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SUMÁRIO

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https://www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/capassumarios/novasaquisicoes/2008/maio/809219/sumario.htm 4/4
Eneas de Oliveira Matos
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo; Master in Law and Economics pela Universidade de
Hamburgo, Alemanha; Doutor em Direito Civil pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo

DANO MORAL E DANO ESTÉTICO

RENOVAR
Rio de Janeiro • São Paulo • Recife
2008
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N? Ó531
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Matos, Eneas de Oliveira


M224d Dano moral e dano estético I Eneas de Oliveira Matos. -Rio
de Janeiro: Renovar, 2008.
382p. ; 2Icm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978857147-664-6
I. Direito civil - Brasil. I. Título.
CDD 346.81052

Proibida a reprodução (Lei 9.610198)


Impresso no Brasil
Printed in Brazil
INTRODUÇÃO

DIREITO CIVIL, CONSTITUIÇAO E -


DIREITO DOS DANOS

A busca da reparação civil justa dos danos causados à


pessoa humana sempre foi uma questão de suma importân-
cia no estudo do Direito. Nesse sentido, a responsabilidade
civil assume vital papel, tendo em vista se tratar da área do
Direito incumbida do estudo e desenvolvimento do tema.
Entre casos de notoriedade nacional, muitas vezes
mundial, ocupando as principais páginas dos jornais, sem-
pre conseguimos encontrar algum que se refere à questão
da reparação dos danos causados à pessoa humana. Assim
são os casos que se referem à indústria do cigarro, à polui-
ção no ambiente de trabalho, acidentes de trânsito, aciden-
tes de trabalho, acidentes com produtos perigosos e inúme-
ros outros. Entretanto, não é o interesse puramente jorna-
lístico, ou a mera curiosidade, que faz despontar a impor-
tância desses casos. Na verdade, é a importância do bem
ofendido que acende a chama da discussão, pelo que não é
sem sentido que a maioria das pessoas hoje possua noções,
muito vagas por vezes, mas reais, sobre o que é dano moral,
dano estético ou, na singela mentalidade do cotidiano, uma
indenização por dano causado à pessoa humana.
O aplicador do Direito, quando se vê diante de uma fundamentar soluções para problemas de responsabilidade
questão de responsabilidade civil por danos pessoais, deve civil, a cumulação dos danos morais e estéticos com funda-
tomar ciência de que está tratando não meramente de inte- mento no direito à saúde é um exemplo claro. Aqui, as
resses individuais e sem qualquer importância para os de- disposições referentes ao direito fundamental à saúde, arts.
mais membros da sociedade. A responsabilidade civil nes- 6° e 186 da CF/88, são utilizadas para fundamentar a repa-
ses casos assume importância para toda a sociedade, a pon- ração autônoma do dano contra a integridade física, bem
to de se tornar discutível se sua natureza se enquadraria como da interpretação dos arts . 1°, inc. III, e 5°, inc. V e X,
realmente como direito privado, na vetusta divisão público da CF /88, da qual retiramos a proteção constitucional da
e privado, uma vez que os reflexos e o dirigismo fossem pessoa humana, promanando pela interpretação de um di-
alcançados nessa seara. Por exemplo, teorias que funda- reito fundamental de reparação dos danos extrapatrimo-
mentam a responsabilidade na socialização dos riscos, ou- niais causados à pessoa humana, com fundamento na dig-
tras que entendem um caráter exemplar, pedagógico, puni- nidade da pessoa humana, exigindo a reparação efetiva de
tivo na fixação da reparação por danos extrapatrimoniais, todos os danos causados a ela, materiais e principalmente
essas teorias notoriamente estão assumindo posição pelo os extrapatrimoniais, morais e estéticos, de forma inde-
interesse público da responsabilidade civil, e não mais me- pendente e cumulável. Assim, a constitucionalização do di-
ramente de solução de um conflito entre particulares, sem reito civil tanto pode ser a simples positivação de regras
importância ou reflexo na sociedade, ou até para o Estado. antes típicas de textos civilísticos, como o Código Civil, na
Prova maior desse interesse público na aplicação dares- Constitução, como a utilização direta de regras da Consti-
ponsabilidade civil é a constitucionalização da responsabili- tuição em casos típicos de direito civil, como a responsabi-
dade civil. Quando se fala em constitucionalização do direi- lidade civil. Esse segundo caso pode ser entendido verda-
to civil, é inevitável o questionamento sobre quais são os deiramente como constitucionalização do direito civil em
exemplos de dito processo. Tendo em vista o direito brasi- sentido estrito, enquanto o primeiro caso pode ser chamado
leiro, na responsabilidade civil encontramos desde a sim- de constitucionalização em sentido amplo. Com efeito, en-
ples positivação de regras da matéria na Constituição, tendo que o verdadeiro direito civil constitucional se dá
como a aplicação de regras constitucionais para a solução com a constitucionalização do direito civil em sentido estri-
de problemas da responsabilidade civil. Por exemplo, pri- to (aplicação de regras constitucionais para solução de pro-
meiro caso, podemos citar as disposições dos incisos V e X blemas típicos de direito civil), porque é inerente às
do artigo 5°, e par. 6° do artigo 37, da CF/88: são regras Constituições modernas a positivação de regras de todos os
típicas de responsabilidade civil, ordenando a reparação ramo do direito.
dos danos extrapatrimoniais e a responsabilidade civil das Outro movimento típico dessa constitucionalização é a
pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço modificação do centro principal da responsabilidade civil.
público, mas regras essas que estão não em texto do Código Quando é estudada pela ótica da Constituição, da constitu-
Civil ou legislação especial, e sim na Constituição. Do se- cionalização do direito civil, o ponto central é a pessoa hu-
gundo caso - regras de direito constitucional que podem mana e, sendo assim, os danos causados contra a pessoa

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humana passam a ser alvo da máxima importância, exigin- o encontro desses pontos, e entende que só a Constituição
do que sejam reparados de forma exemplar. Ou seja, en- pode trazer elementos suficientes para isso, colaborando,
quanto a responsabilidade civil, na ótica privatística, apre- portanto, também para o desenvolvimento do direito civil
senta-se com a culpa e o patrimônio como elementos cen- constitucional.
trais, utilizando-se a constitucionalização da responsabili- Por fim, devemos tecer pequenas considerações sobre a
dade civil, percebemos que os elementos centrais passam a estrutura do presente trabalho.
ser a pessoa humana -sua dignidade - e os danos causa- Enquanto no primeiro capítulo se buscará a delimitação
dos à pessoa humana. Esse movimento é claro se se consi- do tema, sua justificação e a metodologia utilizada, no se-
derar a despatrimonialização do direito civil e a importân- gundo teremos algumas considerações sobre o fundamento
cia a que a pessoa humana é elevada no texto constitucio- para a responsabilidade por danos causados à pessoa huma-
nal. Considerada a Constituição, não há dúvida: a pessoa na, ou seja, a dignidade humana e sobre a claúsula geral de
humana é o valor máximo de nosso ordenamento, e a Cons- proteção da dignidade humana presente também na Cons-
tituição, por si só, como texto maior, exige a sua proteção tituição brasileira.
efetiva e a mais ampla possível, e também a interpretação Ainda, discutiremos como, diante de uma necessária
de todas as demais normas do ordenamento- i.e., até o interligação entre Direito Civil e Constituição, se instaura-
Código Civil -conforme a Constituição. ria o debate pela reparação no cotejo dos direitos funda-
Por sua vez, a consideração do centro da responsabilida- mentais e dos direitos da personalidade.
de civil como o dano à pessoa humana, justificaria já a ado- Com o fito de aclarar a questão dos elementos da inte-
ção em nosso direito da expressão Direito dos Danos, típica gridade da pessoa humana, buscaremos estudar as integri-
do direito anglo-saxão e nos países de língua espanhola, e dades moral, física e psíquica, que acabam por fundamen-
não por mera questão morfológica, mas sim porque a ques- tar a reparação dos danos causados à pessoa humana de
tão da responsabilização das partes pelos eventos danosos forma autônoma para os danos moral e estético.
causados passa a figurar em segundo plano para o estudo da No terceiro capítulo, tentaremos apontar as espécies
matéria, os danos, sim, passam ao primeiro plano, antes, típicas em que podem ser classificados os danos extrapatri-
como requisito simplesmente para a reparação, e, agora, moniais contra a pessoa humana, danos morais, estéticos e
como fim principal que deve ser buscado: a efetiva prote- psíquicos, bem como lançar considerações sobre a impor-
ção e reparação dos danos causados à pessoa humana. tante questão da legitimidade para o pedido desses danos.
Aqui, voltaremos muitas vezes a esses temas, a consti- Como o ponto central desse trabalho é o dano estético,
tucionalização do direito civil, direito civil constitucional, maior importância se dará ao estudo dessas formas de da-
direitos fundamentais e direito civil, responsabilidade civil nos para o caso de ofensas à integridade física, e assim do
constitucional, dignidade humana, importância do dano seu pedido e legitimidade.
causado à pessoa humana, pelo que, a título de introdução, Chegamos ao quarto capítulo, que trará os elementos
eram, entretanto, necessárias as referências a esses temas para o estudo do dano estético e sua independência do
para compreensão de que este trabalho e busca justamente dano moral. Teremos o importante ponto sobre os requisi-

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tos do dano estético e do arbitramento de sua reparação.
Ainda, será tratada a importante questão do dano biológi-
co, indenizado pela jurisprudência brasileira como dano es-
tético, apesar das diferenças entre essas duas espécies de
danos extrapatrimoniais.
Uma vez já tratada a classificação dos danos moral e
CAPÍTULO 1
estético e a independência dos mesmos, no capítulo quinto
faremos um esboço sobre a reparação do dano estético com
fundamento no direito fundamental à saúde, ou seja, a uti- DANOS PESSOAIS E DIREITO CIVIL
lização direta de regra constitucional para caso de direito CONSTITUCIONAL
civil, estudando a aplicação dos direitos fundamentais en-
tre particulares e, ainda, do direito fundamental à saúde
para esse fim.
No capítulo sexto, trataremos das principais correntes
doutrinárias e jurisprudenciais sobre a questão da autono- l.l. Relevância, justificativa e o Direito Civil
mia e cumulação dos danos morais e estéticos. Com efeito, Constitucional
a maior parte da doutrina entende pela impossibilidade de
cumulação desses, enquanto a jurisprudência do STJ é pa- O presente estudo visa contribuir com a reparação dos
cífica sobre o tema, admitindo plenamente a cumulação . danos extra patrimoniais (danos moral e estético), impor-
Outrossim, forçoso será o estudo dessa questão no novo tando em uma sensível modificação na questão da respon-
Código Civil, e também das suas principais disposições de sabilidade civil dos danos causados por ofensa à integridade
responsabilidade civil. física da pessoa humana.
No capítulo sete, o último, temos a conclusão deste Apesar da cumulação dos danos morais e estéticos já ser
trabalho, com a comprovação da reparação dos danos pes- assunto de discussão - de sua possibilidade ou não - na
soais por elementos de doutrina e de regras constitucionais prática de nossos tribunais, assiste-se ao uso indiscrimina-
aplicáveis, buscando sintetizar os elementos principais da do dos termos, sendo, muitas vezes, concedida a cumula-
pesquisa realizada. ção sem qualquer critério, o que leva, em outras, à sua
Da análise de sua estrutura, percebe-se que se buscou negação, por motivos que escapam ao direito.
no presente trabalho o empenho com seus principais te- Assim sendo, a presente teoria demonstra a possibilida-
mas, a reparação dos danos extrapatrimoniais, o estudo das de, diante do ordenamento brasileiro, da reparação autôno-
conseqüências dessa aplicação para a responsabilidade ci- ma dos danos moral e estético, principalmente com vistas à
vil, e sua prática, a reparação dos danos pessoais. interpretação do direito civil conforme a Constituição, vez
que é de uma interpretação dos direitos fundamentais pos-
tos na CF/88, e de sua aplicação entre particulares, que se

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retira o real fundamento para a cumulação dos danos moral Assim sendo, o segundo fator, em suma, a contar nesta
e estético. justificativa é uma nova fundamentação para a cumulação
Só pelo referido, a relevância do estudo da reparação dos danos moral e estético na reparação civil dos danos à
dos danos causados à pessoa humana já justificaria o traba- pessoa humana, tendo em vista a utilização de um método
lho. Entretanto, outros fatores contribuem para a escolha. particular de estudo do direito civil, que é a sua interpreta-
O primeiro fator de relevância e justificativa é que, ção conforme a Constituição- remetendo à dita corrente
apesar de já constar a discussão da reparação autônoma dos teórica do direito civil constitucionaf.3
A idéia de um direito civil constitucional coincide com
danos moral e estético em nossa jurisprudência, há peque-
a interpenetração do direito público e direito privado, der-
na consideração de nossos juristas sobre esse tema, salvo
rubando a grande dicotomia, que é movimento inafastável
raras e dignas exceções, e nenhuma tratando do tema da
no direito moderno, bastando lembrar os momentos do di-
forma que aqui será esboçada, principalmente, buscando reito que Norberto Bobbio chama de publicização do direi-
unificar a fundamentação da reparação dos danos extrapa- to privado e privatização do direito público. 4
trimoniais. 1
Assim, outro fator de importante consideração, no que
tange à relevância do tema escolhido, diz respeito à neces- 3 Nesse sentido, sobre direito civil constitucional, v., MORAES ,
sidade de fundamentação de tal posição - da cumulação. Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional.
Revista da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica
Como dito, entre as exceções, destaca-se o trabalho em do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. I, p. 59 ss. I99I; TEPEDINO,
fundamentar a cumulação dos danos moral e estético reali- Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direi-
zado pela Professora Teresa Ancona Lopez, e isso encon- to civil. In: ___ . Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
trando fundamento numa necessária releitura do direito I998. p. I e ss.; PERLING IERI, Pietro. Tendence e metodi de !la ciuílis-
civil conforme a Constituição. 2 tica italiana. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiene, I979. p. 39 ss., e p.
I27 ss. ; ARCE FLÓREZ-VALDÉS, Joaquim. El derecho civil constitu-
Entretanto, não discordando da eminente Teresa Anco- cional. Madrid: Civitas, I986. p. 38 ss. ; Sobre a interpretação confor-
na Lopez, vez que certa está essa jurista ao encontrar na me a Constituição, dentre outros, v., BARROSO, Luís Roberto. Inter-
CF/88 o fundamento para a cumulação na proteção do "di- pretação e aplicação da Constituição. São Paulo : Saraiva, I996 . p. I7 4
reito à imagem", tem-se aqui que a fundamentação para a ss.; no direito comparado, sobre a origem do método da interpretação
cumulação deve ser erigida a partir da aplicação do direito conforme a Constituição, v., ENG ISCH, Karl. Introdução ao pensa-
mento jurídico. Trad. de João Baptista Machado. 7. ed. Lisboa: Calous-
fundamental à saúde entre particulares, nas relações civis, te Gulbekian, I996. p. I4 7 ss.; ainda sobre essa forma de interpretação,
como a responsabilidade civil. v., LARENZ , Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. de José
Lamego. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1997. p. I68 ss.; HESSE,
Konrad. Escritos de derecho constitucional. Seleção, tradução e introdu-
Como acima referido, com fundamento em uma interpretação do ção de Pedro Cruz Villalon. 2. ed. Madrid: Centro de Estudios Consti-
direito civil conforme a Constituição. tucionales, 1992. p. 50 ss.; e MÜLLER, Friedrich. Discours de la mé-
2 Em LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade ci- thode juridique. Trad. de Olivier Jouanjan . Paris: PUF, 1996. p. 120 ss.
vil. 3. ed. rev. e atual. com o Código Civil de 2002. São Paulo: Ed. 4 BOBEIO, Norberto. Estado, governo e sociedade. Trad. Marco Au-
Revista dos Tribunais, 2004 . p. 125-127. rélio Nogueira. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1990. p. 20 ss.

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E é nesse cenário que a Constituição surge, e age, como Para tanto, basta notar que o Código Civil de 1916
forma unificadora do direito moderno, seja através do ne- remonta ao início do século e que suas discussões foram
cessário cotejo do direito público e privado à Constituição, travadas, notadamente ao clamor da concepção social do
interpretação conforme a Constituição, seja através da for- século passado. 7
mação de um novo direito, o direito civil constitucional. Para não se olvidar que uma interpretação do direito
A principal conseqüência dessa nova forma de ver o civil pode ser realizada apenas com base em seu diploma
direito é a substituição da adoção da interpretação sistemá- maior e legislação esparsa- ou seja através de uma preten-
tica, como corolário de uma "interpretação mais correta e sa interpretação sistemática - , lembremos que o CC/16
eficiente" 5, pela interpretação conforme a Constituição, tratava, do artigo 278 ao 311, ou seja em 33 artigos, sobre
notadamente, no direito brasileiro, por ser um texto de lei o regime dotal, o qual não abarca, podemos alinhavar, ne-
mais condizente com o ideal de proteção da dignidade hu- nhum regime matrimonial de bens nos dias atuais, e apenas
mana.6 dos artigos 1.537 ao 1.553, ou seja, 16 artigos, quanto à
liqüidação dos danos por ato ilícito 8 , pelo que o CC/16

5 O termo é colocado em destaque já que, apesar de visto tal modo


como o mais utilizado e principal método de interpretação para muitos 7 Neste trabalho se discutirá do novo Código Civil. Desde já, mister
impossível se falar que um modo de interpretação é mais correto 0 ~ salientar que aqui, quando se fala que o Código de 1916 não é tão atual,
mais eficiente que outro, e sim que todos devem agir de forma unívoca não se quer defender a posição da necessidade de um novo código
no sentido da aplicação do direito. Nesse sentido, v., ENGISCH, Karl. tão-somente por causa do tempo. O Código Civil de 2002 tem suas
op. cit., p. 145. origens na década de 1960 e mesmo assim é o "novo código civil".
6 , . E sem ?ú:'ida alguma outra grande conseqüência é a interpretação 8 Comparando tal alusão no CC/02, o novo Código trata do regime
cntiCa do direlto ovil e mais sensível à realidade. No Brasil, é expoente de bens entre cônjuges do art. 1.639 ao art. 1.688, prevendo apenas os
dessa forma de interpretação do direito civil, o Prof. Luiz Edson FA- regimes de (i) comunhão parcial de bens- que continua send~ ~ reg~a
CHIN; São de leitura obrigatória aos estudiosos do direito civil con- geral -, (ii) comunhão universal, (iii) o novo "regime de partlCipaçao
temporâneo: FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio final nos aqüestos" - que consiste, basicamente, conforme os arts.
mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, e sob sua coordenação Repen- 1.672 e ss., no regime pelo qual cada cônjuge possui patrimônio pró-
sando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de prio, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, dir~itoà
Janeiro: Renovar, 2000; Neste último trabalho, p. 318-319, são bastan- metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constanoa
te pertinentes e verdadeiras as palavras de FACHIN: "Há um vazio na do casamento, integrando o patrimônio próprio de cada cônjug_e não só
doutrina civilística brasileira, que vai do desconhecimento à rejeição de 0 que vier a constituir durante o casamento, mas o que possUia antes,
novas idéias, e quando tênues construções metodológicas se avizinham bem como a administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge -,
das atividades de estudo, a técnica engessada das fórmulas acabadas e (iv) separação de bens; portanto, não há mais o regime dotal no
torna a tentativa um tema perdido no ar. Isso tem uma razão de ser. CC/02. A responsabilidade civil, no CC/02, pode ser encontr~da nos
Recusar essa direção e contribuir para a sua superação significa reco- arts. 11 a 21 (disposições referentes aos direitos da personalidade),
nhecer que a consciência social e mudança integram a formação jurídi- arts. 186 a 188 (disposições referentes aos atos ilícitos), art. 206, § 3°,
ca. Representa, ainda, um compromisso com o chamamento à verdadei- inc. V (que trata do prazo prescricional de três anos para a pretensão de
ra finalidade o ensino e da pesquisa jurídica, um desafio que questio- reparação civil), arts. 402 a 405 (que tratam das perda: e ?anos),~ arts .
na." 927 a 954 (que tratam especificamente, em título propno do Cod1go,

lO ll
lutava contra a nova ordem jurídica, ditada primordialmen- Assim, se as regras ordinárias de direito civil se encon-
te pela Constituição, que, conforme Karl Larenz, passou a tram em descompasso com a realidade que nos cerca, nada
regula~ outras situações que não meramente as relações mais lógico e jurídico que interpretá-las conforme a deter-
estatms, mas também outras tipicamente da órbita pri- minada regra que reflita com mais fidelidade os anseios da
vada.9 sociedade, a Constituição. 11 Isso porque a Constituição é o
Essa nova ordem jurídica está basicamente posta na único diploma que contém os fins e finalidades da nação,
Constituição, vez que, para irradiar a sua força normativa e refletindo a "vontade geral", vontade essa que está expres-
supremacia, elemento necessário para a interpretação con- sa nos valores, para tanto, cravados na mesma, já que esta,
forme a Constituição, deve refletir a realidade social como sobredito, deve ser o reflexo da sociedade. 12
atual. 10 Exemplo claro de Constituição recebendo os influxos
da sociedade -na órbita do direito civil - , foi a declara-
sobre a obrigação de indenizar e das principais formas de indenização);
ção da reparação ampla do dano moral na CF/88, positivan-
portanto, percebe-se que o tratamento da responsabilidade civil rece- do até uma clara tendência jurisprudenciaP 3 .
beu mai.o r atenção no CC/02 do que no antigo Código. Apesar de Assim sendo, em seus princípios, a Constituição reflete
desatualizado o CC/16, não por isso era forçosa a sua reforma e nem qual o regramento e os direitos que julga a sociedade como
g~andes_ passos se dará na matéria com o CC/02, já que as grandes impostergáveis, e tais reclamos, em tese, refletem-se no
d1scussoes do tema- como a grande celeuma da quantificação do dano
moral, por ex.empl?- continuam sem resposta. A jurisprudência, com
legislador constituinte, que representa e positiva aqueles,
certeza, c~~tmuara. a ser a grande fonte do direito no que se refere à servindo nitidamente como guias de interpretação de todo
responsabilidade c1vil, principalmente por refletir os conflitos e ser o direito. 14
obngada a responder de forma direta as questões do tema, como é
g~an.de exe~~lo a reparação do dano extrapatrimonial por morte, no
d1r~Ito brasileiro conquistada por avanço jurisprudencial. Uma análise 11 Nesse sentido, v., FACHIN, Luiz Edson, sobre a importância dos
mais detalhada da responsabilidade civil no CC/02 é realizada no Capí- princípios constitucionais para a interpretação do direito civil, sendo
tulo S. expresso sobre a "percepção axiológica centrada na pessoa", em pp.
9 . LARENZ,, Karl_. Derecho civil- parte general. Trad. de Miguel Iz-
188-190 de seu Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro:
qUierdo Y MaCias-Picava. Madrid: Editorial Revista de Derecho Priva- Renovar, 2001 .
do, _1978. p. 96 ss ..' sobre a importância da Constituição para a interpre- 12 Cfr. DALLARI, Dalmo de Abreu . Constituição e constituinte. 2.
taçao e desenvolvimento do direito civil, notadamente ao explicar que ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 21. e LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de
a LF- podendo-~e dizer o ~esmo da nossa CF/88- deixou de regular la Constitución. Trad. de Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel,
somente as relaçoes estatais, para regular situações típicas do direito 1964. p. 149.
p:1v~do, por exe~plo, como era a propriedade e a família, 0 que no 13 CASILO, João. Dano à pessoa e sua indenização. 2. ed. São Paulo:
direito brasileiro e claro, principalmente quanto à família, influenciada Ed. Revista dos Tribunais, 1994. p. 19 ss.; SZANIAWSKI, Elimar.
pela força dos artigos 226 ss. de nossa Constituição, os quais são alinha- Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: Ed. Revista dos Tri-
va~os neste diploma magno sob a alcunha do capítulo "da família, da bunais, 1993. p. 15 ss.; BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por
cnança, do adolescente e do idoso". danos morais. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994. p.
10 HESSE, Konrad. Força normativa.Tradução de Gilmar Ferreira 101.
Mendes . Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991. p. 26 e 32. 14 WRÓBLEWSKI, Jerzy . Constitución y teoría general de la inter-

12 13
Portanto, como salientado em relação à interpretação O Código Civil italiano foi elaborado e promulgado em
sistemática, a interpretação conforme a Constituição abar- meio ao regime fascista, e em alguns pontos reflete, portan-
ca a necessária carga social atual, qual é a força para a sua to, aquela concepção.
realização, conforme sobredito com Konrad Hesse, e, por Finda a guerra, e totalmente superada a ideologia domi-
que não, para a revitalização do direito civil.
nante naquele país à época do referido código, o processo
Outrossim, já lembramos, com Larenz, que a Consti- de atualização do direito civil italiano aos novos reclamos
tuição vem se apropriando de temas que não eram origina- da sociedade inaugurada com a democracia foi realizado
riamente tratados em seu texto, isso porque, notamos, no por um movimento, podemos chamar, de interpretação
direito civil, um processo, principalmente no 2° pós-guer- conforme a Constituição. Foi tal a influência da Constitui-
ra, conhecido como a descodifícação, ou seja, a desformali- ção no direito civil italiano, que temos forte naquele país a
zação do direito em regimentos estanques e únicos, à ma- corrente, difundida principalmente por Pietro Perlingieri,
neira do movimento codificador do século passado e início do direito civil constitucional. 17
deste, inaugurado pelo napoleônico, de 1804. 15 Uma das principais conquistas do direito civil sob a
Na Itália, tal processo se reveste de conceitos necessa- ótica constitucional é a revalorização da pessoa humana,
riamente históricos, os quais são necessários para demons- através da positivação, em nível constitucional, do valor da
trar como a interpretação conforme a Constituição supre a dignidade da pessoa humana, freqüentemente lembrado
necessidade de atualização carente do direito civil, sem a nas constituições modernas não só como direito fundamen-
necessidade de se erigir um novo Código Civi1. 16 tal, mas também como fundamento da nação, o que impor-
ta em sensível valorização. 18
Diante de tal concepção, nada mais claro que o princí-
pretacion. Trad. de Arantxa Azurza; revisão e introdução de Juan Igar- pio da ampla e total reparação do dano causado à pessoa
tua Salaverría. Madrid: Civitas, 1985. p. 49 ss. No mesmo sentido, v., humana deve ser relido, à luz da Constituição e do princí-
H ESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. Trad. e in- pio da dignidade da pessoa humana, como valor supremo
trodução de Ignacio Gutiérrez Gutiérrez. Madrid: Civitas, 1995. p. 84,
e PERLINGIERI, Pietro. op. cit., p. lO I ss., e também no seu Il diritto
do direito, "valor dos valores" para Perlingieri 19 , para que
civile nella legalità costituzionale. 2. ed. Napoli: Edizioni Scientifiche
Italiene, 1991. p. 190 ss.
17 PERLINGIERI, Pietro. op. cit., p. 39 ss. e 127 ss.; v., também seu
I5 O jurista argentino Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direi- Il diritto civille nella legalità costítuzionale, cit., p. 189 ss.
to privado. Trad. de V era Maria Jacob de Fradera. São Paulo: Ed. Revis-
18 Nesse sentido, nos termos do artigo I 0 , inciso III, da nossa Consti-
ta dos Tribunais, 1998, neste livro realiza um longo estudo sobre o tema
tuição da República de 1988, elencando a dignidade da pessoa humana,
da "descodificação" e a sua "ressistematização", p. 42 -84, nos termos
como fundamento de nossa República, v., TEPEDINO, Gustavo. Te-
aqui propostos. Entretanto, a grande obra sobre o tema continua sendo
mas de direito civil, cit., p. 67. Ainda sbre a dignidade humana no
IRTI, Natalino. L'età della decodificazione. Milano: Giuffré, 1976. p. 9
ss. direito brasileiro e a necessária "repersonalização" do direito civil, v.,
FACHIN, Luiz Edson, Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de
16 Essas anotações são de valia também para uma análise do Código Janeiro: Renovar, 2001, pp. 190-193.
Civil brasileiro de 2002.
19 PERLINGIERI, Pietro. La personalità umana nell'ordinamento
14
15
toda e qualquer interpretação, tendo em vista a proteção sas à integridade física da pessoa humana, demandando
da pessoa humana, seja realizada para que se busque a sua uma especial atenção do aplicador do direito, com vistas a
integral satisfação, já que sempre deve prevalecer a inter- criar mecanismos eficientes de proteção da pessoa.
pretação que for mais benéfica aos direitos- v.g., os fun- Assim, é prova o advento do maquinismo, e nsejando
damentais- consagrados constitucionalmente 20 . um número cada vez maior de acidentes - v. g. de trabalho
Assim sendo, o direito civil não pode mais ser visto - , mutilando diversas pessoas todos os anos - o Brasil
como um bloco autônomo, sem qualquer influência de ou- ostenta o triste título de campeão mundial de acidentes do
tros ramos do direito, pelo que a sua aplicação, hoje, passa trabalho-, levando ao desenvolvimento de teorias objeti-
por uma necessária "releitura" através da Constituição 21, vando a plena e ampla reparação do dano causado à pessoa
seus princípios, seus valores, sua opção e modelo de socie- humana.
dade de que promana, gerando um direito civil mais próxi- Por tal razão, a questão da cumulação de tão largos pas-
mo do ideal preconizado desde Roma, um direito cujos sos te m desenvolvido, mas sem o devido tratamento: da
mandamentos eram viver honestamente, dar a cada um o busca de respostas ao crescente questionamento dos ins-
que é seu e não lesar outrem, ou seja, um direito civil que trumentos de reparação dos danos causados à pessoa huma-
volte a ser o direito do cidadão, um direito mais equilibra- na . Vez que se trata de assunto diretamente ligado a valor
do, o direito da pessoa humana como seu valor supremo 22 . de importância sem nomeada - a pessoa humana - , a
Tal ideal é que serve de suporte- e método- para se reparabilidade dos danos extrapatrimoniais é tema de rele-
alcançar a reparação dos danos moral e estético, com fun- vância ímpar para a ciência do direito.
damento em uma leitura do direito civil conforme a Cons- Certamente, quando os Mazeaud disseram que a res-
tituição, notadamente, no direito fundamental à saúde ponsabilidade civil era a grande "vedette " do direito civil
aplicado entre particulares, e não tão-somente, como tradi- mundiaF 3 , não sabiam que tal ramo do direito iria se desen-
cionalmente visto, como direito a políticas públicas. volver da forma como o fez nas últimas décadas, principal-
O terceiro fator de relevância, é constituído pela im- mente no que tange à reparabilidade dos danos extrapatri-
portância do tema diante dos novos rumos da sociedade moniais, e assim, porque tem exigido constantes e diutur-
moderna, do crescente número de hipóteses a ensejar ofen- nos trabalhos dos juristas para acompanhar o necessário
caminhar que a sociedade -demanda - a busca da pl ena
reparação.
giuridico. Napoli: Scuola di perfezionamento in diritto civile deli 'Uni- Ora, se a grande "vedette" do direito civil é a responsa-
versità di Came rino; Jovene, 1972. p. 22 . bilidade civil, a temática da reparação cumulável dos danos
20 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Funda·
mentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Ed., 1991. p. 143-144.
21 Inclusive esse é o t e rmo utilizado por PERLING IERI, Pietro . Ten- 23 Apud LOPES , Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: fon -
denze e metodi della civilistiva italiana, cit., p. 39 ss. t es acontratuais das obrigações. Responsabilidade civil. 4. ed. rev. e
22 Com PERLING IERI, Pietro. La personalitá umana nellordina- atual. por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995 .
mento giuridico, cit., p. 21-22. v. 5, p. 167.

16 17
moral e estético, diante da discussão que aflora na ciência soCiais e econômicas, e onde as classes menos abastadas
do direito, dispensa maiores comentários para sua relevân- acabam por entender o Judiciário e o Direito como falsas
cia e escolha -justificativa, vez que aqui se propõe trazer esperanças, seja pela morosidade do primeiro, seja pela "in-
à colação uma fundamentação digna a abarcar a principal justiça" por vezes do segundo, merece dos aplicadores do
questão da tutela da pessoa humana: a proteção de sua direito maior atenção ao texto constitucional e a percepção
integridade psicofísico. de que há fins que devem ser buscados, e assim que a inter-
Entretanto, não se deve confundir a mera transposição pretação e aplicação de todo Direito deve se pautar pelo
de dispositivos constitucionais ao Direito Civil, na busca de cumprimento de tais fins da nação. 25 Assim, sob pena de se
soluções para os seus conflitos, e que, assim, já basta para transformar a erradicação da pobreza, a diminuição das de-
se coadunar com uma interpretação conforme a Constitui- sigualdades e a promoção da dignidade humana, como pre-
ção, ou até mesmo conforme os novos rumos do Direito visto em nossa Constituição, em meros dizeres sem qual-
Civil Constitucional. A Constituição possui maiores ele- quer importância para a aplicação do Direito como um
mentos em seu aspecto material do que no formal a ajudar todo e também para cada cidadão, deve-se utilizar meca-
o aplicador do Direito. Nesse sentido, a preocupação no nismos como a interpretação constitucional dos direitos
estudo e desenvolvimento do conceito de dignidade da fundamentais, prevalecendo sobre as normas ordinárias e
pessoa humana e de suas implicações para o Direito Civil. interpretando-os da forma que lhes for benéfica e ampla,
Quando se propõe a aplicação dos direitos fundamen- de forma a permitir a plena reparação dos danos causados,
tais entre particulares para fundamentar o dever de repara- que é claramente um momento de promoção da dignidade
ção civil, e deste modo, o surgimento de um direito funda- da pessoa humana.
mental atípico de reparação dos danos causados à pessoa Verdade há que ser dita: a grande maioria dos aciden-
humana, não se propõe tão-somente a justaposição do arti- tes, e assim os casos julgados em sede de responsabilidade
go da Constituição ao caso em julgamento e seu uso como civil, acabam por vitimar as pessoas menos abastadas, de
razão de decisão pelo juiz. Mister do aplicador, mais do que classe mais baixa. Assim, acidentes de ônibus, de trem, de
o formalismo usual que hoje impregna principalmente a trabalho, ou seja, a maior parte dos casos de dano moral e
responsabilidade civil, é ver que a solução dos conflitos principalmente de dano estético, afetam pessoas humanas
atuais não pode mais ser alvo de singelas respostas como a que dependem de sua higidez física para o seu sustento. Ou
exemplificada. 24 Um país com tão grandes desigualdades
seu "Virada de Copérnico": um convite à reflexão sobre o Direito Civil
24 Ou utilizando as palavras de Luiz Edson FACHIN: "Pensar longe brasileiro contemporâneo. In FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repen-
da mera exegese. Distante da superficialidade como não fizeram os ba- sando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de
charéis de então que nos primeiros anos do século se dedicaram a um Janeiro: Renovar, 2000.
verdadei~o "torneio de mandarins" em torno da redação de uma lei, 25 Para um completo estudo das desigualdades regionais no Brasil e as
como o foz com o projeto do Código Civil, pouco importando realmente 0 respostas da Constituição para esse desafio, v., BERCOVICI, Gilberto.
conteúdo, dando valor ornamental à inteligência, ao talento como pen- Desigualdades Regionais, Estado e Constituição . São Paulo: Max Limo-
da, numa erudição desinteressada e descomprometida. ", em p. 322 de nad, 200, principalmente em pp. 291-305.
18
19
seja, a ofensa à sua integridade física, na ocorrência de dano Portanto, o discurso por um Direito Civil Constitucio-
estético, quando elimina ou limita a sua capacidade de tra- nal não deve parar na aplicação das normas constitucionais
balho, exige resposta pronta e o mais breve possível por para questões antes vistas como típicas de .Direito C~vil: e
parte do Judiciário e do Direito, sob pena de vindo tarde
I I apenas abarcadas pelo Código Civil. A releitura do Dtreit,o
não servir mais ao ofendido. Se os problemas de política Civil conforme a Constituição deve se pautar pelo necessa-
judiciária não cabem no corpo do debate aqui travado, já à rio influxo dos ideais norteadores da ideologia constitucio-
Responsabilidade Civil cabe sim o seu debate e o alcance nal escolhida, dos fins da nação, dos direitos fundamentais,
de soluções mais conformes aos fins preconizados na Cons- ou seja, da vontade do povo que se reflete na Constituição
tituição .
e que deve ser observada obrigatoriamente em .to?os ~s
O que se quer dizer é que na medida em que a Respon- momentos de aplicação do Direito, e assim do Direito CI-
sabilidade Civil se preocupa com os destinatários finais de vil.
suas normas, as vítimas e os ofensores, deve-se sopesar que Com a promulgação de um "velho Novo Código Civil",
do lado das vítimas estão pessoas humanas que foram ofen- cujo melhor destino seria ser vetado, nos dizeres de Gust~­
didas no bem jurídico de maior relevância - integridade vo Tepedino 27 , a releitura do Direito Civil à luz da Const!-
da pessoa humana, e que do outro lado estão ofensores que tuição assume vital importância, principalmente, em mate-
devem reparar o dano da forma mais condizente com a ria de Responsabilidade Civil, onde se viram poucos avan-
gravidade do bem ofendido. Assim, se não podem ser utili- ços e poucas respostas para as mais tormentosas questões.
zadas as normas de Responsabilidade Civil na busca de re-
dução das desigualdades sociais e econômicas - a repara-
ção não pode servir para enriquecimento da vítima, o cum- 27 Em "O novo Código Civil: duro golpe na recente experiência cons-
primento desse fim pode ser ao menos analisado na busca titucional brasileira", In Revista trimestral de direito civil, v. 7 Uu-
lho/setembro 2001), Rio de Janeiro: Padma, 2000, p. iv, Gustavo TE-
de soluções mais dignas, pela atenção que merece essa par- PEDINO é incisivo: ··o novo Código nascerá velho principalmente por
cela maior da população brasileira, e assim da reparação não levar em conta a história constitucional brasileira e a corajosa ex-
mais ampla possível. 26 periência jurisprudencial, que protegem a personalidade hum~n~ ma~s
que a propriedade, o ser mais do que o ter, os valore~ exzstencza zs mms
que os patrimoniais. E é demagógico porque, engenhezro de obras fez tas,
26 Ou seja: o Direito não deve fechar seus olhos à realidade. Nesse
pretende consagrar direitos que, na verdade, estão tutelados em nossa
sentido é FACI-IIN , Luiz Edson, Estatuto jurídico do patrimônio míni- cultura jurídica pelo menos desde o pacto político de outubro de 1988':;
mo, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 255: "O Direito não é imune aos completando em p. v: "Incontáveis são os exemplos que, nos 2.035 art~­
fatos e nem se basta em si mesmo. Sem perder a condição de locus gos do projeto, retratam o descompasso entre o texto aprovado e a realz-
privilegiado para a proteção jurídica das_ relações sociais, abre-se para dade social. Do Presidente da República espera-se o gesto nobre, que o
o tempo, o espaço e as circunstâncias. E científico sem deixar de ser fará entrar para a História como um grande estadista: o veto integral ao
essencialm ente ideológico e é revelador de premissas políticas mesmo projeto. Se isto não acontecer, ao Judiciário incumbirá a espinhos~ ta~e­
quando proclama suposta imparcialidade ." E especialmente em p. 282: fa de temperar o desastre, aplicando diretamente o Texto Constztucw-
"Reconheceu-se a necessidade de uma leitura interdisciplinar do Direi- nal, seus valores e princípios, aos conflitos de direito civil, de modo a
to, que vincule a lei à realidade." salvaguardar o tratamento evolutivo que tem caracterizado as relações
jurídicas do Brasil contemporâneo."
20
21
da como um dado objetivo correspondente ao _estar dife-
Em suma, a jurisprudência, que sempre se caracterizou por 7
ser a grande manjedoura da Responsabilidade Civil, conti- rente do que antes do evento origem da deformidade .
nuará a desempenhar papel fundamental na aplicação desse (v) O sentimento por deformidade oca:i?na~a pode ou
campo do Direito, e assim deverá se nortear pela Consti- não gerar um sofrimento dependendo da vitim_a. .
tuição, que vem oferecendo várias respostas a partir de sua (vi) Não é verdade que a deforn:id_a de ocasiOnada mde-
aplicação. Nesse sentido, o exemplo maior no caso brasilei- pende de qualquer apreciação subJetiva para s_e~ atestada
ro é a reparação do dano moral aceita de forma plena a como um dano - estar diferente do estado ongmal - na
contar da Carta de 1988, a teor do artigo 5°, incisos V e X. pessoa humana? . _ . .
Assim sendo, com vistas ao cumprimento dos fins pro- (vi i) Não seria contrário à cons1deraçao da d1gmdade da
postos na Constituição é que se busca a plena e integral pessoa humana _ e assim de um de seus elementos, a
reparação dos danos causados à pessoa humana, claramente integridade física- não obrigar o ofensor a reparar a defor-
uma atitude de cumprimento do fim de promoção da dig-
midade corporal que ocasionou a uma pessoa, p~rque essa
nidade da pessoa humana, e, por outro lado, erigindo como
fundamento da Responsabilidade Civil um direito funda- vítima não sofre -psicologicamente -pela lesao que lhe
mental de reparação dos danos causados à pessoa humana, foi acarretada? . .
ofendida em sua dignidade humana, contribui-se para o A todas essas perguntas as respostas são únicas e mdl~-
desenvolvimento do Direito Civil Constitucional, necessá- cutíveis à luz do que o cientista do direito observa da reab-
rio e forçoso para a conquista de uma sociedade mais justa. dade. . ..
0 dano moral possui natureza subjetiva -legitimidade
e ocorrência que dependem de análise casuíst~c~, ~nquanto
1.2. Problemática da reparação do dano pessoal
0
dano estético possui natureza objetiva - legrtwuda~e. so-
mente da vítima e ocorrência sempre que ocorrer modrfrca-
(i) O sentimento que experimenta uma pessoa ao ver ção na integridade física da pessoa humana.zs
seu nome inscrito indevidamente em cadastro de inadim-
plentes é o mesmo que experimenta uma pessoa que tem TABELA DE NATUREZA DOS DANOS MORAL E ESTÉTICO
uma perna amputada?
(ii) O sentimento que experimenta uma pessoa ao ter Qualificação do dano Natureza do dano
suas malas extraviadas, em um aeroporto, é o mesmo que Dano moral Subjetiva (juiz, análise caso a caso)
experimenta uma pessoa que sofre uma grave deformidade
Dano estético (e biológico) Objetiva (perícia, modificação na integridade física)
corporal?
(iii) A dor por que passa uma pessoa ao perder um ente
querido é sentimento igual, da mesma intensidade e forma,
em todas as pessoas? POGLIANI, Mario. Dal sistema risarcitorio tradizionale a quello
28
(iv) A deformidade corporal pode ser alvo de aprecia- ·mnova t 1vo.
' In·. IL DANNO biologico ' patrimoniale, morale. 2. ed. Ml-
ção do ponto de vista do belo e do feio? Pode ser considera- !ano: Giuffre , 1995. p. 27-28.
23
22
Assim sendo, do questionamento acima, é claro à práti- RELAÇÃO JURÍDICA DE RESPONSABILIDADE CIVIL
ca do aplicador do direito que as ditas situações de dano
moral possuem uma natureza diferente das referidas situa- Elementos da relação jurídica de bem juridicamente tutelado
ções de dano estético. 29 reparação civil
ação ou omissão do ofensor
Portanto, não se deve tratar de danos nitidamente dife-
rentes da mesma forma. evento danoso
Assim, em suma, esta teoria demonstra (i) as diferenças norma jurídica de reparação
dos danos extrapatrimoniais (moral, estético-biológico e
psíquico), não considerando mais o dano estético como es- nexo causal
pécie do moral, como boa parte da doutrina considera, e
(ii) a cumulação dos mesmos advindos de um só evento, O elemento ação-omissão do ofensor encerra o est~do
isto é, do direito à reparação independente e cumulável por da teoria da culpa, e por conseguinte, o dever de mder:Iza~
danos moral e estético ocasionados no mesmo ato danoso. considerando as teorias subjetiva e objetiva, o que nao e
Para alcançar tai s conclusões, parte-se do pressuposto alvo deste estudo.
de que todo direito à reparação tem origem numa relação Já o elemento evento danoso diz respeito ao estudo das
jurídica especial- relação jurídica de responsabilidade ci- situações que dão origem ao dever de reparar, e assim visa,
vil, onde se tem, em regra, como elementos (i) bem juridi- dentre outros, ao estudo da teoria das excludentes d e res-
ponsabilidade, que também não é o alvo do presente traba-
camente tutelado ofendido, (ii) ação-omissão do ofensor,
lho · e 0 estudo do nexo causal entre os elementos, da mes-
(iii) evento danoso, (iv) norma jurídica de reparação, qu e
rna,forma, dá origem a estudo que foge do terna da autono-
enseja o dever de reparar o dano causado conforme o bem
mia dos danos moral e estético. _
juridicamente tutelado, e (v) nexo causal entre esses ele-
mentos. 30 Porém, os elementos norma jurídica de reparaçao e
bem juridicamente tutelado são pontos relev_antes_ neste_es-
tudo, isto porque se demonstrará que as Situ~çoes_ acima
29 Aqui se utiliza a expressão dano estético como também para a
cxemplificadas ocorrem- aclarando uma sens_Ivel diferen-
hipótese de dano biológico. No 4° Capítulo se tem parte dedicada à ça entre os danos moral e estétic? ~ por~u~ t~Is el_emento~
questão do dano biológico que dife re do dano estético. Aqui, resumida- da relação jurídica de responsabilidade CIVll sao d1fere~tes
mente, pode-se dizer que ambos são casos de dano por ofensa à integri- nas hipóteses de danos moral e estético, o que leva a d1t~r
dade física. Entretanto, enq uanto o dano estético é ofensa que causa a autonomia dos mesmos, uma vez que para cada re~aç~o
enfeamento e é normalmente visível a todos, é uma ofensa externa na
jurídica de responsabilidade civil corresponde um dtrerto
integridade física (como uma cicatriz no rosto), o dano biológico se
caracteriza puramente pela ofensa que gera modificação na integridade autônomo à reparação pelo dano causado. _
física, podendo ser urna ofensa a um órgão interno da vítima, que não Portanto, se ao dano estético corresponde uma relaçao
visível à sociedade (como uma ofensa que obriga a retirada do baço). jurídica de responsabilidade civil -caracterizada ~or bem
30 PADILLA, René A. Sistema de la responsabilidad civil. Buenos juridicamente tutelado e norma jurídica de reparaça? _espe-
Aires: Abeledo-Perrot, 1997 . p. 28 ss.
cíficos, diferente da relação jurídica de responsabilidade
24
25
civil que dá origem a um dano moral- também caracteri- Ora, se de costume a reparação da ofensa à integridade
zado por um bem juridicamente tutelado e norma jurídica moral -bem juridicamente tutelado - de forma autôno-
de reparação específicos, ocorridos os dois danos em um ma, na forma de reparação a dano moral, por que, na ocor-
mesmo evento, de direito a reparação autônoma e cumulá- rência de ofensa à integridade física- também bem juridi-
vel dos danos moral e estético. camente tutelado, não se pode a concessão de reparação
Nesse sentido, partindo o estudo dos bens jurídicos tu- autônoma?
telados, com vistas à proteção da pessoa humana, utilizou- Considerados de forma autônoma, como bens juridica-
se aqui como fator primordial a valorização do princípio da mente tutelados independentes, não há outro destino que
dignidade da pessoa humana, e de todos os seus elementos, não seja a de sua consideração pela reparação per se, inde-
ou seja, integridades física, moral e psíquica. pendente.
Assim, cada um desses elementos, vez que inde- Assim sendo, a primeira premissa para se chegar à con-
pendentes, merece proteção de forma autônoma contra clusão da autonomia e cumulação dos danos moral e estéti-
qualquer ofensa direta ou indireta, de forma que pode mui- co é que se tratam de bens jurídicos tutelados diferentes;
to bem ocorrer uma ofensa à integridade moral e não à enquanto no dano moral o bem jurídico tutelado é a inte-
integridade física, e assim de direito a reparação da primei- gridade moral, no dano estético é a integridade física.
ra lesão, haja vista bem juridicamente tutelado - e assim Por seu turno, como dito acima, outro elemento a que
se faz de forma diuturna em nossos tribunais .31 se deve prestar atenção neste estudo é o da norma jurídica
de reparação.
Quanto à norma jurídica de reparação, superados os
31 Como, por exemplo, no seguinte caso: "Dano moral- Indeniza-
ção - Jornal que se refere a juiz de direito como homicida, seqü estra- transtornos para a concessão da reparação do dano moral
dor e membro de gangue internacional - Exorbitância dos limites do antes da CF/88, com a positivação expressa em nosso orde-
animus narrandi -verba devida nos moldes dos artigos 51 a 53 da lei namento no art. 5°, ines. V e X, pela concessão de repara-
de Imprensa- O jornal que veicula notícia sensacionalista e verborrá- ção a título de dano moral, essa sendo a norma geral de
gica, referindo-se a Juiz de Direito como homicida, seqüestrador e reparação do dano moral em nosso direito 32 , chega-se ao
membro de gangue internacional, não levando em conta a qualificação
profissional e o cargo ocupado pelo mesmo, tirando inferências afoitas,
momento da discussão sobre se há ou não norma jurídica de
num desserviço à contribuição que a imprensa deve dar ao respeito que reparação, independente, para o caso de ofensa à integrida-
devem merecer os membros de um Poder regularmente constituído, de física, ou seja, para o dano estético.
extrapolao direito de informar e exorbita os limites do animus narran- Teresa Ancona Lopez elenca que no artigo 5°, inc. V, a
di, o que fere a honra e causa dano moral, cabendo daí a indenização CF/88 permite a reparação de três tipos de danos: mate-
prevista nos artigos 51 e 53 da Lei de Imprensa." TJSP, 9• Câm . Civil,
Ap. Cível n° 250.398.1/8-00-Campinas, Rei. Des. Franciulli Netto, j.
24.09.1996, v.u., ementa, BAASP, 2009/49-e, de 30.06.1997, RT,
735/270, janeiro, 1997, BAASP, 2078/68-m, de 26.10.1998. Como se 32 Da reparação do dano moral, após a CF/88, v., SEVERO, Sérgio.
vê, trata-se de caso de ofensa à honra, direito esse na esfera da integri- Os danos extrapatrimoniais . São Paulo: Saraiva, 1996. p. 88 e ss. e
dade moral, com concessão de reparação autônoma, sem qualquer dis- CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. rev . atual. e ampl. São Paulo:
cussão . Ed. Revista dos Tribunais, 1998. p. 52 e ss.

26 27
relação jurídica de reparação, que se trata de danos autôno-
rial, moral, à imagem; considera que a reparação material é
a concedida a título de todas as perdas patrimoniais, a repa- mos e cumuláveis. 34
ração moral pelo dano moral, tipicamente visto, e a repara-
ção "à imagem", à qual a CF/88 se refere, pode ser inter-
pretada como norma a permitir a reparação autônoma do
dano estético. 33
Se tal interpretação já encontra norma jurídica de repa-
ração autônoma para o dano estético, a presente teoria de-
monstra que há outra norma em nossa CF /88 que permite
também a proteção da integridade física: o direito funda-
mental à saúde, positivado nos artigos 6° e 196, da CF/88.
Da aplicação do direito à saúde, não só em sua face
positiva de direito às políticas públicas de promoção da
saúde, mas também em sua parte negativa, de direito-de-
ver de todos contra ofensas à saúde por outrem, pode-se,
claramente, ao aplicar esse direito fundamental entre par-
ticulares, conceder proteção à integridade física, e assim
concretizar o direito fundamental à saúde na reparação au -
tônoma do dano contra a integridade física.
Assim, se do elemento da relação jurídica de reparação
de dano a bem juridicamente tutelado se busca demonstrar 34 Para uma comparação, lembre-se, na discussão da cumulação dos
que se trata de bens diferentes, portanto também diferen- danos material e moral a consideração de que se tratam de bens JUridi-
tes a reparação do dano moral e do estético; a teoria, por- camente tutelados diferentes, um de ordem patrimonial; outro extra-
tanto, comprova que há norma jurídica de reparação para patrimonial, bem como que, após a Cf/8~, com o art. 5 , mcs. V e X~
cada um desses danos, e assim busca subsídios na Consti- com a vinda de norma jurídica de reparaçao para o dano moral , _a con
clusão da jurisprudência no sentido da possibilidade de cumulaçao d es-
tuição para essa aplicação. ses danos, inclusive com posicionamento ftrmado no STJ, v., Sum . 3~,
Desta feita, se considerarmos que se tratam de bens e acórdãos que deram origem a essa súmula . Ass1m, ?lena:nente apltca-
juridicamente diferentes -integridade moral e integrida- vel a consideração da análise dos elementos da relaçao JUndtca de repa-
de física, bem como que há normas de reparação também ração para a conclusão se reparável ou não o ~ano autonomamente,
diferentes- para o dano moral, art. 5°, ines. V e X, e para como foi 0 caso do entendimento pela cumulaçao dos danos ~atenal e
moral na jurisprudência pós-1988. O raciocínio para cun:ulaçao na re-
o dano estético, arts. 6° e 196, todos da CF /88, conclusão lação dano material _dano moral é o mesmo para a rela~ao dano moral
outra não pode ser retirada, tendo em vista a análise da _dano estético; a negação da última importa em ne~açao_ da pnm.etra ,
0
que é inaceitável; a aceitação da primeira, que e paoftca, extge a
33 Em LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., p. 125 e ss. aceitação da segunda.
29
28
CAPÍTULO 2

DA PESSOA HUMANA E DE
SUA DIGNIDADE

2.1. Da proteção da pessoa humana com fundamento em


sua dignidade

A tutela civil da pessoa humana deve partir da idéia


fundamental de que se trata do estudo da proteção do bem
jurídico de maior importância e interesse para o direito.
Infelizmente tratada de forma muitas vezes apenas formaC
a dignidade da pessoa humana assume sim uma dimensão
material e objetiva no cotidiano do aplicador do direito.
Não se pode mais aceitar que a pessoa humana, sua prote-
ção e sua dignidade sejam vistas como divagações teóricas,
ou seja, como sabor para o deleite de debates meramente
retóricos e sem influência para a solução dos problemas
que afligem a sociedade. Os danos causados à pessoa huma-
na acontecem, como já referido neste trabalho, justamente
nas camadas sociais menos abastadas e sem proteção do
Estado, e no caso ou "ocaso" brasileiro, deve-se prestares-
pecial atenção, porque, se já não bastasse não terem essas
pessoas noção de seus direitos, não conseguem também o
devido acesso para os fazer valer. Nesse sentido, a dignida-

31
de da pessoa humana deve sair da letra fria dos textos legais Constituição ao direito civil, fazendo o devido tratamento
para desempenhar papel central na proteção do bem maior de forças e contradições intrínsecas de que se reveste o
que deve ser perseguido no mundo jurídico, a própria pes- direito civil, visto como, "por definição, o direito de uma
soa humana . economia de mercado", direito esse que se baseia no para-
Por sua vez, a negação de sua importância vem ligada a digma civilístico de oposição de bens a pessoas 36 . Portanto,
dois fatores principais. O primeiro diz respeito ao triste a dignidade da pessoa humana deve ser interpretada de
esquecimento do valor da Constituição da República e do forma material com vistas a ser utilizada como instrumento
estudo do direito constitucional. Tal "esquecimento", mui- de solução de conflitos e problemas que o aplicador enfren-
tas vezes proposital, é o responsável pela falta de tratamen- tar e não meramente como palavras programáticas e sem
I
to dos estudiosos do direito civil de institutos de direito importância, considerada a sua importância máxima no or-
constitucional que podem ser usados como ferramentas na denamento jurídico.
s?lução de problemas, como é patente na responsabilidade Assim, não sem sentido que a dignidade da pessoa hu-
Civil, onde a Consti_tuição vem desempenhando importante mana é fundamento do Estado brasileiro, consoante o dis-
p~pel desci~ 1?98 3 ). ou:ro fator importante é a consagra- posto no artigo l 0 , inciso III, CF /88, o que importa em
çao de uma 1de1a lamentavel de que "direito civil é 0 direito uma revisão dos conceitos de reparação dos danos à pessoa
do Código Civil". Ora, tal limitação do direito civil a um humana, principalmente, se visto o direito à reparação do
direito de um texto básico, ou como alguns se dizendo mais dano nos termos do art. 5°, ines. V e X, CF/88, ou seja,
avançados, alocando também leis especiais, e negando 0 alocado como direito fundamental, bem como a considera-
papel centralizador e de texto fundamental da Constitui- ção de que a dignidade da pessoa humana é fator ao qual
ção, leva o aplicador ao distanciamento da realidade e do convergem todos esses direitos fundamentais Y
que a sociedade espera de suas regras; ou seja, a sociedade Nesse sentido é José Afonso da Silva, sobre as implica-
merece as respostas pelas quais escolheram seus consti- ções da sagração da dignidade humana na CF/88: "Digni-
tuintes, ~ue :ssim positivaram em um texto a vontade geral
da orgamzaçao do Estado, da sociedade, da ordem econô-
mica, dos direitos fundamentais, em suma, do direito posto 36 MEIRELES, Henrique da Silva Seixas. Marx e o direito civil: para
~a Constituição. O direito civil constitucional aqui assume a crítica histórica do paradigma civi lístico Coimbra: Coimbra, 1990, P·
Importante papel porque traz essa força normativa da 354 . A última expressão citada também é do jurista português.
37 E assim do dano estético, apli cando-se o direito fundamental à
saúde, arts. 6° e 196, CF/88. Aliás, com FACHIN, Luiz Edson. Estatu-
to jurídico do patrimô1tio mínimo, Rio de Janeiro: Ren~v_ar, 2001 '. p.
35 Aqueles que pensavam que um novo Código Civil poderia solucio- 193, "a dignidade da pessoa humana foi pela Constztuz~ao. concebzda
nar os problemas que a responsabilidade civil hoje enfrenta com a como referência constitucional unificadora de todos os dzreztos funda-
vigência do Código de 2002, perceberam que ainda os enfr~ntarão mentais", sendo expresso ao citar que nisso se deve entender todos os
bem como deverão ainda invocar a Constituição para a solução de bo~ direitos "consagrados pela Constituição", pelo que, "dentre estes, aque-
parte de suas ant1gas agruras, como se analisará em seção especial nesse les chamados de direitos sociais", como é o direito à saúde em nossa
trabalho sobre o novo Código.
Constituição .
32 33
dade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o mas também guia à interpretação do direito, e um dos prin-
conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, des- cipais momentos dessa necessária releitura do direito civil
de o direito à vida. 'Concebido como referência constitucio- é o da reparação do dano à pessoa humana, não tão-somen-
nal unificadora de todos os direitos fundamentais [obser- te sendo tratada na órbita das normas de "direito privado",
vam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dig- como, por exemplo, pura e simplesmente aplicando-se o
nidade de pessoa humana obriga a uma densificação valo- Código Civil.
rativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo- Essa releitura, entretanto, é claro, não se deve realizar
constitucional e não qualquer idéia apriorística do homem, ao passo único da positivação da dignidade da pessoa huma-
não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à na como um dos valores de nosso direito, diante do coman-
defesa dos direitos sociais, ou invocá-la para construir 'teo- do constitucional, mas é reforçada diante da interpretação
ria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a da positivação do princípio da reparação dos danos extrapa-
quando se trate de garantir as bases da existência humana'. trimoniais - direito fundamental de reparação civil ou di-
Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim asse- reito fundamental de reparação dos danos extrapatrimo-
gurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social niais, contido no art. 5°, ines. V e X, da CF/88. Os dois
visará a realização da justiça social (art. 193J, a educação princípios interagem formando um bloco único, levando à
o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercíci~ consideração de uma cláusula geral de proteção civil da
da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados pessoa humana, dando origem a uma ampla reparação dos
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo efi- danos à pessoa.
caz da dignidade da pessoa humana . "38 Os reclamos pela consideração da dignidade humana
Portanto, na medida em que a dignidade da pessoa hu- como vetor a influenciar o aplicador do direito já são senti -
mana se instaura como (i) valor supremo, (ii) unificador dos na jurisprudência, principalmente no que se refere à
dos direitos fundamentais e (iii) implica na proteção ampla proteção da pessoa com vistas a uma existência digna e do
da pessoa, com vistas à garantia de sua existência- digna, direito ao respeito à integridade moral e física; v., nesse
a questão da conceituação da proteção da pessoa humana sentido "Execução- Penhora- Incidência sobre móveis e
no direito brasileiro, expressamente no que tange ao direi- utensílios que guarnecem a residência do devedor- Inad-
to de reparação dos danos extra patrimoniais na CF /88, não missibilidade - Bens necessários à preservação da digni-
pode perder de vista que a interpretação única que se deve dade humana -Recurso improvido - Inteligência do art.
erigir é aquela que se pautar pela reparação civil dos danos 649 do CPC" 39 ; "Dano moral- Indenização- Divulga-
causados à pessoa humana da forma mais eficaz possível. ção de notícia, pelos meios de comunicação de massa, acerca
Assim, tal disposição- da dignidade da pessoa humana de enfermidade letal, incurável e traumatizante de que es-
-não implica somente diretriz a ser seguida pelo Estado, taria acometida a vítima- Violação dos direitos subjeti-
vos privados acolhidos pelo art. 5°, X, da CF- Verba de-
38 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.
16. ed. São Paulo: Malheiros Ed ., 1999. p. I 09. 39 2° TAC-SP, RT 690/121

34 35
40
vida" ; e também "Indenização- Danos morais e ofensa mana atua no contexto da reparação do dano, como primei-
a imagem -Artista que ao ser entrevistado solicita que não ra fonte de norma aplicável, indicando o dever de respeito
exponham na matéria seus defeitos físicos - Pedido não e cumprimento por parte de todos, Estado, instituições
atendido pela revista - Verba devida - Inteligência do privadas e particulares. 11
art. 5°, V da CF" 41 .
Entretanto, a aplicação do princípio da dignidade não
pode ficar limitada a estes casos indicados; 42 deve superar 2.2. Direitos da personalidade ou direitos fundamentais?
e~te estágio e partir também para um conteúdo de prote-
çao da pessoa humana, abarcando os direitos previstos na A proteção da pessoa humana, no que tange ao d ever de
~onstituição com esse objetivo, como os de proteção da reparar, trabalha com as seguintes condições: para uma
Integridade física e moral da pessoa humana. Nesse senti- ofensa a direitos patrimoniais corresponde uma reparação a
do, é que se tem o estudo dos direitos da personalidade um dano patrimonial, e para urna ofensa a direitos da per-
dos direitos fundamentais, da dignidade da pessoa humana' sonalidade corresponde uma reparação extrapatrimonial.
da integridade da pessoa humana, como elementos e mo~ Não sem razão, portanto, a doutrina que discute a repara-
n:entos de aplicação do direito necessários à efetiva prote- ção dos danos extrapatrimoniais, do ponto de vista do bem
çao da pessoa humana . Tanto assim que, conforme é claro jurídico tutelado, como sendo os direitos da personalidade.
Ingo Wolfgang Sarlet, "é justamente neste sentido que assu- Nesse sentido, é claro Cleyton Reis ao afirmar que os danos
me particular relevância a constatação de que a dignidade morais correspondem a ofensas aos direitos da personalida-
da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos de: "Podemos, pois, concluir que a reparação dos danos mo-
poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, rais se classifica de conformidade com a espécie dos direitos
de todos e de cada um, condição dúplice esta que também da pessoa agravada. "45
aponta para uma simultânea dimensão defensiva e presta-
cional da dignidade" 43 . Portanto, a dignidade da pessoa hu-
44 Ainda sobre a dignidade da pessoa humana, v., ALVES, Cleber
40 TJRJ, RT 693/198. Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana:
41 TJRJ, RT 700/144. o enfoque da doutrina social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
p. 125 e ss.; NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princí~io const!tucional
42 Sobre a importância da dignidade humana na releitura do direito
da dignidade da pessoa humana: doutrina e JUnsprudencta. Sao Paulo :
civil, v., por todos, FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo
Saraiva, 2002. p. 45 -5 0; SANTOS, Fernando Ferreira dos . Princípio
P1anovski. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e
0 cons titucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Celso Bas-
novo Códi~o Ci_vil: uma análise crítica. In: SARLET, Ingo Wolfgang . tos, 1999. p. 91-99; AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Estudos e pa-
ConstztU!çao, dzreztos fundamentais e direito privado. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003. receres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004 . p. 3-22; e GON-
ZÁLEZ PÉREZ, Jesús. La dignidad de la persona. Madrid Civita s,
43 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos 1986. p. 19 e p. 65 e ss.
fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advo-
gado Ed , 2001. p. 46. '15 Entendendo-se por essa, p. 11, e outras passagens de seu Dano
moral.
36
37
rentes à pessoa humana: não é necessário ter norma para se
. Por seu turno, Sérgio Severo possui parecer contrário, ter dir,eito ao nome, à honra, à integridade física.
pms para ele os danos extrapatrimoniais não se limitam às Entretanto, chega-se à seguinte questão técnica d~ res-
ofensas a?s direitos da personalidade: "Definir os danos ponsabilidade civil: sem norma a proteger dctermmado
extrapatnmoniais como um numerus apertus é um elemento bem jurídico (se direto da personahdade, como que. ~or
fundamental ao tratamento teórico da matéria. direito natural), como reparar o dano causado, o preJUIZO
. . R:sta afastada. a ~ontinência dos danos extrapatrimo-
pela ofensa a este bem? . ..
~laJs ~ es.fera dos dtreitos da personalidade, porém, até pela Para a resposta e seu compl eto entendimento, mister
mfluenoa da doutrina que defende tal inserção, pouco de- uma pequena digressão na história da re_rara~ão do. dano
senvolveu-se acerca da esfera não pessoal dos danos extra- moral no direito brasileiro. Por que a maJontana JUrispru-
patrimoniais. "46 dência entendia, na primeira metade do século pass~d~,
Com ef~ito, lembrando Carlos Alberto Bittar, segundo pela não reparação do dano mora,! plena n~ direito brasdeJ-
~ qual os direitos da personalidade correspondem a uma ro? Por que a constante negativa a reparaçao do dano moral
epoca, de determinada sociedade, dependendo disso sua por morte, por exemplo, caso de notória e grave ofensa?
con~eituação, s~as características e proteção 4 7 , poder-se-ia Por que somente com a CF/88 a reparação do dano moral
re~liZar o questiOnamento se tais direitos da personalidade
se tornou pacífica? _
hoJe se e ~contram definitivamente assentados, para fins de Todos sabemos que a orientação dominante p~la nao
uma efettva proteção; mais, se os direitos da personalidade reparação do dano moral antes da CF /88 se deveu à falta de
como qualidade de direito natural, não careceriam de nor~ norma expressa a conceder tal reparação . ,.
ma po~it.iva para fins de proteção, em sede de responsabili- Antes da CF /88 sustentava Wilson Mello da Silva, um
dade ovd; de que forma realizar uma proteção real da pes- dos mais árduos defensores da reparação do dano moral já
s~a hun:a.na , quando ofendido um direito da personalidade na ótica do CC/16, que: "Nós somos daqueles que acredi-
nao positlvado . tam acolhida, com limitações, por nosso direito escrito, a
. Não se trata, pura e simplesmente, de dizer que os di- doutrina da reparação dos danos morais.
reitos da personalidade carecem de positivação, isso não é A nossa lei civil a eles não se referiu em linguagem po-
verdade: os direitos da personalidade, inegavelmente pos- sitiva excluidora de qualquer dúvida, falando, por exem-
s~e~ uma carg~ int~ín~eca que carece d e qualquer po;itiva- plo, ~m danos morais, prejuízos morais, danos extrapatri-
çao., com a devt?a venta, entender que os direitos da perso-
moniais, etc. , . "48
nalidade necessttam de positivação para proteção é 0 mes- Isto, porém, não é razão para se entender o contrano .
mo que negar sua existência, haja vista toda a teoria cons- E fundamenta seu entendimento no fato de que o
truída no sentido de que se tratam de direitos inatos, ine- CC/16, ao apenas dizer a palavra "dano", no art. 159, esse

46 SEVERO, Sérgio. op. cit , p. 170. --


48 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. 3. ed. Rio
47 BITI F Carlos Alberto . Os direitos da personalidade . 2 . e d . Rio
· AR, de Janeiro: Forense, 1999. p. 485
d e Jane1ro: ·orense, 1995. p. 16-1 7.
39
38
deve ser interpretado de forma geral, pelo que "sua acep- Ou seja, diante da ausência de disposição expressa,
ção é ampla e envolve, em seu bojo, todos os prejuízos, mo- doutrina e jurisprudência se inclinavam no sentido da não
rais ou patrimoniais" 49 . reparação plena do dano moral, pelo qu e somente com a
Wilson Melo da Silva ainda traz como exemplos claros CF / 88 a reparação plena do dano moral foi alcançada,
de reparação do dano moral no CC/16 os casos previstos como sobredito.
nos artigos 1.543 (valor de afeição), 1.550 (ofensas à liber- Assim, a conclusão a que se chega é qu e a relação de res-
dade) e 1.54 7 (calúnia e injúria) 50 , pelo que em tais artigos ponsabilidade civil necessita de uma norma de proteção
há no~ma a ensejar positivamente essa espécie de indeni- (norma jurídica de reparação), norma essa a determinar o de-
zação)1 . ver de reparar determinado bem jurídico, isso porque a rela-
ção jurídica de reparação tem esse elemento como domi-
nante Y
49 Id . Ibid. , p. 488 . Nesse sentido, a questão que se instaurava da reparação
50 SILVA, Wilson Melo da. op. cit., p. 491 . do dano moral somente para os casos de reparação por
51 No caso do art. 1.547, par. único, CC/ 16, tal reparação do dano ofensas aos direitos da personalidade, e da questão de ofen-
moral é cl ara, vez qu e o t exto fala expressam ente de hipótese onde não
sas a direitos da personalidade não positivados, t em-se que
há dano patrimonial: "Art. 1.547. A indenização por injúria ou calúnia
consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido . Parágra- tal problemática foi sendo resolvida através da positivação
fo único . Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-<1 o dos direitos da personalidade como direitos fundamentais
ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva nas Constituições, bem como pela alocação de cláusulas
(art. 1.550)" . Apenas para se realizar a leitura de qual seria esse valor gerais de proteção da pessoa humana e da adoção de meca-
nos dias atuais, conforme essa regra de reparação de dano moral presen-
nismos de proteção efetiva da dignidade da pessoa humana.
te no CC/ 16, conform e a Lei n° 7.209 , de 01/07/84, que alterou o
Código Pe nal, que modificou o critério das pe nas de multa, outorgou -
Então, considerando que estamos analisando hipóteses
se ao Juiz limites para a sua fixação, consoante o seu artigo 49 e pará- de dano à pessoa humana, deve-se entender a pessoa huma-
grafos. A discrição do Juiz está na indicação do valor do dia-multa, na como feixe realizador de uma série d e direitos, ineren-
e ntre 1/30 do salário mínimo até 5 vezes o valor desse salário, consoan- tes e intrínsecos, até o direito de realizar todos esses direi-
te o parágrafo l 0 , do art. 49 do Código Penal. Considerando que, con- tos na forma de potencialidades asseguradas pelo ordena-
forme o art. 1.54 7, CC/16, tal reparação poderá ser equivale nte até o m ento (mormente, no direito atual, em nível constitucio-
máximo da pena criminal correspondente a prática de crime de injúria ,
nal), ou seja, da análise dos bens juridicamente tutelados no
360 dias-multa , triplicado nos termos do parágrafo primeiro, do art . 60
do Código Penal, qu e pe rmite essa multiplica ção, nos termos da lei, "se que concerne a danos à própria pessoa- e não a seus bens
o juiz conside rar que, em virtude da situação econômica do ré ti , é materiais, de sua propri edade -se tem os mesmos ora na
ineficaz" a multa original, "e mbora aplicada ao máximo", e duplicada
nos te rmos do artigo 1. 54 7, do CC/ 16, chega-se ao valor total de
10.800 sal ários mínimos , valor este obtido a partir da seguinte operação
me nte . No CC/ 02 essa fórmula para cálculo de dano moral não foi
matemática: 360 dias-multa (valor máximo da pena criminal) x 5 (salá-
repetida, pelo qu e não há regras no novo Código para quantificação do
rios mínimos, valor máx imo de cada dia-multa) x 3 (triplicação permi-
dano moral, como a do art. 1.547 do CC/ 16.
tida pelo art . 60, par. 1°, CP) x 2 (duplicação conforme art . 1. 54 7,
CC/ 16) = 1O. 800 salários mínimos, mais de três milhões de reais atual- 52 PADILLA, René A. op. cit., p. 28 ss.

