos pela vítima em razão da lesão, ou seja, é tudo aquilo

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que saiu do bolso do lesado em virtude da ofensa) e lucros cessantes (é tudo aquilo que
o lesado razoavelmente deixou de aferir em virtude da lesão).

Um exemplo é o motorista de táxi que tem seu carro abalroado por um motorista
bêbado. O taxista tem seu carro destruído e fica internada por dois meses, não podendo
dirigir por um ano em virtude da gravidade das lesões sofridas. Como advogado do
taxista, o que você pediria?

A título de danos emergentes, pede-se as despesas com hospital, medicamentos e


o valor do conserto do veículo. Já os lucros cessantes abrangem tudo que o taxista
deixou de ganhar na condição da taxista pelo período em que teve de ficar afastado.

Há hipóteses em que a vítima poderá pleitear apenas lucros cessantes; em outras,


apenas danos emergentes. Os nossos Tribunais são muito rígidos na fixação do lucro
cessante, porque o artigo 402 do Código Civil assevera que:

Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e


danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu,
o que razoavelmente deixou de lucrar.

Entenda esse “razoavelmente” como “certamente”, ou seja, o magistrado só


concede lucros cessantes quando o lesado comprova de forma clara que se o dano não
tivesse ocorrido, ele certamente experimentaria um ganho econômico. Nenhum Tribunal
concede lucros cessantes com base em uma possibilidade de ganho, com base em meras
conjecturas.
Ex: José da Silva é camelô e inicia uma briga com um fiscal, porque este
assevera que fará a apreensão dos bens que José pretende vender. Neste momento, o
fiscal empurra o camelô, ele cai no chão, quebra a perna e tem sua barraca destruída.
José pode pleitear as despesas com hospital, com a destruição da barraca (danos
emergentes), mas jamais poderá pleitear lucros cessantes, uma vez que ele não
convencerá qualquer juiz de que seu ganho era certo, sobretudo por se tratar de
atividade ilegal.

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Há diversas decisões relativas a danos emergentes e lucros cessantes no


homicídio. Ex: Plínio é um pai de família, que tem cinco filhos, sendo três menores e
dois maiores. A esposa de Plínio também é dependente econômica dele. Ele, na
condição de pedreiro, aufere 1200 reais mensais. Um dia, Plínio é atropelado por um
ônibus, tendo vindo a óbito. O evento danoso decorreu de negligência do motorista do
veículo.

O artigo 948 do Código Civil estabelece:

Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir


outras reparações:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral
e o luto da família; (danos emergentes)
II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia,
levando-se em conta a duração provável da vida da vítima. (lucros
cessantes)

No que se refere aos lucros cessantes, haverá um pensionamento em virtude da


morte prematura daquele pedreiro. Os Tribunais, em regra, fixam essa pensão em dois
terços dos rendimentos do falecido. Como a renda dele era de 1200 reais, os menores e a
esposa receberão 800 reais mensais. A lógica da fixação desse valor é que um terço do
valor seria gasto pelo falecido, com suas despesas pessoais.

Até quando essa família receberá esses 800 reais? A viúva receberá até que
complete 70 anos de idade, desde que não case novamente, ou não viva em união
estável. E os filhos receberão até que completem 25 anos de idade.

E se o Plínio, no momento do atropelamento, fosse um senhor de 78 anos que


vendia balas? A verba devida seria a mesma?

Os lucros cessantes serão fixados porque, apesar da idade avançada, ele


desenvolvia atividade lucrativa. Só que, nesse caso, fixa-se lucros cessantes por um
prazo de 5 anos, contado do óbito.

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Outra questão interessante relativa aos lucros cessantes no homicídio se dá


quando o atropelado no ônibus não é o Plínio, mas o filho de Plínio, que tem 12 anos de
idade. Nesse caso, a família de Plínio receberia lucros cessantes?

O STF já fixou a orientação nos sentido de que se este menino, mesmo não
sendo trabalhador, se for originário de família pobre, há uma presunção de que ele
fatalmente trabalharia e contribuiria para o sustento da família. Com base nessa
presunção de ganhos, fixa-se uma verba, com base no salário mínimo, dos 14 aos 25
anos, em favor de seus pais.

(Mesmo que ele tenha falecido com 10, ou 11 anos. Fala-se em 14, porque é a
idade mínima que a Constituição prevê para o exercício de atividade laboral. Por outro
lado, 25 é a idade em que provavelmente ele se casaria e deixaria de contribuir para o
sustento de seus pais).

Isso vai depende do caso concreto. Há casos em que serão fixados lucros
cessantes até os 65 anos, mas após os vinte e cinco anos, o valor deve ser reduzido à
metade, pois mesmo se presumindo que ele contribuiria para os pais, teria despesas com
sua própria família a partir do momento em que se casasse.
Observação importante: nos exemplos dados, o causador do evento danoso
sempre foi a empresa de ônibus. Como essa sociedade empresária, em regra, tem grande
capacidade financeira, a família da vítima pode exigir a constituição de um capital. O
Código Civil foi além disso.

O parágrafo único do artigo 950 prevê que a família da vítima pode requerer que
o causador do dano efetue o pagamento de uma só vez. Isso serve para garantir
segurança jurídica, retirando da família o temor de que algo ocorra com aquela empresa
e impossibilite o pagamento da verba alimentar.

Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o


seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a
indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao
fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do
trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

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Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a


indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Outra questão interessante é relativa à teoria da perda de uma chance.

Ex: Heloane é uma estudante de concurso que obteve aprovação nas 3 fases do
concurso para ingresso no Ministério Público do Estado de Goiás. No dia da prova oral,
ao atravessar a Avenida FuedSebba, Heloane é atropelada por Renan, motorista bêbado,
que lhe causa uma fratura exposta, ficando ela impedida de se submeter ao exame.

Na condição de advogado de Heloane, você pediria, a título de lucros cessantes,


todos os salários que ela receberia, como Promotora de Justiça, pelos próximos 30 anos?

Não, uma vez que não há qualquer certeza de que ela seria aprovada no
concurso. Ela, então, não pode pleitear lucros cessantes. Entretanto, ela perdeu a chance
de se tornar Promotora de Justiça. Isso tem valor econômico...Quando alguém,
injustamente, frustra essa chance, deve restituir financeiramente a perda dessa chance.

O caso mais famoso no Brasil é o da baiana Ana, que respondeu à pergunta dos
500 mil reais no programa “Show do Milhão” e, ao ver a pergunta que valia 1 milhão de
reais, desistiu, indo embora apenas com os 500 mil.

A pergunta era: “Qual o percentual estabelecido na Constituição Federal de


terras para os indígenas?”

Ao chegar em casa e ver que a Constituição não fixava esse percentual, ela
ingressou com ação de indenização em face do SBT, pedindo os outros 500 mil reais. O
Juiz monocrático, na Bahia, concedeu os 500 mil reais. O TJ/BA confirmou a sentença
monocrática. Entretanto, o STJ reformou a decisão, sob o fundamento que não havia
garantia alguma de que ela acertaria a pergunta. Isso não se caracteriza como lucros
cessantes. O STJ, entretanto, entendeu que ela perdeu uma chance. Logo, ela recebeu
125 mil reais, o que corresponde a 25% do valor (como eram quatro assertivas, a chance
dela responder à correta era de 25%).

