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FACULDADE DE DIREITO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4
CAPÍTULO I – RESPONSABILIDADE ..................................................................... 8
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS .......................................................................................... 8
2. A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO .......................................................... 10
CAPÍTULO II – CULPA E RESPONSABILIDADE ............................................... 13
1. ASPECTOS HISTÓRICOS ............................................................................................ 13
1.1. Antiguidade...................................................................................................... 13
1.2. Idade Média..................................................................................................... 17
1.3. Idade Moderna e Contemporânea................................................................... 17
1.3.1. Idade Contemporânea: o Direito Francês e o Code Civil de 1804 ............. 19
2. EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA ........................................................................................ 21
2.1. Perfil subjetivo de culpa .................................................................................. 21
2.2. Perfil objetivo de culpa.................................................................................... 27
2.2.1. Culpa in abstrato e culpa in concreto: a culpa objetiva dos irmãos Henri e .
Léon Mazeaud ........................................................................................................ 27
2.2.2. O Abuso do Direito....................................................................................... 30
2.2.2.1. O Abuso do Direito e a Teoria de Raymond Saleilles e de Louis Josserand
................................................................................................................................ 37
2.2.3. Concepção normativa de culpa: as presunções de culpa ............................ 39
3. CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS ...................................................................................... 43
CAPÍTULO III – CULPA E RISCO .......................................................................... 47
1. AS TEORIAS OBJETIVAS ............................................................................................ 47
2. A TEORIA DE RAYMOND SALEILLES E DE LOUIS JOSSERAND ................................... 50
3. OUTRAS PERSPECTIVAS OBJETIVISTAS ..................................................................... 52
4. OBSERVAÇÕES CRÍTICAS .......................................................................................... 54
CONCLUSÃO............................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 59
4
Introdução
1
Inicialmente, é importante esclarecer que o presente trabalho adota como parâmetro de pesquisa os sistemas
jurídicos da sociedade ocidental francesa, italiana e brasileira.
2
Na tradução livre da autora: “o estudo da responsabilidade civil toca o coração do direito, a base da moral, a
alma da vida social”.
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alheios e de proteger, com justiça, os direitos de cada um. Nesta seara, a violação de um dever
jurídico constitui um ilícito e, acarretando dano a outrem, torna imperiosa a incidência da
responsabilidade civil. O ponto crucial repousa em saber se a conduta do agente era ou não
justificada, ou seja, para se identificar o responsável, era importante verificar o dever jurídico
violado, quem o descumprira e como.
3
Neste trecho de sua obra “Del abuso de los derechos y otros ensayos”, Josserand consagra o relativismo,
proposto por Albert Einstein nas ciências exatas, nas ciências sociais, dizendo que: “La doctrina de la
relatividad ocupa, desde hace varios años, desde los trabajos de Einstein, uno de los primeros puestos de la
actualidad universal: quisiera mostraros cómo ella merece dominar, seguramente más que em las ciencias
positivas, en las ciencias sociales, y, más concretamente, en la ciencia jurídica, ciencia em movimiento, em
evolución, en perpetua transformación como la sociedad misma, de la cual es a la vez reguladora y fruto”
(1999. p. 1). “A doutrina da relatividade ocupa, há vários anos, desde os trabalhos de Einstein, um dos principais
postos da atualidade univesal: quero mostrar como ela merece ser dominante não só nas ciências positivas, mas
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também nas ciências sociais e, mais concretamente, na ciência jurídica, ciência em movimento, em evolução, em
perpétua transformação como a sociedade mesma, da qual é reguladora e fruto” (tradução livre).
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“O direito, produto social, é a ciência social por excelência, a primeira de todas por sua urgência e por sua
virtude de organização; é a regra social obrigatória, em transformação, de aspectos múltiplos e sucessivos, cujo
poder de adaptação é infinito” (tradução livre).
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a relação entre a responsabilidade e a culpa, momento no qual será feita uma análise mais
detalhada das concepções adotadas pelo elemento culpa ao longo da História, destacando
fatos de sua origem e das atuais tendências doutrinárias nos termos da dinamicidade de seus
parâmetros. Em suma, buscaremos fazer uma reflexão sobre o sentido da culpa na
responsabilidade civil, um dos assuntos mais atuais, mais complexos e mais vivos do Direito
contemporâneo.
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Capítulo I – Responsabilidade
1. Considerações iniciais
Para tanto, o prejuízo que quebra a harmonia da ordem social, pode ter
origens e repercussões diversas. Neste ponto, a responsabilidade jurídica cinde-se em
responsabilidade civil, penal e administrativa6. Por sua vez, a responsabilidade civil divide-se
em contratual e extracontratual, subjetiva e objetiva.
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Para apurar a responsabilidade moral há que se indagar o estado de alma do agente: se aí se acusa a existência
de pecado, de má ação, não se pode negar a responsabilidade moral. Não se cogita, pois, de saber se houve, ou
não, prejuízo, porque um simples pensamento induz essa espécie de responsabilidade, terreno que escapa ao
campo do direito, destinado a assegurar a harmonia das relações entre os indivíduos, objetivo que, logicamente,
não parece atingido por esse lado (DIAS, 2006, p. 7).
6
A responsabilidade administrativa refere-se ao exercício irregular das funções desempenhadas pelos agentes
públicos, cuja responsabilização se dá nos termos das regras do Direito Administrativo.
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abrangidos pela responsabilidade penal. Atualmente, não há dúvidas de que são sistemas
distintos e independentes7, mas que convivem em perfeita sintonia.
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Apesar do art. 935. do CC/ 02 prever a independência da responsabilidade civil da criminal, há que se fazer
algumas ressalvas. Segundo Washington de Barros MONTEIRO, “se o ato ilícito praticado pelo agente está
incluído entre as infrações penais, a sentença proferida no juízo criminal faz caso julgado na jurisdição civil;
aquele julgamento é tido como verdade, de sorte que já não mais será possível discutir no cível sobre a existência
do fato, ou sobre quem seja o seu autor. Não seria prestigioso para a justiça decidir-se na justiça penal que
determinado fato ocorreu e depois, na justiça civil, decidir diferentemente que o mesmo não ser verificou.
Acrescenta, no entanto, que não faz coisa julgada no cível a decisão do crime que não se pronunciou sobre a
existência do fato delituoso ou sobre quem seja o seu autor, e apenas absolveu o réu por falta ou deficiência de
provas”.(1998, p. 407-409). Nestes termos, o artigo 935, verbis: Art. 935. A responsabilidade civil é
independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu
autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
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Apesar de ser mais comumente observada a reparação nos casos de danos patrimoniais, existem hipóteses de
reparação de danos extrapatrimoniais, isto é, casos em que as lesões atingem bens que não têm repercussão
econômica direta na esfera jurídica de uma pessoa, como é o caso da lesão a direitos da personalidade (honra,
integridade física etc.) e a outros interesses jurídicos protegidos (danos ao meio-ambiente, ao consumidor etc.).
Além disso, tal reparação traz consigo o caráter pedagógico e de prevenção.
9
O jurista português Abel de Andrade, explica que “a diferença entre o ilícito civil e o penal acentua-se nas
conseqüências que uma ou outra das violações acarreta: do ilícito civil deriva ou a execução forçada, ou a
obrigação de indenização, ou de restituição, ou a declaração de nulidade do ato; o ilícito penal, podendo produzir
todos esses resultados e conseqüências, provoca, além delas, uma conseqüência especial, a pena. Numa palavra,
o ilícito civil acarreta coação patrimonial e o ilícito penal determina coação pessoal” (DIAS, 2006, p. 14).