41
40
proteção dos direitos da personalidade, ora através dos di- busca de uma plena proteção da pessoa humana, (ii) pelo
reitos fundamentais. que se pode destacar das Constituições modernas um di-
E é assim que surge outra sensível transformação do reito geral de personalidade, promanando daí uma cláusula
direito civil, a superação da classificação dos direitos da geral de proteção da pessoa humana 5 5 .
pessoa humana em direitos fundamentais, ou direitos da Da constitucionalização dos direitos da personalidade
personalidade, classicamente entendidos, de forma simpli- não se tem mais como de importância dividir os direitos
ficada, como: (i) direitos fundamentais, os essenciais à pes- subjetivos em fundamentais ou da personalidade, haja vista
soa humana garantidos de forma positivada nas Constitui- q ue em verdade estamos tratando dos mesmos direitos-
I I
ções, tratados internacionais e (ii) direitos da personalida- o ideal é a proteção da pessoa humana 56 , e a sua clássica
de, os essenciais e inatos com vistas à proteção por ofensa diferenciação não subsiste mais.
nas relações entre particulares, pelo que enquanto os pri- Tanto os direitos da personalidade podem ser aplicados
meiros - direitos fundamentais -são normalmente clas- perante o Estado, como entre particulares, bem como os
sificados como direitos subjetivos públicos, pela proteção direitos fundamentais podem e devem ser aplicados entre
contra a interferência e arbitrariedade do Estado- prote- particulares, seja por imperativo de norma superior- por
ção pelo direito público, estes- direitos da personalidade aplicação da Constituição -, seja por não haver impedi-
-são direitos subjetivos privados, de proteção pelo direito mento à sua aplicação imediata entre particulares, ou seja
privado, pelo Direito Civii.S 3 ainda por se coadunar na revitalização e releitura do direito
Essa superação se dá (i) na medida em que constata-se civil pela Constituição, devendo prevalecer a interpretação
cada vez mais, devido a sua importância, a positivação dos que define todos esses direitos na órbita única dos direitos
direitos da personalidade nas Constituições modernas, no fundamentais, tendo em vista a amplitude que ganharam
rol das garantias individuais, o que se denominou como nas Constituições modernas 57 .
constitucionalização dos direitos da personalidade 54, na

dos Tribunais, 1991 . p. 56-57; e MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 55-59.


53 Nesse sentido, v., DE MATTIA, Fábio Maria. Direitos da persona- 55 DE MATTIA, Fábio Maria. op. cit., p. 107-108; CAMPOS, Diogo
lidade: aspectos gerais. In : CHAVES, Antonio (Coord.). Estudos de Leite de. Lições de direitos da personalidade. 2. ed . Separata do BÇJle-
direito civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979. p. 99 ss.; tim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v.
CHAVES, Antônio. Direitos à vida, ao próprio corpo e às partes do 60, p. 49-50, 1990; HATTENHAUER, Hans. Conceptos fundamenta-
mesmo (transplantes). Esterilização e operações cirúrgicas para "mu- les deZ derecho civil : introducción histórico-dogmática. Trad. de Miguel
dança de sexo". Direito ao cadáver e a partes do mesmo. In: ___ _ Izquierdo Macías-Picavea. Madrid : Editorial Ariel, 1987. p. 22-24; FI-
(Coord.). op. cit., p. 139 ss .; BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da GUEIRA, Eliseu. Renovação do sistema de direito privado. Lisboa: Edi-
personalidade, cit., p. 18-30; MIRANDA, Jorge . Manual de direito torial Caminho, 1989. p. 109-111; em especial, v., SOUSA, Rabindra-
constitucional: direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed., nath Valentino Aleixo Capelo de. O direito geral de personalidade .
1998. t . 4, p. 48 ss.; e PEREZ LUNO, Antonio Enrique. Los derechos Coimbra: Coimbra Ed., 1995. p. 557 ss.
fundamentales. Madrid: Tecnos, 1984. p. 43 ss. 56 Nesse sentido, DE MATTIA, Fábio Maria. op. cit., p. 102-103; e
54 CHAVES, Antônio. op. cit., p. 144-149; BITT AR, Carlos Alberto. MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 55-59.
O direito civil na Constituição de 1988. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista 57 Nesse sentido, v., DE MATTIA, Fábio Maria . op. cit., p. 103;

42 43
Esses conceitos se tornam aplicáveis ao direito brasilei- da personalidade, daí porque corretamente se falar em
ro, com a Carta de 1988, e são necessários à fundamenta- constitucionalização dos direitos da personalidadé0 .
ção da reparação dos danos pessoais, vez que se busca en- Desta feita, hoje, certamente, é na análise da Constitui-
frentar a questão da cumulação das verbas de reparação por ção que se buscará tanto qual o bem juridicamente tutelado
dano moral e estético, com fundamento na interpretação e quanto a norma jurídica de reparação para os casos d e
aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, no- ofensa à pessoa humana.61
tadamente do direito à saúde. A distinção entre direitos da Por fim, devemos destacar que se os direitos da perso-
personalidade e direitos fundamentais guarda raízes na dis- nalidade já não suprem a necessidade de fornecer normas
tinção de origem da norma; enquanto os primeiros tiveram para qualificação de bens juridicamente tutelados, os direi-
o seu desenvolvimento no direito privado, os segundos o tos fundamentais passam a exercer definitiva consagração
tiveram no direito público, e quanto ao campo de aplica- para esse fim 62 , seja na medida em que qualificam as carac-
ção, os primeiros foram desenvolvidos para aplicação entre terísticas mais básicas e essenciais da pessoa humana- sua
integridade e elementos, seja porque emanam da dignidade
particulares, e os segundos, direitos fundamentais, no sen-
da pessoa humana, que é, nos dizeres de lngo Wolfgang
tido de limitação do Estado frente ao particular 58 , diante da
Sarlet, "conceito em permanente processo de construção e
constitucionalização do direito civil, a matéria dos direitos
desenvolvimento" 63 , natureza essa que permite a necessária
da personalidade restou entrelaçada com os direitos funda-
revitalização da norma aplicável para a reparação dos danos
mentais, pelo que se pode dizer que a pretensa separação
causados à pessoa humana. Sem esquecer a característica
preconizada, assim como o fim da dicot omia público e pri- da dignidade humana de atuar como ente unificador dos
vado, também não existe mais, sendo que há apenas uma direitos fundamentais, o que demonstra de forma muito
cláusula geral de proteção da dignidade da pessoa humana, mais efetiva a proteção da pessoa humana com fundamento
erigida em nossa Constituição da República 59 , através de
uma série de direitos da pessoa humana, elencados, em
regra, nos direitos fundamentais, aos moldes dos direitos 60 Como já lembrado, em CHAVES, Antônio. op. cit., p. 144 .
61 A título exemplar, v., SILVA, José Afonso da . op. cit., p. 202-204,
sobre o tratamento constitucional da "integridade física " e da "integri-
MIRANDA, Jorge . op. cit., p. 25 , 48-49. 55-59, 284-290, e TEI'EDI- dade moral ", nitidamente independentes, ou seja, corno bens tut elados
NO, Gustavo. Direitos humanos e relações jurídicas privadas, p. 55 ss. juridicamente de forma d iferente.
de seu Temas de Direito Ciuil, cit.; ainda sobre a aplicação dos direitos 62 Mais uma vez somos obrigados a remeter à leitura do texto de
fundamentais entre particulares, v., GARCÍA TORRES, Jesús; JIMÉ- FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Direitos
NEZ-BLANCO, Antonio. Derechos fundamentales y relaciones entre fundamentais, dignidade da pessoa humana e o novo Código Civil : uma
particulares . Madrid: Civitas, 1986. p. 19 ss. análise crítica. In: SARLET, lngo Wolfgang . Constituição, direitos fun-
58 Cl-IA VES, Antônio. op. cit., p. 140-144. damentais e direito p1·ivado . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003 .
r,
59 Nos arts. 1°, IIl, 3°, III, e 5°, § cfr. TEPEDINO, Gustavo, em 63 SARLET, Ingo Wolfgang . op. cit., p. 40, sobre o desenvolvimento
p. 67 de seu intitulado Direitos humanos e relações jurídicas privadas, do conceito de dignidade de pessoa humana em d iferentes épocas e
cit. sociedades.

44 45
na dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamen- na. Trata-se do princípio antrópico que acolhe a idéia pré-
tais do que nos direitos da personalidade. 64
moderna e moderna de dignitas-hominis (Pico della Miran-
dola) ou seja, do indivíduo conformador de si próprio e da
sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual (piastes et
2.3. Cláusula geral de proteção da dignidade humana
fictor). . . _
Perante as experiências históricas da amqudaçao do ser
Inequivocamente, ao se procurar o fundamento da re- humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, pol-
paração do dano causado à pessoa humana no princípio da
potismo, genocídios étnicos) a dignidade da pesso~ h~mana
dignidade da pessoa humana constitucionalmente assegu..:
como base da República significa, sem transcedenCias ou
rado, não há como prosseguir sem o desenvolvimento no
metafísicas o reconhecimento do homo noumenon, ou
seja, do indivíduo como limite e f~ndament~ d? do_mínio
ordenamento de uma cláusula geral de proteção da digni-
dade humana .
político da República. Neste sentido, a Re~ub,hca e uma
Com efeito, assim como no caso brasileiro, a Constitui-
organização política que serve ao homem, nao e o homem
ção de Portugal também elenca a dignidade da pessoa hu-
mana como um de seus pilares. Nesse sentido, para um que serve os aparelhos político-organizatóri~s. A, ~o~­
entendimento das implicações de tal consideração, impor- preensão da dignidade da pessoa humana as~oCiada ~ Id~Ia
tantes são as palavras de Canotilho: · de homo noumenon justificará a conformaçao constituciO-
"Outra esfera constitutiva da República Portuguesa é a nal da República Portuguesa onde é proibida a pena de
dignidade da pessoa humana (art. 2°). O que é ou que morte (artigo 24°) e a prisão perpétua (artigo 30°/l). A
sentido tem uma República baseada na dignidade da pessoa pessoa ao serviço da qual está ~ República também P_Ode
humana? A resposta deve tomar em consideração o princípio cooperar na República, na medida em que a pesso~ e al-
material subjacente à idéia de dignidade da pessoa huma- guém que pode assumir a condição de cidadão, ou seJa, um
membro normal e plenamente cooperante ao longo da vida.
Por último, a dignidade da pessoa humana exprime a
64 Antonio Junqueira de AZEVEDO, sobre a dignidade humana, diz abertura da República à idéia de comunidade constitucio-
qu e "ponto fundamental do respeito à integridade física e psíquica é o nal inclusiva pautada pelo multiculturalismo mundividen-
da obrigação de segurança" , a ponto de que "a obrigação de segurança
cial religioso ou filosófico. O expresso reconhecimento da
dig~idade da pessoa humana como núcleo essencial da Re-
existe sempre; os danos à pessoa devem ser indenizados", concluindo
que "é importante dizer: em matéria de danos à pessoa, a regra é hoje a
responsabilidade objetiva. A responsabilidade subjetiva, nesse campo, é pública significará, assim, o contrário de 'verdade_s' o~ 'fi-
atualmente a exceção", em p. 18-19, op. cit. Com a devida vênia, en- xismos' políticos, religiosos ou filosóficos. O republzcamsmo
tendemos que em certos casos de ofensas à pessoa, por questão de clássico exprimia esta idéia através dos princípios da não
prova e por presunção, como a maioria dos casos de ofensas à honra e
dano moral respectivo, seria realmente caso de se aplicar a teoria obje-
identificação e da neutralidade, pois a República só poderia
tiva da responsabilidade civil; mas não há como se negar que, em nosso conceber-se como ordem livre na medida em que não se
ordenamento, a responsabilidade subjetiva é a regra, até nos casos de identificasse com qualquer 'tese', 'dogma', 'religião' ou
danos à pessoa humana. 'verdade' de compreensão do mundo e da vida. O republica-
46
47
nismo não pressupõe qualquer doutrina religiosa, filosófica
ou moral abrangente (I. Rawls). "65 A prioridade conferida à cidadania e à dignidade da
pessoa humana (art. 1°, I e III, CF), fundamentos d~ Repú-
Ou seja, em primeiro lugar, devemos entender que o
blica, e a adoção do princípio da igualdade substanCial (art .
desenvolvimento da concepção de dignidade humana vai
abarcar não só a proteção da pessoa humana, como também
3°, III), ao lado da isonomia formal do art. 5°, bem cor:n~ a
garantia residual estipulada pelo art . 5°, § 2°, CF, condtclO-
no caso brasileiro, mas também vai conformar a própria
nam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo
formação do Estado, da sociedade, demonstrando a impor-
o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axioló-
tância que possui e o dever de todos de respeito a ela.
gica eleita pelo constituinte.
É nesse contexto que Gustavo Tepedino, em típico
Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana
momento de desenvolvimento de direito civil constitucio-
como fundamento da República, associada ao objetivo fun-
naC vai aplicar a dignidade da pessoa humana em nossa
damental de erradicação da pobreza e da marginalização, e
Constituição para justamente a consagração de uma cláusu- de redução das desigualdades sociais, juntamente com a
la geral de proteção da dignidade humana:
previsão do § 2° do art. 5°, no sentido da não exclusão de
"Assim é que, no caso brasileiro, em respeito ao texto quaisquer direitos e garantias mesmo que não expressos,
constitucional, parece lícito considerar a personalidade não desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto
como um novo reduto de poder do indivíduo, no âmbito do maior, configuram uma verdadeira cláusula de tutela e pro-
qual seria exercida a sua titularidade, mas como valor má- moção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo
ximo do ordenamento, modelador da autonomia privada, ordenamento. "66
capaz de submeter toda atividade econômica a novos crité- E completa, em outra oportunidade, sobre a necessida-
rios de validade. de de aplicação da cláusula de proteção da pessoa humana,
Nesta direção, não se trataria de enunciar um único destacando a forma "despercebida" com que é tratada:
direito subjetivo ou classificar múltiplos direitos da perso- "No que tange especificamente à proteção da pessoa
nalidade, senão, mais tecnicamente, de salvaguardar a pes- humana, mantém-se despercebida, as mais das vezes, pelos
soa humana em qualquer momento da atividade econômi- civilistas a cláusula geral de tutela fixada pela Constituição,
ca, quer mediante os específicos direitos subjetivos (pre- nos arts. 1°, n° III; 3°, n° III, e 5°, § 2°.
vistos pela Constituição e pelo legislador especial- saúde, Segundo o art. 1°, n° III, a República Federativa do
imagem, nome, etc.), quer como inibidor de tutela jurídica Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa huma-
na. Nos termos do art. 3°, III, constituem-se objetivos fun-
de qualquer ato jurídico patrimonial ou extrapatrimonial
damentais da República a erradicação da pobreza e da mar-
que não atenda à realização da personalidade.
ginalização e a redução das ~esig~aldad~s ~ociais e reg~o­
nais . Finalmente, pelo art. 5 , § 2 , os dtrettos e garanttas
expressos na Constituição (com aplicação imediata, con-
65 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teo-
ria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 221-222.
66 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil, cit., p. 47-48.
48
49
2.4. Do direito fundamental de reparação dos danos patri-
soante_ o ~ 1_ ) não excluem outros decorrentes do regime e
0
moniais e extrapatrimoniais
dos pnnopws por ela adotados, ou dos tratados internacio-
nais em que o Brasil seja parte . Outra conseqüência importante da consideração de
Tais preceitos, inseridos como foram no Título I com- uma cláusula geral de proteção da pessoa humana é a sagra-
põem os ~rin_cípios fundamentais da República, os qu~is, se- ção de um direito fundamental de reparação dos danos
gu?~o a t~cmca adotada pelo constituinte, precedem, topo- causados à pessoa humana .
grafi~a e _mt~rpretativamente, todos os demais capítulos Essa conseqüência é realizada todos os dias na prática
constituciOnais. Vale dizer, a Constituição não teria um rol jurisprudencial da reparação dos danos morais e estét~cos .
de princípios fundamentais não fosse para, no plano herme- Ao se conferir amparo à reparação dos danos extrapatnmo-
nêutica, condicionar e conformar todo o tecido normativo: niais no disposto no art. 5, ines. V e X, nada mais está
tanto o corpo_co~stitucional, no mesmo plano hierárquico, realizando a jurisprudência que a concretização de dito di-
bem como o Inteiro ordenamento infraconstitucional com
reito fundamental.
supremacia sobre todas as demais normas jurídicas. ' A objeção pela caracterização de um direito fundamen-
, Pretendeu, portanto, o constituinte, com a fixação da tal de reparação dos danos extrapatrimoniais não tem ra-
clausula geral acima aludida e mediante o estabelecimento
zão. Com efeito, para Jorge Bacelar Gouveia, esse direito
de princípios fundamentais introdutórios, definir uma nova
fundamental consistiria num direito fundamental atípico.
o~dem ~ública, da qual não se podem excluir as relações jurí-
O jurista luso assim os define: "os direitos fun~amenta!s
dicas pnvadas, que eleva ao ápice do ordenamento a tutela da
atípicos correspondem aos direitos fundamentaiS que nao
pessoa humana, funcionalizando a atividade econômica pri-
constam da respectiva tipologia, sendo assim constitucional-
vada aos valores existenciais e sociais ali definidos. "67
mente relevantes sem recurso a um método tipológico na sua
Assim sendo, uma inevitável conseqüência da positiva-
ção de uma cláusula geral de proteção da pessoa humana é formulação" .68
Assim, inevitável a constatação da existência de direi-
justamente a definitiva consideração de que os danos cau-
tos fundamentais retirados pela interpretação da Consti-
sados à pesso~ humana devem ser amplamente reparados,
tuição, que não os tipologicamente nomeados e expressos
de forma autonoma e precisa, assim sendo, em todos os
no texto constitucional- v.g., direito à vida, direito à hon-
seus elementos, integridade moral, física e psíquica.
ra, e por que não, de um direito fundamental de reparação
Conclusivamente, se a busca é pela concretização do
dos danos causados à pessoa humana, tendo em vista toda
pri~cípio _da dignidade da pessoa humana, esse princípio é
a unidade da Constituição da República - em suas faces
aplicado Integralmente na cláusula geral de proteção da
de proteção da dignidade da pessoa humana, de cláusula
pessoa humana constitucionalmente prevista e na missão
de proteção da pessoa humana.
68 GOUVEIA, Jorge Bacelar. Os direitos fundamentais atípicos . Lis-
boa, Aequitas, 1995 . p. 40 .
67 Id. Ibid ., p. 67 . 51

50
geral de proteção da pessoa humana, de direitos fundamen-
tais de proteção à vida, à honra, à integridade física e direi- O direito fundamental de reparação dos danos causa-
to à saúde. dos à pessoa humana, interpretado em toda a sua extensão,
Ingo Wolfganf Sarlet bem discute a questão dos direi- permite inegavelmente a reparação autônoma dos danos
tos fundamentais que não alocados expressamente na morais e estéticos oriundos do mesmo evento, ten~o em
Constituição, e é claro ao dizer que o direito à saúde é um vista a sua característica de abarcar a máxima prote?o d~s
dos direitos previstos fora do elenco do art. 5° de nossa elementos da integridade da pessoa humana, assim, mtegn-
Carta que merece status de direito fundamental e suas dade moral e integridade física, como bens juridicamente
69 tutelados independentes.
conseqüências , pelo que inevitável a sua utilização aqui
por um direito fundamental de reparação dos danos. Trata-se evidentemente de uma foma de explicar a
Por seu turno, José Joaquim Gomes Canotilho também aplicação automática que é comum atualmente na jurispru-
se pronuncia no sentido de que há direitos fundamentais dência de reparação dos danos causados sempre co~ fun-
dispersos, direitos fundamentais formalmente constitucio- damentação constitucionaL A pura e simples_ alo_c~çao do
nais mas fora do catálogo, e assim, direitos de natureza art. 5°, inc. V e X, não conduz diretamente a JUStifica~ um
análoga aos direitos, liberdades e garantias. 70 caso de dano moraL Entretanto, a interpretação dos dispo-
A principal razão da definitiva consideração de um di- sitivos constitucionais aplicáveis - principalme?te_ na
reito fundamental de reparação dos danos causados à pes- cláusula geral de proteção da pessoa humana: sua d~gm?~­
soa humana é a facilitação da proteção contra os danos de- acabam por encerrar um substrato passivel de JUStifi-
causados ao bem jurídico de maior importância para 0 or- car a reparação para esse caso e muitos outros, que clama~
por reparação tendo em vista o desenvolvimento do concei-
denamento - a pessoa humana, dispensando maiores
considerações se atos considerados atentatótios contra a to de dignidade da pessoa humana em dada sociedade, em
d etermma. d a epoca.
' 71
dignidade da pessoa humana são ou não passíveis de repa-
ração: diante do fato danoso, do prejuízo caracterizado _
ipso facto, por presunção ou por prova efetiva, nada mais de
direito que a concessão de reparação, tendo em vista a apli- 71 O ideal aplicável é sempre aquele esboçado por Ingo Sarlet, que o
cação das disposições constitucionais vigentes -unidas no conceito de dignidade da pessoa humana é mutante e sempre em de-
senvolvimento, como já referido. Nesse sentido, o que podena ser_con-
conceito de direito fundamental de reparação dos danos
causados à pessoa humana. siderado nada atentatório contra a dignidade humana em nossa socieda-
de pode assim ser em outra sociedade, e o mesmo pode ser considerado
no que se refere ao tempo. C e rtamente, hoje temos hi~óteses de danos
morais que não eram assim julgados há alguns anos atras, e para ISS~ se
deve servir da concepção de dignidade da pessoa hum~na , que e o
69 SARLET, lngo Wolfgang. op. cit., p. 124-125. grande ponto unificador do fundamento para a reparaçao dos danos
70 Em p. 380-383 de seu Direito constitucional e teoria da Constitui- extra patrimoniais causados à pessoa humana. O direito funda~ental de
ção, cit.
reparação dos danos causados à pessoa humana inst~mentahza essas
ferramentas na busca da melhor e mais ampla reparaçao.
52
53
2.5. Proteção dos elementos da pessoa humana ção de todo e qualquer dano suficientemente grave, tem-se
que objetivar que há dois bens juridicamente diferentes e,
Entretanto, seja diante da consideração que a proteção como dito, diferentemente tratados pelo ordenamento -
da pessoa humana se dá efetivamente no plano constitucio- até constitucionalmente, onde há a nítida diferença pela tu-
nal- princípio da dignidade da pessoa humana, cláusula tela do direito à saúde, que terceiros particulares também
geral de proteção da pessoa humana, direito fundamental de estão vedados de ofender, sendo um a integridade moral e
reparação dos danos causados à pessoa humana, temos de outro a integridade física .73
enfrentar a questão dos bens juridicamente tutelados no Outrossim, não raro a jurisprudência vem firmando po-
que se refere à pessoa humana, para fins de sua reparação, sicionamento no sentido de tratamento autônomo da inte-
consoante a específica relação jurídica de reparação de gridade física e da integridade moral: "Estabelecimento de
dano. Para esse desiderato, serve-se da classificação dos ensino - Escola pública municipal - Dano causado em
bens juridicamente tutelados da pessoa humana considera- aluno, por outro, em sala de aula- Responsabilidade obje-
da em si mesma, partindo da divisão dos direitos da perso- tiva do Poder Público - Descumprimento da obrigação de
nalidade, conforme a integridade da pessoa humana, sen- velar pela preservação da integridade física do Estudan-
do, portanto, (i) integridade física, (ii) integridade moral e te" 74; "Responsabilidade civil do Estado - Indenização -
(iii) integridade psíquica. 72 Danos ocasionados em pessoa, durante o tempo em que per-
Como adiante se demonstrará, a proteção da pessoa maneceu detida em delegacia - Dever do Estado de zelar
humana necessitará da consideração dos seus elementos pela integridade física daquele que é mantido sob sua tutela
para a caracterização específica do bem tutelado. Assim, - Verba devida" 75 ; "Responsabilidade civil do Estado -
não há como negar a natureza diferente da integridade físi- Indenização - Lesão causada por professor em aluno de
ca e da integridade moral, quando analisamos um caso de estabelecimento de ensino municipal durante partida de fu-
acidente e mutilação e outro caso de ofensa à honra . A tebol realizada em aula de Educação Física -Alegação de
divisão conforme a integridade da pessoa humana, inevita- ser conseqüência natural e inerente à atividade desportiva
velmente, é a que mais se conformará com essa realidade - Inadmissibilidade - Competição realizada como ativi-
bem como, pode-se atestar que o ordenamento trata desse~ dade obrigatória no 'curriculum' e no interior da escola -
bens de formas diferentes. Obrigação desta de zelar pela integridade física dos alunos,
Portanto, tomando como premissa que se deve sempre
buscar o "princípio da integral reparação", que é a repara-
73 Nesse sentido: sobre o princípio da reparação integral, v. , no direi-
to comparado, GHERSI, Carlos Alberto. Cuantificación económica del
72 V . sobre os direitos da personalidade assim expostos, BITTAR, dano. Buenos Aires: Astrea, 1998. p. 46, e, no direito pátrio, v. do Juiz
Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, cit., p. 62 ss., que é claro B1TTAR, Carlos Alberto . op. cit., p. 74 e ss ., ensinando-nos claramente
ao classificar os direitos da personalidade em direitos físicos, morais e que a regra é a dita "reparação integral" .
psíquicos. Ainda, sobre os direitos da personalidade, v., DE MATTIA, 74 Do STF, RT 733/130.
Fábio Maria. op. cit., p. 99 ss. 75 Do TJMS, RT 726/369.

54
55
1
I
I
em razão da própria natureza do serviço prestado - Repa-
ração de danos devida independentemente de prova de cul-
pa -Declarações de votos vencedor e vencido" 76; e "Res-
ponsabilidade civil- Dano moral- Indenização- Publi-
cação de fotografia e matéria ofensiva à integridade moral
- Culpa configurada - Ressarcimento que independe dos
reflexos patrimoniais - Fixação do quantum com base nos CAPÍTULO 3
arts. 51 e 52 da Lei 5.250!67" 77.
Assim sendo, se por um lado há a necessidade de consi- REPARAÇÃO DOS DANOS
deração de normas aplicáveis à proteção constitucional da CAUSADOS À PESSOA HUMANA
pessoa humana, por outro lado se deve utilizar a divisão dos
elementos da pessoa humana em integridade física e moral
P~~a que, conjuntamente, efetivem-se os requisitos neces-
sanos para a reparação dos danos causados à pessoa huma-
na, danos patrimoniais e extrapatrimoniais. 3.1. Dos danos à pessoa (ou corporais) e dos danos atípicos
(ou não corporais)

Uma definição bastante simples e completa para o con-


ceito de dano é lecionada por Mário Júlio de Almeida Cos-
ta: "na perspectiva da responsabilidade civil, cabe dizer-se,
liminarmente, que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens
ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica." 78
Alocando-se a questão do bem protegido pela ordem
jurídica como de grande importância, a primeira classifica-
ção dos danos que mais se difundiu foi a classificação em
danos materiais e danos morais.
É evidente o equívoco dessa primeira classificação para
o direito moderno. A própria natureza híbrida do dano es-
tético já demonstra a fragilidade dessa classificação. Ou-
trossim, por rigor, não podemos classificar todos os danos
não-patrimoniais como danos morais. Como dito, dano es-

76 Do TJSP, RT 642/104 .
78 COSTA, Mário Julio de Almeida. Direito das obrigações. 6. ed.
77 Do TJSP, RT 618/69.
Coimbra: Almedina, 1994. p. 496.
56
57
tético, em síntese, não pode ser considerado como um
dano moral ou como um dano material. Assim também os Desta feita, a divisão entre danos p~tri_mo?iais ~ danos
danos psíquicos. . oni.ai·s se dá em correspondenC!a. direta a corre-
extrapa t nm . . _
A classificação em danos morais e materiais atendeu a . . - dos di·reitos acima exposta -direitos
Iata d IVJsao . _ patnmo ·,
uma primeira geração que lutava pela reparação dos danos ·ais ou direitos "não susceptíveis de avahaçao pecuma-
morais . Entretanto, a contar do momento em que a doutri- ~:a"8l . Essa classificação, entretanto, já tinha seus. cantor-
na majoritária entendia pela reparação do dano moral, no os em trabalhos mais antigos, conforme nos ensmam os
Brasil, principalmente após a Constituição de I 988, o de- Mazeaud, com apoio em LaIou.82
n ·
.-
senvolvimento do direito encorajava a busca de novas for- Conforme essa classificação, tem-se que dano~ P~:z
mas de se completar a desejada proteção integral da pessoa moniais serão todos aqueles em que há ofens_a_a ben: JU·~· z~o
humana, i.e., a divisão em danos morais e danos materiais ue integre o patrimônio econômico da v~tzma, mcz m_ o
não era mais suficiente para uma sociedade que exige o ;obre interesses de ordem financeira, apreczad?s _mo~etana­
cumprimento da dignidade da pessoa humana como fato e mente.83 Por seu turno, danos ext~apat_ri~omazs ~ao todos
não mais como programa. A divisão em danos materiais e a ueles que não são danos p~tnmomazs, ou se;a, todos
morais também induz à classificação do dano estético como aqqueles que não são reflexos dzretos de uma ofensa a bem
uma espécie do gênero dano moral, o que é um erro. 79 jurídico apreciáve l monetanamen . t e. 84 . -
Nesse sentido, a doutrina foi obrigada a estudar, am- Como se pode notar, adota-se uma co~ceituaçao nega-
pliar o conceito de dano e procurar novas formas de reparar tivista de dano extrapatrimonial, em relaçao aos danot p_a-
os danos causados à pessoa humana, como dito. trimoniais, sob pena de, conceituando ape~as_ com re açao
Com propriedade Teresa Ancona Lopez diz que "dano à antiga concepção de dor, de ofensa aos dzreztos_da p:rso-
é sempre conseqüência de uma lesão a um direito, qualquer nalidade, ou qualquer outra de ordem substanCial, nao se
que seja sua origem, patrimonial ou não" 80 , pelo que, segun- conseguir abarcar todo o feix: ~e dano: ~ue se enc?ntra_:n
do, tal ordem, teremos danos de duas espécies: danos pa- sob a classe de extrapatrimomais; essa u~tima_ c?nceltuaçao
trimoniais e danos extrapatrimoniais. E é essa a divisão - que abarca todos os danos extrapatnmomais . -. encon-
mais utilizada e mais apropriada para a primeira divisão, tra-se em consonância com os conceitos de dano InJ~Sto, _ou
geral dos danos, e também a melhor até os dias atuais para seja, de direito à reparação por toda e qualquer viOlaçao,
os danos contra a pessoa humana.

81 COSTA, Mário Julio de Almeida. op. cit., P· 49 7.


79 Deve ser reforçado que dano estético não é uma espécie, um tipo, 82 Apud, LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 1980, p._7. . .
uma forma, do dano moral; em diversas partes deste texto há 83 Nesse sentt'd o, SEVERO ' Sérgio : op. cit. ' p. 39,_ Sao Paulo. Saratva,
considerações sobre este importante ponto; são danos independentes e 1996· LOPEZ, Teresa Ancona . op. ot., 1980, p. 6 8 .
ambos são espécies do dano extrapatrimonial causado à pessoa humana .
80 LOPEZ, Teresa Ancona . O dano estético: responsabilidade civil.
84
'
Nesse .
senttdo, SEV ERO . S'erg!O.
· op. cit
Gabriel A Daiio moral individual y colecttvo. n.
I.
. ., p 40CONGRESSO
e ss.; STIGLITIZ,
IN-
b,
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980. p. 7. TERNACiONAL DE RESPONSABILIDADE CIVIL. Documentos a-
58 sicos . Blumenau-SC, 1995. P· 73.

59
culposa ou por dever legal de re ,
patrimoniais e extrapatri· . . pdarar, a esfe:a das relações tado ao direito da personalidade honra, e pode-se ter tam-
, momars a pessoa. 8~ bém um dano de ordem econômica, se afetadas suas rela-
mas~~~=i~;rt:~õe::.a última classificação merece ainda algu- ções negociais, prejudicando proventos profissionais.
Quando se tem os danos causados à pessoa humana,
uma~;~~:~~~ x:~ca~~~s;n~~essa d~ssificação atende a portanto, é de extrema dificuldade fazer uma clara distin-
mento fundamental do d. . propn~dade- como ele- ção na natureza dos danos causados, se patrimoniais, extra-
tal bem jurídico como ~~te_It_o, na medida em que utiliza patrimoniais, se híbridos. 87
cn
· 1 ou na- o eno para dist · - d d Assim, para corretamente tratar dos danos causados ·à
P reJ·uízo patri· mo ma , 1 · mçao os anos··
monial. Assim, quer-se dize~ nesse u timo ~aso, _e xtrapatri- pessoa humana, mister lembrar que os danos, em primeiro
patrimonial é clara na d:dessa concepçao, nitidamente lugar, devem ser classificados conforme a natureza do bem
' me I a em qu d f
extrapatrimonial em toda sort d d e ~e e me o dano atingido, ou seja, em danos a coisas e danos à pessoa huma-
mente ou que não expre el e an? n~o aferível direta- na .88 Essa classificação atende à possibilidade de ocorrência
segunda, tem-se quessed vaf or. deconomiCo d . de danos patrimoniais e extrapatrimoniais seja para o caso
nial dessa forma não o e In~n o o ano extrapatrimo- de ofensa a uma coisa, seja para o caso, mais evidente, de
caractenzamos co c
um direito da personalidad mo uma 01ensa a também danos patrimoniais e extrapatrimoniais em ofensa
tingue: danos extrapatrr·mo e: ~on_:o parte da doutrina dis- à pessoa humana.
mars sao os da . Se a hipótese de dano à coisa patrimonial é clara, lem-
d e ofensas a direitos da personalidade. 86 nos provementes
Da mesma sorte, percebe-se si - bramos que pode muito bem ocorrer dano à coisa extrapa-
tinguir de forma ela .' m, que nao se busca dis- trimonial.
ra o que sena o da ·
haja vista que uma 0 ce d. _no extrapatnmonial, Caso típico de dano à coisa extrapatrimonial é a hipóte-
1' nsa a um Ireito d l"d d
po d e acarretar tanto u d d d a persona I a e se de dano moral por dano a bem de afeição, como era
m ano e or em ~ ·
não. No caso de ofensa à honra d economica, como previsto no antigo Código Civil no art . 1. 543 e no novo
pio, tem-se um dano não eco ~ _e udn:a pessoa, por exem- Código no art. 952 e seu parágrafo único.
nomtco Ireto, diante do aten- Apesar da discussão que se abriu no início do século
passado, com o advento do nosso Código Civil, sobre a
~5 .~ess,~ sentido, sobre dano in ·usto u reparabilidade dos danos morais, abriu -se a possibilidade
dor ou sofrimento", v. MOSSE~ ITÚ~~abandona a concepção de
dad Civil contractual 0 ext SPE, Jorge. Responsabili-
racontractua 1· · "d d
CONGRESSO INTERNACIONAL DE · Lum a o separación' In: 87 O caso clássico é a hipótese de dano estético. Na ocorrência de
VIL, cit., p. 126· GOMES O I d T RESPONSABILIDADE CI- dano estético, pode a ofensa à integridade física causar tanto danos
.. ' , r an o. endê · d
responsabilidade civil. In: DI FRANCES nClas m~ ernas na teoria da patrimoniais, como, por exemplo, por gerar incapacidade para o traba-
(Org.J. Estudos em homena em ao ~0.' Jose Roberto Pacheco lho, ensejando direito à pensionamento correspondente a essa perda de
Sar~i:~· 1989. p. 289 e ss. ; ~ASTR~~~~zlvzo Rodrigues. São Paulo: capacidade, como, também, dano extrapatrimonial, tendo em vista a
sabzlzta civile. 2. ed. Milano: Giuffre 19 O, Carlo. La nuova respon- ofensa direta à integridade física e o abalo, ensejando dano moral.
86 SEVERO S- . . ' 97. P· 87 e ss. 88 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade
, ergw. op. Clt., p. 125.
civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial. p. 1.180.
60
61
do art. 1.543 como hipótese clara de previsão de reparação
em sentença da lavra do Juiz Antonio Jeová da Silva, já se
extrapatrimonial. Dizia o art . 1.543, do antigo Código Ci-
julgou pela "procedência de pedido de dano moral por furto
vil: "Para se restituir o equivalente, quando não exista a
de automóvel'fusca' 1969, onde as autoras padeceram uma
pró?rir;t _coisa (art. 1. 541), estimar-se-á ela pelo seu preço
séria de emoções pouco edificantes, tendo em vista o e~ento
ordznano e pelo de afeição, contanto que este não se avanta-
je àquele." danoso, de responsabilidade do proprietário do estacwna-
mento em que foi o automóvel furtado" 92 . Outro exemplo da
Essa disposição, nos dizeres de Aguiar Dias, era a "con-
sagração da reparabilidade do dano afetivo, que é o dano peculiaridade do caso - afinal_ o _que~ pode ser bem de
moral na sua feição mais pura. " 89 afeição para uma pessoa podera nao se-lo para outra - ,
lembrado por Hans Fischer, é o de "morte de um gato favo-
Nessa esteira, o antigo Tribunal de Alçada Civil do Rio
rito ".93
de Janeiro decidiu: "Indenização. Transporte de animais.
Resp?nsabilidade contratual. Indenização integral. Reco- A redação do parágrafo único do novo Código Civil é ~o
nheczmento do dano moral pela morte de cães de estima- mesmo sentido do artigo 1.543 do Código anterior, ou seJa,
ção". No aresto citado, a verba do dano imaterial foi arbi- promanando pela reparação pelo dano de afeição_ à be_m
trada em "50 salários mínimos por cada animal, além das material : "Para se restituir o equivalente, quando nao exzs-
despesas com frete, o prêmio do seguro e o valor dos ta a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço_ o~dinári~
- "90 T "d I
caes... . rata-se, ev1 entemente, de um caso de dano à e pelo de afeição, contanto que este não se av~nta;e ~quel~.
coisa extrapatrimonial. Se a reparação do dano à coisa pode ser (1.) patnmomal
e (ii.) extrapatrimonial, o mesmo, e de uma forma bem
Ampla doutrina se manifestava sobre o art. 1.543 como
um caso de dano moraJ.9 1 mais nítida, ocorre com o dano à pessoa, que pode ser tam-
bém patrimonial e extrapatrimonial.
Outrossim, mister ressaltar que a questão de dano mo-
Entretanto tendo em vista que a dignidade da pessoa
ral por perda de bem de afeição dependerá da prova de que
humana é o "v~lor dos valores", nos dizeres de Perlingieri 94 ,
tal ~em realmente constitui bem de afeição e objeto de
é imperativo que a classificação dos danos reflita ~ssa con-
se~ti~ento especial por pessoa humana sobre ele, o que,
obJetivamente, dependerá do exame caso a caso. Assim, sideração - do dano à pessoa humana como o ~ais gra~e a
ser reparado, pela importância do bem ofendido. Asstm,

89 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 1O. ed. 4. tir. Rio


de Janeiro: Forense, 1997. v. 2, p. 772. 92 15" Vara Cível de São Paulo, proc. n° 043/96. O TJSP reformou a
sentença, mas considerou a afeição pelo bem como valor a ser conside-
90 TAC-RJ, Ap. no 12.918/9 1, 4° Câmara Civil, rel. Juiz Roberto
Winder. rado no arbitramento do valor da reparação.
93 F1SCHER, Hans Albrecht. A reparação dos danos no direito civil .
91 Nesse sentido, v. SEVERO, Sérgio. op. cit., p. 81; SILVA, Wilson
~elo da .. o_p.
Clt., p. 377; GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabi-
Trad. de António de Arruda Ferrer Correia. São Paulo: Saraiva, 1938.
p. 263, nota S. Bastante semelhante ao caso do TAC-RJ acima referido,
lzdade czvzl. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 494-496; BITTAR,
dano moral por perda de cães.
Carlos Alberto. Responsabilidade civil: teoria e prática. 2. ed. Rio de
Janelfo: Forense Universitária, 1990. p. 18. 94 PERLING IERI, Pietro. La personalità umana nell' ordinam ento
giuridico, cit., p. 22 .
62
63
adotando-se o dano à pessoa como o . .
. .
d ano tipicamente mais Importante 0
considerado nada · . .' A classificação proposta visa a promoção da dignidade
' mais racwna1conside-
~ar os outros dadnos, que não aqueles impingidos à pessoa da pessoa humana como norte da reparação civil. Classifi-
umana, como anos atípicos. cando-se os danos conforme o seu aspecto patrimonial ou
, ~ma. tas P!incipais conseqüências da proposição acima não, é notório que estamos alocando o patrimônio como
e. a c assi Icaçao dos danos que assim se erige tendo em fator principal da relação jurídica da reparação de dano .
VIst~ a pe~oa hu,mana, nos seguintes termos: d;s danos em Entretanto, não se pode mais estar de acordo com essa
ge!a em a~os a pessoa, ou corporais, e danos atípicos ou interpretação. É a pessoa humana, e assim o dano à pessoa,
nao ~o:porazs; os danos à pessoa em danos à pessoa . dtri o grande vértice da responsabilidade civil. Por outro lado,
mon:azs e danos à pessoa extrapatrimoniais; assim
no~ a pessoa extrapatrimoniais em danos morais da,nos p ,
ts
da~ mister considerar que não se deseja contribuir para a
"guerra das etiquetas". Se é certo que há danos extrapatri-
quzcos, da~~s biológicos e danos estéticos. ' sz- moniais, dever é adotar uma classificação que os simplifi-
1 ~ cdlassificaçã? dos danos causados pode ser melhor vi-
sua Iza a no segumte esquema:
que e que seja completa sobre o tema, com vistas à plena
reparação, sem esquecer a terminologia já consagrada na
jurisprudência, que desempenha importante papel na in-
DANOS INDENIZÁVEIS
terpretação e aplicação da responsabilidade civil. Por isso
DANOS DANOS À PESSOA não se vê aqui o estudo dos "danos à vida de relação" e
PATRIMONIAIS (MATERIAIS)
(CORPORAIS) outros (esses danos são ou danos morais ou danos estéti-

t
PENSIONAMENTO cos na classificação utilizada por nossa jurisprudência).
Sobre a "guerra de etiquetas", no sentido do ideal aqui
TRATAMENTO MÉDICO
preconizado, o STJ já decidiu: "Independente da nomen-
DESPESAS EXTRAORDINÀRIAS clatura aceita quanto ao dano extrapatrimonial, e sua
EXTRAPATRIMONIAIS .
classificação em dano moral, dano à pessoa, dano psíquico,
dano estético, dano sexual, dano biológico, dano fisiológi-
L MORAIS (E PSÍQUICOS) co, dano à saúde, dano à vida de relação etc., cada um
L ESTÉTICOS (E BIOLÓGICOS)
constituindo, com autonomia, uma espécie de dano, ou to-
dos reunidos sob uma ou outra dessas denominações, a
verdade é que para o juiz essa disputa que se põe no âmbito
DA_NOS ATÍPICOS CATRIMONIAIS (MATERIAIS) da doutrina, essa verdadeira 'guerra de etiquetas', de que
(NAO-CORPORAIS)
(DANOS À COISA)
nos fala Mosset Iturraspe ('El dano fundado en la dimen-
sión del hombre em su concreta realidad', Revista de De-
EXTRArTRIMO:IAIS recho Privado y Comunitário, 1!9) somente interessa para
evidenciar a multiplicidade de aspectos que a realidade lhe
MORAIS apresenta, a fim de melhor perceber como cada uma delas
64
65
pode e deve ser adequadamente valorizada do ponto de advindo do mesmo evento; se biológico, deve ser indeniza-
vista jurídico. "95
do sob a denominação de estético, aproveitando-se a en-
Outro ponto importante dessa última classificação é o tendimento jurisprudencial sedimentado que a ofensa à in-
fim da adoção da nomenclatura que se dirige tão-somente tegridade física pode ser cumulado ~om o dan~ ~oral. O
aos danos materiais e morais, e não aceita mais danos extra- que se quer dizer é que enquanto a diferença teonca entre
patrimoniais como sinônimo de danos morais, de forma a dano estético e dano biológico é be m nítida, realizar essa
crer que os danos estéticos formam espécie dos danos mo- diferenciação também no momento de qualificação das
rais.
verbas indenizáveis é apenas realizar uma diferença mera-
O esquema-classificação acima também se baseia ape- mente gramatical: na prática, é ofensa à integridade física ,
n.as nas verbas cumuláveis aceitas pela jurisprudência, prin- é dano estético. 97
Cipalmente do STJ. Assim, apesar da nítida existência dos Quanto aos danos atípicos ou não corporais, estes s~o os
danos psíquicos, estes não devem ser reparados autonoma- danos à coisa, e podem ser patrimoniais e extrapatnmo-
mente (como verba separada das verbas de danos materiais niais, como acima referido, principalmente no que tange
e morais), mas sim levados em consideração para o mo-
ao bem de afeição.
mento de f~xação do dano moral. Da mesma forma o dano
biológico. E certo que dano estético (dano à integridade A classificação proposta é bastante parecida com a já
física externo, visível, que causa enfeamento e constrangi- promanada classificação adotada jurispruden~ialmen.t:,
n;:nto_) é diferente de dano biológico (dano à integridade para fins de abarcar a possibilidade de cumulaçao, de dlVl-
f1s1ca mterno, não visível, mas atentatório e de qualquer dir os danos em (i) dano moral em sentido amplo (gênero),
modificação involuntária e injusta à integridade física).96 (i.i) dano moral em sentido estrito e (i.ii) dano estético
Entretanto, não se pode imaginar como possível um pedido (espécies), como se tem no seguinte julgado do STJ:
de cumulação de danos materiais, morais, estéticos e bioló- "Min. Fontes de Alencar: Senhor Presidente, acompa-
gicos; a jurisprudência brasileira é farta de casos em que o nho o Eminente Relator porque, no meu entender, pode
que a doutrina chama de dano biológico se repara como
dano estético, pelo que em nada se justifica a defesa de
97 Por exemplo, em um caso de acidente que ocasionou a per~a de
uma maior etiquetação; o importante é a aplicação do direi- um rim, temos, teoricamente, um dano biológico; entretanto, a ]Uns-
to e não a sua exclusiva nomenclatura; o dano à integridade prudência hoje não repara esse caso como dano biológico; é reparado
física ou é estético ou é biológico; se estético, pode ser sob o título de dano estético; isso não é tecnicamente um erro, porque
indenizado autonomamente e cumuláve1 com o dano moral é a ofensa à integridade física um dano estético. A jurisprudência atual
deve ser utilizada no sentido de colaborar com o desenvolvimento da
teoria da reparação dos danos causados à pessoa humana . Assim, não faz
sentido defender a qualificação rigorosa dos danos no momento de sua
95 STJ- REsp. no 65.393-2-RJ, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar.
qualificação em uma sentença de ação de indenização em biológicos e
96 Exemplificamos, novamente; é dano estético a amputação de uma estéticos; deve-se aproveitar o entendimento genérico de se chamar
perna, uma cicatriz no rosto; é dano biológico a perda de um rim, a toda ofensa à integridade física como dano estético, apesar da pequena
perda de um baço.
diferença teórica que se trata o dano biológico.
66
67
haver o dano moral sem ocorrer o d , .
pode-se verificar o dano est, t . ano estetico, como Tecidas essas considerações sobre a classificação geral
até co_m o ~a~o moral. ( ... )e Ico sem uma correspondência dos danos, buscaremos nas secções seguintes tratar dos da-
Mm . Salvw de Figueiredo T . . nos à pessoa patrimoniais e extrapatrimoniais em espécie. 100
nho o Sr. Ministro Relator ~Xeira: Também acompa-
ções. ' e por uas ordens de considera-
. A primeira, por entender , 1 . ~ 3.1.1. Dos danos patrimoniais à pessoa
Indenizações resultantes de da possi~e. a coexistencia de
sentido estrito uma ve nodestetico e dano moral no Das verbas patrimoniais se destacam (i) a atinente à
. ' z que no ano mo 1 I
situa o dano estético. ( .. .) r a ato sensu se incapacidade laborativa e (ii) a de tratamento médico, mas
C? Sr. Ministro Barros Monteiro · - S . também não se deve esquecer que, tendo em vista o princí-
venci-me de que há possibilidade d~ r. Presi_dente, con- pio da restituição integral ao estado anterior, de direito a
parcelas concomitanteme t d d serem devidas as duas reparação de todos os valores gastos, materiais principal-
que, além do dano estéti;o ~of;: e fu~ comprove o autor . mente, para recomposição ao estado anterior ao evento da-
moral stricto sensu O c u e etivamente um dano noso, a concessão de (iii) verbas extraordinárias de gastos
possibilidade o qu; aliá:so pr~sente é bem exemplo dessa proveniente de ofensa à pessoa humana . E assim é, seja sob
colenda 3a Turma no' s ' adca ou sendo reconhecido pela a égide do CC/16, art . 1.539, seja no CC/02, art. 949 e
prece entes que o E . 950, que tratam das verbas que devem constar da condena-
mencionou . Acompanho d S mmente Relator
relator. "98 ° voto e ua Exa., o Sr. Ministro ção no caso de ofensa à integridade física.
Mister dizer que um fator é preponderante quando se
Ainda sobre a classifica ão I, trata da análise dos danos patrimoniais: a questão da prova
tribuir para a discussão do ç_ posta, _a em de buscar con-
dade civil da culpa para o d giro _conceitual da responsabili- do dano . 101
fundamento na doutrina anot p~~soa, encontra também Não se pode confundir dano à pessoa humana com dano
pessoais, causados contraque c assrfica os danos em danos independente de prova. Há doutrina e jurisprudência no
pessoais, os causados sob a p~ssoa humana, e danos não- sentido da desnecessidade de prova do dano moral, vez que
. re COisas sendo pode ser aferido, em alguns casos, pela livre apreciação do
meiros como os último d ' . que tanto os pri-
trimoniais .99 s po em ser patnmoniais e extrapa- juiz diante dos fatos. 102 Entretanto, isso não vale para o caso

I 00 Dos danos atípicos ou não corporais, à coisa, esses fogem do ponto


98 REsp . no 65 -393 -2-RJ. Trata-se do central desta tese, razão pela qual trataremos a seguir apenas dos danos
an · - "guerra de et·
t enor mesmo a ' d- ·
. 1quetas " Este · 1 d cor ao aCima em nota à pessoa humana, objeto desta t eoria.
Importante sobre como a . . .d A . JU ga o, portanto, é bastante
f ormas d e reparação do d JUnspru enC!a vem d · . d 101 Até mesmo porque a certeza é um dos pressupostos do dano repa-
. d , Iscutm o essas novas
ano causa o a p essoa humana rável, cfr. JORGE, Fernando Pessoa. Ensaio sobre os pressupostos da
99 Sobre essa classificação COS , . . responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1995. p. 386-387 .
cit., p. 498. , v., TA, Mano Julio de Almeida . op.
102 MOTTA, Carlos Dias. Dano moral por abalo indevido de crédito.
Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 88, n. 760, fev. 1999.
68
69
de dano.p~trimo~ial, que, visando o ideal de retribuição-re-
composiçao patnmonial depende de . , rem à possibilidade de ofensa à capacidade de trabalho do
fator padtrimonial perdiclo pelo ofendid~ocv;n~n:~~i~~~~ ddoo ofendido. Não raro, essa é uma das principais questões nas
evento anoso. ações de reparação de dano nos casos de lesão corporal,
Assim, diferentemente do dano moral d dano estético. Por exemplo, em caso de mutilação, a pri -
minad d , ' que em eter- meira conseqüência danosa direta causada ao ofendido é a
. os casos po e ate exigir tal prova !03 o da t .
mal sempre exi d ' no pa nmo- subtração de parcela sensível de sua capacidade para o tra-
cabível a dev ·d ge prova_ e sua ocorrência para que seja balho.
I aioreparaçao, mesmo sendo caso de dano a'
pessoa h umana. 4 Primeiro, é mister lembrar que, tendo em vista o dano
patrimonial por incapacidade laborativa se caracterizar pela
inaptidão, parcial ou total, após evento danoso, e também
3 · 1· 1· 1· Da incapacidade laborativa porque todo dano patrimonial depende de prova irrefutá-
vel de sua existência, tem-se que a reparação por incapaci-
A . . dade para o trabalho só pode ser concedida após sua carac-
d pnm.eira :e.rba que merece destaque na análise dos
terização por prova pericial médica, na forma estabelecida
anos ~atnmo?Iai: .que podem ser causados à pessoa hu-
na lei processual. Ou seja, só há como se entender pelo
m.ana d~~ re~peito a Incapacidade laborativa, tendo em vista
cabimento de indenização por inaptidão para o trabalho,
a mJ.o~ tan~Ia que assume o fato da vítima voltar a estar em
seja ela a mais evidente possível, depois que médico perito
con. IÇoes e exercer sua profissão da mesma forma u
realizava antes do evento danoso ou não. q e nomeado pelo juízo assim declarar, mediante contraditório
e questionamento das partes envolvidas, ou, preliminar-
Cdonf~rn;~ a regra geral, o ofensor deve reparar os danos mente, através dos quesitos formulados ao perito, ou, após,
causa os a vitima se · · . .
niais· d ' - Jam patnmomais, sejam extrapatrimo- com a apresentação de parecer técnico formulado pelos
' anos que, nao se pode esquecer, são os que se refe- assistentes técnicos das partes. Merece comento que o lau-
do pericial pode ser refutado pelas partes, que, através de
103 Como adiante se aduz· , t , b pareceres de assistentes técnicos, e outros exames mais
timidade de dano moral. Ira a e so re a necessidade de prova de legi- detalhados, podem trazer aos autos elementos suficientes
104 Nesse sentido, apesar de ser aresto d para que o juiz possa até julgar contrariamente ao laudo
em caso de morte, bem ilustra o entendi tratan o de dano patrimonial pericial e com fundamento em outros dados constantes dos
e a reparação do dano material v "Resp:ent~.f~ nJce~sJfade de prova
ção por morte- Despesas co~ I~ to f ns: I I a le CJVI -Indeniza-
autos, como, por exemplo, com elementos que a parte im-
pugnante do laudo pericial trouxe aos autos.
minação em arbitramento - Inad '. ~bn~l:da ed sepu tamento- Deter-
c m1ss1 1 1 a e - Reparaç- . Por isso, correta é a decisão do STJ que nega indeniza-
aos gastos e 1 etivamente suport d . ao que VIsa
diante ap.resentação dos compr~v~~,t~~!.~ J~~À~va~~o ~e; e ~~ d~r me-
tanto, tais gastos podem ser "d E ' 6 11 . ntre-
ção (pensionamento) por incapacidade laborativa se não
produzida prova pericial médica no sentido da existência
destinada à verba de funeral pres~mi os. m secção deste trabalho
batido. e sepu tura, esse pOSICionamento será de- de dita incapacidade ou, ainda, outra forma de prova de
que o ofendido exercia atividade laborativa à época do
70
71
evento danoso, justamente, quando a evidência indicar o SP: "Responsabilidade civil- Acidente com ônibus- Fe-
contrário : rimentos em passageira - Extirpação do baço - Dúvida
quanto à influência do órgão na capacidade laborativa da
"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZA- vítima- Reconhecimento desta pela perícia- Indenização
ÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. SÚMULA N. 54-STJ. devida" 106 .
PENSIONAMENTO. VÍTIMA JÁ APOSENTADA. No STJ, já se decidiu no mesmo sentido: "Em se tratan-
AUSÊNCIA DE PROVA DO TRABALHO AUTÔ- do de indenização decorrente de acidente de trânsito, a pen-
NOMO . IMPOSSIBILIDADE DE REMESSA DA são indenizatória por dano material deve corresponder ao
107
QUESTÃO PARA A FASE DE LIQUIDAÇÃO. PRE- prejuízo efetivamente ocorrido. " , . .

JUDICIALIDADE DA PENSÃO. DANO MORAL FI- Veja-se que, mesmo sendo uma ofensa grave a mtegn-
XADO RAZOAVELMENTE. DANO ESTÉTICO . SÚ- dade física da vítima, ainda pode haver dúvida quanto à sua
MULA N. 7-STJ. Não comprovado o exercício de ativi- incapacidade; prova decisiva para pôr fim a essa dúvida é a
dade autônoma pela vítima no curso da fase cognitiva prova pericial médica que deve decidir se há ou não incapa-
da lide, não faz ela jus à pensão, se já é aposentada. cidade para o trabalho e se ela é indenizável ou não.
Impossibilidade, na hipótese, de remessa da discussão Se antes do evento danoso a vítima possuía plena capa-
para a fase de liquidação, que objetiva, apenas, a apu- cidade de trabalho e, após, através de perícia médica, veri-
ração do quantum e não de direito condicional. Dano fica-se modificação nessa qualidade, de direito a condena-
moral fixado em parâmetro razoável. "A pretensão de ção do ofensor à reparação de dito dano patrimonial,_ qual
simples reexame de prova não enseja recurso especial" seja, pensionamento mensal por incapacidade labora:1va.
-Súmula n. 7-STJ. "105 Acentue-se que tal orientação encontrava guanda no
CC/16, artigo 1.539, "Se da ofensa resultar defeito pelo
qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ~u p~ofiss~o,
Essa necessidade de prova pericial médica deve ser ou se lhe diminua o valor do trabalho, a mdemzaçao, alem
mencionada e realçada, porque por mais que muitas vezes das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da
o leigo em ciência médica, no caso os advogados das partes convalescença, incluirá uma pensão correspondente à im-
e o juiz, pense que se trata de um claro evento que gerou portância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depre-
incapacidade para o trabalho, pode o médico perito, tendo ciação que ele sofreu"; e no CC/02, artigo 950, com seme-
em vista as condições da vítima e a profissão da mesma, e lhante teor: "Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofen-
outros fatores técnico-periciais, entender que não, i.e., que dido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe
não se trata de um, caso de conces~ão de verba por incapa- diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das
cidade laborativa. E exemplar o seguinte aresto do 1° T AC-
106 ] 0 TAC-SP, RT 595/ 160.
105 REsp 293166/RJ , rei. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, 107 STJ, REsp. 240.441 , rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u.,
j . 12/ 03/ 2002, DJ 20.05 .2002, p. 147. j. 25.4.2000.
73
72
. o mister de um juiz, por
nentement e int,e~ec~aJ~it~o~~~uisito (defeito que importe
despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da con-
valescença, incluirá uma pensão correspondente à impor- exemplo; da anahse .de d de trabalho)' atesta-se que esse
em perda da capao a e 1" do caso a caso, conforme as
tância do trabalho, para que se inabilitou, ou da deprecia-
arbitramento deve ser rea Jza ·s da vítima, como grau de
ção que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se pre- e pessoal
ferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga condições concre:as ia idade e sexo. .
instrução, profissa~ que e~~cd~ para o trabalho é indJcad_a
de uma só vez."
Geralmente, a mcapao :1 sobre a capacidade l~bo:a:J~
Percebe-se, claramente, a natureza patrimonial da ver-
pelo perito em_ ~m percen;~ um percentual que modJra
ba de incapacidade para o trabalho: trata-se do resultado de
sua capacidade de trabalho de valor in pecunia (lucros ou
b
va plena da vJttma; o; s J lho da vítima antes do evento
sobre o valor da força e tra a pensionamento (forma de
salários, por exemplo), que a vítima auferia antes do even-
to, e que não recebe mais, ou não possui condições de, danoso, de for~av:r~~)eâ~:i~~ ao ofendido, enquanto per-
pagamento de ta . l OS , .
depois do evento, podendo ser explicada e calculada facil-
durar tal incapaodad~ . ara ão dos textos dos codl?~s
mente pela teoria da diferença (dano patrimonial é igual ao No que se refere a c~;pd 5 ica trazida seria a possJbJ-
patrimônio antes do evento menos o patrimônio depois do de 1916 e de 2002, a n?~l a oe u; amento de tal pensão ~e
evento, ou verba de incapacidade laborativa é igual ao valor \idade de requerer a Vlttm~ ,P dge pensionamento podena
da força de trabalho antes do evento menos o valor da força ·a ao1nves . d ão
uma única vez, ou se) ' f ência ao prejudica o, e n
de trabalho após o evento).
a vítima (o texto fala em ~re e~~olha da forma de pagamen-
Outrossim, percebe-se que há os seguintes requisitos
em faculdade ao ofensor e ma só oportunidade, como
básicos para a concessão da verba atinente à incapacidade . ·r o pagamento em u
to ) ex1g1
laborativa: (i) ofensa que resulta em defeito-prejuízo à in-
tegridade física do ofendido, (ii) que esse defeito-prejuízo verba venci·da . 1 al mms . uma vez, vê-se que
Da análise do novo textod eg 'chance de inovar ou me-
importe em perda ou diminuição da capacidade de traba- Código Civil de 2002 per eu a
0
lho, e (iii) que tal perda ou diminuição seja caracterizada, · te ·
lhorar o sistema vlgen . d . . . a celeuma sobre o artJgo
provada, indiscutivelmente. lo mmtr 'f.
Essa ofensa, que resulta em defeito ao ofendido, pode Poderia, por exem P ' . acidade espeCJ ICa ou ge-
1 . 53 '9 CC/16, que trata de mcap ente em nossos Tribu-
ser tanto na integridade física, quanto na moral, ou até D' ·da perman
mesmo, na psíquica; o que deve ser lembrado, segundo ral para o trabalho. uvl . ossibilidade de exercer a
. decide que basta a 1mp
requisito, é que import e em perda ou diminuição da capa- na1s: ora se
cidade de trabalho; assim, por exemplo, respectivamente,
orária ou permanente, pelo que ~o
enquanto a perda de um membro superior, um braço, ense- oderá ser, portanto, temp " erá elo período mdtca o
ja nítida conotação de perda ou diminuição da capacidade ~~~o ~~~~mporária, ~~~:~~
logicamente, a Sob~e
:er vftalícia. as~
desse
de trabalho, dependendo da profissão, um abalo moral ou e pennanente, ecçao estma
de incapaci d ad e e , s . ento a seguir se tem s
psíquico pode também importar em sensível perda da ca- pecto do termo final do penstonam ,
pacidade de trabalho, bastando lembrar de profissões emi- da a esse tema. 75

74
.b .l1·dade de fazê-lo está fora da presunção le-
profissão anterior e a pensão devida corresponde ao valor A mera poss1 1
do salário antes auferido; ora se decide que o que importa gal. . t, . s em se tratando de acidente de
é a incapacidade geral, ou seja, se há possibilidade de exer- 2 . Os Juros mora
. . ono , gime da responsa b"l"d
1 1 ade ex-
cer outra profissão, pelo que a pensão deveria corresponder trabalho, estão suJeitos ao re S, la no 54 da
tracontratual aplicando-se, portanto, a umu
ao percentual de incapacidade geral para o trabalho. Disso
o CC/02 não cuidou claramente. Entretanto, tendo em vis- Corte . ~ d 0 moral quando
3 . É pertinente a condenaçao por
.
an
ainda
.
mats quan
d
ta a segunda parte do caput, art . 950, indica-se que tanto ~ , , de por menor que seJa, do,
pode o juiz atender à incapacidade específica ("defeito há 1esao a sau , . .d d bsoluta e permanente o
como no caso, gera mcapac1 a e a . -
ofen~i~ ;;::,~:~~c~:~~::::s:::,o:;s~~~ ao desabrigo, no
pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou
profissão"), quanto à incapacidade genérica ("ou se lhe di-
minua a capacidade de trabalho"), conforme as situações . ão provado pela instítUiçao fmancetra que
caso, porque n .
peculiares de cada caso, interpretação essa que se justifica
não poderia ter ocol~nddo . . . rudência da Corte entende
na substituição do "valor do trabalho", que se tinha no an-
5 · A mais atua tza a JUnsp
· 1 egurar o pagamen-
tigo código, por "capacidade de trabalho", já no novo códi- cabível a constit_uiçã~ de capt~a p~ra :s:córdão recorrido a
go, em oposição à incapacidade específica da expressão to da condenaçao, na o examman o . ~ m folha
"ofício ou profissão", que consta no mesmo artigo. ossibilidade de sua substituição pe,la ~ncl,u~ao e f .de
O STJ já se pronunciou sobre o tema, pela quantifica- p 6. Vivo o ofendido, a pensão e V1tahCia, na orma
ção conforme a incapacidade específica, no seguinte jul- monótona jurisprudên_ciladda C~r~:· conhecido e provido e
gado: 7 Recurso espeCia a au 0 . ~ h ·_
. . al da instituição financetra na o con eCI
"Indenização. Dano material e dano moral. Acidente recurso espeCI
109
do trabalho. DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado do." , d. a possibilidade de
ao Trabalho). Artigo 1.539 do Código Civil de 1916 (950 "Inovação" consiste no novo co tgo n . .
, . . , . erceber o valor de dtto penstona-
do vigente). Prova do dano. Lucros cessantes. Juros morató- a vtttma, a seu cnteno, p ba t"ntegralmente vencida,
a só vez como ver
rios. Precedentes da Corte . mento d e um d' ~ ao invés de parcelas ven-
d d omento a execuçao, ~
l. O art. 1.539 do Código Civil de 1916 (art. 950 do quan o o m d até a data de execuçao
vigente), na parte final, estabelece que a pensão será cor- cidas - da dat~ do edvento an~ãs~ diferida desde a data de
respondente à 'importância do trabalho, para que se inabi- - e parcelas vmcen as - pen te
' l · apacidade permanen ·
litou, ou da depreciação que ele sofreu'. Com isso, o que execução e vita ícia -_. se m~ orre no plano da
vale para a fixação do percentual, em princípio, é a incapa- Entretanto, essa movaçao apena~ oc , . o não revia
cidade para o trabalho que exercia no momento do ato legislação civil anterior, porque o anttgo cod1g p
lesivo, pouco relevando que haja incapacidade apenas par-
cial para outras atividades, salvo a comprovação de que o 1/MG Relator Ministro CARLOS ALBERTO
109 STJ- RE sp 569 ·35 ' 04 2005 304.
ofendido efetivamente exerce outro emprego remunerado. MENEZES DIREITO , j. 07 !12/2004, DJ 04. . ' P·
77
76
essa possibilidade, mas a jurisprudência já vinha admitindo
o arbitramento e pagamento de uma só vez da verba d e condenação, atingindo também prestações, vi~c~ndas alér:'"
. de um ano e sim sobre o que já desde logo e exzgwel, e mazs
pe~s1_onamen~o mensal. Nesse sentido, o STJ já decidiu :
um ano da~ vincendas, excluído desse cálculo o capital dado
Cwzl, In_demzação, Homicídio. Pensão mensal. Julgamento
extra-petzta. A suspensão do processo, na hipótese de que em garantia. 3. É possível a cumulação da indenizaç~o por
trata o art. 11 O, do CPC, é facultativa , estando entregue ao dano moral e dano estético. Precedentes. 4. A necesszdade
P_rudente exame do juiz, em cada caso, que deve ter uma de cirurgias reparadoras durante alguns anos justifica o de-
lznha de conta a possibilidade de decisões contraditórias ferimento de verba para custear es~as desp~sas, mas sem a
lmpossi~ilídade de decisões contraditórias na espécie ver~ imediata execução do valor para zsso arbztrado, uma vez
tente. Az_n~a_que adnútida a tese de legítima defesa putati- que 0 numerário necessário para cada oper~ção deverá se_r
va, subszstzna a obrigação de reparar 0 dano, visto não ser antecipado pela empresa-ré sempre_ qAue ~sszn;- for determz-
caso ~e exclusão de ilicitude. Julgamento extra-petita ca- nado pelo juiz, de acordo com a exzgencz~ medzc_a .. ~ ~eve­
ractenzado. Pretensão de pensionamento deduzida em con- dora constituirá um fundo para garantzr a exzgzbzlzdade
so~~ncia, aliás, com o disposto no art. 1.53 7, li, d~ Código dessa parcela. 5. O valor do dano estético, q~e na_ verdade
Cwzl, tendo a sentença, chancelada pelo acórdão, determi- foi deferido para cobrir as despesas com as czru:g_zas a ~ue
nado o pagamento da indenização de uma só vez. Postulada necessariamente será submetida a pequena vztzma, fzca
mantido. Recurso conheczdo. em parte e provz"d o. >!]]]
a apuração e fixação em liquidação por arbitramento a
condenação em quantia certa, quanto ao dano moral des- Mas esse pagamento "de uma só vez" não se confunde
borda do pedido. Por maioria, vencido o Relator qua~to ao com o pagamento imediato da verba atinente aos danos
ponto, estabeleceu-se que o pensionamento aos filhos será morais, que sempre devem ser pagas de uma só v~z~ nunca
devido até a idade em que completarem 25 anos."lJo parceladas, salvo acordo entre as partes ou cond1çoes ex-
Em sentido contrário, porém, há também aresto do traordinárias, como, por exemplo, dificuldade por pa~te d~
STJ: "RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano pessoal. Atro- ofensor de pagamento de uma só vez sob pe~~ de nsco a
pelar:zento. Pensão mensal. Dano moral. Dano estético. Ci- atividade de empresa, pelo que deve ser permitido o parce-
rurgz::zs reparadoras. Honorários . Indenização. Má-fé. I . A lamento nessa hipótese para garantia e total pagamento da
pensao mensal devida pela incapacidade parcial e perma- condenação. 112
nente para o trabalho deve ser paga parceladamente pois se
trr.:!'t~ de obrigação duradoura, com prestação dif~rida, e 111 REsp . 347978/RJ, Relator Ministro RUY ROSADO DE
nao zmf.!osta para ser paga de uma só vez, no valor certo já AGUIAR, j. 18/ 04/ 2002, DJ 10.06.2002, p. 217.
determmado. Para a garantia do cumprimento dessa obri- 11 z Portanto, repetimos, não se deve confundir_ o pagamen_to de uma
gaç~o, a empresa devedora constituirá capital. 2. Os hono- só vez do pensionamento com o pagamento imediato e_tambem de uma
rárws advocatícios não devem incidir sobre a totalidade da só vez das verbas extrapatrimoniais. E nesse sentido ha franca _Ju_n~pru­
dência. "Responsabilidade civil do Estado- Objetiva- Ep1sod10 da
'Favela Naval'- Morte de cidadão por disparo de arma de fogo defla-
110 Em REsp 47246/ RJ. Ministro Costa Le ite, j. 27.03.95. grada por policial militar - Ressarcimento do d~no moral à .n:ãe e a
-nove irmãos da vítima - Não configurados, porem, os requisitos do
78
79
Saliente-se que no momento d b.
gamento das pensões de , o ar 1tramento para pa- conclusões para arbitramento da quantia para pagamento
uma so vez a be d
1 o juiz devera' arb't d
cessua' ' m a or em pro- de uma só vez da verba atinente à incapacidade laborativa:
. 1 rar a conden - d
mcapacidade laborativa de duas t a~ao a pensão por (i) o valor total deve ser fixado levando-se em conta o
tença: (i) valor para p ormas, frxando-as em sen- valor unitário: a base de cálculo para a verba deve ser o
agamento mensal · 1' ·
nente a incapac1·dade·, sen d o tem , · vrta ICJo (se perma- valor da pensão mensal por incapacidade laborativa; assim,
cado de incapacidade) ou s . rorana, pe1o tempo indi- se determinado ofendido recebia I 00 por mês de salário, e
centagem de deprecia~- d eJa, va ~r correspondente à per- sua incapacidade laborativa foi fixada pericialmente em
valor de quantia "arbitr:~a"a capacr~ade de trabalho, e (ii) 50%, o valor de pensão mensal é de 50, valor esse que deve
trada" - pelo J·uiz -esse e o termo da lei: "arbi- ser considerado para o cômputo do valor total arbitrado;
' para o caso de
vez, devendo o magistrad 1 pagamento de uma só (ii) o valor total deve ser fixado levando-se em conta a
esco lh a dessas possibilidades 1 var da. possJ'b·l·d
o ressa 1 1 ade de sobrevida provável do ofendido: assim como o art . 948, inc.
mento da execução da pe o ofendrdo quando do mo-
. sentença. II, do novo Código, consolida a jurisprudência no sentido
Ainda analisando esse dis . . de que a pensão para os beneficiários no caso de morte do
deve-se dizer que co poslJtrvo do novo Código Civil ofendido deve ter como termo final a "duração provável da
' mo ressa tamo '
quantia "arbitrada" m - d' s, o texto de lei diz vida da vítima", seguindo a mesma ratio legis, de direito a
A , as nao rz de r
computo. que 1 orma será esse consideração da sobrevida da vítima para o cálculo do valor
Não resta dúvida que é d . arbitrado para pagamento de uma só vez da verba de inca-
tramento, já por aplicação d po erJ~erente ao juiz tal arbi- pacidade laborativa; assim, se determinada vítima possui
Código de 1916 e d d ' o que rspunha o art. 1.553 do
95 O, do novo Código' o rsposto no pa , r , . ' 30 anos quando do evento danoso, de direito a considera-
Civil p , ragraJ o unrco do art. ção de 35 anos de pensionamento, vez que a jurisprudência
. orem, forçosas as seguintes
majoritária considera 65 anos como a sobrevida provável
atual; 113
pensi~namento, à genitora, a título de ressa .
- Açao parcialmente procedente I rCJmento por dano material
tar, que deve ser paga de um , - ndemzação de natureza alimen-
d f asovez-Jur d
o ato (cfr. Artigo 962 do Códi C' . os e mora contados da data
113 Entretanto, não se deve confundir o termo final do pensionamento
Tribunal de Justiça) - S t go JVJJ, e Súmula 54 do Superior
de ofício e voluntários das ~:r~nç~ Jntegr~mente mantida - Recursos
para os casos de morte e de incapacidade laborativa. Para o caso de
076.461-5- São Paulo- 7• ~~ Jmpr~vJ os." TJSP, Apelação Cível n morte, o pensionamento é realizado para os beneficiário-dependentes
da vítima-falecida, e assim o termo final deve ser a data de sobrevida
- Relator: Lourenço Abbá FiJh~maraO lulho/2000" de Direito Públic~
RAL-I. n d emzaçao-
· - 9 provável da vítima. Já para o caso de incapacidade para o trabalho, o
Morte de fJh ·10.00-VU ... ,· "DANOM 0- pensionamento é realizado para a vítima-sobrevivente e o termo final
- Admissibilidade - Irrelevâ . Ido n:enor em acidente de trânsito
desse pensionamento não pode ser a sobrevida provável da vítima, uma
-Reparação que não significa nCJa -e nao !exercer atividade lucrativa
de uma só vez e de imediato n _re~sa~ ?u a imentos, devendo ser paga vez que não podemos presumir que a vítima vá morrer realmente na-
a vítima atingiria 14 anos de Jda~o J~S~J!JTcaAnCd? a espera da data em que
quela data, sob pena de, vivendo mais que a sobrevida provável, a víti-
e. ' IvSP, RT 645/121. ma vá ficar desamparada justamente em elevada idade, pelo que, por
80 isso, nesse caso, a pensão deve ser vitalícia.

