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Teoria geral do direito civil I

Matilde de Alves Barata

2020 / 2021

Professora regente:
Maria Raquel rei
TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata

EVOLUÇÃO DO CC

Parte geral: inspirada no BGB alemão, tem dois principais objetivos:


• Consagração de regras gerais de utilização por todas as partes especiais e para todo o código
civil.
• Conceito operativo de situação jurídica (relação jurídica), que se aplica a todas as relações
jurídicas especiais.

Direito das obrigações: Livro mais extenso do CC, regula a generalidade de atividades de troca de
bens e também a consequência da prática de atos ilícitos. Tem estrutura própria obrigacional:
estabelece a existência de credores e crédulos.

Direitos reais ou das coisas: Regula a relação entra uma pessoa e uma coisa. Caracterizam-se pelo
princípio da tipicidade - Só existem os direitos reais previstos na lei. Dividem-se em direitos reais de
gozo (Pessoa ao exercer o direito adquire o gozo de um objeto), garantia (Pessoa utiliza a coisa como
garantia do seu direito de crédito: Hipoteca) e aquisição (Permite a alguém adquirir algo).

Direito da família: Parte do direito civil autonomizada por uma instituição; conjunto de regras que regulam
a família.

Direito das sucessões: Regula uma instituição que é a morte, o que acontece quando uma pessoa
morre.

Fontes do direito civil:


A legislação portuguesa era escassa, havia poucas normas jurídicas, a maior parte das regras eram
costumeiras, as regras resultavam dos costumes das pessoas.
A partir do século XV, as regras de Portugal foram compiladas nas ordenações (primeiro as afonsinas,
depois as manuelinas e depois as filipinas, que estiveram em vigor no Brasil até ao século XX) que
apenas serviam para a praticidade.
As ordenações eram compilações que abrangiam todas as matérias e não apenas o direito civil e
continham não só o direito português como o direito romano e alguma doutrina. No tempo das ordenações
o direito que subsidiava era o direito romano, o direito canónico e depois aplicava se algumas lições
de certos professores para resolver casos práticos. Os reis mandavam incluir as opiniões de alguns
juristas famosos e a partir de uma altura a opinião dos professores.

Lei da Boa Razão - Em 1769, Marquês de Pombal editou uma lei que é a chamada lei da boa razão, que
nos diz que nós devemos aplicar o direito português. Só se não existir direito português é que
devemos aplicar o direito das nações europeias civilizadas e só se este não existir é que devemos
aplicar o direito romano, mas só aquele que que for conforme à boa razão. Muitas regras do direito
romano eram anacrónicas em relação à sociedade. A lei da boa razão marca uma fronteira, enfatiza a
concentração do direito em relação ao direito português. A lei da boa razão é a tradução jurídica do
objetivo de concentrar os poderes no rei. Com esta lei houve uma reorganização do direito em torno do
direito português.

Os primeiros códigos:
O primeiro código com expansão no mundo inteiro remete a 1804 e chama se Código de Napoleão. A
generalidade dos códigos do século XIX são chamados Códigos Napoleónicos.
O outro grande marco é o nosso primeiro Código Civil, de 1867 - Código de Seabra. Foi inspirado nos
ideais da Revolução Francesa e é extremamente individualista, favorece a expansão do capitalismo,
pode ser dito como um código burguês. É original e não uma copia, é mais perfeito do que o Código de
Napoleão.
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Em 1944 foi constituída uma comissão que foi encarregue pelo Governo de rever e fazer um novo Código
Civil, por motivos políticos – o Código de Seabra não era adequado ao Estado Novo, pois era
demasiado individualista para uma ordem que devia ser mais coletiva e solidária. Propôs-se um código
ajustado a nova ordem político-social. Foi feito de acordo com a classificação germânica, relação jurídica
incluída na parte geral. Foi publicado em 1966 e entrou em vigor em 1967.
Depois da Revolução dos Cravos, o Código Civil foi alterado por um diploma elaborado em 1967 que
mudou várias regras, principalmente regras do direito da família. Depois de 1967 as alterações não são
muitas, só no direito da família e no direito do arrendamento.

