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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas

perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

O DANO ESTÉTICO: CONCEITO E INCIDÊNCIA À LUZ DAS NOVAS


PERSPECTIVAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS
Revista de Direito Privado | vol. 44/2010 | p. 106 - 136 | Out - Dez / 2010
Doutrinas Essenciais de Dano Moral | vol. 1/2015 | p. 973 - 1003 | Jul / 2015
DTR\2010\822

Roberto Batista Montefusco Arraes


Pós-graduando em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco - Esmape.
Especializado em Informática pela Universidade Federal do Ceará (1994). Aperfeiçoamento em
Gestão de Empresas pela J. L. Kellogg - Estados Unidos (2001), em Telecomunicações pela Bell
Sygma - Canadá (1997) e Swedetel Academy AB - Suécia (1995). Advogado.

Área do Direito: Civil


Resumo: O presente artigo tem como objetivo estabelecer o conceito de dano estético e sua
incidência à luz das novas perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais, respondendo questões
controversas como a sua cumulabilidade com outras espécies de dano; a indenização de outras
pessoas (dano reflexo); e a possibilidade de indenização por perda de uma chance. Utiliza-se como
recurso teórico o dano como pressuposto da responsabilidade civil, os conceitos de direitos da
personalidade e de estética nas concepções pertinentes ao trabalho. A exposição de casos
hipotéticos e a análise de decisões prolatadas nos Tribunais são utilizadas para enfatizar toda a
conceituação necessária para definir o dano estético como espécie do gênero dano moral, lesão a
integridade psicossomática da pessoa, ofensa ao direito da personalidade.

Palavras-chave: Dano estético - Responsabilidade civil - Direitos da personalidade - Cumulação


Abstract: The purpose of this article is to establish the concept of esthetic damage under the new
doctrine and jurisprudence perspectives. This would also provide answers to controversial questions
like accumulation with other types of damages; other people compensatory damages (reflected
damage); and the possibility of compensatory damages due to the lack of a chance. The damage is
used as a theoretic resource to civil responsibility and the concepts of personality rights and esthetic
in work environment related concepts. The exposure of hypothetic cases and the analysis of the
decisions made in court are used to emphasize the entire concept necessary to acknowledge the
esthetic damage as a kind of moral damage that causes injuries to the psychosomatic integrity of the
person, which is an offense to the personality right.

Keywords: Esthetic damage - Civil responsibility - Personality rights - Accumulation


Sumário:

1. Introdução - 2. O dano como pressuposto da responsabilidade civil - 3. Apreciações acerca dos


direitos da personalidade - 4. O dano estético - 5. Considerações finais - 6. Referências bibliográficas

1. Introdução

A Constituição Federal de 1988 respaldou em seu art. 5.º, entre as garantias individuais, de forma
inédita, o direito à indenização por danos materiais, bem como o dano moral e à imagem. 1

O estabelecimento do direito à indenização por dano moral impôs imediatos reflexos sobre o instituto
da responsabilidade civil, de um lado pacificando as divergências da doutrina e da jurisprudência em
torno da figura do dano moral e da possibilidade de sua reparação, e de outra banda possibilitando a
reparação de novas modalidades de danos decorrentes de fatos lesivos até então ignorados pela
prática jurídica.

De fato, antes da promulgação da atual Carta Magna (LGL\1988\3) brasileira, a reparação do dano
moral ficava restrita, embora nem sempre de forma expressa, aos ditames estabelecidos em
algumas legislações ordinárias, a exemplo dos arts. 1.538, §§ 1.º e 2.º, 1.543 e 1.547, do CC/1916
(LGL\1916\1), 2 do art. 21 do Dec. 2.681/1912 que regula a responsabilidade civil das estradas de
ferro 3 e dos arts. 53, 56 e 57 da Lei 5.250/1967 - Lei de Imprensa, 4 (LOPEZ, 2004, p. 41 e 42).

Hodiernamente constata-se que é crescente o número de casos em que, devido a acidentes, erros
ou agressões, danos são provocados alterando a aparência das pessoas. Neste sentido, os danos
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têm extrapolado o âmbito patrimonial, afetando também a esfera íntima e social das pessoas, além
de, em certos casos, transbordar seus efeitos repercutindo naqueles que com ela mantém relação
afetiva.

Dentro deste contexto discute-se o dano estético buscando-se a sua conceituação e incidência. O
que é de fato o dano estético? Como identificá-lo? Qual a sua natureza jurídica? O dano estético
envolve que tipos de lesões? As lesões são apenas aquelas de natureza permanente, visíveis e
deformantes? Existe cumulabilidade do dano estético com outros tipos de dano?

A análise destas questões, busca contribuir para identificar a incidência e extensão desta lesão a
direito da personalidade possibilitando a concretização de sua correta e total reparação.

Não se fará neste artigo maiores detalhamentos a respeito do dano material e acerca do real
conceito de dano à imagem, concentrando-se a análise no dano estético, como lesão a direito da
personalidade e seu inter-relacionamento com o dano moral. Evidentemente não estar sendo negada
a reparação patrimonial decorrente do dano estético, o que, aliás, é comum.

Dentro dos aspectos relacionados à incidência do dano estético serão abordadas questões
controversas acerca da possibilidade de sua cumulação com outras modalidades de dano, incidência
de dano reflexo (ricochete) e a perda de uma chance.

Neste artigo não se aborda os diversos aspectos relacionados à quantificação das reparações
decorrentes de danos estéticos, o que não impede que o tema seja referenciado para elucidação de
outras questões.

2. O dano como pressuposto da responsabilidade civil

2.1 Conceitos básicos

Tratar sobre responsabilidade civil é tarefa certamente inesgotável. Abordá-la em quaisquer de seus
aspectos é sempre um desafio, em virtude da enorme gama de possibilidades abrangidas pelo tema.

Dentro do escopo deste artigo é interessante abordar seu elemento mais essencial e indispensável:
o dano. Ocorre que, sem a incidência deste elemento esgota-se a possibilidade de responsabilização
civil, não havendo, por consequência, o que se indenizar. Impõe-se ainda a necessidade do correto
entendimento deste elemento, como ponto fundamental para assegurar a justa e plena reparação do
ofendido.

Toda a expressão e fundamento da responsabilidade civil residem desde os romanos na violação do


neminem laedere, aquele dever geral de abstenção, de não lesionar ou ofender os outros ou seu
patrimônio. Deste fundamento básico decorre a obrigação do ressarcimento daqueles danos
geradores de responsabilidade civil (cf. BAPTISTA, 2003, RIPERT, 2002 e NETTO LÔBO, 1999).

O conceito clássico de dano é aquele que o identifica com valor a menos, diminuição do patrimônio,
tanto material como moral (cf. NETTO LÔBO, 1999 e LOPEZ, 2004).

É também interessante registrar a definição, tantas vezes lembrada, de Adriano de Cupis (apud
BAPTISTA, 2003, p. 43), que conceitua dano como: "o fato jurídico gerador de responsabilidade civil,
em virtude do qual o ordenamento atribui ao ofendido o direito de exigir a reparação, e ao ofensor a
obrigação de repará-lo".

Este conceito se estende e adquire melhor delineamento no entender didático de Silvio Neves
Baptista (2003, p. 43), segundo o qual dano: "É a lesão de um interesse juridicamente protegido,
podendo consistir na perda ou danificação de uma coisa, ou na ofensa a integridade física, moral ou
psíquica de uma pessoa".

Importante salientar que na sociedade contemporânea, onde os novos modos de vida estão
expostos a enorme potencial de risco, emerge o dano como decorrente de ofensa a bens, direitos ou
interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais, sendo que este último interessa sobremaneira, haja
vista o grande desenvolvimento dos direitos da personalidade e o consequente incremento no rol de
hipóteses de ofensas a interesses existenciais.