81
Eneas de Oliveira Matos
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo; Master in Law and Economics pela Universidade de
Hamburgo, Alemanha; Doutor em Direito Civil pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo __'h"'~_

DANO MORAL E DANO ESTÉTICO

RENOVAR
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© 2008 by Livraria Editora Renovar Ltda. Agradecimentos
Conselho Editorial:
Arnaldo Lopes Süssekind - Presidente
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Caio Tácito (in memoriam)
Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.
Celso de Albuquerque Mello (in memoria
o presente livro teve como base o texto de tese de
Ricardo Lobo Torres doutoramento apresentada, e aprovada em banca, compos-
Ricardo Pereira Lira ta pelos Profs. Fábio Maria De-Mattia (USP), Teresa An-
Revisão Tipográfica: Fernando Guedes cona Lopez (USP), Gilberto Bercovici (USP), Hélio Bor-
Capa: Raphael Stocker ghi (UNESP) e André Ramos Tavares (PUC-SP), perante
Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. o Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo - USP em março de 2005.
N? 0887 A tese, assim como o trabalho revisto e atualizado que aqui
se apresenta, foi eminentemente uma tese de Direito Civil
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Constitucional, sobre Responsabilidade Civil, princi-
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. palmente no que se refere aos danos causados à pessoa
Matos, Eneas de Oliveira
humana.
M224d Dano moral e dano estético / Eneas de Oliveira Matos. - Rio O trabalho que levou à tese e sua aprovação dedico aos
de Janeiro: Renovar, 2008. meus pais, Antonio de Oliveira Matos e Hilda Damasio
382p. ; 21cm.
Matos, e aos professores com quem aprendi direito civil no
Inclui bibliografia.
ISBN 978857147-664-6 Largo de São Francisco, meu orientador Prof. Titular Fábio
1. Direito civil - Brasil. I. Título. Maria De-Mattia, que agradeço o apoio à pesquisa desde a
CDD 346.81052
graduação, ao Prof. Titular Antonio Junqueira de Azevedo,
que me apresentou ao estudo da interpretação do Direito
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98)
Impresso no Brasil Civil conforme a Constituição no curso de pós-graduação
Printed in Brazil
parâmetros adotados por esta Corte, em hipóteses se- evidentemente e tão-somente daqueles que arcaram com
melhantes, razão pela qual deve ser majorado. Indeni- os prejuízos materiais com origem no evento danoso. Pode
zação fixada em R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil ser a própria vítima, no caso de dano à integridade física, ou
reais). seus dependentes-beneficiários, no caso de dano morte.
Entretanto, acentue-se que não se deve confundir a
5. Tratando-se, na hipótese, de responsabilidade objeti- questão da legitimidade para danos morais e patrimoniais
va e contratual da empresa de transporte, os juros mo- com a reparabilidade dos mesmos. Assim, pode haver a
ratórios devem ser aplicados a partir da citação. Prece- negação de pedido de dano moral, por inocorrência, mas
dentes. haver o direito aos danos patrimoniais, já que gastos e efe-
tuados por aquele legitimado a tanto, como decidiu o
6. Conforme entendimento firmado nesta Corte, "nas TJSC: "Responsabilidade Civil - Indenização - Dano
reparações por dano moral, como o juiz não fica jungido moral - Morte do marido por dano irreversível causado
ao quantum pretendido pelo autor, ainda que o valor por animal - Esposa que vivia em concubinato com outro
fixado seja consideravelmente inferior ao pleiteado homem - Inadmissibilidade - Ressarcimento apenas do
pela parte na inicial, não há que se falar em sucumbên- despendido com despesas de funeral e túmulo".152
cia recíproca". Precedentes.

7. Não procede a alegação de que, sendo a condenação


3.1.2. Dos danos à pessoa extrapatrimoniais
fixada em salários mínimos, não deveria incidir sobre
ela correção monetária. De fato, o Tribunal a quo arbi-
trou a indenização por danos morais "em valor equiva- A reparação dos danos extrapatrimoniais constitui uma
lente a 500 salários mínimos, ou seja, R$ 120.000,00" das maiores conquistas no direito brasileiro do século XX,
(fls. 124). no Brasil, notadamente após a Constituição de 1988, que,
como já dito, com a positivação no art. 5°, ines. V e X, da
8. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa possibilidade de reparação do dano moral deixou essa ques-
parte, provido. "151 tão com resposta definitiva: são reparáveis os danos extra-
patrimoniais em nosso ordenamento.
3.1.1.5. Legitimidade ativa à reparação dos danos patrimo- Nesse sentido, os danos à pessoa extrapatrimoniais po-
niais
dem ser divididos em danos estéticos (quando ofensa con-
Por fim, ainda no que se refere aos danos patrimoniais, tra a integridade física), morais (quando, contra a integri-
a legitimidade para o pedido de verbas dessa natureza é dade moral) e psíquicos (quando, contra a integridade psí-
quica).

151 REsp. 721091/SP, reI. Min. JORGE SCARTEZZINI, j.


04/08/2005. 152 TJSC, RT 606/187.

108 109
3.1.2.1. Dano estético so; pode-se até deixar para processo de liquidação o trata-
mento médico devido e outras verbas atípicas, mas se há ou
Neste trabalho há secção integralmente dedicada ao não dano estético, isso deve vir na sentença e só a prova
dano estético e sua interface com o dano moral, pelo que pericial na fase de conhecimento pode alcançar essa respos-
neste ponto, apenas teceremos os caracteres fundamentais ta para a sentença. Tanto assim que decidiu o 10 TAC-SP:
para a configuração e legitimidade para pedido de dano à "Prova - Perícia - Indenização por dano físico decorrente
pessoa estético. de acidente de trânsito - Realização relegada para a fase
O primeiro requisito para a configuração do dano esté- de execução da sentença - Inadmissibilidade - Matéria
tico é a sua prova mediante perícia médica, que ateste se que deve ser apurada na fase de conhecimento - Sentença
houve ou não uma modificação involuntária da integridade anulada" .154 Entretanto, tenho que não seria o caso de anu-
física da vítima. Essa prova deve ser pericialmente produzi- lar a sentença, mas sim de improcedência do pedido por
da tendo em vista a gravidade da questão e da impossibili- falta de prova, ou de fixação em valor zero, respeitando-se
dade de sua produção testemunhalmente, como já decidiu o princípio do ônus da prova. Ciente o autor de que devia
o 10 TAC-SP: "Indenização -Acidente ferroviário Pro- provar o dano estético, não o provando na fase de conheci-
va testemunhal insatisfatória quanto aos danos físicos e à mento, mesmo a sentença conferindo verba de dano estéti-
efetiva incapacidade deles resultante - Procedência da co e deixando para liquidação a produção de prova pericial
ação decretada, relegada a perícia médica pela sentença para o fim de caracterização do dano estético, mesmo que
para a fase de liquidação - Inadmissibilidade - Matéria evidente, o juiz da execução deve ou negar o pedido na:
que deve ser apreciada na fase de conhecimento, inclusive liquidação por falta de prova, ou admitir que o mesmo foi
com determinação de ofício - Instrução encerrada antes de conferido na sentença, mas que, por falta de prova de sua
esgotada a prestação jurisdicional - Impossibilidade de natureza e intensidade, deve ser fixado em zero, tendo em
suprimento em 2° grau - Nulidade da decisão decretada, vista, sempre e nas duas soluções, o cumprimento da regra
determinada a complementação da prova - Aplicação dos processual do ônus da prova. Entretanto, se não bastasse a
arts. 130, 276 e 333 do CPC".1S3 E a importante questão reforma do CPC no sentido de praticamente abolir o pro-
processual que o dano estético requisita: para que o pedido cesso de liquidação, a prática da responsabilidade já indica-
de dano estético seja conferido é forçosa a sua caracteriza- va que na grande maioria dos casos o dano estético e o
ção, e essa deve ser pericialmente comprovada; tendo em dimensionamento dos gastos com tratamento, por exem-
vista esse fator de prova, para a procedência do pedido não plo, já são indicados na prova pericial no processo de co-
pode deixar o autor da ação a prova pericial para a fase de nhecimento, e não mais se justificando um processo de
execução, haja vista que não se pode fazer liquidação da- liquidação de verbas.
quilo que não existe, e não existe dano moral sem a sua Outro ponto importante que merece estudo é que nada
prova e caracterização na fase de conhecimento do proces- impede a configuração de dano estético em casos em que

153 Do 1° TAC-SP, RT 642/153. 154 Do 1° TAC-SP, RT 635/223.

110 111
não foi caracterizada perda de capacidade laborativa, isto legitimidade à terceiro tendo em vista dano estético causa-
porque são verbas totalmente autônomas e cumuláveis. ISS do à vítima. ISS Sobre essa hipótese de legitimidade - dano
Ora, as verbas de danos patrimoniais e extrapatrimoniais moral reflexo ou indireto, adiante teceremos considera-
são independentes e plenamente cumuláveis, e assim são, ções com maior atenção.
respectivamente, as verbas de incapacidade laborativa e de Assim sendo, só é possível o pedido de reparação de
danos estéticos quando formulado pela vítima direta desse
dano estético.
dano.

3.1.2.2. Dano moral


3.1.2.1.1. Legitimidade ativa à reparação de dano estético
N o que se refere à possibilidade de ocorrência de dano
O dano estético, devido à sua natureza de ofensa direta moral por ofensa à integridade física, essa questão hoje é
à integridade física, enseja, em regra, legitimidade apenas
pacífica. Pode, claramente, uma pessoa que se vê atingida
ao titular do bem jurídico ofendido. Ou seja, legitimado
por evento danoso que a mutila, promover ação pleiteando
está para o pleito de danos estéticos apenas a vítima de
não só danos estéticos, mas também danos morais em razão
ditos danos estéticos.Is 6
do mesmo evento. De fato, inclusive esse é o tema central
Nesse sentido, Larenz, quando nos ensina sobre os legi-
deste trabalho, a cumulação das verbas atinentes ao dano
timados por ofensa à integridade física, é claro ao dizer que
moral e dano estético.
a regra geral é a vítima ser o titular da ação de reparação por
tais danos.Is 7
Em nosso direito positivo, a teor dos artigos 1.538 e
3.1.2.2.1. Legitimidade ativa à reparação dos danos morais
1.539, do antigo Código Civil, e dos 948 e 949 do CC/02,
tem-se a mesma conclusão: legitimados para o pleito de
Não há que se considerar aqui as hipóteses discutidas
danos estéticos são somente suas vítimas.
Não há aqui que se confundir o direito à reparação de ultimamente em nossos Tribunais Is9 , e na doutrina, por
dano estético causado à vítima direta de evento danoso
com o direito à reparação de dano moral a que se permite
158 Por exemplo, veja o caso de evento danoso que resulta em mutila-
ção de menor; em primeiro lugar, temos a legitimidade do menor à
155 Apenas a título exemplar, "Indenização - Dano estético - Capa- reparação por dano estético; em segundo lugar, temos a legitimidade do
cidade laborativa não atingida - Irrelevância - Verba devida - Apli- menor também para pedido de dano moral e, em terceiro lugar, temos
cação do princípio da "restitutio in integrum"", do TJSP, RT 616/64. a legitimidade dos pais do menor para pedido de danos morais advindos
156 Nesse sentido, sobre dano estético e direitos da personalidade e de possível abalo psíquico e emocional em razão do grave dano estético
sua relação com o dano à integridade física, bem como legitimidade, v., causado em filho menor. Sobre essa hipótese adiante há tópico especí-
por todos, LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 1980, p. 17 e ss. e p. 79. fico.
157 LARENZ, Karl. Derecho de obligacíones. Trad. de Jaime Santos 159 Por isso, a seguir, traremos apenas alguns extratos para ilustração
Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959. t. 2, p. 215. para não deixarmos sem demonstração essas hipóteses.

112 113
exemplo, de dano moral por devolução indevida de che- dano moral por atraso de VÔ0 163 , dano moral por extravio de
ques por instituição bancária 160, dano moral por envio inde- bagagem 164 , dano moral por preconceito raciaP65 e dano
vido de nome a cadastro de inadimplentes - como sepe,
SERASA _161, dano moral por propaganda enganosa 16Z ,
poucos recursos. Assim, se a interessada não conseguiu assinar o contra-
to de financiamento porque não tinha condições de comprovar possuir
160 TJSP, 8" Câm. Civil, Ap. Civ. nO 113.554-1-São Paulo, reI. Des. renda mínima muito maior do que, inicialmente, lhe fora exigido, é de
José Osório, j. 12.09.1989, v.u., em BoIAASP, 1781/57, de se rescindir o contrato preliminar, com a devolução das quantias pagas,
10.02.1993. E também, v., "Cambial- Duplicata - Pedido de inde- e com a condenação por danos morais, pelo vexame sofrido", TJRJ, 9a
nização por dano moral deferido - Títulos renegociados - Cobrança Câm. Cível, Ap. nO 2.328/97-RJ, ReI. Des. Nilson de Castro Dião, j.
em época fora da ajustada, resultando suas devoluções sem pagamento 04.07.1997, V.U., ementa., em BolAASP, 2086/l69-e, de 21.12.1998.
pelo banco sacado e inclusão do nome do sacador como emitente de 163 "Transporte aéreo. Atraso. Viagem internacional. Convenção de
cheque sem fundos junto ao Cadastro de emitentes de cheques sem Varsóvia. Dano moral. Código de Defesa do Consumidor. O dano mo-
fundos junto ao Banco Central do Brasil (CC/16/16F). Recurso do ral decorrente de atraso em viagem internacional tem sua indenização
banco por incabível a indenização por dano moral e redução da indeni- calculada de acordo com o CDC. Demais questões não conhecidas.
zação. Recurso do autor para sua elevação a cem vezes o valor atualiza- Recurso dos autores conhecido em parte, e, nessa parte, parcialmente
do dos cheques indevidamente devolvidos ou outro valor maior a ser provido. Recurso da ré não conhecido", STJ, REsp. 235678/SP, DJU
arbitrado. Inadmissibilidade. Evidente o dano moral decorrente da con- 14/02/2000, p. 00043, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.
duta do banco. Verba indenizatória adequada que atinge um valor equi- 02/12/1999,4° T.
valente a pouco mais de trinta salários mínimos, suficiente para com- 164 "Indenização - Extravio de bagagem Dano moral- Conven-
pensação da dor do autor e conferir caráter punitivo ao banco. Recursos ção de Varsóvia que contempla somente danos materiais Irrelevân-
improvidos." (lo TAC-SP, 2a Câm. Extraordinária B, Ap. nO 719.878- cia, em face da supremacia da Carta Política brasileira, em relação a
l-São Paulo, ReI. Juiz Marcos Zanuzzi, j. 17.06.1997, v.u.) BolAASP, tratados e convenções internacionais ratificados pêlO· Brasil Verba
2053/557-j, de 04.05.1998. devida - Inteligência do artigo 5°, incisos V e X, da CF -'- Ementa
161 "Indenização - Responsabilidade civil- Dano moral- Protesto Oficial: O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a
cambiário indevido - Desnecessidade de provar a existência de dano indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos
patrimonial- Verba devida - Artigo 5°, inciso X, da Constituição da morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de cons-
República - Recurso provido.", TJSP, 2 a Câm. Civil, Ap. Cível nO trangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes de extravio de
131.663-1- Taubaté, ReI. Des. Cezar Peluso, j. 16.04.1991, V.U., em mala, cumpre observar a Carta Política da República - incisos V e X
JTJ 134/151. BolAASP, 2013/07-m, de 28.07.1997. do artigo 5° no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo
162 "Dano moral- Compra e venda de imóvel- Propaganda engano- Brasil", STF, 2 a T., RExt. nO 172.720-9-RJ, ReI. Min. Marco Aurélio, j.
sa - Código do Consumidor- Cabimento - Se o agente promotor da 06.02.1996, v.u., em RT 740/205, em BeIAASP, 2048/37-m, de
venda de empreendimento imobiliário faz propaganda na qual mencio- 30.03.1998.
na que as prestações serão módicas, e não esclarece que haverá reajus- 165 "Indenização Dano moral - Palavras ofensivas Dever de
tamento, pratica propaganda enganosa. E, se na proposta assinada pela compensar a dor moral Procedência parcial em 1° grau - Pretensão
interessada no negócio, consta que a renda familiar é de uma determi- de elevar o quantum indenizatório - Critérios de valoração subjetivos
nada quantia, o que é reiterado no termo de compromisso, e nada fica - Artigo 5°, inciso V, da Constituição Federal - Recurso provido
dito sobre a possibilidade de que, no ato da escritura de financiamento, parcialmente para elevar a indenização - O insulto sofrido pela apelan-
poderia ser exigida quantia superior, reitera-se a prática enganosa, mor- te teve forte sentido de menosprezo à pessoa humana, além de caracte-
mente quando o empreendimento é destinado a pessoas humildes, com rísticas de preconceito racial, cabendo, nos termos da Magna Carta, a

114 115
moral por contágio de AIDSI66; entretanto, discutiremos petrada na vítima direta -legitimidade extraordinária de
aqui o caso de dano moral pleiteado por pessoa jurídica, danos morais por ofensa à integridade física.
tendo em vista a importância de que se revestiu essa hipó- A esses casos são destinados os dois próximos tópicos.
tese nos últimos tempos e diante de importante disposição
sobre a aplicação dos direitos da personalidade às pessoas
jurídicas no novo Código Civil. 167 3.1.2.2.1.1. Legitirn!rlade por dano à integridade física
J á no que se refere ao tema da legitimidade para o pe-
dido de danos morais, no que tange à cumulação com os Trata-se da hipótese mais comum de dano moral por
danos estéticos, há duas situações bem nítidas e distintas: ofensa à integridade física. É o caso de pedido de reparação
(i) ofendida uma pessoa em sua integridade física, da legi- de danos morais formulado pela própria vítima da ofensa à
timidade da própria pessoa por danos morais -legitimida- integridade física. Definimos esse caso de legitimidade or-
de ordinária de danos morais por ofensa à integridade físi- dinária de danos morais por ofensa à integridade física. A
ca -, e (ii) da legitimidade de terceiros, que se julgam legitimidade e a reparação aqui se justificam diante dos
atingidos moralmente, pela ofensa à integridade física per- notórios danos causados diretamente contra a vítima. Per-
petrada a ofensa que atinge a vítima, causando-lhe abalo
em sua integridade física, independentemente do dano es-
recomposição dos danos sofridos, com base na repercussão do fato, na tético causado, é evidente que é causado também um forte
capacidade do ofensor suportar a condenação e na possibilidade de abalo emocional, justificando a concessão de reparação por
proporcionar à vítima condições de experimentar um benefício que lhe dano moral.
amenize a aflição moral.", TJPR, 4 a Câm. Cível, Ap. nO 55.179-5-PR,
ReI. Des. Octávio Valeixo, j. 04.03.1998, v.u., em BolAASP, Deve-se anotar que se trata de hipótese de dano moral
2090/855-j, de 18.01.1999. por presunção relativa. Pode ocorrer dano estético e não
166 "Indenização - Responsabilidade civil. Contágio pelo vírus da dano moral, por exemplo, no caso de ofensa diminuta na
AIDS. Culpa de companheiro, em relação concubinária. Exclusão de integridade física de determinada pessoa, e tão diminuta
propalada culpa concorrente da vítima. Cumulação de indenizações por que não importa em qualquer conseqüência da relação da
danos moral e material. Admissibilidade. Não configuração de outorga
indenizatória, pelo dano moral, superior ao pedido. Acerto no deferi- vítima com seu corpo e com o mundo exterior; nesse caso,
mento de indenização por serviços especiais prestados ao paciente, até há dano material, com vistas ao custeio do tratamento mé-
o advento de sua morte. Caso em que, para tanto, precisou a autora dico para a ofensa à integridade física causada; há dano
deixar seu emprego fixo, dedicando-se exclusivamente ao companhei- estético, porque a ofensa é definitiva, porque houve uma
ro. Inexistência de excesso no arbitramento da verba honorária. Recur-
sos não providos", TJSP, 10a Câm. de Direito Privado, Ap. Cível nO modificação involuntária na integridade física da vítima,
248.641-1/8-Barretos, ReI. Des. Quaglia Barbosa, j. 23.04.1996, V.U., devendo o juiz arbitrar um valor a esse título; mas não há
em BolAASP, 1965/266-j, de 21.08.1996. dano moral, uma vez que não causa repulsa na sociedade,
167 A esse respeito, no capítulo atinente às inovações em sede de res- não acarreta abalo emocional na vítima, não é suficiente-
ponsabilidade civil no novo Código, temos tópico destinado ao estudo mente grave o dano para fins de reparação, não cabendo
dessa hipótese de dano moral.

116 117
qualquer direito à reparação por dano moral. Fundamen- dano moral com o material, desde que pleiteado pela própria
tam essa posição os ensinamentos de Teresa Ancona Lopez: vítima. Nesse sentido, consultem-se os RE 95.103 (RTf
"Finalmente, o dano estético acarreta um dano moral. Toda 108/646); 100.297 (RTf 110/342); 89.558 (RTf
essa situção terá de causar na vítima humilhações, triste- 89/660); 83.296 (RTf 83/172) etc. 11170
zas, desgostos, constrangimentos, isto é, a pessoa deverá sen- No mesmo sentido, citando vasta jurisprudência do
tir-se diferente do que era - menos feliz. Há, então, um STF, é Sérgio Severo, ao analisar a reparação do dano moral
sofrimentos moral tendo como causa uma ofensa à integri- na jurisprudência anterior à Carta de 1988: liA admissão da
dade física e este é ponto principal do conceito de dano esté- satisfação do dano moral em caso de lesão corpórea expressa
tiCO." 168 um entendimento que triunfou na jurisprudêncía do Supre-
Desta feita, dessa primeira hipótese, da legitimidade mo Tribunal Federal. Em verdade, uma tal parcela expressa
ordinária, vale lembrar que mesmo antes da CF/88, tinha- o dispositivo legal do decreto que regula a responsabilidade
se o entendimento da possibilidade de tal pleito. cívil das estradas de ferro, assim como o Código Civil tam-
Esse posicionamento era possível pela interpretação bém prevê expressamente a indenização dos danos extrapa-
dos arts. 76, 159, l.538 e l.539 do antigo Código Civil. Era trimoniais neste caso. 1117l
o entendimento no sentido de que essa seria uma hipótese Mais uma vez, para não se questionar que são interpre-
de possibilidade de pleito de danos morais para o caso de tações isoladas, no estudo das decisões de nossa mais alta
ofensa à integridade física, conforme esses dispositivos do corte, em matéria de cumulação de pedidos indenizatórios,
Código de 1916. 169 antes da Carta de 1988, valemo-nos das palavras de João
Cavalieri Filho diz que, mesmo antes da CF/88, a hipó- Casilo: IiQuanto à possibilidade da cumulação da indeniza-
tese em testilha sempre foi de permissão pelo pleito de ção por dano patrimonial e extrapatrimonial o STF vem
danos morais: liA nossa Suprema Corte, tendo em vista que
admitindo 'no caso de lesão deformante causadora de am-
o dano moral atinge bens ligados aos direitos fundamentais
bos esses prejuízos' ou quando o pedido é feito pela 'própria
do homem, como à sua honra e integridade moral, deu um vítima'. 11172
passo à frente, passando a admitir a cumulabilidade do
Assim sendo, fazendo-se clara a matéria, valemo-nos de
alguns extratos do entendimento do TJRJ e do STF, julga-
168 LO PEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2. dos antes da Carta de 1988, sendo expressos pela legitimi-
ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. p. 44.
dade da própria vítima por dano moral no caso de ofensa a
169 Nesse sentido, v., DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade ci-
vil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 2, p. 757-758; No mesmo
sua integridade física: liA jurisprudência do STF entende
sentido, de previsão legal expressa de reparação de danos morais, cami-
nha a melhor doutrina, ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obriga-
ções e suas conseqüências. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1955. p. 245; 170 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil.
GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil. Rio de Janeiro: Foren- São Paulo: Malheiros Ed., 1996. p. 75, grifo nosso.
se, 1983. p. 261; SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua repara- 171 SEVERO, Sérgio. op. cit., p. 96.
ção. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969. p. 376. 172 CASILO, João. op. cit., p. 64.

118 119
somente indenizável por dano material e moral cumulados, humana, hipóteses há de se atingir, por via reflexa, indire-
a própria vítima" 173 e "Responsabilidade civil- dano mo- tamente, terceira pessoa, impingindo-Ihe danos morais,
ral - dano moral acumulado com dano material - somen- por ver sua integridade moral notoriamente abalada diante
te indenizável a própria vítima, não a seus descendentes ou da ofensa a bem jurídico com o qual guarda relação, con-
beneficiários. Recurso Extraordinário conhecido, em parte, substanciando-se, no que a doutrina francesa chama de par
e nessa parte, provido. 11174 ricochet, ou seja, danos por ricochete, danos indiretos, re-
Assim sendo, primeira e indiscutível é a legitimidade da flexos. Nesse caso há dois bens jurídicos ofendidos, sendo
própria vítima ao pleito de danos morais quando de ofensas o dano diretamente ocorrido da lesão de um, que gera ou-
estéticas. Como se demonstrou, mesmo antes da positiva- tro - na pessoa humana, pode haver a lesão a "B", injurian-
ção na CF/88 do direito fundamental à reparação dos da- do-o, V.g., ocasionando não só danos morais a "B", mas tam-
nos extrapatrimoniais, art. 5°, ines. Ve X, para esse caso de bém a seus filhos, "C" e "D", por via reflexa -, gerando a
dano moral, doutrina e jurisprudência já eram assentes des- obrigação de reparar todos os danos causados a título pró-
sa possibilidade de pedido à própria vítima. E após a Cons- prio, como nos lembra, sobre os danos reflexos, Caio Mário
tituição de 1988, como já foi aduzido, não há dúvida: os da Silva Pereira 175 .
danos morais são plenamente indenizáveis, legitimando-se, Assim teremos como principais casos de legitimidade
primordialmente, a vítima direta da lesão à integridade fí- indireta os danos causados aos pais, por lesão aos filhos, e
sica. vice-versa, bem como de terceiros a eles relacionados,
como se tem adiante.
No que se refere à legitimidade de pais, filhos, irmãos,
3.1.2.2.1.2. Legitimidade no caso de ofensa à integridade cônjuge e companheira, reciprocamente, por morte, dou-
física de terceiro trina e jurisprudência não discrepam do sentido da legiti-
midade e pertinência da reparação extra patrimonial, pelo
Da segunda hipótese de legitimidade que merece trata- que a principal questão se refere ao caso da legitimidade no
mento - da legitimidade extraordinária de terceiros que caso de outras ofensas aos direitos da personalidade, como,
não da própria vítima da lesão corporal por danos morais, no tema em estudo, da integridade física.
vem à baila a questão dos danos morais reflexos.
Por exemplo, causada uma lesão a direito da personali-
Tratam-se os danos morais reflexos de espécie diferen-
dade de "V", V.g., honra ou integridade física, pode "C",
ciada, vez que enquanto os danos morais são, em regra,
seu cônjuge, pleitear reparação por danos morais? Outro
ofensas diretas à integridade física ou psíquica da pessoa
exemplo: causada lesão consistente em tetraplegia em "V",
pode "P", seu pai, pleitear reparação por danos morais?
173 STF, 2° T., Min. Carlos Madeira, j. 13.2.87, RTJ 120/1339.
174 STF, RExt. 113.705, Min. Oscar Correa, j. 30.06.87. No mesmo
sentido: REext. 99.348 em RTJ 11/1223, RExt. 103.727 em RTJ 175 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio
112/939, e RExt. 104.065 em RTJ 113/435. de Janeiro: Forense, 1998. p. 42 e ss.

]20 ] 2]
A resposta que a doutrina tem apresentado é no sentido Por fim, deve-se considerar que, apesar de dano reflexo
afirmativo, como nos dão os MAZEAUD, citando aresto da a terceiro, tal hipótese é de legitimidade por dano que lhe
Corte de Colmar, concedendo danos morais por enfermi- é causado diretamente, por ofensa à sua paz mental, tratan-
dade em noivo, em ação, portanto, pleiteada pela noiva do-se, portanto, de "prejuízo direto" à sua saúde mental,
daquele. 176 como se pode verificar claramente, por exemplo, no caso
No direito anglo-saxão, Edward KIONKA nos mostra de dano moral causado a uma mãe por ver seu filho atrope-
também Como possível tal hipótese de legitimidade, citan- lado, sofrendo uma depressão nervosa. 180
do caso de pedido de danos morais formulado por marido Diante do exposto, no caso de qualquer pessoa atingida
que sofreu tais danos, tendo em vista danos à integridade por um dano causado a outrem, pode-se afirmar a ocorrên-
física causados à sua esposa. In cia de dano moral, qualquer que seja a ofensa - v.g., mari-
Trata-se, como visto, de típica hipótese de dano indire- do, por grave lesão causado à esposa; pai, por dano estético
to, por ricochete, onde independentemente do dano causa- gravíssimo causado à filha menor, etc. - , e é mister con-
do à vítima direta, ocorre outro dano, tendo em vista aque- cluir pela sua legitimidade do pedido dos danos morais pa-
le primeiro dano ocasionado, devendo todos serem indeni- decidos. 181
zados, vez que todos os lesados possuem o seu direito à Outrossim, tendo em vista o fundamento constitucio-
reparação de forma autônoma. 178 nal que recebeu a reparação do dano moral em nosso direi-
to - direito fundamental de reparação do dano extrapatri-
Assim, também, plenamente legitimados por danos
morais contra o ofensor, o pai, em que filha única foi aco-
monial-, e como já dito, que deve prevalecer a interpre-
tação e aplicação no sentido que for mais benéfica ao direi-
metida de grave lesão, ou marido, em que esposa ficou
desfigurada. 179 to fundamental _182, impera que a legitimidade para o

176 MAZEUAD, Henri; MAZEUAD, Léon; TUNC, André. Tratado cia, somente se deu de forma pacífica com a Constituição de 1988,
teórico y prático de la responsabilidad civil delíctual e contractual. Tra- apesar de bradas vozes de nossa doutrina se pronunciarem no sentido
dução de Luíz Alcalá-Zamora y Castilho. Buenos Aires: Ediciones Jurí- da reparabilidade muito antes da sobredita Carta. Nesse sentido, pela
dicas Europa-América, 1977. v. I, t. I, p. 462. permissibilidade dos danos morais, mesmo antes da Carta de 1988, v.,
177 KIONKA, Edward J. Torts in a nutshell. 2. ed. Minnesota: West DIAS, José de Aguiar. op. cit., 10. ed. v. 2, p. 757-758; ALVIM, Agos-
Publishing, 1992. p. 324-315. tinho. op. cit., p. 245, e também GOMES, Orlando. Novos temas de
178 PLANIOL, MarceI. Traité élémentaire de droit civil. Paris: F. Pi-
direito civil, cit., p. 261.
chon, 1900.t. 2, p. 278. 180 Nesse sentido, inclusive o exemplo é seu, LARENZ, KarI. Derecho
179 MAZEUAD, Henri; MAZEUAD, Léon; TUNC, André. op. cit., v.
de obligaciones, cit., p. 215.
1, t. I, p. 462. O exemplo citado de dano moral pleiteado por pai em 181 FISCHER, Hans Albrecht. op. cit., p. 263.
caso de ofensa à integridade física de sua filha única foi julgado pela 182 Nesse sentido, sobre os danos morais no direito brasileiro, v., BI-
Corte de Cassação, em decisão de 22 de outubro de 1946, o que de- TTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais, cit., p. 101,
monstra quão está atrasado o nosso direito nessa matéria, quanto mais lecionando que a Constituição de 1988 veio para sanar qualquer dúvida
se lembrarmos que o dano moral, conforme nossa iterativa jurisprudên- quanto à reparabilidade dos danos morais, fincando-a definitivamente,

122 123
dano moral por ofensa a terceiro que não vítima deve ser cesse ameaça ou a lesão a direito da personalidade, prevê
aceita, não restando óbice jurídico para tanto. que, em se tratando de morto, terá legitimação para reque-
Entretanto, surge a questão do limite para tallegitimi- rer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente,
dade. ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto
No CC/ 16 não há disposição expressa sobre qual seria grau.
esse limite de legitimidade; e diante do disposto nos arts. Maria Helena Diniz, em comentário ao art. 12 do
1.538 e 1.539, haveria até a possibilidade de interpretação CC/02, citando Zannoni e De Cupis, aduz que "lesados
de que essa legitimidade somente caberia à vítima da ofen- indiretos são aqueles que têm um interesse moral relaciona-
sa corporal. Com isso, não se deve não concordar diante do do com um valor de afeição que lhes representa o bem jurí-
já exposto entendimento da interpretação da matéria à luz dico da vítima do evento danoso. P. ex.: o marido ou os pais
da CF/88. poderiam pleitear indenização por injúrias feitas à mulher
No CC/02 também não há disposições sobre esse caso ou aos filhos, visto que estas afetariam também pessoalmen-
de legitimidade, seja nos arts. 11 a 21, que tratam dos di- te o esposo ou os pais, em razão da posição que eles ocupam
reitos da personalidade, seja nos arts. 949, 950 e 951, que dentro da unidade familiar. Haveria um dano próprio pela
tratam especificamente do dano à integridade corpórea. 183 violação da honra da esposa ou dos filhos." E continua, en-
No direito comparado, percebe-se que também não se sinando que essa legitimidade é por presunção relativa aos
encontram disposições claras sobre a legitimidade nesse parentes mais próximos, e mediante prova para noivos e
caso - de dano moral por ofensa corporal a terceiro. amigos da vítima, que "deverão provar, convincentemente, o
Entretanto, pode ser utilizado, por analogia, o disposto prejuízo e demonstrar que se ligavam à vítima por vínculos
no art. 12 do CC/02, que, no que tange a pedido para que estreitos de amizade ou de insuspeita afeição. "184 Ora, se
cabível a legitimidade de esposo em ação de indenização
por injúria causada à esposa, por que não também cabível
bem como ressaltando a importância de garanti-lo dentro os direitos
fundamentais. Ainda, sobre prevalência da interpretação mais benéfica
legitimidade de esposo por ofensa à integridade física de
aos direitos fundamentais, v., CANOTILHO, José Joaquim Gomes; esposa? Os dois casos tratam de legitimidade para pedido
MOREIRA, Vital. op. cit., p. 143-144. Sem dúvida a interpretação de danos morais por ofensa à personalidade de terceiro
nesse sentido é a acima explicitada, com vistas à garantia de um elasté- com o qual o autor da ação tem estreito interesse. Deve
rio maior de legitimados aos danos extrapatrimoniais, que não somente
à própria vítima direta, mas também os ofendidos indiretamente.
prevalecer a orientação no sentido de que é cabível a legiti-
183 Excetuando a possibilidade de ser conferida à vítima a indenização
midade extraordinária nesse caso, e mediante' presunção
referente à incapacidade do trabalho, em uma única vez, prevista no relativa aos parentes mais próximos do ofendido em sua
artigo 950, parágrafo único, e a possibilidade de se requerer "algum integridade física, e mediante o ônus da prova para os de-
outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido", que pode ser en- mais terceiros, como noivos e amigos.
tendida como permissiva de reparação por dano extrapatrimonial, não
há modificação no CC/02 na sistemática prevista nos arts. 1.538 e
1.539 do CC!l6. t
184 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 32.

124 125
TABELA DE CLASSIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE 3.1.2.2.1.3. Legitimidade no caso de morte
EM CASO DE DANO MORAL E OFENSA À INTEGRIDADE FíSICA
Sobre a existência de danos morais por morte a demais
Classificacão Qualificação para o pedido parentes e terceiros, deve-se assinalar, com Garcez Neto,
Legitimidade ordinária Quando o pedido de reparação do dano que a legitimidade in depende de relação de parentesco,
moral é realizado pela própria vítima; é bem como, não se sujeita a vínculo hereditário, e ainda, que
a regra geral; por exemplo, perda de
membro superior e pedido de dano mo- a qualidade de sujeito ativo é aferível a qualquer lesado,
rai realizado pela própria vítima. desde que comprove O seu prejuízo. 18S
Legitimidade extraordinária Quando o pedido é realizado por tercei- Nesse sentido, mister lembrar significativo aresto do
ro não ofendido diretamente em sua in- antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais: "O interesse e
tegridade física; é a exceção; por exem-
plo, tetraplegia em filho menor e pedido a legitimidade para a ação de reparação de danos não estão
de dano moral realizado pelos pais di- restritos aos privilégios de parentesco ou relações de família,
ante do abalo emocional e tristeza com tendo-os todo aquele que, direta ou indiretamente, venha a
o evento.
sofrer prejuízo. 1/186
E nessa esteira de entendimento, Josserand cita decisão
TABELA DE QUALIFICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA
do Conselho de Estado deferindo, já em 1934, reparação
NO CASO DE LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA por dano moral à afilhada por morte de padrinho. 187
Entretanto, como não se faz - em regra - prova de
Grau de parentesco com a vítima Prova do dano moral dano moral, os Mazeaud nos informam que tal legitimidade
Pais e filhos, marido e esposa, noivos, Há presunção da ocorrência de dano se fará através da análise caso a caso: enquanto para os
irmãos e parentes realmente próximos moral (por exemplo, presunção de da- parentes sangüíneos há presunção da ocorrência de danos
no moral em filho por morte de pai, e morais por morte, para os amigos e terceiros a prova se dará
assim de dano moral em pai em caso de através das circunstâncias particulares do caso l88 , devendo-
tetrapleQia de filho).
Demais terceiros Não há presunção; devem provar a
ocorrência de abalo suficientemente
grave (análise casuística e de extrema 185 GARCEZ NETO, Martinho. Prática da responsabilidade civil. 4.
excepcionalidade; seria o caso do pe- ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 20; No direito comparado, v., PLA-
dido de dano moral por amigo em caso NIOL, Marcel. op. cit., p. 278.
de ofensa à integridade física de outro 186 TAMG, ReI. Gudesteu Biber, RT 591/238.
amigo; dependeria da análise do caso, 187 JOSSERAND, Louis. Derecho civil: teoria general de las obligacio-
porque em regra, é o caso de inde- nes. Trad. de Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Bosch, 1950. t.
ferimento da legitimidade para esse pe- 2, v. 1, p. 331.
dido). 188 MAZEUAD, Henri; MAZEUAD, Léon; TUNC, André. op. cit., v.
1, t. 1, p. 452.

127
126
se anotar que, quanto às esposas, pais e filhos, a presunção No CC/02, art. 948, que trata da reparação do dano no
é irrefragáveps9. caso de morte, há alusão somente à vertente patrimonial,
Da análise de nossa jurisprudência, percebe-se que a haja vista que prevê (i) o dever do ofensor de arcar com
mesma caminha nesse sentido, pela reparação dos danos todas as despesas de sua responsabilidade, como tratamen-
morais causados não só àqueles de direito indiscutível - to médico e gastos com luto e funeral da vítima, e (ii) o
como filhos por morte de pai, pais por morte de filho, côn- dever do ofensor de arcar com prestação de alimentos às
juge por morte de seu consorte, companheira por morte do pessoas a que o morto os devia, levando-se em conta a
companheiro, avô por morte de neto e vice-versa - , mas duração provável da vida da vítima. Para não se dizer que o
também àqueles dos quais ora tratamos, terceiros; nesse novo Código esqueceu do dano moral, diz-se no caput do
caso, podemos chamar de legitimidade extraordinária, en- citado artigo que essa indenização é assim deferida "sem
quanto os classicamente citados, formariam a classe da le- excluir outras reparações", o que pode ser entendido, tam-
gitimidade ordinária. bém como a concessão da vertente extrapatrimonial da
Ainda em nossa jurisprudência, encontramos aresto condenação. 191
também do STJ concedendo também reparação moral a Como já referido, nos arts. 12, parágrafo único, e 20,
irmãos e sobrinhos de vítima fatal: "Processual civil e res- parágrafo único, do CC/02, prevê-se a proteção indireta
ponsabilidade civil. Morte. Dano moral. Legitimidade e in- dos direitos da personalidade pelos parentes mais próxi-
teresse de irmãos e sobrinhos da vítima. Circunstâncias da mos. Nesse sentido, no art. 12, tem-se que "pode-se exigir
causa. Convívio familiar sob o mesmo teto. Ausência de que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade,
dependência econômica. Irrelevância. Precedente da Tur- e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
ma. Doutrina. Recurso Provido" .190 previstas em lei", e em seu parágrafo único que "em se
tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida
prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer
189 Nesse sentido, V., do mestre do direito, SAVATIER, René. Traité
de la responsabilité civile en droit français. Paris: LGDJ, 1939. nO 557.
Será mesmo absoluta essa presunção? Entendemos que não, e que a
191 Com certeza, o texto poderia, deveria, ser mais claro. Na tentativa
parte interessada sempre poderá impugnar a legitimidade de qualquer
de se não excluir a possibilidade de ampla reparação, fechado o leque
pessoa que pleiteie danos morais, seja por ofensa à integridade física de
de verbas ou definindo-as, o legislador preferiu optar por deixar a porta
terceira vítima ou por morte de parente próximo ou não. Considerar
aberta para novas verbas a serem pleiteadas pela vítima. Esperamos que
absoluta a presunção de legitimidade para pedido de danos morais para
tal intento não seja utilizado para se negar, infelizmente, a reparação
o caso de esposa por morte de marido, por exemplo, não pode ser
extrapatrimonial, já que não expressamente conferida, como foi ampla-
considerada regra; pode ocorrer que já vivia a esposa maritalmente com
mente defendido à luz do CC/l6 até a CF188; ou seja, se não fosse a
outra pessoa, descabendo dano moral nesse caso; pode ocorrer também
CF/88, estaríamos correndo o mesmo risco de cerca de 100 anos atrás
no caso de filho por morte de pai, na hipótese de filho que já ofendeu a
honra do pai. em sede de reparação de dano moral: é reparável ou não, uma vez que
não concedida a sua reparação de forma clara? O legislador constituinte
190 Em REsp. nO 239.009-RJ, reI. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, respondeu essa questão de forma afirmativa, cfr. art. 5°, incs. V e X,
j. 13.06.2000. CF/88.
128 129
parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau". No ge por morte de seu respectivo l95 , companheiro por morte
art. 20, tem-se que "salvo se autorizadas, ou se necessárias de seu respectivo l96 , tio por morte de sobrinho l97 , irmão
à administração da justiça ou à manutenção da ordem pú- por morte de irmão l98 , e hipóteses extraordinárias como de
blica, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou noiva por morte de noivo l99 .
a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem
prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a hon- idade - Súmula nO 419 do STF, com expectativa de perda patrimonial
ra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a apenas na base de falíveis hipóteses, com mais razão é indenizável a
fins comerciais", e em seu parágrafo único que "em se tra- morte de filho maior e trabalhador. Indenização compreensiva do dano
tando de morto ou de ausente, são partes legítimas para patrimonial e do dano moral. Orientação do Supremo Tribunal Fede-
ral", STJ, REsp. nO 1.999-SP, ReI. Min. Athos Carneiro.
requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os des-
195 A título de exemplo: "Sem dúvida que, frente ao disposto em seu
cendentes" . artigo 50, V, a vigente Constituição Federal assegurou de forma genéri-
Diante da ausência de norma expressa, interpretava-se ca e ampla o direito ao ressarcimento pelo dano moral, autonomamen-
o art. 1.537, CC/l6, no sentido de que seriam legitimados, te. Assim lícito ao marido o direito de pleitear a verba pela perda de sua
em primeiro lugar, todos os que dependessem economica- esposa em acidente de trânsito, decorrentemente a dor causada por
mente da vítima falecida, e também aqueles que possuís- esse evento", 10 TAC-SP, ]O Câm., Juiz ReI. Barreto de Moura, j.
20.8.91, em JTACSP-RT 130/112.
sem vínculo hereditário, e ainda, aqueles com vínculo de
196 Assim: "Analisando-se a prova reunida nos autos e tendo presente
parentesco, ou seja, àquelas mais próximas à vítima 192 . o direito aplicável à espécie, observa-se, de início, que faz jus o compa-
Com o advento da CF/88, nos termos acima propostos, a nheiro à indenização por morte de sua concubina, no caso, por acidente
legitimidade ao pedido extrapatrimonial ganhou maiores com ônibus CCfr. decisão em Apelação na 502.224-7, 4 a Câmara, 1°
foros, pelo que há entendimento concedendo reparação TAC) ", 1° TAC-SP, Ap. na 707.730-5, 4 a Câm., j. 30.1.97, ReI. Carlos
mora1para f iIho por morte de pai·1C ' , le3VIce-versa
' 194
,con]u-
A' Bittar.
197 V. o seguinte trecho do acórdão proferido em Agravo de Instru-
mento nO 725.715-6, 10 TAC-SP: "No caso, pois, de dor moral por
morte de um ente querido, a indenização decorre, sem qualquer cono-
192 Nesse sentido, v., "A indenização em caso de morte cabe, em pri- tação de direito sucessório, da agressão à afetividade, desimportando,
meiro lugar, aos parentes mais próximos da vítima, isto é, os herdeiros, inclusive, o parentesco. Basta a estreita convivência, como no concubi-
ascendentes e descendentes, o cônjuge e as pessoas atingidas pelo seu nato, por exemplo, para justificar o pedido. Daí a legitimidade do tio,
desaparecimento", 10 TAC-SP, ReI. Carlos Gonçalves, JTACSP-RT pela morte do sobrinho com quem vivia."
109/109.
198 "Em tese, admissível a indenização do dano moral, podendo recla-
193 Assim é claro, Des. do TJRS, Arnaldo Rizzardo: "Sendo casado o
má-la os irmãos, integrantes do núcleo familiar de mais íntimo e próxi-
falecido, a mulher e os filhos estão autorizados a agir judicialmente", mo relacionamento, justificando, de modo aceitável a legitimação ativa
em RIZZARDO, Arnaldo. A reparação nos acidentes de trânsito. 6. ed. da disputa desse recebimento", 10 TAC-SP, ReI. Wanderley Racy, RT
São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995. p. 222. 619/107.
194 Assim: "Em famílias de poucos recursos, o dano resultante da mor-
199 Nesse sentido, v. aresto do 10 Tribunal de Alçada Civil de São
te, de um de seus membros é de ser presumido, máxime se residente Paulo, que entendeu pela reparação por danos morais à noiva por morte
no lar paterno. Se indenizável a morte de filho menor, mesmo de tenra de noivo: "Ação - Condições - Legitimidade ativa ad causam -

130
131
Dos casos de legitimidade aos parentes mais próximos, No mesmo sentido, diz o mestre Aguiar Dias: "(. . .) Os
alcança destaque o caso de legitimidade da companheira, danos materiais e morais causados aos parentes mais próxi-
pois é franca a jurisprudência de nossos Tribunais, no sen- mos não precisam de prova, porque a presunção é no sentido
tido de consentir reparação material e moral aos compa- de que sofrem prejuízos com a morte do parente. Assim, os
nheiros de vítimas fatais. 200 filhos em relação aos pais, o cônjuge em relação ao outro, os
Outro caso de parente próximo é o pedido realizado pais em relação aos filhos. 1/202
pela genitora da vítima, onde já se decidiu que se trata de Em Portugal, o Código Civil diz expressamente, art.
caso de legitimidade por presunção absoluta, do TJSP: 496, nO 2, que "por morte da vítima, o direito à indenização
"Responsabilidade Civil- Indenização - Dano moral- por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge
Morte de filho por culpa alheia - Dor da mãe da vítima - não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou
Presunção de caráter absoluto - Verba devida - Cumula-
outros descendentes; na falta destes, aos pais, ou outros as-
bilidade com a indenização pelos danos materiais - Inteli-
cendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os
gência do artigo 5°, inciso X, da Constituição da República,
representem". Ou seja, a legitimidade estaria vinculada a
e artigos 1.537 e 1.553 do Código Civil - Aplicpção da
dois fatores nitidamente delineados: (i) ao matrimônio -
Súmula n. 37 do Superior Tribunal de Justiça - E indeni-
zável, a título autônomo de dano moral, cuja existência se se separados tal direito não existe -, e (ii) ao parentesco
presume de modo absoluto (iuris et de iure), a morte de filho - limitados aos filhos e descendentes da vítima, v.g. um
provocada por culpa alheia. 1/201 neto, irmãos e sobrinhos. 20 3

Noiva do falecido - Admissibilidade, porque passível de sofrer ofensa 202 DIAS, José de Aguiar. op. cit., 10. ed. v. 2, p. 801, grifo nosso.
a direito próprio e autônomo, indenizável - Noivado comprovado e 203 Interessante a crítica realizada por JORGE, Fernando Pessoa. op.
incontroverso - Preliminar rejeitada". Em AI nO 848.639-1, v.u., 9" cit., p. 376-377, aduzindo a possibilidade, mesmo no ordenamento
Câm., reI. Juiz João Carlos Garcia. português, de casos fora desses previstos no art. 496, nO 2, chegando até
200 Nesse sentido, vide, julgados insertos nas RT 707/135, 109/115 e a criticar o estudo conjunto da responsabilidade civil e do dano extra-
110/207, e no STJ, RSTJ 18/355. Na doutrina, v., VIANA, Rui Geral- patrimonial: "Pensamos que a reparação dos danos não-patrimoniais
do Camargo. A família e a filiação. 1996. Tese (Titular) - Faculdade escapa, em larga medida, às coordenadas legais do sistema da responsa-
de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. p. 138 e ss. V. bilidade civil. A total arbitrariedade do julgador na fixação da compen-
também a Súmula 35 do Supremo Tribunal Federal, promanando que satio doloris e, fora do caso do art. 496°, 2, na determinação do círculo
"em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem de pessoas que a ela têm direito - não obstante a eventual formação de
direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia praxes, que não constituem antecedentes vinculantes - foge quase
impedimento para o matrimônio". Hoje, a melhor interpretação, con- inteiramente aos princípios que regem a responsabilidade civil: só have-
forme o princípio da dignidade humana e a reparação ampla do dano rá vantagem em não prejudicar a já complicada construção desta, com
extrapatrimonial, em sede constitucional, seria no sentido de se reparar os elementos anômalos que, resultam da reparação daqueles danos. ( ... )
o dano moral, legitimar a companheira, independentemente de impe- Para quê, na verdade, procurar determinar com rigor quais os prejuízos
dimento para casamento. indenizáveis, se o juiz pode, depois, atribuir à indenização um valor
201 Em Ap. nO 238.898-1, Des. ReI. Cezar Peluso, j. 26.3.96, em JTJ arbitrário a título de reparação, aliás indiferenciada, dos danos morais?
- Lex 185/103. Para quê procurar definir à luz do 483°, quais sejam os interesses juri-

132 133
TABELA DE PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE fund0 20S , ressaltando que tal exigência pode ser cumprida
PARA O PEDIDO DE DANO MORAL NO CASO DE MORTE tendo em vista a análise dos fatos - se ensejam legitimida-
de e ocorrência de dano moral ou não - , o que Carlos
Grau de parentesco Prova do dano moral Alberto Bittar chamava de damnum in re ípsa ou ex facto,
Filhos em relação aos pais e vice-versa; Presunção de dano (mesmo no caso de ou como vem julgando o Superior Tribunal de Justiça: "O
entre cônjuges; noivos, entre irmãos. pais e filhos e cônjuges não deve ser dano moral independe de prova, porque a respectiva percep-
admitida a presunção absoluta; a pre-
sunção é apenas relativa).
ção decorre do senso corr.um."206. Sim, o dano moral pode
até, em determinados casos, independer de prova, por pre-
Demais terceiros Devem provar a ocorrência do dano;
não há qualquer presuncão. sunção, mas em casos de legitimidade extraordinária, como
os já referidos, a prova de vínculo afetivo direto e sério
deve existir, e mesmo sendo o caso de parente direto, onde
há presunção de legitimidade e ocorrência, essa presunção
Deve-se ter como definitivo, entretanto, que o paren-
nunca é absoluta, sempre admitindo prova em contrário. 207
tesco pode indicar presunção de legitimidade, mas, dentro
de circunstâncias especiais, tal presunção pode ser derru-
bada diante da prova de que não há real liame afetivo entre
a vítima e aquele que pleiteia a reparação moral, por exem- 205 MAZEUAD, Henri; MAZEUAD, Léon; TUNC, André. op. cit., v.
plo, no caso de longo período sem contato entre eles. 204 1, t. 1, p. 459.
Assim sendo, o único limite para o pleito de danos mo- 206 Em REsp. nO 260.792-SP, reI. Min. Ari Pargendler, j. 26.9.2000,
rais é a exigência de um pesar real e suficientemente pro- V.u.
207 Repita-se, v. parágrafo anterior deste estudo. Por exemplo, admi-
te-se na doutrina que pode ocorrer dano moral na constância do casa-
dicamente protegidos, cuja lesão dá lugar a indenização, se neles vierem mento e assim da separação, como no caso de ofensa à honra desferida
a incluir-se os "danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mere- por cônjuge contra o outro; admitindo que o cônjuge A esteja promo-
çam a tutela do direito", de que fala o nO I do artigo 496? c. .. ) A prudên- vendo ação contra o cônjuge B, admitindo também que tenha ocorrido
cia manda separar os dois institutos, tanto na construção teórica, como a morte acidente de B, seria um caso típico em que há indício de prova
na aplicação prática: a fusão de ambos prejudica o bom entendimento que esses cônjuges já não nutriam laços sentimentais que poderiam
de cada um." supor da ocorrência de dano moral na hipótese de acidente com qual-
204 Nesse sentido: "Indenização - Dano moral - Admissibilidade quer um deles; seria o caso de se discutir, certamente, se a presunção
em tese - Pedido formulado por irmão menor da vítima - Legitimi- não fora quebrada no caso. Se admitida a ocorrência de dano moral na
dade - Hipótese, porém, em que estes não conviviam há vários anos e relação parental e no matrimônio, não há como pensar em presunção
sequer se conheciam - Inexistência de perda a ser reparada - Irrele- absoluta de dano moral nesses casos. Se não bastasse esse argumento de
vância, conseqüentemente, do vínculo de parentesco na espécie", do 1° direito, os fatos apontam para a mesma solução. A vida moderna, tris-
TAC-SP, RT 619/107. No mesmo sentido, "Responsabilidade Civil temente, separa a família; não raro, filhos vivem em países distantes,
Indenização - Dano moral - Morte do marido por dano irreversível casais se divorciam, filhos ofendem pais, parentes são inimigos; não há
causado por animal - Esposa que vivia em concubinato com outro como pressupor um mundo em que pais sempre sentem dor pela morte
homem - Inadmissibilidade - Ressarcimento apenas do despendido de seus filhos, se isso não é também sempre verdade. Para acórdãos
com despesas de funeral e túmulo", TJSC, RT 606/187. nesse sentido v. nota 182.

134 135
TABELA DE LEGITIMIDADE PARA PEDIDO DE REPARAÇÃO prio processo de conhecimento ou mesmo na fase de execu-
- "208
çao.
Qualificação do dano Legitimidade Como já referido nesse estudo, é o que Carlos Alberto
Dano material Vítima e todos aqueles que provem prejuízo econômico Bittar chamava de damnum in re ipsa ou ex facto, ou seja,
(por exemplo, a pensão por incapacidade para o traba- dano pela própria coisa, pelo próprio fato, como se pode ter
lho pode ser pleiteada pela vítima; já a pensão no caso
de morte pode ser requerida por todos aqueles que de-
no seu seguinte voto em Apelação nO 588.88-0, 1° TAC-
pendiam economicamente da vítima, em regra, filhos e SP: "Assiste razão ao interessado, tendo em vista as circuns-
Igenitores). tâncias fáticas, os constrangimentos havidos e o direito apli-
Dano moral Vítima e terceiros (parentes têm presunção de dano cável à espécie. Com efeito, conhecido profissional em sua
moral em certos casos mais graves; terceiros devem área de atuação, viu-se, de repente, sem razão relevante de
provar a ocorrência de dano-abalo suficientemente gra- direito, impedido de proceder à movimentação de cheques,
ve; entretanto, a regra é a legitimidade ordinária que é a
com os naturais embaraços daí decorrentes. Merece, pois,
legitimidade da própria vítima).
reparação integral. É caso de damnum in re ipsa. Aplica-se,
Dano estético Somente a vítima.
para a definição do quantum, a teoria referida, consoante a
Dano psíquico Somente a vítima (e reparado na verba atinente ao dano doutrina especializada (cfr. Carlos Alberto Bittar: 'Repa-
moral- vide infra 3.1.2.3.).
ração Civil por danos morais', p. 219 e ss.) e a jurisprudên-
cia prevalecente (cfr. Apelações 551.620-1 e 646.223-1, 4 a
Câmara, 1 0 TAC). Fica, assim, fixado o valor da indeniza-
ção em quantia correspondente a mil salários mínimos."
3.1.2.2.2. Da prova do dano moral Guardadas as proporções, tendo em vista que a maioria
dos estudos e julgados que se referem à questão de prova
Nesse sentido, uma das questões mais intrincadas no
de dano moral trata do caso de abalo de crédito, é inevitá-
que se refere ao pedido de dano moral é a questão de sua
vel a conclusão que, se para esse caso há orientação doutri-
prova. nária e jurisprudencial de que se trata de dano moral que
Carlos Dias Mota, analisando bem essa questão, diz: independe de prova, também assim será o caso de pedido
"Em outras palavras, uma vez verificado o fato apto a cau- de dano moral por morte de familiar próximo.
sar dano moral, a presunção deste é absoluta (iuris et de Nesse sentido é a jurisprudência sobre a desnecessida-
iure). Assim, não importa saber se a vítima é pessoa estóica, de de prova da ocorrência do dano moral, como dito, apli-
à qual se refere Ripert ('os duros de coração nada sentem '), cável analogicamente aos termos aqui propostos: "Título de
ou de sensibilidade exagerada, pois é impossível avaliar pe- crédito - Anulação de obrigação cambial. Prova de o che-
cuniariamente os sentimentos e estes nem sempre são ade- que que se quer anulado foi dado como sinal e princípio de
quadamente demonstrados. Outros elementos, no entanto,
deverão ser considerados pelo Juiz, justificando, em situa-
ções especiais, a dilação probatória, de preferência no pró- 208 MOTTA, Carlos Dias. op. cit., p. 84.

136 137
8.078/90). O atentado aos direitos relacionados à persona-
pagamento de compra e venda de imóvel. Negócio desfeito
lidade, provocados pela inscrição em banco de dados, é mais
sem culpa do comprador. Inexigibilidade do cheque. Anula-
grave e mais relevante do que lesão a interesses materiais. A
tória procedente. Recurso improvido. Indenização - Danos
prova do dano moral, que se passa no interior da personali-
morais. Protesto de título de crédito inexigível. Ato ilícito.
dade, se contenta com a existência do ilícito, segundo prece-
Efeito deletério do protesto que é notório. Desnecessidade
dente do STJ. Liqüidação do dano moral que atenderá ao
pois, da prova do dano. Pedido não acolhido. Recurso provi~
duplo objetivo de compensar a vítima e afligir, razoavel-
do para inversão de tal solução. "209 e "Responsabilidade
mente, o autor do dano. O dano moral será arbitrado , na
civil - Dano moral. Protesto indevido de duplicata. Arbi-
forma do artigo 1.553 do CC, pelo órgão judiciário. Valor
tramento em dez vezes do valor do título. Prova decorrente
adequado à forma da liqüidação do dano consagrada no
da experiência comum. Inteligência do artigo 335 do cpc.
Decisão reformada. "210 direito brasileiro. Apelação desprovida. "211
Sobre a desnecessidade de prova de dano moral em No corpo deste acórdão, Araken de Assis - relator do
julgado do TJRS, nesse sentido: "Responsabilidade ci;il- feito - é definitivo sobre o tema, citando o entendimento
Ilicitude da abertura de cadastro no Serasa sem comunica- no mesmo sentido do STJ: "Tangente à prova desta espécie
ção ao consumidor. Relevância e cabimento da demanda de de dano, impende considerar que, por se cuidar de atentado
reparação. Liqüidação do dano moral. Constitui ilícito im- contra a personalidade, isto se passa no interior da pessoa,
putável à empresa de banco, abrir cadastro no Serasa' sem sem qualquer reflexo exterior. Contenta-se tal dano, por-
comunicação ao consumidor (artigo 43, § 2 0 , da Lei na tanto, com a prova do ilícito. E é flagrante o constrangimen-
to causado pela inscrição indevida naquele cadastro. O pró-
prio banco admite que a solução demorou. Além de desne-
209 l° TAC-SP - 9 a Câm.; Ap. nO 572.056-1-São Paulo; ReL Juiz cessária qualquer prova de prejuízo, por se tratar de dano
Sebastião Flávio da Silva Filho; j. 19.03.1996; v.u., em BolAASP moral puro (4 a Turma do STJ, REsp na 53.729-0-MA,
I 953/l 73-j, de 29.05.1995. '
23.10.95, Rei. o eminente Ministro SÁLVIO DE FIGUEI-
210 l° TAC-SP - 7a Câm. Extraordinária; Ap. nO 669.657-5-São Pau-
lo; ReL Juiz Sebastião Alves Junqueira; j. 23.06.1997; v.u. No mesmo REDO, EJSTJ, 6(14) /76), bem fixou a desnecessidade de
sentido, do mesmo E. 1° Tribunal de alçada civil de São Paulo v. prova do desconforto e do vexame Acórdão da 4 a Turma do
Apelação Sumaríssimo 0711351-3 3 São Paulo - 4 a Câmar~ d~ STl (REsp na 58.151-5-ES, 27.3.95, Rel. O eminente Minis-
Férias Janeiro - reL Juiz Luiz Sabbato, Apelação Cível 0735740-22- troRUYROSADO, DJU, 29.5.95)."
São Paulo - 9a Câmara de Férias Julho reL Juiz. Armindo Freire
Mármora, Apelação Cível- 0614273-44 - Campinas - 7a Câmara Assim sendo, em regra, descabe fazer prova de dano
- reL Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, especialmente sobre atraso de moral, que se passa no interior da pessoa humana, definin-
vôo, v. Apelação Sumaríssimo 0754272-1 São Paulo - 3 a Câmara de
Férias Janeiro - reI. Juiz Itamar Gaino, Apelação Cível- 0770142-8
- São Paulo - 12 a Câmara - reL Juiz Matheus Fontes, Apelação -
211 TJRS - 5a Câm. Cível; Ap. nO 597. II 8.926-Lajeado-RS; ReL
0783437-7 - São Paulo - 6a Câmara - reI. Juiz Windor Santos -
Des. Araken de Assis; j. 07.08.1997; v.u., em BolAASP, 2044/481-j,
Massami Uyeda - JTALEX 175/236, EI - 0808011-1/01 - São
Paulo - 2 a Câmara - reL Juiz Alberto Tedesco. de 02.03.1998.

139
138
do-se, pela análise caso a caso, digno de proteção, e assim a Assim sendo, em regra, não há necessidade de prova de
jurisprudência tem entendido. Caso a caso se deve analisar ocorrência de dano moral. Esse se dá no interior da pessoa
a ocorrência de dano moral diante das aflições, dissabores, humana, não carecendo de prova, e dependerá tão-somen-
te e apenas da análise pelo juiz do caso específico, fatos,
sofrimento e dor causados, sendo mister lembrar aresto do
natureza das ofensas, que concluirá pela reparação ou não
2° TAC-SP, com relatório de Antonio Carlos Marcato:
de dano moral para o caso.
"Responsabilidade civil- Indenização - Cabimento. De-
monstrado, pelas provas dos autos, que os réus impuseram
aos autores uma série de preocupações e sofrimentos, afetan- 3.1.2.3. A questão do dano à integridade psíquica (dano
do a sua harmonia psíquica, é o caso de pagarem a indeni- psíquico): dano psíquico e dano material
zação devida pelos danos morais."212
Tanto assim que é desnecessária a prova pericial para a Giannini e Pogliani bem lançam que enquanto o dano
caracterização do dano moral 213 , que dependerá da análise estético é dano à integridade física da vítima, e visível ao
que o juiz fará dos fatos produzidos no feito,concluindo ou juiz, o dano psíquico é dano também à integridade da pes-
não pela ocorrência e reparabilidade do dano moral no soa humana, mas já agora invisível, no interior de sua inte-
caso. Por exemplo, em regra, é evidente e independe de gridade psicofísico. 214 E definem o dano psíquico como
prova que há dano moral e deve ser reparado o dano moral sendo a redução, temporária ou permanente, de uma ou
ocasionado em menor que fica tetraplégico após evento mais funções psíquicas da pessoa, impedindo a vítima de
danoso, e assim também ocorre dano moral reparável aos realizar todas ou parte de suas atividades e ocupações co-
pais desse menor, tendo em vista a modificação na rotina muns da vida. 21s
diária desses pais que agora têm um filho tetraplégico para Apesar de se caracterizar também pela ofensa à integri-
amparar para o resto de suas vidas, além do notório abalo dade psicofísico da pessoa, guardando, portanto, íntima re-
emocional nos mesmos, fatos esses que, exemplificada- lação com o dano estético, não se pode dizer que se trata de
mente fornecidos, obrigam-nos à conclusão de que nesse um dano tipicamente extrapatrimonial. No nosso sistema
caso não há qualquer necessidade de prova para que seja de reparação de dano, o dano psíquico seria basicamente
conferida verba de dano moral não só à vítima, mas tam- reparado: (i) com verba de tratamento médico, psicológi-
bém para seus pais. co, e todo o necessário para o acompanhamento da le-
são/abalo psíquico, e (ii) agravamento dos valores arbitra-
dos a título de dano moral e estético, tendo em vista o dano
212 2° TAC-SP, Ap. s/ Rev. nO 490.465-7, ]O Câm., Rei. Juiz Antonio
Marcato, j. 22.07.97.
214 G IANNINI, Gennaro; POG LIANI, Mario. li danno da illecíto ci-
213 Nesse sentido, V., "Responsabilidade civil- Acidente de trânsito
- Indenização por danos morais - Desnecessidade de perícia - Cor- vile: danno biologico, danno psicho, danno patrimoniale, danno morale,
reção monetária a partir da prolação da sentença - Inaplicabilidade da le tabelle liquidative. Milano: Giuffre Editore, 1997. p. 176.
Lei 6.899/81 ", do 1° TAC-SP, RT 734/371. 215 Id. Ibid. p. 177.