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Atualmente, essa dicotomia é bastante criticada entre os doutrinadores. Para os adeptos da teoria unitária ou
monista, pouco importam os aspectos sobre os quais a responsabilidade civil é apresentada no cenário jurídico,
pois seus efeitos são uniformes (CAVALIERI FILHO, 2002, p. 32). Em ambas, o que se requer para a
configuração da responsabilidade são as mesmas três condições: o dano, o ato ilícito e o nexo causal. Para tanto,
nos códigos de diversos países, inclusive no Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica, apesar da
tendência de alguns outros em se adotar um regime uniforme, como é o caso do Código alemão e o português,
que incluíram várias disposições de caráter geral sob a denominação de “obrigação de indenização”
(GONÇALVES, 2007, p. 27-28).
10
11
Voluntariamente indica que o homem tem a discricionariedade na eleição dos fins de suas ações; ele tem a
faculdade de dirigir as suas ações e de colocá-las em prática por determinados meios (LOPES, 2003, p. 362-
364).
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Em síntese, afirma Antunes Varela: “O elemento básico da responsabilidade é o fato do agente – um fato
dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana – pois só quanto a
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concretiza por meio de uma ação ou omissão humana, na medida em que se realiza,
respectivamente, por meio de uma conduta positiva vedada pelo ordenamento ou por meio da
não realização de algo determinado em lei. Logo, em razão desse ato, podem advir
conseqüências prejudiciais à esfera jurídica alheia, lesando um bem juridicamente protegido
(direitos subjetivos materiais e imateriais). Neste caso, cabe ao autor reparar o dano13 causado
injustamente.
Entretanto, além dessa conexão entre o resultado e o ato humano como sua
causa (nexo de causalidade), existe outro elemento que caracteriza o ato ilícito, um elemento
subjetivo que representa a expressão do indivíduo em face da ordem normativa: estamos
falando da culpa14 (LOPES, 2003, p. 371).
Porém, essa vertente de psicologismo é apenas uma das feições que a culpa
adotou dentro da responsabilidade subjetiva. Em verdade, a culpa foi alvo de teses de grandes
fatos dessa índole têm cabimento a idéia de ilicitude, o requisito da culpa e a obrigação de reparar o dano nos
termos em que a lei impõe” (VARELA, 1982, apud CAVALIERI FILHO, 2002, p. 25).
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O prejuízo é caracterizado pela prejudicial alteração da realidade, alteração esta que pode ser resultado de uma
obra natural ou de uma obra humana. Já o dano é aquele juridicamente reparável e não se confunde com
qualquer prejuízo, ou mesmo com qualquer dano físico, estando ligado à lesão de direito subjetivo, de um bem
juridicamente protegido (LOPES, 2003, p. 375).
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A culpa em sentido amplo abrange o dolo e a culpa em sentido estrito e consiste na inobservância de um
dever, de modo que o autor não agiu de maneira a evitar o dano ou a lesão a bem jurídico alheio. Mas essa
transgressão pode ser intencional ou negligente. No primeiro caso, nos referimos ao dolo, o qual se caracteriza
pela compreensão do dever e pela intenção na realização do ato proibido, sendo a sua conduta reprovável
socialmente. Inclusive, de acordo com a doutrina italiana, dolo pode ser corretamente definido como a “vontade
do sujeito de causar dano” - “La volontà del soggetto di cagionare il danno” (ALPA e BESSONE, 2001, p. 243).
Já no segundo caso, nos referimos à culpa em sentido estrito, a qual se caracteriza pelo descuido na observância
do dever, na não previsão de dano previsível. No presente trabalho, contudo, trataremos apenas da culpa em seu
sentido estrito (LOPES, 2003, p. 372-373).
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juristas que, muitas vezes, discordaram na tentativa de definir o que seria esse elemento,
considerado por muitos o fundamento da própria responsabilidade civil. Destarte, a finalidade
dos próximos capítulos será a de traçar o sentido da culpa na medida da evolução da
responsabilidade civil, delineando as características das teorias mais importantes e
significativas, desenvolvidas na tentativa de melhor explicar essa noção e enquadrá-las dentro
dos paradigmas evolutivos do Direito.
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1. Aspectos históricos
1.1. Antiguidade
15
No Direito Romano, os ilícitos eram classificados em públicos (crimes) e privados (delitos). No início, o
Estado preocupava-se, apenas, em punir os delitos contra as coisas públicas; mas, já na Lei das XII Tábuas, no
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período pré-clássico, é possível encontrar indícios de que também havia a preocupação em proteger os interesses
privados. Os delitos privados, por sua vez, eram as ofensas ao cidadão romano ou aos seus bens e cabia ao
prejudicado uma actio para buscar uma poena privata. No entanto, os delitos eram tratados casuisticamente, sem
existir uma regra geral de obrigação de indenizar, determinando as leis penas somente em certos casos. Por
exemplo, na época clássica, os delitos privados resumiam-se basicamente a quatro tipos: furto, roubo, injúria e
damnum iniuria (LOPES, 2003, p. 60-62).
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O Direito Romano pode ser dividido em três fases: o direito pré-clássico (entre 149 e 126 a.C.), o direito
clássico (até 305 d.C.) e o direito pós-clássico ou romano-helênico (até 565 d.C.). O direito romano pré-clássico
foi marcado pelo formalismo rígido, pelo materialismo e pela atuação dos jurisconsultos na formação do ius
civile - o direito dos cidadãos de Roma -, por meio da interpretação dos costumes e dos preceitos da Lei das XII
Tábuas. Já o direito romano clássico, em virtude da expansão da organização do Estado Romano, foi construído
pelos magistrados, em especial os pretores urbanos e peregrinos, que desenvolveram, ao lado do ius civile, os
conceitos de ius gentium, ius honorarium e ius extraordinarium. Por fim, o direito romano pós-clássico foi
marcado pelo fim da diferenciação entre ius civile, ius gentium e ius honorarium, que deram lugar ao processo
comum, e pelo caráter eminentemente doutrinário e não-formalista, em razão das influências de diversas
culturas, como a grega, a cristã e a oriental. Diante dessas profundas transformações, é claro que o Direito
Romano teve nítida influência no que diz respeito à responsabilidade, que também passou por muitas
modificações em sua evolução em Roma (LOPES, 2003, p. 57-59).
15
na justiça de própria mão nem na punição, ou reparação, a cargo do Estado em razão dos
delitos. Esse foi o primeiro embrião da culpa no direito romano, constituindo aí um de seus
sentidos (LOPES, 2003, p. 65).
Dessa forma, para muitos, à Lex Aquilia pode ser atribuída a origem do
elemento “culpa” como fundamental na reparação do dano (PEREIRA, 1994, p. 4). Daí a
concepção de culpa aquiliana enunciada por Gaius, e que pode ser compreendida no seguinte
trecho de suas Institutas:
Is iniuria autem occidere intellegitur cuius dolo aut culpa occiderit; nec ulla
lege damnum quod sine iniuria datur reprehenditur; itaque impunitus est qui
sine culpa aut dolo malu casu quodam damnum committit (Gaius,
Institutiones, III, p. 211) (PEREIRA, 1994, p. 5).
17
Nessa época, o dolo (dolus) tinha o significado similar ao atual, ou seja, correspondia à violação intencional do
direito, à ação praticada contra a ordem social. Além disso, a má-fé (mala fides) apresentava-se com um
significado semelhante ao do dolo.
18
“Não se pune aquele que causou o dano sem culpa ou dolo mal” (LOPES, 2003, p. 66).