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Outro exemplo: você ingressa com uma ação de indenização, pedindo 100 mil
reais. O pedido é julgado improcedente e você, embora queira recorrer, não pode em
virtude de seu advogado ter perdido o prazo recursal. Você pode pleitear esses 100 mil
reais do seu advogado? Claro que não. O TJ/RS tem feito o seguinte cálculo:

De cada 10 ações, quantas foram revertidas em segundo grau? Vinte por cento.

Então, o que você pode pedir de seu advogado é vinte por cento do valor
pleiteado, ou seja, vinte mil reais. Trata-se da teoria da perda de uma chance.

Entre o dano emergente e o lucro cessante, tem-se um terceiro gênero, que seria
a teoria da perda de uma chance.

Essa teoria pode ser vista, ainda, por outro ângulo, ou seja, ela pode ser
analisada quando alguém perde a chance de sobreviver, ou a chance de se curar.

Ex: você faz uma cirurgia, que é bem sucedida, mas o médico deixa um
instrumento cirúrgico dentro de você. Depois de um tempo, você tem dores fortes e
morre em virtude de infecção decorrente desse instrumento que fora deixado dentro de
você.

Os lucros cessantes, no caso de acidente de trabalho, são fixados da seguinte


forma:

Art. 950 - Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido


não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a
capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento
e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão
correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.

Ex: se o marceneiro ganhava 2 mil reais por mês e, em virtude de acidente de


trabalho, teve 40% de redução de sua capacidade contributiva, ele deverá receber a
quantia de 800 reais mensais, além dos danos emergentes e dos lucros cessantes. Essa
pensão é vitalícia, ou seja, personalíssima (se ele morrer, não é transmitida aos

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herdeiros). Essa pensão não se confunde com o benefício previdenciário que deve ser
pago pelo INSS.

Esta verba relativa ao pensionamento pelo ato ilícito não é compensado pelo
valor que é pago pelo INSS. A pensão tem natureza indenizatória, ao passo que a do
INSS tem natureza securatória (é um seguro previdenciário decorrente de toda uma
ideia de risco social que o Estado deve dar proteção). Nada impede que elas sejam
cumuladas.

Artigo complementar:
RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DO TEMPO - Pablo Stolze.

1. A Importância do Tempo em Nossas Vidas

Existe algo inexplicável por trás desta nossa complexa realidade.O que de fato faz a sua
vida ter sentido?A posição social que você alcança? O cargo cobiçado que você tanto
almeja? O dinheiro que você acumula?Sem menoscabar a importância dessas metas
materiais de vida, o fato é que, um dia, você compreenderá a verdade cósmica dita pelo
profeta RAUL SEIXAS, na música “Ouro de Tolo”:

Eu que não me sento


No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar...
Porque longe das cercas
Embandeiradas,
Que separam quintais,
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador...

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Esta “sombra sonora de um disco voador” traduz, na linguagem da crença religiosa,


física, poética ou matemática da cada um, este “algo inexplicável” que une pessoas e
vidas, molda sonhos e firma projetos, espancando, de uma vez por todas, a falsa ideia de
que a vida é um mero conjunto de coincidências.

E, por isso, o nosso tempo tem um profundo significado e um imenso valor, que não
podem passar indiferentes ao jurista do século XXI.
Certamente, ao longo de todo o bacharelado, você conheceu diversas figuras jurídicas: o
contrato, a família, a propriedade, a posse, a empresa.E o tempo?Você saberia dizer qual
a sua natureza jurídica?

2. O Tempo em Dupla Perspectiva

Para bem respondermos a esta pergunta, é preciso considerar o tempo em uma dupla
perspectiva:

a) Dinâmica;
b) Estática.

Na perspectiva mais difundida, “dinâmica” (ou seja, em movimento), o tempo é um


“fato jurídico em sentido estrito ordinário”, ou seja, um acontecimento natural, apto a
deflagrar efeitos na órbita do Direito, como já tivemos, inclusive, a oportunidade de
escrever:

“Considera-se fato jurídico em sentido estrito todo


acontecimento natural, determinante de efeitos na órbita
jurídica.

Mas nem todos os acontecimentos alheios à atuação humana


merecem este qualificativo.Uma chuva em alto mar, por
exemplo, é fato da natureza estranho para o Direito.

Todavia, se a precipitação ocorre em zona urbana, causando


graves prejuízos a uma determinada construção, objeto de um

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contrato de seguro, deixa de ser um simples fato natural, e


passa a ser um fato jurídico, qualificado pelo Direito.Isso
porque determinará a ocorrência de importantes efeitos
obrigacionais entre o proprietário e a companhia seguradora,
que passou a ser devedora da indenização estipulada
simplesmente pelo advento de um fato da natureza.
(...)
Os fatos jurídicos ordinários são fatos da natureza de
ocorrência comum, costumeira, cotidiana: o nascimento, a
morte, o decurso do tempo1”.

Em perspectiva “estática”, o tempo é um valor, um relevante bem, passível de proteção


jurídica.Durante anos, a doutrina, especialmente aquela dedicada ao estudo da
responsabilidade civil, não cuidou de perceber a importância do tempo como um bem
jurídico merecedor de indiscutível tutela.Sucede que, nos últimos anos, este panorama
tem se modificado.

As exigências da contemporaneidade têm nos defrontado com situações de agressão


inequívoca à livre disposição e uso do nosso tempo livre, em favor do interesse
econômico ou da mera conveniência negocial de um terceiro.

E parece que, finalmente, a doutrina percebeu isso, especialmente no âmbito do Direito


do Consumidor.

3. Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo Livre

O desperdício injusto e ilegítimo do tempo, na seara consumerista, tem sido


denominado de “Desvio Produtivo do Consumidor”, segundo preleção de MARCOS
DESSAUNE, em excelente obra:

“Mesmo que o Código de Defesa do Consumidor (Lei


8,078/1990) preconize que os produtos e serviços colocados no
mercado de consumo devam ter padrões adequados de

1
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral
– Volume 1. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, págs. 345-346.

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qualidade, de segurança, de durabilidade e de desempenho –


para que sejam úteis e não causem riscos ou danos ao
consumidor – e também proíba, por outro lado, quaisquer
práticas abusivas, ainda são ‘normais’ em nosso País situações
nocivas como:

- Enfrentar uma fila demorada na agencia bancária em que,


dos 10 guichês existentes, só há dois ou três abertos para
atendimento ao público;
- Ter que retornar à loja (quando não se é direcionado à
assistência técnica autorizada ou ao fabricante) para reclamar
de um produto eletroeletrônico que já apresenta problema
alguns dias ou semanas depois de comprado;
(...)
- Telefonar insistentemente para o Serviço de Atendimento ao
Consumidor (SAC) de uma empresa, contando a mesma
história várias vezes, para tentar cancelar um serviço
indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo pra pedir
novas providências acerca de um produto ou serviço defeituoso
renitente, mas repetidamente negligenciado;
(...)
- Levar repetidas vezes à oficina, por causa de um vício
reincidente, um veículo que frequentemente sai de lá não só
com o problema original intacto, mas também com outro
problema que não existia antes;
- Ter a obrigação de chegar com a devida antecedência ao
aeroporto e depois descobrir que precisará ficar uma, duas,
três, quatro horas aguardando desconfortavelmente pelo voo
que está atrasado, algumas vezes até dentro do avião –
cansado, com calor e com fome – sem obter da empresa
responsável informações precisas sobre o problema, tampouco
a assistência material que a ela compete”.2

Em verdade, diversas são as situações de dano apontadas pelo autor, merecendo


destaque uma delas, que ilustra, com as nítidas cores da perfeição, o intolerável abuso
2
DESSAUNE, Marcos. Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São
Paulo: RT, 2011, págs. 47-48.