Verifica-se então, que para o dano ser fato gerador de responsabilidade civil deverá ser decorrente
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de lesão não permitida pelo ordenamento, e que ofenda interesse juridicamente protegido de outrem.

Desta forma, segundo Schreiber (2007, p. 181): "a verificação do dano ressarcível resulta da
constatação de violação à área de atuação legítima de um interesse merecedor de tutela".

2.2 Fato lesivo e fato jurídico danoso

O dano é fato jurídico (stricto sensu) consequência de uma lesão (fato jurídico - lato sensu)
originária, em regra simultânea, de natureza lícita ou ilícita, (BAPTISTA, 2003).

Com maior incidência os danos são resultantes da prática de atos ilícitos, sendo esta a de maior
interesse deste trabalho, e a hipótese prevista no Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro em seu art.
927, in verbis: "Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo". 5

Como bem expõe Silvio Neves Baptista (2003), o dano também pode ser lesão advinda de fato-ilícito
stricto sensu, ato-fato ilícito e de fato lícito (ato ou ato-fato). Neste último, à guisa de exemplo, os
danos são provocados por violações permitidas pelo ordenamento jurídico (ato lícito e ato-fato lícito),
onde a lesão a interesse de outrem e a respectiva obrigação de indenizar estão autorizadas por lei.
Exemplos de responsabilidade civil por danos provocados por fatos lícitos ( lato sensu) estão
constitucionalmente previstos no art. 5.º, XXV, 6 e no Código Civil (LGL\2002\400) de 2002. 7

A questão a ser abordada é o entendimento necessário para distinguir o fato lesivo do fato jurídico
danoso (dano).

Como visto, o fato lesivo é atuação comissiva ou omissiva de um indivíduo que pode ou não produzir
lesão em bem jurídico de outrem.

Desta forma, determinado fato lesivo pode não provocar dano à interesse merecedor de tutela
jurídica, (fato jurídico danoso), eximindo o autor do fato lesivo da responsabilização civil.

O exemplo hipotético clássico descreve disparo originado de uma arma de fogo (fato lesivo - ato
ilícito) que não chega a atingir a vítima. Neste caso, configura-se no Direito Penal a tentativa de
homicídio, não havendo, contudo, repercussões diretas na esfera cível.

Ainda neste exemplo hipotético apresenta-se um disparo de arma de fogo como resposta, sem
excessos, a uma agressão de mesma natureza ou no exercício regular de um direito reconhecido,
por exemplo, em perseguição policial. Neste contexto, ocorreu o fato lesivo dentro de circunstâncias
excludentes da responsabilidade civil, nos limites contidos nos arts. 929 e 930 do CC/2002
(LGL\2002\400), mesmo que resulte em fato jurídico danoso.

Imaginando-se agora, que o fato lesivo - disparo de arma de fogo - atingiu a vítima, causando-lhe a
perda de um braço e abalos psíquicos decorrentes do intenso sofrimento emocional. Suponha-se
ainda que tudo fosse presenciado pela mãe da vítima, que não suportando a trágica cena sofre
ataque cardíaco fulminante.

Desta forma, estar-se diante do mesmo fato lesivo determinante de diversos fatos jurídicos danosos
caracterizados pela ofensa a bens juridicamente protegidos.

Resumindo todas as questões verifica-se que o fato lesivo, pode ocorrer sem lesionar bem jurídico
de outrem (fato jurídico danoso), consequentemente não gerando responsabilização civil.

Pode também ocorrer o fato lesivo dentro das excludentes previstas e autorizadas pelo
ordenamento, sendo que desta forma não incide a responsabilidade civil, independentemente da
ocorrência de dano (fato jurídico danoso).

Poder-se-á ainda estar diante de um mesmo fato lesivo determinante de diversas ofensas a bens
juridicamente tutelados, possibilidade esta já identificada por Pontes de Miranda através de magistral
exemplo hipotético:

"Se B acusa A - digamos, criança de quatro anos - de ter roubado o relógio, o menor, através do
titular do pátrio poder, ou do tutor, ou do curador, pode exercer a ação, que lhe compete, para haver
a reparação do dano moral. Se, com isso, o menor fica doente, há dois pedidos: um concernente à
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calúnia; outro, ao dano à reputação (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 77)."

Nesta linha de entendimento, particularmente interessante para o desenvolvimento do escopo deste


trabalho, os Tribunais têm decidido que podem coexistir danos de natureza distinta ou não,
indenizáveis de forma autônoma, mesmo sendo decorrentes de um mesmo fato lesivo. 8

Reiteradas decisões neste sentido há muito encontram respaldo na orientação jurisprudencial


contida na ementa da Súmula 37 (MIX\2010\1290) do STJ, transcrita in verbis: "são cumuláveis as
indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato". 9

Desta forma, está consolidada a ideia de que um mesmo fato lesivo pode ofender um ou mais
interesses juridicamente protegidos, produzindo, de forma autônoma, fatos jurídicos danosos em
distintas esferas dos indivíduos.

2.3 O dano material e o dano moral

A teoria da responsabilidade civil tradicional 10 está baseada na tutela do direito a propriedade e


demais direitos patrimoniais. Hodiernamente, com a exaltação da dignidade humana como valor
fundamental, toda a sistemática deste instituto tem se consolidado no reconhecimento da
necessidade de uma reparação ampla, alcançando as ofensas que determinam prejuízo econômico
e aquelas que lesionam os interesses existenciais relativos à esfera interna e valorativa do indivíduo
(cf. SCHREIBER, 2007).

Como visto anteriormente, o mesmo fato lesivo pode dar origem a indenizações distintas advindas de
ofensas a bens patrimoniais, na forma de dano material, e extrapatrimoniais, como dano moral.

A Carta Magna (LGL\1988\3) de 1988, dirimindo qualquer controvérsia ainda existente, assegura em
seu art. 5.º, V e X, indenização ampla, ressarcindo de forma autônoma os danos causados no
patrimônio e a reparação às ofensas aos direitos da personalidade (NETTO LÔBO, 2003).

Segundo Baptista (2003, p. 78): "O dano é patrimonial ou material quando atinge bens integrantes do
patrimônio de uma pessoa, ou seja, bens materiais susceptíveis de apreciação econômica (...)".

Desta forma, verificada a ofensa ao patrimônio do indivíduo, objetiva a indenização o ressarcimento


do prejuízo imposto na forma de dano material, seja através da restauração da situação original, o
statu quo ante, ou pela indenização pecuniária equivalente.

A indenização por danos materiais (patrimoniais) será estipulada através da verificação dos prejuízos
provocados na forma de danos emergentes e de lucros cessantes. 11

Conforme preconiza o art. 402 do CC/2002 (LGL\2002\400), 12 o dano emergente é a perda material
imediata e efetiva do ofendido e os lucros cessantes são compostos por aquilo que o ofendido deixou
de lucrar.

O dano emergente é calculado com base no valor do bem jurídico antes e depois da ofensa
praticada, onde, existindo perda, o valor desta deverá ser indenizado.

Na estipulação dos lucros cessantes, o ofendido terá que demonstrar o que realmente teria para
receber, caso não fosse lesionado.

Verifica-se, desta forma, que o ressarcimento dos danos materiais tem como lógica a apuração
matemática do prejuízo sofrido pelo ofendido.

A identificação do dano material (patrimonial) com um decréscimo matemático, a despeito de gerar


algum desconforto doutrinário (SCHREIBER, 2007, p. 98), vem atendendo satisfatoriamente a
necessária reparação.

Em relação ao dano moral não há que falar em reintegração de patrimônio, haja vista que a ofensa
atinge a personalidade humana, considerada segundo San Tiago Dantas (1979, p. 192) como: "um
conjunto de atributos inerentes à condição humana".