16
na coisa; 2 – iniuria, ou ato contrário a direito; e 3 – culpa, quando o dano resultava de ato
positivo do agente, praticado com dolo ou culpa.
Entretanto, não é consenso geral que a Lex Aquilia tenha introduzido a culpa
como requisito essencial ao direito de reparação do dano causado. Muitos doutrinadores
defendem a inclusão do elemento culpa como imprescindível para a caracterização do delito,
visão corroborada por antigo brocardo: “In lege Aquilia et levissima culpa venit” (a culpa,
ainda que levíssima, obriga a indenizar)19. Outros estudiosos compartilham de opinião diversa
e alegam que a culpa não era elemento constitutivo do delito da Lex Aquilia, tendo sido
introduzida paulatinamente, por força de interpretação conforme as necessidades sociais.
Nesse sentido, afirma Othon de Azevedo LOPES (2003, p. 68):
O texto da Lei Aquilia não falava de culpa, mas apenas do damnum iniuria
datum, ou mais precisamente dano material à coisa. Ao contrário do que se
pode imaginar, o dano iniuria datum não implica nenhuma valoração de
origem psicológica. Iniuria nas fontes romanas mais antigas tem significado
variado, entre injustiça, violência e o que hoje se denomina antijuridicidade
(...) Foi somente no direito justinianeu que a culpa passou a ser um elemento
autônomo e, portanto, sobre o qual se discutia o ônus probatório. A inclusão
da culpa como pressuposto do delito do damnum iniuria datum foi obra dos
compiladores do período pós-clássico. Não foi uma mudança brusca, eis que
a terminologia já era utilizada pelos clássicos, mas apenas nas interpolações
desse último período, foi que a culpa passou a ter o sentido de falta da
devida diligência.
19
Pode-se dizer, todavia, que esse antigo brocardo traduz, em verdade, uma tentativa dos compiladores de
Justiniano de adaptar a sua visão à dos juristas clássicos. Para estes, culpa significava imputabilidade, nexo de
causalidade ou mesmo desnecessidade de dolo; assim, aqueles passaram a interpretar que qualquer culpa, já
compreendida como falta de diligência, ainda que levíssima, dava ensejo à condenação com base na Lei Aquilia.
Ademais, no período justinianeu, houve a tendência de se concentrar toda a casuística no conceito de culpa,
passando, inclusive, a responsabilidade por ato de terceiros a ser determinada à vista desse critério – culpa in
eligendo (LOPES, 2003, p. 69).
17
O damno per iniuria dato foi redefinido por Grócio como regra geral de
indenizar por dano causado culposamente, sendo que a eqüidade e o caráter meramente
ressarcitório do dano mereceram lugar de destaque. Para o jusnaturalista, havia três fontes de
obrigações: o pacto, a lei e o dano (LOPES, 2003, p. 158-162). Este último, decorrente de
uma culpa em um fazer ou omitir, abrangia danos materiais, pessoais e morais e consistia,
portanto, na subtração patrimonial ou na lesão no corpo, na reputação ou na honra, incluindo,
ainda, os frutos que seriam obtidos imediatamente após o evento danoso.
participado do delito, bem como para aquele que tivesse o dever de evitar o dano ou prestar
auxílio à vítima. Em caráter subsidiário, também estava obrigado a reparar o dano aquele que
aconselhasse, acobertasse ou aprovasse o evento danoso.
poderia esse perfil vigoroso deixar de influenciar o campo da responsabilidade civil, um dos
assuntos de maior repercussão na vida social.
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Também foi positivada a distinção entre os delitos – danos intencionais – e os quase-delitos – danos culposos.
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“Art. 1382 – Todo ato, qualquer que ele seja, de homem que causar a outrem um dano, obriga aquele por culpa
do qual veio ele a acontecer, a repará-lo”.
22
Para certos autores, o termo faute adotava um perfil em que dois aspectos se reuniam: um objetivo, que
significava a violação de um dever, e outro subjetivo, que indicava a própria culpa. Em outras palavras, faute
designava antijuridicidade e culpabilidade (KÖTZ, Hein; ZWEIGERT, Konrad. Introduzione al diritto
comparato. Vol. II. Milão: Giuffre, 1995).
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2. Evolução doutrinária
2.1. Perfil subjetivo de culpa
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“Article 1383: Chacun est responsable du dommage qu'il a causé non seulement par son fait, mais encore par
sa négligence ou par son imprudence”. Na tradução: “Art. 1383 – Toda a pessoa é responsável pelo dano que
causou não somente por ato seu, mas ainda por sua imprudência ou por sua negligência”.
“Art. 1384 – Toda a pessoa é responsável não somente pelo dano que causou por ato seu próprio, mas ainda por
aquele que foi causado por ato de pessoa pela qual devia responder ou por coisas que estão sob a sua guarda”.
Nesse artigo, o Código Napoleão solidificou a responsabilidade civil por ato de terceiros aos que tivessem o
poder-dever de guarda e vigilância. Ainda em relação ao artigo 1384, há que se notar, conforme determinado no
próprio Código Civil francês: “On est responsable non seulement du dommage que l'on cause par son propre
fait, mais encore de celui qui est causé par le fait des personnes dont on doit répondre, ou des choses que l'on a
sous sa garde. Toutefois, celui qui détient, à un titre quelconque, tout ou partie de l'immeuble ou des biens
mobiliers dans lesquels un incendie a pris naissance ne sera responsable, vis-à-vis des tiers, des dommages
causés par cet incendie que s'il est prouvé qu'il doit être attribué à sa faute ou à la faute des personnes dont il
est responsable. Cette disposition ne s'applique pas aux rapports entre propriétaires et locataires, qui demeurent
régis par les articles 1733 et 1734 du code civil. Le père et la mère, en tant qu'ils exercent l'autorité parentale,
sont solidairement responsables du dommage causé par leurs enfants mineurs habitant avec eux. Les maîtres et
les commettants, du dommage causé par leurs domestiques et préposés dans les fonctions auxquelles ils les ont
employés. Les instituteurs et les artisans, du dommage causé par leurs élèves et apprentis pendant le temps qu'ils
sont sous leur surveillance. La responsabilité ci-dessus a lieu, à moins que les père et mère et les artisans ne
prouvent qu'ils n'ont pu empêcher le fait qui donne lieu à cette responsabilité. En ce qui concerne les
instituteurs, les fautes, imprudences ou négligences invoquées”. Disponível em <http://www.legifrance.gouv.fr>.
Acesso em 14 de novembro de 2007.
22
adquirir a precisão técnica de certos termos jurídicos” (RIPERT, 2000, p. 206). Como
constataram Guido ALPA e Mario BESSONE: “L’identificazione del concetto della colpa
costituisce senz’altro uno dei problemi più gravi della disciplina della responsabilità civile”
(2001, p. 243)24.
26
O princípio da não imputabilidade ao sujeito incapaz de entender e de querer no momento em que comete o
fato danoso não comporta o sacrifício total e definitivo da posição de dano. Por exemplo, a sustentação da
24
incapacidade de entender e de querer não exclui a imputabilidade do sujeito quando tal estado de incapacidade se
deu em razão do comportamento culposo deste, como a embriaguez (JANNARELLI, 2004, p. 603).
27
“Na disciplina do artigo 2.043, o elemento subjetivo assume posição central por meio da culpa e do dolo. O
Código Civil reporta-se ao momento da ação no sentido do sujeito ser dotado da capacidade de entender e de
querer. O artigo 2.046 determina que ‘não responde pela conseqüência do fato danoso quem não tem a
capacidade de entender e de querer no momento da prática daquele’” (tradução livre).