Direito privado e direito público


Direito público Direito privado
Nas situações públicas, as atuações Nas situações jurídicas privadas, as
desenrolam-se segundo a autoridade e a atuações pautam-se pela igualdade e pela
competência: um dos intervenientes pode, liberdade: as pessoas têm iguais poderes
unilateralmente, provocar alterações na e podem agir sempre que não se deparem
esfera jurídica alheia e só lhe cabe atuar com uma proibição.
quando a norma lho permita.

INSTITUTOS
Elementos: Sujeito (pessoas entre as quais se estabelece o vínculo), objeto (comportamento ou a coisa
sobre a qual incide o direito ou a adstrição), conteúdo (vínculo entre sujeitos) e a garantia (possibilidade
de exercer a coercibilidade jurídica).

Relação jurídica: toda e qualquer relação da vida social regulada pelo Direito, mediante a atribuição a um
dos sujeitos de um direito subjetivo em sentido lato e a imposição a outro sujeito de uma
vinculação/obrigação.

Elementos da relação jurídica:


Dois sujeitos: sujeito ativo (o que tem o direito subjetivo em sentido lato) e sujeito passivo (a quem é
imposta uma vinculação ou obrigação).
• Exemplos:
1. Estou a guiar o meu automóvel e choco com outro carro, causando danos materiais ao mesmo. Até ao
momento do facto danoso, não havia qualquer relação jurídica. A partir do momento em que causo
danos, nasce a relação jurídica: na relação, sou o sujeito ativo (tenho o dever, a obrigação de
indemnizar) e a pessoa que ficou com o carro danificado é o sujeito passivo (tem direito de exigir a
indemnização).
2. Celebro o contrato de doação de um quadro com alguém. O contrato de doação faz nascer uma relação
jurídica: sou o sujeito passivo (tenho a obrigação de doar o quadro à pessoa com quem fiz o contrato) e
a outra pessoa é o sujeito ativo (tem o direito de exigir o bem).

Os dois exemplos representam relações jurídicas simples. Numa relação jurídica simples, um sujeito é
exclusivamente ativo e outro é exclusivamente passivo.
Contudo, a grande parte das relações jurídicas são complexas. Numa relação jurídica complexa, as
pessoas envolvidas são simultaneamente sujeitos ativos e passivos (têm tanto direitos como obrigações).
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Exemplos:
1. A compra e venda é uma relação jurídica complexa (tanto o vendedor como o comprador têm
simultaneamente direitos e obrigações).
2. A relação estabelecida entre um trabalhador e o patrão é complexa (ex: o patrão tem o direito de exigir
que o trabalhador trabalhe X horas por dia; simultaneamente, tem a obrigação de pagar o ordenado ao
trabalhador, assim como a de garantir condições mínimas de trabalho)
3. A relação matrimonial, estabelecida a partir do casamento, é também uma relação jurídica complexa (o
direito estabelece que os dois conjugues têm tanto direitos como obrigações).

Dentro do direito subjetivo em sentido lato (sujeito ativo):


• Direito subjetivo em sentido estrito: poder jurídico de exigir ao sujeito passivo uma certa
conduta;
• Direito subjetivo potestativo: poder que uma pessoa tem de, unilateralmente, e através de um
ato da sua vontade, conjugado ou não com uma decisão judicial ou administrativa, desencadear
efeitos jurídicos que se irão produzir na esfera jurídica de outra pessoa, quer esta queira quer não;
➢ Direito potestativo constitutivo: poder de o indivíduo criar, sozinho, uma relação jurídica
com outra pessoa (a relação nasce independentemente da vontade da outra pessoa, sobre
a qual vão incidir efeitos da relação - art. 1550.º)
➢ Direito potestativo extintivo: poder de extinguir, sozinha, uma relação jurídica com outra
pessoa (extingo a relação jurídica com uma pessoa, quer esta o queira, quer não) - art.
1781.º (o direito que um cônjuge tem de pedir o divórcio, ao fim de um ano consecutivo de
separação de facto, é um direito potestativo extintivo)
➢ Direito potestativo modificativo: poder de modificar, sozinha, uma relação jurídica com
outra pessoa (modificar os direitos e as obrigações inerentes à relação);

Dentro da vinculação (sujeito passivo):


• Dever jurídico: necessidade jurídica de adotar uma certa conduta (conduta tanto pode ser praticar
como deixar de praticar certo ato);
➢ Praticar o ato (ação) -> dever positivo
➢ Omissão do ato (abstenção) -> dever negativo (o trabalhador não pode fazer concorrência
ao patrão: dever negativo; no Código Penal, vemos vários deveres negativos: não matar,
não difamar…) - Sujeição

Ao Direito subjetivo em sentido estrito contrapõe-se, no lado passivo, o dever jurídico.