Desta forma, o dano moral é lesão a um interesse extrapatrimonial juridicamente protegido, é lesão a
um direito da personalidade (NETTO LÔBO, 2003).
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Numa visão tradicional a incidência de dano moral era caracterizada pela dor, sofrimento psíquico ou
moral, as angústias e as frustrações impingidas ao ofendido (cf. CAHALI, 2002, p. 21).

Entendendo de forma diversa, aduz Netto Lôbo (2003, p. 2) que:

"De modo mais amplo, os direitos de personalidade oferecem um conjunto de situações definidas
pelo sistema jurídico, inatas à pessoa, cuja lesão faz incidir diretamente a pretensão aos danos
morais, de modo objetivo e controlável, sem qualquer necessidade de recurso à existência da dor ou
do prejuízo."

No mesmo sentido expõe Schreiber (2007, p. 125), que: "a dor não representa elemento ontológico
do dano moral, mas puro reflexo consequencialístico, que pode se manifestar ou não, sem que isto
elimine o fato da lesão a um interesse extrapatrimonial".

Acrescenta ainda que: "a concreta lesão a um interesse extrapatrimonial verifica-se no momento em
que o bem objeto do interesse é afetado" (SCHREIBER, 2007, p. 126).

Evidentemente, dor e sofrimento podem ser úteis na avaliação da extensão do dano moral
objetivando a quantificação da reparação. 13

Tradicionalmente esta compensação será concedida através da discricionariedade do magistrado,


que também deverá levar em consideração a capacidade econômica das partes, de forma que o
valor não seja insignificante a ponto de não compensar a lesão infligida ao ofendido, nem constituir
motivo de enriquecimento sem causa, levando à ruína do ofensor.

Hodiernamente se discute como realizar esta tarefa sem que ela "se reduza à mera subjetividade do
juiz" (SCHREIBER, 2007, p. 134). 14

3. Apreciações acerca dos direitos da personalidade

3.1 O conceito de direitos da personalidade

"Qualquer ofensa a direito de personalidade, desde a ofensa à integridade física até à honra, é fato
ilícito, que causa dano moral e dá ensejo à reparação" (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 77).

A sociedade contemporânea, reunida predominantemente em grandes conglomerados urbanos, e


envolvida com rápidas alterações de costumes e valores morais, decorrentes principalmente dos
avanços tecnológicos, depara-se cotidianamente com novas situações que ainda não foram
alcançadas pelo disciplinamento do ordenamento jurídico.

Segundo (SCHREIBER, 2007, p. 82): "A sociedade contemporânea esconde, por trás de si, um
enorme potencial de dano".

O certo é que cada vez mais o homem busca viver nesta sociedade desenvolvendo sua existência
de forma livre e explorando toda a sua capacidade de relacionamento com os outros indivíduos,
desta forma expondo-se a situações que colocam em risco a sua plena realização como ser humano.

Como resposta a esta problemática relacionada ao desenvolvimento das ideias de valorização da


pessoa humana, surgem progressivamente os direitos da personalidade, assim como suas formas de
tutela.

Os direitos da personalidade representam o núcleo essencial, indispensável e essencial de atributos


e direitos voltados à preservação da existência digna.

Para Tepedino (2004, p. 24), os direitos da personalidade surgem como: "atinentes à tutela da
pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade".

Com os direitos da personalidade referenciam-se àqueles bens tão próprios do indivíduo, que com
ele se confundem, constituindo manifestações da sua personalidade (BELTRÃO, 2005).

Desta forma, a Constituição Federal (LGL\1988\3) promulgada em 1988 estabeleceu entre seus
princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, 15 fonte ética e jurídica dos direitos da
personalidade inseridos na Carta Magna (LGL\1988\3), 16 passando a personalidade humana a ser
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considerada como objeto de proteção do ordenamento jurídico.

A dignidade humana, fundamento constitucional, configura no entendimento doutrinário majoritário,


aqui representado por Tepedino (2004, p. 51) "uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção
da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento".

Desta forma, a cláusula geral funciona como ponto de referência para quaisquer situações em que
se manifeste a personalidade humana, sujeitando à tutela do ordenamento jurídico todas as
possibilidades de lesão ao desenvolvimento existencial do homem. 17

Segundo Albuquerque Júnior (2007, p. 70), da cláusula geral: "deflui que a personalidade deve ser
tutelada em todas as circunstâncias em que estiver envolvida, sem rigidez de tipificação de direitos
autônomos".

Estabelecida a existência dos direitos da personalidade, que sob a égide da Constituição Federal de
1988 desenvolveu-se a partir da cláusula geral de proteção da dignidade humana, restaram
controvérsias doutrinárias acerca de sua tipificação.

Debatem ainda, aqueles que defendem a existência de múltiplos direitos da personalidade - corrente
pluralista - e a corrente monista que sustenta a existência de um único direito da personalidade
(TEPEDINO, 2004).

A rigor a verdadeira questão é enfrentada por Anderson Schreiber (2007), aduzindo acerca da
existência de ordenamentos típicos (ou fechados), que listam taxativamente ( numerus clausus), os
interesses cuja violação implica em dano reparável, e ordenamentos atípicos (ou abertos), que não
possuem tal restrição.

Se, nos ordenamentos fechados os danos ressarcíveis estão limitados restringindo a área de
atuação judicial, o mesmo não ocorre nos ordenamentos abertos, cuja opção legislativa por uma
cláusula geral deixa ampla margem de avaliação acerca do interesse lesionado em cada caso
concreto.

O posicionamento doutrinário tradicional, cuja referência é Adriano de Cupis (apud ALBUQUERQUE


JÚNIOR, 2007), defende a adoção de um ordenamento típico, pautado em figuras tipificadas, como o
direito à vida, à integridade física, ao nome, entre outros, sob o argumento de que a extensão dos
direitos da personalidade importaria no descrédito destes direitos.

Entende Schreiber (2007, p. 95-97), que ordenamentos qualificados como típicos (fechados), podem
conter válvulas de abertura a novos interesses, sendo este um posicionamento doutrinário
intermediário que adota um regime de numerus apertus, onde os direitos da personalidade não
tipificados têm como ponto de partida a cláusula geral de proteção da dignidade humana.

Para estes doutrinadores esta formatação teria como principal vantagem evitar a insegurança jurídica
de um sistema totalmente aberto ao concretizar a cláusula geral em cada aplicação prática
(BELTRÃO, 2005).

Retomando a Constituição pátria, verifica-se que o ordenamento jurídico brasileiro é atípico, ou seja,
como aduz Schreiber (2007, p. 95): "o legislador não indica os interesses cuja violação origina um
dano ressarcível, limitando-se a prever uma cláusula geral de ressarcimento pelos danos
patrimoniais ou morais".

Desta forma, o escopo deste trabalho foi desenvolvido considerando os direitos da personalidade
como inerentes à condição humana, e como tal não podem ser taxados ou enumerados de forma
restritiva.

A tipificação ignora o fato de que a evolução da sociedade e seu progresso tecnológico fazem surgir
novas formas de agressão a personalidade humana, o que determina em contrapartida novas formas
de proteção e reparação.

3.2 A classificação dos direitos da personalidade

A doutrina apresenta diversas formas de classificação dos direitos da personalidade em função dos
critérios e sistematização de cada autor.
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Para o escopo deste trabalho observar-se-á os direitos da personalidade como direitos subjetivos
que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e
intelectual.

Este enquadramento encontra melhor exposição na classificação da Carlos Alberto Bittar (apud
BELTRÃO, 2005), na qual os diretos da personalidade podem ser organizados em três grupos
distintos: (a) direitos físicos; (b) direitos psíquicos; (c) direitos morais.

Os direitos físicos da personalidade dizem respeito a integridade física do corpo de forma integral ou
em parte, seus órgãos e a imagem.