140 141
psíquico causado. Como se vê, a sua primeira característica
é que se trata tipicamente de uma verba patrimonial, e a Carlos Ghersi, mesmo acentuando que os danos extra-
segunda, extrapatrimonial, o que assemelharia o dano psí- patrimoniais podem ser divididos em (i) dano moral, Cii)
dano psíquico e (iii) dano físico-estétic0 218 , e admitindo a
quico ao dano estético, ambos com natureza híbrida patri-
reparação cumulável, no fato da autonomia dos danos esté-
monial-extrapatrimonial, porque ocorrendo dano estético,
tico e moral, quanto ao dano psíquico, é claro ao ensinar
a verba de tratamento da lesão física deve ser também con-
que seria indenizável somente a "reparação psicológica",
ferida. Entretanto, por mais que seja o dano psíquico um
que seriam os gastos e trabllho terapêutico para a tentativa
dano contra a integridade da pessoa humana, percebe-se
de reabilitação da vítima. 219
que sua reparação - efetiva ou em ação de reparação civil
Por outro lado, apesar da reparação do dano se dar atra-
- , em verdade, tem nítido caráter patrimonial já que se
vés da fixação de verba para tratamento médico, não é por
reveste de valor de tratamento médico, facilmente aferível
causa disso que se deve entender pela negação da autono-
in pecunia.
mia da integridade psíquica e sua ofensa como fato apto a
Portanto, o dano psíquico possui natureza de dano ma-
gerar reparação por dano psíquico. O que se quer dizer é
terial, já que a reparação do dano à integridade psicofísico
já estaria caracterizada na reparação do dano estético. Por que a sua reparação é plenamente realizada com o custeio
isso, entende-se da possibilidade de cumulação dos três do tratamento indicado para o melhor acompanhamento
danos, materiais, morais e estéticos (nesse sentido, na ju- das conseqüências do dano psíquico. Nesse sentido, é claro
risprudência, v., "Argumenta-se com o fato de que a repara- Carlos Eduardo de Abreu Boucault: "De qualquer sorte, a
ção distinta pelo dano estético e pelo moral poderia redun- reparação civil, mesmo no que diz respeito ao dano à inte-
dar em tríplice indenização decorrente do mesmo fato. E gridade psíquica, consistirá em compensação pecuniária, a
será. A Súmula nO 37 do Colendo Superior Tribunal de Jus- título de perdas e de custos, mas o tratamento dispensado à
tiça, admite a cumulação de indenização por dano material vítima deveria ser acompanhado judicialmente e por profis-
e dano moral, ainda que oriundos do mesmo fato. Se se sionais da psicologia e da psiquiatria, para, então, criar-se
admite cumulação, pouco importa seja a soma de duas ou
~ Parce las. "216, e "Ca b·lmento d e reparação d o dano esté-
t res 218 GHERSI, Carlos Alberto; ROSSELLO, Gabriela; HISE, Mónica.
tico e dano moral, cumulativamente com a indenização dos Derecho y reparación de danos: dano a la persona humana. Valor vida:
danos pessoais e materiais. "217), mas nunca, de quatro, ma- económico y extraeconómico. Buenos Aires: Astrea, 1999. v. 2, p. 30 e
teriais, morais, estéticos e psíquicos. ss.
219 Id. Ibid., p. 33. Percebe-se que seria, então, o dano psíquico ape-
nas reparável enquanto dano material, na hipótese típica de gastos com
tratamento médico. Entretanto, salienta que há jurisprudência que en-
216 TAC-RJ - 6 a Câm. - Ap. Civ. nO 6821/93 - ReI. Juiz Silvio tende pela possibilidade de reparação autônoma do dano psíquico, dei-
Teixeira. xando assente que, mesmo nesses arestos que conferem reparação au-
217 TAC - RJ - 8 a Câm. - Ap. Cível nO 9045/94 - ReI. Juíza tônoma ao dano psíquico, seria cabível apenas para a "reparação psico-
Cássia Medeiros. lógica", o que, portanto, torna muito discutível a questão de sua auto-
nomia.
142
143
uma política viável de assistência psiquiátrica à vítima, Com a CF de 1988, houve até o entendimento da pos-
garantindo, ao menos, uma possibilidade de recuperação ao sibilidade de pedido dessa verba para homem solteiro,
destinatário do dano. "220 diante da igualdade entre homem e mulher. Nesse sentido,
Por fim, para efeito de caracterização e reparação do v. "Responsabilidade civil - acidente ferroviário - inde-
dano psíquico, a análise do dano psíquico deverá atender nização - amputação de três membros - artigo 1.538,
também à prova pericial médica, que indicará não só a alte- parágrafo 2°, do Código Civil - vítima do sexo masculino
ração no estado psíquico da vítima, mas também, se há uma - condenação ao pagamento de um dote por aplicação da
redução na capacidade da vítima utilizar o seu próprio cor- eqüidade - fixação desde a data do fato até a data em que
po nos atos da vida cotidiana, se há uma redução na capaci- a vítima fizesse 65 anos, sendo o pagamento feito de uma só
dade da vítima de se relacionar com as outras pessoas, se há vez - efetivação do cálculo com base no salário mínimo da
uma redução na capacidade da vítima de trabalhar e se época da liquidação. "223; "Indenização - Ato ilícito -
perdeu uma oportunidade de desenvolvimento profissio- Dote - Reparação devida também a vítimas do sexo mas-
nal. 221 culino - Isonomia entre o homem e a mulher - Inteligência
do art. 1.538, § 2°, do Cc. 11224; "Indenização - Dote -
Reparação devida também a vítimas do sexo masculino -
3.1.2.4. Dote Isonomia entre o homem e a mulher - Inteligência do art.
1.538, § 2° do CC."225
No Código Civil de 1916, artigo 1.538, parágrafo 2°, Por outro lado, a interpretação, que entendemos mais
havia a previsão de verba de dote, para o caso dano à inte- correta, acabou entendendo pela impossibilidade desse pe-
gridade física de mulher solteira ainda capaz de casar. 222 dido, considerando não recepcionado o parágrafo 2°, do
artigo 1.538 pela Carta de 1988: "Responsabilidade civil-

220 BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. A integridade psíquica e


sua disciplina dentre os direitos da personalidade no sistema legal bra-
sileiro. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 14, p. 162-175, por mulher ofendida em sua honra em razão de defloramento. Legitimi-
abr./jun. 2003. dade da parte. 1. Falecido o ofensor menor de idade, são responsáveis
pela reparação os seus genitores. Legitimidade de parte reconhecida. 2.
221 GIANNINI, Gennaro. Riflessioni sul danno da menomazione psi-
Não se reaprecia matéria probatória em sede de Recurso Especial (Sú-
quica. In: IL DANNO biologico, patrimoniale, morale, cit., p. 114- mula n. 07 - STl). Recurso não conhecido." Em REsp 25976/SP, Rela-
115. Não só essa necessidade de caracterização do dano psíquico peri-
tor Ministro BARROS MONTEIRO, 4 a Turma, v.u., j. 14/12/1993, Dl
cialmente, como se faz com o dano estético, mas outros fatores tam-
07.03.1994 p. 3.667, REVlUR vaI. 216 p. 41, RSTl vaI. 59 p. 254, RT
bém indicam pela semelhança desses danos. Com efeito, como sobre-
vaI. 706p.189.
dito no corpo do texto, o dano psíquico também possuiria natureza
híbrida, material e imaterial, como o dano estético. Voltaremos a esse 223 1° TAC-SP, Apelação 432553-1, Relator Rodrigues de Carvalho,
ponto quando da caracterização autônoma do dano estético. 2 a Câmara, j. 11/04/1990.
222 Não confundir com a indenização a título de dote para o caso de 224 l°TAC-SP, RT654/120.
mulher solteira ofendida em sua honra: "Indenização. Dote pleiteado 225 TARS, RT 733/375.

144 145
Acidente de trânsito - Lesão corporal culposa ocasionada o STJ, acertadamente, por sua 4 a Turma, já decidiu no
por atropelamento - Constituição de dote com base no ar- sentido da possibilidade de reparação por danos morais e
tigo 1.538, § 2 0 do Código Civil-Impossibilidade, ante a estéticos e exclusão de dote nessa hipótese: "Responsabili-
igualdade de direitos e obrigações para o homem e a mulher dade civil. Médico. Cirurgia estética. Lípoaspiração. Dano
proclamado pela atual Constituição Federal - Ausência, extrapatrimonial. Dano moral. Dano estético. Dote. -
ademais, de prova relativamente aos gastos que teria supe- Para a indenização do dano extrapatrimonial que resulta
rado a autora - Indenizatória improcedente - Recurso do insucesso de lipoaspiraç;ão, é possível cumular as parce-
improvido. "226 "Responsabilidade civil - Acidente ferro- las indenizatórias correspondentes ao dano moral em senti-
viário - Constituição de dote - Pedido formulado por ho- do estrito e ao dano estético. - Exclusão do dote (art.
mem solteiro - Impossibilidade - Adoção do princípio 1.538, § 2° do CCivil) e da multa (art. 538 do CPC).
constitucional que consagra a igualdade de direitos e Recurso conhecido em parte e provido. "229
obrigações entre homens e mulheres - Art. 50, inc. I da CF
- Verba que perdeu seu fundamento de validade com a É importante também o seguinte aresto: "Responsabi-
nova ordem constitucional, não sendo mais devido à mulher lidade civil. Indenização a ser paga pelo Departamento de
núbil, tampouco admissível sua concessão do homem me- Estradas de Rodagem à vítima de acidente causado pela má
diante interpretação analógica ou extensiva - Verba inde- conservação da rodovia, Dote, artigo 1.538, parágrafo 2°,
vida - Indenizatória procedente - Recursos impro- do Código Civil. Cegueira total. A verba alusiva ao dote, de
vidos."227 "Reparação de danos - Dever de indenizar - que cuida o art. 1.538, parágrafo 2 0 , do Código Civil, apre-
Recebimento de dote - Inadmissível estender tal benefício senta nos termos atuais caráter também compensatório de
ao autor, que é homem - Inteligência do art. 1.538, § 2 0 , danos morais. Mulher jovem, divorciada, vitimada por ce-
do CC - Recursos da ré provido em parte e do autor des- gueira total e a decorrente depressão psíquica. Fixação, pela
provido. "228 sentença, em cinqüenta salários mínimos, condenação res-
Mais correta a interpretação pela impossibilidade desse tabelecida. O Recurso Especial, pela alínea 'c' não pode ser
pedido após a CF de 1988, principalmente diante do atual conhecido, se trazidos a colação apenas arestos do mesmo
estágio da doutrina que ordena a reparação do dano à inte- tribunal (Súmula n. 13 - STJ). Apelo Especial conhecido
gridade física, independentemente do estado civil do ofen- pela alínea 'a', e em parte provido. "230
dido, por verbas de dano estético e de dano moral.

226 l° TAC-SP, Apelação nO 607.871-9 - Jacareí, 8a Câmara, j. 229 REsp 457312/SP, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR,
09/1 0/1996, ReI. Juiz Manoel Mattos, v.u. 4a Turma, v.u., j. 19/11/2002, DJ 16.12.2002 p. 347, LEXSTJ voI. 161
227 1° TAC-SP, Apelação nO 785.883-7 - São Paulo, 12 a Câmara, j. p. 215, RSTJvoI. 171 p. 356.
21.09.99, ReI. Juiz Campos Mello, m.v. 230 REsp 28095/RJ, Relator Ministro ATHOS CARNEIRO, 4 a Tur-
228 TJSP, Apelação Cível nO 132.172-4/7 - São Paulo, 7a Câmara de ma, j. 24/11/1992, DJ 17.05.1993 p. 9.340, LEXSTJ voI. 50 p. 212,
Direito Privado, Relator Leite Cintra, j. 19.03.03, V.u. RSTJ voI. 48 p. 383.

146 147
E foi o STJ expresso pela melhor adequação da repara-
ção para os casos de ofensa à integridade física da mulher
com verbas de danos morais e estéticos ao invés de verba de
dote: "Civil. Acidente de trabalho. Escalpo provocado por
sucção de máquina industrial durante limpeza do ambiente.
Dano moral e dano estético. 'Dote'. CC, art. 1.538, § 2°
Exegese. Inclusão como dano moral. Valor. 1. O chamado
'dote', previsto no art. 1.538, parágrafo 2°, do Código Ci-
vil, destinado a indenizar a mulher lesionada com aleijão
ou deformação, que, em razão da idade, seria, em tese, ca-
paz de aspirar novo casamento, e que fica, pela seqüela per-
manente, a tanto prejudicada, é, hodiernamente, ressarcido
como dano moral, assim devendo ser considerado quando
da fixação do montante pelo órgão judicial. lI. Assim feito
pelo acórdão a quo, como se depreende da sua fundamenta-
ção, o mesmo acontecendo com o dano estético, também ava-
liado expressamente dentro daquela espécie, inexiste ofen-
sa, no particular, à legislação apontada, ou supressão do
direito da autora, que obteve o reconhecimento da Corte em
relação aos pedidos feitos. IlI. Lesão, todavia, que por sua
gravidade merece ter elevado o quantum indenizatório,
para melhor se adequar aos parâmetros utilizados pelo STJ
em caso de seqüelas físicas permanentes. IV. Recurso espe-
cial conhecido em parte e parcialmente provido. "231
O Código Civil de 2002 não prevê a reparação vetusta lidade dessa verba para o caso de mulher que, depois do evento, conse-
de dote. 232 Sem dúvida alguma, o melhor caminho é a repa- guiu se casar, como se mulher, conseguindo se casar, tivesse sua integri-
ração por danos morais e estéticos. dade física "melhorada" ou "reparada" (os termos são meus): "Civíl-
Ato ilícito - Indenização - Dote - I - Está em consonância com a
doutrina e a decisão que, na reparação de ato ilícito que causa lesão
física, estabelece ser duplicada a soma do valor indenizatório, se dos
231 REsp 406729/RJ, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JU- ferimentos resulta aleijão, excluído do quantum o valor do dote, quando
NIOR, 4 a Turma, v.u., j. 20/08/2002, DJ 30.09.2002 p. 267, REVJUR a mulher, vítima, após o fato, casou-se ou expressamente desistiu da
voI. 300 p. 98, RSTJ voI. 179 p. 362. rubrica. II - Recurso não conhecido." Em REsp 9331/SP, Relator Mi-
232 Era tão imprópria essa reparação à mulher solteira capaz de se nistro WALDEMAR ZVEITER, 3 a Turma, j. 21/05/1991, DJ
casar, que a jurisprudência chegava a ser obrigada a discutir da plausibi- 24.06.1991 p. 8638, RSTJ voI. 28 p. 508.

148 149
/'

CAPÍTULO 4

DANO MORAL E DANO ESTÉTICO

4.1. Evolução da reparação do dano moral e do dano esté-


tico no direito brasileiro e a Constituição de 1988

A formulação de uma teoria constitucional de repara-


ção dos danos causados à pessoa humana é a mais condizen-
te com a evolução e tradição da reparação dos danos morais
e estéticos no ordenamento brasileiro. Isso porque o posi-
cionamento pacífico da reparação dos danos extrapatrimo-
niais no direito brasileiro é recente, como já referido neste
trabalho, pelo que somente após a CF/88 assim o é efetiva-
mente, porque sob a égide do CC/16 a questão da repara-
ção do dano moral era bastante duvidosa.
Para tanto, basta lembrar que em nenhum dispositivo
de nosso CC/16 temos claramente o conceito de dano mo-
ral, dos casos de sua reparação, ou de sua liqüidação.
Assim, partiu-se, simplesmente, da negação de sua re-
paração até à sua reparação incontroversa, (i) por força da
jurisprudência, que em muitos casos já admitia a reparação
do dano moral, Cii) por interpretação de nossos maiores

151
É vedada a reprodução e a distribuição.
Eneas de Oliveira Matos
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo; Master in Law and Economics pela Universidade de
Hamburgo , Alemanha; Doutor em Direito Civil pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo

DANO MORAL E DANO ESTÉTICO

RENOVAR
Rio de Janeiro • São Paulo • Recife
2008

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Matos, Eneas de Oliveira


M224d Dano moral e dano estético I Eneas de Oliveira Matos. - Rio
de Janeiro: Renovar, 2008.
382p.; 21cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978857147-664-6
I. Direito civil - Brasil. I. Título.
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CAPÍTULO 4

DANO MORAL E DANO ESTÉTICO

4.1. Evolução da reparação do dano moral e do dano esté-


tico no direito brasileiro e a Constituição de 1988

A formulação de uma teoria constitucional de repara-


ção dos danos causados à pessoa humana é a mais condizen-
te com a evolução e tradição da reparação dos danos morais
e estéticos no ordenamento brasileiro. Isso porque o posi-
cionamento pacífico da reparação dos danos extrapatrimo-
niais no direito brasileiro é recente, como já referido neste
trabalho, pelo que somente após a CF/88 assim o é efetiva-
mente, porque sob a égide do CC/16 a questão da repara-
ção do dano moral era bastante duvidosa.
Para tanto, basta lembrar que em nenhum dispositivo
de nosso CC/16 temos claramente o conceito de dano mo-
ral, dos casos de sua reparação, ou de sua liqüidação.
Assim, partiu -se, simplesmente, da negação de sua re-
paração até à sua reparação incontroversa, (i) por força da
jurisprudência, que em muitos casos já admitia a reparação
do dano moral, (ii) por interpretação de nossos maiores

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É vedada a reprodução e a distribuição.


juristas 233 , ou (iii) por força da Carta de 1988, que, defini- lados, à própria vítima. "238 ; "Responsabi lidade civil -
tivamente, alça a reparação do dano moral à categoria de .. dano moral acumulado com dano material- somente in-
direito fundamental, no art. 5°, ines. V e X. denizável à própria vítima, não a seus descendentes ou be-
Por seu turno, a doutrina já entendia pela previsão da neficiários. Recurso Extraordinário conhecido, em parte, e,
reparação do dano moral já em alguns dispositivos do nessa parte, provido. " 239 • 240
CC/16, como os arts. 1.549 e 1.550, que Wilson Melo da Mas, não só interpretando os artigos 1.538 e 1.539 do
Silva chamava de hipóteses de reparação de puros danos CC/16, para o caso de lesão corporal, entendia-se, tam-
morais 234 , e assim também pela reparação do dano estético, bém, já cabível a reparação do dano moral no caso de homi-
com fundamento no art . 1.538 do CC/16 235 . Com efeito, cídio, com fundamento no artigo 1.537. Carlos Alberto Bi-
para o caso em estudo, de reparação a título de dano moral ttar era claro ao ver no artigo 1.537, do CC/16, fundamen-
por lesão corporal (dano-moral-conseqüência de um dano- to para reparação do dano moral pela perda de ente queri-
estético-origem ou dano-estético-eventoJ, a jurisprudência do. 241 João Casilo também ensina que a expressão "luto" do
do STF e a melhor doutrina não negavam tal direito, mes- inciso I, do artigo 1. 53 7 é permissiva de reparação extra pa-
mo antes da Constituição de 1988, a teor do disposto nos trimonial. 242
artigos 76, 159, notadamente 1.538 e 1.539 do CC/16, Entretanto, após o advento da Constituição de 1988, o
como sobredito, e assim se manifestavam, dentre outros, entendimento pela reparação do dano moral tornou-se in-
José de Aguiar Dias 23 6 e Agostinho Alvim 237 . Na jurispru- discutível. O novo texto constitucional consagra expressa-
dência, a título exemplar, v.: "A jurisprudência do STF en-
tende somente indenizável por dano material e moral cumu-
238 STF, 2" Turma, Min Carlos Madeira, j. 13.2.87, em RTJ
120/1339.
239 STF, RExt . 113.705, Min . Oscar Correa, j. 30 .06 .87. No mesmo
233 Para os fundamentos que a doutrina elencava pela reparação do sentido : RExt. 99.348 em RTJ 11/1223, RExt. 103.727 em RTJ
dano moral, refutando os argumentos contrários, bastamo-nos por lem- 112/939, e RExt. 104.065 em RTJ 113/ 435.
brar Wilson Melo da Silva, de seu clássico O dano moral e sua repara-
240 É verdade que esse entendimento pela reparação do dano moral
ção, cit., 1999, p. 359 e ss. e LOPEZ, Teresa Ancona . op. cit., 3. ed., p.
neste caso era uma exceção e sempre para pedido formulado pela pró-
32 e ss.
pria vítima para caso de lesão corporal.
234 SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação, cit., 1999,
241 BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil: teoria e prática,
p. 489.
cit., p. 82 .
235 ld. Ibid., p. 498 e ss.
242 CASILO, João. op. cit., p. 163 e ss Ainda, sobre a reparação do
236 DIAS, José de Aguiar. op. cit , 10. ed. v. 2, p. 757-758. dano moral, no caso de homicídio, com fundamento no art . 1.537, v., e
1r
237 ALVIM, Agostinho. op. cit., p. 245. Ainda nesse sentido, v. GO- assim, ainda, CAHALI, Yussef Said. op. cit., p. 61-62. E nesse sentido
MES, Orlando. Novos temas de direito civil, cit., p. 261; BITTAR, era a jurisprudência; v., do STJ, REsp. n° 3.604-SP, Min. Rei. limar
Carlos Alberto. Responsabilidade civil: teoria e prática, cit., p. 83; CA- Galvão; tendo em vista evento datado de 17.7.73, REsp. n° 1604-SP,
SILO, João. op. cit., p. 215 e ss. e p. 64, este fazendo menção expressa Rei. Min. Athos Carneiro; REsp. n° 4.236-RJ, Rei. Min . Eduardo Ribei-
aos casos de acidente de trabalho; CAVALIERI FILHO, Sérgio. op . ro, julgando pedido de dano moral por morte em evento datado de
cit., p. 75; e SEVERO, Sérgio. op. cit., p. 96. 7.2.86 .

!52 !53

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mente disposições sobre a reparabilidade do dano extrapa- terpretando esses dispositivos, consoante o art. 5°, ines. V
trimonial- art. 5°, ines. V e X. 243 e X, CF/88 e a Súm. 37 do STJ. 245
E é justamente com o posicionamento franco da juris-
prudência pela reparação do dano moral, que o STJ firma a
Súm. n° 3 7, permitindo a cumulação dos danos materiais e 4.2. Dano estético: terminologia e evolução de seu conceito
morais advindos do mesmo evento, abrindo forte caminho 1

para as teorias buscando a reparação autônoma de outros Dano estético 246 , dano-evento, dano-origem, dano ob-
danos, como o dano estético. 244 . .
Jetivo, . d ano corpora 1, d ano f'ISICO
d anos pessoais, . 24 7• 24 8,
Assim, pode-se atestar, pelo exame de muitos casos de
concessão de reparação cumulável dos danos morais e esté-
ticos, que a grande maioria destes evoca a Súm. n° 3 7 do 245 Essa é a nossa conclusão da análise dos 60 julgados que Teresa
STJ, para justificar a cumulação, com o seguinte raciocínio: Ancona Lopez, em p. 284-373 , de seu O dano estético, colaciona na
maior pesquisa jurisprudencial sobre o tema já publicada. Da análise de
(i.) a CF/88 permitiu a reparação dos danos extrapatrimo- outros acórdãos, em pesquisa para o presente trabalho, muitos citados,
niais amplamente, sem limites; (ii .) a orientação jurispru- principalmente, no Cap. 6 deste trabalho, a conclusão também foi a
dencial é no sentido de que são reconhecidos e cumuláveis mesma. Realizamos uma análise de todos esses julgados, e em nenhum
os danos materiais e morais advindos do mesmo evento deles há a motivação direta de justificação da reparação exclusiva do
danoso; (iii.) tendo em vista esses pressupostos, reconhe- dano estético em dispositivo constitucional, (i.) nem conforme a tese
esboçada por Teresa Ancona Lopez, de reparação do dano estético nos
ce-se a possibilidade de ocorrência ainda de dano estético termos do art. 5°, inc. V, em O dano estético, cit., 2. ed., p. 125-127,
desse mesmo evento; (iv.) sendo de naturezas diferentes, onde lançou esse entendimento (na mais recente e 3. ed., 2004, veja
os danos morais e estéticos, entende-se pela possibilidade em p. 163-167), interpretando o "dano à imagem" nesse inciso como
de cumulação desses danos, desde que inequivocamente "dano estético", (ii.) nem conforme aqui se propõe, de reparação do
comprovados; e (v.) podem ainda ser invocados como fun- dano estético da aplicação do princípio da dignidade humana, da cláu-
sula geral de proteção da pessoa humana, e da aplicação entre particu-
damento de decisão os arts. 21, do Dec. 2.681/12, par. 1°, lares do direito fundamental à saúde, nos termos da CF/88. Para uma
art. 1.538, CC/16, ou meramente conforme uma teoria de análise mais detalhada da jurisprudência e da doutrina sobre cumula-
cumulação conceitual, mas sempre, repita-se sempre, in- ção, v. Cap. 6 deste trabalho.
246 Por exemplo, em "Responsabilidade civil do Estado- Danos físi-
cos, estéticos e materiais decorrentes de tiro disparado por policial
243 Nesse sentido, V., BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade ci - militar - Reconhecimento da culpa da vítima -Anterior absolvição
vil: teoria e prática, cit., p. 85; SEVERO, Sérgio. op. cit., p. 90 e ss. em processo crime pela Justiça castrense, ante a legítima defesa -
244 Lembramos, entretanto, que o estudo do dano estético, como ver- Ação indenizatória improcedente - Recurso improvido- Voto venci-
ba autônoma, é tema recente na doutrina brasileira, excetuando-se o do", doTJSP, RT613/63 .
pioneiro trabalho de Teresa Ancona Lopez, O dano estético, tese de 247 Como em "Indenização- Ataque por cães bravios- Danos físi-
doutoramento defendida na Faculdade de Direito da Universidade de cos e morais- Culpa in vigilando caracterizada- Reparação devida",
São Paulo em 1979; da mesma forma, pioneira mais uma vez na 2a. ed. do TJRJ, RT 727/274.
de sua obra, 1999, ao tratar da problemática da cumulação dos danos 248 "Acidente de trânsito- Danos físicos em passageiro- Fato aco-
morais e estéticos à luz da CF/88. lhido pela transportadora - Inexistência de força maior ou culpa do

154 155

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dano fisiológico, dano psicofísico, dano-deformidade 249 , gridade física, isso não vai importar. O importante é repa-
danos morais-estéticos 250 , danos à integridade física, danos rar, a etiqueta é superficial.
à integridade psicofísico, dano à saúde, dano biológico, II. Há uma relação diretamente proporcial entre maior
dano existencial, dano à vida de relação, prejuízo ou dano número de qualificações e dificuldade em classificação, le-
sexual, prejuízo ou dano juveniC dano ou prejuízo de lazer, .., vando à negação da reparação . É evidente que quanto mais
dano de stress, dano à serenidade familiar, e outros possí- formos partindo para uma minuciosa classificação, maior
veis, todas esses termos são faces do mesmo conceito: o será a confusão entre os aplicadores, a discussão sobre qual
dano contra a pessoa humana, o dano contra a integridade hipótese de dano, e mais fácil para a negação da reparação.
psicofísica da pessoa humana, assim definido como a alte- Quanto mais simples for a classificação (como a proposta
ração involuntária da integridade da pessoa humana e aten- de classificação dos danos extrapatrimoniais reparáveis à
tatória à dignidade da pessoa humana. 251 pessoa humana em (i.) morais e (ii.) estéticos), mais fáciC
Como já nos referimos neste trabalho, de valia nenhu- claramente, será a tarefa do aplicador na avaliação e con-
ma é a orientação pela etiquetação independente de todos cessão ou não de reparação .253
os danos, e isto por uma série de razões:
I. À vítima o que importa é a reparação . Ou seja, se vai
ser concedida uma reparação por dano sexuaC por perda de em forte doutrina italiana: ''Também tem-se indicado com acerto que
um testículo 252 , ou por dano estético, porque dano à inte- o dano sexual, como a perda de um testículo, em idade antecipada,
pode influenciar no desenvolvimento do corpo, na estabilidade psíqui-
ca e a capacidade de resistência física propriamente viril, e isso, natu-
passageiro - Sentença parcialmente reformada para se excluir o dote ralmente, nas suas possibilidades de triunfo social."
e a invalidez parcial", do 1° TAC-SP, RT 714/159. 253 É muito importante esse aspecto, como bem ressalva, Guido Alpa:
249 Como em "Transporte de passageiros - Queda de ônibus - Le-
"Prima di scendere nell'apprezzamento di alcuni aspetti peculiari dei
sões e deformação - Ação de indenização - Procedência - Pensão testo, occorre richiamare l'attenzione non solo sulla frammentarietà
alimentícia - Dano moral e dano -deformidade - Arbitramento - della normativa che frantuma i criteri di valutazione dei danno alia
Recurso extraordinário conhecido e improvido", do STF, RT 582/247. persona a seconda della causa dei danno, ma ancora, frantuma i criteri
a seconda dell'entità dei danno. Questo e il frutto di una visione distar-
250 Como em "Danos morais- Atropelamento- Vítima menor im-
ta dei problema, che si preoccupa piu degli effetti economici della
púbere - Culpa do motorista - Deformidade física - Indenização
valutazione che non dei valore a cui occorre dare tutela, cioe la persona.
devida- Não confusão desta com o dano patrimonial- Recurso ade-
sivo provido- Inteligência do art. 5°, X, da CF", do 1° TAC-SP, RT
E evidente che l'intoduzione di critei uniformi di risarcimento porterà
benefici di natura economica di cui fruiranno sia i servizi offerti dall'-
678/113.
amministrazione della giustizia, per la riduzione dei tempi di accerta-
251 Para um bom estudo do dano moral strictu sensu, dano corporal e mento degli effetti e per il deposito della sentenza, e finanche per
categorias derivadas, dano estético, danos à vida de relação, prejuízo de l'incenticazione alia soluzione amichevole assicurativi, non piu esposti
lazer, prejuízo sexual, prejuízo juvenil, qualificando-os como "ofensas à alia pirotecnica valutazione dei danno fatta insede processuale", em
integridade psicofísico em seu aspecto não econômico", v. SEVERO, ALPA, Guido. Il danno biologico: percorso di un'idea . 3. ed. Padova :
Sérgio . op. cit. , p. 146-157. CEDAM, 2003. p . 80. Com efeito, é bastante feliz a expressão de Alpa
252 O exemplo de evento danoso como dano sexual é do jurista argen- ao qualific ar o exercício do aplicador do direito nessa gama enorme de
tino LORENZETTI, Ricardo Luis. op. cit., p. 477 -4 78, com amparo classificações de danos em "avaliação pirotécnica do dano realizada no

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III. Não há norma jurídica de reparação que vá alcançar não tinham conhecimento dessas novas soluções, originan-
especificamente cada hipótese que o avanço da doutrina do incerteza e caos no mercado. Ora, essa oração panfletá-
criar. É sabido que essa extensa classificação dos danos ex- ria não tem sentido. Se não bastasse ser uma nova solução
trapatrimoniais é obra de séculos. O desenvolvimento da para um novo problema - o risco é elemento inerente à
atividade empresarial, e assim o risco de novos problemas e
doutrina indica que novos e mais novos danos, com certeza,
eventos em sua atividade - , deve-se dizer que uma teoria
aparecerão, na mesma velocidade em que a sociedade im-
constitucional da reparação do dano, como proposta, aten-
põe e reclama novos casos de reparação. Assim, já discutí-
de à segurança jurídica plenamente na medida em que não
vel se são independentes e autônomos os danos morais e os
traz novos personagens para o palco da prática da reparação
danos estéticos, o que dizer então de reparação inde- dos danos causados à pessoa humana: a reparação cumulá-
pendente para danos sexuais, de lazer, e outros? Resta evi- vel dos danos morais e estéticos já é de orientação pacífica
dente que só o conceito de dignidade de pessoa humana, no STJ 255, o que não pode ser dito a respeito de novos
em constante evolução, como salienta lngo Wolfgang Sar- pedidos de danos de vida de relação, dano psíquico, danos
let254, pode preencher essa lacuna da consideração pelo juiz biológicos, danos à saúde; ou seja, ao limitar os danos passí-
do que é atentatório à dignidade da pessoa humana e capaz veis de reparação prática nos casos de dano à pessoa só a
de ensejar dever de reparação do que não pode ser assim danos morais e estéticos, incluindo nesses danos os princi-
considerado. A teoria constitucional da reparação do dano pais casos gerais de ofensas à integridade moral e integrida-
pessoal é a proposta de consolidação do desenvolvimento de psico-física, temos já uma efetiva e plena reparação dos
do direito diante do desenvolvimento da sociedade, porque danos pessoais, sendo desnecessária a busca de novos "ti-
realiza uma constante releitura do direito civil conforme a pos" de danos. A teoria constitucional já é suficiente para
Constituição, retirando a necessária força normativa para o responder a todos os casos de ofensas à pessoa humana com
alcance de decisões mais consentâneas com o interesse da os seus instrumentos de dignidade humana, cláusula geral
sociedade. de proteção à pessoa humana e direitos fundamentais. E
IV. A tão aclamada segurança jurídica é atendida com atende à segurança jurídica na medida em que evita aven-
uma classificação mais simples. Uma das questões mais turas jurídicas com novos "danos".
tristemente levantadas por orientações ditas neoliberais é A única e grande vantagem que essas classificações for-
que novas formas de interpretação da Constituição para a necem é demonstrar o grau de desenvolvimento teórico
solução de novos problemas -por mais evidente que seja que alcança a reparação do dano contra a integridade psico-
esse raciocínio: a necessidade de novas interpretações para físico.
novos problemas-, geram um prejuízo à segurança jurídi- Assim, por exemplo, é importante a contribuição com
ca, à segurança das relações jurídicas, aos investidores que o estudo do dano existencial (do italiano, il danno esisten-

processo" de reparação de dano, em tradução livre. Acreditar nessa 255 Basta uma simples pesquisa eletrônica no site do STJ para essa
qualificação infindável é colaborar com essa "avaliação pirotécnica". conclusão. No mesmo sentido, v., anexo de julgados em LOPEZ, Tere-
254 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit., p. 40. sa Ancona. op. cit., 3. ed., p. 284-373.

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ziale), qualificado como "todos os prejuízos sofridos na Outra importante corrente é referida por Genevieve
qualidade de vida pelas mais variadas causas, até pela mu- Viney 258 , corrente essa favorável a um reagrupamento dos
dança das condições sócioambientais"; mas, como Teresa prejuízos morais . Cita a posição de Tunc e de vários outros
Ancona Lopez bem lança, "cabe nesse conceito aberto todo e grandes juristas franceses, e deixa nitidamente a posição de
qualquer dano à pessoa, desde que sua dignidade e qualida- que, de todos os danos citados, como la perte d'intégrité
de de vida sejam pioradas - até o dano estético pode ser corporelle, le préjudice esthétique, préjudice d'agrément,
colocado nessa nova figura", e completa, "no direito brasi- pretium doloris, préjudice physiologique, préjudice d'affec-
leiro, como temos lei expressa, esses tipos de dano são consi- tion, todos poderiam ser alvo de um reagrupamento, decla-
derados morais ou seja, bens que afetam os bens não patri- rando, em todas as formas que cita, uma nítida diferença
moniais da pessoa" 256 ; e por fim, ao estudo desse ponto, a para o que se entende por dano moral e dano estético no
jurista acrescenta que a jurisprudência italiana é forte na direito brasileiro.
concessão de reparação por dano existencial. Entretanto, o mais importante avanço doutrinário para
Como já dito, não há que se conformar com essa exten- a busca da integral reparação dos danos causados à pessoa
são sem limites das classificações dos danos causados à pes- humana foi a construção recente dos conceitos de dano à
soa humana: essas classificações nunca terão fim, refletem saúde e dano biológico, para fins de proteção da integrida-
a evolução da sociedade, e cabe ao jurista o estudo do tema de psicofísico, com fundamento no direito fundamental à
com vistas à facilitação da aplicação das normas e, vertente saúde 259 . Neste trabalho, quando utilizamos o conceito
ao fim da responsabilidade, buscar formas de efetiva repa- dano estético 260 , estamos considerando neste conceito de
ração do dano.
Assim, o dano existencial, conforme a natureza do caso,
Pietro. Manuale di diritto ciuile. 4. ed. Napoli: Edizioni Scientifiche
será material, moral ou estético, conforme o ordenamento Italiane, 2003. p. 650, e principalmente, como já citado, ALPA, Guido.
brasileiro. op. cit., p.80-82 e p. 110-116.
Guido Alpa é claro ao asseverar que muitas das hipóte- 258 VINEY, Genevieve. Traite de droit civil, les obligations, la respon-
ses que se classificam como dano existencial seriam muito sabilité: effets. Paris: LG DJ, 1988. p. 198-200.
bem conformadas como hipóteses de danos morais ou da- 259 ALPA, Guido. op. cit., p. 12, afirma que o dano biológico e o dano
nos estéticos, como, por exemplo, no caso de dano sofrido existencial (danno biologico e danno esistenziale) são as duas correntes
por cônjuge que é obrigado, tendo em vista evento danoso, mais modernas e recentes no que tange ao estudo dos danos causados à
a conviver agora com seu respectivo cônjuge com forte pessoa humana.
trauma seguido ao fato, ele poderia ser bem qualificado 260 Deve-se anotar: o que a doutrina italiana chama tradicionalmente
como dano moral, e cita outros da mesma ordem.257 de danno estetico mais se aproxima da concepção brasileira de dano
estético como espécie do dano moral (ou que chamam de dano estético
que está englobado no moral), ou seja, do que é costumeiramente en-
tendido por nossa doutrina como dano moral; nesse sentido, v. que,
256 LOPEZ, Teresa Ancona . op . cit., 3. ed., p. 172. PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 650, chama de
257 ALPA, Guido. op. cit., p. 82 . Ainda sobre dano existencial, v., danno estetico a "difficoltà che !'individuo incontra nell'intrattenere
ZIVIZ, Patrizia. La tutela risarcitoria della persona: danno morale e relazioni sociali a causa dell'aspetto sgradevole acquisito in séguito alia
danno esistenziale. Milano: Giuffre, 1999. p. 411 e ss., PERLING IERI, lesione subita". Portanto, Perlingieri chama de dano estético o que seria

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dano, de ofensa à integridade da pessoa humana, um dano Tendo em vista a reparabilidade autônoma do dano es-
à saúde, dano biológico, diante da garantia a todos do direi- tético, como aceita essa terminologia no Superior Tribunal
to fundamental à saúde, previsto em nossa Constituição de Justiça, e tendo em vista o que a doutrina, principal-
Federal nos arts. 6° e 196. 261 mente italiana, já desenvolveu, podemos comparar a termi-
nologia utilizada no Brasil e na Itália e seus equivalentes na
seguinte tabela:
para o direito brasileiro dano moral, pela dor que a pessoa encontra por TABELA DE COMPARAÇÃO DA TERMINOLOGIA PARA REPARAÇÃO DOS DA-
estar diferente ou com aspecto físico desagradável adquirido depois de NOS EXTRAPATRIMONIAIS NO DIREITO ITALIANO E NO DIREITO BRASILEIRO
uma lesão, i.e., é tipicamente um dano moral naquela concepção que
era usada para negar a autonomia do dano estético em relação ao dano
Direito italiano Direito brasileiro
moral; sobre a resposta dessa objeção, v., 4.3. desta tese, onde se tem
que essa concepção é ultrapassada, porque confunde dano moral com Dano moral (danno mora/e) Dano moral.
dano estético; assim, o termo do direito italiano danno biologico é o que Dano estético (danno estetico; de Dano moral (em matéria de reparação
mais se aproxima ao que a nossa jurisprudência chama de dano estético, natureza externa; há um enfeamento, a de dano à integridade física, esse tipo
como ofensa à integridade física, notadamente nos termos que o STJ modificação na aparência da pessoa, de dano, no Brasil, é reparado classica-
tem entendido. em sua integridade física externa; mente como dano estético, diante da
261 Sobre o dano à saúde e o dano biológico, tendo em vista sua origem exemplo: dano que gera uma cicatriz no amargura que se traz com o enfeamento
e desenvolvimento no direito italiano, v., G IANNINI, Gennaro; PO- rostol e o sentimento de re_Q_ulsa}_.
G LIANI, Mario. op. cit., p. 137 ss .; e CASTRO NOVO, Carla. Danno Dano biológico (danno biologico. de Dano estético ou dano à saúde (os
biologico: un itinerario di diritto giurisprudenziale. Milano: Giuffre, natureza interna; não há enfeamento exemplos citados ao lado, no direito
1998. p. 268 ss .; POG LIANI, Mario. op. cit, p. 1-28 ss ; SECHI, necessariamente, o que há é uma modi- brasileiro, são costumeiramente elas-
Ersilio. La nozione di danno biologico nella elaborazione della giurispri- ficação na integridade física da pessoa sificados como danos estéticos ou
denza constituzionale. In: IL DANNO biologico, patrimoniale, morale, -que se tornou diferente, devendo ser danos à saúde; dano biológico, de for-
cit., p. 29 ss.; ARRIGO, Tommaso. Il danno alla persona come danno reparada essa modificação injusta e ma mais rara; note-se que no direito ita-
biologico. In: VISINTINI, Giovanna (Coord.). Risarcimento del danno violenta; exemplo: (i) perda de um rim, liano , há também essa figura, do danno
contratuale ed extracontrattuale. Milano: Giuffre, 1999. p. 20 1-280; baço, ou (i i) a contaminação por agente alia salute). Deve ser reparado no sis-
LUVONI, Raineri; MANGILI, Franco; BERNARDI, Lodovico. Cuida químico e conseqüente doença) . tema brasileiro, definitivamente, como
alla valutazione medico-legale del denno biologico e dell'invalidità per- vem sendo, como dano estético. 262
maJunte: responsabilità civile, infortunistica dellavoro e infortunistica
Dano existencial (danno esistenziale). É reparado em nosso ordenamento ora
privata. 5. ed. Milano: Giuffre, 2002. p. 3-11; PERLINGIERI, Pietro.
como dano material , ora como dano
Manuale di diritto civile, cit., p. 650; ALPA, Cuido. op. cit., p. 23-70.
moral ou mesmo como dano estéti-
No direito brasileiro, AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O dano mo- co.263
ral. In: SEMINÁRIO DE RESPONSABILIDADE NO TRANSPORTE
TERRESTRE DE PASSAGEIROS, 7., 1997, Campos do Jordão.
Anais ... Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998. p. 22-23 também se refe -
re ao dano à integridade física como dano biológico, e ressalta que a
posição do STJ é no sentido da cumulação dos danos morais e estéticos, 262 Com efeito, a jurisprudência, principalmente o STJ, vem conside -
posicionando-se que "em princípio há possibilidade de cumulação", p. rando o dano estético mais como dano à saúde (como modificação da
21. integridade física) do que como dano à aparência (enfeamento) da pes-

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A tabela acima procura esclarecer alguns equívocos de melha ao nosso dano estético, que assim também é tratado
ordem terminológica que podem ser causados por uma lei- em nosso direito brasileiro (verba patrimonial de tratamen-
tura e tradução apressada dos termos . to e de pensionamento por incapacidade para o trabalho;
Já aplicando esses conceitos para a caracterização do verba extra patrimonial para reparação do dano estético). 266
dano à integridade física em nosso direito, é expresso Ri- Assim sendo, como já referido, é muito melhor a utili-
cardo Luis Lorenzetti, citando direito constitucional com- zação do "sistema binário dano moral- dano estético" 267
parado e a origem italiana dessa corrente doutrinária: para a reparação dos danos extrapatrimoniais causados na
"Afirma-se no Direito Comparado a tendência ao reconhe- pessoa, incluindo nessas categorias todos os danos prove-
cimento constitucional do direito à saúde e ao ressarcimento nientes de ofensas à integridade da pessoa humana (i.e ., em
de danos como uma das técnicas de proteção. sua totalidade, são reparáveis os danos à pessoa humana:
Alguns exemplos são eloqüentes. Na Itália, afirma-se que materiais, morais e estéticos)Z 68 , bem como esse sistema se
a afetação física é um dano à saúde. Esta afirmação possui encontra em conformidade com o ordenamento brasileiro
uma sustentação no Direito Constitucional italiano, em vir- vigente, principalmente, com sua necessária interpretação
tude de que o art. 32 da Magna Carta se refere à tutela da conforme à Constituição.
saúde, como garantia do indivíduo. Na Espanha também
apresenta nível constitucional (art. 43, Constituição espa-
nhola). No Brasil, o Código Civil fala metaforicamente de
4.3. Dano estético e sua independência do dano moral:
'ofensa à saúde'( art. 1.538), e que tem garantia constitucio-
respostas aos opositores da autonomia e cumulação
nal (art. 6°, Constituição de 1988). No Peru, o Código de
1984 dispõe, no art. 5°, o direito à integridade física. "264
Como já ressaltado, todo direito à reparação tem ori-
A natureza tanto de dano patrimonial (custeamento das
despesas com tratamento médico) e de dano extra patrimo- gem em uma relação jurídica especial - a relação jurídica
nial (dano não mensurável em dinheiro do dano à integrida- de responsabilidade civil, que tem como elementos (i) bem
de física), do dano biológico e do dano à saúde 265 os asse- juridicamente tutelado ofendido, (ii) ação-omissão do

soa humana; ou seja, o dano estético, na jurisprudência brasileira, en- 266 Essa característica híbrida do dano biológico - e também do dano
globaria tanto o danno estetico como o dano biologico do direito italiano estético - é amplamente reconhecida pela doutrina e é citada por
(i. e., tanto o dano à integridade da pessoa que seja aparente, como uma LORENZETTI, Ricardo Luis. op. cit., p. 479, ressaltando que outros
cicatriz, como o não-aparente, uma doença). "decididamente o vêem como um dano injusto, novo e autônomo", p.
263 Como salienta Tereza Ancona Lopez, Dano estético, 3a. ed. , p. 4 79, referindo-se ao direito italiano; esse é também o posicionamento
172. defendido na presente tese .
264 LORENZETTI, Ricardo Luis . op. cit., p. 473. 267 A expressão é emprestada de ALPA, Guido. op. cit., p. 113.
265 ALPA, Guido. op. cit., p. 19, remonta ao surgimento dessa corren- 268 Id. Ibid., p. 24, aduz que quanto ao interesse lesado, os danos à
te em 197 4, quando se sugeriu chamar o que era dano biológico por pessoa podem ser: (i .) saúde (dano biológico); (ii.) interesses econômi-
dano à saúde, tendo em vista o direito à saúde tutelado na Constituição cos (dano patrimonial); e (iii.) dano referente à esfera dos sentimentos
italiana no art. 32. (dano não-patrimonial ou dano moral).

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ofensor, (iii) evento danoso, (iv) norma jurídica de repara- juridicamente tutelados diferentes, pelo qu e, portanto, são
ção, que ensejao dever de reparar o dano causado confor- f verbas perfeitamente autônomas e cumuláveis. Nesse sen-
me o bem juridicamente tutelado. 269 tido, como sobredito, pacíficas doutrina e jurisprudência,
Nesse sentido, para a autonomia dos danos moral e es- pelo que basta citar a Súm. 37 do STJ, que diz: "São cumu-
tético, deve-se ter em conta a diferente natureza do bem láveis as indenizações por dano material e dano moral
,. oriundos do mesmo fato".
juridicamente tutelado em cada caso e também a diferente
norma jurídica de reparação. De forma não diferente se deve encarar os danos extra-
Quanto ao bem juridicamente tutelado, quando esta- patrimoniais, ou seja, é mister considerar a natureza do bem
mos analisando hipóteses de dano à pessoa humana, deve- juridicamente tutelado nos casos de danos moral e estético,
se considerar a pessoa humana como feixe realizador de para, se provado que provêm de bens diferentes, serem con-
uma série de direitos, inerentes e intrínsecos, bem como a siderados autônomos, e não mais um espécie do outro.
realização de todos esses direitos na forma de potencialida- Desta feita, considerando o acima exposto, tem-se que a
des asseguradas pelo ordenamento- mormente, no direi- uma ofensa ao bem juridicamente tutelado integridade mo-
to atual, em nível constitucional. Por outro lado, entregan- ral corresponde uma relação jurídica de responsabilidade ci-
do essa tarefa à norma jurídica de reparação, temos sua vil de reparar um dano moral; e a uma ofensa ao bem juridi-
proteção através dos direitos fundamentais, que constam camente tutelado integridade física corresponde uma rela-
na Constituição (i.e., na CF/88 temos, portanto, tanto o ção jurídica de responsabilidade civil de reparar um dano es-
bem juridicamente tutelado quanto a norma jurídica de tético.
reparação para os casos de ofensa à pessoa humana). 270
Prosseguindo na análise, deve-se lembrar que se altera- TABELA DE RELAÇÃO JURÍDICA DE REPARAÇÃO CIVIL DOS DANOS PESSOAIS
do qualquer elemento da relação jurídica de responsabili-
dade civil, no caso em tela, o bem juridicamente tutelado, Relação jurídica Elemento determinante da Forma de reparação
há um novo dano e um novo dever de reparar. Assim, se de reparação relação jurídica (se diferente,
diferente é o dano)
modificado qualquer fator dessa relação - ação, dano ou
norma-, tem-se o surgimento de outra relação, e, por sua Dano material Bem jurídico ofendido: patri- Despesas com tratamento, pen-
monial, patrimônio da vítima são por incapacidade laborativa
vez, de outro dever de reparação, de outra indenização,
e demais gastos
cumulável com a primeira. Prova dessa proposição é que a
Dano moral Bem jurídico ofendido: extra- Reparação a ser arb itrada pelo
ofensa que causa danos materiais e morais- ou seja, dois
patrimonial, integridade mo- juiz conforme a sua experiência,
danos diferentes, enseja duas relações diferentes, com bens rai visando a compensação do
ofendido e punição do ofensor
Dano estético Bem jurídico ofendido: extra- Reparação a ser arbitrada pelo
269 PADILLA, René A. op. cit., p. 44-45, 127 e 187 e ss. patrimonial, integridade física juiz conforme a gravidade da
270 A título exemplar, v., SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 202 -204, transformação da integridade fí-
sobre o tratamento constitucional da "integridade física" e da "integri- sica determinada em prova peri-
dade moral", nitidamente independentes, ou seja, como bens tutelados cial médica
juridicamente de forma diferente.

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Nesta esteira, dano moral é toda ofensa causada aos lístico, sendo o responsável obrigado a reparar o dano esté-
direitos morais da pessoa humana, correspondentes à inte- 'r tico aí causado-, vez que o que caracteriza o dano estético
gridade moral da pessoa humana, sejam eles, v.g., direito à não é a concepção subjetiva de enfeamento, mas sim o con-
identidade, à honra, ao respeito, ao decoro, às criações in- ceito objetivo - aferível através de perícia médica - de
telectuais, ou aos direitos ao corpo, que não ligados direta- ofensa à integridade física que a torna diferente do estado
mente à pessoa de seu titular, sejam eles, v.g., direito à vida anterior. 274
-dano moral por morte de ente querido-, ao cadáver - Portanto, retira-se a autonomia do dano estético do
dano moral por desrespeito à integridade do cadáver de dano moral, considerando o bem juridicamente tutelado,
ente querido - , à imagem e à voz, ou ainda, aos direitos vez que (i) o dano estético corresponde a uma ofensa à
psíquicos, que não ligados diretamente à incolumidade da integridade física, enquanto o dano moral corresponde a
mente, como o direito à liberdade de pensamento, de ex- uma ofensa à integridade moral, e também porque (ii) en-
pressão, à intimidade e ao segredo, gerando sentimentos de quanto o dano estético é passível de apreciação objetiva, o
dor, sofrimento, lamentação, preocupação ou através de dano moral padece de análise de caráter subjetivo, casuís-
caracterização de dano injusto.271 • 272 tico .
Dano estético é toda ofensa causada aos direitos físicos Assim sendo, se danos diferentes são- dano moral e
da pessoa humana, correspondentes à integridade física da estético - , no mesmo evento podem ter origem esses dois
pessoa humana, ligados diretamente à pessoa de seu titular, danos, e, por conseqüência, duas relações de reparação di-
sejam eles, v.g., direito à higidez corpórea e às partes do ferentes, cumuláveis 275 .
corpo, protegendo o corpo de qualquer modificação não Entretanto, não é só da análise do bem juridicamente
autorizadaY 3 tutelado, como acima exposto, que se depreende a autono-
Assim, temos danos estéticos seja quando há mutilação mia do dano estético e do dano moral.
de membros - v.g., amputação de perna, braço ou dedo Tal autonomia surge também considerado outro ele-
- , seja quando por retirada não voluntária, imputável res- mento da relação jurídica de responsabilidade civil, que é a
ponsabilidade a outrem, de órgão - como por retirada de norma jurídica de proteção.
órgão, v.g., baço ou rim, tendo em vista acidente automobi- Assim sendo, o fundamento para que se possa instaurar
, a relação de cumulação se encontra na releitura do direito
civil conforme a Constituição, de forma que enquanto o
271 Seguindo a classificação dos direitos da personalidade acima pro-
posta, com fundamento, dentre outros em BIITAR, Carlos Alberto .
Os direitos da personalidade, cit., p. 62 ss. 274 Como salienta MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Ele-
272 Sobre dano injusto, v., GOMES, Orlando. Tendências modernas mentos de responsabilidade civil por dano moral. Rio de Janeiro : Reno-
na teoria da responsabilidade civil, cit., p. 291 ss. Ainda sobre dano var, 2000. p. 52 .
injusto, v. MOSSET ITURRASPE, Jorge. op. cit., p. 126 ss.; CASTRO- 275 A título exemplar, merece lembrança o Enunciado XLI do TJRJ:
NOVO, Carla. La nuova responsabilità civile, cit., p. 87 ss. "São cumuláveis as indenizações por dano estético e dano moral, oriun-
273 Nesse sentido, v., LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 2. ed. p. 38 ss. das do mesmo fato" .

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elemento norma jurídica de reparação, para o dano moral Assim sendo, não cabe razão aos opositores à autono-
tem fundamento constitucional, em nosso direito positivo, mia e cumulação dos danos morais e estéticos, sendo essa
no artigo 5°, incisos V e X, para o dano estético, considera- plenamente cabível diante de uma teoria constitucional de
do no seu aspecto de higidez contrária à ofensa na integri- reparação dos danos causados à pessoa humana.
dade psicofísico, tem-se fundamento constitucional no di- Desta feita, possibilitando a reparação cumulável, po-
reito à saúde, positivado nos artigos 6° e 196. dem ser elencadas algumas diferenças entre o dano estético
e o dano moral, respondendo aos opositores da autonomia:
TABELA DE COMPARAÇÃO DOS ELEMENTOS DAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE 1. A orientação do dano estético como espécie do dano
REPARAÇÃO DE DANO MORAL E DE DANO ESTÉTICO
moral parte da classificação dos danos em danos materiais
e danos morais, ou em danos patrimoniais e extrapatrimo-
Relação jurídica de repa- Elemento bem jurídico Elemento norma jurídica
ração civil Iprotegido de reparação
niais, vistos estes como sinônimos daqueles (danos mate-
riais = danos patrimoniais e danos morais = danos extrapa-
Dano moral Integridade moral Artigo 5°, incisos V e X, CF
trimoniais) 276 .
Dano estético Integridade física Artigos 6° e 196, CF Entretanto, tal classificação reflete concepção do final
do século XIX, início do XX, quando a questão da repara-
bilidade dos danos extrapatrimoniais, por si só, já refletia
A fundamentação do dano moral, em nosso direito po- grande avanço, o que hoje não pode ser mais visto desta
sitivo, no art. 5°, ines. V e X, é tema de larga e profunda forma simplista.
análise, pelo que fugiria do intento deste trabalho abarcar Em matéria de reparação dos danos à pessoa humana,
novamente tema tão já refletido por nossos doutrinadores uma classificação que mais se coaduna com as mais diversas
e jurisprudência. conseqüências lesivas que podem ocorrer é em danos à
Já quanto ao dano estético com fundamento no direito pessoa, ou danos corporais, e danos atípicos, ou danos não
à saúde, garantido constitucionalmente, esse será alvo de corporais 277 , ou seja, danos à pessoa humana diretamente,
exposição a seguir neste trabalho.
Diante do exposto, conclui -se que a reparação dos da- 276 "Dano moral" como sinônimo de "dano extrapatrimonial", na divi-
nos causados à pessoa humana em determinada hipótese são dos danos em "patrimoniais" e "extrapatrimoniais", v., LALOU,
prática pode ensejar a indenização por danos material, mo- Henri. Traité pratique de la responsabilité civile. 4. ed. Paris: Dalloz,
ral e estético, de formas autônoma e cumulável, vez que (i) 1949. p. 101.
277 Dando subsídios para tal classificação, v., LORENZETTI, Ricardo
danos diferentes são- proveniente de abalos e conseqüên-
Luis. op. cit., p. 458, que fala em "danos à pessoa" no sentido utilizado
cias de prejuízos diversos -, e (ii) possuindo normas a aqui para "danos corporais", e, a também, MAZEUAD, Henri; MA-
permitir a reparação de cada um -pela interpretação do ZEUAD, Léon; TUNC, André. op. cit., v. 1, t . 1, p. 424, criticando
direito à saúde-, nada mais claro que concluir pela possi- divisão dos danos em "corporais " no sent ido de "materiais" e "incorpo-
bilidade dessa reparação autônoma. rais" no sentido de "morais", dizendo que há danos "corporais" que
geram danos "morais" , ou seja, no sentido aqui exposto, de que os

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por exemplo, dano à honra e dano por lesão corporal, ou a 3 . A autonomia do dano estético reflete o atual estágio
bens, que não diretamente à pessoa hwnana, mas que guar- da responsabilidade civil. 280
dam interesse na proteção na órbita jurídica, por exemplo , A evolução da responsabilidade civil, na busca do cum-
dano por destruição de bem de afeição e dano causado à primento do ideal de se alocar a pessoa humana como cen-
pessoa jurídica; por esta concepção, os danos à pessoa huma- tro do direito 281 , e assim através da técnica da positivação
na podem ser corporais patrimoniais ou extrapatrimoniais, ao nível constitucional do princípio da dignidade da pessoa
subdividindo-se os extrapatrimoniais em morais ou esté- humana, como fundamento, erigindo uma cláusula geral de
ticos Y8 proteção da pessoa humana, a ensejar a proteção de todos
2. A vetusta classificação em danos materiais e morais os direitos multifacetados da pessoa humana, acaba por
guarda amparo na também secular concepção de que o cen- gerar, em sede de responsabilidade civil, quatro momentos
tro da responsabilidade civil era o elemento ação humana, nitidamente distintos de ampliação:
ou seja, da imputabilidade, da culpa ou não, da responsabi- (i) Ampliação dos casos, ou hipóteses fáticas, de per-
lidade ser subjetiva ou objetiva . missão de reparação por ofensa à pessoa humana, levando
Hoje, tem-se que o centro gravitacional da responsabi- ao dever de reparar em casos que antigamente se tinha
lidade, nos termos de Orlando Gomes, é o dano, dano in- como não indenizáveis;
justo, sendo dever a preocupação com sua plena reparação, (ii) Ampliação do rol de legitimados à reparação, acar-
em todas as hipóteses a ensejar. 279 retando uma interpretação pela permissão de outros legiti -
Nesse sentido, é a concepção pela autonomia a que se mados ao pleito reparatório, de forma mais justa que antes;
coaduna de melhor forma com a esboçada, já que busca (iii) Ampliação do conceito de dano indenizável, classi-
reparar danos diversos e, portanto, cumuláveis. ficando os danos de forma a melhor se chegar ao ideal de
reparação de todos os danos protegidos pelo direito - aqui
danos à pessoa ou danos corporais podem dar ensejo à reparação mate- se encontra a cumulação dos danos morais e estéticos -;
rial, moral e estética . (iv) Ampliação dos valores em que são condenados os
278 Nesse sentido, CARLUCCI, Aída Kemelmajer de. E! daii.o a la ofensores pela violação de valor basilar e único do ordena-
persona. (Sierve ai derecho argentino la creacion pretoriana de la juris- mento, à pessoa humana, seja através da técnica do valor de
prudencia italiana7 Revista de Derecho Privado y Comunitario, Buenos desestímulo, arbitrando valores elevados com cunho puni-
Aires, n. 1, p. 80, 1998; LORENZETTI, Ricardo Luis. op. cit., p. 459 ,
tivo, exemplar e pedagógico, com fins a servir de exemplo
e POGLIANI, Mário. op. cit. , p. 27 -28. Como já acentuado, o dano
psicológico, apesar de extrapatrimonial, possui natureza de dano patri- à sociedade, desestimulando novos eventos, seja através do
monial, por se tratar de verba de tratamento psicológico, e por outro arbitramento de valores que reflitam de forma mais digna a
lado a questão do dano injusto a ser reparada no dano psíquico ocorre
no arbitramento dos danos morais e estéticos, não ensejando verba
autônoma, portanto, de dano psíquico. Nesse sentido, v., LORENZET- 280 Nesse sentido, v, POGLIANI, Mário. op. cit., p. 27-28; SECCHI,
TI, Ricardo Luis. op . cit., p. 476. Ersilio. op. cit. , p. 29 ss., e CASTRONOVO, Carla. Danno biologico,
279 GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabi- cit., p. 268 ss.
lidade civil, cit., p. 291 ss. 281 FIGUEIRA, Eliseu. op. cit., p. 109-111.

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pessoa humana, não permitindo que, pela fixação de valo- Não é novidade ao aplicador brasileiro a aplicação de
res baixos, tenha-se outros momentos de "desvalorização dispositivos constitucionais em sede de responsabilidade
da pessoa humana". 282• 283 civil, v.g., art. 5°, ines. V e X - direito fundamental à
4. A autonomia do dano estético, a partir do direito reparação por dano moral-, da CF/88, diretamente entre
fundamental à saúde, reflete a constitucionalização do di- particulares, dando -lhes eficácia imediata, pelo que da
reito civil, e a definitiva ocorrência do direito civil constitu - mesma forma se tem na aplicação imediata do direito fun-
cional, com um ramo que é a responsabilidade civil consti - damental à saúde entre particulares, arts. 6° e 196, da
tucional. CF/88 - direito fundamental à reparação por dano estéti-
Arce Flórez-Valdés, buscando sistematizar o direito ci- co - , refletindo a inevitável releitura do direito civil con-
vil constitucional, divide-o em (i) "introdução ao direito forme a Constituição, que em matéria de responsabilidade
civil constitucional e conteúdo residual civil presente na civil, diante da enorme gama de situações que foram abar-
Constituição", (ii) "direito civil constitucional da pessoa", cadas pela CF /88- v.g., responsabilidade civil do empre-
(iii) "direito civil constitucional patrimonial" e "direito ci- gador no art. 7°, inc. XVIII, e responsabilidade civil das
vil constitucional da família" ,284 pelo que podemos certa- empresas privadas prestadoras de serviço público no art.
mente, ao lado destas classes, tendo em vista o forte impac- 3 7, par. 6° - , inaugura uma verdadeira nova ótica desta
to que a Constituição de 1988 trouxe à matéria, alocar uma seara do direito, ensejando também uma releitura de nosso
responsabilidade civil constitucional. sistema de reparação dos danos à pessoa humana - respon-
sabilidade civil constitucional - , com vistas à alocação da
A cumulação dos danos moral e estético é uma prova
pessoa humana no seu devido patamar de proteção.
definitiva da existência da responsabilidade civil constitu-
5. Enquanto o dano moral é nitidamente de cunho sub -
cional. Assim como, deve-se, ainda, alocar o importante
ramo dos contratos pela ótica civil constitucional, bastando jetivo- dependendo de análise casuística - , o dano esté-
lembrar da função social dos contratos. tico é de cunho objetivo - mediante aferição da transfor-
mação injusta na integridade física da pessoa humana. 285 .
Por exemplo, nem sempre pode ocorrer dano moral por
282 A expressão é de CAMPOS, Diogo Leite de. op. cit., p. 72 . uma pessoa ter sofrido um trauma a ensejar uma cicatriz
283 Sobre a "ampliação" da responsabilidade civil, nos moldes propos - em local do corpo não visível por todos, que permanece
tos, nesse sentido, v., LORENZETTl, Ricardo Luis. op. cit., p. 453 ss. encoberto pelas vestes, dependendo da análise do caso.
284 ARCE FLÓREZ -VALDÉS, Joaquim. op. cit., p. 61 ss., 80, e 179- Mas, no caso acima, certamente, ocorrerá dano estéti-
181, buscando sistematizar tal ramo do direito, divide-o em (i} "intro-
dução ao direito civil constitucional e conteúdo residual civil presente
co, haja vista que não se pode deixar de reparar a modifica-
na Constituição", (ii} "direito civil constitucional da pessoa" , (iii) "di- ção indesejada na integridade física da pessoa humana, ape-
reito civil constitucional patrimonial" e "direito civil constitucional da nas porque essa não pode ser constatada por todos; seria o
família", pelo que podemos certamente, ao lado destas classes, tendo
em vista o forte impacto que a Constituição de 1988 trouxe à matéria,
alocar uma "responsabilidade civil constituciona l". 285 POGLIANI, Mário. op. cit., p. 27-28.

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mesmo que proteger o ofensor e premiar a ofensa injus- gridade físico-corporal, como os caracteres imateriais
ta286 _ como formadores da integridade moral da pessoa humana,
6. O dano estético é dano-causa, enquanto que o dano devendo todos ser tratados de forma integral, mediante a
moral é dano -conseqüência; de forma que ocorrida uma cláusula de proteção da pessoa humana, ou do princípio da
transformação na integridade física, tal modificação causa dignidade humana, alçado em nosso direito à condição de
uma conseqüência que é um abalo psíquico. fundamento de nossa nação, no art . l 0 , inc. III. 288
Desta forma, se fosse um espécie do outro, o correto 8. Dano moral e dano estético possuem diferentes nor-
seria dizer, portanto, que o dano moral é espécie do estéti- mas de reparação no ordenamento brasileiro.
co, e não o inverso, como os partidários contrários à cumu- Enquanto o dano moral é reparado pelo disposto na
- 287 o u seJa,
1açao. . acontecen d o um evento d anoso, por CF/88, art . 5°, ines. V e X, o dano estético, mediante a
exemplo, a perda de membro superior, em primeiro lugar técnica de aplicação do direito fundamental à saúde entre
ocorre a ofensa à integridade física (perda do membro), particulares, é reparado através da interpretação dos arts.
assim um dano estético e, após esse, em segundo lugar, 6° e 196, também da CF/88, que expressamente amparam
ocorre o abalo emocional à vítima da grave lesão, é a ofensa o direito à saúde em nosso ordenamento. 289
à integridade moral, à paz de espírito, assim um dano mo- 9. Não se trata de bis in idem a reparação autônoma do
ral. Por isso seria o dano estético um dano-causa e o dano dano estético de forma alguma, (i) porque são danos diver-
moral um dano-conseqüência. São notoriamente diferen - sos, de conseqüências lesivas diversas; (ii) sendo danos di-
tes; distintos. versos, de melhor técnica jurídica a reparação de forma
7. O tratamento mais condizente com o estágio atual da diversa, autônoma; (iii) porque é possível a interpretação
matéria é no sentido da diferença entre dano moral e dano pela proteção -dano moral e dano estético -por normas
estético, diante, por assim dizer, da nítida diferença entre, diferentes; (iv) porque assente que o princípio que deve
respectivamente, integridade moral e integridade física . reger a matéria é o da reparação plena dos danos verificados
Tanto que a CF/88, no seu art. 5°, inc. XLIX, diz que
"é assegurado aos presos o respeito à integridade física e
moral", e da própria interpretação do direito à vida, art. 5°, 288 Sobre o tratamento constitucional da "integridade física" e da "in-
caput, tem-se no seu conceito como plenamente divisíveis tegridade moral", v., SILVA, José Afonso da. op . cit. , p. 202-204; So-
os caracteres formadores da vida, e assim da dignidade da bre tal nítida separação, quanto à classificação dos direitos da persona-
pessoa humana, não só os materiais correspondentes à in te- lidade, v., notadamente, BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da per-
sonalidade, cit., p. 62-64, dividindo-os em "a) direitos físicos; b) direi-
tos psíquicos; e c) direitos morais", com amparo em Rubens LIMONG I
FRANÇA.
286 Considerando dano estético qualquer deformidade, em ofensa ao
289 Assim como no direito italiano, que se tem pela reparação do
direito da personalidade à integridade física, v., LOPEZ, Teresa Anco-
"dano biológico" - que corresponde ao que a nossa jurisprudência
na. op. cit., 2. ed. p. 38, e, também, MONTEIRO FILHO, Carlos
chama de dano estético, com amparo no artigo 32 da Constituição
Edison do Rêgo. op. cit., p. 52.
italiana, que protege o direito à saúde naquele ordenamento. Nesse
287 CARLUCCI, Aída Kemelmajer de. op. cit., p. 85. sentido, a título exemplar, v., POG LIANI, Mário. op. cit., p. I 1 ss.

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e protegidos- cfr. arts. 159 do CC/16 e 927 do CC/02 1O. Por fim, não é obstáculo à cumulação a concessão
-; (v) sendo todos reparáveis, não resta motivo para a im- de nova verba no pleito reparatório, ou seja, que se estaria
possibilidade de sua cumulação- nos moldes da Súm . 37, "enriquecendo a vítima" a conceber pela "duplicação" da
do STJ, para os danos material e moral. 290 verba extrapatrimonial.
O arbitramento é assunto que foge da presente discussão
e que depende, como dito anteriormente, de uma releitura
290 Sobre o princípio da reparação plena, v., ALTERINI, Atílio Aníbal. dos parâmetros atuais, em sua maioria tímidos, sob pena de
La limitación cuantitativa de la responsabilidad civil. Buenos Aires : se concretizar momentos, também como já aludido, de "des-
Abeledo-Perrot, 1997. 17 ss . Sobre o conceito de dano, nos moldes valorização da pessoa humana" 291 , o que é defeso .
citados, v., DIAS, José de Aguiar. op. cit., 10. ed. v. 2, p. 713 ss., Por seu turno, é assunto de política jurisprudencial que
notadamente 713-714. O STJ, REsp. n° 103.012-RJ, rei. Min., CESAR
ASFOR ROCHA, j. 7.12.99, já considerou que bis in idem seria a
depende de análise dos parâmetros de arbitramento caso a
concessão de ditas verbas autônomas se não apuradas de forma incon- caso.
fundível, promanando pela cumulação quando possível tal "apuração Concordamos com a doutrina no sentido que de nada
em separado", nos termos aqui propostos: "Permite-se a cumulação de adianta duplicar, v.g., um real, cem reais, chegando a dois
valores autônomos, de um fixado a título de dano moral e outro a título reais e duzentos reais, aplicando-se a cumulação, com, por
de dano estético, derivados do mesmo fato, somente quando os referi-
exemplo, cem reais para dano moral e mais cem reais de
dos danos forem passíveis de apuração em separado, tendo causas in-
confundíveis que devem ficar devidamente explicitadas pelo órgão jul- dano estético 292 .
gador ao atribuir valores em separado a cada um deles, sob pena de Mas tal argumento de quantificação, que, repetimos,
indevido bis in idem". As expressões "apuração em separado" ou "cau- foge do assunto principal e seria tema certamente para ou-
sas inconfundíveis que devem ficar explicitadas pelo órgão julgador" tro trabalho, não é suficiente para esconder a realidade que
devem ser interpretadas pela declaração, no caso de realização em pro- é a autonomia e a cumulação de ditas verbas.
cesso judicial, em sentença, pelo juiz da natureza autônoma de cada De bom direito e assim sendo, arbitrada em valor digno
dano - moral e estético - conforme cada caso. Por exemplo, é acer-
tada a decisão que justifica a autonomia e cumulação de danos morais e
a reparação por dano extrapatrimonial, deve ela ser dividi-
estéticos (i) na natureza objetiva do dano estético, caracterizada me- da, na proporção que o caso promanar 293 , em verbas autô-
diante prova pericial médica, que atestou modificação na integridade
psicofísico da vítima em decorrência do evento danoso, e (ii) na natu-
reza subjetiva do dano moral, caracterizada mediante as circunstâncias tente relação jurídica de reparação; repita-se, a bem do d ireito, sem
do evento danoso, que podem falar por si só (v.g ., perda de membro norma jurídica de reparação não há possibilidade de reparação.
superior ou inferior), suas conseqüências emocionais para a vítima 291 Repetimos que a expressão é de CAMPOS, Diogo Leite de. op.
(v.g ., constatação de forte abalo emocional ou presunção deste, como cit., p. 72 .
no caso de ofensa gravíssima à integridade física), ou, ainda, pode se 292 MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. op. cit., p. 61-62,
caracterizar como dano injustamente causado e contrário à dignidade apesar de ressaltar que o STJ possui posição mais recente no sentido
da pessoa humana (a critério do juiz). Assim, deve sempre o juiz justi-
favorável à cumulação dos danos moral e estético.
ficar a natureza diferente dos mesmos (natureza subjetiva do dano mo-
ral e objetiva do dano estético), conforme esse critério, a ocorrência de 293 A seguir há ponto exatamente sobre a questão da fixação autôno-
ambos, e deixar clara a autonomia dos mesmos, mediante norma jurídi- ma ou não dos danos materiais e estéticos. Entretanto, desde já, cita-
ca - sempre -, sob pena de impossibilidade de se instaurar compe- mos decisão do TAC -RJ, Ap . 5.721/95, rei. Juiz Fabrício Paulo B. Ban-

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nomas de dano moral e dano estético, porque verbas dife- Constituicionali- Não leva isso em con- É conseqüência da constitucionaliza-
zação do Direito sideração. ção do direito civil, na medida em que
rentes são, como demonstrado, e assim merecem conside- utiliza a apl icação de direitos funda-
Civil.
ração em separado, como a de dano patrimonial, a teor da mentais entre particulares, de forma
já referida Súm. 37, do STJ. 294 direta, para amparar a possibilidade
de reparação autônoma dos danos
TABELA DE DIFERENÇAS DO DANO MORAL E DANO ESTÉTICO E RESPOSTAS morais e estéticos.
AOS CONTRÁRIOS ÀCUMULAÇÃO Consideram a natureza distinta dos
Apreciação do Desconsideram a na-
dano. tureza distinta dos da- danos morais (de apreciação subjeti-
Diferença da ma- Contrários à cumula- Favoráveis à cumulação nos morais e estéti- va, casuística) e estéticos (apreciação
téria lção cos. objetiva, pericial médica).
Estágio da Dou- Anterior à CF/88. Clas- Posterior à CF/88 e atual. Classifica- Classificação em Dano estético é espé- Dano estético não é espécie do dano
trina e classifica- sificação dos danos ção dos danos pessoais em a) danos dano-causa ou cie do dano moral. moral. Dano estético é dano-causa (o-
ção dos danos. pessoais em a) danos patrimoniais (englobando os danos dano-conseqüên- corre a transformação na integridade
materiais e b) danos materiais) e b) danos extrapatrimoni- física com o evento danoso) e dano
cia.
morais. ais (abarcando os danos morais e es- moral é dano-conseqüência (com a
téticos) . modificação na integridade física é
Centro g ravita- Ação humana (impu- Dano (dano injusto, reparação do da- que se tem a conseqüência que é o
cional da respon- tabilidade, presença no, novas formas de dano contra a abalo moral) .
sabilidade civil. ou ausência de culpa, pessoa humana). Apreciação da Desconsidera essa Conforme essa classificação, a inte-
ser a responsabilidade classificação da classificação . gridade da pessoa humana se divide
objetiva ou subjetiva). integridade da em (i) integrid ade moral, (ii) integrida-
Evoi ução da res- Restringe a reparação Reflete o movimento atual de amplia- pessoa humana. de física e (iii) integridade psíquica.
ponsabilidade dos danos à pessoa ção da responsabilidade civil: (i) am- Diferença entre Desconsidera essa di- Dano moral (CF/88, art. 5", V e X) e
civil. humana. pliação das hipóteses fáticas de repa- as normas de re- ferença. dano estético (CF/88, arts. 6" e 196,
ração, (ii) ampl iação do rol de legiti- paração no arde- direito à saúde).
mados à reparação, (iii) ampliação do namento
conceito de dano indenizável) e (iv) brasileiro.
ampliação dos valores das condena-
lções. Cumulação é bis Sim, porque dano es- Não, porque são danos diversos, au-
in idenf? tético é espécie do da- tônomos, possuem normas de repara-
no moral. ção diferentes e deve prevalecer a re-
gra que todos os danos devem serre-
Iparados.
de ira Filho, que concedeu e fixou a reparação de dano estético em l 00
salários mínimos, e a de dano moral em 500 salários mínimos.
294 Tanto diverso o problema da cumulação com o arbitramento de
ditas verbas que o STJ já assentou que podem ser concedidas autono-
mamente e arbitradas em valor único, explicitando-se que o valor único
é devido pelos danos moral e estético. Nesse sentido, v., REsp. n°
l 03 .012-RJ, rei. Min ., César Asfor Rocha, j. 7.12.99.
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Enriquecimento Entendem que há um Não há enriquecimento, porque são e essa prova, sem dúvida, deverá ser realizada por perícia
da vítima ou du- enriquecimento da ví- verbas extrapatrimoniais (a subs- médica, que, seguindo os critérios do estado da arte, deve-
plicação da verba tima porque receberia tiuição de um membro por dinheiro rá responder se o evento danoso causou, ou não, uma ofen-
extrapatrimonial. duas verbas atítulo do não enriquece ninguém - o que não
mesmo dano. tem valor não pode gerar aumento do sa certa (não hipotética, eventual ou futura) à integridade
valor do patrimônio da vítima) e não da pessoa humana, bem como se essa ofensa é permanente,
há duplicação, porque, necessaria- não se aceitando a passageira ou recuperável.
mente, não importa na fixação dobra- Nesse sentido, Teresa Ancona Lopez reconhece cinco
da (aumento nos valores usuais) do
valor arbitrado de reparação.
requisitos para a caracterização do dano estético:
i. pode ser configurado por qualquer modificação na
integridade física da pessoa humana;
Por todo o exposto, percebe-se que a autonomia e cu-
ii. deve ser uma modificação certa e permanente;
mulação do dano estético, em relação ao dano moral, é
iii. deve ser uma modificação na "aparência externa da
passo inevitável do avanço de nossa teoria da responsabili-
dade civil, no sentido da plena reparação dos danos causa- pessoa";
dos à pessoa humana, e no sentido da também inevitável iv. deve ser uma modificação que cause um "enfeamen-
superação da dicotomia direito público e direito privado, to" na vítima;
ensejando momento de aplicação da necessária releitura do v. deve a modificação causar no ofendido "humilha-
direito civil conforme à Constituição. 295 ções, tristezas, desgostos, constrangimentos, isto é, a pes-
soa deverá se sentir diferente do que era- menos feliz. "29 6
A jurisprudência majoritária brasileira 29 7 parece enten-
4.4. Requisitos do dano estético der no mesmo sentido da tratadista sobre o tema: "Danos
estéticos e morais - Deficiência quanto à postura física -
Para a caracterização do dano estético é necessário, pre- Comprometimento de membros da vítima - Indenização
liminarmente, que o dano seja efetivamente comprovado, devida" 298 ; "Responsabilidade civil- Dano estético incerto
e eventual - Referência sobre ocorrência futura que deri-
varia de hipotético agravamento da lesão - Indenização
295 Por todos, sobre tal movimento do direito civil , v., PERLING lER!, incabível" 299 , uma vez que o dano estético deve ser certo e
Pietro. La personalità umana nell'ordinamento giuridico, cit., p. 20-22, permanente; "Indenização - Danos estético e moral
sendo claro sobre a funcionalização dos institutos de direito privado
com vistas ao desenvolvimento da personalidade humana, assentando
que a pessoa humana é o "valor dos valores" a ser protegido - na 296 Conforme LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 3. ed . p. 46 -55; os
hierarquia dos valores a dignidade humana é o superior-, pelo que tal requ isitos e as expressões são da autora.
funcionalização é reflexo, portanto, dos valores fundamentais do orde-
297 Como esses, vários outros arestos foram consu ltados em STOCO,
namento; do mesmo autor, v., Tendenze e metodi della civilistica italia-
na, cit., p. 39 ss., aduzindo sobre tal necessária releitura do direito civil Rui . op. cit.
conforme a Constituição, e p. 127 ss., que essa interpretação se inclina 298 TARS, RT 686/169.
ao modelo de superação da grande dicotomia referida. 299 TJSP, RT 612/44.