Se temos Direito subjetivo potestativo no lado do sujeito ativo, temos a sujeição do lado passivo.

Artigo 219º do Código Civil - princípio da liberdade da forma (segundo este princípio, os contratos têm
liberdade na sua forma, a menos que a lei determine; assim, vários contratos podem tanto ser celebrados
simultaneamente por escrito e oralmente).
• A lei determina que o contrato de arrendamento urbano tem de ser por escrito.

Direito em sentido objetivo (Law):


• Direito entendido como conjunto de regras/normas (ramos do direito: Direito Comercial, Direito da
Família; Direito português, Direito da União)

Direito em sentido subjetivo (Right):

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• Direito enquanto poder que me é reconhecido/atribuído pela ordem jurídica (direito de propriedade,
por ex)

Direito subjetivo pressupõe direito objetivo: tenho um direito subjetivo, porque determinada norma
(direito objetivo) o confere (ex: determinada pessoa tem direito de suceder porque existe Direito das
Sucessões, direito objetivo).

Princípio – Orientação geral de conduta que não tem uma aplicação a 100%, pode haver exceções.

Instituto – Conjunto organizado de normas e princípios que permite a formação típica de modelos de decisão.

Dentro dum instituto temos várias normas e princípios. - Dão uma visão mais ampla e concreta da sociedade.

Instituto da autonomia privada: Numa aceção ampla, refere o espaço de autodeterminação pessoal.
É uma expressão do princípio da liberdade permitindo tudo o que não for proibido. Já numa aceção
restrita, o conceito refere a permissão concedida pela ordem jurídica para que as pessoas possam
determinar a produção de efeitos jurídicos.

Nunca se extinguiu, nem mesmo nos regimes totalitários, pois sempre houve uma margem da vida dos
cidadãos que eles podiam controlar.
Varia de época para época e de país para país, podendo ter mais ou menos intensidade.

Princípio da tipicidade – As pessoas podem produzir efeitos jurídicos de acordo com a sua vontade, mas
com uma limitação muito significativa pois só podiam ser celebrados os negócios e contratos que
estejam previstos na lei.

Liberdade de celebração – Possibilidade de produzir efeitos jurídicos de acordo com a vontade do


sujeito. Como os efeitos jurídicos dependem da vontade do sujeito, o regime jurídico tem atenção a
possíveis anomalias (vontade viciada).

Liberdade estipulação: São mais intensas. Ex. Quero comprar um estojo por 3 euros a alguém, mas
oferecem-me por 10 euros e eu proponho pagar a prestações e ficar com garantia de 2 anos do estojo ->
permite a modificação do conteúdo perante a vontade dos sujeitos.

Instituto da propriedade: Direito real máximo. Uma pessoa pode usar, usufruir e dispor alguma coisa
corpórea como quiser, independentemente dos outros.

Alguns sistemas jurídicos tentaram eliminar/limitar a propriedade privada.


Art. 62 – Confere às pessoas o direito de propriedade quer em vida quer em morte.