28
“Dizer culpa significa conhecer ou prever a causa estranha do evento danoso. Tal possibilidade de prever e
evitar expressa um elemento psicológico do sujeito. Assim, incorre em culpa quem não evita o dano cuja causa
era conhecível e previsível, a ponto de se poder evitar” (tradução livre).
25
Daí se dizer que o defeito do esforço necessário para prever o evento lesivo,
isto é, o defeito dessa diligência, constitui a negligência, a qual, em termos de previsibilidade
e de previsão, é um defeito de comportamento em face da omissão do agente: “La diligenza è
il criterio che stabilisce il modo di essere ‘soggettivo’ della ‘impossibilità’ di prevenirei il
danno. È ‘in colpa’, pertanto, chi è ‘in grado di prevenire il danno usando una certa
diligenza’” (MAJORCA, 1960, p. 572-573 apud ALPA e BESSONE, 2001, p. 247)30.
29
“Fala-se em culpa quando o evento lesivo, ainda que previsto, não é querido e quando se verifica a causa de
negligência, imprudência ou imperícia pela inobservância de lei, regulamento, ordem e disciplina” (tradução
livre).
30
“A diligência é o critério que estabelece o elemento subjetivo de impossibilidade de prever o dano. É na culpa,
portanto, que há o defeito de prever o dano usando uma certa diligência” (tradução livre).
26
Um dano imprevisível e evitável para uma pessoa pode não ser para outra,
sendo iníquo considerar de maneira idêntica a culpabilidade do menino e a
do adulto, do ignorante e do homem instruído, do leigo e do especialista, do
homem são e do enfermo, da pessoa normal e da privada da razão.
Por seu turno, Georges RIPERT afirmou que a culpa seria um sistema
composto por faltas, classificadas de acordo com os deveres: por exemplo, faltas contra a
legalidade, contra a honestidade, contra a aptidão física ou profissional. Estas classificações
seriam dominadas pela idéia moral de que a pessoa e os bens do próximo são sagrados. Daí o
porquê do dever de não prejudicar ninguém ter sempre pautado as teorias da responsabilidade
civil (2000, p. 206) 31.
31
O autor ainda trabalha as seguintes idéias: “Sem dúvida, há casos em que a moral mais estrita pode hesitar ante
a obrigação de reparação, o autor do prejuízo parece ter sido vítima da sorte e a imputabilidade não existir. De
resto, quando a falta é ligeira e o prejuízo não podia ser previsto a moral não impõe necessariamente a reparação
do prejuízo causado. Mas a lei civil intervém então para ditar a regra de conduta. É certo que a lei civil não é a
tradução pura e simples da regra moral, nem nunca eu pretendi que houvesse uma identidade do direito e da
moral. Mas se o autor do ato não se julga culpado, deve-se fiar no julgamento dos outros homens e, quando o
juiz se pronuncia, tem o dever moral de se desonerar” (2000, p. 206). Aqui, “entra a distinção feita pelos
canonistas entre a falta moral, que supõe a consciência duma parte da inteligência e a da vontade, e a culpa
jurídica, que pode resultar duma inadvertência e que obriga em consciência a reparar o prejuízo injusto,
conforme a sentença do juiz” (2000, p. 206). Apesar de tais observações, pode-se dizer que tal perspectiva de
“falta contra deveres” traz, em si, um perfil objetivo.
27
Para tanto, como essa previsibilidade poderia ser aferida no caso concreto
pelo juiz? Com base no psicologismo, era difícil verificar, na prática, esse elemento interno de
cada agente ativo. Não era prático e podia resultar, algumas vezes, em decisões injustas, que
deixariam a vítima desamparada a suportar sozinha as conseqüências prejudiciais do evento
danoso.
Nos termos desse novo viés doutrinário, a conduta podia ser verificada de
dois modos: in concreto, que adotava a noção de culpa de acordo com o paradigma da
32
Essa violação do dever preexistente pode ocorrer de diversas maneiras, constituindo as diferentes modalidades
de culpa, tais como culpa in eligendo, in vigilando, in custodiendo, in comittendo e in omittendo; culpa grave,
leve e levíssima; culpa presumida e culpa contra a ilegalidade; culpa exclusiva e culpa concorrente; culpa
contratual e extracontratual. Todavia, tais classificações não implicam na mudança do conceito de culpa; elas
são, tão-somente, “aspectos peculiares do comportamento, todos abrangidos no conceito genérico de um desvio
de comportamento por parte do agente” (PEREIRA, 1994, p. 72).
28
consciência do autor, do seu íntimo, e in abstrato, que adotava a noção de culpa de acordo
com o padrão da conduta normal e genérica dos homens quando submetidos às mesmas
circunstâncias.
O perfil objetivo pode, então, ser visto como sinônimo dessa perspectiva
abstrata, na medida em que as disposições especiais da pessoa ou seu grau de compreensão,
seus meios e possibilidades individuais, tais como educação, instrução ou aptidões, foram
dispensados e a comparação da conduta do autor com a do homem diligente e prudente passou
a ser utilizada como parâmetro. Neste contexto, a teoria dos irmãos Henri e Léon Mazeaud é,
sem dúvida, a principal representante dessa corrente que defende a culpa in abstrato,
expressando, em último grau, a própria negação do conceito tradicional de culpa.
Para eles, todavia, a culpa somente podia ser determinada a partir de uma
perspectiva intermediária: a da culpa objetiva. A imputabilidade moral deixa de ser requisito
fundamental da culpa, pois a verificação do lado psicológico do agente deveria ser substituída
pelo parâmetro da comparação da conduta por um tipo abstrato, o bonus pater familias. O
juiz, ao julgar um caso concreto, colocaria essa figura abstrata perante as circunstâncias
externas em que o agente se encontrava na hora do evento danoso e verificaria como ele
agiria:
De igual modo, defendeu Jaime Santos Briz a idéia de que a culpa era o
desvio de um modelo ideal de conduta, determinado conforme a diligência de um pater
familias cuidadoso. Para o autor, o que definia o erro era a previsibilidade, sem a qual um
bom pai de família não o teria cometido.
objetivamente ilícito, era ressarcível, ou seja, a conduta do agente deveria “ser apreciada in
abstracto, em face das circunstâncias ‘externas’, objetivas, e não em conformidade com a sua
individualidade ‘interna’, subjetiva” (1989, p. 17 apud GONÇALVES, 2007, p. 20) 33.
33
Nesse sentido, sustentou o autor: “O exame ou avaliação das condições físicas e psíquicas do autor do dano –
idade, educação, temperamento etc. – vale para informar ou identificar as razões determinantes do seu
comportamento anormal, mas não para subtrair da vítima inocente o direito de obter uma reparação dos prejuízos
sofridos em seus interesses juridicamente protegidos” (PORTO, 1989, p. 17 apud GONÇALVES, 2007, p. 19).
34
Por sua vez, a teoria medieval da aemulatio buscou fundamentos em textos do Direito Romano, no qual,
conforme defende a doutrina majoritária, já existia uma teoria geral do abuso de direito, consubstanciada nas
Institutas de Gaio (Inst. I, 53): Male enim nostro jure uti non debemus (LIMA, 1998, p. 209).
31
O que exerce o seu direito, dentro dos limites próprios, não é obrigado a
reparar o dano que causa a outrem, mas deve repará-lo, quando resulta
claramente das circunstâncias, que entre algumas maneiras possíveis de
exercício de seu direito foi escolhida a que é prejudicial a outrem, com
intenção de lhe acarretar dano (LIMA, 1998, 210).