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de que é vítima o consumidor, obrigado a “esperar em casa, sem hora marcada, pela
entrega de um produto novo, pelo profissional que vem fazer um orçamento ou um
reparo, ou mesmo por um técnico que precisa voltar para fazer o conserto malfeito” 3.

Vasculhe a sua própria experiência de vida, caro leitor, e reflita se tal situação – pela
qual talvez você já haja passado –, a par de vexatória, não traduziria um intolerável
desperdício de tempo livre, com potencial prejuízo, não apenas na seara econômica e
profissional, mas, até mesmo, no delicado âmbito de convivência familiar, como anotei
em recente editorial:

“O tempo é o senhor de todas as coisas.Esse dito popular


encerra profunda sabedoria, na medida em que reconhece, no
decurso do tempo, uma força capaz de aliviar muitas dores ou
descortinar a verdade imanente à natureza humana.(...)

Todavia, se aprofundarmos a investigação científica do tema,


descobriremos que a força do tempo expande-se em diversos
outros espaços do universo jurídico.Confesso que, muitas
vezes, apanho-me, nostálgico, relembrando bons momentos
vividos na década de 80, em minha infância, época em que,
posto não tivéssemos os confortos tecnológicos da
modernidade – internet, tablet, celular – vivíamos com mais
intensidade as 24 horas do nosso dia, mais próximos do calor
dos nossos amigos – na alegre troca de figurinhas (como as
dos inesquecíveis álbuns ‘StampColor’ e ‘Amar é’), em
entusiasmadas disputas de ‘gude’, ou em divertidas
brincadeiras como ‘picula’ ou ‘esconde-esconde’.Atualmente,
tenho a impressão de que as 24 horas do dia não suprem mais
– infelizmente – as nossas necessidades.E, se por um lado, esta
falta de tempo para viver bem é algo trágico em nossa
sociedade – e que merece uma autorreflexão crítica – por
outro, é forçoso convir que as circunstâncias do nosso
cotidiano impõem um aproveitamento adequado do tempo de
que dispomos, sob pena de experimentarmos prejuízos de
variada ordem, quer seja nas próprias relações pessoais, quer
3
Idem, fl. 48.

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31

seja nos âmbitos profissional e financeiro.Vale dizer, uma


indevida interferência de terceiro, que resulte no desperdício
intolerável do nosso tempo livre, é situação geradora de
potencial dano, na perspectiva do princípio da função
social.Não faz muito, um amigo passou por um problema que
bem exemplifica isso.Uma determinada empresa passou a
cobrar-lhe, indevidamente, por um determinado serviço não
prestado. Eu, então, indaguei se ele já havia entrado em
contato com a referida companhia. Respondeu-me, então:
‘Ainda não. Eu sei que, ao ligar, levarei a tarde inteira ao
telefone. Por isso, estou tentando conseguir uma folga no
trabalho, para tentar resolver isso. E se eu for à filial da
empresa é pior ainda. Terei de acampar lá’.Esta circunstancia
tão corriqueira exige uma reflexão.É justo que, em nossa atual
conjuntura de vida, determinados prestadores de serviço ou
fornecedores de produtos, imponham-nos um desperdício
inaceitável do nosso próprio tempo? A perda de um turno ou de
um dia inteiro de trabalho – ou até mesmo a privação do
convívio com a nossa família – não ultrapassaria o limiar do
mero percalço ou aborrecimento, ingressando na seara do
dano indenizável, na perspectiva da função social?Em
situações de comprovada gravidade, pensamos que esta tese é
perfeitamente possível e atende ao aspecto, não apenas
compensatório, mas também punitivo ou pedagógico da
própria responsabilidade civil.
(...) Até porque, como bem lembra o poeta, ‘o tempo não
para’.E não é justo que um terceiro ‘pare’ indevidamente o
nosso, segundo a sua própria conveniência”.4

Deve ficar claro, nesse contexto, que nem toda situação de desperdício do tempo
justifica a reação das normas de responsabilidade civil, sob pena de a vítima se
converter em algoz, sob o prisma da teoria do abuso de direito.

4
GAGLIANO, Pablo Stolze. Responsabilidade Civil pela Perda do Tempo. Editorial publicado no dia 25
de dezembro de 2012, disponível no: https://www.facebook.com/pablostolze/posts/399780266768827

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32

Apenas o desperdício “injusto e intolerável” poderá justificar eventual reparação pelo


dano material e moral sofrido, na perspectiva, como já dito, do superior princípio da
função social.

E, por se tratar de conceitos abertos, caberá à doutrina especializada e à própria


jurisprudência, estabelecer as balizas hermenêuticas da sua adequada aplicação.

VITOR GUGLINSKI , citando, inclusive, jurisprudência, anota esforço neste sentido:

“A ocorrência sucessiva e acintosa de mau atendimento ao


consumidor, gerando a perda de tempo útil, tem levado a
jurisprudência a dar seus primeiros passos para solucionar os
dissabores experimentados por milhares de consumidores,
passando a admitir a reparação civil pela perda do tempo
livre.
[...]
Dentre os tribunais que mais têm acatado a tese da perda do
tempo útil está o TJRJ, podendo-se encontrar
aproximadamente 40 acórdãos sobre o tema no site daquele
tribunal, alguns da relatoria do insigne processualista
Alexandre Câmara, o que sinaliza no sentido do fortalecimento
e consequente afirmação da teoria. Confiram-se algumas
ementas:

DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO - Julgamento:


13/04/2011 - TERCEIRA CAMARA CIVEL.CONSUMIDOR.
AÇÃO INDENIZATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇO DE TELEFONIA E DE INTERNET, ALÉM DE
COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
APELAÇÃO DA RÉ. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA
OCORRÊNCIA DE UMA DAS EXCLUDENTES PREVISTAS
NO ART. 14, §3º DO CDC. CARACTERIZAÇÃO DA PERDA
DO TEMPO LIVRE. DANOS MORAIS FIXADOS PELA
SENTENÇA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DA
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS IGUALMENTE CORRETOS.

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33

DESPROVIMENTO DO APELO.DES. ALEXANDRE CAMARA


- Julgamento: 03/11/2010 - SEGUNDA CAMARA CIVEL
Agravo Interno. Decisão monocrática em Apelação Cível que
deu parcial provimento ao recurso do agravado. Direito do
Consumidor. Demanda indenizatória. Seguro descontado de
conta corrente sem autorização do correntista. Descontos
indevidos. Cancelamento das cobranças que se impõe.
Comprovação de inúmeras tentativas de resolução do
problema, durante mais de três anos, sem que fosse
solucionado. Falha na prestação do serviço. Perda do tempo
livre. Dano moral configurado. Correto o valor da
compensação fixado em R$ 2.000,00. Juros moratórios a
contar da citação. Aplicação da multa prevista no § 2º do
artigo 557 do CPC, no percentual de 10% (dez por cento) do
valor corrigido da causa. Recurso desprovido.” (grifei)5
Em verdade, o que não se pode mais admitir é o covarde véu da indiferença
mesquinha a ocultar milhares (ou milhões) de situações de dano, pela usurpação injusta
do tempo livre, que se repetem, todos os dias, em nossa sociedade.