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Verba somente devida se a lesão importar desfiguração e
rejeição da vítima no ambiente social - Comprovação tão-
somente de cicatriz insuficiente para fundamentar o pedido
I
~
I
1. se é qualquer modificação na integridade física, não
é preciso o enfeamento ou que seja externo;
2. se é aferido por perícia médica, caracterizando-o por
-Inépcia decretada" 300 , tendo em vista que o dano estéti- ser certo e permanente - impossível de reparação real,
co deve ser real modificação na integridade física da pessoa como no caso de amputação de membro superior - , o
humana, além de causar "enfeamento"; e "É perfeitamente dano estético é dano-origem, de natureza objetiva, e não
admissível a cumulação de indenizações a título de danos necessita de dano-conseqüência, de natureza subjetiva, que
moral e estético, advindos de um mesmo fato, mormente cause dor, humilhação (isso não é dano estético, é dano
quando a vítima, do sexo feminino, sofrer lesões que osten- moral).
tará permanentemente" 30 1, já que o dano estético deve ser Assim deve-se entender o dano estético - como a
I
externo e permanente. Curiosa a decisão que negou repa- doutrina italiana entende o dano biológico - como qual -
ração de dano estético a pessoa idosa: "Responsabilidade quer ofensa à integridade psicofísico da pessoa humana, per
civil- Acidente ferroviário - Dano estético em passageira se, objetivamente, independente dos danos morais ou ma-
sexagenária- Exclusão da indenização" 302 . teriais causados, amparado constitucionalmente no direito
Em que pese a orientação da jurisprudência no sentido à saúde .303
dos requisitos acima referidos, somente os dois primeiros Aqu i cabem os fundamentos já referidos sobre a auto-
(i. qualquer modificação na integridade física, ii. dano cer- nomia do dano estético em relação ao dano moral - dano-
to e permanente) devem ser aceitos, os demais (iii. de apa- evento e dano-conseqüência, respectivamente-, para que
rência externa, iv . "enfeamento" e v. rejeição social, humi- não se confunda a ofensa à integridade física com a dor e a
lhação, tristeza) não podem ser considerados, tendo em humilhação decorrente do dano estético. Ainda, para que
vista o atual estágio da doutrina sobre a matéria. não se confunda dano estético com aspectos subjetivos de
É indiscutível que o dano estético deve ser visto como belo e feio, deve-se lembrar que o dano estético se configu -
uma modificação na integridade física da pessoa humana, ra objetivamente, por perícia médica, diante da caracteri -
bem como que ele seja permanente- a modificação tem-
porária, que pode ser curada por tratamento médico, re-
303 Nesse sentido é expresso Pietro Perlingieri, conferindo a autono-
veste-se de dano material, verba de tratamento médico -, mia do dano estético em relação aos tradicionais danos materiais e
e esses dois - únicos e pacíficos - requisitos do dano morais": "Di là dalle due tradizionali figure di danno, si e affermatta di
estético acabam por excluir os demais: recente la configurabilità dei c.d. danno biologico, inteso como lesione
dei benessere fis ico o psichico dell 'individuo, risarcibile in sé, indipen-
dentemente dalla natura delle conseguenze, patrimoniali o no patrimo-
niali, prodotte dali 'illecito Tal e pregiudizio investirebbe la persona
come valore autonomo, senza riguardo alie ulteriori conseguenze dell'-
300 1° TAC-SP, RT 661/98.
illecito. ", e continua aduzindo que a jurisprudência assim entendeu a
301 Em RT 780/268. partir do disposto no art. 32 da Constituição italiana, que dispõe do
302 TAMG, RT 60 1/ 203. direito à saúd e, em Manuale di di ritto civile, cit., p. 649.

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zação clara e certa de modificação na integridade física da que se confundir avaliação com arbitramento do dano esté-
pessoa humana .304 tico.
Portanto, os requisitos para que seja reconhecido o Desta feita, temos que a avaliação do dano estético par-
dano estético são: i. que seja dano proveniente de qualquer te, precipuamente, de uma análise pericial médica, que,
modificação na integridade física da pessoa humana e ii. conforme critérios científicos, deve qualificar a ofensa à
que seja dano certo, permanente e irrecuperável. integridade física da vítima .
Assim, correto afirmar que o dano estético depende de
perícia médica de avaliação e caracterização dessa forma,
4.5. Avaliação do dano estético como ofensa à integridade física. 305
A avaliação terá, em primeiro lugar, que responder se o
Preliminarmente, deve-se deixar assente que há sensí- dano reclamado atende aos requisitos para a caracterização
vel diferença entre avaliação e arbitramento no que tange do dano estético: (1.) se há modificação na integridade fí-
aos danos extrapatrimoniais. sica e (2.) se essa modificação é permanente, irrecuperável,
Avaliação se refere à consideração do dano extrapatri - ambos conforme aos critérios de medicina.
monial sob a ótica da vítima, ou seja, é a caracterização da Em segundo lugar, a avaliação deverá responder sobre
intensidade do dano percebido pelo ofendido. Nesse senti- as conseqüências dessa ofensa, desse dano, para a continui-
do, correto dizer que o dano estético pode ser avaliado em dade da vida do ofendido. Essas conseqüências são de pes-
(i) gravíssimo, (ii) grave, (iii) moderado, (iv) leve e (v) quisa importante, tendo em vista que servirão sobremanei-
levíssimo, por exemplo, conforme determinado critério. ra para a árdua tarefa do juiz de arbitrar monetariamente o
Por seu turno, arbitramento se refere à consideração do dano estético . Dentre as possíveis conseqüências, podemos
dano extrapatrimonial sob a ótica do ofensor e do julgador, elencar: 306
para fins de quantificação monetária da reparação devida à 1. se há modificação do aspecto exterior, ou seja, das
vítima. características morfológicas da pessoa;
Nesse sentido, o grau de avaliação do dano estético será 2. se há uma redução da eficiência psicofísica, ou seja,
fator de principal importância para o arbitramento da repa- se há redução da possibilidade da própria pessoa utilizar
ração respectiva. Como se quantificar a indenização pelo seu corpo;
dano estético sem se levar em conta se a ofensa à integrida-
de física da vítima foi grave ou não? Assim sendo, não há
305 Nesse sentido, v., 2° TAC-SP, Ap . c/ Rev. 588.742-00/4, 10a
Câm., Rei. Juiz Araldo Telles, j. 27.1.2000.
304 Para não se repetir as notas, v. ponto justamente anterior neste 306 Conforme LUVONI, Raineri; MANGILI, Franco; BERNARDI,
trabalho, 4.3. , sobre a autonomia do dano estético, seus principais ele- Lodovico. op. cit., p. 5, e MANGILI, Franco. Guida alia valutazíone
mentos, para os conceitos de dano-origem e dano-conseqüência e de medíco -legale dei danno biologíco e dell'ínvalidítà permanente. Milano:
natureza objetiva do dano estético. Giuffre, 2002.

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3. se há uma redução da capacidade sociaC ou seja, da Ainda, a avaliação médica deve ser realizada caso a caso
atitude que a pessoa passa a ter para se afirmar na socieda- e sempre mediante contraditório garantido- formulação
de mediante a sua vida de relação com as outras pessoas; de quesitos pelas partes, para que não reste dúvida da exis-
4 . se há redução da capacidade laborativa genérica, ou tência e, sendo o caso, da gravidade do dano, evitando-se
seja, da capacidade da pessoa trabalhar; possível nova e segunda perícia de avaliação, acarretando
S. se há perda de oportunidades de trabalho ou dimi- demora na prestação jurisdicional (i.e., custos para as par-
tes e para o Estado).
nuição no seu direito de liberdade de escolha de profissão
ou trabalho;
Com essa avaliação do dano causado à pessoa, fornecida
4.6. Inexistência de limite de valor no arbitramento do
por médico perito, o juiz graduará esse dano para fins de
dano estético
quantificação, sempre atendendo ao princípio assente em
nossa jurisprudência de que o juiz é livre para fixar os danos
Realizada a avaliação do dano estético pelo médico pe-
extrapatrimoniais. 307
rito, o juiz, atendo-se a essa prova e às demais do processo,
deverá proceder ao arbitramento da reparação por dano
estético.
307 Por exemplo, se leve, em valor x, se médio, em valor 2x, se grave,
Para fins do arbitramento, determinados elementos de-
em valor 3x. Ou seja, quando se discute da possibilidade de revisão dos
valores arbitrados a título de dano extrapatrimonial pelos Tribunais vem ser seguidos. O mais importante, sem dúvida, é que o
Superiores, o que se discute, na verdade, é se foi realizado pelo juiz o dano estético deve ser fixado livremente pelo juiz, confor-
correto dimensionamento da relação da gravidade do dano, tendo em me o seu prudente arbítrio, por eqüidade, e que para tal
vista a avaliação do médico perito, com o valor arbitrado; por exemplo, · mister não há qualquer limite ou teto no ordenamento bra-
não pode ser considerado dano estético leve a perda de um membro sileiro: o juiz pode fixar o valor que entender cabível con-
superior, um membro inferior, a paralisia de membros, a paraplegia, a forme a avaliação médica do dano estético. 308
tetraplegia, e arbitrado valor de 100 salários mínimos, pela aplicação
analógica do Código Brasileiro de Telecomunicações. É evidentemente
Salientamos que o processo de fixação do dano estético
um caso, exemplo, que mereceria revisão, aplicando-se o que o STJ é marcado claramente pelos momentos: 1. designação de
chama de "evidente desproporção entre o dano avaliado e o valor arbi- médico perito para avaliação do dano estético, 2. quesitos
trado"; nesse sentido, v., "Ação de indenização. Danos morais. Redução formulados pelas partes, 3 . avaliação médica por médico
do valor fixado. Art. 21 do Código de Processo Civil. Precedentes da perito, 4. comentários das partes e pareceres de assistentes
Corte. 1. A revisão do valor dos danos morais somente deve ser feita se
houver exorbitância, excesso, exagero, ou insignificância, o que não
ocorre nestes autos. 2. Fixada a verba honorária sobre o valor da conde- . to, 3a Turma, j. 17/06/2003, DJU 01/09/2003, p . 00280. Ainda, repi-
nação, a jurisprudência da Corte tem como atendido o disposto no art .
ta-se que o dano estético deve ser avaliado por médico perito, mas
21 do Código de Processo Civil. 3. Havendo redução do valor pedido
sempre o seu valor deve ser quantificado pelo juiz: é tarefa exclusiva do
para os danos morais, impõe-se a incidência do art. 21 do Código de
Processo Civil, repartindo-se as despesas processuais, recíproca e pro- juiz o arbitramento do dano estético.
porcionalmente. 4. Recurso especial conhecido e provido, em parte", 308 Tendo em vista a importância, remetemos à nota anterior, que
grifamos, REsp. 451.251/SP, Rei. Min . Carlos Alberto Menezes Direi- aqui deve ser também lembrada.

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técnicos das partes, S. arbitramento pelo juiz do valor da deve prevalecer é que a reparação dos danos extrapatrimo-
reparação por danos estéticos conforme à avaliação médica niais em nosso ordenamento ocorre sem qualquer limite ou
e demais provas pertinentes dos autos, p. ex., laudos ou teto de valor, tendo em vista a previsão sem peias previstas
pareceres médicos; o arbitramento da reparação do dano nos ines. V e X, do art. 5°, da Carta de 1988. Importante
estético - fixação do quantum pelo juz- deve ser realiza- essa lição, tendo em vista a corrente ainda presente em
do consoante a majoritária jurisprudência brasileira, que nossa jurisprudência de que o arbitramento dos danos ex-
acertadamente vê que os danos extrapatrimoniais - juris- trapatrimoniais teria como limite o valor de 200 salários
prudência tradicionalmente criada para a reparação do mínimos, aplicando-se analogicamente o máximo previsto
dano estético, devem ser reparados mediante eqüidade do para a condenação em dano moral prevista na Lei 5.250/67,
juiz, e sem peias, limitações, padrões, modelos, ou tabelas, Lei de Imprensa.
caso a caso, diante da peculiaridade e observação particular A Súmula n. 281 do Superior Tribunal de Justiça, edi-
de cada ofensa. 309 tada em abril de 2004, diz que a reparação do dano moral
No que se refere exatamente ao arbitramento da verba não se limita aos valores referidos na Lei de Imprensa. Essa
atinente ao dano estético, uma vez a não existência de qual - Súmula, em verdade, respondeu que o limite da Lei de
quer texto de lei vigente dando critérios concretos para a Imprensa não pode ser aplicado analogicamente a casos
sua quantificação, acertadamente vem a jurisprudência fi- como o de dano estético, bem como que esse limite não foi
xando a condenação de dano estético utilizando os mesmos recepcionado pela Constituição de 1988 .
critérios usados para o dano moral. Acertada a orientação A interpretação, como já referido neste trabalho, que
porque se tratam de verbas do mesmo gênero: tanto dano deve imperar é a que a CF/88, ao reconhecer um direito
moral quanto dano estético são verbas incluídas no gênero fundamental de reparação dos danos morais e estéticos cau-
dos danos extrapatrimoniais, assim equiparáveis para esse
sados à pessoa humana, sem prever qualquer limitação,
fim . Entretanto, como sustentado, tratam-se de verbas do
como típico direito fundamental, impõe liberdade, com
mesmo gênero mas de espécies diferentes, autônomas e
eqüidade, para o juiz arbitrar a reparação dos danos extra-
cumulativas. A utilização do mesmo critério para arbitra-
mento não importa na conclusão superficial de que se trata patrimoniais .
de verbas iguais, ou uma incluída na outra, importando em Assim, o juiz deve atender a certos pilares no momento
bis in idem. da avaliação do dano estético:
Sobre a quantificação do dano estético, mister acentuar 1. grau de avaliação do dano estético pelo médico peri-
que, após a Constituição de 1988, o entendimento que to, p. ex., se leve ou grave;
2. grau de culpa das partes;
3. posição cultural e sócio-econômica das partes;
309 No direito comparado, apesar das tentativas de tabelas, é o arbitra-
4. reincidência do ofensor;
mento por eqüidade aceit o como a melhor solução, sempre atendendo 5. punição e exemplariedade, se cabível; e
ao princípio de que os danos devem ser reparados por inteiro; nesse 6. independência do valor arbitrado a título de dano
sentido, v. PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. moral.
651.
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4.6.1. Grau de avaliação do dano estético ros de um facto em que se verifique dolo ou culpa", como
310
bem salienta Mário Júlio de Almeida Costa.
No que se refere ao grau de avaliação do dano estético, É clara a necessidade de considerar o grau de culpa para
além do que já foi dito na seção deste trabalho acima dedi- fins de arbitramento da condenação, como de regra, uma
cada à avaliação pelo médico perito, forçoso concluir que vez que ocorrida culpa levíssima não há como se fundamen-
se assente que um dos pilares para o arbitramento da repa- tar e sustentar a pertinência de condenação nos mesmos
ração do dano moral é a gravidade do dano, no que tange ao moldes da hipótese de culpa grave. Isso, com o novo Códi-
dano estético, quanto mais grave foi avaliado tal dano esté- go Civil, é de mandamento expresso, nos termos dos arts .
tico, maior deverá ser o valor arbitrado a este título. 944 e 945. 311
Assim sendo, por exemplo, impossível arbitrar verba
reparatória de dano estético para perda de um dedo da mão
em valor maior que para a perda de um braço. 4.6.3. Posição cultural e sócio-econômica das partes
Claro que tal avaliação, como já sobredito, deve aten-
der a critérios não só médico-legais, como também sociais, Quanto aos fatores de condições econômicas, sociais ou
no momento de sua avaliação; por exemplo, uma cicatriz, culturais, abre-se a seguinte questão: a perda de um mem-
que por sua localização no corpo, não exposta freqüente- bro pode ter maior valor para uma pessoa rica do que para
mente à sociedade, é certo que deva ser reparada, mas não, uma pessoa pobre?
é óbvio, com a mesma importância para outra cicatriz no
rosto, e assim mesmo que tais cicatrizes possuam a mesma
dimensão, a última deve ser reparada com maior amplitude
haja vista o fator social que deve incidir na valoração do 310 COSTA, Mário Julio de Almeida op. cit., p. 496.

dano estético. 311 Nesse sentido, pela apreciação do grau de culpa do causador do
dano para fins de fixação da reparação, v., BITTAR, Carlos Alberto.
Reparação civil por danos morais, cit., p. 413 e ss ., G?N~ALV~S,
Carlos Roberto. op. cit., lembrando inclusive que tal cnteno e ~e dita~
4.6.2. Grau de culpa das partes me legal, por exemplo, no Código Brasileiro de Telecomumcaç,oes, Lei
4.117/62, e a Lei de Imprensa, Lei 5.250/67; THEODORO JUNIOR,
Humberto. Dano moral. 3. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p .
Preliminarmente, imprescindível dizer que não se pode 35 citando arestos do Tribunal de Justiça de São Paulo e do 2° Tribunal
confundir os conceitos de culpa e dano, apesar da relação de,Alçada Civil de São Paulo, nesse sentido; CAHALI, Yussef Said. op.
do grau de culpa com a avaliação da reparação do dano. O cit., p. 177 -179 e p. 264; JORGE, Fernando Pessoa . op. cit., p. 361 e
ss., com especial atenção ao art. 494° do Código Civil de Portugal, que
que se quer dizer é que "não existe, evidentemente, a corre-
é expresso nesse sentido; ainda sobre a relação gravidade culpa e a_rbl~
lação entre a amplitude dos danos e a gravidade da culpa. tramento da reparação, v., MAZEUAD, Henn; MAZEUAD, ~eon,
A extensos prejuízos pode corresponder uma culpa leve do TUNC, André. op. cit., v. 1, t. 3, p. 557-558; e SAVATIER, Rene. op.
agente, assim como, ao invés, podem derivar prejuízos ligei - cit., t . 2, 1951, p. 94 e p. 187-188.
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Claro que injusta a resposta afirmativa, evidente que uma indenização justa e próxima da realidade dos fatos,
imoral também, e indefensável sob o ponto de vista jurí- que compõem o conflito." 31 3 Humberto Theodoro Jr.: "E,
dico. para aproximar-se do arbitramento que seja prudente e
O que se questiona aqui é se o potencial econômico das eqüitativo, a orientação maciça da jurisprudência, apoiada
partes deve ser investigado para fins de fixação da verba de na melhor doutrina, exige que o arbitramento judicial seja
dano estético; se do ofensor e do ofendido, só do ofendido feito a partir de dois dados relevantes:
ou só do ofensor. a) o nível econômico do ofendido; e
Forte doutrina entende que deve o juiz investigar o po- b) o porte econômico do ofensor; ambos cotejados com
der econômico tanto do ofensor quanto do ofendido. as condições em que se deu a ofensa (STJ, 4° T., Resp.
No que tange à posição econômica e social dos que plei - 6.048 -0/RS, rel. Min. Barros Monteiro, em Lex-JSTJ
teiam a reparação moral, doutrina e jurisprudência têm se 37/55) ."314
pautado pela pertinência de seu estudo, (i) seja para evitar Rui Stoco, no mesmo sentido: "Nesse sentido que Breb-
(no caso de vítimas de parcas condições financeiras) o enri- bia assinala alguns elementos que se devem levar em conta
quecimento através da reparação, fazendo com que a inde- na fixação do reparo: gravidade objetiva do dano, a perso-
nização sirva como forma de ascensão social, o que é defe- nalidade da vítima (situação familiar e social, reputação),
so, (ii) seja para não refletir o ideal de compensação (no a gravidade da falta (conquanto não se trate de pena, a
caso de vítimas de posição econômica mais confortável), gravidade e mesmo a culpa da ação implica a gravidade da
com a concessão de reparação diminuta, que em nada repa- lesão), a personalidade (as condições) do autor do ilí-
rará a pessoa. cito. "315
Nesse sentido, pela análise da condição econômica do Entretanto, deve-se aqui realizar uma importante ob-
ofensor e da vítima, há forte doutrina: Juiz Antonio Jeová servação. Não é porque a vítima faz parte de classe sócio-
Santos: "Sofrimento experimentado pela vítima, suas condi- econômica baixa, pobre, que a reparação do dano estético
ções pessoais, magnitude da lesão, situação econômica do deve ser também baixa, pobre, inexpressiva. Essa triste re-
ofensor e do ofendido, grau de repercussão do dano no espí- lação proporcional não pode ocorrer no que se refere ao
rito do ofendido, o caráter puni tório que não deve ser esque- dano estético, principalmente devido à sua característica
cido, são dados que devem ser levados em consideração no objetiva de modificação na integridade física, pelo que o
fixar da quantia relativa à indenização." 312 Juiz Clayton conceito de dano estético como dano à integridade física é
Reis: "Ademais, o atual estágio em que se encontra a respon- igual para todos os seres humanos. Isso não significa tam-
sabilidade civil brasileira e alienígena oferece subsídios
para aferir a extensão do dano e as condições sócio-econô -
micas da vítima e do ofensor, para que se possa estabelecer 313 REIS, Clayton. Dano moral . 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
p. 95 .
314 THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., p. 37.
312 SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. São Paulo: Mé- 315 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurispru-
todo, 2001 . p. 214. dencial. 4. ed. São Pau lo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. p. 675.
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bém que deve ser considerado somente o potencial econô- de um dedo meu vá valer mais do que a perda de um dedo
mico do ofensor, nesse caso. O que se ordena nesse caso- de um outro, pior colocado: estamos falando do ponto de
ofensa à integridade física de pessoa pobre, é que o juiz não vista do dano moral, não do dano profissional/ porque eu
arbitre reparação que reflita outra ofensa contra a vítima, sou trabalhador manual e perco um dedo, o fato tem outro
fixando quantia irrisória, ou inexpressiva para o ofensor, valor, etc. etc. Mas agora eu estou falando do dano moral
porque pobre a vítima e rico o ofensor. Deve-se realizar o que é objeto desta proposição; parece certo que a proposi-
devido cotejo caso a caso, para se evitar essa possível distor- ção fale em razoabilidade e proporcionalidade/ 'de acordo
ção. com o ofensor', quer dizer, se o ofensor pode muito, que
Nesse sentido, interessante lembrar o entendimento de pague muito. Mas 'de acordo com o ofendido'/ o que é que
Antônio Junqueira de Azevedo, comentando proposição quer dizer, que o pobre recebe menos? Porque na jurispru-
sobre esse caso no VII Seminário de Responsabilidade no dência estrangeira parece ser um ponto de honra que o
Transporte Terrestre de Passageiros: "Do dano biológico dano da integridade física é igual 1 que se trate do I orge
, N. , "316
também já falei; insistiria um pouco na questão do dano Soros, quer d o Z e- mguem.
biológico, porque acho que é aquele que mais os estrangeiros É verdade 1 a integridade física 1 como já dissemos, é
vêem como devendo ser indenizado de qualquer jeito, acha- igual para todos. Valor baixo para ofensor rico se reveste de
mada 'socialização dos prejuízos'. A idéia é da socialização estímulo ao ofensor 1 que deve ser penalizado para que não
dos riscos com seguro obrigatório. Entre as proposições dos reincida em novos e futuros eventos - assim, se de posses,
Tribunais de Alçada - e aí eu não sei quem também foi o se não considerado tal fator, poderá não mais se importar
autor da proposição número 11 - ela parece não se prestar com a integridade física de seus semelhantes, já que poderá ·
a nenhuma controvérsia, mas como eu disse, a minha função pagar diversas reparações e nada acontecerá a seu patrimô-
aqui é criar problemas; pois bem, gostaria de ler a 11 a pro- nio, pelo que se o inverso acontecer, ou seja 1 perceber que
posição que diz o seguinte: 'Na fixação do dano moral deve- a ofensa é sancionada de forma exemplar, de forma a abalar
rá o juiz atendendo -se ao nexo de causalidade inscrito no sensivelmente seu patrimônio 1 tomará medidas cabíveis
artigo 1.060 do Código Civil, levar em conta critérios de para evitar tais eventos.
proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quanto, Outrossim, poder-se -ia dizer que também são todos
atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem iguais perante a lei, pelo que ilegal um ofensor afortunado
jurídico lesado'. Foi votada por unanimidade, mas eu, mo- pagar maior reparação do que um ofensor menos afortuna-
destamente, vou dizer que vejo um pequeno problema aqui, do por ofensa da mesma intensidade; tal argumento, entre-
acho que a proporcionalidade, de acordo com as 'condições tanto, não serve ao ofensor, haja vista o princípio geral do
do ofendido', não é bom critério para o dano biológico. Pen- direito que a lei não pode servir ao ilícito 1 para sua proteção
so que não está 'politicamente correto', como dizem, porque e seu estímulo, bem como não se tratam de pessoas iguais,
as pessoas são sempre iguais.
Esse é um problema do dano biológico, da integridade
física; não é porque eu sou bem situado na vida que a perda 316 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O dano moral, cit., p. 22-23.

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como se pode ver, um é pessoa afortunada, que maiores rio, repara-se como forma de criar mecanismo de reposta à
condições reunia para tentar evitar a ofensa à integridade ofensa a bem juridicamente protegido, e como forma de se
física da vítima, e outra é pessoa menos afortunada, que dar lenitivo ao mal causado, pelo que da mesma forma não
menores condições reunia para tentar evitar acidentes - se pode falar em reparação por pretium doloris no caso de
deve-se buscar a igualdade material. dano moral, não se pode falar em reparação por pretium
Mais, o argumento que se tem de que a consideração corporis no caso de dano estético. Por maior que seja a
apenas das condições econômicas do ofensor pode gerar reparação, para a vítima, ela nunca será plena, já que o ideal
um enriquecimento da vítima também não merece ser de reparação, de restitutio integrum status quo ante, no
prestigiado. O que é enriquecer? É, sucintamente, possuir caso do dano estético, tendo em vista a ofensa à integridade
hoje mais do que se tinha ontem, é ter um plus no patrimô- física permanente, é impossível. Por mais avançada que
nio. Assim, é ter x antes do evento danoso, e depois do seja a ciência, a melhor prótese nunca será igual ou melhor
evento danoso ter, por exemplo, 2x. Ora, por exemplo, que o próprio membro humano. Por maior que seja a quan -
uma pessoa hígida sofre um acidente e perde uma perna; tia arbitrada a título de reparação extrapatrimonial, nunca
tal pessoa pertence à camada social de maior número em terá a vítima a sua integridade física nas mesmas condições
nosso país, ou seja, é pobre em qualquer acepção que o que antes do evento danoso, sua vida nunca será a mes-
termo possa ter; assim, repara-se tal pessoa com indeniza- ma.31 7
ção por dano estético no valor de 50 salários mínimos, não Para a nossa conclusão são bastante lúcidas as palavras
arbitrando valor maior, sob pena de servir a indenização de Caio Mário da Silva Pereira: "A vítima de uma lesão a
como forma de enriquecimento da vítima, como estamos algum daqueles sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendi -
cansados de ler todos os dias nos arestos deste tipo em da em um bem jurídico que em certos casos pode ser 1nesmo
nosso Tribunais; será que esta pessoa se enriqueceria com mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve
uma indenização, por exemplo, de 500 salários mínimos? receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a
será que uma pessoa que tinha sua integridade perfeita e ser arbitrada pelo Juiz, atendendo às circunstâncias de
nenhuma posse, e depois perde uma perna e tem 500 salá- cada caso, e tendo em vistas as posses do ofensor e a situação
rios mínimos, enriqueceu-se, ou seja, tem mais do que ti - pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em
nha antes da perda? Pensar que uma pessoa pode se enri -
quecer com uma reparação a título de dano estético é dar
317 Por outro lado, será de direito que empresa, que notoriamente
valor a bem que não possui valor econômico, a integridade realiza todos os esforços para se evitar acidentes, seja condenada em
r
física, por isso é dano extrapatrimonial, lembremos. Pensar valor milionário7 Em va lor que possa abalar seu funcionamento, geran-
que uma pessoa pode se enriquecer com uma reparação do demissões, por exemplo7 Em valor que possa transformar o padrão
pecuniária a título ext rapatrimonial é comparar bens de de vida de uma pessoa pobre para o padrão de vida de uma pessoa que
teve oportunidade de estudar a sua vida inteira , dedicando-se a traba-
grandezas diferentes e sem qualquer forma de relação. Não lho árduo, e alcançou grande fortuna 7 Ao direito cabe dar as respostas
se repara o dano à integridade física por seu valor pecuniá- que a sociedade exige.

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fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inex- mos presunção, porque as circunstâncias do fato podem
pressiva. "31 8 levar à conclusão diversa, evidentemente .
Portanto, a conclusão é pela evidência de que a verba A consideração da reincidência ao invés do grau de cul-
arbitrada para reparação dos danos extrapatrimoniais deve pa do ofensor guarda sensível vantagem para o juiz, para
corresponder à dura tarefa de coadunar principalmente arbitramento dos danos extrapatrimoniais. Vem à lem-
dois elementos bem complicados- gravidade do dano so- brança, nesse sentido, a discussão de culpa em casos de
frido pela vítima e poder econômico das partes - , de for- responsabilidade objetiva. Por exemplo, em uma ação pro-
ma que não sirva nem de enriquecimento de um, nem veniente de evento danoso de responsabilidade civil do Es-
tado, que, por aplicação do artigo 37, par. 6°, CF/88, é
como prêmio ao ofensor, diante de possível inexpressivida-
objetiva, o juiz, diante da consideração de inexistência de
de do valor arbitrado.
qualquer das excludentes típicas, ordenará o dever de in-
denizar do Estado, sem qualquer perseguição do grau de
culpa do Estado, ou de seu preposto; como realizar o devi-
4.6.4. Reincidência do ofensor do balizamento do grau de culpa para fins de arbitramento
do dano estético?
Fator que também não deve ser esquecido no momento E não se trata somente do caso de responsabilidade ob-
de arbitramento dos danos extrapatrimoniais, e assim do jetiva; assim também em sede de responsabilidade subjeti-
dano estético, é a reincidência do ofensor. va, lembremos, por exemplo, da hipótese de responsabili-
dade civil comum do empregador, capitulada no artigo 7°,
Na medida em que se trata de ofensor renitente, contu-
inc. XXVIII, CF/88, que ordena a responsabilidade do pa-
maz e rotineiro, este não deve ser tratado de forma similar
trão por acidentes de trabalho com seus funcionários,
à pessoa que, inegavelmente, agiu de forma singular, realiza quando incorre com culpa ou dolo, pelo que a interpreta-
muitos ou todos os esforços para evitar acidentes, ou pes- ção majoritária de nossos Tribunais é pela aplicação dares-
soa sem qualquer antecedente de evento igual. ponsabilidade aquiliana, respondendo o patrão até por cul-
Trata-se de forma semelhante ao pilar do grau de culpa pa levíssima, não sendo mais necessária a culpa grave; como
para arbitramento do dano moral: inquestionável que se avaliar o grau de culpa, diante da responsabilização até por
uma pessoa é ofensor rotineiro, este age com culpa grave na culpa levíssima?
eclosão do evento danoso - sabe de que forma evitar e Claro que eminentemente a avaliação do grau de culpa
assim não faz, realizando novos ilícitos - , enquanto que é subjetiva, pelo que a reincidência é dado objetivo de que
quando se trata de uma pessoa que nunca realizou evento o juiz pode se valer para aferir se o ofensor é pessoa que
anterior, a presunção é que assim agiu porque obrou com respeita terceiros, ou se pessoa que é renitente, merecedor
culpa leve, por mero descuido ou falta de atenção. Disse- de punição exemplar. 31 9

319 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade


318 PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 60. civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, cit., p. 1705-

200 201
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Dado objetivo esse que pode ser de fácil aferição: certi- 4.6.5. Punição e exemplariedade
dão do juízo distribuidor, com o número de ações da mes-
ma natureza a que respondeu nos últimos anos; número de Por fim, quanto aos elementos para o arbitramento do
condenações em ações da mesma natureza; certidão de ór- dano estético, não se deve esquecer da aplicação da teoria
gãos públicos, como INSS, do número de acidentes cadas- do desestímulo nesta seara. 321
trados; informes jornalísticos de eventos da mesma nature- Nesse sentido, conhecido defensor da "Teoria do De-
za com o mesmo ofensor, etc. sestímulo", Carlos Alberto Bittar se manifestou sobre o
Ora, evidente que se tais respostas vierem com núme- sentido punitivo no arbitramento dos danos extrapatrimo-
ros altos nos últimos anos, percebe-se que a indenização niais, em várias oportunidades 322 e em sua obra clássica
fixada nesses casos não cumpriu uma de suas funções : ser- sobre a matéria, tese de titularidade em direito civil na
vir como punição e forma de pedagogia de se evitar novos Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: "Em
eventos para o ofensor 320 ; por isso deve ser fixada a repara- consonância com essa diretriz, a indenização por danos mo-
ção, em novas ações, para esse ofensor reincidente, em rais deve traduzir-se em montante que represente advertên-
moldes condizentes com seu padrão de conduta reprová- cia ao lesante e à sociedade de que se não aceita o compor-
tamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstan-
vel.
Assim sendo, o fator de reincidência do ofensor é ponto cia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos
de relevância, objetivo e preferível, para arbitramento do interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no
dano estético, que não deve ser esquecido. patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a
resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo

1706, trata dos projetos de lei que têm andamento no Congresso Na-
cional sobre o arbitramento dos danos morais; cita o PL 3.232/92 do 321 Se cabível a sua aplicação. Isto porque se deve entender, assim
Senado Federal, sobre Lei de Imprensa, que em seu art. 6°, ao estabe- como é visto em sua origem no direito anglo-saxão, da aplicabilidade de
lecer critérios para fixação da reparação, refere-se à "culpa ou dolo, punitive or exemplary damages somente para casos em que o ofensor
primariedade ou reincidência específica e a capacidade financeira do tenha causado o dano, conforme o equivalente para o nosso direito,
ofensor, respeitada a sua solvabilidade" , ou seja, é sufragada a tese da com culpa grave ou dolo; nesse sentido, sobre esse conceito preliminar
reincidência do ofensor como um dos critérios para arbitramento; aduz e sua evolução na jurisprudência norte-americana, v., FLEMING, John
ainda Rui Stoco do PL 7.1 24 de 2002, que estabelece critérios como G . The american tort process. Oxford: Clarendon Press, 1990. p. 216 e
"a) teor do bem jurídico tutelado; b) os reflexos pessoais e sociais da ss. Veja, ainda, que a consideração se o ofensor é reincidente, como
ação ou omissão; c) a possibilidade de superação física ou psicológica e proposto, é uma das vertentes da evolução dos danos punitivos, como
d) a extensão e duração dos efeitos da ofensa", conferindo R$ salienta também o citado professor de Berkley.
20.000,00 para os casos qualificados como leve, consoante o critério 322 BITIAR, Carlos Alberto. Curso de direito autoral. Rio de Janeiro:
referido, de R$ 20 .000,00 a R$ 90.000,00 para os casos de natureza Forense, 1988. p. 163; Id., Responsabilidade civil: teoria e prática, cit.,
média, e de R$ 90.000,00 a R$ 180.000,00 para os casos de natureza p 77; Id., Responsabilidade civil por danos a consumidores. São Paulo:
grave; não concordamos, evidentemente com esse critério. Saraiva, 1992. p. 11; Id., Tutela dos direitos da personalidade e dos
320 Sobre as funções da responsabilidade civil, v., TUNC, André. op. direitos autorais nas atividades empresariais. São Paulo: Ed. Revista
cit., p. 133 e ss., notadamente 134-142, onde trata da função de "pré- dos Tribunais, 1993. p. 41; Id., Curso de direito civil. 1. ed. Rio de
vention des comportements anti-sociaux". Janeiro: Forense Universitária, 1994. v. 1, p. 617 e 622-623.

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que deve o juiz fixar verba autônoma também para _c~da
produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente signifi-
dano; assim como se procede quanto aos danos matenats e
cativa, em razão das potencialidades do patrimônio do le-
sante."323 E no mesmo sentido decidiu quando era Juiz do morais cumuláveis e reparados mediante pagamento de
1° TAC-SP: "Assiste razão ao interessado, tendo em vista verbas 'arbitradas e calculadas autonomamente, nada justi-
as circunstâncias fáticas, os constrangimentos havidos e o fica tratamento diverso quanto à cumulação dos danos mo-
direito aplicável à espécie. Com efeito, conhecido profissio- ral e estético.
nal em sua área de atuação, viu-se, de repente, sem razão Nesse sentido, demonstram-se duas alternativas claras
relevante de direito, impedido de proceder a movimentação para o juiz:
de cheques, com os naturais embaraços daí decorrentes . Me- (i) arbitrar duas verbas, sendo uma verba - um valor
rece, pois, reparação integral. É caso de damnum in re ipsa. -para cada dano específico, moral e estétiCo, ou
Aplica-se, para a definição do quantum, a teoria referida, (ii) arbitrar uma verba só, porém, enunciando que tal
consoante a doutrina especializada (cfr. Carlos Alberto Bít- valor foi fixado a título tanto de dano moral, quanto de
tar: 'Reparação civil por danos morais', p. 219 e ss.) e a dano estético.
jurisprudência prevalecente ( cfr. Apelações 5 51.620-1 e Na primeira hipótese, de fixação de verbas ~utônom~s,
646.223-1, 4a Câmara, ] 0 TAC). Fica, assim, fixado o tem-se 0 caso típico de cumulação - cumulaçao matenal
valor da indenização em quantia correspondente a mil salá- _ ou seja, há a fixação de valores individualizados para
rios mínimos." 324 cada dano- x para moral e y para estético- . Nes~e caso
E a jurisprudência tem se manifestado favoravelmente, há a sensível vantagem de poder o juiz fixar valores dtferen-
mas, é verdade dizer, paulatinamente, no sentido de sua tes para cada dano, desde que entenda, caso a caso, ser
aplicação, como por exemplo: "Indenização- Dano moral possível aferir a intensidade também diferente dos danos,
- Arbitramento mediante estimativa prudencial que leva por exemplo, se perceber que o dano moral sofrido me,r~ce
em conta a necessidade de satisfazer a dor da vítima e dis- maior valor para sua compensação do que o dano est~~1co
suadir de novo atentado o autor da ofensa. "325 experimentado. Assim, pode o juiz, em caso especifico,
v.g., entender que o abalo moral causado é mais ~rave que
a lesão à integridade física, como no aresto do anttgo _T Ac_-
4.6.6. Independência do valor arbitrado a título de dano RJ, Ap. 5.721/95, rel. Juiz Fabrício Paulo B. Bandetr~ ~l­
moral lho que fixou a reparação de dano estético em 100 sal anos
mí~imos, e a de dano moral em 500 salários mínimos . .
Considerando-se autônomos os danos moral e estético, Entretanto como sobredito, nada impede que o JUIZ
quando de seu arbitramento, de direito a consideração de admita a cumuiação dos danos moral e estético, mas arbitre
apenas uma verba para estes danos, pelo que, neste caso,
temos o que se pode chamar de cumulação formal. ·
323 Id. , Reparação civil por danos morais, cit., p. 220. Mister para que se dê a cumulação formal é a ~xpressa
324 1° TAC-SP, Apelação n° 588.88-0, Relator Juiz Carlos Bittar. dicção de que a verba única arbitrada cumpre o tdeal de
325 TJSP, RT 706/67.
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reparação não só do dano moral como também estético· ou
seja, deve o juiz especificar a que título corresponde o v~lor Andrade sustenta que, apesar de os danos moral e estético
arbitrado. poderem ocorrer simultaneamente, por atingirem o mes-
É evidente que tal forma de arbitramento traz o incô- mo bem jurídico - para o autor, a integridade corporal - ,
modo de não deixar clara a reparação de cada dano - o a indenização deve ser única, pelo dano moraC majorando-
quantum referente a cada dano reparado -, uma vez que se o valor deste pela ocorrência também no caso de dano
elenca um valor para os dois danos . Outro transtorno cau- estético: "Não obstante a autoridade da cátedra dos cita-
sado pela cumulação formal é que se impede de avaliar- dos autores, expressamos entendimento no sentido de que o
quantificar de forma diferente o dano moral do dano esté- dano moral decorrente da lesão corporal tem natureza úni-
tico, haja vista que se tem apenas um valor, dando o enten- ca, pois o bem jurídico atingido é único, ou seja, a integrida -
der, falso, de que o dano moral possui sempre a mesma de corporal, o elenco dos danos dado pela doutrina e juris-
intensidade e valoração do dano estético, e vice-versa, o prudência francesa, como não poderia ser diferente, são ex-
que de forma alguma é regra. teriorizados no plano moral pela dor física ou moral, assim,
O STJ já decidiu que podem ser as discutidas verbas moralmente, pessoalmente, tanto causa dor à vítima, o dano
concedidas autonomamente e arbitradas em valor único físico - perda de membro ou função - , como o dano estéti -
explicitando-se que o valor único é devido pelos danos mo~ co ou a perda de um lazer. Destarte, não há falar em danos
rale estético. Nesse sentido, v., REsp. n° 103.012 -RJ, rei. morais de natureza diversa, em realidade os danos acima
Min . César Asfor Rocha, que tem como parte da ementa: listados são reflexos ou resultados da lesão corporal, não
"A cumulação dos danos moral e estético é atendida quan- têm natureza distinta e não podem ser tidos como espécies
do, ainda que se tenha a estipulação de um valor único, nele independentes de dano. Entrementes, não significa isto di-
se tenha expressamente considerado o valor devido pelos zer que estes reflexos não têm importância para dano mora(
dois danos". pois alhures veremos que a ocorrência destes reflexos devem
Assim sendo, deve -se considerar (i) o arbitramento do ser apreciados na valoração do dano moral majorando a
dano estético em apartado da verba de dano moral - cu- indenização, porque a toda evidência, a lesão corporal que
mulação material, haja vista sua cumulabilidade, ou me- provoca dano estético pespega à vítima dor mais intensa que
diante (ii) a sua declinação expressa de autonomia, mas, uma lesão corporal de natureza leve e não seria justo que a
podendo-se arbitrar uma verba só para os dois danos - ambas fosse atribuído idêntico valor de indenização, mas
cumulação formal, principalmente, quando os dois possam isto não implica em cumulação entre dano moral e dano
ser considerados de intensidade e valoração similares. estético, como tem sido requerido em algumas ações de inde-
Outrossim, há doutrina que entende que seria o caso de nização decorrentes de lesões corporais onde há dano estéti-
se apenas majorar a verba de dano moral, quando da ocor- co, pois como analisado, o dano estético é também dano
rência de dano estético, e não de se arbitrar ou conceder moral que não tem natureza distinta. "326
autonomia e cumulação para o dano estético. Evidente-
mente, não concordamos. Assim, o Juiz Ronaldo Alves de 326 ANDRADE, Ronaldo Alves de. Dano moral à pessoa e sua indeni-
zação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 91-92 .
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No mesmo sentido, TeresaAncona Lopez: "A observação cesso de verificação se há ou não determinado dano, e o
final diz respeito ao enunciado ao art. 950, aprovado na for- arbitramento é o processo de quantificação da verba de
nada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Ju- determinado dano . Como se vê, essa corrente avalia que há
diciários do Conselho da Justiça Federal de 11 a 13.09.2002 , dano estético, mas se perde no arbitramento, arbitrando
com a coordenação doM in. Ruy Rosado do STJ, e que no seu § uma verba para dois danos diferentes, arbitra apenas para
3o diz que "na reparação dos danos morais deve ser conside- dano moral, aumentando-se o seu valor com a avaliação de
rado agravamento de suas conseqüências se o defeito físico, dano estético também ocorrida. Seria o mesmo que au-
além de permanente e durável, for aparente. Sem dúvida a in- mentar "mais um pouco" a verba de dano moral, com o
terpretação dada pelos ilustres juristas destaca que no caso do valor do prejuízo material, dano material, se ocorrido tam-
dano estético há aquele plus negativo que decorre da aparên- bém - será isso possível ou aceitável? - . Seria o mesmo
cia piorada, o que vem a dificultar a convivência e a aceitação que fixar uma só verba para todos, digo todos, os danos
social, justificando-se, assim, a cumulação dos dois tipos de causados em determinado evento - isso também seria
danos morais" .327 Teresa Ancona não firma posição se devem aceitável?- . Outrossim, deve -se reforçar, a autonomia e
ser arbitrados dois valores ou um só, mas bem observa que a cumulação dos danos morais e estéticos não visa ao aumen -
orientação do Centro de Estudos Judiciários é no mesmo to dos valores atribuídos atualmente a título de danos mo-
sentido da esboçada acima: que seria o caso de fixação apenas rais; visa tão-somente o estudo, correta análise e específica
de dano moral, e de se majorar essa na hipótese de ocorrência avaliação de danos diferentes e que, sendo assim, merecem
de dano estético. tratamento diferente pelo direito . Se no momento do arbi -
Não há como concordar com esse posicionamento. tramento de ditos danos, o valor final total da reparação for
Se ocorrem danos diferentes, danos diferentes devem maior que o anteriormente fixado conforme o entendimen-
ser reparados com reparações diferentes, autônomas, cu- to ultrapassado 329 de fixação apenas de danos morais, ne -
muláveis. Repita-se, negar a cumulação de danos extrapa- gando-se a autonomia do dano estético, esse já é um pro-
trimoniais de natureza notoriamente diferentes- seja cu- blema que deve ser enfrentado caso a caso, sem o precon-
mulação formal ou material dos danos estéticos e morais - ceito puramente abstrato de se "achar" que há excesso:
é o mesmo que negar a cumulação dos danos materiais e deve o arbitramento atender em qualquer caso de dano
morais, totalmente pacificada e aceita .328 Reconhecer a extrapatrimonial, principalmente, à gravidade do caso, in-
ocorrência de dano estético e não conceder reparação, "au- tensidade do dano e condições econômica das partes; pode,
mentando-se" o dano moral é confundir "avaliação" dos muito bem, o dano ser gravíssimo, e o ofensor não possuir
danos extrapatrimoniais com "arbitramento" das verbas de condições de arcar com a verba de reparação arbitrada.
danos extrapatrimoniais. Como já dito, a avaliação é o pro-

329 Ultrapassado porque a jurisprudência do STJ é pacífica sobre a


327 LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 3. ed. p. 167 . cumulação dos danos morais e estéticos. Mais sobre o atual estágio do
328 Repita-se, danos materia is e morais cumuláveis a teor da Súm. 37, debate sobre a cumulação dos danos morais e estéticos, na Conclusão
STJ. deste traba lho, nas Considerações Finais.

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to deixar ou o ofendido sem reparação ou o juiz em areia
Tanto assim, e por fim, que o valor arbitrado para a movediça: onde se segurar se todos os danos acabam por se
verba de dano estético, como é amplamente aceito pela mover e desaparecem na mesma velocidade que surgem?
jurisprudência, não depende de comprovação de existência Outrossim, para os prejuízos extrapatrimoniais causa-
de dano material no mesmo evento: "Indenização- Dano dos à pessoa humana, o sitema binário moral-estético (re-
moral - Reparação que independe da existência de seqüe- parar-se os danos extrapatrimoniais contra a pessoa huma-
las somáticas - Inteligência do art. 5°, V, da CF e da na somente com danos morais e danos estéticos) supre a
Súmula 3 7 do STJ" 330 ; "Indenização - Violação do direito integral necessidade dos danos causados, não carecendo de
à imagem -Dificuldades de comprovação dos danos mate- grande d ificuldade o ato de seu exame.
riais não constituem óbice à reparação do dano moral" 331 ; e Porém, cabe destacar que a doutrina já alcançou estágio
"Indenização - Dano moral - Cabimento independente em que "novos" danos são defendidos e aqui mister tecer
. ,
da comprovação d os preJuzzos · · "332 . I sso porque,
matenazs alguns comentas sobre os mesmos .
como se pode atestar pela jurisprudência citada sobre o Dano à pessoa. Como já referido, em verdade, são da-
tema, é admitida pacificamente a cumulação e inde- nos pessoais, ou danos à pessoa, todos os danos causados
pendência dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais em contra a pessoa humana. 333
nosso ordenamento. Anote-se que o direito brasileiro sempre entendeu os
danos pessoais dessa forma. Basta ver que a jurisprudência
se refere francamente aos danos pessoais como sendo o
4. 7. Reparação dos danos à integridade física e modelo grande gênero onde se incluem os danos causados à pessoa
lill binário moral-estético humana. Nesse sentido é, por exemplo, a Súmula 257 do
li I
''I STJ: "A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório
:: 1
Muitos podem arguir que uma jurisprudência que repa- de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de
,,,, '' ra os danos causados à pessoa humana somente na forma de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do
i:: danos materiais, morais e estéticos seria uma teoria por si pagamento da indenização", promulgada em 2001, referin-
,,•· só já atrasada, ultrapassada, tendo em vista a grande gama
'
I do-se aos danos pessoais justamente no sentido exposto.
I de outros danos - na verdade, meramente outra nomen- Considerada a pessoa humana como o "valor do valo-
I
clatura- que a doutrina já concebe. res", no dizer de PERLING IERI, nada mais lógico que
Entretanto, isso não é verdade .
Reparar da forma mais simples é garantir o cumprimen-
to da lei: que a reparação realmente seja realizada. Altercar
333 Sobre o conceito de dano à pessoa, v., CAHALI, Yussef Said,
vários nomes e tipos é confundir o aplicador e nesse labirin- Dano moral, 3• Ed., p. 197: "assim, sob a denominação genérica de
'dano à pessoa' (ou dano subjetivo) , cobre-se um amplo espectro de
330 1o TAC-SP, RT 712/170.
lesões ao ser humano considerado em si mesmo, no que ele ontologica-
mente significa". Também v., ALPA, Guido, Il danno biológico , pp.
331 TAMG, RT 716/270. 08-12.
332 TJSC, RT 670/143 .
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elencar a grande classificação dos danos, denominando-se STJ, v., "Viola a lei o acórdão que julga improcedente a
de "danos pessoais" a regra geral da responsabilidade civil, ação de indenização promovida pela mulher, pelos danos
ou seja, os danos típicos, e deixando os demais casos, como pessoais que sofreu, porque o marido fornecera recibo de
o dano contra a coisa, como danos atípicos. quitação dos danos materiais." 337 ; e "Responsabilidade ci -
Consideram-se danos pessoais, assim sendo, os danos vil. Acidente de trânsito. Ação de indenização por danos
morais e os danos estéticos: aquele é o gênero e esses são as pessoais e materiais julgada procedente . Recurso especial.
espécies extrapatrimoniais daquele. Alegação de ofensa aos arts. 293, 459 e 460, do Código de
Essa, portanto, é a classificação que mais se coaduna Processo Civil. Julgamento Extra-petita. Inocorrência.
com o estágio atual da jurisprudência brasileira. Dano pessoal. Configuração. "338
A matéria é de suma importância, porque, não raro, é de- Dano biológico. O mesmo pode ser dito no que se refe-
batido na jurisprudência a amplitude do conceito de "danos re ao dano biológico. Como dito, o dano biológico 339 é, em
pessoais", se neste tipo há ou não a inclusão dos danos mo- verdade, o que a jurisprudência do STJ entende como dano
rais. Por exemplo, em matéria de seguros, a discussão seria se contra à integridade física, ou seja, é o dano estético. A
a cláusula contendo cobertura pelo seguro de danos pessoais, confusão aparece quando uma visão míope entende que
se nesses danos pessoais os danos morais estariam cobertos. dano estético seria tão-somente o dano à "aparência física"
A jurisprudência do STJ já se manifestou no sentido de da pessoa, no sentido de "estético" como sinônimo de
que nos danos pessoais se incluem os danos morais. Nesse "belo" . Visão ultrapassada, deve-se dizer, até porque o que
sentido, v., "Esta Corte tem entendimento assente no senti- é "feio" para um juiz de 1° Grau pode muito bem ser "belo"
do de que no contrato de seguro em que a apólice prevê para um Desembargador e reformar a decisão; prosseguin-
cobertura por danos pessoais, compreendem-se nesta expres - do nesse raciocínio, o sumo sacerdote do julgamento da
são os danos morais. "334 ; "O contrato de seguro por danos "beleza" no direito brasileiro seria um Ministro do STF, o
pessoais compreende o dano moral. Precedentes." 335 ; "Em que não pode ser admitido, sob pena de transformar o Di-
ação de reparação de danos, referindo-se o autor que do ato reito em uma mera discussão de "beleza", totalmente sub-
ilícito resultou danos pessoais, a sentença condenatória pe- jetiva. O que deve ser dito, com certeza, é que o dano
los danos morais não foge aos limites do pedido. "336
Por seu turno, não raro também é a confusão do termo
337 REsp 299811/RS, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j. 04/12/2001,
"dano pessoal" como sinônimo de "dano moral"; ainda no DJU 08.04.2002, p. 220.
338 REsp 222644/RS, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, j .
19/05/2005, DJU 13 .06.2005, p. 287.
334 REsp 591729/MG, Ministro Fernando Gonçalves, j . 08/11/2005, 339 Sobre o conceito de dano biológico, além do já citado, v., ALPA,
DJU 28.11.2005, p. 294. Guido. Bessone, Mario. E CARBONE, Vincenzo, Atipicità dell' illeci-
335 REsp 209531/MG, Min istro Barros Monteiro, j . 06/04/2004, to: I - persone e rapporti familiari, 3• Ed. Milano: Giuffre, 1993, pp .
DJU 14.06.2004, p. 222. 52-82; CASTRONOVO, Carlo, Dano biológico, pp. 32-33, acentua na
336 REsp 222644/RS, Ministro Antônio de Pádua Ribe iro, j. busca de sua proteção no direito à saúde, previsto na Constituição;
19/05/2005, DJU 13.06.2005, p. 287. ALPA, Guido, Il danno biológico, pp. 24 e ss.

ZlZ 213

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biológico já é admitido em nossa jurisprudência e é repara- não bastasse a proteção pela teoria dos direitos da persona-
do como dano estético, como dano contra a integridade lidade.343
física, através da reparação de sua modificação aferida em Dano à vida de relação . Considerada a pessoa humana
perícia médica. 340 como homo sociabilis, caracteriza-se esse dano pela limita-
Dano à saúde. É o dano à saúde o grande passo defini- ção do ofendido em se relacionar com outras pessoas, na
dor do atual conceito de dano estético como visto atual- dificuldade no desempenho de atividades sociais, recreati-
mente pela jurisprudência brasileira: dano estético como o vas ou esportivas, ou, ainda, na impossibilidade de se de-
ofensa à saúde da pessoa humana, estendendo a reparação senvolver plenamente em sociedade. 344 Na prática forense,
não só apenas à aparência externa e física da pessoa para o percebe-se que casos que geram essas limitações já são jul-
dano em situações "internas", como são os casos de doen- gados na jurisprudência brasileira e assim ou como danos
ças e ofensas à higidez da saúde da pessoa. 341 morais ou como danos estéticos.
Da análise do conceito de dano biológico e de dano à Dano existencial. Como já ressaltado, o dano exis-
saúde, deve-se concordar com CAHALI: "são aspectos de tencial pode ser definido como "todos os prejuízos sofridos
uma mesma realidade, que apenas teoricamente podem ser na qualidade de vida pelas mais variadas causas, até pela
distinguidos pela simples razão de que o ser afetado é o ser mudança das condições socioambientais" (Teresa Ancona
humano, uno e indivisível". 342 LOPEZP 45 ; Ora, isso em nosso direito é dano moral e já é
Dano corporal. É o dano corporal, em suma, a modifi- assim reparado em nossa jurisprudência há tempos. 346
cação no corpo da pessoa humana. É dano típico para a Dano à sexualidade e reprodução. Também tem se adu-
proteção do direito à integridade física, é dano da pessoa zido da reparação do dano causado à pessoa humana por
perder, ou diminuir, sua capacidade de se relacionar se-
humana, garantido em todas as constituições modernas, se
xualmente ou de se reproduzir. 347 Na verdade, esses danos

340 V., neste trabalho, item 4.2. sobre a evolução do conceito de dano
343 Neste trabalho, tem-se a definição de dano corporal e de sua im-
estético.
portância para a proteção do dano à integridade física em item 3.1.
341 ALPA, Guido. Bessone, Mario. E CARBONE, Vincenzo, ob. cit.,
344 ALPA, Guido. Bessone, Mario. E CARBONE, Vincenzo, ob. cit.,
pp. 126-12 7, lembram que o dano à saúde tem suas origens na proteção
pp. 97-98, com subsídios para essa definição e salientam que o conceito
da pessoa humana contra emissões nocivas, como, por exemplo, acústi-
de dano à vida de relação é relativo, ou seja, é mutável com o tempo, de
cas, de fumaça, odores, poluição do ar, etc. Claramente, esse tipo de
acordo com o que o juiz entende em determinada época. Com efeito,
ofensa pode causar doenças e prejuízos até à capacidade laborativa do
como os próprios autores concordam em outra passagem, o conceito
ofendido, devendo esse dano ser reparado. Percebe-se que é justamen-
muito se aproxima do conceito de dano moraL
te o que a jurisprudência brasileira aceita como indenizável pela verba
de pensionamento por incapacidade para o trabalho, dano material com 345 LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 3. ed., p. 172.
verba de tratamento médico e danos extrapatrimoniais pela caracteri- 346 À mesma conclusão chega LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 3. ed.,
zação por perícia da doença ou ofensa à saúde do ofendido. p. 172.
342 CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 3a Ed ., São Paulo: RT, 2005, 347 Sobre o dano sexual, importante é a seguinte passagem de LO-
p. 198. RENZETTI, Ricardo Luis, Fundamentos do direito privado, pp. 477:

214 215

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importam em conotações que são reparadas no sistema bi- Qual a certeza que uma pessoa que perde sua capacidade
nário moral-estético de forma bem definida: (i) o dano es- de trabalho quando estava, por exemplo, no terceiro ano de
tético advindo da ofensa à integridade física (a pessoa antes uma faculdade de cinco anos, iria conseguir mesmo termi-
do evento danoso, da ofensa, possuía sua saúde íntegra e, nar essa faculdade e se transformar em um grande cientis-
assim sendo, possuía sua plena capacidade sexual e de re- ta? De que forma aferir que determinado evento "transfor-
produção) e (ii) o dano moral advindo dos males e transtor-
mou ou prejudicou o projeto de vida de uma pessoa? Cabe
nos causados à vida do ofendido, vez que não se trata a
ao juiz decidir isso caso a caso. Com certeza, a prova docu-
perda ou diminuição da capacidade sexual e reprodutora
mental, testemunhal e pericial médica sobre a vida e condi-
de meros transtornos habituais do cotidiano atual, como a
ções físicas e intelectuais da pessoa antes do evento e de-
jurisprudência não concebe a reparação para eventos consi -
derados meros transtornos da vida moderna .348 pois do evento poderão dar subsídios para o juiz quando do
Dano de projeto de vida. Esse é um dos danos mais momento dessa avaliação (na verdade, o juiz não poderá se
sensíveis que a jurisprudência tem a dura tarefa de avaliar. valer desses elementos: ele deverá se valer dessa prova,
sem essa prova esse dano não pode ser reparado, sob pena
de se banalizar o dano e por questão de processo - o juiz
"Também tem-se indicado com acerto que o dano sexual, como a perda não pode conceder indenização por que quer ou acha devi-
de um testículo , em idade antecipada, pode influenciar no desel!volvi- do, mas sim quando há prova nos autos para tanto). Note-
mento do -corpo, na estabilidade psíquica e a capacidade de resistência
física propriamente viril, e isso, naturalmente, nas suas possibilidades se que esse dano não foge à regra do modelo binário moral-
de triunfo social". estético. O STJ já levou em conta, por exemplo, para fixa-
348 A título exemplar, v., TJSP : "DANO MORAL- Responsabilida- ção de valor de danos moral e estético, o projeto de vida da
de civil- Divergência no interior de estabelecimento comerc ial quan- vítima, que era criança quando do evento, e restou com
to ao pagamento de mercadoria - Mero dissabor -Abuso não com- seqüelas graves após o mesmo, justificando valor elevado
provado- Constrangimento não caracterizado- Simples percalço do nessa hipótese: "Responsabilidade civil. Indenização. Dano
cotidiano do cidadão cosmopolita- Ressarcimento indevido- Recur-
so provido." (Apelação Cível n. 246.728-4/ 1-00 - São Paulo - 5• moral. Fixação do valor da indenização a título de dano
Câmara de Direito Privado "A" - Relator: César Santos Peixoto - moral e estético em 1.000 salários mínimos. Recurso conhe-
30.01.06- V.U.); TJSP: "DANO MORAL- Responsabilidade civil cido em parte e parcialmente provido. "349
- Insurgência de deficiente visual contra conduta de Universidade que Portanto, a reparação do dano à pessoa humana através
lhe sugeriu mudança de curso universitário - Não acolhimento -
do modelo binário moral-estético, realizada hoje na juris-
Inexistência da prática de ato lesivo causador de sofrimento intenso e
profundo - Hipótese em que, mero aborrecimento decorrente do prudência do STJ, é a que merece prevalecer.
cotidiano não enseja reparação - Dano moral não caracterizado - Por sua vez, o avanço na doutrina no sentido de caracte-
l
Indenização indevida - Recurso improvido " (Apelação Cível n. rização de novos danos extrapatrimoniais deve ser utilizado
971 .985-0/5- Campinas- 26a Câmara de Direito Privado- Rela- para a determinação ou não de dano indenizável. Determi-
tor: Renato Sartorelli- 08.05.06- V.U.); "DANO MORAL- Inde-
nização - Suspensão ou bloqueio do fornecimento de serviços telefô-
nicos- Dissabor do cotidiano que não atinge a esfera íntima dos direi- 349 REsp 251395/ SP, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR,
tos da personalidade- Verba indevida (TJDF)" em RT 838/284. 4a Turma, j. 14/12/2000, DJ 12.03.2001 p. 146.

216 217

É vedada a reprodução e a distribuição.


nada a ocorrência de dano indenizável, a reparação dos da-
Danos indenizáveis (da promulgação do CC/16 até a
nos extrapatrimoniais deverá ser realizada consoante a divi-
década de 1960), P fase:
são desses em morais e estéticos, como a jurisprudência já
vem fazendo, sob pena de rol infinito de verbas, que preju-
Danos Reparação autônoma
dicará a aplicação do direito e, a seguir, os ofendidos na
Patrimoniais Admitida
busca da reparação devida . A reparação autônoma dos no-
vos danos só pode ocorrer se importar na exclusão da repa- Extrapatrimoniais Negada
ração pelos danos morais-estéticos, sob pena de bis in
idem. Danos indenizáveis (após década de 1960), 2a fase:
Entretanto, desses ditos "novos danos" , pode-se fazer,
claramente, uma linha de evolução da reparação dos danos, Danos Reparação autônoma
partindo-se do desenvolvimento da doutrina da matéria. Patrimoniais Admitida
Nesse sentido, por exemplo, se em uma primeira geração, Extrapatrimoniais Negada em regra (admitida para pedido
podia-se dizer que apenas os danos materiais eram indeni- da própria vítima)
záveis, hoje, temos o que se denominou tratar uma verda-
deira "guerra de etiquetas", diante da disputa de uma enor- Danos indenizáveis (após a CF/88, Súm. 37 do STJ), 3a
me gama de danos, para os quais não faltam defensores de fase:
sua autonomia e busca por reparações autônomas.
Com a devida vênia, quem trabalha na área sabe que
Danos Reparação autônoma
essa etiquetação cada vez mais específica e singular é ape-
Patrimoniais Admitida
nas fonte de problemas de qualificação, disputas acadêmi-
cas, ou seja, problemas de aplicação que somente vão em Extrapatrimoniais Admitida
sentido contrário do ideal da responsabilidade civil, que é a
busca de um sistema claro e objetivo de reparação civil. Danos indenizáveis Qurisprudência antiga, cerca de
Um sistema confuso, prolixo e complexo demais apenas 1988-1995), 4a fase:
gera dificuldades para a elaboração do pedido por parte do
ofendido e para a elaboração da defesa por parte do ofen- Danos Reparação autônoma
sor. O que falar, então, da dificuldade para o juiz na decisão Patrimoniais Admitida
do que se trata realmente em cada caso? A construção de
Morais Admitida
uma sociedade mais justa e de um Judiciário mais célere
Estéticos Negada (enalobada nos morais)
depende da atuação de todos os aplicadores do direito e,
assim, principalmente de uma interpretação mais razoável
das normas vigentes. Danos indenizáveis (jurisprudência recente, (após
Desta feita, pode-se elencar a seguinte evolução con- 1996) I safase:
forme a análise da jurisprudência brasileira:

218 219
É vedada a reprodução e a distribuição.
Danos Reparação autônoma Percebe-se, claramente, que tem razão a jurisprudência
Patrimoniais Admitida em indenizar os danos à pessoa humana - somente ou
Morais Admitida classificando-os- em danos materiais, morais e estéticos.
Estéticos Admitida
Danos indenizáveis conforme a leitura da CF/88 (Teo-
ria Civil Constitucional da Reparação dos Danos Pessoais
ou pelo Modelo Binário Moral-Estético)
Danos indenizáveis (novos danos citados pela doutrina
atual, sua admissão ou negação pela jurisprudência e repa- Danos Reparação autônoma
ração pelo modelo binário moral-estético), 6a geração:
Patrimoniais Pensão por incapacidade laborativa, verba para tratamento ,
pagamento de despesas.
Danos Reparação autônoma
Morais Verba a ser fixada pelo juiz e de caráter subjetivo. A existência
Patrimoniais Admitida de dano psíquico ou outros dos danos novos aventados pela
Morais (pró::nia vítima) Admitida doutrina leva ao agravamento do dano moral, que deve ter sua
fixação majorada nesse caso .
Morais à pessoa jurídica Admitida
Estéticos Verba a ser fixada pelo juiz. de caráter objetivo (depende de
Morais Admitida
laudo pericial comprovando a modificação na integridade físi-
I (dano em ricochete)
ca) e podem ser indenizados aqui os danos biológicos e à
Estéticos (própria Admitida saúde (por exemplo, dano à integridade física interno, não vi-
vítima) sível , agressão injusta, doenças).
Biológicos Negada (reparado como dano estético) 350
Existenciai s Negada (reparado como danos moral , material
ou estéticosl Note-se que não se trata de inadmissibilidade do pedi-
Vida de relação Negada (reparado como dano moral) do desses "novos" danos; os danos são reparáveis, mas não
Psíquico Negada (reparado como moral e material) autonomamente; repita-se, o que se quer evitar é a chama-
À saúde (ou funcional) Negada (reparado como danos moral e estéti- da "guerra de etiquetas"; por exemplo, é admitida a repara-
co) ção de um caso de dano biológico (v.g., uma pessoa que
À sexualidade e Negada (reparado como danos moral , material sofre um acidente e tem a sua integridade física modifica-
reprodução e estéticos) da, mas não de forma que possa ser considerado estético,
no sentido de belo e visível a todos, uma vez que interno

cumulável de danos materiais, morais, estéticos e ex istenc iais, mas ad-


350 Não se quer dizer que não são admitidos esses danos no direito missível o pedido cumulável de danos materiais, morais e estéticos (se
brasileiro; quer-se dizer que sãu admitidos, mas não autonomamente e aferido dano existencial no caso, esse será indenizado nas verbas de
sim na forma de outro dano; assirn, por exemplo, inadmissível o pedido danos morais e estéticos).

220 221

É vedada a reprodução e a distribuição.