Os direitos psíquicos correspondem àqueles intrínsecos da pessoa e inerentes a sua integridade


psíquica, compreendidos como exemplo no direito a liberdade, a intimidade e o sigilo.

Finalmente os direitos morais da personalidade são aqueles que contemplam os aspectos valorativos
da pessoa na sociedade, compreendidos a identidade, a honra e o intelecto em suas manifestações.

3.3 O dano estético e os direitos da personalidade

Neste ponto é suficiente enfatizar que o dano moral é ofensa que atinge a personalidade humana,
interesse extrapatrimonial juridicamente protegido com fundamento no princípio da dignidade
humana, impingindo não raras vezes, sofrimentos internos e perdas valorativas no indivíduo. Assim
exposto, o dano moral é lesão a direito da personalidade.

Como visto os direitos da personalidade, nas diversas dimensões da pessoa, tem manifestações nas
dimensões física, psíquica e moral.

Destarte, uma lesão na integridade psicossomática do indivíduo é ofensa a um ou mais direitos da


personalidade, constituindo sempre base para a reparação por danos morais ( lato sensu), que em
determinadas circunstâncias serão danos estéticos, e também para eventual indenização por danos
materiais.

A aparência externa faz com que cada indivíduo seja único, ou seja, infligir alteração em sua
harmonia significa provocar o desequilíbrio da personalidade, o que em última análise, afeta a
existência do indivíduo no seu modo de ser e na maneira como é percebido pela sociedade.

O mesmo ato lesivo pode ir além da ofensa a integridade física externa do indivíduo. Sua incidência
pode ofender a integridade psíquica do indivíduo, com consequentes sofrimentos, angústias e abalos
na auto-estima. Outras vezes pode lesionar a sua imagem social, interferindo na forma como a
pessoa é reconhecida nas suas relações interpessoais. Pode ainda afetar sua liberdade; seu projeto
de vida, entre outras lesões identificáveis através da análise de cada caso concreto.

Desta forma, o dano estético, como será mais bem detalhado, é espécie do gênero dano moral; é
lesão a integridade física e psíquica da pessoa; ofensa a direito da personalidade.

4. O dano estético

4.1 Conceito

Abordou-se em linhas anteriores deste trabalho a conceituação básica de dano, em especial aquele
dano consequente de lesão não permitida pelo ordenamento, que ofende interesse juridicamente
tutelado.

Aduziu-se que um mesmo fato lesivo poder gerar mais de um dano, fato jurídico danoso gerador de
responsabilidade civil, e também acerca do correto enquadramento do dano estético como ofensa a
direito da personalidade.

Desta forma, foi estabelecida a possibilidade de um fato lesivo antecedente impingir entre outros, o
dano estético (dano moral stricto sensu), lesionando direito da personalidade.

Mais o que é de fato o dano estético?

Na clássica concepção aristotélica é a estética: "uma ciência prática ou normativa que dá regras ao
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fazer humano sob o aspecto do belo" (ARISTÓTELES, 2004).

No uso informal costuma-se identificar a estética como algo ligado à aparência física e a plástica das
pessoas, sendo que desta forma inicialmente pode-se compreender que um dano estético está
ligado a lesão corporal impingida exclusivamente a parte externa dos indivíduos.

Ainda dentro deste contexto traz-se uma das acepções do dicionário Houaiss da língua portuguesa,
segundo o qual a estética é: "parte da filosofia voltada para a reflexão a respeito da beleza sensível e
do fenômeno artístico".

Esta definição é particularmente interessante por remeter o conceito de estética à necessidade do


correto entendimento do significado de beleza.

Novamente invoca-se o prestigiado dicionário que define beleza como: "qualidade, propriedade,
caráter ou virtude do que é belo; manifestação característica do belo".

E o que é belo?

Hegel, em sua obra Estética, faz breve abordagem sobre definições do belo, utilizando-se dentre
outros, do conceito de Aloys Ludwig Hirt (especialista em arte moderna), segundo o qual o belo: "é a
perfeição que pode atingir ou atinge um objeto visto, ouvido ou imaginado".

Em seguida, complementando, define a perfeição como: "o que corresponde a um fim determinado,
àquilo que se propôs a natureza ou a arte com a criação do objeto, que deve ser perfeito no seu
gênero" (apud HEGEL, 2005, p. 75).

Dentro desta mesma linha de pensamento a estética é definida por Ariano Suassuna (2004, p. 25),
como: "a filosofia da beleza" e o belo como: "nome que fica reservado àquele tipo especial de beleza
que se fundamenta na harmonia e na medida e que é fruída serenamente".

No campo prático a medicina legal adere firmemente à ideia da estética como tudo que é referente
ao belo.

Nesta linha define Elza Spanó Teixeira e Márcia Regina Soares Seixas Santos (1998, p. 62), como
dano estético: "aquele que altera a ordem, a simetria e a medida de uma pessoa".

Estas são as definições que interessam, pois delas se infere que, o belo não se confunde com o
bonito, embora tenham afinidades de sentido.

Indivíduos que não são bonitos estão, como quaisquer outros, sujeitos a danos estéticos quando
sofrem alterações nas suas medidas, ou alteram sua harmonia corporal externa.

Pode-se então depreender que o dano estético ocorre como resultante de ato lesivo que inflige
alterações nas medidas e na harmonia física e mental das pessoas, afetando sua integridade
psicossomática com consequentes mudanças para pior na sua aparência externa e sensação de
bem-estar.

Dominado este esboço conceitual passa-se a aprofundar o conceito de dano estético invocando o
majoritário posicionamento doutrinário representado por Tereza Ancona Lopez (2004, p. 46),
segundo a qual:

O dano estético é qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma


pessoa modificação esta que acarreta um "enfeamento" e lhe causa humilhações e desgostos,
dando origem portanto a uma dor moral.

Neste trabalho adota-se este conceito por sua adequação as questões suscitadas e em função da
possibilidade de melhor análise crítica dos elementos envolvidos.

4.2 Elementos caracterizadores de incidência de dano estético

As tradicionais perguntas que precisam ser respondidas são: O que é de fato o dano estético? Como
identificá-lo? Qual a sua natureza jurídica? As lesões são apenas aquelas de natureza permanente,
visíveis e deformantes? O dano estético envolve que tipos de lesões?
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Inicialmente discute-se o dano estético buscando a sua identificação como ponto essencial para
determinação de sua incidência.

Retoma-se o conceito de dano estético da lavra de Teresa Ancona Lopez (2004, p. 46), para fazer a
decomposição dos seus elementos e identificação dos delimitadores de sua incidência:

a) "qualquer modificação":

Sob influência do Direito Penal, e na interpretação tradicional do Código Civil de 1916 (LGL\1916\1),
configurava-se o dano estético apenas naquelas deformações graves e desfigurantes. Destarte, o §
1.º do art. 1.538. "Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade",
enfatizava a ideia do aleijão e deformidade como caracterizadores do que era considerado dano
estético.

Aleijão ou deformidade pressupõem lesão de certa monta, no entender de Bitencourt (2004, p. 194),
"capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê e vexame ou humilhação ao portador".

O Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 não menciona mais as figuras do aleijão e da deformidade
tratando a lesão de forma genérica, conforme se depreende do inteiro teor do art. 949. 18

Desta forma, a incidência do dano estético não está sujeita às amputações, olhos vazados ou
terríveis feridas, e sim a qualquer lesão a aparência externa do indivíduo, representando uma
modificação para pior ainda que não constitua aleijão, amputação ou deformação teratológica
(LOPEZ, 2004).

Wilson Melo da Silva (apud LOPEZ, 2004, p. 45), conceitua dano estético esclarecendo que: "não é
apenas o aleijão, mas também as deformidades ou deformações outras, as marcas e os defeitos
ainda que mínimos que podem implicar, sob qualquer aspecto, um "afeamento" da vítima (...)".