Por outro lado, não se pode negar, que, por se tratar, “a responsabilidade pela
perda do tempo livre” ou pelo “desvio produtivo do consumidor”, de uma tese
relativamente nova - ao menos se levarmos em conta o atual grau de penetração no
âmbito das discussões acadêmicas, doutrinárias e jurisprudenciais -, impõe-se, a todos
nós, uma mais detida reflexão acerca da sua importância compensatória e, sobretudo,
utilidade punitiva e pedagógica, à luz do princípio da função social.

Isso tudo porque o intolerável desperdício do nosso tempo livre, agressão típica
da contemporaneidade, silenciosa e invisível, mata, aos poucos, em lenta asfixia, valor
dos mais caros para qualquer um de nós.

RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E OBJETIVA

5
GUGLINSKI, Vitor Vilela. Danos morais pela perda do tempo útil: uma nova modalidade. Jus
Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3237, 12 maio 2012 . Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/21753>. Acesso em: 25 dez. 2012

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34

O sistema de responsabilidade civil fundada na culpa deixa sem reparação o


dano sofrido sempre que a vítima não consegue provar a conduta culposa do causador
do prejuízo. Sabe-se que o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito cabe ao
autor (art. 333, I do CPC). Fica privado de reparação, igualmente, o dano que não tiver
sido causado por ato culposo.

Por essa razão, alguns pensadores retomaram a discussão sobre o fundamento da


responsabilidade civil na segunda metade do século XX, como pontuou Sérgio Cavalieri
Filho:

“os juristas perceberam que a teoria subjetiva não era mais


suficiente para atender a essa transformação social (que vinha
ocorrendo ao longo do século XX); constatam que, se a vítima
tivesse que provar a culpa do causador do dano, em
numerosíssimos casos ficaria sem indenização, ao desamparo,
dando causa a outros problemas sociais, porquanto, para quem
vive de seu trabalho, o acidente corporal significa a miséria,
impondo-se organizar a reparação”.

A jurisprudência teve um relevante papel na reafirmação do dano como fundamento da


responsabilidade civil, trazendo à baila inúmeras discussões sobre o fato de a
responsabilidade se assentar no dano, ou na culpa.

RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

No Direito Brasileiro, a regra é a responsabilidade civil subjetiva, a qual, para se


configurar, depende da culpa.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária(dolo),


negligência ou imprudência(culpa), violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Age com negligência quem não toma o devido cuidado ao praticar o ato. Se o
sujeito tivesse agido com maior diligência, o dano não teria sido causado. O dano é

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35

causado por uma desatenção, uma falta de zelo do sujeito. Ex: deixar maçã cair do 18º
andar e causar dano a um carro estacionado. É o “deixar de fazer o que se deve”.

Age com imprudência que, embora esteja habilitado a praticar o ato, excede os
limites do razoável, ousa, atreve. Tivesse o sujeito se limitado a praticar o ato dentro dos
limites da cautela, o dano teria sido evitado. O dano é causado por um erro na manobra
audaciosa do sujeito. Ex: andar de bicicleta em excesso de violência e se chocar com o
objeto, causando-lhe danos. É o “fazer o que não se deve”.

Age com imperícia quem pratica ato para o qual não se encontra devidamente
habilitado. O dano é resultado do desempenho imperfeito do ato devido ao
desconhecimento técnico de quem o praticou. Ex: alguém não habilitado que, por não
saber onde é o freio, causa danos.

O artigo 187 entende como ato ilícito o abuso de direito, nos seguintes termos:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao


exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Exemplos de abuso de direito:

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já teve oportunidade de afirmar:


“Constitui abuso do exercício de direito, após manter o contrato de assistência médico-
hospitalar por vários anos, invocar cláusula contratual e resili-lo, justamente no
momento em que o segurado, por sua idade avançada, mais carece de cobertura” (TJRS,
6a. Câmara Cível, Rel. Des. Décio Antônio Erpen, Ap. Cível 596.177.501, j. 26/11/96).

Entendeu o STJ: “Age com abuso de direito e viola a boa-fé o banco que,
invocando cláusula constante do contrato de financiamento, cobra-se lançando mão do
numerário depositado pela correntista em conta destinada ao pagamento dos salários de
seus empregados, cujo numerário teria sido obtido junto ao BNDES. A cláusula que
permite esse procedimento é mais abusiva do que a cláusula mandato, pois, enquanto
esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios

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36

meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos” (STJ, REsp. 250.523,
Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4a T., j. 19/10/00, p. DJ 18/12/00).

O artigo 188, por sua vez, elenca os atos que não são considerados atos ilícitos,
não sendo possível, portanto, a reparação civil:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:


I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um
direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a
pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente


quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Esse artigo deve ser interpretado de forma sistemática com os artigos929 e 930 do CC:

Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II


do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à
indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por


culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva
para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de
quem se causou o dano (art. 188, inciso I).

Ex: Augusto saiu de seu apartamento e esqueceu o ferro de passar roupas ligado sobre a
tábua. Posteriormente, inicia-se um incêndio. Arcênio, passando na rua, ouve os gritos
de socorro de Berenice, uma senhora idosa. Para salvá-la, Arcênio dá um golpe na porta
de entrada do edifício, de vidro, e a estilhaça. Ganhando acesso, corre até o apartamento
de Berenice, consegue abrir a porta e a resgata do imóvel em chamas. Momentos
depois, os bombeiros chegam e o fogo é controlado.

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A conduta de Arcênio, nesse caso, inegavelmente foi a causa do dano à porta do


edifício. Supondo-se que as consequências do incêndio foram mínimas, o condomínio
poderia exigir de Arcênio a indenização pelo prejuízo com relação à porta?
Nos termos do artigo 929, claro que sim. Só que, caso se prove que o causador do
perigo foi Augusto, Arcênio teria ação de regresso em face dele (art. 930).

E se não fosse possível determinar a causa do incêndio, Arcênio teria que pagar e ficar
no prejuízo por ter ajudado Berenice? Não... Ele pagaria ao condomínio, mas teria
direito de regresso em face de Berenice, uma vez que causou o dano em benefício dela
(parágrafo único do artigo 930).

A configuração da responsabilidade civil subjetiva – e a consequente obrigação


de indenizar – depende, pois, de que o sujeito pratique um ato contrário ao direito, com
dolo ou com culpa; que esse ato cause um dano a uma terceira pessoa, seja ele material
ou moral. Deve haver, ainda, uma relação de causalidade, ou seja, a conduta deve ser
necessariamente a causa do dano (nexo de causalidade). Eis, portanto, os quatro
requisitos configuradores da responsabilidade civil subjetiva:

a) Conduta
b) Dano
c) Nexo causal
d) Dolo ou culpa

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

A responsabilidade objetiva é aquela que, para se configurar, não depende de


dolo ou culpa. O fundamento dela é o princípio de que todo dano deve ser reparado,
independentemente de culpa. Esse princípio é chamado de teoria do risco.

No Direito Brasileiro, há duas hipóteses gerais de responsabilidade civil


objetiva: a decorrente de atividade de risco (927, p.u.) e a dos empresários individuais e
das sociedades empresárias pelos danos causados pelos produtos postos em circulação
(art. 931).

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927 - Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os


empresários individuais e as empresas respondem independentemente de
culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.

Há, ainda, outros casos específicos de responsabilidade objetiva em diversos


dispositivos do Código e de outras leis. Os casos tratados no Código serão objeto de
análise.