(não causando enfeamento da vítima ou deformidade esté- ção oferece ao aplicador do Direito, sensível ao direito civil
tica à vítima); em suma: seria o dano estético o dano à constitucional .
integridade física externo, na aparência externa da pessoa,
visível a todos, e o dano biológico, o dano à integridade
física interno, lesão interna à pessoa, que não é visível a TABELA DE FUNDAMENTOS PARA REPARAÇÃO DOS DANOS PESSOAIS
todos, mas que não pode deixar de ser reparável porque é
Dano Fundamento legal
notoriamente uma ofensa à dignidade da pessoa humana,
contra sua integridade, de forma violenta e injusta, mas não Dano material CF/88 : ines . V e X do art 5°; CC/02: arts. 402 a 405, ines. I
com essa denominação e de forma autônoma, podendo-se e li do art. 948, segunda parte (segundo período) do 949,
art. 950, caput do art. 953 e caput do art. 954.
cogitar do pedido de danos materiais, morais, estéticos e
Dano moral CF/88: art. 5°, ines. V e X; CC/02: parte final do caput do
biológicos, ou seja, de quatro verbas indenizatórias; não,
art. 948, terceira parte (final) do art. 949, parágrafo único
esse pedido não é possível, o dano biológico em nosso siste- do art. 953 e art. 954 C.C. parágrafo único do art. 953.
ma é indenizável como dano estético; assim, nesse caso Dano estético CF/88: arts. 6° e 196; CC/02: primeira parte (início) do art.
hipotético, o pedido seria, no máximo, de danos material, 949 e terceira parte (final) do art. 949.
moral e estético.
E assim também os outros danos de última geração
(atualmente, estamos na 6a geração), como por exemplo, o
dano digital, os danos causados no ambiente virtual, como
ofensas que podem ser causadas através de veiculação de
informação falsa injuriante por e-mail ou websites, que se-
rão reparáveis como danos morais ou materiais causados ao
ofendido, que pode ser pessoa natural ou jurídica.
Outro exemplo: os danos sexuais, que são aqueles que
geram impossibilidade para o relacionamento sexual, são
claros casos que podem e devem ser tratados simplesmente
como reparáveis como danos materiais (gastos com trata-
mentos), morais (pelo sofrimento e perda de prazer) e es-
téticos (pela ofensa à integridade física que gerou a incapa-
cidade sexual); o pleito de forma autônoma de um quarto
dano, o dano sexual, não deve ser admitido.
Por fim, certa a jurisprudência em indenizar os danos à
pessoa simplesmente em materiais, morais e estéticos tam-
bém porque se coaduna com o atual estágio da doutrina
que se reforça com o material normativo que a Constitui-

zzz 223

É vedada a reprodução e a distribuição.


Eneas de Oliveira Matos
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo; Master in Law and Economics pela Universidade de
Hamburgo, Alemanha; Doutor em Direito Civil pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo _~'"__

DANO MORAL E DANO ESTÉTICO

RENOVAR
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© 2008 by Livraria Editora Renovar Ltda. Agradecimentos
Conselho Editorial:
Arnaldo Lopes Süssekind - Presidente
Carlos Alberto Menezes Direito
Caio Tácito (in memoriam)
Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.
Celso de Albuquerque Mello (in mp,.,m·innn
o presente livro teve como base o texto de tese de
Ricardo Lobo Torres doutoramento apresentada, e aprovada em banca, compos-
Ricardo Pereira Lira ta pelos Profs. Fábio Maria De-Mattia (USP), Teresa An-
Revisão Tipográfica: Fernando Guedes cona Lopez (USP), Gilberto Bercovici (USP), Hélio Bor-
Capa: Raphael Stocker ghi (UNESP) e André Ramos Tavares (PUC-SP), perante
Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. o Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo - USP em março de 2005.
N? 'ÕS87 A tese, assim como o trabalho revisto e atualizado que aqui
se apresenta, foi eminentemente uma tese de Direito Civil
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Constitucional, sobre Responsabilidade Civil, princi-
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. palmente no que se refere aos danos causados à pessoa
humana.
Matos, Eneas de Oliveira
M224d Dano moral e dano estético / Eneas de Oliveira Matos. - Rio O trabalho que levou à tese e sua aprovação dedico aos
de Janeiro: Renovar, 2008. meus pais, Antonio de Oliveira Matos e Hilda Damasio
382p. ; 21cm.
Matos, e aos professores com quem aprendi direito civil no
Inclui bibliografia.
ISBN 978857147-664-6 Largo de São Francisco, meu orientador Prof. Titular Fábio
1. Direito civil - Brasil. I. Título. Maria De-Mattia, que agradeço o apoio à pesquisa desde a
CDD 346.81052
graduação, ao Prof. Titular Antonio Junqueira de Azevedo,
que me apresentou ao estudo da interpretação do Direito
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98)
Impresso no Brasil
Civil conforme a Constituição no curso de pós-graduação
Printed in Brazil
CAPÍTULO 5

DA REPARAÇÃO DO DANO
ESTÉTICO COM AMPARO NO
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

A reparação do dano causado à pessoa humana possui


sua ampla proteção no texto constitucional. Essa proteção
não se dá exclusivamente pela leitura do direito à reparação
do dano moral diante do art. 5°, ines. V e X, CF/88, mas
também pela interpretação do direito fundamental à saú-
de, arts 6° e 196, CF/88.
O direito à saúde, com efeito, pode exercer esse papel
graças ao seu caráter dualístico: possui não só uma face
positiva (direito a políticas públicas), como ainda uma ne-
gativa (direito-dever de todos de respeitar a saúde de ou-
trem). Aplicada a face negativa entre particulares, tem-se a
proteção do direito à saúde como proteção da integridade
psicofísico, nos termos justamente hecessários para que se
tenha uma norma de reparação de dano específica.
Como já dito, o dever de reparar o dano depende da
presença de todos os elementos da relação jurídica de repa-
ração de dano, que é uma relação especial. Alterando-se

225
seus elementos, altera-se a relação e logo se chega ao dano se intrometer na vida social. São liberdades sem mais, puras
cumulável. Porque danos material e moral têm normas de autonomias sem condicionamentos de fim ou de função, res-
reparação diferentes (após a CF /88), a jurisprudência se ponsabilidades privadas num espaço autodeterminado. "352
pacificou na possibilidade da cumulação. Aceito o direito à Ainda sobre a origem dos direitos fundamentais, desta-
saúde como norma de proteção e reparação do dano à inte- ca-se a Revolução Francesa que acabou por consagrar cer-
gridade física, chega-se à possibilidade cumulação de mais tos direitos fundamentais e essenciais à pessoa humana,
essa verba, a de dano à integridade física, ou do dano esté- justamente por serem considerados como decorrentes de
tico, como vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça. ser indivíduo, sagrados neste molde na Declaração dos Di-
Os pontos seguintes tratarão do desenvolvimento ne- reitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a igualdade, a
cessário para a efetiva proteção da pessoa humana. liberdade, a segurança, a propriedade e a resistência à
opressão. 353
Desta feita, como frente às ingerências do Estado, os
direitos fundamentais seriam direitos subjetivos - direitos
5.1. Da aplicação dos direitos fundamentais entre particu-
subjetivos públicos - para aplicação em relações típicas de
lares
direito público, definidos em texto tipicamente de direito
público, a Constituição. 354
Originariamente os direitos fundamentais foram erigi-
Entretanto, a evolução dos direitos fundamentais, que
dos na tentativa de estabelecer um rol mínimo de garantias
pode ser caracterizada sinteticamente, como um processo
individuais contra possíveis levantes do Estado, e conse-
político e social, passando de uma conotação tipicamente
qüente inconformismo, o que para muitos foi o resultado
liberal para social (socialização dos direitos fundamentais),
de uma noção nitidamente contratualista, e assim liberal ,
confundindo-se até com a própria evolução do Estado (do
entre Estado e sociedade no sentido de formalizar um pac-
Estado liberal ao Estado social), além de ampliar a proteção
to de garantias mínimas aos indivíduos. 351
do indivíduo com os ditos direitos sociais (que são funda-
Percebe-se, origem dos mesmos nas "revoluções libe-
rais", no final do século XVIII e com natureza típica de
liberdades, que, conforme José Carlos Vieira de Andrade ,
completa tal nascedouro dos direitos fundamentais como 352 ANDRADE, José Carlos Vieira de. op.cit., p. 43.

"esferas de autonomia dos indivíduos em face do poder do 353 Nesse sentido, v., BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitu-
cional. 7. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros Ed., 1998. p. 516 ss.; DE
Estado, a que se exige que se abstenha, quanto possível, de MATTIA, Fábio Maria. op. cit., p. 99-100; e PEREZ LUNO, Antonio
Enrique. op. cit., p. 29, acentuando que o termo "droits fondamen-
taux" aparece em França, no ano de 1770, no marco do movimento
351 Nesse sentido, v., ANDRADE, José Carl05 Vieira de. Os direitos político e cultural que conduziu à citada Declaração dos Direitos do
fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedi- Homem e do Cidadão, de 1789.
na, ] 998. p. 43 55.; CAUPERS, João. Os direitos fundamentais dos
354 PEREZ LUNO, Antonio Enrique. op. cit., p. 37.
trabalhadores e a Constituição. Coimbra: Almedina, ] 985. p. ]] 55.
227
226
mentais 355 ), acabou por transformar até a própria aplicação Nesse sentido, tendo em vista que a aplicação da teoria
dos direitos fundamentais. 356 dos direitos da personalidade alcança, notadamente, o mo-
Exemplo de tal ampliação dos direitos fundamentais - mento de sua tutela quando ofendidos, e tal ocorre na rela-
e reflexo da constitucionalização do direito civil- é, como ção entre particulares (no direito privado), no momento
já referido, a constitucionalização dos direitos da persona- em que ganham força constitucional, erige-se uma inter-
lidade 357 , alçados ao texto constitucional no rol dos direitos pretação e aplicação direta de ditos direitos da personalida-
fundamentais, como se tem exemplo aqui, na CF/88, onde de, agora direitos fundamentais formais e materiais 359 , en-
se amparou o direito à vida, liberdade, segurança, intimida- tre particulares.
de, vida privada, imagem e direitos autorais. 358 Guarda origem a aplicação dos direitos fundamentais
entre particulares na interpretação da Corte Constitucio-
355 Nesse sentido, a título exemplar, V., SILVA. José Afonso da. Apli- nal alemã para a tutela da dignidade humana, principal-
cabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros Ed., mente para daí se retirar uma aplicação condizente a garan-
1998. p. 151-152, principalmente, tendo em vista a CF/88. Merece tir a reparação por dano moral, prevista no Código Civil
lembrança Paulo Lopo Saraiva, ao analisar a sobredita evolução, dizen- alemão em casos específicos, e não como regra geral, alcan-
do que "A concepção de garantia constitucional não pode se limitar aos çando, portanto, maior amplitude a reparação dos danos
vetustos conceitos do século passado. A constitucionalização dos temas
causados à pessoa humana. 36o Mas, antes dessa aplicação
sociais impõe uma reestruturação de todo o ordenamento jurídico, a
fim de que a realidade normativa não se afaste demasiadamente da com vistas à responsabilidade civil, a doutrina alemã encon-
realidade social", SARAIVA, Paulo Lopo. Garantia constitucional dos trou os pilares para o desenvolvimento da Drittwirkung (i.)
direitos sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 94. nas disposições constitucionais e (ii.) nas situações de fato
356 Nesse sentido, v., ANDRADE, José Carlos Vieira de. op. cit., p. em que Estado deveria atuar para manter a igualdade de
44 ss. condições. 361
357 Neste sentido, V., CHAVES, Antonio. op. cit., p. 149, com funda- Nipperdey, considerado um dos fundadores da doutri-
mento em DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. de na da aplicação dos direitos fundamentais entre particula-
Afonso Celso Furtado Rezende. Campinas: Romana, 2004; BITTAR,
res 362 , deixou assente que determinados direitos funda-
Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988, cit., p. 24, diz
que os pontos principais que a CF/88 fixou para a ordem privada foram
(i) a interpretação, (ii) os direitos da personalidade e (iii) a responsabi-
lidade civil, e, em p. 56-57, analisando os direitos da personalidade na direito civil na Constituição de 1988, cit., p. 57, com fundamento no
CF/88, conclui que tais direitos, ao serem positivados constitucional- art. 5°, caput, e ines. V, X, XXVI e XXVIII.
mente, com razão, "ganharam status novo"; o saudoso Professor BI- 359 MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 8-12.
TTAR, em obra específica sobre o tema, também aduz sobre o tema da 360 GARCÍA TORRES, Jesús; JIMÉNEZ-BLANCO, Antonio. op.
constitucionalização dos direitos da personalidade, com fundamento cit., p. 19 ss.; e ZITSCHER, Harriet Christiane. Introdução do direito
no direito comparado, em p. 54 ss., de seu Os direitos da personalida- civil alemão e inglês. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 106-108, e
de; CASILO, João. op. cit., p. 19 sS.; SZANIAWSKI, Elimar. op. cit., 175-178.
p. 15 ss., relatando o desenvolvimento dos direitos de personalidade 361 GARCÍA TORRES, Jesús; JIMÉNEZ-BLANCO, Antonio. op.
alçados às Constituições, pela importância de que se revestem. cit., p. 22.
358 A enumeração de ditos direitos é de BITTAR, Carlos Alberto. O 362 Id. Ibid., p. 21.

228 229
mentais não serviam mais para proteção do indivíduo con- fundamental seria, no final, uma ofensa do próprio Estado,
tra possíveis interferências do Estado, como originariamen- merecendo a mesma proteção, portanto de um direito fun-
te pensados os direitos fundamentais, e assim outros que damental (em sua concepção de direito contra o Estado);
vinculavam cada cidadão em suas relações com outros par- nesse raciocínio, portanto, todo direito privado estaria sob
ticulares, exigindo do Estado uma prestação no sentido de proteção de um direito fundamental e este desempenha a
garantir igualdade de condições para as partes mais fracas. sua típica função protetiva própria de sua natureza de direi-
Assim, liberdade de expressão e proibição de discrimina- to público. 366
ção por causa de ideologia política ganham, por exemplo, Percebe-se, claramente, que a teoria parece que andou
interpretação no sentido de princípios ordenadores da vida em círculo, chegando ao mesmo lugar, sendo quase que
social, tendo em vista a sua importância para as relações literal aqui com Torres e Jiménez-Blanco: o resultado é
particulares. 363 Casos como, com Nipperdey, direito à sempre a busca de se utilizar a técnica dos direitos funda-
igualdade salarial, liberdade de concorrência, a ponto de mentais para organização das relações privadas, que, com a
Krüger afirmar que "o direito ao livre desenvolvimento da força normativa que encerram, podem realizar essa função
personalidade se dirige não apenas frente ao Estado, mas de forma muito mais útiJ.367
também frente a terceiros", concluindo que a eficácia abso- Claus-Wilhelm Canaris entende que os três problemas
luta dos direitos fundamentais entre particulares é mais principais sobre a eficácia dos direitos fundamentais em
objeto de desejo da doutrina de direito privado do que dos relação a terceiros são: "Primeira: quem é o destinatário dos
constitucionalistas. 364 A afirmação de que havia um efeito direitos fundamentais - apenas o Estado e os seus órgãos,
construtivo ou obrigatório dos princípios constitucionais ou também os sujeitos de direito privado? Segunda: o objec-
nas relações privadas, ou que se deve ter a aplicação ime- to do controlo segundo os direitos fundamentais é o compor-
diata dos direitos fundamentais também nas relações jurí- tamento de quem - o comportamento de um órgão do Esta-
dicas entre os particulares, seguiu ganhando adeptos, mas do, ou de um sujeito de direito privado? Terceira, em que
gerando grande debate, principalmente diante da natureza função são aplicados os direitos fundamentais - como
dos direitos fundamentais de direitos contra o Estado. 365 proibições de intervenção ou como imperativos de tutela? 11368
Esse debate chega à posição de Schwabe, pela qual todo Continuando seu raciocínio, para Canaris, o destinatário
direito privado, capaz de produzir efeito sobre outro parti-
dos direitos fundamentais é o Estado, servem para controlar
cular, sempre resta sua força na ordem estatal, de forma
a atividade estatal, mas devem exercer função de ímperati-
que seu desenvolvimento depende de um sistema de per-
missões e proibições, pelo que toda ofensa a um direito
366 Apud Id. Ibid., p. 36.
367 Como dito, neste parágrafo do trabalho fomos quase literais aos
363 Apud GARCÍA TORRES, Jesús; JIMÉNEZ-BLANCO, Antonio. ensinamentos de Id. Ibid., p. 36-37.
op. cit., p. 21-22. 368 CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito priva-
364 Apud Id. Ibid., p. 22-23. do. Trad. de Ingo WoIfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Alme-
365 Id. Ibid., p. 23. dina, 2003. p. S2.

230 231
vo de tutela, com vistas a exercer influência no comporta- Note-se que, evidentemente, a função de imperativo
mento dos particulares: "Estamos, assim, a chegar à decisi- de tutela com vistas ao ideal de proteção de um indivíduo
va 'palavra-chave'. E aqui a função dos direitos fundamen- perante outro indivíduo, para fins de aplicação dos direitos
tais com imperativos de tutela ajuda-nos a prosseguir. Esta, fundamentais entre particulares, coaduna-se com a repara-
constitui, na verdade, uma explicação dogmática convin- ção do dano com amparo em direito fundamental de repa-
cente para a 'eficácia mediata dos direitos fundamentais em ração dos danos causados à pessoa humana.
relação a terceiros', da qual, na substância, se trata aqui Em monografia dedicada ao tema, La eficacia de los
(isto, se não quisermos renunciar totalmente ao uso da ex- derechos fundamentales frente a particulares: análisis de la
pressão, para o que não faltam argumentos). Designada- jurisprudencia deI Tribunal Constitucional, Juan María Bil-
mente, mantém-se, por um lado, a posição de que apenas o bao Ubillos cita a posição da Corte suprema espanhola no
Estado é destinatário dos direitos fundamentais, já que é sentido de que certos direitos da personalidade foram
também sobre ele que recai a obrigação de os proteger. Por constitucionalizados e ganharam proteção como direitos
outro lado, resulta clara a razão pela qual outros cidadãos fundamentais em relações entre particulares, e assim, lem-
são também atingidos e os direitos fundamentais produzem bra o caso do direito à honra, à intimidade e à imagem.
também - de certa forma por uma via indireta - efeitos Conforme defendemos, Ubillos é pelo parecer que merece
em relação a eles: justamente porque também no campo ju- tratamento unitário a sistemática dos direitos da personali-
rídico-privado o Estado, ou a ordem jurídica, estão, em dade e direitos fundamentais, que aqueles, com sua consti-
princípio, vinculados a proteger um cidadão perante o outro. tucionalização, ganham natureza de direitos fundamentais,
Esta perspectiva corresponde, hoje, à doutrina amplamente preferindo esse último conceito, tendo em vista a sua força,
dominante, subjaz reconhecivelmente à jurisprudência mais principalmente com a sua aplicação entre particulares, que
recente do Tribunal Constitucional Federal - como se ma- resta evidente nesses casos (de direito fundamental à hon-
nifesta nas decisões sobre o representante comercial, e, so- ra, à intimidade e à própria imagem).37o Note-se que essa
bretudo, sobre a fiança, bem como, por último, na decisão situação é bastante parecida com a interpretação que a ju-
sobre o direito do filho a obter da mãe informações sobre a risprudência brasileira adotou diante das disposições dos
identidade de seu pai biológico -, e, de resto, foi acolhida incs. V e X, do art. 5°, CF/88, para fins de concessão de
expressamente, não há muito tempo, pelo Tribunal Federal reparação de dano moral por dano à honra e imagem entre
do Trabalho. "369 particulares.

369 Em Id. Ibid., p. 58-59. Analisando a jurisprudência alemã, v. o 370 BILBAO UBILLOS, Juan María. La eficacia de los derechos funda-
trabalho de MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais: eficá- mentales frente a particulares: análisis de la jurisprudencia dei Tribunal
cia das garantias constitucionais nas relações privadas. Análise da juris- ConstitucionaL Madrid: Boletín Oficial dei Estado, Centro de Estudios
prudência da Corte Constitucional Alemã. Cadernos de Direito Cons- Políticos y Constitucionales, 1997. p. 730-776, principalmente, nota
titucional e Ciência Política, São Paulo, n. 27,1999. 678 em p. 731.

Z3Z Z33
Notadamente no direito brasileiro, após a CF/88, tem- A verdade é que, na maioria dos casos, não havia a dis-
se claro exemplo de aplicação direta dos direitos funda- cussão da aplicação de direitos fundamentais entre particu-
Inentais entre particulares 371 . Isto se deu na interpretação lares; realizava-se uma simples transposição de normas e
pela reparação do dano moral, por previsão expressa do art.
era o suficiente pela conclusão desejada: não havia disposi-
5°, ines V e X, CF 188, que doutrina e jurisprudência enten-
ção para a reparação do dano moral, agora há o art. 5°, ines.
deram pela aplicação imediata e geral de tal direito funda-
mental entre particulares. 372 Mister ressaltar a importância Ve X, logo, há disposição agora permitindo a reparação do
desses dispositivos constitucionais para o desenvolvimento dano moral; conclui-se, então, pela reparação do dano mo-
da reparação civil dos danos morais no direito brasileiro: ral. E assim a jurisprudência, inclusive, realizava uma espé-
antes da CF188 positivar expressamente a reparação extra- cie de interpretação conforme a Constituição, para aplicar
patrimonial em seu art. 5°, ines. V e X, a jurisprudência disposições de lei federal com vistas a permitir a reparação
majoritária de nosso país era restritiva de dita reparação, do dano moral. O que pode ser atestado até em rápida
diante da ausência de dispositivo expresso que garantisse análise: "Direito autoral Indenização - Reparação por
tal reparaçã0 373; com o advento da Carta de 1988, a juris- danos morais e materiais - Utilização comercial de gravu-
prudência entendeu pela aplicação imediata de tais dispo- ra do autor Inadmissibilidade - Indenização devida-
sitivos entre particulares e pela possibilidade de reparação
do dano moraP74. Inteligência dos arts. 21 e 25, I, da Lei 5.988/73 e 5°,
XXVIII, da CFJ37S; e "Responsabilidade Civil Indeniza-
ção - Danos morais - Perdimento de restos mortais de
371 Para Ingo Wolfgang Sarlet, "em princípio, todos os direitos funda- filhos dos autores por negligência de servidores municipais
mentais à exceção dos que vinculam exclusivamente o poder público
do cemitério local- Indenização devida - Inteligência dos
vinculam, de alguma forma, diretamente os particulares", em SAR-
LET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas arts. 159 do CC/16 e 5°, V e X, da CF."376
considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fun- Felizmente a jurisprudência se inclinou pela aplicação
damentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). A Constituição con- direta do direito fundamental de reparação dos danos ex-
cretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: trapatrimoniais à pessoa humana, art. 5°, ines. V e X,
Livr. do Advogado Ed., 2000. p. 147; Ingo Sarlet defende a aplicação
direta dos direitos fundamentais entre particulares neste artigo em p.
CF/88 Ce assim deve ser, ao menos em princípio, sempre
147 e ss., tese essa que concordamos, e que voltamos a comentar nas direta a aplicação dos direitos fundamentais entre parti-
Considerações Finais deste trabalho. culares)377, sem limites, o que permitiu o franco desenvol-
372 Nesse sentido, v., BITTAR, Carlos Alberto. ° direito civil na
Constituição de 1988, cit., p. 57; LOTUFO, Renan. Apresentação. In:
___ (Coord.). Direito civil constitucional: caderno 1. São Paulo: 375 TJSP, RT 729/] 79.
Max Limonad, 1999. p. 9; CAHALI, Yussef Said. op. cit., p. 52-55; e 376 TJSP, RT 728/221.
SEVERO, Sérgio. op. cit., p. 88-91.
377 Ou seja, como já referido, concordamos com Ingo Wolfgang SAR-
373 Por todos, para uma análise da reparação do dano moral antes de LET, em "Direitos fundamentais e direito privado: algumas considera-
1988, v., SEVERO, Sérgio. op. cit., p. 92-103. ções em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamen-
374 Nesse sentido, Id. Ibid. p. 103 ss. tais", cit., p. 147 e ss.

234 235
vimento da reparação do dano moral em nosso ordena- 5.2. Do direito fundamental à saúde
mento. 378
Deve-se ressaltar que somente graças a essa carga cons- Para Graciela Lovece, o surgimento do direito à saúde
titucional de direito fundamental - que guarda a repa- está na crise do Estado do bem-estar e na necessidade de se
ração do dano extrapatrimonial no direito brasileiro, é que ter um direito não só visto como ausência de enfermidade,
conseguimos atestar, dentre as características do citado de- mas também, como completo bem-estar, na união de fato-
senvolvimento da matéria, a interpretação pela ampliação res econômicos, culturais, sociais e não só sanitários. 38o
das hipóteses hábeis para gerar o dever de reparar, a am- Nesse sentido, o direito à saúde, na visão da doutrina-
pliação dos legitimados e, ainda, a questão da não recepção dora argentina, surge, portanto, como um novo direito ci-
dos limites para arbitramento de valores previstos em legis- vil, um direito civil constitucional, com duas vertentes cla-
lação infraconstitucional. Esses avanços são, portanto, im- ras: (i) direito a ambiente sadio e equilibrado e (ii) direito
portantes conseqüências da aplicação da reparação do dano à proteção da saúde e integridade da pessoa. 381 E o direito
moral em nosso direito como aplicação de direito fun- à saúde, assim, tratado como tipicamente uma norma capaz
damental - de reparação do dano causado à pessoa hu- de fundamentar a proteção da integridade psicofísico da
mana. 379 pessoa humana.
Entretanto, guarda razão Sueli Gandolfi Dallari ao, an-
tes do estudo do direito à saúde, procurar definir o que é
378 No direito brasileiro, s.m.j., destacam-se sobre o estudo da aplica-
ção dos direitos fundamentais entre particulares os trabalhos de SAR-
saúde.
MENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas, Rio de Assim, buscando fundamento no preâmbulo da Consti-
Janeiro: Lumen Juris, 2004, V., notadamente, p. 97 e ss., onde demons- tuição da Organização Mundial da Saúde, tem-se que "saú-
tra a evolução Código Civil - Constituição - dignidade da pessoa de é o completo bem-estar físico, mental e social e não ape-
humana - direitos fundamentais direito privado - rdações entre nas a ausência de doença ou outros agravos. "382 Saúde é o
particulares; e os trabalhos de lngo Wolfgang Sarlet; entre os trabalhos
estado de total higidez corpórea livre de defeitos ou males,
do Juiz e Doutor pela Universidade de Munique, lembramos seu, já
citado aqui, Direitos fundamentais e direito privado: algumas conside- é a integridade psicofísico totalmente perfeita da pessoa
rações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamen-
tais, cit., p. 107-163.
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 a Ed., Porto Alegre:
379 Ainda sobre a aplicação dos direitos fundamentais entre particula- Livraria do Advogado, 2001, pp. 337 e ss. Sem dúvida, cabe a lngo
res, v., STElNMETZ, Wilson, A vinculação dos particulares a direitos SARLET, v. os trabalhos citados, o mérito de ser o melhor a tratar sobre
fundamentais, São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 292-293, citando que o tema na doutrina brasileira.
os Tribunais brasileiros vêm aplicando o direito fundamental de perso-
380 LOVECE, Gracida. EI derecho a la salud como nuevo derecho
nalidade previsto no art. 5°, X, CF/88, amplamente e de forma imedia-
civil constitucional. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n.
ta; MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais: eficácia das ga-
34, p. 35, abr./jun. 2000.
rantias constitucionais nas relações privadas. Análise da jurisprudência
da Corte Constitucional Alemã. Cadernos de DireÍlo Constitucional e 381 Id., loco cito
Ciência Política, n. 27, São Paulo, 1999, em detalhado artigo sobre a 382 DALLARI, Sueli Gandolfi. Os Estados brasileiros e o direito à
interpretação na jurisprudência alemã; e também de SARLET, lngo saúde. São Paulo, Hucitec, 1995. p. 19.

236 237
humana. Aduz que ainda na Constituição da Organização cial, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
Mundial para a Saúde, tal direito é fundamental a todo ser desamparados, na forma desta Constituição.
humano, já antevendo a sua consideração nesta órbita. 383 Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Esta-
Entretanto, a sua positivação nas Constituições se dá de do, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
forma correspondente à evolução dos direitos sociais, sen- visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
do acatado na Constituição da Itália, de 1947, art. 32 384 , de acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
Portugal, de 1976, art. 64 385 , e Espanha, de 1978, art. promoção, proteção e recuperação.
43. 386 ,387 De tais conceitos expostos na CF /88, no que se refere
ao direito à saúde, percebem-se dois pontos principais e de
Nas Constituições brasileiras só há referência explícita suma importância para sua aplicação para a reparação do
na CF/88, antes disso somente havia sua consideração de dano causado à pessoa: (i) que o núcleo do conceito jurídi-
forma incompleta, como, por exemplo, tendo em vista sim- co de saúde é a "ausência manifesta de doença", e (ii) que
plesmente o direito de assistência. 388 é de aplicação imediata, não sendo lícito a ninguém alegar
Já na CF/88 há sua expressa previsão nos artigos 6° e a ausência de norma regulamentadora para sua aplicação. 39o
196, e como um direito sociaP89: De suma importância estes pontos, porque (i) constitui
Art. 6° - São direitos sociais a educação, a saúde, o ofensa ao direito à saúde qualquer alteração da integridade
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência so- física, e (ii) há possibilidade de aplicação imediata entre
particulares do direito à saúde, de forma independente de
qualquer regulamentação desse direito constitucionalmen-
383 Id., loe. cit. te previsto com esse fim. 391
384 Art. 32 - "A República defende a saúde como direito fundamen-
taI do indivíduo e interesse da coletividade e assegura tratamento gra-
tuito aos indigentes. Ninguém pode ser obrigado a um determinado 390 Id. Ibid., p. 30-31.
tratamento sanitário senão por lei. A lei não pode, em caso algum, violar 391 DALLARI, Sueli Gandolfi. op. cit., p. 30-31. Ainda sobre a aplica-
os limites impostos pelo respeito da pessoa humana". Em MIRANDA, ção do direito à saúde, v., pp. 300-303, SARLET, Ingo Wolfgang. A
Jorge. Constituições de diversos países. 3. ed. Lisboa: Imprensa Nacio- eficácia dos direitos fundamentais. 2 a Ed., Porto Alegre: Livraria do
nal, Casa da Moeda, 1986. v. 2, p. 49. SILVA, José Afonso da. Curso de Advogado, 2001, preciso estudo sobre a aplicação do direito à saúde na
direito constitucional positivo, cit., p. 312, lembrando que a Constitui- CF /88, acentuando que há nítida relação entre direitos à saúde, o direi-
ção italiana de 1947 foi a primeira a proteger, em nível constitucional, to à vida e dignidade humana; há detidos estudos sobre o direito à saúde
o direito à saúde. no direito brasileiro, pelo que podemos lembrar ainda, GOUVEIA,
385 Art. 64 - "Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de
Roberto, Saúde pública, suprema lei: a nova legislação para a conquista
defender e promover". da saúde, São Paulo: Mandacaru, 2000; realizando análise da proteção
da saúde no CDC, v., MARANHÃO, Clayton, Tutela jurisdicional do
386 Art. 43 - "É reconhecido o direito à proteção da saúde". Em
direito à saúde, São Paulo: RT, 2003; SCHWARTZ, Germano (org.),
MIRANDA, Jorge. Constituições de diversos países, cit., v. 1, p. 294. A saúde sob os cuidados do direito. Passo Fundo: UPF, 2003;
387 DALLARI, Sueli Gandolfi. op. cit., p. 23. SCHWARTZ, Germano, O tratamento jurídico do risco no direito à
388 Id. Ibid., p. 23-24. saúde, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004; RAEFFRAY, Ana
389 Id. Ibid., p. 33. Paula Oriola de. Direito da saúde: de acordo com a Constituição Fede-

238 239
5.3. Do direito fundamental à saúde e sua aplicação entre No direito brasileiro foi somente com a CF /88 que o
particulares: da cumulação dos danos moral e estético com direito à saúde foi alçado à condição de direito fundamen-
fundamento no direito à saúde tal, retirado da interpretação dos artigos 6° e 196. 394
Na medida em que os direitos fundamentais ganham Outrossim, o grande passo na teoria da reparação do
maior amplitude, alcançando outras situações que não às dano à integridade física com fundamento no direito à saú-
originariamente vistas como garantias e liberdades indivi- de , foi , como salientam Canotilho e Vital Moreira, da cons-
duais, chegando aos direitos econômicos, culturais e so- tatação que o direito à saúde comporta duas vertentes: (i)
ciais, tem-se a proteção de novos direitos (novas .posições negativa: tendo em vista o Estado e terceiros, particulares,
jurídicas, nos termos de Jorge Miranda), refletindo até a para que se abstenham de atos prejudiciais à saúde, e (ii)
evolução do Estado, como sobredito (do Estado liberal ao positiva: tendo em vista exigir do Estado políticas públicas
Estado social). 392 para prevenção e tratamento médico. 395
Nesse sentido, dentre os direitos sociais, temos os di-
reitos sociais relativos à seguridade, onde se situa o direito
à saúde, como nos lembra José Afonso da Silva, sendo que TABELA DE QUALIFICAÇÃO DAS CARACTERíSTICAS DO DIREITO À SAÚDE
pode ser definido como o direito sejam a prestações de
direito público com vistas à garantia da saúde corporal, seja Característica Qualífícélfão
à proteção da integridade psicofísico da pessoa humana negativa Dever de respeitar a saúde de todos (dever de todos de
contra ingerência de particulares. 393 não ofender a integridade física de outrem)
positiva Direito de todos de pleitear do Estado políticas públicas
de saúde (tratamentos)
ral, São Paulo: Quartier Latin, 2005; note-se que a doutrina de aciden-
tes e doenças do trabalho trabalha com o conceito de ofensa a direito à
saúde do trabalhador de forma nitidamente a proteger a sua integridade
física, justamente como requer uma teoria de reparação do dano estéti- Assim sendo, como salientam os nobres constituciona-
co (dano à integridade física) com fundamento no direito fundamental listas lusos, não só em relações de direito público se enseja
à saúde, previsto em nossa CF/88; assim, na doutrina atinente à saúde
a aplicação do direito à saúde, mas também entre particu-
do trabalhador, podemos lembrar, ainda, PEREIRA, Alexandre Deme-
trius, Tratado de segurança e saúde ocupacional, Vols. I e lI, São Paulo:
LTr, 2005; MELO, Raimundo Simão de, Direito ambiental do trabalho
394 Id. Ibid., p. 311-313. Ainda sobre o direito à saúde na CF/88, v.,
e a saúde do trabalhador, São Paulo: LTr, 2004; ZOCCHIO, Álvaro.
TOJAL, Sebastião Botto de Barros. Constituição dirigente de 1988 e o
Segurança e saúde no trabalho. São Paulo: LTr, 2001; OLIVEIRA, Se-
direito à saúde. In: MORAES, Alexandre (Coord.). Os 10 anos da
bastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 3" Ed.,
Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999. p. 33-45; e MORAES,
São Paulo: LTr, 2001; GONÇALVES, Edwar Abreu. Manual de segu-
José Luis Bolzan de. O direito à saúde. In: SCHWARTZ, Germano
rança e saúde no trabalho. São Paulo: LTr, 2000.
(Org.). A saúde sob os cuidados do direito. Passo Fundo: UPF, 2003. p.
392 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, cit., p. 12 ss. 11-25.
393 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 395 Apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional posi-
cit., p. 288-290 e 310-313. tivo, cit., p. 312.

240 241
lares, nos termos sobreditos de aplicação dos direitos fun- do ofensor de reparar o dano causado contra a saúde de
damentais entre particulares, com vistas à proteção da in- pessoa humana, contra a sua integridade física. Essa contri-
tegridade física da pessoa humana. 396 buição do direito italiano é decisiva no sentido de se enten-
Nesse sentido, mister lembrar da colaboração da juris- der o direito à saúde como norma apta a proteger a integri-
prudência italiana no desenvolvimento da matéria (da apli- dade física da pessoa humana. 399
cação do direito à saúde entre particulares). 397 E mais, com vistas ao integral cumprimento do direito
Assim, de forma sucinta, os tribunais italianos, funda- fundamental à saúde, entre particulares, entendeu-se que a
mentando-se em uma interpretação de caráter normativo reparação por dano à saúde (também chamado de dano bio-
(e não meramente programático) ao direito à saúde, previs- lógico ou dano corporal), seria de cunho autônomo da repa-
to na Constituição italiana em seu art. 32, interpretaram tal ração por dano moral; enquanto essa é eminentemente de
dispositivo em conjunto com o art. 2.043 de seu Código cunho subjetivo, dependendo ou não das repercussões psico-
Civil (que é a cláusula geral de responsabilidade civil do lógicas no ofendido, o dano à saúde, não, é de cunho objetivo,
sistema italiano, aos moldes do nosso artigo 159 do CC/16, mediante a simples aferição de repercussões de transforma-
atual 927 do CC/02), de forma a concluir pela possibilida- ção na higidez da integridade física do ofendido. 40o
de de reparabilidade dos danos extrapatrimoniais, com vis- Conforme Cuido Alpa, os primeiros pronunciamentos
tas à superação do exposto no artigo 2.059 do Código Civil da jurisprudência italiana já salientavam que o direito à
italiano, que determina a reparação extrapatrimonial ape- saúde, previsto na Constituição (na italiana, art. 32, na bra-
nas nos casos previstos em lei. 398 Percebe-se claramente, sileira, arts. 6° e 196), não se presta somente ao interesse
que, tendo em vista o direito à saúde ter a proteção da da coletividade, mas também como direito fundamental da
integridade física sob sua esfera de atuação, serve o direito pessoa humana, configurando-se como um direito primário
à saúde como norma a ensejar o dever de todos respeitarem e absoluto, plenamente aplicável nas relações entre parti-
a integridade física de outrem, sendo, ainda, norma jurídica culares, direito esse que, no caso de sua violação, traz como
de reparação para o caso de ofensa à integridade física; a conseqüência a obrigação de reparar o dano causado. 401
resposta é exercício lógico imediato: e de que forma esse Juan María Bilbao Ubillos também aduz a interpretação
direito à saúde pode ser aplicado entre particulares em
da Constituição da Espanha por sua mais alta Corte no senti-
caso de ofensa à integridade física? Ora, ordenando o dever
do da aplicação dos direitos fundamentais à vida e à integri-
dade física e moral entre particulares, principalmente, com
396 Nesse sentido, V., LORENZETTI, Ricardo Luis. op. cit., p. 472 55.
397 CARLUCCI, Aída Kemelmajer de. op. cit., p. 6955.; GIANNINI,
Gennaro; POGLIANI, Mario. op. cit., p. 13755.; e CASTRONOVO, 399 Ainda sobre e55e exercício de interpretação no direito italiano, V.,

Carlo. Danno biologico, cit., p. 268 S5. PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile, cit., p. 649-651 e
ALPA, Guido. op~ cit., p. 40 e 55.
398 SECCHI, Er5ilio. op. cit., p. 2955.; CARLUCCI, Aída Kemelma-
400 Ne55e 5entido, v., POGLIANI, Mário. op. cit., p. 27-28, e CAS-
jer de. op. cit., p. 6955.; GIANNINI, Gennaro; POGLIANI, Mario. op.
cit., p. 137 5S., e CASTRONOVO, Carlo. Danno biologico, cit., p. 268 TRONOVO, Carlo. Danno biologico, cit., p. 268 S5.
55. 401 ALPA, Guido. op. cit., p. 40.

242 243
vistas a que "no se dane o perjudique la salud personal queda ção objetiva da vida 405 , pelo que com a CF/88, art. 5°, incs.
comprendido en el derecho a la integridad personal" .402 V e X, concluiu-se definitivamente pela proteção e repara-
No direito brasileiro, tal raciocínio pode ser utilizado, ção do dano moral. 406
no objetivo de buscar maior desenvolvimento da matéria, 4. Há normas expressas que garantem a proteção do
tendo em vista o até aqui explanado sobre o tema, dando direito à saúde, direito à integridade psicofísico, em nossa
subsídios para a cumulação dos danos moral e estético. CF /88 (arts. 6° e 196: direito fundamental à saúde e direito
Nesse sentido, a cumulação é conclusão do seguinte fundamental de reparação do dano à saúde ou estético), que
raciocínio: permitem uma interpretação de sua aplicação entre parti-
1. Neste trabalho já se apresentaram considerações so- culares e de reparação de forma autônoma e cumulável de
bre as diferenças do a) dano moral e do b) dano estético dano diverso do moral, que é o estético, protegendo a pes-
[principalmente e respectivamente, naturezas a) subjetiva soa humana das ofensas à sua integridade.
e b) objetiva, a) dano mediante prova ou presunção e b) A conclusão pela reparação autônoma do dano estético,
dano in re ipsa, a) dano-conseqüência e b) dano-evento L o com fundamento no direito fundamental à saúde, é aplica-
que, por si só, já basta para a fundamentação da cumulação, ção direta do raciocínio acima exposto.
uma vez que é princípio pacificamente considerado em Negar aplicação do direito à saúde entre particulares é
nosso ordenamento que devem ser reparados todos os da- negar o seu caráter negativo, acima referido, de aplicação
nos causados. 403
2. É sabido que a reparação civil necessita de norma a
ensejar o dever de reparar do ofensor404 ; assim, que antes 405 CASILO, João. op. cit., p. 19 55.; e SZANIAWSKI, Elimar. op.
da CF/88 a jurisprudência até entendia majoritariamente cit., p. 1555.
pela existência do dano moral, mas não de sua reparação 406 BITTAR, Carlos Alberto, Responsabilidade civil: teoria e prática,
plena, diante da ausência de norma positiva expressa que cit., p. 85; SEVERO, Sérgio. op. cit., p. 90 55.; Entretanto, sempre
mister ressaltar que tal norma veio na esteira do entendimento doutri-
assim o amparasse, como acima lembrado.
nário e jurisprudencial que promanava pela reparação do dano moral, já
3. Porque nosso direito deu um exemplo de que a à luz do Código Civil, notadamente nos artigos 76, 159 e 1.553, que se
Constituição recebe os influxos da sociedade, vez que cla- referem a, apenas, dano, sem excluir os extrapatrimoniais. Nesse senti-
mava pela reparação do dano moral, positivando uma rela- do, v., GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil, cit., p. 261;
PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 53 e 55., este sendo claro ao
dizer que "incorporado que está o princípio da reparação por dano
moral, como princípio geral, em nosso direito positivo"; ALVIM, Agos-
402 BILBAO UBILLOS, Juan María. op. cit., p. 782-786, principal- tinho. op. cit., p. 24255., dizendo que "quase ninguém sustenta hoje a
mente, trecho transcrito em p. 784, citando decisão do Tribunal Cons- irreparabilidade dos danos morais", sendo que, lembramos, esta lição
titucional n. 35 de 11 de março de 1996. data de 1955; BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos mo-
403 Veja-se que há corrente na jurisprudência brasileira que entende rais, cit., p. 70 55., onde, depois de demonstrar toda a evolução da
pela cumulação tão-somente com esse fundamento - que chamamos teoria da plena reparabilidade dos danos, com fundamento até nos en-
de cumulação conceitual -. V., ponto no Capo 6 sobre essa orientação. sinamentos de CLÓVIS, deixa assente que "em nosso sistema, tollitur
404 Nesse sentido, PADILLA, René A. op. cit., p. 89 ss. e 201 ss. quaestio: danos morais são perfeitamente reparáveis".

244 245
não só mediante prestações públicas de tratamento médi-
co, mas também de proteção a ofensas à integridade psico-
físico de particulares. 407
Mais, negar aplicação dos direitos fundamentais entre
particulares (i.e., negando a aplicação do direito fundamen-
tal à saúde protegendo a integridade física, apto a gerar
direito fundamental à reparação do dano à saúde ou estéti-
co, arts. 6° e 196, CF/88) é inaceitável nO atual estágio do
direito, bem como porque se trataria de negar o que a nossa
jurisprudência já realiza com fundamento no art. 5°, ines. V
e X, CF/88, ao conceder todos os dias reparação por dano
moral; que é justamente aplicação do direito fundamental
à reparação por dano moral entre particulares; seria negar
a reparação por dano moral no direito brasileiro. 408 , 409

407 S ILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo,


cit., p. 312.
408 Nesse sentido, a título exemplar, no STF, RExt. nO 192.593/ SP,
ReI. Min. Ilmar Galvão, j. 11.05.1999, 10 T.: "Constitucional. Dano
moral. Indenização cumulada com o dano material. Artigo 5°, inciso V
e X, da Constituição Federal. A nova Carta da República conferiu ao
dano moral status constitucional ao assegurar, nos dispositivos sob refe-
rência, a sua indenização quando decorrente de agravo à honra e à
imagem ou de violação à intimidade e à vida privada. A indenização por
dano moral é admitida de maneira acumulada com o dano material,
uma vez que têm pressupostos próprios, passando pelo arbítrio judicial
tanto na sua aferição quanto na sua quantificação. De outra parte, se o
acórdão recorrido teve por comprovada a lesão de ordem moral, que
envolve conceito inerente ao sentimento, entendendo reclamar ela in-
denização cumulável com a decorrente de dano material, esse aspecto a agentes tóxicos - Doença que se tornou irreversível - Reparação
não cabe ser analisado na instância extraordinária, tendo em vista que por dano moral e patrimonial devida pelo empregador", do TJSP, RT
seria necessário adentrar-se no exame de parâmetros da razoabilidade, 719/118. Apesar de utilizado o direito à saúde para fins de concessão
por via da aferição de fato, insuscetível de ser feita na via do recurso da reparação, não foi aplicado com vistas à reparação e tutela do dano à
extraordinário. Recurso não conhecido". integridade física, nos termos propostos por uma teoria constitucional
409 Veja que a nossa jurisprudência já trabalha com o conceito de da reparação dos danos causados à pessoa humana; para esse passo,
direito à saúde para fins de concessão de reparação de dano: "Respon- basta a análise detida das circunstâncias de cada caso, haja vista que os
sabilidade Civil - Indenização - Obreiro exposto permanentemente instrumentos da Constituição já nos forneceu.

246 247
CAPÍTULO 6

DA CUMULAÇÃO DOS DANOS


MORAL E ESTÉTICO

6.1. Reparação civil dos danos morais e estéticos no direito


estrangeiro

No que se refere à reparação autônoma dos danos esté-


ticos e morais, destacam-se os sistemas de reparação da
Argentina e, notadamente, da Itália.
No direito argentino, a doutrina não vê a possibilidade
de pleito independente desses danos como plenamente ad-
mitida.
Assim, Jorge Alsina Bustamante é claro no sentido de
que não se pode falar de dano estético como tertius genus,
pelo que o dano estético é ora dano patrimonial indireto,
ora é dano moral, mas nunca um dano autônomo e cumulá-
vel. ~IO Mesmo que considerado o dano estético como um
dano a um bem extrapatrimonial - beleza, integridade fí-
sica - , o dano estético consistiria apenas nas repercussões
espirituais ou econômicas da vítima, de forma que o dano

410 BUSTAMANTE ALSINA, Jorge. Teoria general de la responsabi-


lidad civil. 9. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997. p. 677.

249
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Eneas de Oliveira Matos


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Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de

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•. São Paulo; Master in Law and Economics pela Universidade de
Hamburgo, Alemanha; Doutor em Direito Civil pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo

1:
\

DANO MORAL E DANO ESTÉTICO

1
1 RENOVAR
Rio de Janeiro•• São Paulo • Recife
2008

1
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Conselho Editorial:
Arnaldo Lopes SUssekind - Presidente
Carlos Alberto Menezes Direito
Caio Tácito (in memoriam)
Luiz EmygdioF. da Rosa Jr.
,,
1
1
Celso de Albuquerque Mello (in memoriam) 1 O presente livro teve como base o texto de tese de
Ricardo Lobo Torres doutoramento apresentada, e aprovada em banca, compos­
Ricardo Pereira Lira
ta pelos Profs. Fábio Maria De-Mattia (USP), Teresa An­
Revisão Tipográfica: Fernando Guedes
cona Lopez (USP), Gilberto Bercovici (USP), Hélio Bor­
Capa: Raphae] Stocker ghi (UNESP) e André Ramos Tavares (PUC-SP), perante
Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. o Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo - USP em março de 2005.
NÇ Õ835 A tese, assim como o trabalho revisto e atualizado que aqui
se apresenta, foi eminentemente uma tese de Direito Civil
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Constitucional, sobre Responsabilidade Civil, princi­
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ,
palmente no que se refere aos danos causados à pessoa
Matos, Eneas de Oliveira humana.
M224d Dano moral e dano estético/ Eneas de Oliveira Matos. - Rio O trabalho que levou à tese e sua aprovação dedico aos
de Janeiro: Renovar, 2008,
382p. ; 21cm. meus pais, Antonio de Oliveira Matos e Hilda Damasio
Inclui bibliografia. Matos, e aos professores com quem aprendi direito civil no
ISBN 978857147-664-6 Largo de São Francisco, meu orientador Prof. Titular Fábio
1. Direito civil - Brasil. I.Título. Maria De-Mattia, que agradeço o apoio à pesquisa desde a
CDD 346.81052 graduação, ao Prof. Titular Antonio Junqueira de Azevedo,
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98)
que me apresentou ao estudo da interpretação do Direito
Impresso no Brasil Civil conforme a Constituição no curso de pós-graduação
Printed in Brazil
sn=coo 86.J �j
•.
., CAPÍTULO 6

DA CUMULAÇÃO DOS DANOS


MORAL E ESTÉTICO

6.1. Reparação civil dos danos morais e estéticos no direito


estrangeiro

No que se refere à reparação autônoma dos danos esté­


ticos e morais, destacam-se os sistemas de reparação da
Argentina e, notadamente, da Itália.
No direito argentino, a doutrina não vê a possibilidade
de pleito independente desses danos como plenamente ad­
mitida.
Assim, Jorge Alsina Bustamante é claro no sentido de
que não se pode falar de dano estético como tertius genus,
pelo que o dano estético é ora dano patrimonial indireto,
ora é dano moral, mas nunca um dano autônomo e cumulá­
veJ.410 Mesmo que considerado o dano estético como um
dano a um bem extrapatrimonial - beleza, integridade fí­
sica-, o dano estético consistiria apenas nas repercussões
espirituais ou econômicas da vítima, de forma que o dano

410 BUSTAMANTE ALSINA, Jorge. Teoria general de la responsabi•


l. lidad civil. 9. ed. Buenos Aires: Abeledo•Perrot, 1997. p. 677.

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.-
estético se revestiria, na sua faceta de dano patrimonial, nos patrimoniais podem ser vistos, basicamente, como o
como gastos médicos (danos emergentes), como diminui­ fator da incapacidade laborativa (lucro cessante), bem
ção na capacidade de trabalho (lucros cessantes), ou como como todos os demais gastos advindos do evento danoso
perdas de chances para o avanço na atividade profissional, (danos emergentes).416 Já os danos extrapatrimoniais po­
enquanto a vertente extrapatrimonial do dano estético se dem ser divididos em (i) dano moral, (ii) dano psíquico e
daria, principalmente, como dano à vida de relação, co11sti­ (iii) dano físico-estético.417 Fundamenta-se, portanto, para
tuindo dano moral, e sendo reparado desta forma. 111 Por­ a reparação cumulável, no fato da autonomia dos danos
tanto, para Jorge Bustamante Alsina, os danos ou são patri­ estético e moral, e, quanto ao dano psíquico, seria indeni­
moniais ou morais, e assim o dano estético seria um desses, zável somente a "reparação psicológica", que seriam os gas­
negando, portanto, autonomia, ao mesmo.4 1 2 tos e trabal_ho terapêutico para a tentativa de reabilitação
Também na doutrina argentina, no mesmo sentido é da v1't·1ma. 418 Ghers1· e' no senti"do d e que a autonomia do
Eduardo Zannoni entendendo não ser cabível autonomia dano estético estaria não só no bem extrapatrimonial atin­
do dano estético em relação aos danos moral e material. gido, que é a integridade física, mas também em sua cono­
Sustenta que apesar de realmente o dano estético ser uma tação única de ser tanto material como imaterial.419 Deve­
ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial - a integridade se atentar para o fato de que Ghersi defende não só a auto­
física, ele é, em verdade, dano patrimonial indireto, e, nomia do dano estético, em relação ao dano moral, mas
quando reparável como extrapatrimonial, constitui dano também a autonomia do dano à sexualidade e reprodução,
moral. Zannoni levanta que a jurisprudência mais recente em relação também ao dano moral. 420 Por fim, repita-se, o
na Argentina vem concedendo a cumulação, mas, mesmo
assim, sustenta que a lesão estética acaba por gerar apenas 416 Id. lbid., p. 30.
direito de reparação dos danos patrimonial e moral.413 417 ld. lbid., p. 30 e ss.
Como ressaltado por Zannoni, Carlos Ghersi é claro ao 418 !d. lbid., p. 33. Percebe-se que seria, então, o dano psíquico ape­
trazer que a jurisprudência já se inclina pela possibilidade nas reparável enquanto dano material, na hipótese típica de gastos com
tratamento médico. Entretanto, salienta que há jurisprudência que en­
de reparação autônoma dos danos moral e estético:114 Para
tende pela possibilidade de reparação autônoma do dano psíquico, dei­
tanto, Ghersi divide os danos em (i) econômicos (patrimo­ xando assente que, mesmo nesses arestas que conferem reparação au­
nial) e (ii) extra-econômicos (extrapatrimoniais).415 Os da- tônoma ao dano psíquico, seria cabível apenas para a "reparação psico­
lógica", o que, portanto, torna muito discutível a questão de sua auto­
nomia.
411 !d. lbid., p. 678-679. 419 !d. lbid., p. 35.
412 !d. lbid., p. 680. 420 ld. lbid., p. 167. Discordamos dessa posição. O dano à sexualidade
-113 ZANNONI, Eduardo A. E! da,io e11 la respo11sabilidad civil. 2. cd. e reprodução é dano, assim como o estético, de natureza híbrida ora
Buenos Aires: Astrea, 1993. p. 156-164. implica na concessão de reparação material, com tratamento médico e
Mónica. gastos efetuados, ora na concessão de dano moral, pela ofensa e desres­
41•1 GHERS!, Carlos Alberto; ROSSELLO, Gabriela; HISE,
p. 168-16 9. peito à integridade moral da vítima, podendo ser até considerado como
op. cit.,
dano estético, se advindo de uma manifestação por ofensa à integridade
415 !d. lbid., p. 29.
251
250
, :

jurista argentino é claro ao acentuar que há forte jurispru­


dência no sentido da autonomia e cumulação dos danos
moral e estético, como danos independentes•extrapatrimo­
niais, ao lado da possibilidade de reparação também dos
danos patrimoniais causados no mesmo evento.421
Já no que se refere ao direito italiano, há forte doutrina
pela reparação autônoma do dano estético.
r
l'
mos o direito de reparação dos danos causados à pessoa
humana.

6.2. Da cumulação no direito positivo brasileiro

A jurisprudência brasileira atual vem buscando o supor­


A maior parte da doutrina se fundamenta em corrente te no direito positivo infraconstitucional para cumulação
jurisprudencial que interpreta o direito à saúde, previsto na no par. 1 °, art. 1.538, CC/16, cw se falar em "aleijão ou
Constituição italiana em seu artigo 32, junto ao artigo deformidade", onde a indenizaçc1o será duplicada (tal plus
2.043 de seu Código Civil, que é a cláusula geral de repara­ seria o dano estético} 423 , (ii) no art. 21, do Decreto nº
ção do dano do direito italiano, com a previsão de reparabi­ 2.681/12, que prevê "uma indenizaçc1o especial", quando o
lidade dos danos extrapatrimoniais apenas nos casos previs­ dano resultar em defonnidade, e (iii) meramente realizando
tos em lei, exposta no artigo 2.059 do mesmo Código Civil uma interpretaçc1o pela reparaçc1o autônoma com funda­
italiano, com vistas à possibilidade de reparação autônoma mento, assim definida por nós, conceitua/. 424
do dano estético. 422
Como se pode concluir, tanto no direito argentino •123 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e
como no italiano, os dois sistemas encontram diferentes contratos. 13. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998. p. 567,
posicionamentos para a justificação da reparação autônoma não é claro pela cumulação, mas entende que a duplicação seria "uma
e também muito diferentes das encontradas no direito bra­ indenização específica para o dano estético".
sileiro. 424 Notar que o artigo 159, do CC/16, não é alvo de fundamento na
jurisprudência para tal cumulação, o que é correto, já que tal dispositi..
Assim, a autonomia dos danos estéticos e morais se en­ vo é uma cláusula geral de reparação por danos, no direito brasileiro,
contra não só em uma interpretação do direito à saúde, que serviria para a reparação de dano, como gênero, assim de qualquer
como norma a tutelar o bem jurídico integridade física, dano, não se considerando a especificidade de cada um. Tanto assim
mas também na aplicação do princípio da dignidade huma­ que a melhor doutrina sempre entendeu que tal dispositivo é elemento
na e dos direitos fundamentais entre particulares, onde te- a concluir pela reparação do dano moral, mesmo antes da Carta de
1988, por não limitar a reparação ao dano material, e sim permitir a
reparação de qualquer um. Nesse sentido, pela reparação do dano mo­
ral antes de l 988, com fundamento em dispositivos do Código Civil, v.,
física, o que deve se aferido através de perícia médica, mas nunca como GOMES, Orlando. Novos temas de direito civil, cit., p. 261; PEREIRA,
dano autônomo, conferindo-se uma reparação apartada a título de Caio Mário da Silva. op. cit., p. 53 ss.; ALVIM, Agostinho. op. cit., p.
"dano à sexualidade e reprodução". 242 ss.; BlTTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais,
421 !d. lbid., p. 168-169 e p. 176. cit., p. 70 e ss., e seu Responsabilidade civil: teoria e prática, cit., p. 82;
422 Sobre a experiência da reparação autônoma dos danos moral e CASILO, João. op. cit., p. 163 ss.; CAHALI, Yussef Said. op. cit., p.
estético no direito italiano, para se evitar maiores repetições, v. Capí­ 61-62. Na Jurisprudência, a título exemplar, os seguintes arestas do
tulo 5, principalmente nos pontos dedicados ao direito à sa(1de. STJ, no sentido da reparação do dano moral, com fundamento no artigo

252 253
Entretanto, a doutrina indica pela cumulação com fun­ (v) cumulação constitucional com fundamento no di­
damento na Constituição de 1988 e hoje é inquestionável a reito à imagem: posição que defende a cumulação com
possibilidade da cumulação com amparo no•.novo Código fundamento no artigo 5°, inciso V, da CF/88, vez que
Civil. esse dispositivo prevê a reparação do "dano material,
Diante disso, da análise da doutrina e da jurisprudên­ moral e à imagem", entendendo-se em "à imagem" nes­
cia, então, as correntes possíveis para a sustentação do d.ano se inciso como reparação autônoma do dano estético; 425
estético no direito brasileiro podem assim ser classificadas: e
(i)cumulação no contrato de transporte: com fundamen­ ( vi) cumulação constitucional com fundamento no di­
to no Decreto nº 2.681/12, artigo 21, que tratava do reito à saúde: posição que defende a cumulação dos
transporte ferroviário; danos morais (art. 5°, incs. V e X, da CF/88) e estéticos
diante de suas naturezas distintas e, principalmente, da
(ii) cumulação no CC/16: com fundamento no Código possibilidade de aplicação dos arts 6° e 196 da CF/88,
Civil de 1916, artigo 1.538, parágrafo l º; para que o direito à saúde sirva de amparo à proteção da
saúde do ser humano, de sua integridade física; 426
(iii) cumulação no CC/02: com fundamento no Código
Civil de 2002, artigos 949 e 950 (para a reparação dos 6.2.l. Decreto Legislativo nº 2.681 de 1912
danos materiais, como gastos e pensão por incapacida­
de laborativa), 186 e 927 (para o dano moral) e 949 A primeira corrente jurisprudencial busca fundamentar
(para o dano estético, indenizado no termo "algum ou­ a cumulação no art. 21, do Decreto n º 2.681, de 1912, o
tro prejuízo"); antigo "Decreto dos Caminhos de Ferro".
Esse dispositivo possui a seguinte dicção: "Art. 21. No
(iv) cumulação conceituai: realizada na jurisprudência caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza
brasileira com fundamento com as seguintes premissas: da mesma e de outras circunstâncias, especialmente a inva­
(a) que são reparáveis os danos extrapatrimoniais no lidade para o trabalho ou profissão habitual, além das des-
direito brasileiro, na medida em que os textos do Códi­
go Civil e da Constituição prevêem a reparação do gê­
nero "dano" e não excluem sua espécie "dano estético" 425 Essa é posição defendida por Teresa Ancona Lopez, ob. cit., 2ª ed.,
pp. 125-127.
e (b) que danos morais e estéticos possuem natureza
distinta, cabendo, assim, a reparação autônoma dos 426 Nesse trabalho, em item 4.3, há o elenco das diferenças entre dano
moral e dano estético, bem como das vantagens da adoção da cumula�
mesmos; ção com esse fundamento. Outrossim, note�se que no direito italiano,
há jurisprudência desde os anos 1970 pela aplicação do direito à saúde
(prevista no art. 32 da Constituição italiana) para a proteção da integri­
159, do CC/l 6/16, v., REsp. n º 146.398-RJ, rei. Min. Eduardo Ribei­ dade física do ser humano, sendo a reparação dos danos pessoais uma
ro, REsp. nº 220.234-SP, rei. Min. Barros Monteiro. das principais conseqüências dessa interpretação.
254 255
-r=­
l

pesas com o tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo qüência do acidente, a perda de um projeto de vida, a dimi­
juiz ser arbitrada uma indenização conveniente." nuição do âmbito das relações sociais, a limitação das po­
A expressão "indenização conveniente" para os casos de tencialidades do indivíduo, a 'perdre de jouissance de vie',
"lesão corpórea ou deformidade", seria, conforme essa cor­ tudo elevado a um grau superlativo quando o desastre se
rente, uma indenização autônoma de dano estético, aparta­ abate sobre a pessoa com a gravidade que a fotografia de fl.
da do dano moral. 13 revela. Essas perdas, todas indenizáveis, podem existir
O STJ, em aresto relatado pelo Ministro Ruy Rosado de sem o dano estético, sem a deformidade ou o aleijão, o que
Aguiar, secundado pelos Ministros Fontes de Alencar, Sál­ evidencia a necessidade de ser considerado esse dano como
vio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, ao examinar algo distinto daquele dano moral, que foi considerado pela
ação indenizatória decorrente de descumprimento de con­ sentença. E tanto não se confundem que o dano estético
trato de transporte, entendeu no sentido exposto, ou seja, pode determinar, em certas circunstâncias, indenização
que diante do disposto no artigo 2 l, do Decreto Legislativo pelo dano patrimonial, como acontece no caso de um mo­
nº 2.681, de 1912, há previsão legal para a concessão de delo.
verba de dano estético apartada da concedida por dano mo­
Tenho, pois, que a exclusão da indenizabilidade do
ral, oriundos do mesmo fato, nos seguintes termos: "Emen­
dano estético e da negativa de sua cumulatividade com o
ta: Responsabilidade Civil. Dano à pessoa. Dano estético.
dano moral, assim como referido no v. acórdão, causa ofen­
Dano moral. Cumulação. A amputação traumática das
sa ao disposto no artigo 21 do Dec. 2.681/12. Aliás, contra­
duas pernas causa dano estético que deve ser indenizado
cumulativamente com o dano moral, neste considerados os ria também o Enunciado XLI do mesmo eg, TJRJ: 'São
demais danos à pessoa, resultantes do mesmo Jato ilícito. Cumuláveis as indenizações por dano estético e dano mo­
Art. 21 do Dec. 2.681/1912. Recurso conhecido e provido ral, oriundas do mesmo fato' (João Casilo, Dano à Pessoa,
em parte. " 427 E no voto do relator, Min. Ruy Rosado de RT, 2ª ed., p. 67)."
Aguiar, temos as seguintes partes significativas: "Diante Assim sendo, essa corrente jurisprudencial, em suma,
dessa legislação, podemos estabelecer que o nosso ordena­ interpreta no art. 21, do Dec. 2.681/12, uma indenização
mento jurídico admite a indenização pelo dano moral, sendo específica para o dano estético, apartada da de dano moral,
que o dano estético dá causa a uma indenização especial, na haja vista o dispositivo prever que caberia uma indenização
Jonna do parágrafo primeiro do anigo 1.538 do Código especial no caso de lesão física, ou seja, de dano à integrida­
Civil, e do artigo 21, do Dec. 2.681/12, este especificamen­ de física, de dano estético.
te aplicável ao caso, que é de acidente ferroviário. Convém ressaltar que o novo Código Civil regula tam­
No âmbito dos danos à pessoa, comumente incluídos bém o contrato de transporte, nos arts. 730-756, e, em
no conceito de dano moral, estão a dor sofrida em canse- especial, dispõe nos arts. 734-742 sobre o transporte de
pessoas. Destaca-se que a responsabilidade do transporta­
427 Em REsp. n º 65.393-RJ, j. 30. 10.95. dor continua objetiva, como na égide do Dec. 2.681/12,

256 257
-F
i

6.2.2. Código Civil de 1916


vez que o art. 734, CC/02, diz que "O transportador res­
ponde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas A segunda corrente que defende a cumulação na juris­
bagagens, salvo motivo de força maior, sendoªnula qualquer prudência brasileira encontra fundamento no artigo 1.538
cláusula excludente da responsabilidade", excluindo dessa do antigo Código Civil.
responsabilidade objetiva apenas o transporte "feito gratui­ Com efeito, assim dispõe o art. 1.538, CC/16: "Art.
tamente, por amizade ou cortesia", conforme art. 736, 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o
CC/02, sendo essa, portanto, subjetiva428• Não há nos arts. ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento
730-756, CC/02, disposições expressas ou específicas so­ e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de
bre a reparação do dano causado na execução do contrato lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena
de transporte, como se dava no Dec. 2.681/12, o que se criminal correspondente. § 1° Esta soma será duplicada, se
justifica na ausência, em 1912, de disposições a esse respei­ do ferimento resultar aleijão ou deformidade. § 2 ° ( ... )"
to, como se deu apenas m 1916 com o Código Civil, razão A disposição do parágrafo primeiro - duplicação da
pela qual o Decreto dos Caminhos de Ferro possui artigos reparação no caso de aleijão ou deformidade - fundamen­
como o 21, supra analisado. Tal ausência no CC/02 sobre a taria a cumulação dos danos morais e estéticos. Aguiar Dias
liqüidação dos danos nessa órbita não é sinal de omissão ou é lembrado nesse momento, vez que considera, neste dis­
positivo legal, claramente a hipótese de dois tipos de danos
lacuna, portanto; apenas se quer remeter, nesse caso, a re­
diferentes: "Quanto ao § 1 º, entretanto, não acedemos às
paração às regras gerais dispostas para a liqüidação dos da­
objeções acima resumidas. Como bem disse o douto magis­
nos do próprio CC/02, por exemplo, insertas nos arts. 944
trado, é evidente que a soma ou importância a ser duplicada
e seguintes. nos casos indicados é a da indenização prevista no artigo,
A ausência de disposição semelhante ao art. 21, Dec. sem exclusão de qualquer de suas parcelas. E mais: conside­
2681/12, no CC/02 apenas reforça que a cumulação é per­ ramos que essa reparação é concedida em face do dano esté­
mitida, com a vigência do CC/02, somente na medida em tico, encarado no seu duplo caráter de dano patrimonial e
que se realiza a aplicação do direito fundamental à saúde dano moral. (.. .)"430
diretamente nas relações privadas, vez que também essa Como exemplo dessa corrente, v. aresto do 1 ° TAC­
disposição constitucional estará sem efeito com a vinda do SP: "Não há como negar a possibilidade de cumulação da
novo texto civil. 429 indenização por dano estético, desde que este se encontre
suficientemente caracterizado.
( ... ) A questão que se coloca, então, é apenas no sentido
428 Consagrou o CC/02 a tese da responsabilidade subjetiva quando de se poder ou não considerar deformidade a marcha clau­
transporte gratuito, conforme era de ditame na doutrina e jurisprudên­
cia. dicante.
429 Da primeira análise, s.m.j., dos arts. 730-756, CC/02, em tese,
percebe-se que a interpretação é de revogação do Dec. 2.681/12, vez 430 DIAS, José de Aguiar. op. cit., 10. ed. v. 2, p. 757-758.
que é tratada totalmente a matéria antes regulada pelo Decreto.
259
258
p-
: \
i \.

E a resposta há de ser afirmativa. respondente. No que atina à multa, esse preceito é inaplicá­
Assinala Maria Helena Diniz que vel, porque a lei penal deixou de cominar pena pecuniária
"O dano estético é toda alteração morfoJógica do indi­ para os delitos de lesão corporal, impondo somente a pena
víduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou privativa de liberdade (JB, 166:293).
deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que II - Dano estético. Se do ferimento causado advier
impliquem sob qualquer aspecto um afeamento da vítima, aleijão ou deformidade, a soma da indenização será dupli­
consistindo numa simples lesão desgostante ou num ·per­ cada, pois a lesão fará com que o ofendido cause impressão
manente motivo de exposição ao ridículo ou complexo de desagradável, configurando dano estético (RT, 177: 161,
inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capa­ 173:620, 94:910, 143:605, 208:212, 465:214, 196:136,
cidade laborativa ... Realmente, o Código Civil, no art. 485:62 e 513:266; RSJ, 79: 199; RF, 107:259). Se se alei­
1.538, parágrafos 1 ° e 2 °, ao utilizar termos 'aleijão e defor­ jar mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a inde­
mante', alargou o conceito de dano estético' (Curso de Di­ nização consistirá no pagamento de um dote, segundo as
reito Civil Brasileiro, ed. RT, 7° volume, p. 65). posses do ofensor, as circunstâncias da ofendida e a gravi­
O dano estético, em verdade, não pressupõe necessa­ dade do defeito. (RF, 90: 132; RT, 231:285, 474:92,
riamente mutilação, podendo caracterizar-se pela simples 224:251, 367:137 e 520:108), compensando-se, assim,
deformidade, dependendo da forma e intensidade de sua com dinheiro a deformidade que a enfeou, diminuindo-lhe a
exteriorização. " 431 capacidade de se casar. "432
Como se pode atestar, o primeiro empecilho que deno­ Percebe-se que nada se diz aqui sobre indenização autô­
ta essa corrente encontra-se no caráter duvidoso se se esta­ noma de dano estético; fala-se sobre o dano estético, mas
ria neste dispositivo do Código Civil prestando realmente não da presença nesse dispositivo da permissão para con­
cessão de reparações apartadas de dano moral e dano esté­
uma indenização especial para o dano estético. tico.
Maria Helena Diniz, em comentário ao artigo 1.538, do Entretanto, para a aplicação do art. 1.538, par. 1 º,
CC/16, assim se posiciona: "l - Indenização por lesão cor­ CC/16, dúvida pode pairar se é regra absoluta de cálculo
poral. Havendo lesão corporal, o ofensor deverá indenizar o para a verba de dano estético. Ou seja, se esse deve sempre
ofendido das despesas do tratamento médico e dos lucros corresponder ao dobro do valor estabelecido conforme a
cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a regra do caput do mesmo dispositivo. Há entendimento
importância da multa no grau médio da pena criminal cor- que o juiz está livre para tal arbitramento, mormente quan­
do não há base para a duplicação ordenada pelo parágrafo
431 Ap. 498.290/1, da Comarca de São Paulo, I' Câmara. No mesmo primeiro do art. 1.538, CC/16, como do valor do trata­
sentido, deste mesmo Tribunal de São Paulo, v., Ap. 597.451-2, da mento médico até o fim da convalescença. Tal entendi­
Comarca de Osasco, rei. Juiz Antonio Marson. No STJ também há mento é o correto, consoante a jurisprudência dominante,
arestas nesse sentido, v., acórdão em REsp. nº 65.393-RJ, j. 30.10.95,
rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, a seguir transcrito porque também
fundamenta a cumulação no art. 21, do Dec. 2.681/12. 432 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 984.