Por sua vez, o direito francês tratou do tema pela primeira vez antes mesmo
da edição do Código Civil de 1804. A proibição dos atos emulativos verificou-se,
especialmente, nas relações entre proprietários, nos direitos de vizinhança: “Não é permitido a
qualquer pessoa fazer em sua propriedade o que não lhe tem serventia e prejudica a outros”
(LIMA, 1998, p. 211).
35
Casos característicos que demonstraram a aplicação da Teoria do Abuso do Direito são o Colmar, de 1855, e o
Clement-Bayard, de 1913. No primeiro, tratava-se de uma falsa chaminé, de grande altura, que o proprietário de
uma casa tinha construído. Essa obra, que não tinha quaisquer utilidades para o proprietário da casa, destinava-se
a fazer sombra na casa do vizinho, que recorreu à justiça para fazer cessar esse prejuízo invocando a teoria do
abuso do direito. O tribunal decidiu que “se” é dos princípios que o direito de propriedade é um direito de algum
modo absoluto, autorizando o proprietário a usar e abusar da coisa, o exercício deste direito, todavia, como de
qualquer outro, deve ter como limite a satisfação de um interesse sério e legítimo. Já o segundo caso é o
seguinte: “um proprietário rural, vizinho de um hangar onde um fabricante de dirigíveis guardava os seus
aparelhos, construiu imensas armaduras de madeira altas como casas, e com hastes de ferro, para criar
dificuldades aos dirigíveis. Verificando-se um acidente, em que um dos aparelhos foi vítima, o construtor pediu
32
o titular do direito não possui legítimo interesse na ação, far-se-á o uso abusivo de seu
direito36.
(...) os direitos nos são concedidos pelos poderes públicos, não para que
façamos uso dêles discricionàriamente, a torto e a direito, mas visando um
motivo determinado; instituído pela sociedade, tem missão social a cumprir,
uma aspiração, um destino de que não devemos afastá-los. Se, por exemplo,
nós os exercemos para prejudicar a outrem, fazêmo-lo desviar-se de seu
caminho, cometemos uma falta que importa responsabilidade. Não é exato
perdas e danos e demolição de tais construções. Não obstante a defesa do réu ter invocado seu direito de
propriedade sobre o imóvel onde fizera as construções, o tribunal deu ganho de causa ao dono do dirigível, com
base na teoria do abuso do direito” (AMARAL, 2003, p. 210).
36
Inclusive, o anteprojeto do novo Código Civil francês tratou do tema sob o título de “exercício normal dos
direitos”: “Art. 147 – todo o acto ou facto, que exceda manifestamente, pela intenção do seu autor, pelo seu
objecto ou pelas circunstâncias em que é realizado, o exercício normal de um direito, não é protegido pela lei e
acarreta eventualmente a responsabilidade do seu autor” (SÁ, 1997, p. 54).
37
A despeito de sua origem ser bastante antiga, a teoria do abuso do direito afirmou as suas bases no contexto
histórico-social do liberalismo capitalista, como uma resposta ao individualismo egoístico.
38
Era a época em que se expandiam os movimentos socialistas na Europa. O cenário era de conflito entre a
nascente propriedade industrial e a antiga propriedade fundiária, os direitos subjetivos concedidos e garantidos
como poderes ou prerrogativas absolutas do indivíduo em face do Estado, a formação de monopólios e certas
formas de exercício do poder patronal e das organizações operárias, entre outros fatores que influenciaram na
ordem jurídica (SÁ, 1997, p. 50-51).
33
dizer que somos responsáveis apenas quando agimos sem direito; seria mais
certo dizer, ao contrário, com Emanuel Levy, que a nossa responsabilidade
entre em ação no momento do exercício de nossos direitos; é porque
fazemos mau uso dêles, porque abusamos, que a nossa responsabilidade se
estabelece (JOSSERAND, 1946, p. 37).
39
O abuso de direito possuía natureza delitual ou quase-delitual, ou seja, aquele que exerce o seu direito com o
objetivo de prejudicar terceiros, comete uma culpa delitual e aquele que, mesmo sem a intenção de lesar, age
com imprudência ou negligência, exercendo seu direito de forma diferente de como faria o homem avisado,
comete culpa quase-delitual.
40
A Teoria do Abuso de Direito, contudo, foi negada por outros doutrinadores. Alguns repudiavam, de modo
absoluto, a existência de um ato abusivo do direito como categoria autônoma do ato ilícito, pois o direito cessa
onde o abuso começa. Em outras palavras, a norma jurídica fixa limites objetivos que delimitam as prerrogativas
de cada direito e, ao ultrapassá-los, comete-se um ato ilícito. Outros admitiam a existência do abuso de direito
como hipótese de responsabilidade civil, não sendo, assim, diverso do ato ilícito; e outros, mais extremistas,
negavam a existência de direitos subjetivos, sustentando a existência de simples funções econômicas e sociais.
Cumpre, ainda, ressaltar o pensamento crítico de Paul Esmein, que atacou a doutrina do abuso de direito,
declarando: “o exercício do direito, qualquer que seja a intenção do seu titular, é licito, o que equivale a defender
o direito como prerrogativa absoluta; tal doutrina substitui a culpa jurídica pela culpa moral, transformando o
juiz em censor” (LIMA, 1998, p. 230). Permitir que se limite o exercício do direito, atendendo à intenção do seu
titular, é confundir a moral e o direito, é dar à culpa moral os mesmos efeitos jurídicos atribuídos à culpa jurídica
(LIMA, 1998, p. 232). Outros escritores também criticaram a teoria do abuso de direito, à vista do perigoso
arbítrio confiado ao juiz, pois a este cabia determinar se o exercício do direito era, ou não, abusivo. Logo, ao
julgador era dado um poder que tornava inseguro todo e qualquer direito, uma vez que era possível aplicar ao
caso concreto as suas inclinações e os seus pendores filosóficos. Esqueceram-se, contudo, que a intervenção do
juiz é uma necessidade presente em todas as aplicações das normas jurídicas e ignorá-la significará a pretensão
de uma regulamentação jurídica capaz de abranger todos os casos, com precisão e clareza, de modo a ser
possível a aplicação matemática a cada caso concreto, o que se demonstra insustentável (LIMA, 1998, p. 235).
41
Para Josserand, o dano indenizável podia ser provocado por ato ilegal, por ato ilícito ou ato abusivo e por ato
excessivo. O ato ilegal era o realizado sem direito e, por conseqüência, em violação de um direito de outrem,
34
seja o titular do direito em causa e capaz de o exercer; 2 – que use do seu direito,
permanecendo nos limites objetivos que lhe são traçados de forma mais ou menos precisa pela
lei; e 3 – que o aponte numa direção diferente daquela que lhe é assinalada pelo espírito
próprio da instituição, isto é, que o utilize de algum modo à contre-sens (SÁ, 1997, p. 419).
cuja incorreção intrínseca sujeita o ato à sanção mediante a responsabilidade civil do tipo objetivo, quer o agente
tivesse agido voluntariamente ou por erro, conscientemente ou não. Já o ato ilícito era aquele que não se
realizava em conformidade com a destinação do direito, com o espírito da instituição, resultando antes do desvio
de uma faculdade subjetiva falseada pelo seu titular. Nesse caso, a responsabilidade do titular não decorre mais
de circunstâncias objetivas, como a transgressão dos limites de um direito, mas do mau impulso dado a esse
direito, subjetivamente, abusivamente, ou seja, o ato era abusivo, pois, sendo objetivamente correto, era
subjetivamente incorreto. Por fim, o ato excessivo, embora não fosse ilícito nem ilegal, geraria responsabilidade
civil – sem culpa e puramente objetiva - se provocasse um dano excessivo ou anormal, pelo que se poderia dizer
que tal ato, ocasionando uma ruptura de equilíbrio entre os direitos conflitantes, de quem atua e de quem é
lesado, seria constitutivo de riscos, que deveriam ser suportados por quem os criou (SÁ, 1997, p. 471-476 e
MARTINS, 2002, p. 161-162).