Como não se exige dolo ou culpa, os elementos configuradores da


responsabilidade civil objetiva são apenas 3: conduta, dano e nexo causal.

É preciso ter cuidados com a interpretação da responsabilidade objetiva, para


não se cometer o erro de tomá-la como absoluta, como se tem feito. Ex: acidente
decorrente de invasão de animal na pista, em rodovia cuja manutenção foi concedida
pelo Estado a uma empresa privada. Há um dano, sem dúvida, mas parece forçado
entender que causa do dano foi a omissão da empresa quanto à fiscalização da pista, e
não a invasão do animal.

Ex: paintball – quebrar o dedo por não usar luvas.

DANO MORAL

Dano moral não é a mágoa, o sofrimento, a dor que decorre de uma lesão. Isso
são eventuais consequências de um dano moral.Há pessoas que não tem dano moral
algum e choram, sofrem. Da mesma forma, há outras que sofrem dano moral e nem tem
qualquer sofrimento.

Um exemplo é uma paciente que está em coma no hospital e é estuprada pelo


enfermeiro. Ela teve dano moral, mas não teve sofrimento, pois sequer tem consciência
do ato que foi praticado em seu desfavor.

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Mesmo que ela não consiga manifestar um sentimento de dor, de humilhação,


ela teve seus atributos da personalidade violados? Claro que sim... Então, houve dano
moral.

Dano moral é uma lesão à dignidade da pessoa humana (núcleo axiológico da


CF).

Segundo esse princípio, todo ser humano deve ser respeitado em sua essência,
em sua existência.A dignidade da pessoa humana é violada quando ela não é tratada
como pessoa.

Indenização (ou ressarcimento) é o termo que se utilizada para danos


patrimoniais. Não tem como ressarcir ou indenizar dano moral, uma vez que ela não
pode ser reduzida a valores. O termo adequado, nesse caso, é “compensação” ou
“satisfação” de danos morais, uma vez que o pagamento não elimina o dano, mas
apenas tenta compensá-lo. O valor fixado pelo Juiz é uma espécie de satisfação, de
compensação, que serve apenas para anestesiar a lesão a seus direitos da personalidade.

Reparação é um termo que serve tanto para o dano patrimonial como para o
dano moral.

O descumprimento de uma obrigação contratual pode gerar dano moral?

Se eu compro seu apartamento em 10 parcelas e não pago uma parcela, cabe


dano moral? Claro que não, uma vez que o descumprimento de uma prestação não gera
lesão à dignidade da pessoa humana.

CUIDADO! Excepcionalmente, o descumprimento de cláusula contratual pode


ensejar reparação por dano moral. Ex: plano de saúde que se nega a oferecer uma
prótese cardíaca. Essa questão extrapolou a esfera obrigacional e atingiu o direito à
saúde da pessoa, ou seja, houve lesão à dignidade da pessoa humana, sendo cabível
reparação por danos morais.

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40

A Súmula 37 do STJ estabelece que é possível a cumulação de dano material e


dano moral.

O artigo 948 é claro nesse sentido ao estabelecer que “sem excluir outras
reparações”. Logo, no exemplo do atropelamento, é claro que a família pode pedir, além
do dano material, dano moral pela perda do ente querido.

É possível cumular dano material, dano moral e dano estético? A princípio,


havia uma certa resistência dos Tribunais, uma vez que se entendia que o dano moral
abrangeria a violação à integridade psico-física, não havendo razão para se falar em
dano estético. Entretanto, isso não prevalece hoje, uma vez que já há julgados do STJ
admitindo a cumulação de dano moral com dano estético. Ex: Lars Grael, em virtude da
perda de perna, fez jus a danos materiais, morais (dano interno) e estéticos (dano
externo).

Uma pessoa jurídica pode pleitear reparação pelo dano moral? Súmula 227 do
STJ:A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

A pessoa jurídica, embora não tenha honra subjetiva, ela tem honra objetiva
(credibilidade, reputação no mercado), então, ela não pode sofrer injúria ou calúnia, mas
pode sofrer difamação.

Há parte da doutrina que entende que, apesar da súmula, a pessoa jurídica não
pode sofrer dano moral, porque ela não é pessoa humana, não sendo possível, portanto,
falar em dignidade da pessoa humana.

É possível que uma pessoa pleiteie reparação por dano moral sofrido por outra
pessoa? Sim. Trata-se do dano moral reflexo ou por ricochete. Ex: Garrincha (tamanho
do pênis referido na biografia). As filhas dele propuseram ação pleiteando reparação por
danos morais. Entendeu-se que as filhas têm legitimidade para propor ação, uma vez
que houve lesão ao nome do falecido, à sua honra. As filhas são chamadas de lesadas
indiretas. Lembre-se que os direitos da personalidade do Garrincha não são
transmissíveis (posto que personalíssimos, portanto, intransmissíveis), mas as filhas
podem, em nome próprio, defender o nome do pai.

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41

Artigo 12, parágrafo único do CC:

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para


requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou
qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Há possibilidade de dano moral coletivo?

Sim. Ex: navio cargueiro derrama óleo na Baía de Guanabara. O MP, na ação
civil pública, pode pleitear a reparação por esse dano moral coletivo (art. 1º da Lei n.º
7.347/85), uma vez que o meio ambiente equilibrado é um direito fundamental
transgeracional. Se condenada, a Petrobrás pagará multa ao fundo de recomposição dos
bens lesados. (art. 13 da lei n.º 7.347/85). Essa multa tem natureza pedagógica, punitiva
e inibitória.

Outro exemplo: o MPT tem pleiteado dano moral coletivo em caso de


estabelecimento de condições análogas à condição de escravo. O valor da multa é
revertido ao FAT.

Há previsão legal de dano moral coletivo no inciso VI do artigo 6º do CDC.

CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO DANO MORAL

Quanto ao dano patrimonial, não há muitas dúvidas, afinal, é apenas somar os


valores relativos aos danos emergentes e aos lucros cessantes. O problema surge em
relação ao dano moral.

Quanto ao dano patrimonial, aplica-se o artigo 944 do CC:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.


Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a
indenização.

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42

Quanto ao dano moral, não há um artigo específico. Por isso, estende-se a aplicação do
artigo 944 à compensação por danos morais. O juiz deve se valer de dois critérios:

a) extensão do dano – é a importância do bem jurídico ofendido. Na sociedade


brasileira, como em qualquer Estado de Direito, há uma escala de valores. No primeiro
plano, encontra-se a vida. Em seguida, a liberdade; depois, a honra....

b) condição pessoal da vítima (como era a vítima antes e depois da lesão), afinal, cada
ser humano lida com uma lesão de forma diferente.

O dano moral é presumido quanto a sua existência, não quanto a sua extensão.
No curso do processo, deve-se observar a singularidade dos ofendidos.

Ex: imaginemos que todos nós, na sala de aula, perdemos uma mão. Se nós
perdemos a mão, presume-se a existência do dano moral, afinal, todos nós tivemos
nossa dignidade violada. Entretanto, se um dos alunos for um pianista famoso, o valor
da indenização dele deverá ser maior, porque o dano dele foi maior, em virtude de sua
situação pessoal.

Ex: inscrição do seu nome nos órgãos de proteção ao crédito. O simples fato de
ter o nome inscrito sem a notificação já gera o dano moral. Se a pessoa for muito
correta, ela receberá uma indenização maior que a pessoa que é normalmente
inadimplente, pois o dano dela é maior. O devedor contumaz, aquele que tem seu nome
inscrito no SERASA pela centésima vez, nem faz jus ao dano moral, segundo decisões
do STJ.