Instituto da responsabilidade civil (art. 562º)


Só há responsabilidade civil quando existem danos.
➢ Quem causa danos a outra pessoa tem de compensar/indemnizar o lesado pelos prejuízos
sofridos.
Há vários tipos de danos:
• Danos patrimoniais (dados que se repercutem no património)
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o Danos emergentes: provocam uma diminuição do valor do património do lesado.
o Lucros cessantes: a conduta não leva à diminuição do valor do património, mas impede o
seu aumento previsível.
• Danos não patrimoniais (art. 496.º) - exemplo: a difamação de um advogado pode gerar prejuízo
económico (dano patrimonial: o advogado pode perder clientes e potenciais clientes), e,
simultaneamente pode provocar um grande sofrimento psicológico (um dano não patrimonial);
o Não é qualquer dano não patrimonial que pode ser indemnizado (a lei exige um mínimo de
gravidade, para evitar que as pessoas exagerem). O contrário não acontece com um dano
patrimonial (pago indeminização tanto por provocar danos num objeto de 5€, como por
provocar num objeto que vale 5000€).
o O lesado tem de provar que, efetivamente, teve danos. Depois, discute-se o montante exato
dos danos.

Art. 564.º do CC: O dever de indemnizar corresponde não só ao prejuízo causado (danos emergentes),
como aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).

DENTRO DA RESPONSABILIDADE CIVIL:

• Responsabilidade civil por facto ilícito (nº1, art. 483.º)


A conduta que causa os danos é ilícita (contra a lei) e culposa (seja na modalidade de dolo, seja na
modalidade de negligência).
Podemos ter dois tipos de culpa: dolo (conduta intencional, praticada com a consciência da ilicitude da
mesma) ou mera culpa (conduta negligente; a pessoa não agiu de propósito, mas a sua conduta é
censurável, pois foi pouco diligente).

• Responsabilidade civil pelo risco/Responsabilidade civil objetiva (nº2, art. 483.º; arts. 499.º a
510.º)
Modalidade que não pressupõe a existência de culpa.
Exemplo: vou a conduzir e, subitamente, tenho um AVC, uma ocorrência que me faz atropelar um
indivíduo; não tenho culpa de ter tido o AVC, mas, ainda assim, tenho de pagar uma indemnização.

• Responsabilidade civil por facto lícito


Estado de necessidade: art.º 339.º
Estou na minha casa e começa um incêndio na cozinha. Estou em perigo de vida, e a única forma de
escapar é arrombar a porta do vizinho. A lei permite que, para escapar ao perigo, cause danos à porta do
vizinho (o valor da vida é superior ao valor da porta, pelo que devo proteger o primeiro).
Apesar de, no contexto descrito, a lei permitir a destruição da porta, fico obrigado a indemnizar o meu
vizinho -> responsabilidade civil por facto lícito, também visível no nº 2 do art. 81.º
Art. 339.º – Em situações dramáticas posso destruir a propriedade alheia, mas depois tenho de pagar.

Art. 81.º (Direitos de personalidade) – Posso dar autorização para a publicação de uma foto minha e
depois revogar a autorização, mas se isso causar algum dano à outra parte, tenho de a indemnizar.

DIREITOS DE PERSONALIDADE

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Direitos fundamentais: Direitos das pessoas protegidos pela Constituição. Regulam a relação entre o
Estado e os particulares, visando proteger os cidadãos da intromissão ilegítima do Estado. Dentro dos
direitos fundamentais, existem direitos subjetivos - permissões normativas específicas de aproveitamento
de um bem - e posições favoráveis, que por não se reportarem a um bem específico, são permissões
genéricas (liberdade de expressão, por exemplo.)
Dentro dos direitos subjetivos, que são direitos fundamentais, existem direitos de personalidade, desde
logo no artigo 24.º e 26.º.
Os direitos de personalidade são direitos que têm por objeto bens, tanto da personalidade física (direito à
integridade física) como da personalidade moral (direito à honra).

Direitos de personalidade: conjunto de direitos reconhecidos pela lei que visam proteger os indivíduos
contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
• São direitos privados (assistem a um sujeito privado).
• São direitos gerais (assistem a todas as pessoas).
• São direitos absolutos (impõe-se só por si).
• São direitos não-patrimoniais (os valores não são avaliáveis em dinheiro, no entanto pode existir
uma compensação monetária quando há violação).
• São direitos inatos (coessenciais à pessoa humana).
• São direitos perpétuos (mantêm-se até à morte).
• São direitos intransmissíveis.
• São indisponíveis por princípio (é possível que o titular aceite limitar os seus direitos).