35
42
“A esta concepção implacável e frenética dos direitos individuais, opõe-se a Teoria da Relatividade, que vem
admitir possíveis abusos dos direitos, ainda que dos mais sagrados. Nesta teoria, os direitos são produtos sociais,
como direito objetivo, cuja origem vem da sociedade e dela recebe seu espírito e finalidade; cada um segue um
fim, do qual não pode o titular se desviar; a sua finalidade está fora e além dele mesmo; não são absolutos e sim
relativos. Deve ser exercido no plano de sua instituição, com respeito ao seu espírito, ou do contrário seguirá
uma direção falsa e o titular terá não usado e sim abusado, e verá comprometida sua responsabilidade para com a
vítima desse desvio culposo” (tradução livre).
43
Diante da relatividade dos direitos e da impossibilidade de se definir na lei, de forma perfeita, qual o uso que
o titular deve fazer de seu direito, a tendência foi adotar o critério objetivo do desvio de finalidade, mas há outros
parâmetros de aferição do abuso de direito, como o da boa-fé, que se tornou um princípio jurídico e passou a ser
utilizado como parâmetro para o exercício de todos os direitos e para a execução das obrigações. Neste caso, a
36
Temos, pois, que concluir daí que a jurisprudência vê uma culpa civil neste
exercício anormal do direito, porque ela impõe ao homem o dever de não
prejudicar ninguém e que este dever se precisa e se torna mais rigoroso
quando a ação prejudicial se torna mais fácil.
boa-fé era objetivamente determinada, expressa por meio de uma concepção geral, normativa, que estabelecia
uma relação de confiança recíproca entre as partes interessadas na relação obrigacional, exigindo que se agisse
com um mínimo normal de lealdade. O titular do direito deveria agir conforme as regras da correção, da lealdade
e da honra; e a violação das regras de boa-fé e eqüidade definia o uso abusivo do direito. O abuso de direito
constituiu, dessa forma, uma barreira moral ao domínio do direito e sobre a noção de boa-fé objetiva repousava o
seu fundamento (ALBERT RICHARD, 1935, p. 185 apud LIMA, 1998, p. 244).
44
Opiniões contrárias insurgem-se a essa necessidade da culpa para configurar o ato abusivo: “Desde que se
tenha do abuso uma concepção objetiva, assimilá-lo à culpa é uma empresa não só arriscada, mas inútil. O ato a
qualificar-se será considerado apenas na sua objetividade, sem que possa oferecer qualquer interesse de ordem
prática ou teórica a investigação das razões de natureza psicológica que teriam inspirado ao agente o exercício de
seu direito. (...) Qualquer ato, moralmente reprovável ou não, que, excedendo os limites da normalidade,
provoque um sério desequilíbrio entre os interesses juridicamente protegidos, é abusivo e obriga por isso o seu
autor a reparar-lhe as conseqüências lesivas. (...) Na apreciação da normalidade o juiz não precisa ater-se à
consideração do elemento intencional ou das razões subjetivas que teriam determinado o exercício do direito. A
sua tarefa limita-se a examinar, à luz de dados materiais e objetivos, se o ato danoso transborda efetivamente da
justa medida que o titular do direito deve observar por ocasião de seu exercício. Essa justa medida dos direitos
individuais obtém-se mediante exame dos seus fins econômicos e sociais e confronto entre a importância dos
interesses que o agente visa a resguardar e os interesses de terceiro por ele lesados” (MARTINS, 2002, p. 163-
165).
37
Por sua vez, Louis JOSSERAND, na obra “De l´esprit des droits et de leur
relativité”, apresenta a Teoria do Abuso de Direito como extensão do conceito de culpa.
Demonstrou que o titular do direito podia, ao mesmo tempo, exercê-lo e abusar das
prerrogativas atribuídas legalmente: o ato abusivo podia ser praticado em razão de um direito
determinado e ser, mesmo assim, ilícito, por contrariar a boa-fé e as regras que constituíam o
direito:
45
A respeito desse tópico, cumpre ressaltar a verificação do dano diante da utilidade. A intenção de lesar
consubstanciada na prática de um ato deve ser repelida pelo Direito, ao passo que a utilidade pessoal no
exercício do direito deve ser protegida por lei. No entanto, quando se verifica a colisão entre esses interesses, é
necessário fazer uma comparação entre ambos para se chegar ao ponto de equilíbrio. Em virtude dessa dosagem
entre utilidade e dano, não é possível aceitar que o titular de um direito, com a intenção de lesar, exonere-se de
sua responsabilidade, tendo em vista, apenas, a prova da utilidade no exercício do direito, apesar do interesse do
lesado ser superior, moral e economicamente, às vantagens obtidas pelo titular do direito, bem como a ação deste
ser praticada de forma menos prejudicial.
46
“A falta cometida no exercício do direito é precisamente a culpa a que se chama abuso de direito; um ato
cumprido em conformidade com um determinado direito subjetivo pode estar em conflito com o direito em geral,
com o direito objetivo, com a juridicidade, e esse conflito é o que os romanos haviam previsto e traduzido pela
famosa máxima: Summum jus, summa injuria” (tradução livre).
38
O critério técnico era expresso pela culpa na execução, isto é, a culpa tem
por parâmetro a execução do direito, consistindo em ter “o titular do direito agido no
exercício do mesmo sem interesse apreciável, sem vantagem, embora sem intenção de
prejudicar, mas de tal maneira que o ato praticado é economicamente mau e condenável. É
uma culpa de ordem econômica” (LIMA, 1998, p. 225).
Cada direito tem a sua finalidade, a sua função própria. Logo, qualquer
desvio de finalidade indica um abuso de direito, um ato contrário ao espírito e ao fim da
instituição jurídica. O juiz, perante o caso concreto, deve, então, guiar-se pelo motivo
legítimo, ou seja, o ato será normal ou abusivo a depender da legitimidade do motivo, do fim
almejado47.
Os poderes que a lei nos confere no exercício de cada direito não têm limites
objetivos precisos e fatais; quando agimos dentro destes limites exercemos a
prerrogativa legal, o direito subjetivo, tal como diz a norma, em si mesma
considerada. Mas ao lado destes limites objetivos, outros limites são
necessários ao exercício normal do direito, sob pena do desequilíbrio social;
estes limites não os encerra o preceito legal quando define e concede cada
direito, mas são impostos pelos princípios gerais do direito, pelos princípios
da boa-fé, por princípio de ordem moral.
por meio da aplicação do art. 1382 do Código Civil Francês. O ato abusivo era apenas uma
variedade do ato ilícito. Henri e Léon Mazeaud, de acordo com a sua concepção de culpa,
entendiam que o ato abusivo era um mero erro de conduta, analisando-se se uma pessoa
prudente teria sido mais diligente no exercício de seu direito. Enfim, como sustentava Ripert,
a teoria reduzia-se à seguinte constatação: “o titular de um direito subjetivo pode cometer uma
culpa no exercício de um direito” (LIMA, 1998, p. 231).
48
Antes, a vítima é quem deveria provar a culpa do agente pelo prejuízo causado.