260 261
\
após a CF/88, ou seja, o juiz, no sistema brasileiro, está Nesse sentido, já se manifestou o STJ, por sua 4ª Tur­
livre para o arbitramento das verbas de dano extrapatrimo­ ma, em julgado relatado pelo Min. Aldir Passarinho Júnior:
nial. Nesse sentido, v. o seguinte julgado do�- 2 ° TAC-SP: "Civil e processual. Ação de indenização. Acidente de veí­
"Responsabilidade civil -Acidente do trabalho - Indeni­ culos. Perda de braço. Dano estético e moral. Cumulação.
zação - Direito comum - Dano estético - Aleijão - Possibilidade. Lucros cessantes. Dobra. Decisão extra peti­
Fixação em duzentos e cinqüenta salários mínimos - Incer­ ta não configurada. Incabimento quando já deferido o dano
teza dos valores futuros do tratamento -Admissibilidade estético. Bis in idem. CC/16, art. 1.538, § I º Aplicação
- Exegese do artigo 1.538, § 1° , do Código Civil. Indeni­ analógica inviável em relação ao dano moral. I. Possível a
zação prevista no artigo 1.538 § I O do Código Civil fixada cumulação dos danos estético e moral, ainda que decorren­
em duzentos e cinqüenta salários mínimos, diante da incer­ tes de um mesmo sinistro, se identificáveis as condições jus­
teza dos valores do tratamento, e do quase desaparecimento tificadoras de cada espécie. II. Compreende-se subsumido
do aleijão pelo uso de prótese adequada, integrante da inde­ no pedido de lucros cessantes a dobra prevista no art.
nização a cargo da ré. "433 1.538, parágrafo primeiro, do Código Civil, sendo dispen­
Assim sendo, mesmo se entendendo que o par. 1º, do sável a menção expressa à duplicação, inerente à postulação
art. 1.538, CC/16, impõe a reparação do dano estético, não e ao caso concreto descrito na exordial. Ill. Improcedentes,
há que se entender que tal regra de cálculo vincula o magis­ todavia, tanto a dobra quando também já deferido o ressar­
trado no momento de sua quantificação, vez que impera, cimento pelo dano estético, sob pena de configuração de bis
nesse sentido, o entendimento de que o juiz é livre para a in idem, como a extensão, por analogia, do acima citado
fixação das verbas de dano extrapatrimonial. dispositivo legal ao demo moral, eis que são taxativas as
Entretanto, se realizada a duplicação preconizada no hipóteses de incidência da dobra. IV. Recursos especiais co­
art. 1.538, CC/16, como há entendimento que tal seria por nhecidos e parcialmente providos. "434
previsão de verba extrapatrimonial, não há que se conceder Como se pode ver, o STJ não entendeu nesse acórdão
também a verba de dano estético. Portanto, a duplicação é se é possível elencar o art. 1.538, par. 1 º, CC/16, como
fator a indenizar não só os lucros cessantes, mas também os previsão de reparação do dano estético, quanto mais de
danos morais e estéticos, pelo que conferir, além da dupli­ forma específica ou autônoma do dano moral. Entretanto,
Tereza Ancona Lopez é de opinião contrária. A doutrinado­
cação, mais uma verba independente de dano estético, é
ra, em dedicado estudo dessa norma, conclui que o art.
conferir valor descabido e sem amparo jurídico para tanto.
1.538, par. 1 º, "tratava expressamente da indenização do
Temos que se trataria de típico caso de bis in idem. Estar­
dano estético" 43 5; deve-se concordar diante da redação do
se-ia conferindo duas indenizações pelo dano estético so­ texto, que tinha clara ratio legis de estabelecer "a efetiva
frido. reparação pelos danos morais advindos do aleijão ou da

433 Ap. e/ Rev. 522. 133, 12' Câm., Rei.Juiz Oliveira Prado, J. 4.2.99, 434 REsp. 248.869-PR, j. 14.11.2000, DJU 12.02.2001, p. 00122.
em JTA (LEX) 175/467. 435 LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 3. ed. p. 180.

262 263
\
\

deformidade"436, confonne bem ensina Tereza Ancona Lo­ menta para a responsabilidade civil. Novas hipóteses, no­
pez. vos danos, novas teorias, interpretações, a Constituição de
Portanto, o art. 1.538, do CC/16, por Jl!ais que se te­ 1988 criou terreno fértil para o avanço da matéria.
nha corrente jurisprudencial favorável a sua utilização para Com fundamento na Constituição também se buscou
fundamentar uma reparação independente do dano morai encontrar fundamento para a cumulação dos danos moral e
e do dano estético, vê-se que o artigo em análise padec;e de estético. Nesse sentido, merece destaque a posição pionei­
elementos de interpretação que indicariam caráter duvido­ ra da Professora Teresa Ancona Lopez, fundamentando a
so na sua aplicação na forma desejada. ( cumulação no disposto no inciso V, do artigo 5 °, da CF/88,
Outrossim, não necessita o juiz de dito dispositivo do entendendo que ao dispor que é permitida a reparação do
antigo Código para julgar no sentido da cumulação, princi­ dano material, moral e à imagem, esse conceito de imagem
palmente, se considerada a desejada duplicação das verbas da Carta Magna pode ser aplicado também ao caso de "ima­
por aplicação do mesmo (art. 1.538, par. 1 º, do CC/16), gem social", ou seja, a imagem pode ser interpretada como
como já decidiu o 1 ° TAC-SP: "Responsabilidade Civil - dano à vida de relação da pessoa ofendida - dano estético
Acidente de trânsito - Transporte coletivo de passageiros -, dando ensejo à cumulação dos danos: poder-se-ia ler,
- Lesões em passageira, consistentes em defornzaçães no então, na Constituição que são reparáveis e cumuláveis os
rosto - Indenização por dano moral e dano estético - Cu­ danos material, moral e estético em tal dispositivo, ao invés
mulação admissível - Direito, ainda, ao pagamento de fu­ da literalidade do texto que é danos material, moral e à
turas cirurgias reparadoras - Inaplicabilidade, porém, da imagem.
condenação em dobro do§ 1 °, do art. 1.538, do CC!l 6". 437 A seguinte passagem da Professora das Arcadas é signi­
ficativa para a elucidação de sua teoria: "Dessa fonna, a
base legal para a admissão da cumulação do dano moral e
6.2.3. Constituição da República de 1988 (direito à ima­ do dano estético é o art. 5°, V, da nossa Carta Magna, pois
gem) a referida nornza constitucional admite reparação de três
tipos de danos: o material, o moral e o dano à imagem.
A positivação em nosso ordenamento, em sede consti­ Como explicamos anteriormente (cap. 13), não se trata
tucional, do princípio da ampla reparação do dano morai, do direito à própria imagem no sentido estrito ( que proíbe
art. 5 °, mcs. V e X, da CF/88, não só para os casos citados reproduções não autorizadas das pessoas), mas da imagem
em lei, mas para todos que o prudente arbítrio do juiz assim com valor ético, que inclui o respeito e aceitação social.
entender por sua ocorrência438, causou enorme desenvolvi- Tem sempre como conteúdo a vida de relação. Jamais al­
gum Robinson Crusoé poderá se referir a essa imagem so­
436 !d., Ioc. cit. cial.
437 l º TAC-SP, RT730/252. Dessa forma, não é só possível, mas principalmente jus­
438 Nesse sentido, v., STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua inter­ ta, a cumulação do dano estético com o dano moral por
pretação jurisprudencial, cit., 1999, p. 672. t. serem dois tipos diferentes de danos morais à pessoa, ou
264 265
,• :-

seja, atingem bens jurídicos diferentes. O dano estético


(dano físico) é dano moral objetivo que ofende um dos direi­ to de todos de que seja respeitada a sua saúde contra qual­
_ _
tos da personalidade, o direito à integridaf.le física. Não quer ofensa perpetrada por qualquer pessoa, ou seia e a
precisa ser provado, é damnum in re ipsa. O 'sofrimento e a proteção da integridade psicofísico do ser humano.
dor integram esse tipo de dano. O dano moral é o dano à Essa interpretação do direito à saúde para proteçao da
imagem social, à nova dificuldade na vida de relação, o integridade física pode ser plenamente realizada no direito
complexo de inferioridade na convivência humana. brasileiro, diante da positivação do direito à saúde em nos­
Sem dúvida, há no dano estético a destruição da inte­ sa Carta nos artigos 6° e 196.
gridade do corpo, e com isso a modificação para pior da Devemos lembrar, por sua vez, que aplicar a Constitui­
antiga aparência física (imagem) da sua vítima. O sofrimen­ ção diretamente nas relações privadas para a solução de
to é duplo e por isso pede indenização dupla."439 problemas de responsabilidade civil não é novidade para o
Essa posição, como sobredito, pioneira, merece desta­ juiz brasileiro.
. . _
cada atenção, uma vez que (i) demonstra a insuficiência da O direito brasileiro, após 1988, com a pos1t1vaçao no
legislação ordinária para a questão da cumulação, e (ii) de­ artigo S º, incisos V e X, da CF/88, do direito à reparação do
monstra que a Constituição abre caminho possível para a dano moral, é exemplo também no direito comparado de
reparação autônoma dos danos moral e estéticos advindos aplicação direta de dispositivo constitucional para as reI�­
_
ções privadas (problemas de direito civil, de responsabili­
do mesmo evento.
dade civil). Ajurisprudência brasileira não titubeou no mo­
mento que foi chamada para aplicar o art. 5 °, incs. V e X,
6.2.4. Constituição de 1988 (direito à saúde) da CF/88, no sentido de se conceder reparação pelos danos
extrapatrimoniais sofridos (aplicação direta da CF/88 para
a solução de problema de responsabilidade civil). Anote�se
No direito comparado, destaca-se a utilização do art.
que a jurisprudência foi além da primeira leitu�a, e assim
32 da Constituição italiana, que prevê a proteção do direito
utilizou os dispositivos citados até para a reparaçao do dano
à saúde, para a reparação do dano contra a integridade fí­ moral por ofensa à honra objetiva da pessoa j�rídica.
sica. Da mesma forma que a jurisprudência aftrma a aplica­
Com efeito, tem razão essa utilização na medida em ção direta da Constituição para a reparação do dano m�r�I,
que o direito à saúde importa em duas destacadas funções: _
não há impedimento para se aplicar a mesma Const1tmçao
(i) face positiva do direito à saúde, que se reveste no sem­ para a reparação do dano estético.
pre lembrado direito a políticas públicas no sentido de se
Ou seja, se a jurisprudência do STJ é pací(ica no s�nt1-
prover serviços e assistência à saúde para todo cidadão, e _
(ii) face negativa do direito à saúde, que se reveste no direi- do da autonomia e cumulação dos danos morais e estet1cos,
a fundamentação legal para essa cumulação deve ser
_

Constituição de 1988, para o caso de dan� r.noral, nos 1�c1-
439 LOPEZ, Teresa Ancona. op. cit., 3. ed. p. 126-127. sos V e X, do artigo S º , e para o dano estet1co, nos artigos
6° e 196.
266
267
Outrossim, a fundamentação da cumulação no direito à e ainda, enquanto que nos termos do art. 5°, incs. V e X, há
saúde é muito mais clara que a busca dessa fundamentação a proteção clara para a reparação moral, é no Código Civil
em outros dispositivos da Constituição, porque, por exem­ que tem a proteção do dano ao patrimônio, pelo que, per­
plo, no direito à imagem, protege-se a figura física do ser cebe-se claramente que são duas relações distintas, com
humano (parte do ser humano), enquanto que no direito à bens ofendidos e normas de reparação diferentes, por isso
saúde se protege a integridade física do ser humano (o todo plenamente cumuláveis, na jurisprudência pacífica que
do ser humano), sendo, portanto, mais consentânea com a vem na Súmula n. 37 do STJ; o raciocínio é o mesmo para
visão de dano estético que vai além da análise do belo e do o caso da cumulação dos danos morais e estéticos: bens
feio, de ordem totalmente subjetiva, para uma visão mais ofendidos distintos e normas de reparação distintas, pelo
moderna de perícia médica para averiguação de ofensa à que há, portanto, relações distintas; se as relações são dis­
integridade física do ser humano, de ordem totalmente ob­ tintas, a reparação é autônoma, é independente, e, logo,
jetiva. Anote-se que a jurisprudência do STJ, quando as­ cumuláveis também, porque o princípio que impera é que
senta da possibilidade de cumulação, defendendo a auto­ todo dano causado ao ser humano deve ser indenizado.
nomia do dano estético, é nesse sentido, de reparação do Assim sendo, decididamente, a cumulação dos danos
dano contra à integridade física, distanciando-se de uma morais e estéticos, no direito brasileiro, funda-se no direito
interpretação de dano à efígie, à figura, à imagem, ao enfea­ à saúde para fins de proteção da integridade física, em con­
mento da pessoa, ou seja, de interpretação do dano estético formidade com os artigos 6° e 196 da CF/88.
pura e simplesmente como direito ao belo, visão que deve
ser abandonada.
Mais: diante da clara proteção da integridade física pelo 6.2.5. Da reparação do dano estético no Código de Defesa
direito à saúde (arts. 6° e 196 da CF/88), não há como do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990)
negar a autonomia da relação jurídica de reparação do dano
estético da relação de reparação do dano moral, uma vez Nada impede que seja realizado pedido de reparação de
que: (i) bem jurídico protegido distinto (enquanto que no dano estético cumulável com pedido de dano moral em
ação, que seja aplicado o Código de Defesa do Consumidor.
dano moral, é a integridade moral, no caso do dano estéti­
E evidente que produtos e serviços nas relações de con­
co, é a integridade física), e (ii) norma jurídica de reparação
sumo podem acarretar danos à saúde, ofender a integrida­
distinta (para o dano moral são os incs. V e X, do art. 5 °, de física e, assim sendo, gerar o dever de reparar o dano
para o dano estético são os arts. 6° e 196, todos da CF/88); estético causado. 440
e se há relação jurídica de reparação distinta, há dano autô­
nomo. Para entender esse importante ponto, veja o caso da
cumulação, que ninguém duvida, dos danos material e mo­ 440 Sobre a responsabilidade civil na órbita consumerista, v., MA­
RINS, James, Responsabilidade da Empresa pelo fato do produto: os
ral: no caso do dano material, o bem ofendido é o patrimô­ acidentes de co1iswno no Código de Proteção e Defesa do Co,iswnidor,
nio, enquanto que para o dano moral, é a integridade moral, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, I 993, pp. 50-5 I e 14 J • I 43;

268 269
·r 1

Art. 8º Os produtos e serviços colocados no mercado


Outrossim, o CDC possui vários dispositivos em que é de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança
lembrada a reparação dos danos extrapatrimoniais441 , prin­ dos consumidores, exceto os considerados normais e previ­
cipalmente, no que se refere à proteção âa saúde do consu­ síveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando­
midor, coadunando-se com a proteção à saúde prevista na se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informa-
Constituição de 1988, arts. 6° e 196. ções necessárias e adequadas a seu respeito.
Dentre as disposições do CDC que tratam da proteção .
Parágrafo único. Em se tratando de produto mdustnal,
da saúde do consumidor e da responsabilidade civil decor­ ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere
rente, podem ser lembradas: este artigo, através de impressos apropriados que devem
Art. 6 ° São direitos básicos do consumidor: acompanhar o produto.
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencial­
riscos provocados por práticas no fornecimento de produ­ mente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá
tos e serviços considerados perigosos ou nocivos; informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da
(...) sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patri­ de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
moniais e morais, individuais, coletivos e difusos; Art. 1 O. O fornecedor não poderá colocar no mercado
(...) de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber
Seção I - Da Proteção à Saúde e Segurança apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saú­
de ou segurança.
§ 1 ° O fornecedor de produtos e serviços que, poste­
LOBO, Paulo Luiz Netto, Respo11sabilidade por vício do produto ou do riormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver
serviço, Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, pp. 93-94; e
LISBOA, Roberto Scnise. Respo11sabilidade civil nas relações de consu­ conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá
mo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, pp. I 10-119, prin­ comunicar o fato imediatamente às autoridades competen­
cipalmente cm p. 1 1 7, onde aduz expressamente da possibilidade de tes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
reparação do dano extra patrimonial à integridade física. § Zº Os anúncios publicitários a que se refere o parágra­
441 Não tenho dúvida em afirmar que onde o CDC diz ""dano moral" fo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão,
no inciso VI do artigo 6° , utiliza esse termo no sentido de dano moral as expensas do fornecedor do produto ou serviço.
latu sensu ou de dana extrapatrimonial (gênero), e não de dano moral
no sentido de espécie do dano extrapatrimonial, assim como o dano
§ 3 º Sempre que tiverem conhecimento de periculosi­
estético é outra espécie de dano extra patrimonial (os danos se dividem dade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos
em danos patrimoniais e cxtrapatrimoniais; já os cxtrapatrimoniais se consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os
dividem em danos morais e estéticos). Pensar de outra forma é o mes­ Municípios deverão informá-los a respeito.
mo que negar reparação por dano estético por pessoa que tem sua Art. 11. (Vetado).
integridade física ofendida (perda de um membro, por exemplo) em
relação de consumo e negar-lhe reparação por dano estético, porque no
Seção II - Da Responsabilidade pelo Fato do Produto
inciso VI do artigo 6 °, do CDC, há previsão tão-somente de danos e do Serviço
morais; seria um absurdo.
271
270


r
i

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacio­


artigo 13 do CDC. A responsabilidade do comerciante ou
nal ou estran geiro, e o importador respondem, inde­
distribuidor é subsidiária, sendo que, uma vez ressarcindo
pendentemente da existência de culpa, pel,11 reparação dos o consumidor, tem o direito de regresso contra os demais
danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes responsáveis, segundo sua participação na causação do
de F'.rojeto fabricação, construção, montagem, fórmulas, evento danoso. 4. A responsabilidade do fornecedor é objeti­

mampulaçao, apresentação ou acondicionamento de seus va, decorrente dos riscos criados pela simples colocação de
produtos, bem como por informações insuficientes o� ina­ seu produto no mercado, cuja onerosidade gerada não deve
dequadas sobre sua utilização e riscos. 442 ser compartilhada ou suportada pelo consumidor. 5. DANO
( ... ) MORAL - O dano moral puro prescinde de produção pro­
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, inde­ batória, pois considerado in re ipsa. O acidente de consumo
pendentemente da existência de culpa, pela reparação dos -ato ilícito - enseja a ocorrência de danos morais a serem
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à indenizados pelo causador do dano. 6. DANO ESTÉTICO
prestação dos serviços, bem como por informações insufi­ - O dano estético decorre do acidente noticiado nos autos e
cientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 443 não se confunde com os danos morais, sendo pacífico o en­
Por seu turno � jurisprudência vem concedendo repa­ tendimento da possibilidade de sua cumulação. 7. LU­
_ '.
CROS CESSANTES - no caso concreto, de acordo com o
raçao ao dano estet1co nas relações de consumo:
"EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. CÓDI­ princípio da razoabilidade, é de bom senso que o valor a ser
GO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ACIDENTE DE arbitrado consista na diferença das declarações de imposto
CONSUMO. FATO DO PRODUTO. DEFORMIDADE de renda apresentadas (exercícios 2000/2001 J. 8. DANOS
PERMANENTE EM DEDOS DA MÃO. DEMA NDA EMERGENTES - são os devidos em função das despesas
AJUIZADA CONTRA O COMERCIANTE. RESPONSA­ médico-hospitalares. APELO PROVIDO. "444
BILIDADE SUBSIDIÁRIA. DANOS MORAIS E ESTÉTI­ "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESI­
COS. LUCROS CESSANTES. DANOS EMERGENTES VO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DO CON­
'.. O consumidor não pode ser equiparado aos fornecedores: SUMIDOR. ACIDENTE DE CONSUMO. ESTILHAÇA­
11nportadores ou comerciantes de produtos ou serviços, pois MENTO DE VIDRO DE AZEITONAS AO ABRIR. DA­
estes possuem os conhecimentos específicos atinentes às suas NOS MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO. INDENIZA­
atividades. Vulnerabilidade e hipossuficiência configura­ ÇÃO DEVIDA. Tratando-se de relação de consumo, é obje­
das. 2. Impossibilidade da autora ingressar diretamente tiva a responsabilidade do fornecedor - no caso a importa­
contra a importadora do bem adquirido, pois só tomou co­ dora - pelo fato do produto que não oferece a segurança
nhecimento a seu respeito na contestação. 3. Aplicação do que dele se espera, a ela incumbindo o ônus de demonstrar
que não colocou o produto no mercado, a inexistência de
442 E nos termos das duas últimas notas.
443 Vale a mesma nota anterior. 444 TJRS, Apelação Cível Nº 70008309304, Nona Câmara Cível, Re­
lator Des. Nereu José Giacomolli, Julgado em 04/08/2004.
272
273
defeito do produto ou a culpa exclusiva do consumidor (arts. LARES VEM A SOFRER INTENSA QUEIMADf..!:RA
6°, VIII, e 12, § 3°, do CDC). Responde, assim, a empresa QUÍMÍCA, COM A CONSEQÜÊNÇIA DE LESOES
importadora das azeitonas consumidas pelo putor, pelo es­ QUE JUSTIFICAM CIRURGIA ESTETICO-REPARA­
touro do frasco, causando corte profundo e cicatriz no con­ DORA. PRODUTO PERIGOSO. PRODUTOS E SERVI­
sumido1-. Incabível a aplicação da multa prevista no art. ÇOS QUE APRESENTEM PERICULOSIDADE EXAGE­
1.538 do CCB/1916 em matéria de responsabilidade por RADA DE MODO A NÃO ADVERTIREM SUFICIEN­
ilícito civil. Os danos materiais não se presumem, séndo TEMENTE O CONSUMIDOR (UNREASONABLY
impositiva sua comprovação (art. 333, I, do CPC), não bas­ DANGEROUS) NÃO DEVEM SER COLOÇADOS NO
tando, para tal, meras alegações. Perda de movimentos não MERCADO DE CONSUMO. INTELIGENC!A DO
comprovada pelo autor e, via de conseqüência, não demons­ ART. 1 O DO CDC. DANO MORAL. DANO ESTETICO.
trada a necessidade de tratamento, no particular. Eviden­ SÃO CUMULÁVEIS AS FIGURAS DO [2ANO MORAL
ciada a necessidade de cirnrgia estética reparadora, contu­ E ESTÉTICO, JÁ QUE O ÚLTIMO NAO CUI[!A DE
do, defere-se a indenização material atinente ao tratamento MODALIDADE DO PRIMEIRO, TAMPQ_UCO E POR
que deverá ser realizado, a ser apurada em liquidação de AQUELE ENGLOBADO. CONSTITUIÇAO DE CAPI­
sentença. As reparações por danos estético e moral, mesmo TAL. EXEGESE DOS ARTIG,OS 602 E 20, § 5° DO CPC.
entendido aquele como corolário deste, podem ser cumula­ CIRURGIA PLÁSTICA ESTETICO-REPARADORA. DI­
das, ainda quando derivados de um mesmo fato, se incon­ REITO À AMPLA REPARAÇÃO, NA EXEGESE DOS
fundíveis suas causas e passíveis de apuração em separado. ARTS. 1.538 E 1.539 DO CÕDIGO CIVIL BRASILEI­
Arbitramento de verba autônoma para o dano estético com­ RO. DANO MORAL. QUANTIFICAÇÃO. AVALIADAS
provado, levando em consideração tanto o caráter compen­ AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO, MOS­
satório co72w o caráter inibitório-punitivo da indenização.
TRA-SE RAZOÁVEL INDENIZAÇÃO NO VALOR
APELAÇAO PARCIALMENTE PROVIDA, DESPROVI­ EQUIVALENTE A 100 SALÁRIOS MÍNIMOS, O QUE
DO O RECURSO ADESIVO. " 445
ENCONTRA RESSONÂNCIA EM ENTENDIMENTOS
"EMENTA: _RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO JURISPRUDENCIAIS E DOUTRINÁRIOS PARA CA­
DE REPARAÇAO DE DANO MORAL CUMULADA SOS ANÁLOGOS. APELO PARCIALMENTE PROVI­
COM DANO ESTÉTICO. - FURACÃO NEGRO DAK­
DO."••s
RON - . PRODUTO COLOCADO NO MERCADO "ATROPELAMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL
NA FINALIDADE DO DESENTUPIMENTO DE PIAS E
OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLI­
RALOS DOMÉSTICOS. CONSUMIDORA QUE, NÃO
CO. RISCO ADMINISTRATIVO. ,FORNECIMENTO
OBSTANTE A ADOÇÃO DAS PRECAUÇÕES REGU-
DE SERVIÇO. APLICAÇÃO DO CODIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. EXCLUDENTES DO NEXO DE
445 TJRS, Apelação Cível N º 70005093257, Nona Câmara Cível, Re­
lator Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em
I 7/12/2003. 446 TJRS, Apelação Cível Nº 70003095759, Nona Câmara Cível, Re­
lator Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, Julgado em 27/11/2002.
274
275
'f<
1 .'\_

CAUSALIDADE. DANO MORAL. DANO ESTÉTICO. decaiu de parte mínima do pedido. 16. Rejeição do agravo
PENSIONAMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JU­
. ento pareia. l do apelo. "••1
retz"do e provim
ROS DE MORA. SUCUMBÊNCIA RECÍ.fROCA. 1. O "RESP ONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE
juiz é o destinatário da prova, a ele cabendo a apreciação CONSUMO. FALTA DE CUIDADO CONCORRENTE
das necessárias ao deslinde da causa. 2. Nos temzos do§ 6º DA VÍTIMA. INDENIZAÇÃO MITIGADA. A concorrên­
do artigo 37 da Carta Magna é objetiva a responsabilidade cia da vítima para o acidente de consumo, se não exclui a
civil do Estado, fundada no risco administrativo. 3. Idênti­ responsabilidade do fornecedor por culpa exclusiva, revela­
co tratamento é dispensado às pessoas jurídicas de direito se como fator relevante de diminuição do valor da obrigação
público prestadoras de serviços públicos. 4. O transporte de indenizar, ao prisma da quantificação, considerando o
coletivo é serviço público concedido, pennitido ou autoriza­ princípio axiológico da proporcionalidade que não pode ser
do. 5. A responsabilidade civil do transportador em relação olvidando pelo julgador, no momento impositivo da sanção
a terceiros é afastada pelas causas que excluem o nexo etio­ indenizatória. Se de um lado descumpriu o fornecedor o de­
lógico: fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior ver jurídico de segurança, imprescindível à preservação da
e fato exclusivo de terceiro. 6. O art. 14 do Código de Defe­ integridade física das pessoas, deixando um pallet vazio em
sa do Consumidor atribuiu responsabilidade objetiva ao seu estabelecimento, causa de tropeço, queda, lesões e seqüe­
fornecedor de serviços. 7. O art. 1 7 equiparou todas as víti­ las da autora, de outro, faltou a consumidora com o dever de
mas do evento, ainda que estranhas à relação contratual, cuidado ao transitar pelo estabelecimento comercial, con­
superando a clássica dicotomia entre a responsabilidade correndo dessa fonna para o funesto e lamentável evento
contratual e a extracontratual. 8. Com as modificações in­ acidentário. Evidenciado, portanto, o defeito da prestação
troduzidas pelas nonnas de defesa do consumidor, a respon­ de serviço de consumo, ante a positivação do nexo de causa­
sabilidade civil nas relações de serviço e de consumo está lidade, a falta de cuidado de seus prepostos e os danos per­
submetida a uma única disciplina. 9. O fundamento da petrados ao consumidor, ipso facto, ma/ferindo, com° isso, as
normas dos arts. 14, da Lei n 8.078/90, e 5 , X, da
º
responsabilidade civil, em qualquer hipótese, é o defeito do
produto ou do serviço. 1 O. Dano moral e estético em verbas CRFB/88. Danos materiais, morais e estéticos indenizá­
distintas. Princípio da razoabilidade. 11. Fixação compatí­ veis. Quantificação minorada. PROVIMENTO PARCIAL
vel com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade DO RECURSO." 448
do dano por ela causado. 12. Quando a quantia é arbitrada "Responsabilidade civil. Concessionária de serviço pu­
em salário mínimo, nada há a corrigir. 13. Pensionamento blico. Motociclista lesionado por linha de pipa com material
referente à incapacidade laborativa por dois meses, incidin­
do juros de mora desde os referidos vencimentos até o efetivo
pagamento. 14. Pedido de dedução do valor do DPVAT da 447 TJRJ, APELAÇÃO CÍVEL 2005.001 .19462, rel.. DES. LE"I;ICIA
SARDAS -Julgamento: 16/08/2005 -OITAVA CAMARA CIVEL.
verba indenizatória incompatível por se tratarem de verbas
448 TJIU, APELAÇÃO CÍVEL 2005.001.08705, rel. DES. ROBE�­
de naturezas distintas. 15. Não há que se falar em aplica­ TO DE ABREU E SILVA-Julgamento: 24/05/2005 -NONA CA­
ção das regras da sucumbência recíproca, já que a autora MARA CÍVEL.

276 277
cortante (cerol) em rodovia. Seqüelas graves que impossibi­ exclusiva do paciente incumbe ao prestador de serviço como
litaram o exercício da profissão de modelo publicitário. In­ conseqüência da presunção de culpa e, se não demonstrado,
denização ampla abrangendo danos estético:;., morais e ma­ implica a obrigação de compor a lesão. Indenização adequa­
teriais. Relação de consumo. Afronta ao consumidor pela damente arbitrada em 100 salários mínimos, considerado o
insegurança que violou sua integridade física. Desprovi- discreto comprometimento da capacidade da vítima e a au­
mento do apelo. Vencido o Des. Orlando Secco. "449 sência de dano estético. Recursos despmvidos."450
Vale ressaltar que mesmo que o CDC não indicasse "Indenização - Responsabilidade civil- explosão de
pela reparação dos danos extrapatrimoniais ( e nesses está garrafa em supermercado - perda da capacidade visual do
incluso o dano à saúde) em seu texto, seria o caso, ainda olho esquerdo, atingido por estilhaços - responsabilidade
assim, de reparação autônoma do dano estético, vez que objetiva e solidária do fabricante e do prestador de serviços
essa é de fundamento constitucional (direito à saúde, arti­ (Código de Defesa do Consumidor, artigos 12 e 14) - não
gos 6º e 196, CF/88), aplicando-se a qualquer caso de res­ comprovação das excludentes admitidas - provimento par­
ponsabilidade civil (inclusive os provenientes de relação de cial do recurso do autor, para majorar o quantum da inde­
consumo) que tenha prova de ocorrência de dano estético. nização por dano moral - dano estético não comprovado -
Por isso certo o julgado que reconhece a relação de consu­ provimento parcial dos recursos dos requisitos, para afastar
mo e assim a aplicação do CDC, mas que não confere repa­ o direito do autor à percepção da pensão mensal vitalícia, e
ração por dano estético, vez que não comprovada a sua ao recebimento de indenização no período de tratamento
ocorrência por perícia médica: médico, por falta de comprovação, bem como para afastar a
"RESPONSABILIDADE CIVIL - PRESTADORA obrigatoriedade de constituírem um capital, nos termos do
DE SERVIÇOS MÉDICOS - DEFEITO DO SERVIÇO artigo 602 do diploma processual - redução da verba ho­
- DEVER DE INDENIZAR - O contrato de assistência norária também determinada. " 451
médica celebrado com casa-de-saúde, remunerado por con­
tribuição mensal e com previsão de descontos nos preços dos
serviços oferecidos, configura relação de consumo e se regula 6.3. Da cumulação conceituai: jurisprudência brasileira e
pelo Código de Defesa do Consumidor. O defeito na presta­ sua contribuição
ção do serviço, caracterizado pela permanência de corpo
estranho em membro superior da paciente, induz o dever de Deve-se anotar, preliminarmente, que a jurisprudên­
indenizar o dano independentemente de indagação de cul­ cia, principalmente a dos tribunais estaduais, era majorita-
pa. Aplicação do artigo 14 do Código de Defesa do Consu­
midor. O ônus de provar que o resultado decorreu de culpa
450 TJRJ - 5' Câm. Cível; AC nº 3. l 60/99-RJ; Rei. Des. Carlos Ray­
mundo Cardoso; j. 13/4/1999; v.u., em BolMSP, 221J/388-e, de
14.5.2001.
449 TJRJ, APELAÇÃO CÍVEL 2004.001.34042, rei. Des. HELENA
BELC KI:AUSNER - Julgamento: 15/03/2005 - PRIMEIRA Cí 451 TJSP, Apelação Cível n. 095. 194-4-Orlândia, 3' Câmara de Direi­
.1 to Privado, rei. Des. Carlos Roberto Gonçalves, h. 23.05.2000, v.u.
MARA ClVEL.
279
278
/'

gura crime. Verba devida a partir da citação. Recurso pro­


riamente contra a cumulação dos danos moral e csté.tico. O
principal argumento era que o dano estético se subsumia ao ., . vido para esse fim. Ementa oficial: Responsabilidade Civil.
dano moral (aquele como uma espécie deste}. Nesse senti­ Ação ajuizada contra a Fazenda do Estado. Acidente com
do, pode-se colher dos tribunais de São Paulo, grifamos: menor, ocorrido em escola pública estadual. Dano moral e
"INDENIZAÇÃO-FAZENDA PÚBLICA- RESPON­ estético. Sentença reformada em parte. Reexame necessá­
SABILIDADE CIVIL-DANOS MORAL E MATERIAL ri� e apelações providas parcialmente." 452; e "INDENIZA.­
- TRAVE DE FUTEBOL QUE CAI E ESMAGA A MÃO ÇA.O - FAZENDA PUBLICA - RESPONSABILIDA­
DE ALUNO NO RECINTO ESCOLAR - OMISSÃO DE CIVIL - HOSPITAL MUNICIPAL - LEGITIMI­
CULPOSA ESTATA.L- OCORRÊNCIA -VERBA DE­ DADE PASSIVA DESTE, QUE POR PRIMEIRO RECEP­
VIDA - RECURSO NÃO PROVIDO - INDENIZA­ CIONOU A VÍTIMA, EFETUANDO EXAMES DE FOR­
ÇÃO. Fazenda Pública. Responsabilidade Civil. Dano mo­ MA INCONSEQÜENTE E IRRESPONSÁVEL E NÃO
ral. Trave de futebol que cai e esmaga mão de aluno no DO NOSOCÔMIO DO ESTA.DO, PARA ONDE FOI
recinto escolar. Lesão permanente. Necessidade de trata­ POSTERIORMENTE TRANSFERIDA. PARA TRATA­
mento psicoterápico. Verba a ser suportada pela Adminis­ MENTO E CIRURGIA. - PRELIMINAR REJEITA.DA..
tração, como parte da reparação do prejuízo causado. Re­ - INDENIZAÇÃO. Fazenda Pública. Responsabilidade
curso não provido. INDENIZAÇÃO. Fazenda Pública. Civil. Hospital Municipal. Lesões decorrentes de demora
Responsabilidade Civil. Dano estético. Desvinculação do no atendimento e no diagnóstico de menor portadora de
moral para fins de indenização. Impossibilidade. Danos re­ meningite. Negligência e desídia que importaram em gra­
la�ionados entre si. Recurso não provido. INDENIZA.­ ves seqüelas. Perda laboral. Pensão mensal fixada a título
ÇAO. Fazenda Pública. Responsabilidade Civil. Danos mo­ de lucros cessantes, bem como colocação de prótese e tra­
ral, estético e material. Cumulação tripla. Impossibilidade. tamento futuro. Recursos providos. INDENIZAÇÃO. Fa­
Danos estético e moral relacionados entre si. Viabilidade zenda Pública. Responsabilidade Civil. Dano moral. Cumu­
tão-somente da cumulação desse último com o dano patri­ lação com dano estético. Dupla reparação. Inadmissibilida­
monial. Súmula nº 37 do Superior Tribunal de Justiça. Re­ de. Lesão estética que se submete no conceito de dano moral.
curso não provido. INDENIZAÇÃO. Fazenda Pública. Recursos não providos. O dano estético subsume-se no dano
Responsabilidade Civil. Pensão vitalícia. Cabimento. Lesão moral. INDENIZAÇÃO. Fazenda Pública. Responsabili­
permanente sofrida por menor, com redução da cayacida­ dade Civil. Dano moral. Fixação. "Quantum" de mil salá­
de laborativa. Recurso não provido. INDENIZA.ÇAO. Fa­ rios mínimos. Admissibilidade. Dano estético e aleijão nele
zenda Pública. Responsabilidade Civil. Lesão permanente embutidos. Pagamento de uma s6 vez. Recursos não provi­
sofrida por menor. Pensão vitalícia. Majoração para um sa­ dos. Ementa oficial: Recurso ex-officio e Apelação Cível.
lário mínimo. Verba devida a partir dos quatorze anos com­
pletos, idade mínima para capacitação ao trabalho. Recurso
provido para esse fim. JUROS MORATÓRIOS. Indeniza­ 452 TJSP, I' Câm. de Direito Público; AC nº 51.087-5-SP; Rei. Des.
Carlos de Carvalho; j. 10/10/2000; v. u., JTJ 237/61, BolMSP,
ção. Fazenda Pública. Fato que, embora ilícito, não confi- ·' 2252/229-m, de 25.2.2002.

280 281
'

Responsabilidade Civil do Estado. Fazenda Municipal. Me­ Entretanto, não se pode afirmar que essa posição con­
nor portadora de meningite mal atendida em hospital da trária à cumulação era unânime. Como dito, era majoritária
rede municipal. Demora no atendimento .:. no diagnóstico e enfrentava o entendimento pela cumulação, como se
que importaram em graves seqüelas, inclusive com perda pode atestar, grifamos: "EMBARGOS INFRINGENTES
de membros e função. Desídia e negligência reconhecidas. - DANO ESTÉTICO - INDENIZAÇÃO - É necessá­
Ação julgada procedente. Manutenção. Indenização por rio se considerar o dano estético como algo distinto do dano
danos material e moral assegurada. Recursos improvidos. moral, tendo em vista que o defeito estético pode determi­
Sem prejuízo da reparação do dano material, justifica-se a nar, em certas circunstâncias, indenização pelo dano patri­
fixação do dano moral em valor alentado de 1.000 salários monial. Provimento dos Embargos." 455; e também em
mínimos quando além dos sentimentos internos de dor de "RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE
tristeza, sofrimento e de repúdio, a vítima suporta d�no TRÃNSITO - Danos causados a empregado transportado
estético e aleijão, posto que o dano estético subsume-se no em veículo pertencente à ré, conduzido, em velocidade ex­
dano moral. " 453 cessiva, por outro funcionário não habilitado a tanto. Sub­
Mesmo no STJ, onde a cumulação dos danos morais e sistência da responsabilidade daquela, na condição de em­
estéticos já é pacífica hoje, ainda essa posição, no início não pregadora e fornecedora do transporte, inocorrente caso
foi m_ajoritária: "CIVIL- DANO MORAL, MATERIAL E fortuito ou força maior. Indenizatória procedente. Recurso
ESTETICO - CUMULABILIDADE - JUROS COM­ improvido. RESPONSABILIDADE CIVIL-Acidente de
POSTOS-DOTE-MATÉRIA DE FATO. !-Inadmis­ trânsito - Indenização. Não a obsta o fato de o autor ter
sível a indenização por dano moral e dano estético cumula­ obtido, posteriormente, outro emprego. Indenizatória pro­
tivamente, ainda derivados do mesmo fato, quand�, embora cedente. Recurso improvido. RESPONSABILIDADE CI­
VIL- Dano moral - Verba devida, nos termos dos artigos
de regra subsumindo-se naquele, comporte reparação mate­
159 do Código Civil e 5° , V, da Constituição Federal, sendo
rial, já concedida, nem assim é de se deferir rubrica, a título
desnecessária, na hipótese, sua demonstração, ante as gra­
de dote, quando esta contenha índole compensatória de da­ ves lesões sofridas pelo autor. Admissível sua cumulação
nos morais deferidos. II - juros compensatórios são exigí­ com as despesas médicas e com a indenização pelo dano
ve_is tão-só daquele que haja praticado o ilícito (prepostoJ e estético, por possuírem naturezas distintas. Exame da dou­
nao do preponente. III-Matéria de fato (Súmula 07/STJ). trina e da jurisprudência. Indenizatória procedente. Re­
IV - Recurso não conhecido. "454 curso improvido. RESPONSABILIDADE CIVIL - Dano
estético - Vítima ostentando grave deformidade física.
Indenização estabelecida pela duplicação das verbas relati-
453 TJSP, 3' Câm. de Direito Público; AC nº 43.391-5-SP; Rei. Des.
Rui Stoco; j. 5/10/1999; v.u., JTJ 225/95, Bo!AASP, 2248/228-m, de
28.1.2002. 455 TJRJ - 9° Grupo de Câm.; Emb. lnfr. nº 140/98 na Ap. Cível nº
454 REsp 156453/SP, Relator Ministro WALDEMAR ZVEITER' 3' 9871/97-RJ; Rei. Des. Jorge Luiz Habib; j. 18.12.1997; v.u.; ementa.,
Turma, j. 04/02/1999, por maioria, DJ 17.05.1999 p. 196. Bo!MSP, 2118/217-e, de 02.08.1999.

282 283
vas às despesas com tratamento. Precedente jurispruden­ ratícias, mas também nas relações sociais e de pura convi­
cial. Afastada a alegação de julgamento 'ultra petita', eis vência. As indenizações, por isso, são separadas e cumulati­
que a imposição do dobro das verbas decore.e da aplicação vas, havendo-lhes os pressupostos."457
do artigo 1.538, § 1 °, do Código Civil. Recurso improvido. No mesmo sentido o entendimento do antigo TAC-lU,
RESPONSABILIDADE CIVIL - Indenização - Juros conforme se pode atestar em aresto relatado pelo Dr. Juiz
moratórios. Incidência desde a data do evento. Intelig�ncia Fabrício Paulo B. Bandeira Filho: "Responsabilidade civil.
da Súmula nº 54 do Superior Tribunal de Justiça. Recurso Apelações interpostas pelos réus preparadas fora do prazo
improvido. HONORÁRIOS DE ADVOGADO - Fixação legal. Deserção, dano estético e dano moral. Causas diver­
- Injustificada a pretendida redução, eis que criteriosa­ sas de um e do outro, o primeiro sendo uma alteração mor­
mente estabelecidos em grau médio (15%). Recurso im­ fológica do indivíduo, a lesão física perceptível exterionnen­
provido. "456 te, a defonnação corporal que agride a visão, inspirando
Essa evolução no sentido da possibilidade de cumula­ desagrado, repulsa, desconforto, etc., ao passo que o outro é
ção encontrou respaldo não só nas correntes jurispruden­ a dor da alma, o sofrimento mental. Dor moral que afeta o
ciais que entendiam pela aplicação de dispositivos do Códi­ autor, inabilitado até para as suas ocupações habituais, de
go Civil de 1916 e do Decreto 2.681 de 1912, mas também maneira pennanente, não podendo ser agravada pela sensa­
em arestos que fundamentavam a cumulação tão-somente ção da impunidade da causadora do dano, se beneficiada
na concepção de que são danos diferentes - diz-se: cumu­ esta por uma condenação de pagamento de quantia irrisória
lação com fundamento conceituai, e como danos diferentes, a título de indenização. " 458 Ainda no antigo TAC-RJ, v.
merecem tutela independente na forma de reparação sepa­ outro julgado que bem analisa a questão da cumulabilidade
rada de danos moral e estético concedidas a título autôno­ com fundamento único e exclusivo na diferença entre os
mo. danos moral e estético e na necessidade de reparação de
Nesse sentido, pela fundamentação da cumulabilidade todos os danos causados à pessoa, como direito basilar ga­
com fundamento conceituai, podemos, apenas à guisa rantido: "Com o voto divergente, entendo indenizável o
exemplar, analisar alguns arestos de importantes Tribunais dano estético, além do dano moral dito puro. Pode ser que a
brasileiros. Assim já se manifestou por várias vezes o extin­ razão esteja com os que sustentam ser o dano estético mera
to 1 ° TAC-SP: "Dano estético e morfológico nada têm em espécie do dano moral. Não os vejo assim. A mim me parece
comum com o dano moral, este de característica subjetiva e que ambos seriam espécies distintas (como o dano material,
emocional diante da situação moralmente inferior a que se o patrimonial, etc.) de um gênero comum, o dano, compreen­
relega o lesado, patenteável não somente nas relações labo- dido como lesão a um bem jurídico.

456 1 ° TA CIVIL, 3' Câm. de Férias de Janeiro/98; Ap. nº 685. I 99-8- 457 Ap. nº 568.332-7, j. 05.07.1994, 4' Câmara Especial de Julho/94.
Diadema-SP; Rei. Juiz Itamar Gaino; j. 19.01.1998; v.u.; ementa, 458 Em trecho da ementa da Ap. 5.721/95, que fixou o dano estético
Bo!MSP, 2098/187-e, de 15.03.1999. em l 00 salários mínimos, e o dano ffioral em 500 salários mínimos.

284 285
Não se nega que o dano estético guarde semelhança cumulação de indenização por dano material e dano moral,
com o moral, mas tem eles peculiaridades ( diferenças es­ ainda que oriundos do mesmo fato. Se se admite cumula­
pecíficas) que os distinguem perfeitamentf. ção, pouco importa seja a soma de duas ou três parcelas. "' 59
A noção de estética está visceralmente ligada ao concei­ Como se pode notar, tal jurisprudência firma posição

l
to de beleza. O belo, como definem os filósofos, é o que apenas com fundamento conceituai, ou seja: repara-se au­
visto, agrada. A ruptura da estética trará a sensação de feiú­ tonomamente porque danos diferentes, mas sem uma base
ra, com suas naturais conseqüências: desagrado, incômodo, de direito positivo para tanto.4 60
repulsa, piedade, compaixão, diminuição, etc. Quer com Desta feita, se cumuláveis os danos material e moràl461,
relação ao sujeito da lesão - tornado feio, quer com refe­ e, aqui, também cumuláveis os danos moral e estético,
rência àquele que vê, que olha, que se relaciona com o que tem-se como plenamente cabível o pleito concomitante de
se tornou feio, desagradável, notado, olhado. danos moral, estético e material. Aliás, o TAC-RJ, em ares­
Os reflexos do dano moral atingem quase exclusiva­ to acima transcrito é expresso no sentido de que "pouco
mente a consciência, a mente, o sentir do lesado. importa seja a soma de duas ou três parcelas", pelo que o
O dano estético reílete-se no interior do lesado, mas
pode gerar possível reação de quem vê, de quem se depara
com aquele que perdeu a anterior beleza da forma. O dano 459 TAC-RJ, 6' Câm., Ap. Civ. nº 6821/93, Rei. Juiz Sílvio Teixeira.
estético é estigma, marca física. O moral é verdadeiro fan­ 460 Com efeito, é certo que a liquidação e reparação dos danos enseja
1 tasma que persegue ou povoou a mente do lesado. uma relação jurídica que encerra elementos que poderiam ser da se­
� Como bem salienta o Juiz Jorge de Miranda Magalhães, guinte forma esquematizados: (i) ofensa aos bem jurídicos protegidos
'o dano estético e o dano moral não se confundem, nem "'a"" e "b"', (ii) portanto, há danos do tipo "'a"" e "'b"', porque para cada
integram a mesma categoria, originando-se de causas diver­ bem jurídico diferente ofendido há logicamente dano diferente, vez
sas'. Um decorre da maculação da integridade estética da que dano é ofensa a bem juridicamente protegido. Nesse sentido, v.,
PAD!LLA, René A. op. cit., p. 127. Entretanto, apesar de concordar­
vítima, lesionada de forma irreparável, e o outro é conse­ mos com essa teoria, é de se creditar fundamento de direito positivo à
quência do sofrimento interno objetivo provocado pelo ato fundamentação da reparação dos danos, até para se evitar ofensa ao
ilícito. O dano estético é de ordem física, externo, que princípio da segurança jurídica, diante do impacto da responsabilidade
também não se confunde com aqueles outros, igualmente civil na ordem econômica. Para tanto, v., os estudos sobre a análise
materiais, que acarretam a impossibilidade ou incapacida­ econômica dos danos, sua influência no mercado, p. ex., na formação
dos custos empresariais, pelo que a responsabilidade civil é campo do
de laborativa do lesionado, fazendo-o reduzir seus ganhos direito civil que apesar de tratar de tema onde os direitos protegidos
que, por isso, devem ser também recompostos, através da são de égide muitas vezes de direito natural - direitos da personalida­
indenização. de, v.g., para muitos -, tem-se uma necessária fundamentação em
Argumenta-se com o fato de que a reparação distinta direito positivo sob pena de criar ambiente de insegurança na socieda­
pelo dano estético e pelo moral poderia redundar em trípli­ de, e até mesmo para que os caracteres de punição e exemplariedade,
que inerentes ao arbitramento dos danos extrapatrimoniais, sejam rea­
ce indenização decorrente do mesmo fato. E será. A Súmu­ lizados de forma fundamentada, nos termos aqui propostos.
la nº 37 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, admite a 461 Cfr. Súm. 37, STJ.

286 287
F

importante é se atender à possibilidade da cumulação, caso e também, Elena Elias, em obra específica sobre o dano
a caso, e, diante de seus pressupostos, conferi-las.· moral na jurisprudência do STJ , salienta que a jurispru­
465

Nesse sentido, v. também: "Cabimento de reparação do dência do STJ caminhou da negação da cumulação - o
dano estético e dano moral, cumulativamente com a indeni­ dano estético estaria subsumido no dano moral - para a
zação dos danos pessoais e materiais. "462 E se pode notar, sua possibilidade, aduzindo que no STJ "a jurisprudência
parte-se do pressuposto que se deve indenizar o dano de se pacificou no sentido de se admitir que o dano estético seja
.
forma integral: "Responsabilidade civil - Indenização de­ . do cumulativamente com o dano mora
/"466
indemza
vida - Dano moral e estético - Reparação - Embargos Assim sendo, a jurisprudência firmou importante passo
rejeitados - Indeniza-se o dano inteiro, inclusive, pois, o para a autonomia e cumulação dos danos moral e estético,
moral, que se não confunde com o material e o estético. " 463 pelo que graças a esse avanço, hoje se pode dizer claramen­
Desde já, mister salientar que essa corrente merece te que se tem na jurisprudência brasileira um bom exemplo
consideração na medida em que anota, como já acentuado de cumprimento do ideal de promoção da dignidade da
neste trabalho, a natureza díspare entre o dano moral (sub­ pessoa humana, na medida em que aloca a proteçã� _da
jetiva, caso a caso) e dano estético (objetiva, pela simples melhor forma possível como pedra fundamental na analise
modificação na integridade física). dos danos pessoais.
Por mais que a majoritária doutrina entenda contraria­
mente à cumulação dos danos moral e estético, é notório o
descompasso desse entendimento com a jurisprudência 6.4. Da cumulação na doutrina brasileira
mais recente, principalmente do STJ. Nesse sentido, des­
tacados estudiosos do tema têm se manifestado e, apesar A maior parte de nossa doutrina defende a impossibili­
de possuírem posição contra, a jurisprudência vem se fir­ dade de cumulação dos danos moral e estético, tomando
mando favoravelmente à cumulação, por se tratar de danos posição, diferente, portanto, por exemplo, do STJ, que
com natureza distinta - cumulação conceituai -, ou com está, atualmente, de forma majoritária, no sentido da cu­
fundamento nas outras duas correntes - cfr. art. 1.538 do mulabilidade. 467
CC/16 ou 21, do Dec. 2.681/12 -. Assim, por exemplo, Sérgio Cavalieri Filho, Desembargador do TJRJ, possui
Carlos Roberto Gonçalves464 ressalva que a orientação da posição firme no sentido da impossibilidade da cumulação:
jurisprudência vem se firmando no sentido da cumulação; "... a cumulação constituiria bis in idem. O dano estético,
tenha-se em conta, não é uma terceira espécie de dano, ape-
462 TAC-RJ, 8' Câm., Ap. Cível nº 9045/94, Rei. Juíza Cássia Medei­
ros. 465 ELIAS, Helena. O dano moral na jurisprudência do STJ. Rio de
463 TJRJ, 4° Grupo de Câmaras Cíveis, Rei. Dcs. Ebert Chamoun, j. Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2004. p. 37-38.
9.6.76, RT 500/216. 466 ld. !bid., p. 37.
464 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São 467 Na verdade, essa se pacificou no sentido da cumulação, conforme
Paulo: Saraiva, 2003. p. 691 e ss. pesquisa realizada na jurisprudência do STJ.
288 289
,,.
nas um aspecto do dano moral. "468 Destacamos qile tal po­ O que pode é, num mesmo evento, concorrerem lesões
sição na doutrina é a que, sem dúvida, traz o argumento distintas, geradas pela deformidade estética. Assim, uma
que mais se utiliza para a negação da cumulâção: que o dano pessoa que depende da estética para sua vida profissional,
estético seria espécie do dano moral, e, assim sendo, que a pode além do desgosto psíquico provocado pelo aleijume,
concessão de verba autônoma constituiria bis in idem; perder a condição de continuar usufruindo de sua carreira,
como já se demonstrou, e mais adiante traremos outros como se dá com artistas, modelos, etc. ln casu, pode-se
fundamentos, não tem razão a doutrina quando assim argu­ falar em duas indenizações: uma, pela dor moral do aleiju­
menta; são danos específicos e independentes da classe dos me, e outra, pela perda material das condições profissionais
danos extrapatrimoniais os danos moral e estético, possuin­ preexistentes à lesão. Se, porém, a justificativa da indeni­
do natureza diversa. zação prejudicada restringe-se à própria deformidade físi­
Humberto Theodoro Júnior é expresso no sentido con­ ca, não há como dissociá-la da reparação do dano moral.
trário à cumulação também, inclusive com citação de juris­ A distinção tem sido feita, com exatidão, pelo Superior
prudência do STJ contrária à posição pela autonomia des­ Tribunal de Justiça:
ses danos: "Mesmo antes da Constituição de 1988, o Códi­ 'O dano estético subsume-se no dano moral' (4° T.,
go Civil já continha nonna específica que autorizava, no REsp. 56.101-9/RJ, Rei. Min. FONTES DE ALENCAR,
caso de lesões corporais, não só o ressarcimento das perdas ac. 25-4-1995, RSTJ, 77/246).
patrimoniais infligidas ao ofendido, como também a impo­ 'Afirmado o dano moral em virtude exclusivamente do
sição ao ofensor de uma verba referente à lesão estética dano estético, não se justifica o cúmulo de indenizações. A
(aleijume ou defonnação pennanente) (art. 1.538, § 1º). indenização por dano estético se justificaria se a por dano
Com a implantação da ressarcibilidade plena do dano moral tivesse sido concedida a outro título' (3° T., REsp.
puramente moral, houve quem entendesse que, nas lesões 57.824-8/MG, Rei. Min. Costa Leite, j. 3-10-1995, RSTJ,
deformantes, haveria cumulação de três verbas indenizató­ 79/199) " 469
rias: uma, pelo prejuízo econômico (tratamento médico e Rui Stoco, apesar de destacar que há controvérsia sobre
hospitalar, dias parados, redução da capacidade laborativa, o tema, e inclusive citar diversos arestas favoráveis, tam­
etc.); outra, pela deformidade permanente; e uma última, bém é pelo entendimento contrário à cumulação, em suma,
pela dor moral provocada pelo aleijume. entendendo que o dano estético subsume-se no dano moral
Há, data venia, um excesso em tal posicionamento. In­ e mais: "Do que se conclui que a lesão estética, porque se
denizar a lesão deformante e, ao mesmo tempo, considerá­ subsume no conceito de dano moral, na medida em que alte­
la causa de reparação por dano moral corresponde a um ra a imagem e o próprio vultus da pessoa, causa-lhe sofri­
evidente bis in idem, capaz de tranformar a medida ressar­ mento, angústia, temor, indecisão, vergonha e outros senti­
citória em fonte de enriquecimento sem causa. mentos, empenha respo11Sabilidade por dano moral, sempre.
Poderá sujeitar o respo11Sável à reparação por dano mate-

468 CAVALIERI FILHO, Scrgio. op. cit., p. 8. 469 THEODORO JÚNIOR, Humberto. o p. cit., p. I 7-18.
290 291
rial, inclusive cumulada com aquela, quando restar prova­ tuindo em um tertius genus, ao lado dos danos moral e
do algum prejuízo - seja por lucro cessante, seja por dano material, apesar de salientar que o STJ tem posição mais
emergente - quer dizer, quando a própria lçsão imponha recente no sentido favorável à cumulação.473
despesas e gastos para tratamento e cura ou mesmo para Nesse sentido, v., também, Yussef Said Cahali, sobre o
corrigir esteticamente o defeito. tema, elencando que: " ... a jurisprudência, em linha de
Mas, mostra-se impróprio pretender indenização. por princípio, tem excluído o dano moral, 'por haver indeniza­
dano estético e por dano moral cumulativamente, pois ha­ ção do dano estético, que compreende aquele', inadmitida a
veria aí verdadeira contraditio in terminis, conduzindo a indenização dupla; no pressuposto de que o dano estético é
insuportável bis in idem. " 470 um aspecto, uma espécie do gênero dano moral, afinna-se
Assim também o Magistrado Ronaldo Alves de Andra­ que 'o dano estético, em si mesmo considerado, abstraindo­
de, dizendo que "o dano estético é também dano moral que se de eventuais repercussões patrimoniais, que como tal de­
não tem natureza distinta" 471, fundamenta essa posição nos verão ser ressarcidas, constitui modalidade de dano moral',
seguintes termos: "Desta fonna, a lesão corporal pode cau­ de tal modo que, 'já indenizado o dano estético, não cabe a
sar à vítima dano patrimonial correspondente ao dano indenização do dano moral, implícita naquele, vedado o bis
emergente - o valor despendido para restabelecimento da in idem', não se podendo indenizar duas vezes sobre o mes­
vítima -, lucro cessante - o que a vítima razoavelmente mo fato. 11414
deixou de lucrar- e dano moral em decorrência da lesão ao E continua, firmando posição em que a impossibilidade
direito de personalidade à integridade física. de cumulação não pode ser vista de forma peremptória,
A lesão à integridade física em si não pode ser objeto de trazendo à colação entendimento mais atual no sentido da
indenização, na medida em que o corpo humano não tem cumulatividade dos danos moral e estético em determina­
valor econômico; assim, se possível fosse indenizar a lesão das condições: "Não se pode afinnar por antecipação desa­
à integridade física em si, a indenização seria de ordem certado esse entendimento, mas revela-se ele insuficiente e
extrapatrimonial e, portanto, dano moral. Em realidade, inaceitável em detenninadas situações. " 475 Trazendo o en­
ocorrendo a lesão corporal são indenizáveis os danos patri­ tendimento também pela cumulação: "Portanto, 'é perfei­
moniais e morais, não constituindo a lesão em si mesma um tamente cabível a cumulação do dano moral com o dano
tertius genus. " 472 estético, que, na hipótese, configuram-se, monnente levan­
Igual é a posição de Carlos Edison do Rêgo Monteiro do-se em conta que a condição precária de saúde da vítima
Filho, para quem o dano estético pode até ter conseqüên­ (jovem de 22 anos, que se tornou paraplégica e dependente
cias patrimoniais e extrapatrimoniais, mas não se consti- para a prática dos atos necessários à vida natural e alijada
da vida social) só pode ser tomada em seu benefício e não em
470 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade
civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, cit., p. 943. 473 MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. op. cit., p. 51 e 62.
471 ANDRADE, Ronaldo Alves de. op. cit., p. 92. 474 CAHALI, Yussef Said. op. cit., p. 242-244.
472 ANDRADE, Ronaldo Alves de. op. cit., p. 86. 475 Id. lbid., p. 244.

292 293
ii
\
seu prejuízo'; assim, o desabamento de muro atingiu a auto­ Iam Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho480, Milton Oli­
' ra, 'que, impossibilitada de se locomover satisfatoriamente, veira 481 , Sérgio Cavalieri Filho482 , que é bastante claro ao
recebeu o abalo moral, sofreu o aleijão, que prejudicou sua anotar a posição do STJ, apesar de possuir posição doutri­
1,
• 1
imagem e impôs-se-lhe a incapacidade, tendente à cobertura nária contrária como Desembargador do TJRJ e "tenha aco­
1
1
pensionai. Não obsta a cumulação dos danos estético e do lhido esse entendimento como julgador para evitar desneces­
dano moral, cada qual pontuando sobre o enquadramento sários recursos especiais":
específico. O sofrimento, a dor moral, leva à cobertura pa­ "Prevaleceu na Corte Superior de Justiça o entendi­
trimonial concernente. O dano estético cobre a ofensa ao mento de que o dano estético é algo distinto do dano mo­
natural, na imagem pessoal, o aleijão que acompanha a ví­ ral, correspondendo o primeiro a uma alteração morfológi­
tinza'. 11476 ca de formação corporal que agride a visão, causando desa­
Por outro lado, pela cumulação, João Casilo lembra o grado e repulsa; e o segundo ao sofrimento mental - dor
Enunciado XLI do TJRJ, que possui a seguinte dicção: "São da alma, aflição e angústia que a vítima é submetida. Um é
cumuláveis as indenizações por dano estético e dano moral, de ordem puramente psíquica, pertence ao foro íntimo;
oriundas do mesmo fato". 477 E o mesmo doutrinador, mais outro é visível, porque concretizado na deformidade. " 483
adiante em sua obra sobre o tema do dano à pessoa huma­ Helena Elias, em obra dedicada ao estudo do dano mo­
na, fala da possibilidade de cumulação do 1.538 e 1.539, ral no STJ, também é clara ao elencar que a jurisprudência
ambos do CC de 1916, mas, para tanto não é específico se dessa Corte se pacificou pela cumulação dos danos morais
se trataria de cumulabilidade de verbas atinentes a dano e estéticos. 484
moral e dano estético. 478 Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria
Ainda no direito pátrio, Maria Helena Diniz é clara ao Celina Bodin de Moraes são também claros ao lembrar que
dizer que " ... se pode ter como cumuláveis a indenização por restou vitoriosa a possibilidade de cumulação dos danos
dano estético e a indenização por dano moral, representado morais e estéticos no STJ, citando arestos, em comentários
pelo sofrimento da vítima, atingida em seus mais íntimos ao art. 949 do novo Código Civil:
sentimentos. "479
Entretanto, a doutrina mais recente já afirma que a ju­
480 MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. op. cit., p. 51 e 62.
risprudência do STJ se firmou no sentido da autonomia e
481 OLIVEIRA, Milton, Dana moral. São Paulo: LTr, 2006, p. 54.
cumulação dos danos morais e estético, como bem assina-
'
482 Na 5' Ed., de 2004, de seu Programa de Responsabilidade Civil,
São Paulo: Malheiros, 2004, p. l l 5, salientando que a Jurisprudência
"evoluiu", "passando a admitir a acumulação do dano moral com o dano
476 CAHALI, Yussef Said. op. cit., p. 245-246. estético".
477 CAS!LO, João. op. cit., p. 67. 483 Cavalieri Filho, Sergio, Programa de responsabilidade civil, 5ª Ed.,
478 Id. lbid., p. 236-237. 2004, p. 115.
479 DINIZ, Maria Helena. Cursa de direita civil brasileira: responsa­ 484 ELIAS, Helena, O dana moral na jurispnidência da STJ, Rio de
bilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. v. 7, p. 61. r
-.:, Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 37.
294 295
"3. Cumulação dos danos moral e estético. A jurispru­
dência dominante tem admitido a cumulação do dano mo­
T soa humana, mormente tendo em vista a necessária releitu­
ra do direito civil conforme a Constituição.
Não se pode concordar que a Constituição ao elencar a
ral e do dano estético. Embora haja quem defenda que o
fundamento do dano moral é o próprio dano estético, de dignidade da pessoa humana como princípio - norma -
forma a impor o dever de indenizar o dano estético, além fundamental de nosso ordenamento, não acrescente nada à
do dano_ moral, seria impor uma dupla condenação pelo questão da reparação dos danos causados à pessoa humana:
mesmo fato (bis in idem), o STJ orienta-se, pacificamente, ', pelo contrário, com esse fundamento, deve-se interpretar a
no sentido de que o dano moral corresponde ao sentimento responsabilidade sempre no sentido de promoção e melhor
íntimo de dor, decepção e contrariedade que ocorre por proteção da pessoa humana, o que só se consegue com a
força de um dano estético, isto é, a deformidade corporal orientação pela autonomia dos danos moral e estético.
propriamente dita. Assim, esse dano se acrescenta e au­ Por outro lado, a doutrina parece não querer ver o que
menta consideravelmene àquela dor, e por isso deve ser a jurisprudência, principalmente do STJ, já tem como am­
considerado como parcela autônoma para o fim de se calcu­ plamente sedimentado: dano estético não é o mesmo que
lar o valor da indenização que corresponda à necessidade dano moral, dano estético não está subsumido ao dano mo­
de justa reparação".485 ral, dano estético não é espécie do dano moral. Pelo conta­
Ou seja, confirmou-se a velha regra que a jurisprudên­ to diuturno com a matéria e os embates muito mais casuís­
cia é a verdadeira mater da responsabilidade civil. ticos e claros, que o calor dos autos trazem para os tribu­
Por fim, devemos ainda repetir que se destaca o pionei­ nais, e assim para a jurisprudência, esta consegue ser muito
rismo na doutrina brasileira pela cumulação dos danos mo­ mais afinada ao que de mais moderno há nesse sentido do
ral e estético, a posição esboçada já na 2ª ed. da clássica que a letra fria de teorias que se distanciam do ideal da
obra sobre o tema de Teresa Ancona Lopez, Professora da responsabilidade civil, que é reparar o dano, proteger a pes­
Faculdade de Direito da USP, que, como referido acima, é soa.
expressa no sentido da cumulação dos danos moral e esté­ Mesmo que conforme elementos provenientes do Có­
tico, com fundamento constitucional. 486 digo Civil, de teorias com fundamento nos direitos da per­
Com o devido acato, s.m.j., a posição quase que unâni­ sonalidade e no direito natural, não concordamos que esses
me da doutrina brasileira pela impossibilidade de cumula­ elementos podem embasar orientação notoriamente con­
ção dos danos moral e estético só pode ser vista como ultra­ trária à proteção do bem jurídico de maior valor em todo
passada e não mais condizente com o atual estágio de estu­ ordenamento: a pessoa humana.
do da natureza e caracterização dos danos causados à pes- A Constituição exige uma releitura de todo o direito,
principalmente, para que este se conforme aos princípios
que o texto maior promana como fundamentais para toda a
485 Em p. 875 de TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena sociedade, refletindo os valores e anseios dessa mesma so­
e MORAES, Maria Celina Bodin de, Código Civil interpretado confor­ ciedade. Deve-se entender que a Constituição propõe à
me a Constituição da República, vol. II, Rio de Janeiro: Renovar, 2006. responsabilidade civil brasileira: (i) a existência de um di-
486 LOPEZ, TeresaAncona. op. cit., 2. ed. 1998, p. 125-127.
296 297
' ..

reito fundamental de reparação dos danos causados à pes­ 6.5.1. Da Responsabilidade Civil no Novo Código Civil
soa humana, patrimoniais e extrapatrimoniais, art. 5 °, incs.
Ve X, Cf/88, e (ii) que o direito à saúde, ,irts. 6° e 196, À guisa de informação, o novo Código Civil traz três
Cf/88, pode ser interpretado em face do dever de todos seções que interessam ao presente estudo: (i) artigos 11 à
respeitarem a integridade psicofísica de outrem, ensejando 21, em que se trata do Capítulo II, "Dos Direitos da Perso­
norma jurídica de reparação suficiente para uma nova rela­ nalidade", do Título I, "Das Pessoas físicas", do Livro I,
ção jurídica de reparação, essa permitindo a autonomia e "Das Pessoas", da "Parte Geral" do novo Código Civil; (ii)
cumulação dos danos moral e estético. Em sede de respon­ artigos 186 a 188, no Título III, "Dos Atos Ilícitos", do
sabilidade civil, a Cr existe para proteger a pessoa humana Livro III, "Dos fatos Jurídicos, ainda da 'Parte Geral'"; (iii)
- vítima - e não contra a mesma - para acobertar o dano e artigos 927 à 954, em que se trata do Título IX, "Da
injusto e o ofensor. Responsabilidade Civil", que se divide em Capítulo I, "Da
Obrigação de Indenizar", e Capítulo II, "Da Indenização",
já no Livro I, "Direito das Obrigações", que inaugura a
6.5. Da Responsabilidade Civil e da Cumulação no Novo "Parte Especial".
Código Civil Apesar do aparente avanço que se pode pensar que o
novo Código possui, por conter títulos e capítulos que não
Diversas críticas foram tecidas ao novo Código Civil, e possuíamos no Código de 1916, sob a epígrafe, por exem­
isso partia das mais fortes vozes de nosso direito, bastando plo, de "responsabilidade civil", não há grandes passos nes­
lembrar Antonio Junqueira de Azevedo e Gustavo Tepedi­ sa matéria, não refletindo, sequer em parte, o estágio atual
no48 ', dentre outros. de nossa jurisprudência, principalmente a formulada após a
Entretanto, tivemos sua aprovação, e, apesar de estar­ Carta de 1988, mormente nada trazendo de contribuição
mos dentre aqueles que entendem que um novo Código se para tormentosas questões da área, como dos danos extra­
tratava de instrumento desnecessário, e isso se pode notar patrimoniais e da quantificação dos mesmos.
pela utilização da interpretação confonne a Constituição, Nesse sentido são os comentários do Des. Rui Stoco:
mister tratarmos sobre como se tem a reparação dos danos "Sem querer ser venéfico ou malévolo, poder-se-ia di­
moral e estético na vigência do novo diploma. zer que, nessa parte, o Projeto é tímido e conservador. Tal­
Por seu turno, inegável a necessidade de adentrarmos vez menos adequado do que o atual Código Civil.
em algumas modificações trazidas no novo Código, para Basta dizer que o direito da personalidade, a inviolabili­
fins de nos situarmos de como se tem a questão da repa­ dade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem,
ração dos danos extrapatrimoniais causados à pessoa hu­ consagrados e alçados à condição de garantia fundamental,
mana. não mereceram a devida atenção.
(... ) Mas a grande expectativa e o anseio dos juristas e
dos operadores do Direito não foram atendidos, ou seja, a
487 Para uma crítica justa e escorreita do novo Código Civil, v., TEPE­ inclusão de capítulo em que fossem estabelecidos critérios
DINO, Gustavo. O velho projeto de um revelho Código Civil. ln: de indenização do dano material e compensação do dano
___ . Temas de direito civil, cit., p. 437 ss.

298 299
' '

moral, que prevalecessem em todas as hipóteses, inclusive mundo exterior"489, e, essencialmente, voltados à proteção da
para aquelas previstas em outras leis em vigor. " 488 • o pessoa humana, a Constituição de 198 8 trouxe a positivação
Assim sendo, pode-se concluir que o nov.ç Código Civil de diversos direitos da personalidade, como os direitos "à
cm muito pouco contribuirá com o desenvolvimento do vida, à liberdade, à segurança, à intimidade, à vida privada,
Direito, o que só se lamenta, tendo em vista que não deve­ à imagem, a direitos autorais, incluídas as participações in­
ríamos apoiar medidas que retirassem a atenção do legisla­ dividuais em obras coletivas, à reprodução da voz e da ima­
dor para os reais problemas deste país, que merecem a gem (os dois últimos, como inovações) (art. 5°, caput, e incs.
mesma atenção, como saúde, saneamento básico, educa­ X, X.XVII e XX.VIII), assegurando o direito à indenização
ção, segurança, alimentação, reivindicações que parecem pelo dano moral, em caso de violação (incs. V e X)". 490
infantis e pueris para quem discute um texto legal da im­ Como aludido, portanto, a questão da positivação dos
direitos da personalidade não é de tanta inovação assim, vez
portância do novo Código Civil, mas, infelizmente, presen­ que a Constituição de 1988, refletindo a dita necessária
tes nesse mesmo país onde será aplicado este texto. releitura do direito civil conforme a Constituição491 , aca­
Outrossim, destaca-se que a Constituição da República bou por "constitucionalizar" alguns direitos da personalida­
ao abarcar uma cláusula de proteção da pessoa humana - de, o que é momento do direito não só de exclusividade
direito fundamental de reparação dos danos causados -, brasileira, mas sim de tendência de política legislativa no
sobrepõe-se ao direito posto pelo Código, pelo que o siste­ direito comparado, na busca de maior efetividade e prote­
ma de direito civil constitucional que aí se opera é, por ção a direitos que versam sobre o bem maior de importân­
vezes, melhor que o do novo Código, bastando a vasta apli­ cia: a pessoa humana. 492
cação da CF/88 pela jurisprudência na reparação do dano Mesmo assim, deve-se lembrar que a codificação dos di­
moral, com fundamento no art. 5 ° , nas relações entre par­ reitos da personalidade é alvo de intenso debate, principal­
ticulares, dentre outros exemplos. mente por sua característica de direito ilimitado, mas, isso
Entretanto, mesmo assim, mister a análise das princi­ não tem sido obstáculo suficiente para a sua não positivação
pais disposições referentes à responsabilidade civil no novo
Código Civil.
489 FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. 3. ed. São
6.5.l.l. Reparação contra ofensa aos direitos da personali­ Paulo: Saraiva, 1994. p. 1.033.
dade 490 BITfAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988,
cit., p. 57.
Definidos os direitos da personalidade como "as faculda­ 491 PERLINGIERI, Pietro. Tendenze e metodi della civilistiva italia­
na, cit., p. 39 ss.
des jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria
492 CI-IAVES, Antônio. Direito à vida, ao próprio corpo e às partes do
pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mesmo (transplantes), esterilização e operações cirúrgicas para mudan•
ça de sexo, direito ao cadáver e a partes do mesmo, cit., p. 144-149;
B!TTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988, cit.,
488 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilid�de p. 56-57; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, cit., t. 4,
civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, cit., p. I 4-15. p. 55-59; e DE MATTIA, Fábio Maria. op. cit., p. 102-103.