No mesmo sentido Lopez (2004), apoiada por Jean Carrard, aduz que: "Para a responsabilidade civil
basta a pessoa ter sofrido uma "transformação", não tendo mais aquela aparência. Há agora um
desequilíbrio entre o passado e o presente, uma modificação para pior".

Desta forma, entende-se - até o momento - que para configurar um dano estético deverá ter sido
impingida uma lesão corporal que determine a modificação para pior da aparência externa do
indivíduo, alterando-lhe o bem-estar pessoal.

b) "duradoura ou permanente":

A incidência de dano estético ocorre em função da permanência da modificação para pior da


aparência externa do indivíduo.

Destarte, inclui-se neste requisito o da irreparabilidade. Ocorre que, sendo reparável a lesão, não há
que falar em permanência.

Desta forma, para que seja atendido este requisito de incidência de dano estético, é necessário que
a lesão seja permanente ou duradoura, 19 e irreparável.

Neste sentido aduz Teresa Lopez (2004, p. 48), que: "caso contrário, não se poderá falar em dano
estético propriamente dito, mas em atentado reparável à integridade física ou lesão estética
passageira que se resolve em perdas e danos habituais (...)".

Retome-se um exemplo hipotético. Imagine-se que Antônio dispara arma de fogo em direção a
Benedito. O projétil raspa o braço de Benedito provocando-lhe queimaduras leves que exigiram
tratamento médico, sendo que em poucos dias estavam curadas, não restando qualquer cicatriz.

O caso em tela evidentemente é alcançado pela responsabilidade civil.

Em função do exposto, não existe incidência de dano estético, haja vista que as lesões físicas foram
reparáveis e passageiras.

Desta forma, Benedito deve ser ressarcido num primeiro momento apenas das despesas
decorrentes do tratamento das queimaduras em função do dano patrimonial que lhe foi impingido por
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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

Antônio.

Ocorre que, em função do disparo, Benedito apresentou distúrbios psicológicos que exigiram
tratamento psicoterápico.

Neste caso fica evidente que o ato ilícito de Antônio (disparo de arma de fogo) provocou também
lesão à integridade psíquica de Benedito, determinando a necessária reparação dos danos morais.
Evidentemente também ocorrerá indenização dos danos materiais caso existam despesas com a
psicoterapia a serem ressarcidas.

Outro aspecto a ser considerado, pacífico na doutrina e jurisprudência, é o fato do uso das próteses,
disfarces e maquiagem não elidirem a irreparabilidade e permanência do dano estético.

Segundo Lopez (2004, p. 49): "por mais perfeitos que sejam tais aparelhos, não são iguais à parte do
corpo que a pessoa perdeu ou viu transformada".

Nesse sentido, decisão prolatada em sede de recurso especial interposto no STJ:

"Civil. Dano estético. Acidente de trabalho. Perda de um dos olhos. A prótese ocular pode, se bem
feita, esconder o dano estético, não o elimina, e, com certeza, reativa o dano moral cada vez que é
removida para os cuidados de higiene e novamente instalada. Recurso especial não conhecido"
(STJ, REsp 171.240/ES, 3.ª T., j. 29.03.2001, rel. Min. Ari Pargendler, DJ 23.04.2001, p. 159 -
(grifado).

c) "aparência externa da uma pessoa":

Tradicionalmente era requisito da caracterização do dano estético a sua visibilidade em todas as


situações do cotidiano.

Percebe-se que a sociedade contemporânea considera normal uma maior exposição do corpo em
situações cotidianas.

No entendimento de Tereza Lopez (2004, p. 52): "pouco se esconde hoje em dia, para não dizer que
na intimidade entre duas pessoas não há região do corpo que não possa ser conhecida".

Assim, falar aparência externa não remete mais àquelas lesões localizadas no rosto ou em partes do
corpo que estão constantemente expostas. Para caracterizar o dano estético importa apenas a
possibilidade de serem vistas em alguma circunstância que, por óbvio, não precisa estar
determinada.

Outro aspecto a ser considerado na aparência é seu aspecto dinâmico. Destarte, o dano estético
pode modificar a forma como o indivíduo se movimenta ou fala. Segundo Lopez (2004, p. 52): "há
deformidades que somente aparecem nas atividades dinâmicas do ofendido".

Percebe-se agora a pertinência na definição do dano estético como resultante de ato lesivo que
inflige alterações nas medidas e na harmonia física e mental das pessoas, afetando sua integridade
psicossomática com consequentes mudanças para pior na sua aparência externa e sensação de
bem-estar.

Desta forma, qualquer modificação duradoura ou permanente que lesione a harmonia corporal,
visualmente perceptível em quaisquer circunstâncias atende aos requisitos abstratos que
caracterizam um dano estético.

Em exemplo hipotético imagine-se que Antônio disparou arma de fogo em direção a Benedito
atingindo-lhe à genitália, determinando-lhe ainda uma irreparável mutilação e consequente
incapacidade para a cópula.

Verifica-se no exemplo que a lesão é permanente e apesar de possivelmente visível apenas para a
sua companheira, ofendeu sua integridade psicossomática, alterando-lhe a harmonia corporal, em
sua aparência externa e funções, caracterizando o dano estético.

Neste sentido, situação similar recentemente apreciada em sede de Recurso Especial interposto no
STJ, cuja parte essencial é transcrita in verbis:
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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

"Ementa: Indenização. "Danos estéticos" ou "danos físicos". Indenizabilidade em separado.

1. A jurisprudência da 3.ª Turma admite sejam indenizados, separadamente, os danos morais e os


danos estéticos oriundos do mesmo fato. Ressalva do entendimento do relator.

2. As sequelas físicas decorrentes do ato ilícito, mesmo que não sejam visíveis de ordinário e, por
isso, não causem repercussão negativa na aparência da vítima, certamente provocam intenso
sofrimento. Desta forma, as lesões não precisam estar expostas a terceiros para que sejam
indenizáveis, pois o que se considera para os danos estéticos é a degradação da integridade física
da vítima, decorrente do ato ilícito.

3. Os danos morais fixados pelo Tribunal recorrido devem ser majorados pelo STJ quando se
mostrarem irrisórios e, por isso mesmo, incapazes de punir adequadamente o autor do ato ilícito e de
indenizar completamente os prejuízos extrapatrimoniais sofridos pela vítima.

4. Provido o recurso especial da parte que pretendia majoração dos danos morais, fica prejudicado o
recurso especial da parte que pretendia a redução da indenização (...)" ( REsp 899869/MG, rel. Min.
Humberto Gomes de Barros, DJ 13.02.2007 - grifado).

d) "enfeamento":

Para que haja a caracterização do dano estético o ato lesivo tem que ter determinado uma
modificação para pior na beleza do ofendido. Retorne-se aos conceitos de beleza vistos alhures para
enfatizar a beleza que se fundamenta na harmonia e na medida.

No dizer de Lopez (2004, p. 52) é necessário que: "tenha havido uma piora em relação ao que a
pessoa era antes (...)".

Retomando-se o exemplo hipotético imagine-se que Antônio disparou arma de fogo em direção a
Benedito atingindo-lhe o rosto e determinando-lhe lesões no nariz e boca. Ocorre que Benedito era
portador da deformidade genética conhecida como "lábio leporino" (fissura labiopalatal), e em função
do disparo recebido foi submetido a cirurgia plástica reparadora obtendo como resultado uma notável
correção em sua expressão facial.

Desta forma resta evidente que Benedito não sofreu dano estético, haja vista a alteração para
melhor, sendo sua situação resolvida através da reparação por perdas e danos.

e) "dor moral":

Neste ponto deve ser ressaltado que, conforme visto alhures, a dor não é elemento ontológico do
dano, podendo se manifestar ou não, sem eliminar o fato da lesão a direito da personalidade.