Critérios do objeto e da fonte:


Os direitos de personalidade têm a ver com o objeto sobre o qual incidem (personalidade da pessoa),
enquanto que os direitos fundamentais se caracterizam pelo sítio de onde vêm.
Ou seja, existem direitos de personalidade que são simultaneamente fundamentais, pois incidem sobre a
personalidade da pessoa e emanam da Constituição.
Já os direitos fundamentais nem sempre são de personalidade, pois nem sempre o seu objeto é um bem
de personalidade.

Direito à vida:
• O direito à vida assegura a preservação das funções vitais do organismo biológico humano.
Assim, um atentado à integridade desse organismo ou qualquer outro esquema que provoque
sofrimento físico, mas que não ponha em causa imediata a sobrevivência, atingirá outros direitos
de personalidade: não o direito à vida.
• Em qualquer conflito de direitos a dirimir de acordo com o artigo 335.º, o direito à vida, quando
direta e funcionalmente em causa, nunca pode ceder.
• Não haverá violação do direito à vida perante uma justificação adequada, como a legítima defesa.
• O direito à vida é indisponível, ou seja, o seu titular não pode aliená-lo, nem proceder à sua
supressão, pedindo a morte ou praticando suicídio.
➢ O auxílio ao suicídio é, assim, civilmente ilícito.
➢ Se uma pessoa, sem auxílio, perpetuar suicídio, então ela atuou ilicitamente, já que dispôs
de um direito indisponível. No entanto, o direito civil nada poderá fazer, pois não teria
sentido sancionar um falecido.
➢ Já não será qualificável como suicídio o comportamento do próprio que vise a salvaguarda
de bens concretamente equivalentes ou superiores ao da sua vida e que não pretenda,
diretamente, a morte, embora possa envolvê-la.
➢ A indisponibilidade do direito à vida leva a que o seu próprio titular não possa pô-la na
dependência de factos futuros e incertos: seria como que condicioná-lo, pelo que o duelo
é ilícito, assim como a “roleta russa”.

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➢ Estes atos acarretam consequências como a sua nulidade, a possibilidade de obter do
tribunal medidas adequadas para fazer cessar ilícitos em curso ou iminentes e a reparação
de todos os danos e despesas provocados pelas atuações registadas.
➢ A eutanásia é, assim ilícita, pois: a inteligência é uma forma de vida, cumprindo-lhe
incentivá-la e preservá-la; a ordenação normativa visa o funcionamento da sociedade, mas
assente na salvaguarda e na contribuição de todos os seus membros; o pensamento
cristão proibia, em absoluto, qualquer ato tendente a tirar a vida; o Direito civil pretende
encontrar um equilíbrio justo, estável e consequente, entre os interesses humanos em
presença, sendo que nada disso faria sentido quando se admitisse a supressão de um ser
humano.
➢ Não se confunde com eutanásia a cessação da assistência clínica ou o não-
prolongamento artificial da vida, quando fique claro estar-se face de um procedimento
não-natural.

O direito à integridade física:


• O direito à integridade física assegura a proteção do ser biológico e das suas diversas funções,
nos casos em que não esteja em causa a sua imediata sobrevivência.
• A integridade física pode ser diretamente atingida, através de atuações que visem a própria pessoa
enquanto unidade biológica ou indiretamente, mediante atuações que venham bulir com aspetos
circundantes ou ambientais.
• Os atentados à integridade física surgem nos tribunais, em torno de crimes contra as pessoas e,
sobretudo, no campo dos acidentes de viação.
• Além da indemnização, o artigo 70/2 permite, ao ofendido, requerer ao tribunal as providências
adequadas às circunstâncias do caso – a primeira e mais adequada medida é, pura e
simplesmente, uma injunção judicial destinada a fazer cessar a atividade atentatória.