A condição pessoal não significa situação econômica. Isso não tem qualquer
relação com a fixação do dano. Logo, não há diferença entre atropelar o Bill Gates ou o
Zé das Couves. O dano moral é o mesmo. O que varia é o valor dos lucros cessantes.
Para pagar o Bill Gates, será necessário trabalhar quinze gerações.

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43

DANO MORAL REFLEXO OU EM RICOCHETE

Inicialmente, cabe esclarecer que o dano moral reflexo ou em ricochete vem se


afirmando na jurisprudência pátria, apesar de ser postulado há tempos pela melhor
doutrina brasileira.Seus primeiros ensaios se firmaram na jurisprudência francesa, por
meio da tese doutrinária denominada dommage par ricochet.

O fato desta espécie de dano ser tratado com pouco esmero pelo judiciário
pátrio, se deve no seu elemento subjetivo, muitas vezes incapaz de demonstrar o
sofrimento de ofensas irrogadas à sócios, cônjuges e familiares, bem como, por morte
destes ou outros danos de tantas outras naturezas.

É facilmente verificável, que o elemento subjetivo do dano moral foi, ao longo


dos últimos anos, sendo flexibilizado e objetivado, amparando seus tutelados, como no
caso do dano moral por inclusão indevida em cadastro de maus pagadores, a este
respeito o Superior Tribunal de Justiça, seguido pelo Supremo Tribunal Federal,
esclareceram sua objetividade com a simples inclusão indevida no cadastro
mencionado, não exigindo prova fática do evento danoso.

Houve, no entanto, várias outras consequências, pois, em verdade o dano moral


que necessitava da demonstração subjetiva, o que nem sempre era tão óbvio, uma vez
que dependia de prova de seu alcance e efetivo prejuízo.
Com o dano moral reflexo ou ricochete não foi diferente, há anos a
jurisprudência não encontrava, na ceara da reparação civil, forma clara para se mensurar
ou mesmo, verificar sua ocorrência, o que trazia visíveis prejuízos aos seus postulantes.

Porém, a partir do ano de 2003 e com maior profundidade no ano de 2009 e


2011, o Superior Tribunal de Justiça, consagra de forma inconteste a tutela do dano
moral reflexo ou ricochete, vindo seguido pelo Supremo Tribunal Federal nitidamente
no ano de 2011, a partir de julgados no mesmo sentido, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II,


DO CPC NÃO CARACTERIZADA. AÇÃO REPARATÓRIA. DANOS MORAIS.
LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO VIÚVO. PREJUDICADO INDIRETO.

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DANO POR VIA REFLEXA. I - Dirimida a controvérsia de forma objetiva e


fundamentada, não fica o órgão julgador obrigado a apreciar, um a um, os
questionamentos suscitados pelo embargante, mormente se notório seu propósito de
infringência do julgado. II – Em se tratando de ação reparatória, não só a vítima de um
fato danoso que sofreu a sua ação direta pode experimentar prejuízo moral.
Também aqueles que, de forma reflexa, sentem os efeitos do dano padecido pela
vítima imediata, amargando prejuízos, na condição de prejudicados indiretos.
Nesse sentido, reconhece-se a legitimidade ativa do viúvo para propor ação por danos
morais, em virtude de ter a empresa ré negado cobertura ao tratamento médico-
hospitalar de sua esposa, que veio a falecer, hipótese em que postula o autor, em
nome próprio, ressarcimento pela repercussão do fato na sua esfera pessoal, pelo
sofrimento, dor, angústia que individualmente experimentou. Recurso especial não
conhecido. (REsp 530.602/MA, Rel. Min. CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, DJ
17/11/2003) (grifo nosso).

E ainda:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS


MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PAIS DA VÍTIMA DIRETA.
RECONHECIMENTO. DANO MORAL POR RICOCHETE. DEDUÇÃO. SEGURO
DPVAT. INDENIZAÇÃO JUDICIAL. SÚMULA 246/STJ. IMPOSSIBILIDADE.
VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. DENUNCIAÇÃO À LIDE.
IMPOSSIBILDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ E 283/STF. 1. A interposição
de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de súmula, de dispositivo
constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei
federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 2. Reconhece-se a
legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear
a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram,
comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa. Precedentes. 3.
Recurso especial não provido. (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.208.949 - MG
(2010/0152911-3) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. Julgado em:
07/12/2010).

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Lesados Indiretos – Dano em Richochete

Como já dito algures, pode sofrer dano extrapatrimonial não apenas a vítima do
ato ilícito, mas também, um terceiro que é indiretamente atingido na sua seara mais
íntima, em específico, quando ocorre a morte da vítima. É o que a doutrina
convencionou chamar de "dano reflexo”, dano em “ricochete”, ou ainda, como querem
outros, dano “indireto".

Quando ocorre a morte da vítima a questão da legitimidade ativa para pleitear a


reparação do dano se complica, "impõe-se verificar a titularidade do direito à
indenização".

Em principio, o primeiro prejudicado seria o cônjuge, seguido dos filhos, quer


por prejuízos materiais, quer pela perda afetiva (dano extrapatrimonial) mas, na
verdade, incumbe verificar, caso a caso, o efetivo abalo moral sofrido pelo que pretende
a reparação, como nos demonstra desde o ano de 2000 o Tribunal de Alçada Cível do
Estado de São Paulo:

ILEGITIMIDADE AD CAUSAM – Dano moral. Requerimento da verba pelos


irmãos da vítima. Possibilidade. Pretensão fundamentada na dor da perda, sendo
irrelevante a circunstância de a viúva e os filhos demandarem indenização da mesma
natureza. Hipótese, ademais, em que, havendo ou não a possibilidade de reunião dos
processos, há de ser aferida a situação de cada pretendente em relação ao falecido, a fim
de valorar-se adequadamente os danos. Legitimidade ativa reconhecida. Extinção do
processo afastada. Recurso provido para esse fim. (1º TACSP – AP 0811496-9 –
(36621) – São Paulo – 3ª C. – Rel. Juiz Itamar Gaino – J. 24.10.2000).

Da mesma forma para o Mestre Carlos Roberto Gonçalves; Os irmãos possuem


legitimidade para postular reparação para postular reparação por dano moral decorrente
da morte da irmã, cabendo apenas a demonstração de que vieram sofrer intimamente
com o trágico acontecimento, presumindo-se este dano quando se tratar de menor tenra
idade, que viviam sobre o mesmo teto. Em REsp.nº 239.009-RJ, rel. Min. Salvio de
Figueiredo Teixeira, j. 13.06.2000.

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Necessário se faz entendermos, que não apenas a vítima diretamente lesada


como os próprios familiares, de forma reflexa podem requerer a reparação, ate porque a
ofensa a uma determinada pessoa no seio familiar pode trazer consequências desastrosas
a todos, os que circundam, pelo sofrimento, dor, angustia que indiretamente
experimentou. Recurso Especial não conhecido .(STJ-REsp.530602-MA. 3ª T.-Rel.
Min.Castro Filho- Dju 17.11.2003-p. 00326)"

NEXO CAUSAL

Só se fala em dano indenizável quando se tem caracterizado o nexo causal, que é


o elemento mais delicado da responsabilidade civil. Ele consiste na relação de causa e
efeito entre o comportamento do agente e a lesão. Pra saber se ele existe, deve-se
perguntar se foi a conduta (comissiva ou omissiva) do agente a causa determinante para
a existência da lesão.