A "dor moral", no contexto do conceito de Teresa Ancona Lopez, caracterizada por humilhações e
desgostos, pode ter alguma utilidade na avaliação da extensão do dano estético objetivando a
quantificação da reparação.

4.3 A natureza jurídica do dano estético

Resta neste item estabelecer o debate sob as luzes da teoria exposta que remete o dano estético a
lesão a integridade psicossomática da pessoa, ofensa a direito da personalidade.

Hodiernamente, a doutrina converge no entendimento da reparabilidade do dano estético na forma


de compensação por danos morais. (cf. CAHALI, 2005, p. 253 e LOPEZ, 2004, p. 19). Prosseguem
ainda, constatando a autonomia desta reparação "passível de ser cumulada com indenização por
danos patrimoniais resultantes do mesmo fato", (CAHALI, 2005, p. 254).

Ocorre que, estes mesmos doutrinadores admitem algumas características que tendem a aproximar
o dano estético para um terceiro gênero.

Observe-se, por exemplo, o pensamento de Yussef Said Cahali (2005, p. 251): "(...) o dano estético
caracteriza-se pelo seu hibridismo, resultando da simbiose de contingentes morais e patrimoniais"
(grifado).

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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

No mesmo sentido o entendimento de Teresa Ancona Lopez (2004, p. 55), ao afirma que: "o dano
estético é sempre um dano moral e, na maioria das vezes, concomitantemente, também dano
material" (grifado).

Este citado "hibridismo" poderia alçar o dano estético à categoria de dano autônomo, 20 e como tal
subsistiria com todas as suas características nas diversas situações em que incidisse. Neste sentido
observe-se a impossibilidade da existência de um gênero autônomo demonstrada nas hipóteses a
seguir expostas:

a) Antônio desfere violento soco no rosto de Benedito provocando-lhe a perda do olho esquerdo. Em
função desta lesão irreparável Benedito despende vultosa quantia para custear seu tratamento e
para aquisição de prótese ocular.

Nesta hipótese apresenta-se como possível a responsabilização civil de Antônio nos seguintes
moldes: 1) indenização por danos materiais advindos das perdas e danos de Benedito: despesas
hospitalares, médicas, tratamentos, exames e aquisição da prótese ocular, além de eventuais lucros
cessantes. 2) danos estéticos decorrentes da lesão permanente advinda da perda do olho esquerdo .

b) Antônio arremessa barra de ferro na direção de Benedito. A barra atinge a cabeça de Benedito
provocando-lhe traumatismo craniano com sérios riscos de vida.

Benedito foi internado durante trinta dias em hospital particular, dos quais dez em coma profundo,
sendo submetido a diversos tratamentos e exames, inclusive tomografia computadorizada.

Ocorre que, passados trinta dias, em função do tratamento recebido e, sobretudo, das rezas de sua
companheira, Benedito ficou totalmente restabelecido, não lhe restando sequer cicatrizes.

Acrescente-se que nestes trinta dias Benedito, profissional autônomo, ficou impedido de arrecadar
seus regulares rendimentos.

Nesta hipótese apresenta-se como possível a responsabilização civil de Antônio nos seguintes
moldes: 1) indenização por danos materiais advindos das perdas e danos: danos emergentes
relativos às despesas hospitalares, médicas e exames; lucros cessantes em função dos trinta dias
parados, calculados tendo como base o rendimento médio diário de Benedito; 2) danos morais
decorrentes da lesão à integridade física de Benedito; 3) não incidem danos estéticos.

c) Antônio ultrapassa o sinal vermelho e abalroa o carro de Benedito provocando-lhe a perda


irreparável de um dedo do pé esquerdo.

Verifica-se neste caso que Benedito não demonstrou qualquer perda de capacidade laboral ou
prejuízo de ordem material decorrente de tratamento totalmente realizado à custa do sistema público.

Evidentemente Benedito teve lesionada sua integridade psicossomática o que determina uma
reparação por dano estético.

Verifica-se nestes exemplos a autonomia das diversas espécies de dano moral e material, além do
correto enquadramento do dano estético como espécie de dano moral ( stricto sensu).

Apresenta-se o melhor entendimento quando retomamos as questões expostas para identificar o


dano estético como resultante de ofensa a integridade psicossomática do indivíduo, desta maneira é
ofensa a direito da personalidade, sendo, portanto espécie do gênero dano moral.

4.4 A cumulabilidade do dano estético com outros danos

Conforme exposto anteriormente, encontra-se superado o entendimento no sentido de ser


indenizável o dano moral resultante da ofensa que não tenham repercussão patrimonial.

A possibilidade de se cumular a indenização do dano estético com a indenização de outras espécies


de dano está pacificada pelas reiteradas decisões neste sentido que há muito encontram respaldo na
orientação jurisprudencial contida na ementa da Súmula 37 do colendo STJ, transcrita in verbis: "são
cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

Retome-se o exemplo hipotético onde Antônio disparou arma de fogo em direção a Benedito
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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

atingindo-lhe à genitália, determinando-lhe ainda uma irreparável mutilação e consequente


incapacidade para a cópula.

Decorre do ato Ilícito praticado por Antônio, num primeiro momento, a exigência de reparação por
dano estético (espécie de dano moral), decorrente da lesão impingida a direito da personalidade - a
integridade psicossomática de Benedito.

Emergem também decorrentes do mesmo ato ilícito, a necessária indenização dos danos materiais
advindos das despesas médicas e outros prejuízos patrimoniais.

Verifica-se ainda no exemplo, que o mesmo ato ilícito provocou lesão em interesse existencial de
Benedito.

Como abordando anteriormente, é direito da personalidade de Benedito - como forma de


manutenção existencial e decorrente do princípio da dignidade humana - o direito à usufruir toda a
extensão da sua existência, inclusive nos essenciais aspectos sexuais.

O disparo efetuado por Antônio lesionou direito da personalidade, interesse juridicamente tutelado de
Benedito, determinando-lhe a impossibilidade de manutenção de existência plena.

Destarte, em função desta lesão a direito da personalidade Benedito deve também deve ser
reparado por estes danos morais.

A análise deste caso permite concluir que por meio das cumulações de indenizações estaremos
promovendo a reparação integral dos danos impingidos à vítima.

Observe-se situação apreciada em sede de Recurso Especial interposto no STJ, transcrita in verbis:

"Ementa: Civil. Danos estéticos e morais. Cumulação. Os danos estéticos devem ser indenizados
independentemente do ressarcimento dos danos morais, sempre que tiverem causa autônoma.
Recurso especial conhecido e provido.

Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da 3.ª T. do STJ, por unanimidade, conhecer do Recurso Especial e dar-lhe provimento nos
termos do voto do Sr. Ministro relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Humberto Gomes de
Barros votaram com o Sr. Ministro relator.

Notas: Indenização por dano moral alterada para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e indenização por
dano estético fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais)" ( REsp 533328/MG, rel. Min. Ari Pargendler,
DJ 29.11.2007 - grifado).

No mesmo sentido, um trágico caso também apreciado no colendo STJ:

"Ementa: Direito civil. Danos material, moral e estético. Rapaz de 19 anos que, na varanda de uma
boate, ao se debruçar para brincar com um amigo que se encontrava na rua, inadvertidamente toca
em transformador de alta tensão mal instalado em poste vizinho. Choque elétrico de alta intensidade,
do qual decorre queimadura em trinta por cento de seu corpo, além da amputação de seu braço
direito e perda da genitália. Ação proposta em face da boate, da companhia de energia elétrica e do
proprietário do transformador mal instalado.

Condenação mantida em face dos três réus.

(...)

- É possível a cumulação de dano estético e dano moral. Precedentes.

(...)