40
francês (presunções iuris tantum). Apesar disso, ficaram reservadas às situações mais
complexas, como as de responsabilidade oriunda de fatos de outrem e de fatos das coisas. A
responsabilidade do autor seria inconteste, caso não provasse a presença de causa estranha ao
dano, como força maior, caso fortuito, culpa da vítima ou fato de terceiro:
Art. 1384. On est responsable non seulement du dommage que l’on cause
par son propre fait, mais encore de celui que est causé par le fait des
personnes don’t on doit répondre, ou des choses que l’on a sous sa garde.
(L. 7 nov. 1922) Toutefois, celui qui détient, à um titre quelconque, tout ou
partie de l’immeuble ou des biens mobiliers dans lesquels um incendie a pris
naissance ne sera responsable, vis-à-vis des tiers, des dommages causés par
cet incendie que s’il est prouvé qu’il doit être attribué à as faute ou à la
faute des personnes dont il est responsable. Cette disposition ne s’applique
pas aux rapports entre propriétaires et locataires, qui demeurent régis par
les articles 1733 et 1734 du code civil.
(L. n.º 70-459 du 4 juin 1970) Le père et la mère, en tant qu’ils exercent (L.
n. 2002-305 du 4 mars 2002, art. 8-V) “l’autorité parentale” [ancienne
rédactio: “le droit de garde”] sont solidairement responsables du dommage
causé par leurs enfants mineurs habitante avec eux. – L’art. 8-V de la loi n.º
2002-305 du 4 mars 2002, modifiant le présent alinéa, est applicabele dans
les iles Wallis-et-Futuna, em Polynésie française et em Nouvelle-Calédonie
(art. 19 de la loi).
Les maitres et les commettants, du dommage causé par leurs domestique et
preposés dans les fonctions auxquelles ils les ont emplolyes. Les instituteurs
et les artisans, du dommage causé par leurs élèves et apprentis pendant le
temps qu’ils sont sous leur surveillance.
(L. 5. avr. 1937) La responsabilité ci-dessus a lieu, à moins que les père et
m`cere et les artisans ne prouvent qu’ils n’ont pu empêcher le fait qui donne
lieu à cette responsabilité. Em ce qui concerne les instituteurs, les faute,
imprudences ou négligences invoquées contre eux comme ayant causé le fait
dommageable, devront être prouvées, conformément au droit commum, par
le demandeur, à l’instance49.
49
Art. 1384. Somos responsáveis não somente pelos danos provocados por nossa própria culpa, mas também por
aqueles provocados pela culpa das pessoas pelas quais somos responsáveis ou pelas coisas que temos sob nossa
guarda. Entretanto, aquele que possui, a um título qualquer, a totalidade ou parte do imóvel ou dos bens
mobiliários, nos quais um incêndio começou, será responsável com relação a terceiros, pelos danos provocados
por este incêndio somente se for comprovado que a culpa deve ser atribuída a ele ou às pessoas pelas quais é
responsável. (Lei de 7 de nov. de 1922) Esta disposição somente se aplica às relações entre proprietários e
locatários que vivem de acordo com os artigos 1733 e 1734 do código civil.
(L. n.70-459 de 4 de junho de 1970).O pai e a mãe, se exercerem (L. n.2002-305 de 4 de março de 2002, art. 8-
V) o pátrio poder [redação antiga: “direito de guarda”] são solidariamente responsáveis pelos danos
provocados por seus filhos menores que vivem com eles (Obs.: O art. 8-V da lei n.2002-305 de 4 de março de
2002, que modifica a presente alínea, é aplicável nas Ilhas Wallis-et-Futuna, na Polinésia Francesa e em Nova
Caledônia (art. 19 da lei).
Os mestres e responsáveis pelo dano provocado por seu doméstico e prepostos nas funções para as quais foram
contratados. Os professores e artesãos, pelos danos provocados por seus alunos e aprendizes durante o tempo em
que estão sob sua supervisão. A responsabilidade acima ocorre salvo se os pais e mães e os artesões
comprovarem que não puderam impedir o fato que provocou esta responsabilidade. (cf. Lei de 5 de abril de
1937). Para os professores, a culpa, imprudência ou negligência invocadas contra eles como tendo provocado o
fato danoso deverão ser comprovados de acordo como o direito comum, pelo requerente na instância (STOCO,
Rui. “Responsabilidade civil no Código Civil francês e no Código Civil brasileiro”, in Estudos em homenagem
ao bicentenário do Código Civil francês, setembro de 2004, p. 12).
41
Art. 1385. Le proriétaire d’un animal, ou celui qui s’en sert, pendant qu’il
est à son usage, este responsible du dommage que l’animal a cuasé, soit que
l’animal fût sous as gfarde, sit quíl fût égaré ou échappé50.
Art. 1386. Le propriétaire d’un bâtiment est responsible du dommage causé
par sa ruine, lorsqu’elle est arrivée par une suite du défaut d’entretien ou
par le vice de sa construction51.
50
Art. 1385. O proprietário de um animal ou aquele que o usa, enquanto estiver sendo usado, é responsável pelos
danos que o animal possa provocar, quer enquanto o animal estiver sob sua guarda quer este estiver perdido ou
tiver escapado.
51
Art. 1386. O proprietário de um imóvel é responsável pelos danos provocados por estragos, quando estes são
conseqüentes de uma falta de manutenção ou de um vício de construção.
42
imputável ou de ter agido conforme os padrões de conduta. Como disse Josserand, estar-se-ia
diante de uma “culpa provável, simplesmente possível, um fantasma de culpa”
(JOSSERAND, 1936, p. 48 apud LIMA, 1998, p. 73).
3. Considerações críticas
do bom pai de família proposto pelos irmãos Mazeaud, permitiu, de certa forma, a facilitação
da prova do dano. .
54
Em contrapartida, existe a voluntariedade in re, a qual retrata o agir com dolo. Nesse caso, o agente quer o
resultado, ele deseja a situação objetiva em que o bem jurídico é exposto ao perigo (VANNINI apud LIMA,
1998, p. 67).
55
A consciência do ato representa o elemento subjetivo, estabelecendo a relação moral entre a lesão material e o
autor.
56
A conseqüência lógica dessa afirmação é a de que o alienado não pode ser responsável em virtude da noção de
culpa clássica, já que não possui a faculdade de previsão. Os danos causados ficam sem reparação, pois não há
consciência dos atos, estando ausente o elemento psicológico – exceto na hipótese de responsabilidade do guarda
do alienado. Contudo, diante da necessidade de se proteger a vítima de um dano injusto, os doutrinadores
criaram a teoria da culpa anterior. Vista como resposta à manutenção do equilíbrio social e como forma de
atender os fins da eqüidade, a teoria da culpa anterior buscou os fatos anteriores que justificam a alienação
mental. Se este fato provém de fatos voluntariamente imputáveis ao alienado, de modo que ele se encontrava em
condições de prever as conseqüências prejudiciais de seus atos, deverá responder pelo ato danoso praticado em
estado de inconsciência; se era possível agir de forma diversa, evitando os atos que levaram ao estado de
demência, o fato do agente não ter se conduzido com diligência constitui culpa, denominada culpa anterior,
preexistente ou causal. A responsabilidade, assim, decorre da causa inicial voluntária. A responsabilidade por
culpa anterior pode ser configurada, por exemplo, em casos de alienação proveniente de embriaguez, de uso de
substâncias entorpecentes e de contágio de moléstias venéreas. Algumas legislações aderiram a essa teoria:
austríaca, alemã, belga, italiana e suíça (LIMA, 1998, p. 89).