Se houver conduta, dano e nexo causal, fala-se em dano indenizável.

Muitas vezes, aquele que, em tese, é o causador do dano, não será obrigado a
indenizar, uma vez que há excludentes de nexo causal.Ex: a conduta do agente não foi o
evento determinante para que o dano se caracterizasse.

Há 3 excludentes de nexo causal:

a) Caso fortuito ou força maior – o parágrafo único do artigo 393 do Código


Civil, quando se refere ao caso fortuito e à força maior, refere-se a eles como
sinônimos. Caso fortuito ou força maior é um evento externo à conduta do
agente, de natureza inevitável. A maior característica deles é a sua
inevitabilidade. O traço distintivo deles não é a imprevisibilidade (isso é
secundário), mas a inevitabilidade, a irresistibilidade.

A distinção importante, hoje, é entre fortuito interno e fortuito externo.

Fortuito interno é um fato que guarda relação com a atividade do causador do


dano. Ex: acidente de ônibus decorrente de falha no freio, ou pelo fato de o motorista ter

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tido um infarto. É um dano que vem de dentro pra fora. Nesse caso, a empresa responde
pelos danos causados.

Fortuito externo é um fato que não guardam conexão com a atividade do


causador do dano. Ex: acidente de ônibus decorrente de forte chuva de granizo, ou de
um assalto. Esses fatos vieram de fora pra dentro. Nesse, caso, o transportador não
responde.

O artigo 734 resume bem a diferença entre fortuito interno e o externo.

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas
bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da
responsabilidade.

Força maior deve ser compreendida como fortuito externo.

Se eu for assaltado dentro do banco, ele tem o dever de me indenizar?

Sim, pois se trata de fortuito interno. É um risco inerente à atividade bancária.


Todo banco deve garantir segurança aos seus clientes.

Entretanto, se eu for assaltado num caixa eletrônico, que fica num lugar isolado,
trata-se de um fortuito externo, não havendo, portanto, dever de indenizar. Isso ocorre
pois a segurança geral é dever do Estado e não da instituição financeira.

Mas se, nesse caixa eletrônico, um estelionatário utiliza seus dados e dá um


golpe, o banco responde, pois, tratando-se de uma fraude realizada por meio eletrônico,
o banco deveria estar preparado para evitá-la. Nesse caso, houve um fortuito interno, o
que não exclui o dever de indenizar.

A doutrina tenta estabelecer distinções entre caso fortuito e força maior. Para
Sérgio Cavalieri Filho estaremos em face de caso fortuito quando se tratar de evento
imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível,
como decorre das forças da natureza, estaremos em face da força maior.

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Caio Mário Pereira da Silva, por sua vez, define o caso fortuito como o
acontecimento natural ou o evento derivado da força da natureza (terremotos,
inundações); enquanto a força maior seria o dano originado do fato de outrem (guerra,
greves) . Já Carlos Roberto Gonçalves entende o caso fortuito como decorrente de fato
ou ato alheio e a força maior decorrente das forças da natureza.

Apesar do grande debate doutrinário acerca das diferenças entre as duas


excludentes, em verdade, esta distinção torna-se irrelevante. José de Aguiar Dias chega
a afirmar que é inútil tentar distingui-las, pois as expressões são sinônimas. A verdade é
que a distinção não se faz necessária uma vez que o Código Civil em seu art. 393 do
Código Civil, sem diferenciá-las, estabelece a mesma consequência para ambas as
excludentes: exoneração do dever de indenizar.

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso


fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato
necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Dessa forma, sempre que presente um fato necessário, cujos efeitos não era
possível evitar ou impedir, estaremos diante de uma hipótese de caso fortuito ou força
maior apta a exonerar o agente. Não obstante o artigo se refira à responsabilidade
contratual, a jurisprudência já se firmou no sentido de que ele tem aplicação, também, à
responsabilidade extracontratual.

A doutrina coloca, geralmente, dois requisitos para caracterizar a força maior e o


caso fortuito: necessariedade e inevitabilidade. Existem alguns doutrinadores que ainda
colocam um terceiro requisito: a imprevisibilidade.

O primeiro diz respeito ao fato necessário e causador do dano, ou seja, o caso


fortuito ou força maior tem que ser suficientes para gerar o dano por si só. Em segundo
lugar, é preciso que o dano seja inevitável, isto é, não existam meios hábeis de evitar ou
impedir os seus efeitos.

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Caio Mário critica o requisito da imprevisibilidade, pois mesmo que previsível o


evento pode surgir com força indomável e inarredável de forma que seus efeitos são
inevitáveis. Ainda assim o agente estará isento de responsabilidade.

Outro ponto que merece destaque é a distinção entre fortuito interno e externo
para fins de liberação do agente. Essa teoria está ligada a ideia de atividade exercida.
Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível e, por isso, inevitável que se liga à
organização da atividade. O fortuito externo, por sua vez, é o fato imprevisível e
inevitável, mas estranho à organização da empresa. Somente o fortuito externo tem o
condão de eximir o agente de responsabilidade.

Cláusula de não indenizar

Apesar de não ser uma causa legal de exclusão da responsabilidade, a cláusula


de não indenizar consiste numa estipulação prévia pela qual a parte que viria a obrigar-
se civilmente perante outra, afasta, de acordo com esta, a aplicação da lei comum ao seu
caso. Ressalte-se que a cláusula de não indenizar ou irresponsabilidade não exclui o
cumprimento da obrigação, mas apenas a sanção pelo descumprimento.

A cláusula é vista com extrema cautela no nosso direito e aplicada com bastante
restrição. Para saber da validade da cláusula de irresponsabilidade, deve-se indagar qual
a sua abrangência. Nessa seara, é interessante verificar quando ela não é admissível.

Inicialmente, a cláusula não é aceita quando o seu conteúdo é destinado a


exonerar o devedor da responsabilidade em que incorreria em caso de dolo ou culpa
grave. Em segundo lugar, não é admissível quando não houver violação a interesse de
ordem pública.

Nesse sentido, o nosso ordenamento impede a estipulação de cláusulas em


diversas situações, especialmente quando se tratar de partes hipossuficientes ou
vulneráveis. Nesse especial, o Código Civil estabelece em seu art. 424 que nos contratos
de adesão, são nulas as cláusulas que determinam a exclusão do dever de indenizar,
pois, neles, o aderente está impossibilitado de estipular seu conteúdo.

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Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que


estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da
natureza do negócio.

No que diz respeito aos contratos de transportes, em razão da cláusula de


incolumidade, o Código Civil estipula a nulidade da cláusula de não indenizar.

Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas


transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula
qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/80), norma de ordem pública e


interesse social também condena a cláusula de irresponsabilidade em seus artigos 25 e
51, I em razão da vulnerabilidade do consumidor que se encontra numa posição
hierarquicamente inferior.

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que


impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista
nesta e nas seções anteriores.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas


contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do
fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou
impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo
entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização
poderá ser limitada, em situações justificáveis;

O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86) também estabelece uma


limitação à cláusula de irresponsabilidade em seu art. 247.
Art. 247. É nula qualquer cláusula tendente a exonerar de
responsabilidade o transportador ou a estabelecer limite de
indenização inferior ao previsto neste Capítulo, mas a nulidade da
cláusula não acarreta a do contrato, que continuará regido por este
Código (artigo 10).