- Não é exagerada a indenização de R$ 400.000,00 para reparação do dano estético, mais R$


800.000,00 para reparação do dano moral, na hipótese em que a vitima, com apenas 19 anos de
idade, sofre queimaduras de terceiro grau em 30% de seu corpo, mais a amputação do braço direito
e da genitália, em acidente que poderia ser perfeitamente evitável caso qualquer um dos três réus
tivesse agido de maneira prudente" ( REsp 1011437/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ: 24.06.2008 -
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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

grifado).

4.4.1 O dano estético e a indenização de outras pessoas

Um aspecto interessante é abordado por Schreiber (2007), ao citar a jurisprudência italiana que
expressamente reconheceu para caso similar o dano sexual sofrido de forma autônoma pelo
companheiro.

Aduz o autor que: "Trata-se de dano autônomo sofrido pelo indivíduo que se vê impedido de manter
relações sexuais por força de outro dano causado diretamente ao seu cônjuge" (SCHREIBER, 2007,
p. 87).

Desta forma, apesar de polêmico, verifica-se que este tipo de lesão é ressarcível como dano moral
reflexo ou dano por ricochete (SCHREIBER, 2007, p. 90).

O chamado dano reflexo ou de ricochete é situação controversa na doutrina e na jurisprudência que


divergem acerca da possibilidade de indenização de terceiro não atingido diretamente pelo ato
lesivo.

Decisões recentes trazem luzes à questão determinando, como não poderia deixar de ser, a
indenização ampla de todas as lesões impingidas, inclusive a terceiros.

Neste sentido, recentíssima decisão prolatada no Rio Grande do Sul (TJRS, ApCiv 70021863154,
10.ª Câm. Civ., j. 27.03.2008, rel. Jorge Alberto Schreiner Pestana), em trágico caso:

"Ementa: Responsabilidade civil do Estado. Assalto cometido por apenado sob o regime semiaberto
que se encontrava foragido. Paraplegia da vítima atingida por projétil de arma de fogo. Nexo de
causalidade. Omissão na atividade do ente público. Falta de providências à recaptura do delinquente
evadido.

(...)

Dano moral. Dano estético. Presunção. Possibilidade de cumulação. Existência de sequela


determinante de agravo à harmonia física do ofendido em vista do acidente. Possível cumular o dano
estético com o dano moral derivados do mesmo fato quando inconfundíveis suas causas. Menor
impúbere. Dano extrapatrimonial reflexo. Cabimento. Ao menor impúbere, mesmo criança de pouca
idade, toca compensação por dano extrapatrimonial, bastando ofensa a direito subjetivo legalmente
tutelado. Cabível indenização por alteração do ânimo do espírito e o do estado psicológico do infante
como efeitos reflexos por fato que atingiu o seu genitor. Dano moral. Vítima direta do fato injusto.
Valor indenizatório. Lesada a pessoa em sua integridade física ou psíquica, presente o dano moral.
Quantum indenizatório fixado por arbitramento pelo julgador, no cotejo da intensidade da ofensa,
necessária compensação à vítima e reprimenda ao ofensor. A gravidade da culpa, o prejuízo e as
circunstâncias de fato são elementos a incidir na fixação do quantum da indenização. Valor majorado
em atenção às particularidades do evento, onde a vítima direta do ato injusto restou paraplégica.
Esposa do ofendido. Dano por ricochete. Quantum compensatório. Legitimidade ativa da esposa do
ofendido, que passou à condição de pessoa com necessidades especiais. Dano moral por ricochete
pelo sofrimento psíquico e consequências do infortúnio, que também serão suportadas pela
companheira. (...) Unânime" (TJRS, ApCiv 70021863154, 10.ª Câm. Civ., j. 27.03.2008, rel. Jorge
Alberto Schreiner Pestana - grifado)

4.4.2 O dano estético e a indenização pela perda de uma chance

Outro tema ainda mais controverso diz respeito da possibilidade de indenização por perda de uma
chance. Observam-se decisões esparsas carentes de maior fundamentação e embasamento
doutrinário.

Ressalte-se que apesar da controvérsia, é inegável que estamos diante de situações com danos
evidentes.

Imagine-se a seguinte situação hipotética: Antônio ultrapassa em alta velocidade um sinal vermelho
abalroando o carro de Berenice que em decorrência do acidente sofre mutilação pela perda do seu
braço direito.

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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

Como visto alhures, esta é uma situação que determinará a responsabilização civil de Antônio,
exigindo-lhe a indenização por danos materiais e reparação por danos estéticos.

Ocorre que, Berenice, modelo internacional, assinara recentemente contrato milionário com famosa
agência de modelos para os próximos cinco anos.

Como de praxe no mundo da moda, Berenice sabia que este contrato lhe possibilitaria auferir
vultosas quantias com contratos advindos da publicidade.

Verifica-se então que os danos materiais de Berenice não se restringem aos danos emergentes
decorrentes do seu tratamento e da aquisição de prótese. Ainda não estão restritos aos lucros
cessantes oriundos da suspensão de seu contrato milionário.

Além destes, Berenice tinha a certeza ou pelo menos a enorme probabilidade de obtenção de lucros
através da assinatura de contratos publicitários. Desta forma, há uma real perda de obtenção de
vantagem financeira, ou perda de uma chance. Neste sentido, o entendimento de Melo (2007, p. 1),
segundo o qual: "o sentido jurídico de chance ou oportunidades é a probabilidade de alguém obter
um lucro ou evitar um prejuízo". Constata-se este entendimento em recentíssima e didática decisão
prolatada no TRF-3.ª Reg.- SP:

"Processo: 2002.03.99.033509-0

UF: SP

Órgão Julgador: 6.ª T.

DJ: 10.07.2008

Fonte: DJF3

Data 28.07.2008

Rel.: Juiz Lazarano Neto

Ementa: Processual civil. Administrativo. Extravio de autos. Indenização. Perda de uma chance.
Responsabilidade objetiva do estado.

(...);

4 - No mérito, tem-se que por força da responsabilidade extracontratual, o Estado tem a obrigação de
reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos,
lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.

5 - A CF/1988 (LGL\1988\3) adotou, no art. 37, § 6.º, a Teoria da responsabilidade civil objetiva da
Administração Pública, na modalidade do risco administrativo, de sorte que o particular se encontra
dispensado de comprovar o dolo ou a culpa dos agentes públicos a fim de obter a reparação do dano
sofrido. Imprescindível que aquele que se diz vítima do prejuízo decorrente da atividade da
Administração, comprove dois elementos: (a) o nexo causal entre o ato lesivo - seja ele omissivo ou
comissivo - e o alegado dano; e (b) o dano propriamente dito. A conduta da Administração Pública
provocou o desaparecimento dos autos do processo em que figuravam como autores os ora
apelados. Não há como negar que tal extravio acarretou prejuízo aos mesmos, impedindo-os de ver
sua pretensão julgada pelo Juízo da 7.ª Vara da Fazenda Pública Estadual.

(...)

6 - O arbitramento do valor da indenização pela MM. Juíza mostra-se equivocado, pois toma como
base os seguintes parâmetros: (a) a expectativa de vida dos autores, a partir da aposentadoria, de
aproximadamente 240 meses (20 anos); e (b) a hipótese de que o pedido de restabelecimento do
adicional por tempo de serviço fosse julgado procedente, o que representaria um valor em torno de
5% da remuneração percebida pelos autores na data de sua aposentadoria.