300 301
n?s C��igos; como lembrava Carlos Albert o Bittar há TABELA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO DIREITO COMPARADO E CA·
d1�p?s1çoes sobre os direitos da personalidade no BG B' o RÁTER EXEMPLIFICATIVO DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO494
Cod�go Português, Suíço, Espanhol, Perua110, e O Itali;nno
con dera 0 _um dos qu� melhor explana sobre a matéria.493' Direitos da perso· Secção especialmente dedicada aos direitos da personali­
,;. esta1e1t�, nos artigos 11 a 21, o novo Código traz um
ar
nalidade referidos dade (arts. 13·21), direito ao próprio corpo (arts. 13, 14 e
no Código Civil 15), direito ao nome (arts.16, 17 e 18), direito ao pseudô·
1tulo especialmente dedicado aos direitos da personalida- brasileiro nimo (art. 19), direito aos escritos (art. 20), direito à voz
(art. 20), direito à honra (art. 20), direito à imagem (art. 20),
Ness_es dispositivos, tem-se a proteção dos direitos da direito à boa-fama (art. 20), direito à vida privada (art. 21),
personalidade nos seguintes termos: direito à intimidade lart. 2i ,.
ª! _caracte.:ização como direitos "intransmissíveis e irre- Direitos da perso· Secção especialmente dedicada aos direitos da personali·
nun�1�ve1s, nao podendo seu exercício sofrer limitação vo­ nalidade referidos dade (arts. 70-81), sendo expresso ao direito ao nome (art.
l untana" (art. 11); no Código Civil de 72), direito ao pseudônimo (art. 74), direito às cartas-mis•
b) poss(bil_idade de pedido para que "cesse a amea ça ou Portugal sivas confidenciais (art. 75), publicação de cartas confiden·
ciais (art. 76), direito à proteção das memórias familiares e
a lesao, a direito da personalidade" (art. 12' caput ),
·. ' outros escritos confidenciais (art. 77), proteção das cartas­
- c ) �o�s1ºbTd i I ade de pedido de reparação no caso de le- missivas não confidenciais (art. 78), direito à imagem (art.
sao a d1re�t? d_a personalidade (art. 12, caput); 79), direito à reserva sobre a Intimidade da vida privada
d) �g1t_1m1dade para proteção dos parentes, depois da (art. 80) e da limitação voluntária dos direitos da personali·
morte o _titular, (art. 12, par. único), sendo esses o cônju­ dade tart. 81 \.
ge sobrev1vente, ou qualquer parente da linha reta, ou da Direitos da perso· Não há um Capítulo especialmente dedicado aos direitos
da
colateral até o quarto grau· mas esses se encontr am regulad os logo no
nalidad e referidos personalidade,
5°-10°),
e) direito ao próprio c�rp o (arts. 13, 14 e l S); no Código Civil início do Livro destinado às pessoas físicas (arts.
f) d _ _
sendo expresso ao direito de disposi ção do próprio corpo
• _ :re1to ao nome (arts. 16 e 17, este último vedando a
italiano º ), da proteção e tutela do
(art. 5 ), direito ao
° nome (art. 6
ut1hzaçao que exponha "ao desprezo público" o nome, e direito ao nome (art. 7°), proteção e tutela do direito ao
18, vedando a ut1•1·1zaçao - em autorização); nome por razões lamiliares (art. 8', essa interessante pro·
g) d1. re.'.to ao pseudônimo (art. 19); teção é assim delineada no direito italiano: "Art. B' Tutela
_ dei nome per ragioni familiari. Nel caso previsto
h) d1re1to aos escritos (art. 20)
dal/'articolo precedente, l'azione puô essere promossa
!) d!re!to � voz (art. 20) anche da chi, pur non portando il nome contesta to o in·
J) direito a honra (art. 20)· debitamente usato, abbia ai/a tutela dei nome un inte·
k) direito à imagem (art. 20)· resse fondato su ragioni familiar/ degne d'essere protet­
1) dir:it? à ?ºa-fama (art. 20); te."), direito ao pseudônimo (art. 9'), direito à imagem e
m) �ir':1to a vida privada (art. 21); sua orote•ão contra o abuso tart. 1 O \.
º

_
n) direito a_ intim idade (art. 21).
494 Utilizamos os Códigos de Portugal e Itália, para a comparação com
49 3 Br r r� R , Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988' o Código brasileiro, por serem considerados bem avançados para a ma­
CI t ., p. S O S Z. téria.

302 303
Dir�itos da persa- Carlos Alberto Biliar c ita as seg�i�tes espéciescte direitos., Da mesma sorte, como já aludido, a proteção dos direi­
nalidade adm itido s , da personalidade: 1. direito à vida, 2. dire ito à integridade tos da personalidade pode ser realizada pela Con�ti\uição,
em dout r ina e lisica, 3. direito ao corpo, 4. direito a partes separadas do conforme os rumos de constitucionalização dos d1re1 to� da
d ireito comparado corpo, 5. direito ao cadáver, 6. direito à i11J.agem, 7. direito à _
personalidade, pelo que para tal aplicaç�o, v,g. para d1�e1t�s
(alguns não citados voz, 8. d ireito à liberdade, 9. dire ito à lnlimidade, 1 O. direito
no Cód igo Civil à integridade psíquica, 11. direito ao segredo, 12. dire ito à novos e outros não protegidos pelo CC/O2, esse coteJO di­
bra s ileiro) idenlidade, 13. direito à honra, 14. direito ao respeito, e 15. reitos da personalidade - Constituição é fundamental
'------�d""ir"'e"' ito às'"c "'riações intele c tuais. 95
=-= 4
__ ·- __ para a solução de conflitos e elaboração de resp�stas para
_ _
possíveis casos não cobertos pela leg1slaçao ordmana.
Assim sendo, a codificação dos direitos da personalida­
Da análise, percebe-se que o novo Código é importante de no novo Código Civil deve ser vista, essencialmente, em
porque soterra algumas querelas aventadas, como a da pos­ dois momentos: (i) reflete tendência de positivação com
sibilidade de ação para cessar ameaça a direito da persona­ vistas à efetiva proteção e (ii) não afasta a proteção dada
lidade, bem como indica um rol mínimo e exemplificativo pelos direitos fundamentais, ao revés, conjugam -se ambos
_
dos direitos protegidos, é claro, para fins de reparação do na aplicação unívoca de melhor e ampla proteçao do bem
dano, no caso de ofensa. jurídico em tela, a pessoa humana.
Entretanto, necessário sempre ressaltar, como sobredi­
to, que esse rol é apenas exemplificativo, nunca taxativo.
G.5. I .2. Reparação dos danos morais causados à pessoa
jurídica

495 Usamos os citados por Carlos Aberto Bittar, Os direitos da perso­ O CC/O2 traz disposição expressa sobre a aplicação dos
nalidade, 2' ed., Siio Paulo: Forense Universitária, 1995, porque conti­ direitos da personalidade às pessoas jurídic�s, pla�and� a
nua sendo essa obra do saudoso professor das Arcadas a que melhor _
estuda a matéria conforme o nosso ordenamento, mesmo escrita antes
questão, o que trará algumas inovações na tecn1ca Jtmd1ca
da vigência do novo Código Civil. Entretanto, mister ressaltar que o brasileira.
clássico livro sobre a matéria em português é ainda a tradução do fun­ Preliminarmente, mister considerar que a doutrina ain­
damental Adriano de Cupis, Os direitos da personalidade, tradução de da debate a possibilidade da aplicação dos direitos da per-
Afonso Celso Furtado Rezende, Campinas: Romana, 2004, que estuda sonalidade às pessoas jurídicas.
de forma magistral os seguintes direitos: 1. direito à vida, 2. direito à
integridade física, 3. direito sobre as partes separadas do corpo, 4. di­
Por exemplo, é Pietro l'erlingieri contrário� tal aplica­
reito ao cadáver, 5. direito à liberdade, 6. direito à honra, 7. direito ao ção, argumentando que há "diver�i�ade das razoes de tute­
_
resguardo pessoal, 8. direito ao segredo, 9. direito ao nome, 1 O. direito la", que, em suma, as pessoas 1und1cas reíletem interesses
_
aos modos acessórios de designação da pessoa, 1 I. proteção do nome patrimoniais, enquanto os direitos da personahdade, em
pessoal e nome extrapcssoal, I 2. direito ao título, 13. direito ao sinal regra, possuem característica notadan:ent� �xtrapatn_ 1:1O­
_
figurativo e 14. direito moral de autor. Percebe-se que a classificação nial. Assim é expresso o mestre do d1re1to civil const1tuc10-
de Bittar é bem próxima ao que é considerado como um dos melhores
em matéria de direito comparado, Adriano de Cupis.
nal: "Os chamados direitos da personalidade e as pessoas

304 305
/ : p
ona­
jurídicas. É possível remover o equívoco sobre a extensão Também contrário à aplicação dos direitos da pers
"De tais
dos direitos da pessoa humana às pessoas jurídicas. Se a lidade à pessoa jurídica é Gustavo Tepedin_o:
emboca
tutela da pessoa humana afunda as suas raÍZI/S na cláusula elaborações decorrem, ainda, as teses que, _movidas
reparaçao
geral presente no art. 2 Const. e qualquer aspecto ou interes­ pelo louvável propósito de ampliar os confz� �a
a pessoa
se concernente à pessoa é tutelado na medida em que sejam civil, consideram indistintamente a pessoa fzszc e a
a des­
essenciais ao seu pleno e livre desenvolvimento é também jurídica como titulares dos direitos da personalidade,
e ­
verdade que qualquer interesse referido às pes;oas jurídi­ peito do tratamento diferenciado atri�uíd� p�lo ordenam �­
azs e extra patn
cas, não somente assume significados diferentes, mas recebe to constitucional aos interesses patnmom
também uma tutela que encontra um distinto fundamento. moniais.
não
Para as pessoas jurídicas o recurso à cláusula geral de tutela As lesões atinentes às pessoas jurídicas, quando
dos 'direitos invioláveis' do homem constituiria uma refe­ sócio s ou acion istas ,
atingem, diretamente, as pessoas dos
rência totalmente injustificada, expressão de uma mistifi­ to de suas
repercutem exclusivamente no desenvolvime�
cante interpretação extensiva fundada em um silogismo: a mesmo,
atividades econômicas, estando a merecer, por isso
pessoa física é sujeito quem tem tutela; a pessoa jurídica é confun­
técnicas de reparação específicas e eficazes, não se
sujeito; ergo, à pessoa jurídica deve-se aplicar a mesma tu­ os na perso­
dindo, contudo, com os bens jurídicos traduzid
tela. Daqui uma concepção dogmática e unitária da subjeti­ resa co­
vidade como fato neutro. O valor do sujeito pessoa física é, nalidade humana (a lesão à reputação de uma emp
os s_eus
toda_via, diverso daquele do sujeito pessoa jurídica. mercial atinge - mediata ou imediatamente -
ando , por isso
E necessário adquirir consciência da identidade apenas resultados econômicos, em nada se assemelh
da per-
aparente de problemáticas como, por exemplo, o segredo, mesmo, à chamada honra objetiva, com os direitos
a privacidade e a informação. Estes aspectos assumem valor sonalidade). .
la­
Cuid a-se, afina l, de uma tom ada de posi ção do legis
existencial unicamente para a pessoa humana; nas pessoas defin ido­
jurídicas, exprimem interesses diversos, o mais das vezes dor constituinte, que delineou a tábua axiológica
ô ica
de natureza patrimonial. O sigilo industrial, o sigilo bancá­ ra do sistema e, por conseguinte, da ativida�e econ � ,
bora çao dogm at1ca
rio, etc. podem também ser em parte garantidos pelo orde­ privada. Daí a necessidade de uma reela
àque la exis­
namento, mas não com base na cláusula geral de tutela da de molde a subordinar a lógica patrimonial
resa,
pessoa humana. Deve ser recusada, por exemplo, a tentati­ tencial, estremando, de um lado, as categorias da emp
e da otim izaçã o dos lu­
va de justificar o sigilo bancário com a tutela da privacida­ informadas pela ótica do mercado
pess oa hum ana,
de; esta exprime um valor existencial (o respeito da intimi­ cros e de outro, as categorias atinentes à
hierár­
dade da vida privada da pessoa física); aquele, um interesse cuja'di�nidade é o princípio basilar posto ao vértice
patrimonial do banco e/ou do cliente." 496 quico do ordenamento. , .mo a ot1c , . a .m 1v1- ..
Tam pouc o se pode tomar de emp rest1 _ �
me­
dualista e patrimonialista para a solução de conflitos
bem
496 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direi­ rentes à tutela da pessoa humana - permeados por -
to civil constitucional. Trad. de Maria Cristina De Cicco. 3. ed. Rio de na estei ra de tal pers
Janeiro: Renovar, 1997. p. 157-158.
outros valores. A empresa privada,
307
306
F 0

pectiva, deve ser protegida não j,í pelas cifras que movi­ por exemplo, como o direito moral sobre criações coletivas e
menta ou pelos índices de rendimento econômico por si só o direito à honra). "" 98
considerados, mas na medida em que se tornâ• instrumcnto Com efeito, venceu a tese da possibilidade de aplicação
de promoção dos valores sociais e não-patrimoniais. dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas, com tex­
Com base em tais premissas metodológicas, percebe-se to de lei expresso nesse sentido.
o equívoco de se imaginar os direitos da personalidade· e o Assim sendo, o artigo 52, do novo Código Civil possui a
ressarcimento por danos morais como categorias neutras, seguinte dicção: "Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no
adotadas artificialmente pela pessoa jurídica para a sua tu­ que couber, a proteção dos direitos da personalidade."
tela (a maximização de seu desempenho econômico e de Então, preliminarmente, sem qualquer remessa, vem a
seus lucros). Ao revés, o intérprete deve estar atento para seguinte questão: o que "cabe" nessa aplicação "não geral"
a diversidade de princípios e de valores que inspiram a dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas?
pessoa física e a pessoa jurídica, e para que esta, como Nos artigos 11 a 21, o novo Código traz um capítulo
comunidade intermediária constitucionalmente privilegia­ especialmente dedicado aos direitos da personalidade; vale
da, seja merecedora de tutela jurídica apenas e tão-somen� dizer, sem notar expressamente as pessoas jurídicas.
te como um instrumento (privilegiado) para a realização Nesses dispositivos, como acima referido, tem-se a pro­
das pessoas que, em seu âmbito de ação, é capaz de con­ teção dos direitos da personalidade, depois da morte do
gregar."497 titular, por seus parentes (art. 12, par. único}, direito aQ
Entretanto, tal posição não é pacífica, pelo que, favora­ próprio corpo (arts. 13, 14 e 15), direito ao nome (arts. 16
velmente, trazemos os ensinamentos do saudoso Carlos Al­ e 17, este último vedando a utilização que exponha "ao
berto Bittar, aduzindo da compatibilidade de certos direi­ desprezo público" o nome, e 18, vedando a utilização cm
tos da personalidade às pessoas jurídicas: "Por fim, são eles autorização}, direito ao pseudônimo (art. 19), direito aos
plencmwnl'e compa!Íveis com pessoas jurídicas, pois, como escritos, à voz, à honra, imagem e boa-fama ( todos no art.
entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo 20), vida privada e intimidade (art. 21).
(C. Civil, arts. 13, 18 e 20), fazem jus ao reconhecimento Destacando-se que os direitos da personalidade, mes­
de atributos intrínsecos à sua essencialidade, como, por mo sendo positivados, não podem ser vistos como ampara­
exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à honra. dos somente nesses casos, vez que são ilimitados, pelo que
Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem en­ qualquer enumeração será sempre exemplificativa, de­
quanto estiverem em atuaçcio e tenninam com a baixa do pendendo da evolução da sociedade para o nascimento e
registro, respeitada a prevalência de certos efeitos posterio­ proteção através da técnica de novos direitos499, de pronto
res, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas (como, já se tem a conclusão que, desde que tais direitos sejam
compatíveis com a estrutura da pessoa jurídica, essa terá o
497 TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade 110 ard1ma111e11ta
ci11il-co11stitucicmal brasileiro. ln: __ . Temas de direito cil'il, cit., p. 498 BITl'AR, Carlos Alberto. Os di,·eitas da personalidade, cit., p. 13.
52-53. .199 Cfr. !d. lbid., p. 64.
308 309
amparo dos direitos da personalidade assim pertinentes, go 12. Acrescentamos, ainda, que não há disposição no
seja para fins de proteção direta de direitos, como à honra novo Código que vede tal interpretação, aliando-se que
e boa-fama, art. 20, seja para exigir a tutela de emergência toda e qualquer interpretação deve ser fixada aqui no sen­
para fins de cessar ameaça a tais direitos, e até, ao pleito de tido de promover a inovação trazida, dos direitos da perso­
ressarcimento pelas perdas e danos causados por ofensa a nalidade a pessoa jurídica. 501
tais direitos, art. 12, todos do novo Código Civil.
,-'
' Podemos destacar, dentre outros, já que ilimitados,
Sobre os direitos da personalidade aplicáveis às pessoas como direitos da personalidade aplicáveis às pessoas jurídi­
jurídicas, é pertinente Bittar: "... fazem jus ao reconheci­
cas: honra, reputação, nome, marca e símbolos (direito à
mento de atributos intrínsecos à sua essencialidade como
, , identidade da pessoa jurídica), propriedade intelectual, di­
por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e à
reito ao segredo e ao sigilo, privacidade, 502 e assim todos
honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem
que com o avanço do direito, se fizerem necessários à pro­
enquanto estiverem em atuação e tenninam com a baixa do
teção dos desdobramentos e desenvolvimento da "vida"
registro, respeitada a prevalência de certos efeitos posterio­
das pessoas jurídicas503•
res, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas ... "500
Por tal princípio, são compatíveis todos aqueles direi­
tos intrínsecos e essenciais à existência da pessoa jurídica, 501 O interesse restaria claro no caso hipotético em que certa empre­
protegendo-se desde o momento de seu registro - nasci­ sa, já encerrada, há alguns anos, seus sócios já falecidos, so�re ª�usações
mento da pessoa jurídica-, até o seu encerramento, pro­ através de mídia impressa, pelo que a honra dessa pessoa 1und1ca � est�­
tegendo-se, ainda, certos direitos mesmo após tal encerra­ ria abalada, e sendo seus sócios já falecidos, há interesse de seus herdei­
ros na proteção desse direito da personalidade da pessoa jurídica ofen­
mento. Sobre essa última assertiva, da mesma forma que, dida. Da mesma sorte: ubi commoda, ibi incommoda: da mesma forma
por exemplo, a honra de pessoa já falecida poderá ser alvo que os sócios podem responder por obrigações da empresa mesmo �p�s
de proteção a ser requerida pelos parentes- "cônjuge so­ 0 seu encerramento, podem também pleitear sua proteção pelos d1re1-
brevivente, ou qualquer parente da linha reta, ou da colate­ tos da personalidade, ou seja, legitimidade passiva e ativa após encerra­
ral até o quarto grau", nos termos do artigo 12, par. único, mento das atividades da pessoa jurídica.
502 Nesse sentido, v., sobre alguns direitos da personalidade de que
do novo Código, com o encerramento da pessoa jurídica, pode a pessoa jurídica ser titular, SALVI, Cesare. La responsabiliià
por esse raciocínio de compatibilidade do artigo 52 - dan­ civile. Milano: Giuffre, 1998. p. 81, citando o direito ao nome, à repu­
do direitos da personalidade às pessoas jurídicas -, em tação e à privacidade.
tese, será admissível a proteção da honra da pessoa jurídica (,
503 Poder-se-ia questionar um direito à vida das pessoas jurídicas e um
"morta", já com suas atividades encerradas, por seus anti­ direito à integridade: na verdade a compatibilidade aqui seria discutí­
gos sócios, e até herdeiros, na mesma ordem fixada no arti- vel 1 haja vista que "vida" para a pessoa jurídica é a qualidade de ter
reconhecimento como sujeito de direito, com direito ao seu pleno e
regular funcionamento, observadas as restrições lcgais, c?nfun�indo-se
com o direito à livre iniciativa, bem como, o d1re1to_ _
à mtegndadc da
SOO Conforme trecho já transcrito neste trabalho: BIITAR, Carlos Al­
berto. Os direitos da personalidade, cit., p. 13.
_e pessoa jurídica se confunde com direito ao respeito às suas partes patri­
moniais e cxtrapatrimoniais.
310 31!
1

Desta análise dos direitos da personalidade da pessoa j11s à proteção legal e estatal à sua honra objetiva, conside­
jurídica se pode chegar à resposta sobre a reparação civil rada assim a reputaçüo CJUe goza em s11a área ele atuaçcio. O
dos danos causados por ofensa a tais. •. dano moral pitro é aq11ele em que a ofensa que lhe deu causa
O sancionamento, na órbita civil, da ofensa aos direitos ncio traz reflexos patrimoniais, independendo, sua repara­
da personalidade é o dever de reparar o dano moral causa­ çcio, ela existência ele prejuízos econômicos oriundos elo ata­
do, sendo que esse, vale lembrar, não é necessariamente que irrogaclo. ReCHrso conhecido e improviclo." º'
5

uma ofensa a um direito da personalidade, mas sim uma "Responsabilidade civil - Dano moral - Pessoa jurí­
ofensa a um bem jurídico extrapatrimonial, dentre eles, os dica -Aclmissibiliclacle - Instituiçcio financeira que pro­
direitos da personalidade. 'º4 testa indevidamente título cambial - Fato que acarreta
Nesse sentido, a doutrina já tem havido como cabível a conseqüências danosas ele ordem patrimonial à empresa -
reparação do dano moral causado à pessoa jurídicas0s , nota­ Ofensa à honra objetiva caracterizada - Indenização de­
damente contra sua honra objetiva - direito da personali­ vida -A honra objetiva ela pessoa jurídica pode ser ofendi­
dade -, pelo que a teor dos artigos 12 e 52, já citados, do da pelo protesto indevido ele título cambial, cabendo incleni-
novo Código Civil, reforço terá também a jurisprudência, .
zaçcio pe1o dano extrapatrzmomet . l dCll. decorren t·e. ,,,os
·
que vem sendo franca nesse sentido. Tanto assim que se tem entendime nto sumulado no
º
Assim, a jurisprudência, que já teve força no sentido STJ, Súmula n 227: "A pessoa jurídica pode sofrer demo
contrário à concessão de reparação de dano moral à pessoa moral".
_
jurídica'º", firmou-se de forma majoritária pela sua permis­ Da mesma forma que tanto no que se refere à honra,
são: quanto aos demais direitos da personalidade da pessoa jurí­
"Responsabilidade Civil - Danos morais - Pessoa ju• dica, plenamente cabível a sua reparação, nos mesmos mol­
rídica - Ao adquirir personalidade, a pessoa jurídica Jaz des a ensejar a reparação, notadamente, dos danos morais
causados.
Assim sendo, plenamente cabível a ação visando à repa­
504 Contrariamrnte à posição de que somrnte ofensa aos direitos da ração dos danos causados aos direitos da personalidade da
personalidade podem gerar reparação civil por dano moral, v., SEVE­
RO, Sérgio. op. cit., p. 228. pessoa jurídica, a teor do novo Código Civil.
505 Sobre a reparação do dano moral causado à pessoa jurídica, v., Entretanto, devemos lembrar que mesmo antes dessa
BllTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos mo.-ais, cit., p. disposição expressa de direitos da personalidade às pessoas
167-168, CAHALI, Yussef Saicl. op. cit., p. 342 e ss., SANTOS, Anto­
nio Jeová. op. cit., p. 143 e ss., CA VALIERI FII.IIO, Sérgio. op. cit., p.
79-81. 507 TJDF, 3" Ciim., Ap. Cível n º 41.2 93/96 -DF, Rela. Desa. Nancy
º
5rni V. "Dano moral - Pessoa jurídica -- Impossibilidade. A indeniza­ Andrighi, j. 4.11.96, maioria devotos, ementa, in Bo!MSP n 2000, p.
ção a título de dano moral só se justifica quando a vítima é pessoa física, 33-4 -e.
508 S J, 4 º T, Rcc:. Esp. nº 60.033-2 - Minas Gerais, Rei. Min. lluy
pois caractcrizando�sc esse tipo de dano por um sofrimento d� natureza T

psíquica, não há como considcrá�1o cm relação a uma pessoa jurídica" Rosado de Aguiar, j. 09.8.1995, v.u. ementa, em BMSP, 1970/77 -
T.JRJ, 5º Ciim., Ap. 2.940, rei. Des. Narcizo Pinto, v.u., j. 16. I 0.91. e, de 25.09.1996; RT 724/123, Maio, 1996.

312 313
_, -:--

jurídicas, a jurisprudência vinha se firmando francamente 6.5.1.3. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
pela reparação dos danos morais causados à pessoa jurídica
com fundamento no art. 5° , incs. V e X, CI</88, notada­ Mantendo a ótica de regra geral de responsabilidade
mente no conceito de honra objetiva, que estaria presente civil do Código de 1916, o novo também se pauta nesse
no dispositivo constitucional pela previsão de reparação do sentido pela teoria da responsabilidade subjetiva - por
dano moral causado por ofensa à honra, não excluindo a culpa, como pórtico principal para análise do dever de re­
dita honra objetiva da pessoa jurídica. Nesse sentido, v., parar o dano no direito brasileiro, cabendo, tão-somente,
expressamente: "Indenização - Danos morais - Pessoa por exceção, nos casos previstos em lei, a responsabilidade
jurídica - Protesto indevido de título - Decretada a pro­ objetiva -independente de culpa, ou ainda quando evento
cedência da ação - Inteligência do art. 5°, X, da CF", do danoso decorrente de atividade de risco desempenhada
TAMG, RT 728/355; "Indenização-Dano moral-Pro­ pelo ofensor.
testo indevido de título de crédito - Possibilidade da pes­ Assim o artigo 186 possui a seguinte dicção: "aquele
soa jurídica ser moralmente lesionada - Desnecessidade que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou impru­
da comprovação de prejuízo patrimonial -Admissibilida­ dência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
de da reparação do dano exclusivamente moral- Inteligên­ exclusivamente moral, comete ato ilícito", pelo que esse
cia do art. 5°, V e X, da CF", do 1 ° TAC-SP, RT 725/241; dispositivo deve ser cotejado ao artigo 927, que dispõe:
"Responsabilidade Civil - Indenização - Dano moral - "aquele que, por ato ilícito (186 e 187), causar dano a ou­
Pessoa Jurídica-Admissibilidade - Titular de honra ob­ trem é obrigado a repará-lo", e com o seguinte parágrafo
jetiva - Direito de resguardar a sua credibilidade e respei­ único: "todavia, haverá obrigação de reparar o dano, inde­
tabilidade sempre que seu bom nome, reputação ou imagem pendentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
forem atingidos no meio comercial por algum ato ilícito - ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo au­
Inteligência do art. 5°, X, da CF", do TJIU, RT 725/336; tor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direi­
"Indenização - Dano moral - Pedido formulado po1· pes­ tos de outrem".
soa jurídica - Admissibilidade - Protesto de Título após Ora, como sobredito, a interpretação que cabe é única:
a dívida quitada - Abalo de seu conceito no mercado - a regra geral de responsabilidade civil é a subjetiva, caben­
Verba devida - Inteligência do art. 5°, X, da CF", do do, por exceção, aos casos previstos em lei ou quando pro­
TAMG, RT 716/270; "Responsabilidade Civil - Indeni­ veniente o dano de atividade perigosa do ofensor, a respon­
zação - Lucros cessantes - Atos ilícitos praticados com sabilidade objetiva.
O próprio novo Código apresenta alguns casos onde a
claro e evidente intuito de afugentar a freguesia de estabele­ l
responsabilidade deve ser objetiva, como, por exemplo, a
do dono, ou detentor, de animal (art. 936). 5º9
cimento comercial, obrigando o fechamento temporário do
mesmo - Dano moral - Abalo de crédito e da reputação
da proprietária no meio comercial - Cumulação deste com
dano material-Admissibilidade -Inteligência da Súmu­ 509 Art. 936, CC/02: "O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o
la 37 do STJ", do TAMG, RT 723/456. l dano por este causado, se não provar culpa da vítima, ou força maior".

315
314
Caberá à jurisprudência a árdua tarefa de prever as ati­ tivo brasileiro, que abarcou a teoria da responsabilidade
vidades de risco que deverão ser elencadas como perigosas objetiva -independentemente da apreciação de culpa do
para o fim de caracterização de r<'sponsabilidade objetiva, ofensor Estado -cm nossa Constituição Federal, no artigo
nos termos do parágrafo único do art. 927, CT/02. 37, § 6° , asseverando que "as pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços pú­
blicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
G.5.1.4. Responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
direito público e concessionárias de serviço público regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
No mesmo sentido é a legislação comparadasit , planan­
rorçoso estudo nest(' ponto de forma um pouco mais do pela responsabilidade objetiva do Estado, bastando-se
detalhada, tendo cm vista a sua importância, da responsa­ analisar, a título exemplar, as disposições dos artigos 34, da
bilidade civil do Estado e das prestadoras de serviço públi­ Lei rundamental Alemã, de 1949; 28, da Constituição da
co, notadamente do Estado, já que o art. 43 do CC/02 Itália, de 194 7 e, notadamentc, 22, da Constituição de
prevê que "as pessoas jurídicas de direito público interno Portugal, de 1976, o qual é claro ao estabelecer que "O
são responsáveis por atos dos seus agentes que nessa quali­ Estado e as demais entidades públicas são civilmente res­
dade causem a terceiros, ressalvado direito regressivo con­ ponsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus
tra os causadores do dano, se houver, por parte destes, órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões pra­
culpa ou dolo". ticadas no exercício das suas funções e por causa desse
Assim, quanto à responsabilidade civil direta do Estado exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e
pelos danos causados por sua omissão, não se discute do garantias ou prejuízo para outrem" .' 12
direito de reparação do particular contra a Administra­
ção510 , quanto mais se vista a questão à luz do direito posi-
cional. 19. cd. São Paulo: Saraiva, l 992. p. 206; BITTAR, Carlos Alber­
to. O direito cil'il na Co11stit11ição de 1988, cit.. p. 180 e ss.; DIAS.
É verdade que a interpretação do art. 1.527, do Código de 19 I G, já era José de Aguiar. o p. cit., 10. ed. v. 2. p. 616. Em sentido contrário,
pela responsabilidade objetiva. entendendo que o Estado, por atos omissivos, rcspondf' subjetivamen•
le, MELLO, Ce-Iso Antônio Bandeira de. Curso de direiro admüiistrati­
510 CAHALI, Yusscf Said. Respo11sabilidade cipi/ do Estado. 2. cd.
São Paulo: Malheiros Ed., 1995, notadamcntc, p. 112 e ss.; MEIREL-
"º· 6. cd. São Paulo: Malheiros Ed., I 995. p. 578 e ss.
1.ES, Hely Lopes. Direito administratil'o brasileiro. 19. cd. atual. por SI I Na doutrina comparada há também fartas defesas da tc"!oria da
responsabilidade objC'tiva do Estado por atos omissivos. Nesse sentido,
Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balcstero Aleixo e José Emmanuel
Burle Filho. Siio Paulo: Malheiros Ed., 1994. p. 561; DI PIETRO, Ma­ a título exemplar, v., I.AUBADERE, André de. Mamtel de droit admi•
ria Sylvia Zanclla. Direito administratil'o. 8. ed. São Paulo: Atlas, 11istratif. 2. ed. Paris: LGDJ, 1955. p. 124; BIELSA. Rafael. Dereclw
I 997. p. 4 I 4; MEDAUAR, Odete. Direito ad111i11istrativo moderno. 2. ad111i11istrativo. 6. ed. Buenos Aires: La Ley, 1966. p. 41 e ss.; DIEZ,
ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998. p. 392. Ainda ,obre a Manuel Maria. Dereclw administrativo. Buenos Aires: Plus Ultra,
responsabilidade objetiva do Estado cm nossa Carta de I 988 S J LVA 1971. p. 78-79; RIVERO, Jean. Droit administratif. 5. cd. Paris: Dai•
José Afonso da. Curso de direito couslitucioual positivo, cit..' p. 566 � 1oz, 1971. p. 261.
ss.; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito co11stitu• 512 Diante da expressão "causar" utilizada por nossa Carta no artigo

316 317
: '

A responsabilidade objetiva do Estado, fundamentada Assim sendo, pelo sobredito, indiscutível a responsabi­
em nossa Carta Magna, pela doutrina dominante, na teoria lidade objetiva direta do Estado por ato danoso, e assim,
do risco administrativom, plana pela responsabilidade sim­ também quanto ao concessionário de serviço público, in­
plesmente pela prova do ato danoso, do dâno e do nexo de clusive se pessoa jurídica de direito privado a teor expresso
causalidade entre o ato e o dano, sem qualquer perquirição do artigo 37, parágrafo 6°, da Carta Magna de 1988, 516 nos
de culpa por parte do ofensor, sendo que este, somente, moldes do que se tem no direito alienígcna.m
não responderá pelos danos causados se provar alguma das Entretanto, tal responsabilidade direta do Estado, e por
excludentes de responsabilidade, quais sejam a força que não dizer do concessionário, é clara e patente, aquele
maior, o ato de terceiro 514, a culpa exclusiva da vítima, e o porque atua em diversas esferas e nada mais justo que assu­
estado de necessidade515•
mir os riscos pela atividade administrativa entre todos,

37, § 6°, e da falta de disposição expressa de responsabilidade por rada atividade perigosa - só se admitem como excludentes a força
omissão, como no caso da Carta de Portugal, é que MELLO, Celso maior e a culpa exclusiva da vítima.
Antônio Bandeira de. op. cit., p. 578 e ss., entende pela responsabilida­
de subjetiva no caso de responsabilidade por omissão.
516 Nesse sentido, SILVA, José Afonso da. Curso de direito co1istitu•
cional positivo, cit., p. 566 e ss.; FERREIRA, Sérgio de Andrea. Comen­
513 Por todos, ME!RELLES, l·lely Lopes. op. cit., p. 553 e ss., notada­ tários à Constituição. 1. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, [s.d.]. v. 3,
mente, sobre a teoria do risco administrativo, p. 557-558. p. 324 e ss.; Bl1TAR, Carlos Alberto. O direito civil 11a Constituição de
514 Sobre a dinâmica da responsabilidade objetiva - requisitos, for­ 1988, cit., p. 161 e ss.; WALD, Arnoldo; MORAES, Luíza Rangel de;
mas de aplicação e excludentes -, por todos, CAHALI, Yussef Said. WALD, Alexandre de Mendonça. O direito de parceria e a nova Lei de
Responsabilidade civil do Estado, cit., notadamente com vistas ao direi­ Concessões: análise das Leis 8.987 /95 e 9.074/95. São Paulo: Ed. Revis­
to pátrio, com farta orientação jurisprudcncial citada. Sobre as exclu­ ta dos Tribunais, 1996. p. 164; ME!RELLES, Hely Lopes. op. cit., p.
dentes, mister salientar a respeito do ato de terceiro, que na doutrina 560; MELLO, Celso Antonio Bandeira de. op. cit., p. 463; CAHALI,
alienígena é fonte de vários e riquíssimos estudos, o que não é refletido Yussef Said. Respo1isabilidade civil do Estado, cit., p. 112-122; Arestas
em nossa doutrina. nesse sentido em Apelações nº 412.831-4, 504.235-9 e 513.773-3 do
515 Nesse sentido, pela consideração que o Estado responde mesmo na 1 º TACSP e RT 655/100.
incidência de caso fortuito - porque ínsito no "risco que este assume 517 Nesse sentido, no direito comparado, bastamo-nos de recente es­
ao desempenhar suas funções e atribuições públicas" -, e pela exclu­ tudo do renomado Professor de Direito Público da Universidade de
são no caso do Estado agir em estado de necessidade - "pelo princípio Grenoble, PE!SER, Gustave. Droit administratif: fonctions publique
da preponderância do interesse geral sobre o particular, mesmo sobre de l 'Etat et tcrritorialc, domaine public, expropriation, réquisitions,
bens ou direitos individuais", v. ARAÚJO, Edmir Netto. Responsabili­ travaux publics. 8. ed. Paris: Dalloz, 1986. p. 99 e 107-113, sendo
dade do Estado por ato jurisdicional. São Paulo: Ed Revista dos Tribu­ explícito ao relatar que no direito francês nos danos submetidos aos
nais, 1981. p. 41-42; tais excludentes se repetem para o caso de ativi­ usuários de serviços públicos realizados por pessoas jurídicas de direito
dades consideradas perigosas, onde se aplica a mesma teoria por res­ privado concessionárias de serviço público, aqueles podem demandar
ponsabilidade objetiva, como salienta e no direito alemão, HEDE­ esses diretamente, com fundamento numa responsabilidade sem culpa,
MANN, J. W. Derecho de obligationes. Tradução de Jaime de Santos onde se permite como excludente somente a culpa da vítima e a força
Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958. v. 3, p. 516, maior, sendo aplicável principalmente em eventos advindos de ativida•
que é explícito que na lei de estradas de ferro alemã - por ser conside- des ou obras perigosas.
318 319
como preconiza nitidamente a teoria do risco administrati­
vo, com cerne claramente social, e este porque atuá como risco a ser adotado; (iii) e o da aplicação do conceito para
se Estado fosse, até por questão do vínculo com a Adminis- fins de responsabilidade objetiva.
tração, através da natureza do liame jurídico • Um dos casos que merecerá boa discussão é o referente
que une o à circulação de veículos e sua consideração como atividade
poder concedente e o concessionário. 51�
Portanto, a norma do CC/02 é importante para a d�li­ de risco ou não.
mitação da responsabilidade civil do Estado, mas, mais Í� notório que o automóvel é coisa perigosa, principal­
uma vez, vai buscar fonte em árvore que dá mais sombra, a mente no trânsito das grandes cidades, como São Paulo e
Constituição, e sua previsão de direito fundamental de re­ Rio de Janeiro, devendo o motorista ser o mais diligente
paração dos danos causados pelo Estado. possível. Por isso, essa questão do risco na circula?�º de
_
veículos já ensejou estudos no sentido de responsab1hdade
objetiva, ou ao menos, presumida, diante do risco incrente
da máquina. ;iq
6.5.1.5. Responsabilidade pelo risco da atividade e circula­
Com efeito, não podemos ainda concluir pela responsa­
ção de veículos
bilidade objetiva ou não para o caso de circulação de veícu-
Como acima referido, o parágrafo único do art. 927
aduz a responsabilidade objetiva por desempenho de ativi� Sl!l Nesse sentido, v., no direito pátrio, BITTAR, Carlos Alberto. Res­
dade de risco. Entretanto, quais atividades devem ser con­ ponsabilidade civil nas atividades perigosas. ln: CAI·IJ:Ll: Yussef Sa:d
_
sideradas de risco? Dirigir um automóvel? Um médico rea­ (Coord.). Responsabilidade civil: dou�rina e 1unsprudencia. 2. ed. Sa?
_
lizando uma cirurgia? Um arquiteto ao projetar um edifí­ Paulo: Saraiva, 1988. p. 91 e ss.; DINIZ, Mana Helena. Curs� �• dire'.­
,o ci1•il brasileiro: responsabilidade civil, cit., p. 384; e COU l O, Gm­
cio? Um trabalhador no desempenho de sua atividade pro­ lherme. A responsabilidade civil objeti1•a no direito brasileiro. Rio d e
fissional em uma máquina perigosa? Os acidentes do traba­ _
Janeiro: Forense, 1997. p. 38; SILVA, Wilson Melo da. Da respo11sab,­
lho? A atividade empresarial? A responsabilidade por con­ lidade ci1•il auwmobillstica. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 147,
selho e orientação? sendo claro que há "tendência doutrinária para a objetivação"; no direi­
to comparado, a título exemplar, v. o n:!ti�no, cs�ccialmc�tc.� e"; s u
Ou seja, a discussão sobre a aplicação deste artigo deve Código Civil, especificamente sobre c1rculaçao de _vc1culos , as
, �
se pautar por alguns pontos principais: (i) o que se deve .
disposições contidas no artigo 2.054, e sobre sua aphcaçao v., G�AN­
_
entender por atividade de risco; (ii) qual o conceito de '.
N!Nl, Gcnnaro; MAIUANI, Marino. /.a respa11sab1htà per I danm _dai­
/a circolazione dei veicoli. Milano: Giuffré, 1982. p. 1-39, principal­
mente, p. I-11; SAI.VI. Cesarc. op. cit., P: l l 4 e ss:; na jurisprudênci:
_ ,
518 Acerca da natureza da concessão de serviço público muito se dis­ pátria, exemplar aresto relatado pelo cntao J mz, S1dnc1 Bcnctt, no l
cutiu mas a opinião prevalecente é a que entende ser a natureza da Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. cm Rr . 720/146, dcmonstr n­

concessão um contrato administrativo, sujeito a regime de direito pú­ do, cm sede- de acidente automobilístico, que- "o proprietário de c01sa
blico, conforme é o ensinamento de DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. perigosa que a põe em movimento, assume os riscos decorrentes do
op. cit., p. 239-240. acioná-la, passando-lhe, cm conseqüência, o dever de provar fotos que
venham a nu li ficar-lhe a responsabilidade".
320
321
i -
los, mas é essencial levantar esse ponto para discussão so­ dizer, até, que a jurisprudência há muito já vem julgando
bre a responsabilidade civil no novo Código. certos casos que eram tipicamente considerados como de
•. responsabilidade subjetiva, como objetiva, com fundamen­
to nas teorias do risco da coisa ou do desempenho de ativi­
6.5.1.6. Responsabilidade por acidentes de trabalho dade perigosa. 520
Entretanto, algumas considerações devem ser tecidas
A responsabilidade civil do empregador por acidentes antes de qualquer conclusão.
do trabalho vai passar por um debate interessante com a Desde a Lei 6.376, de 1976, a jurisprudência do Supe­
v'.gência d? novo Código Civil, e também em razão do pa­ rior Tribunal de Justiça já vem decidindo pela possibilidade
_ de responsabilização do empregador por acidentes do tra­
ragrafo umco do art. 927, que trata de dispositivo da intro­
dução no direito brasileiro de uma cláusula geral de respon­ balho por culpa, simplesmente, e não tão-somente e apenas
sabilidade civil objetiva, pelo desempenho de atividade de quando da ocorrência de culpa grave, nos ditames da Sú­
risco ou perigosa, pelo que o questionamento é inevitável: mula 229, do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, é
a �tiv!dade e�presarial não é atividade de risco por seu bastante pedagógico o entendimento firmado no seguinte
propno conceito? Sob a égide de um contrato de trabalho aresto, para ilustrar e resumidamente entender a questão:
J
nao e �� nsco mer:ntemente assumido pelo empregador,
- ,. • •
"Ementa: Direito Civil. Indenização (art. 159, CC). Aci­
e prev1s1vel, a ocorrencia de acidentes de trabalho com seus dente do trabalho. Culpa leve. Enunciado 229 da Súmu­
empregados? Seria, então, objetiva, a responsabilidade do la!STF. Lei 6.367/76. Direito adquirido. Precedentes. Re­
empregador? curso desacolhido. 1. Segundo o entendimento da Turma, a
Mas co� efeito, apesar de algumas vozes já ditarem partir da edição da Lei 6.376/76 passou a não mais preva­
'.
pela aphcaçao desse dispositivo para o caso de acidente do lecer o enunciado nº 229 da súmula/STF, que restringia a
tr�balho, tais posições não devem ser enfrentadas pela dou­ responsabilidade do empregador pela indenização de direi­
tnna de forma simples e direta. Isso pode provocar uma to comum aos casos de dolo ou culpa grave. Pela reparação
grande modificação no enfoque da responsabilidade civil, civil, devida como decorrência de sinistros laborais desde
_
como assim restou com a sua presença, por exemplo no então verificados, passaram a responder todos aqueles que
Código Civil de Portugal de 1966 - portanto recen�e e para os mesmos tenham concorrido com culpa, em qualquer
um dos mais lembrados em matéria de respo�sabilidade grau, ainda que leve, independentemente da existência, ou
civil, nos seus arts. 483, 2 °, e 493, 2 º , tem a mesma orien­ não, de vínculo empregatício com a vítima. 2. Ocorrente o
tação de responsabilidade objetiva excepcional nos casos sinistro em abril de 1988, não se há de cogitar de pretenso
fixados em lei, à regra geral da subjetiva, e responsabilidade
sem culpa por desempenho de atividade perigosa -, no
. 520 Provando a assertiva de JOSSERAND, Louis. La evolución de la
Brasil, com o novo Código, de fato, não haverá grandes responsabilidad. ln: __. Dei abusa de las dereclzas y atras ensayas.
mudanças no que tange aos acidentes do trabalho. Vale Bogotã: Temis, 1999. p. 86.

322 323
direito adquirido a só indenizar nos casos preconizados pelo menta no risco, para os casos de acidente do trabalho. 523
superado verbete."'21 Em 1905, Evaristo de Moraes já era pela aplicação da teoria
Assim sendo, a responsabilidade do emJJregador deve objetivista para os casos de acidentes do trabalho. 524
ser entendida de forma subjetiva, por culpa, e no sistema Tirantes as considerações de ordem de política judiciá­
da culpa aquiliana, ou seja, independentemente do grau de ria, que fogem totalmente da ideal reflexão que deve nor­
culpa - até por culpa leve. tear o aplicador do direito, diante dessas considerações,
Por seu turno, a Constituição de 1988 veio confirmar o com o novo Código Civil, e o disposto no art. 927, parágra­
regramento da responsabilidade do empregador de forma fo único, poder-se-ia pensar na pertinência de sua aplicação
subjetiva e por qualquer grau de culpa, isso no art. 7 º , inc. para os casos de acidente do trabalho, portanto.
XXVIII, que possui a seguinte dicção: "seguro contra aci­ Porém, como acima frisado, a norma que dispõe sobre
dentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a a responsabilidade do empregador por acidentes do traba­
indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo lho é constitucional, assim, essa é hierarquicamente supe­
ou culpa". Esse dispositivo veio soterrar qualquer dúvida da rior ao Código Civil, devendo prevalecer, como é notório,
aplicação da Súmula 229, do STF, ou seja, responde por
culpa e em qualquer grau. Nesse sentido, desde então, am­
pla doutrina e jurisprudência vêm entendendo pela respon­ 523 Nesse sentido, G UJMARÃES, Nelson Silveira; RODIUGUES, Ju­
liana Pereira Ribeiro. Polícia e acidentes de trabalho. São Paulo: Funda­
sabilidade por culpa do empregador. A título exemplar, ção Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho,
como já decidiu o STJ: "Indenização. Acidente do trabalho. I 998. p. 23; MORAES, Evaristo de. op. cit., p. 39 e ss.; LOPES, Miguel
Direito Comum. Culpa do empregador. Constituição Fede­ Maria de Serpa. op. cit., p. 332-334; CASTRONOVO, Cario. La mw­
ral de 1988. I - Em caso de acidente de trabalho, consta­ va responsabilità cfoile, cit., p. 145 e ss.; BARCELLONA, Pietro. For­
mazio11e e sviluppo dei diritto priva to modemo. Napoli: Jovenc, 1995.
tada a culpa do empregador, ao empregado é devida a inde­ p. 419 e ss.; e SAVATIER, René. Du droit cil'il au droit public a travers
nização do direito comum. II - Eventual dissonância juris­ les perso1111es, les bie11s el la responsabilité civile. 2. cd. Paris: LGDJ,
pntdencial respeitante ao tema estaria superada, pois ao 1950. p. 137 e ss.
novo texto constilllcional (art. 7º , XXVIII) há de adequar­ 524 Em MORAES, Evaristo de. op. cit., p. 41. O texto merece trans­
se o entendimento dos tribunais, inclusive com nova leitura crição: "Admitindo que o operário encontrasse patrono gratuito, as des•
da Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal. III- Recur­ pesas com a ação judiciária de indenização do dano colocavam o traba­
ll1ador em posição de evidente iuferioridade perante a parte contrária.
so Especial não conhecido. Maioria. " 522 A demo11straçâo da culpa, isto é, da responsabilidade civil do patrão,
Entretanto, sempre se aduziu da pertinência da respon­ ronzava•se, em cada caso, objeto de demanda renhida, onde o sofisma e
sabilidade do empregador de forma objetiva, com funda- a chicana funcionm,am por longo tempo. Era, pois, necessário finnar
direito Nôvo; reco11hecer a respo11sabilidade dos proprietários de fábri­
cas, oficinas, annazéns, e dos empregadores em geral, pelos danos cau­
521 Em STJ, rei. Min. Sálvio de Figut!iredo, Relator do REsp. nº sados aos trabalhadores, mesmo em casos fortuitos. Já não devia ser a
12.648-SP. culpa delituosa que servisse de base ao direito; só o infortúnio do operá­
rio deveria ser seu alicerce seguro e inaba[ái,e[. Em linguagem técnica,
522 STJ, REsp. nº 5.358/90-MG, relator Ministro Fontes de Alencar. chama•se a essa teoria a do risco profissional."
324 325
1 e devemos salientar que não se deve torcer o texto consti­
tucional para se conformar ao texto inferior; o contrário é
devido: devem todos os textos normativos se'Conformarem
1'
\
que a jurisprudência assim determinar cabíveis por aplica­
ção do art. 927, parágrafo único, do novo Código, que esti­
pula a sobredita cláusula geral de responsabilidade objetiva
com o texto constitucional, operando-se uma interpretação para casos de desempenho de atividade de risco.
conforme a Constituição, que tem dentre seus limites, o
teor literal dos dispositivos constitucionais, que, no caso, é
claro no sentido de que a responsabilidade do empregador 6.5.1.7. Reparação dos danos extrapatrimoniais e da cumu­
por acidentes do trabalho é por "culpa ou dolo", ou seja, lação dos danos moral e estético
depende de prova de culpa sua, nos termos do art. 7°, inci­
so XXVIII, da CF/88. 525 Nesse ponto, deve-se destacar um triste silêncio no
Assim sendo, a despeito de opiniões contrárias, e do novo Código Civil: não há disposição expressa de danos
debate que ainda se instaurará, tendo em vista a importân­ extrapatrimoniais para o caso de ofensa à integridade física,
cia do tema, continua a responsabilidade do empregador a seja a título de dano moral, seja a título de dano estético.
ser ditada nos termos da culpa aquiliana: se antes nos ter­ Ou seja, a evolução jurisprudencial, tendo em vista o
mos do art. 159, do Código Civil de 1916, no novo Código disposto nos artigos 159, 1.538 e 1.539, todos do Código
Civil, conforme os arts. 186 e 927, que regram a responsa­ Civil de 1916, desde o STF, e hoje no STJ, a reparação do
bilidade por culpa nessa nova codificação, e, mais propria­ dano moral e estético por ofensa à integridade física não é
mente, por aplicação direta do art. 7°, inc. XXVIII, da consagrada de forma expressa, como veremos: faz-se um
Constituição de 1988, valendo registrar que a responsabili­ "novo" Código, e isso para continuar discussões seculares
dade por culpa continua sendo a regra geral do nosso siste­ que perdem sentido diante de textos anteriores à sua pro­
ma de responsabilidade civil, cabendo tão-somente a obje­ mulgação, e o pior, perdendo inclusive aplicação, tendo em
tiva para os casos expressamente determinados em lei, ou vista o direito à reparação extrapatrimonial sagrado na
Constituição de 1988. 526
525 Sobre uma interpretação conforme a Constituição, v., LARENZ, Mesmo assim, felizmente, problemas maiores não che­
Karl. Metodologia da ciência do direito, cit., p. 168 e ss.; HESSE, Kon­ garam, vez que não trouxe qualquer óbice o CC/02 para a
rad. Escritos de derecho constitucional, cit., p. 50 e ss.; MÜLLER, Fric­ reparação autônoma do dano estético, com fundamento na
drich. op. cit., p. 120 e ss.; BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 174 e CF.
ss.; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade na
Alemanha: a declaração de nulidade inconstitucional, a interpretação
(
conforme à Constituição e a declaração de constitucionalidade da lei na
jurisprudência da corte constitucional alemã. Revista de Direito Admi• 526 A reparação por danos extrapatrimoniais é um grande exemplo da
nistrativo, Rio de Janeiro, v. 193, p. 13-32, 1993; MENDES, Gilmar desnecessidade de um novo Código Civil: é desatualizado, não reflete a
Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no nossa atual jurisprudência, o estágio da doutrina, ou seja, não se coadu­
Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 221 e ss., inclusive na com um direito privado que caminha para uma descodificação e uma
com criteriosa análise de sua aplicação no Supremo Tribunal Federal, releitura pela Constituição. Nesse sentido, v., o trabalho doutrinário de
com a contribuição do Ministro Moreira Alves, em p. 268 e ss. dois importantes juristas italianos, Natalino lrti e Pietro Perlingieri.

326 327
Como dito, as normas infraconstitucionais de nosso di­ Outrossim, lamenta-se pela redação do artigo 949 do
reito positivo não sustentam de forma clara a cumulação CC/02: "no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofen­
dos danos moral e estético, e isso não se tem. também no sor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos
CC/02. lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum
Seu artigo 186 possui a seguinte dicção: "aquele que, outro prejuízo que prove haver sofrido".
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudên­ Ora, tentando evoluir dos artigos 1.538 e 1.539,
cia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclu­ CC/16, o novo Código começou o dispositivo transcrito de
sivamente moral, comete ato ilícito", sendo que esse dispo­ forma feliz, coadunando-se ao de mais moderno, trazendo
sitivo deve ser cotejado ao artigo 927, que assim dispõe: para o nosso direito o conceito de "dano à saúde", com
"aquele que, por ato ilícito (186 e 187), causar dano a ou­ fundamento no direito italiano, protegendo o direito à saú­
trem é obrigado a repará-lo", pelo que, analisando tais arti­ de - à integridade psicofísico-, mas titubeou, vacilou, e
com timidez perdeu a oportunidade de consagrar expressa­
gos podemos chegar às seguintes conclusões: (i) tem-se alu­
mente o que nossos Tribunais já concedem de forma pací­
são ao termo demo, no artigo 186, de forma genérica -
fica: a reparação extrapatrimonial no caso de lesão corpo­
englobando as espécies patrimonial e extrapatrimonial -
ral, o dano estético.
como no artigo 159, CC/16; (ii) a expressão "ainda que
Por que a expressão vaga e incerta de "além de algum
exclusivamente moral", também do artigo 186, CC/02, no
outro prejuízo que prove haver sofrido", fazendo retroce­
sentido de extrapatrimonial, como regularmente usados os der o nosso direito que avança, em doutrina e jurisprudên·
termos como sinônimos, pode causar problemas, como a eia, pela ocorrência, por exemplo, de dano moral inde­
questão de uma pretensa irreparabilidade dos danos estéti­ pendente de prova, in re ipsa, nestes casos, como de ampu­
co e psíquico, porque diferentes do moral, referido neste tação de membros superiores e inferiores: entende o legis­
artigo, o que seria absurdo tendo cm vista a atual interpre­ lador que é necessário provar a dor por se ver alguém sem
tação de nossos Tribunais; (iii) entendendo-se o termo mo­ uma perna ou um braço?
ral como extrapatrimonial, como se depreende que foi a Com boa intenção, pode-se crer no máximo que a ex­
intenção do legislador - para não se entender que desejou pressão "prejuízo que prove haver sofrido" deve ser enten­
fazer retroceder o nosso direito -, não há óbice para a dida que a lesão ou ofensa à saúde deve ser alvo de prova
reparação autônoma do dano estético, já que espécie do pericial, por exemplo, ou ser certa e clara; mesmo assim,
dano extrapatrimonial. vê-se que a expressão é desnecessária já que o início do
O artigo 944 do CC/02 diz que "a indenização mede-se ! artigo diz expressamente que é para o caso de "lesão ou
pela extensão do dano", pelo que consagra a plena repara­ outra ofensa à saúde", que é necessário alvo de prova peri­
ção dos danos causados à pessoa humana- o que já reali­ cial médica, e sim se atesta é que a intenção do legislador
zado pela interpretação do direito civil conforme a Consti­ foi dar ensejo à reparação extrapatrimonial por lesão corpo­
tuição atual -, levando a crer, pela gravidade e importân­ ral, pretendendo avançar em relação aos 1.538 e 1.539 do
cia, que o dano estético deve ser aí englobado e reparado. CC de 1916, mas não teve coragem - que nossos Tribu-

328 329
"
1

nais têm todos os dias-, e bom direito, de dizer expressa­ 6.5.1.8. Da prescrição da reparação civil
mente. •-.

Por outro lado, a expressão "além de algll!TI outro pre­ Aqui se percebe uma sensível mudança na matéria da
juízo que prove haver sofrido", pode ser comparada à já responsabilidade civil, e isso, em um ponto da maior im­
referida disposição do artigo 21, do Decreto 2.681/12, en­ portância: o prazo de prescrição para fins da reparação civil.
sejando uma reparação autônoma do dano estético. Na sistemática do CC/16, a regra geral era o prazo de 20
anos, com fundamento no art. 177, para as ações pessoais, e
O esforço de interpretação, para se chegar ao modelo assim aplicava-se ao caso de reparação civil de danos.
de reparação integral dos danos à pessoa - material, moral No CC/02 se tem, no art. 205, o prazo de 10 anos como
e estético-, no novo Código Civil, seria o seguinte: (i) os de regra geral, e há previsão de prazo especial para o caso de
danos materiais, como gastos e pensão por incapacidade indenização, o art. 206, § 3 °, inciso V, dizendo que essa pre­
laborativa, seriam indenizados com base nos artigos 949 e tensão - de reparação civil - prescreve em 3 anos. A�sim,
950, (ii) o dano moral, com fundamento nos artigos 186 e o prazo que era de 20 anos, agora cai para apenas 3 anos.
927, dito expressamente no primeiro, e (iii) o dano estéti­ Lembremos que o Código de Defesa do Consumidor
co restaria indenizado no termo de "algum outro prejuízo" prevê o prazo de 5 anos, ou seja, o prazo de regra geral para
clencado no artigo 949. a reparação civil - isso para casos de responsabilidade sub­
Apesar do esforço para se chegar à cumulação com fun­ jetiva, por exemplo -, é menor que o prazo específico da
damento no novo Código Civil, essa esbarraria em proble­ legislação consumerista - que é, em regra, de responsabi­
mas, como a parca clareza dos dispositivos utilizados, dan­ lidade objetiva, de maior rigor para o ofensor.
do interpretação favorável até à negação da reparação do Mais: veja-se o caso de ação proposta de reparação civil
contra pessoa jurídica de direito público. Contra essa o
dano estético - como do artigo 186 -, e o conflito se a
prazo é de 5 anos, enquanto que contra um particular o
expressão "além de algum outro prejuízo" do artigo 949 prazo será menor, de apenas 3 anos.
abarcasse dois danos autônomos, moral e estético. É verdade que é tendência doutrinária e legislativa no
Assim sendo, tendo em vista que o fundamento para a direito comparado a redução dos prazos prescricionais, en­
cumulabilidade dos danos moral _e estético é proveniente tretanto, tais modificações não podem ser realizadas ao ar­
de ditame constitucional, nenhuma relevância trouxe o repio do sistema jurídico pátrio, gerando hipóteses discutí­
novo Código, assim como na imensa maioria da estrutura veis, como acima levantadas.
do direito civil, vez que (i) não há conflito entre as disposi­
çôes referentes à liquidação dos danos extrapatrimoniais
do novo CC e a interpretação com fundamento no direito 6.6. Conclusão do Capítulo: da cumulação com fundamen­
à saúde e também (ii) porque se conflito existisse, como to no direito à saúde e a jurisprudência do STJ
sobredito, por ser com fundamento constitucional, a inter­
pretação constitucional é a que deve prevalecer, tendo em Tradicionalmente e por aplicação de nossa lei de inter­
vista emanar de norma superior. pretação, a jurisprudência brasileira sempre se pautou por

330 331
:.

reparar os danos desde que expressamente prevista a sua da CF/88 a reparação do dano pessoal era somente pelos
reparabilidade em texto de lei. danos materiais, após a CF/88, o STJ entendeu pela possi­
Assim por exemplo, mesmo que indiret:i.mente possí­ bilidade de cumulação dos danos materiais e morais (Súm.
vel a aplicação do CC/16 e plausível a sua interpretação no 37 do STJ) e, agora, entende, pacificamente, pela amplia­
sentido de que se podia reparar o dano moral cm nosso ção desse rol de danos indenizáveis autonomamente para
sistema a par de alguns de seus dispositivos (como era clás­ alcançar também os danos estéticos.
sico o exemplo do art. 1.547 do CC/16), a jurisprudência Essa verificação independente dos danos estéticos dos
majoritária indicava pela não reparação do dano moral por danos morais resta clara se aplicarmos a essa jurisprudência
ausência de dispositivo legal expresso nesse sentido.
Com a CF/88, a jurisprudência entendeu pela aplica­
ção direta entre particulares dos incs. V e X do art. 5 ° , que fático-probatório. (...) - É possível a cumulação ele da11os morais e
estéticos, confonne jurisprudi!11cia paclfic<1 desta Corte"; RESP 595338-
expressamente se referem ao dano moral, e se inclinou pa­ RJ, TERCEIRA TURMA, Data ela decisão: 28/10/2004, rei. Min.
cificamente para a plena reparação do dano moral em nosso CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: "Indenização. Acidente
sistema de responsabilidade civil. no interior do veículo. Dano moral e dano estétiro. Juros de mora.
Entretanto, a evolução da história recente da reparação Prequestionamcnto. Precedentes da Corte. l. A j1trispr1tdê11cia da
do dano pessoal no Brasil não parou neste momento. Corte assentou .rnr possível a cumulação do dano moral com o dano
estético decorremes do mesmo faro e, ainda, a revisão do valor do dano
O STJ firmou importante passo na proteção da pessoa moral apenas quando absurdo, exagerado ou mesmo irrisório. 2. Na
h'lmana e se posicionou pacificamente pela possibilidade responsabilidade contratual os juros de mora contam-se da citação. 3.
de reparação autônoma e cumulável dos danos morais e Recurso especial conhecido e provido, em parte•"; AGA-- AGRAVO
<'Stéticos advindos do mesmo evento desde que possível a REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO -- 498706-SP,
verificação independente dos mesmos. ;z, Ou seja, se antes PRIMEIRA TURMA, Data da decisão: 04/09/2003, rei. Min. JOSL�
DELGADO: "DLREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ACI­
DENTE COM MENOR EM ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL. AM­
527 Não são poucos os ,irestos do STJ que informam dessa pacificação, PUTAÇÃO DE DEDOS DA MÃO. DANOS MORAL E ESTÊTICO.
pelo que, a título exemplar, v.: RESP 722524-SC, TERCEIRA TUR­ POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. JUROS DE MORA. FLUiiN­
MA, Data da decisão: 05/05/2005, rei. Min. NANCY ANDRIGHI: CIA A PARTIR DO EVENTO DANOSO. INCIDÊNCIA DA SÚMU­
·• Recurso especial. Ação de indenização. Danos morais e materiais. Aci­ LA N º 54/STJ. PRECEDENTES.(... ) 2. O Acórdão a quo, em ação de·
dente do Trabalho. Embargos de declaração. Interrupção de prazos indenização proposta em face de acidente com menor em escola públi­
recursais. Compctf-ncia. .Justiça comum estadual. Pedido de desistên­ ca estadual, ocasionador de amputação de dedos de sua mão, concedeu
cia de indenização por dano estético. Responsabilidade da recorrente os juros moratórios a partir da citação e entendeu que a indepização por
apurada sob o manto da Súmula 229/STF. Cerceamento de Defesa. dano moral engloba. também, os danos estéticos. (...) 4. /: pacífica e
Prequcstionamento. Ausência. Nexo causal. Existência. Danos mate­ vasta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com relação ao
riais. Danos morais. Fixação de indenização. Valor. Reexame fático entendimento no sentido de que é passível a cumulação da ütdenizaçiw
probatório. Lapso temporal entre a data do fato e o ajuizamento da para reparação par danos estético e moral, mesmo c1ue deri,,ados de um
demanda. Irrelevância na fixação do valor compensatório. Cumulação mesmo Jato, se inco11fundf11eis suas causas e passf11eis de apuração em
do dano moral e do dano estético. Possibilidade. Precedentes. Altera­ separado, id est, desde que um dano e outro sejam reconhecidamente
ção dos honor:írios aclvocatícios. Redução de 15% para 10%. Reexame autônomos."

332 333
-r
do STJ a doutrina de direito estrangeiro que caracteriza o como dano à saúde ou dano biológico ou, ainda, outras ditas
dano moral como um dano subjetivo e dano-conseqüência, novas formas de reparação dos danos extrapatrimoniais.
enquanto o dano estético é caracterizado s:om um dano Com certeza, não será com uma multifacetária caixa de
objetivo e dano-evento. 528 Assim, ofendida a pessoa huma­ danos é que se reparará decentemente a pessoa humana no
na, o juiz poderá aferir objetivamente se essa pessoa sofreu que tem de mais valioso: seu corpo, sua dignidade. Como o
dano estético mediante perícia médica, que atestará a mo­ STJ vem julgando, basta a reparação dos danos extrapatri­
dificação, ou não, na integridade física e se essa modifica­ moniais pelo modelo binário moral-estético (ao invés de
ção é decorrente, ou não, do evento danoso. Por outro lado, uma enorme gama de danos que surgem a cada dia na dou­
o juiz, por perícia médica-psicológica ou por regra de expe­ trina) para reparação no sistema brasileiro de danos causa­
riência própria ou, ainda, por se tratar de damnum in re dos à pessoa humana.
ipsa, subjetivamente julgará se há ou não dano moral em Entretanto, não basta fundamentar que são danos dife­
decorrência de ofensa à pessoa. Ou seja, claramente, danos rentes (danos moral e estético) para se tornar possível a
morais e estéticos podem ser aferidos de forma inde­ reparação cumulável. Como já referido, é de nossa tradição
pendente, nos termos da jurisprudência do STJ, aplicando­ de responsabilidade civil que exista uma norma expressa a
se esses conceitos das principais características desses da­ ensejar a proteção do bem jurídico ofendido, caso contrário
nos encontrados na doutrina estrangeira e diuturnos em esse dano não será indenizável. Isso ocorre, na verdade,
nossa prática forense (que prova a regra de Josserand: a porque o dever de indenizar surge de uma relação jurídica
jurisprudência é a mãe da responsabilidade civil). 529 especial que necessita de uma "norma jurídica de repara­
Por outro lado, da análise da jurisprudência se verifica ção" como um de seus elementos principais (os outros são:
que o conceito de dano estético não se resume ao vetusto bem juridicamente tutelado ofendido, ação-omissão do
conceito de enfeamento ou de apenas indenizável no caso ofensor e evento danoso). 531
de prejuízo à aparência externa (por exemplo, no rosto ou Desta feita, não é verdade que falta à jurisprudência
mutilante) da pessoa: dano estético é ampliado como dano essa norma de proteção da integridade física, da saúde,
à integridade física, dano pela modificação da integridade para se justificar a reparação autônoma e cumulável (ao
física. 530 Justamente é o que a melhor doutrina entende dano moral) do dano estético.
No momento em que a jurisprudência amplia o concei­
528 POGLIANI, Marie, Dai sistema risarcitorio tradizionale a quello
to de dano estético para reparar a alteração na saúde da
innovativo. ln: II da11110 biologico, patri111011iale, mora/e. 2. ed. Milano: pessoa humana, atesta-se a aplicação do direito à satíde
Giuffre, 1995, pp. 27-28. (arts. 6° e 196 da CF/88) para fundamentar a reparação
529 V. nota 282, em comento a aresto REsp. 103.012-RJ, j. 7.12.99,
rei. Min. César Asfor Rocha, sobre a recorrente expressão "apuração
cm separado" como requisito para a cumulação dos danos morais e dessa mitigação do requisito de enfeamento para a caracterização do
estéticos. dano estético citando vários julgados.
530 CAI-IALI,Yussef Said, Dano moral, pp. 223-234, em item dedica­ 531 PADILLA, René A. Sistema de la respo11sabilidad civil. Buenos
do à "flexibilização do conceito de deformidade aparente", informa Aires: Abeledo-Perrot, 1997, pp. 44-45, 127 e 187 e ss.

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do dano esté tico532 , assim como a fez, adaptando o CC/16 dica essa modificação ou ofensa na saúde do ofendido (par­
à nova ordem constitucional, com a aplicação do direito à te final do art. 949, capltt, CC/02) 533 , lógica é a possibilida­
integridade moral (incs. V e X do art. 5° da C13/88) para de de reparação autônoma e cumulável dos danos mate­
fundamentar a reparação do dano moral. •. riais, morais e estéticos por lesão corporal.
Ou seja, mais uma vez, atesta-se que o grande funda­ Acertada, portanto, a jurisprudência do STJ que vem
mento da responsabilidade civil em nosso ordenamento é a aceitando a cumulação dos danos morais e estéticos, escre­
Constituição. vendo, mais uma vez, a história da responsabilidade civil
Na vigência do novo Código Civil, tem-se que a repara­ brasileira, da mesma forma que revolucionou nosso sistema
ção do dano estético é tipicamente a proteção da saúde da decidindo pela cumulação dos danos materiais e morais
pessoa humana (amparada expressamente nos arts. 6° e com a aplicação direta e imediata dos direitos funda­
196 da CF/88), tanto assim que o dano à integridade física mentais previstos na Constituição nas relações entre parti­
ou por lesão corporal, como era no antigo 1.539 do CC/16, culares.
é referida como "ofensa à saúde" no art. 949:
"Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o
ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento
médico e dos lucros cessantes até o fim da convalescença,
além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver
sofrido."
Ou seja, aplicando-se (i) a jurisprudência pacífica do
STJ sobre a cumulação dos danos morais e estéticos para os
casos de ofensas à integridade física e (ii) o direito à saúde
previsto na CF/88, (iii) desde que provado por perícia mé-

532 LORENZETfl, Ricardo Luis, ob. cit., p. 473: "Afinna-se no Direi­


to Comparado a tendência ao reconhecimento constitucional do direito
à saúde e ao ressarcimento de danos como uma das técnicas de proteção.
Alguns exemplos são eloqüentes. Na Itália, afinna-se que a afetação
física é um dano à satíde. Esta afinnação possui uma sustentação no
Direito Constitucional italiano, em 1Jirtude de que o art. 32 da Magna
Carta se refere à tutela da saúde, como garantia do indivíduo. Na
Espanha também apresema nfvel constitucional (art. 43, Constituição
espanhola). No Brasil, o Código Civil fala metaforicamente de 'ofensa
à saúde' (art. 1.538), e que tem garantia co11slitucio11al (art. 6°, Cons­
tituição de 1988)." V., ainda, sobre a aplicação do direito à saúde para
reparação do dano à integridade física, PERLING IERI, l'ietro. Manua­
le di diritto civile, p. 650. 533 V. item 4.4. sobre os r�quisitos do dano estético.

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