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Por fim, a doutrina coloca alguns requisitos para a validade da cláusula de


irresponsabilidade: i) bilateralidade do consentimento; ii) não-colisão com preceito de
ordem pública; iii) igualdade de posição das partes; iv) inexistência do escopo de eximir
o dolo ou a culpa grave do estipulante; e v) ausência da intenção de afastar obrigação
inerente à função.

b) Fato exclusivo da vítima – Ex: rapaz que, desiludido, bebe muito e atravessa
rapidamente a rua e morre. A família ingressará com ação de indenização em
face do motorista, o qual, se comprovar que o acidente ocorreu em virtude do
comportamento negligente da vítima, não terá que indenizar e poderá, ainda,
cobrar os danos causados pelo impacto da cabeça do falecido em seu carro.

O fato exclusivo da vítima rompe o nexo causal, não havendo, portanto, dever de
indenizar.

Cuidado! Se o motorista, no exemplo acima, estava em velocidade compatível,


fala-se em fato exclusivo da vítima. Se ele, todavia, estava em velocidade bastante
superior à regulamentar, apesar de a vítima ter culpa, ele também teve, o que leva à
caracterização de fato concorrente (ou autoria plural ou causalidade múltipla).

Em caso de fato concorrente (duas condutas concorrendo para o mesmo


resultado), não há exclusão do nexo causal, mas apenas redução do valor da
indenização.

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento


danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de
sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Art. 738. A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas
estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à
vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo
ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou
impeçam a execução normal do serviço.

Parágrafo único. Se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for


atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o

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juiz reduzirá eqüitativamente a indenização, na medida em que a vítima


houver concorrido para a ocorrência do dano.

c) fato de terceiro – um bêbado bate na traseira do meu carro, o qual é projetado


em direção a um poste, no qual há um eletricista trabalhando. Quando a família
do eletricista pleitear indenização em face de mim, eu alegarei fato de terceiro.

Se fosse um táxi, nesse acidente, que, ao ser projetado, faz com que a passageira
quebre a perna. O motorista do táxi poderia deixar de indenizar alegando fato de
terceiro? Não, pois ele é um transportador e, em virtude disso, ele assumiu uma
obrigação contratual (embora verbal) de te levar em segurança até o seu destino.
Qualquer coisa que aconteça no trajeto, caracteriza inadimplemento contratual do
taxista.

Art. 735. A responsabilidade contratual do transportador por acidente


com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual
tem ação regressiva.

Nesse caso, o taxista deve indenizar a passageira, mas terá direito de regresso em
face do causador do dano.

Se o taxista perde o controle do carro em virtude de forte chuva e em razão da


existência de buracos na pista, trata-se de fortuito externo, que exclui o nexo causal, não
havendo, portanto, dever de indenizar.

Estando a estrada em péssimo estado de conservação, pode-se alegar


responsabilidade civil do Estado.

O preso que suicida na cadeia impõe ao Estado o dever de indenizar?


Se porventura, um preso mata o outro, o Estado responde, pois tinha dever de
guarda sobre os presos. Mas e no caso de suicídio?

O STJ entende que o Estado deve indenizar em caso de suicídio, pois o Estado
tem o dever de vigiar o preso, inclusive contra si próprio. Nesse caso, o dever de

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indenizar decorreu do fato de o preso ter se utilizado de uma faca que entrou de forma
clandestina no presídio.

Se um preso foge do presídio e, logo em seguida, mata um taxista, o Estado


responde?

Sim, pois a fuga do preso (decorrente da omissão do Estado) foi a causa direta e
imediata da morte do taxista. Aquele dano só ocorreu em virtude de uma conduta
omissiva do Estado.

Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas


e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por
efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei
processual. (teoria do dano direto e imediato)

Se este preso fugiu da prisão e, quinze dias depois, ele pratica um assalto e mata
um comerciante, o Estado responde?

Não, pois não houve dano direto. Houve um rompimento do nexo causal. Depois
de quinze dias, ele já se juntou a comparsas, ele teve tempo de preparar, ou seja, o
Estado não responde.

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UNI-ANHANGUERA- CENTRO UNIVERSITÁRIO DE GOIÁS

QUESTIONÁRIO PARA N2: Deve ser manuscrito pelo próprio aluno,


devendo ser entregue no dia da segunda avaliação e vale 2,0
pontos.

Questionário para N2:

1 – Quais são as modalidades da responsabilidade pelo fato da


coisa?
2 – Qual a espécie de culpa que se aplica à responsabilidade pelo
fato da coisa?
3 – Mateus possui um cachorro ‘pit bull’ que atende pelo nome de
Radar, sendo que o mesmo foi dar um passeio com o cão no
parque ‘Vaca Brava’ no dia 20/04/07, estando o cachorro com
focinheira. Marcos que possui um cachorro pastor alemão, que
atende pelo nome de ‘Stallone’, também foi dar uma volta com
o cachorro no dia 20/04/07, tendo encontrado com Mateus. O
cachorro de Marcos não se encontrava com focinheira e
instigou o cachorro de Mateus, sendo que o mesmo não
conseguiu controla-lo e o ‘Radar’ se soltou e se livrou da
focinheira, tendo mordido Marcos, lesado a pata e pescoço do
‘Stallone’ e ainda mordeu a perna de Carlos, que encontrava-se
passeando em volta do lago.
a) qual o tipo de responsabilidade que o caso se enquadra?

b) dê a solução com respaldo legal.


4 – Em caso de acidente automobilístico causado por animais
soltos na rodovia federal, quem poderá ser responsabilizado
civilmente?
5 – Caso o síndico autorize a reforma do apartamento, e ao realizar
a reforma o pedreiro deixa cair um tijolo sobre a cabeça de um
morador do condomínio. A quem cabe indenizar? Explique.
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6 – Caso Lucimar ofereça carona para Jerônimo e a mesma, de


forma imprudente, faça uma conversão proibida e colida com o
veículo de seu colega Miguel, vindo Jerônimo a fraturar as duas
pernas, tendo que arcar com o pagamento de fisioterapia por 3
meses consecutivos. Jerônimo tem o direito de ser indenizado?
Explique.
7– Qual o tipo de responsabilidade entre o condutor do veículo
que cometeu o ato ilícito e o proprietário do veículo?
8 – Vasconcelos, soldado da PM, em perseguição a assaltantes de
Banco, trafegando numa velocidade de 60 Km/h na Av.
Anhanguera, no centro de Goiânia, veio a atropelar uma mulher
de 40 anos que atravessou a rua fora da faixa de pedestre. O
soldado afirma que encontrava-se numa ‘velocidade de
segurança’. A pedestre terá indenização? Esclareça.
9 – Em relação ao transporte aéreo, esclareça:
a) Quando se aplica a teoria objetiva e a subjetiva.
10 – Quais são as excludentes de responsabilidade civil?
11 – Quando a sentença penal faz coisa julgada no cível?
12-Cite quatro hipóteses em que a extinção da punibilidade e a
sentença absolutória que decidir que o fato imputado não
constitui crime não impeça a propositura da ação civil.
13- Explique quando a obrigação do advogado é de meio ou de
resultado.
14- A responsabilidade do advogado é contratual. Cite 5 hipóteses
em que é possível constatar a responsabilidade civil do
advogado.
16- Esclareça o que seja a liquidação do dano e explique como
ocorre a liquidação legal, convencional e judicial.
BOA SORTE!

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