7 - O parâmetro estabelecido na letra a mostra-se correto, considerando-se a expectativa de vida


média do brasileiro, de setenta e um anos (cf informação obtida no site do IBGE).
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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

8 - Não se revela adequado o critério adotado na letra b supra, pois parte do pressuposto de que o
pedido de restabelecimento do adicional por tempo de serviço, objeto da ação cujos autos
desapareceram, seria julgado procedente, representando um acréscimo de aproximadamente 5%
sobre o valor que os autores recebiam quando da aposentadoria. Tal pressuposto mostra-se
equivocado, na medida em que não há garantia alguma de que aquela ação seria, de fato, julgada
procedente. A situação aqui tratada, na verdade, consubstancia-se na responsabilidade civil pela
perda de uma chance. O princípio reitor da responsabilidade civil informa que aquele que violar
direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito, tendo a obrigação de indenizar (arts. 186 e 927,
CC/2002 (LGL\2002\400)). Entretanto, a indenização mede-se pela extensão do dano (art. 944, caput
, CC/2002 (LGL\2002\400)), e o dano causado pelo Estado, na situação sob análise, é representado
pela perda da expectativa de obtenção de uma sentença judicial favorável, e não pela perda do
adicional pleiteado, eis que não havia, objetivamente, certeza da vitória quanto a esse pedido.

9 - Configurada a perda de uma chance, a indenização pelo dano sofrido há de ser reduzida, na
proporção da chance de êxito da vítima, em atenção ao disposto no CC/2002 (LGL\2002\400), art.
944, e a fim de evitar o enriquecimento sem causa.

(...);

14 - Tendo em vista que tanto a União quanto o Estado de São Paulo foram responsáveis pelo ato
ilícito (aquela na remessa dos autos e este no recebimento), ambos responderão solidariamente pela
reparação do dano, haja vista o disposto no CC/2002 (LGL\2002\400), art. 942, assegurando-se,
àquele que eventualmente satisfizer sozinho a obrigação de indenizar, o direito de regresso contra o
outro devedor, pela respectiva quota-parte (50% do débito decorrente deste julgado), nos termos do
CC/2002 (LGL\2002\400), art. 283 (...)" (grifado).

5. Considerações finais

De acordo com tudo que foi exposto neste artigo, percebe-se que o enquadramento proposto do
dano estético como espécie do gênero dano moral, lesão a integridade psicossomática da pessoa,
ofensa a direito da personalidade, possibilita uma melhor análise de cada caso concreto.

Neste sentido, evidentemente caminha-se para a obtenção da reparação civil ampla preconizada na
Carta Magna (LGL\1988\3), sem entraves para o reconhecimento e consequente direito à
compensação por dano estético (dano moral - stricto sensu), ou mesmo para novas modalidades de
ressarcimento por dano material (perda de uma chance).

Assim, partindo-se das características próprias de cada caso concreto: fato lesivo, dano impingido e,
principalmente, a análise dos interesses juridicamente tutelados que foram lesionados, afastam-se as
ideias demasiadamente estáticas ou restritivas, e caminha-se em direção à proteção integral das
pessoas.

Percebe-se a necessidade de um maior aprofundamento da doutrina acerca do tema, fornecendo


argumentos para que as decisões judiciais sejam mais adequadas à realidade das situações
danosas e às características de cada caso concreto.

Ademais, o exposto neste artigo permite que se identifique o dano estético a partir dos seus
elementos essenciais evitando-se, assim, a incerteza e a sensação de injustiça em razão das
diferentes abordagens e aplicações da jurisprudência.

Igualmente, este é o ponto de partida para a especificação da forma como o dano estético deva ser
devidamente reparado, de forma autônoma e plena.

6. Referências bibliográficas

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impossibilidade de sua desconstituição posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, 39/52-77,
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1. Dirimindo quaisquer dúvidas ainda existentes, a previsão legal para indenização decorrente de
dano estético encontra guarida constitucional no art. 5.º, V e X, que asseguram o direito de
indenização por dano material, moral ou à imagem: "V - é assegurado o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. X - são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

2. Ressalte-se a enumeração restritiva de bens protegidos pelo ordenamento jurídico existente no


Código Civil de 1916 (LGL\1916\1): "Art.1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o
ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da
convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal
correspondente. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo 3.725, de 15.01.1919) § 1.º Esta
soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade. § 2.º Se o ofendido, aleijado
ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em
dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito. Art.
1.543. Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa (art. 1.541), estimar-se-á ela
pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele. Art. 1.547. A
indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido".
(grifado)

3. "Art. 21. No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras
circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas
com o tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente"
(grifado).

4. "Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta,
notadamente: (...). Art. 56. A ação para haver indenização por dano moral poderá ser exercida
separadamente da ação para haver reparação do dano material, e sob pena de decadência deverá
ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa. (...). Art.
57. A petição inicial da ação para haver reparação de dano moral deverá ser instruída com o
exemplar do jornal ou periódico que tiver publicado o escrito ou notícia, ou com a notificação feita,
nos termos do art. 53, § 3.º, à empresa de radiodifusão, e deverá desde logo indicar as provas e as
diligências que o autor julgar necessárias, arrolar testemunhas e ser acompanhada da prova
documental em que se fundar o pedido". (...) (grifada).

5. Cabe destaque o art. 186 do Código Civil (LGL\2002\400), in verbis: "Aquele que por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito".

6. Constituição Federal (LGL\1988\3) Brasileira art. 5.º, XXV, in verbis: "no caso de iminente perigo
público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano".

7. Código Civil (LGL\2002\400) arts. 1.219. "O possuidor de boa-fé tem direito a indenização das
benfeitorias necessárias e (...); 1.285. "o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente
ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho (...); 1.286.
"Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização da área (...); e 1.293.
"É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados (...) ;
entre outros".

8. Exemplificativo das decisões do STJ o teor do voto proferido pelo relator do REsp 6.852-RS: "(...)
Se há um dano material e outro moral, que podem existir autonomamente, se ambos dão margem a
indenização, não se percebe porque isso não deva ocorrer quando os dois se tenham como
presentes, ainda que oriundos do mesmo fato".

9. Súmula 37, Corte Especial, j. 12.03.1992, DJ 17.03.1992, p. 3172, REPDJ 19.03.1992, p. 3201,
RSTJ 33/513, RT 677/203 .

10. Utiliza-se aqui, e em outros pontos deste trabalho, o adjetivo "tradicional' para diferenciar as
ideias expostas daquelas consolidadas após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

11. Interessante construção doutrinária tem sido feita no sentido de identificar o ressarcimento
patrimonial decorrente da perda de uma chance, aplicada nos casos em que o ato lesivo tira do
ofendido a oportunidade real de obtenção de uma situação futura melhor. Recomenda-se a leitura de
MELO, Raimundo Simão de. Indenização pela perda de uma chance. Boletim Jurídico, n. 224, ano 3.
Uberaba. Disponível em: www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1785. Acesso em:
22.05.2008.
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O dano estético: conceito e incidência à luz das novas
perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais

12. Art .402 do CC/2002 (LGL\2002\400). "Salvo as exceções previstas em lei, as perdas e danos
devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de
lucrar".

13. CC/2002 (LGL\2002\400) art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

14. Sobre o tema Schreiber (2007), propõe excelente método de ponderação.

15. Consta no art. 1.º da CF/1988 (LGL\1988\3) que a República Federativa do Brasil tem como
fundamentos: "I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV- os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo político."

16. Consulte como exemplo o art. 5.º da CF/1988 (LGL\1988\3).

17. No mesmo sentido Doneda (2002, p. 35-58).

18. Em atenção aos ditames constitucionais consta no art. 186 do CC/2002 (LGL\2002\400) que:
"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" (grifado). No mesmo codex, o art.
927 determina: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo" (grifado) . Finalmente o art. 949 conclui o embasamento legal que identifica o dano
estético ao dispor: "No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das
despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro
prejuízo que o ofendido prove haver sofrido" (grifado).

19. Observe-se a sinonímia de duradouro, utilizado no seu sentido de permanente.

20. Cabe ressaltar que o dano estético é perfeitamente enquadrado no art. 5.º, X, da CF/1988
(LGL\1988\3), que assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de lesão
a direito da personalidade.

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