57
A crítica que pode ser feita a esse método para definir culpa é a de que esse tipo abstrato não pode ser
definido, nem na lei, nem na doutrina, porque só em face de uma dada situação é que podemos julgar se o
procedimento de uma pessoa foi o de um bonus pater familias (PACCHIONI, 1933, p. 347 apud LIMA, 1998, p.
58). Para tanto, tal juízo merece censura, pois as leis apenas selecionam as ações, proibindo aquelas que são
incompatíveis com a ordem social e impondo as que são construtivas para o Direito, sendo insustentável a
pretensão de uma regulamentação jurídica capaz de abranger todos os casos, com precisão e clareza, de modo a
ser possível a aplicação matemática a cada caso concreto (LIMA, 1998, p. 235 e LOPES, 2003, p. 368).
46
só arriscada, como inútil. Assevera que qualquer ato, moralmente reprovável ou não, que,
excedendo os limites da normalidade, provoque um sério desequilíbrio entre os interesses
juridicamente protegidos, é abusivo e obriga por isso o seu autor a reparar-lhe as
conseqüências lesivas (2002, p. 163-165).
1. As teorias objetivas
58
Com a Revolução Industrial, as transformações foram inúmeras, seja na ordem social, seja na ordem
econômica. Tensões emergiram e exigiram do Direito uma resposta para essa nova e complexa realidade, em
especial ao que se refere às vítimas de acidentes de trabalho. Nessa época, tomava-se consciência de que os
danos poderiam ser, além de graves, fatais.
49
explora, em seu próprio interesse, uma atividade qualquer tem a responsabilidade pelas
conseqüências da exploração, mesmo que estas sejam danos advindos de acidentes e eventos
inevitáveis.
59
“A responsabilidade moderna comporta dois pólos, o pólo objetivo, ou o que rege o risco criado, e o pólo
subjetivo ou triunfo da culpa, sendo que a proximidade entre esses dois conceitos torna a teoria da
responsabilidade vasta” (tradução livre).
50
60
Na França, o risco profissional foi introduzido por meio da lei de 09.04.1898.
51
inerentes. Daí a concepção da Teoria do Risco por Saleilles; para ele, “o agente que tirasse
61
voluntariamente proveito de um negócio deveria suportar seus riscos” (LOPES, 2003, p.
256).
Em virtude dessa proposta da Teoria do Risco Criado, a culpa não era mais
a fonte exclusiva de responsabilidade. Aqui, a responsabilidade pretendia ser mais equânime e
protetiva, pois exigia que as conseqüências do fato das coisas fossem arcadas pela pessoa que
tinha a sua guarda e delas obtinha benefícios62. Logo, até mesmo na hipótese de caso fortuito,
o encargo seria “daquele que o determinou, provocou e não daquele que somente foi vitimado
por ele” (JOSSERAND, 1897, p. 113 apud LOPES, 2003, p. 258), pois o que gerava a
responsabilidade era o risco criado, cujos danos decorriam diretamente da coisa, e não o risco
da humanidade63.
61
No direito francês, a positivação dessa teoria encontrava-se no artigo 1384 do Código Civil francês, no qual se
solidificou a responsabilidade civil por ato de terceiros aos que tivessem o poder-dever de guarda e vigilância:
“Art. 1384 – Toda a pessoa é responsável não somente pelo dano que causou por ato seu próprio, mas ainda por
aquele que foi causado por ato de pessoa pela qual devia responder ou por coisas que estão sob a sua guarda”.
62
De acordo com a responsabilidade subjetiva, se nem o possuidor da coisa nem a vítima tiverem culpa, esta
última deverá suportar o dano sem indenização. Mas, se a vítima não possui qualquer relação como o objeto, ao
passo que o proprietário ou possuidor dele retira algum benefício, não é lógico que a vítima comporte,
definitivamente, o prejuízo. Por isso, a teoria do risco criado defende que as pessoas proprietárias, possuidoras
ou detentoras assumam os riscos advindos desses objetos.
63
O proprietário responde, portanto, por caso fortuito, mas jamais por força maior, uma vez que esta provém de
fatos absolutamente independentes, de origem externa, fora de seu controle, como, por exemplo, os elementos
naturais e a guerra, denominados pelo direito inglês como os “acts of God”.
52
64
A teoria do risco criado tinha amparo legal no artigo 1384, § 1º do Código Civil francês. O dispostitivo
determinava, ainda, segundo Ripert, a presunção geral de culpa quanto àquele que tem à sua guarda uma coisa
inanimada (2000, p. 208).
65
A respeito da teoria do risco, é interessante destacar a opinião de Ripert, principalmente no tocante à
causalidade: “Todo o prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por aquele que o causou, porque todo
problema de responsabilidade civil resolve-se em um problema de causalidade; ou ainda: qualquer fato do
homem obriga aquele que causou um prejuízo a outrem repará-lo.
Esta idéia de causalidade está nítida no art. 1382. Uma das condições da responsabilidade civil cuja observância
é controlada pela Corte de Cassação é a existência dum laço entre a culpa e o prejuízo. Mas, porque o elemento
culpa está no primeiro plano não se apercebe a importância do elemento causalidade, permitindo, aliás, a regra
da liberdade de prova para os atos materiais, a livre apreciação do juiz. Se se faz desaparecer a idéia de falta, a
idéia de causalidade passa para o primeiro plano, tomando a seu cargo a idéia de responsabilidade. O ato humano
traz consigo os riscos como uma conseqüência necessária” (2000, p. 213-214).
53
somente, a relação de causalidade voluntária entre o fato e o dano, poder-se-ia dizer que a
culpa tomava para si o sentido vulgar de causa.
4. Observações críticas
Dessa forma, surgiram teorias como a do risco, cuja proposta era a de aquele
que causou os riscos e deles tirou proveito, deveria responder por danos que viessem a
acontecer, independente de culpa. O centro da preocupação em matéria de responsabilidade
civil deixou de ser o homem, considerado em sua particularidade, para ser o homem coletiva e
socialmente considerado:
66
Nesse sentido, conclui-se que: “Os modelos subjetivos centram sua perspectiva no ato humano, avaliando-o a
partir de sua referibilidade a um dever contido em uma norma social. Por se dirigirem à análise de uma conduta,
abrem um leque para diversos juízos éticos sobre a própria ação e a determinação precisa do agente realizador do
ato. As formas e estruturas que se construíram dentro do modelo por ato ilícito direcionam-se a avaliações de
conduta” (LOPES, 2003, p. 357).
67
“Seria como a discussão, hoje em dia, entre arquitetos acerca do estilo do palácio: os que pretendem uma
aparência clássica corresponderiam à culpa; os outros que optam por um moderno, corresponderiam ao risco”
(tradução livre).
56
Conclusão
Por fim, neste contexto de objetivação, não se pode olvidar que surgiram
teorias que dispensavam a própria idéia culpa como pressuposto da responsabilidade civil.
idade, sexo e grau de cultura, indagando-se se o agente podia deixar de agir, como o fez, ou,
por outra, estaria à altura de empregar a diligência comum dos homens:
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A observação feita pelo Professor André Rouast, da Faculdade de Direito de Paris, sintetiza de forma
brilhante o tema “culpa” na responsabilidade civil: “Em nenhuma parte, o legislador rompeu, completamente,
com o princípio da responsabilidade baseada na culpa; este princípio resiste à experiência dos fatos e das idéias
novas; a teoria da responsabilidade não se transformou, mas tornou-se mais matizada, mais adaptada às
necessidades da civilização contemporânea. O conceito de culpa perdeu aquela rigidez, dentro dos moldes
clássicos, puramente moral, para objetivar-se” (ROUAST, 1939 apud LIMA, 1998, p. 28-29).
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