A atribuição das indemnizações e o dano-morte


• A morte de uma pessoa causa danos morais e patrimoniais: quer na própria vítima, quer no
círculo dos seus familiares.
• A morte de uma pessoa causa, desde logo, danos patrimoniais: como as despesas havidas para
tentar salvar a vítima – tudo isto deve ser indemnizado, art. 495.º n1 e n2. Esta indemnização cabe
a familiares dele dependentes.
• Além de danos patrimoniais emergentes, temos ainda lucros cessantes: o falecido não poderá
mais trabalhar. O próprio terá direito a ser indemnizado pela perdida faculdade de trabalho.
• A morte de uma pessoa provoca também danos morais – artigo 496.º. Trata-se de indemnizações
iure próprio, isto é, recebidas pelos beneficiários por direito próprio e por o legislador partir do
princípio que estas pessoas são as que, efetivamente, sofrem ou mais sofrem com a morte da
vítima.
• A somar a estes danos, uma parte da doutrina entende que há outros danos sentidos pela própria
vítima que não podem deixar de ser compensados. Imagine-se que a vítima, gravemente ferida,
agoniza, consciente, durante várias semanas: os graves danos morais que vai sofrendo devem ser
indemnizados. Por sua morte, os direitos às correspondentes indemnizações transmitem-se
aos sucessores do falecido.
• Finalmente, queda o direito máximo: o próprio direito à vida, de que a vítima se vê privada.
Também esse direito deve ser indemnizado, pela sua supressão; a indemnização acrescerá às
demais, quando as haja, seguindo por via hereditária. HÁ DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS
QUANTO A ISTO, pois autores como Antunes Varela que entendem que a indemnização por
morte é a referida no artigo 496.º n2. Já MC, considera que o artigo 496/2.º trata dos danos
sentidos pelos próprios beneficiários nele referidos e não os sentidos pela vítima.
• Para MC, Leite de Campos e Galvão Telles, para além das indemnizações arbitradas por via do
artigo 496.º, há ainda outras, por danos morais e pela supressão do direito à vida, do próprio
lesado e que seguem, depois, por via hereditária. Argumentos: se não houver nenhum dos
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familiares referidos no artigo 496.º n2, não há indemnização? Para além disso, é nos concedido o
direito à vida, pelo que não faz sentido que este depois nos seja negado, pelo que este deve ser
dotado da competente tutela aquiliana, logicamente a favor do seu titular, pois este não se trata de
um direito de terceiros.

DANO MORTE: Dano que consiste na supressão de uma vantagem quando essa vantagem é a vida da
própria pessoa/ supressão do direito da vida. Dano sofrido pelo próprio morto.

Autores consideram que o dano morte não existe, porque o morto não tem direitos (se não existe não sofre
dano). E qual era o objetivo? A indemnização pelo dano não adianta.
• Opinião de MC: O dano morte é sofrido pelo próprio morto e este deve ser indemnizado; essa
indemnização entra na sua esfera jurídica e deve ser distribuída pelos seus sucessores. (considera
que deve haver indemnização pela violação do direito à vida). - art. 483.º + art. 70.º
Para MC existem 2 tipos de danos:
1. Dano do morto - indemnizável através do art. 483.º.
2. Dano dos familiares - indemnizável através do artigo 496.º n.º 2 e n.º 3.
• Opinião de MRR - O art. 496.º nº 2 e nº 3 consagra normas especiais em matéria de dano morte
que prevalecem sobre a norma geral do art. 483 - norma que o prof MC aplica em conjugação com
art. 70.º. Como existe o art. 496.º esse é aplicado preferencialmente. Seria absurdo que não
houvesse uma consequência civil pela violação do direito à vida, por isso o dano morte é
efetivamente indemnizável, mas diretamente na esfera jurídica das pessoas indicadas nos nº 2 e nº
3 do art. 496.º, e não na esfera do “de cujos” (o próprio falecido) que depois se transferia para os
seus herdeiros (o que era defendido pelo professor Menezes Cordeiro). A opinião da prof MRR é
igual à do prof Antunes Varela.

Danos próprios dos familiares – danos reflexos:


Os danos em primeira linha são do morto e depois há outras pessoas que sofrem o dano por reflexo -> o
reflexo do dano principal.
Há um conjunto de autores que pretendem estender o dano reflexo para além do dano morte - alargá-lo a
outro tipo de danos bastante sérios e muitos extensos (ex: acidente de viação) em que as pessoas da
família sofreram bastante com isso e a dinâmica da sua vida foi fortemente alterada.
A existência dos danos reflexos é uma exceção ao princípio de que a responsabilidade é individual.
Atribui se uma indemnização a uma mulher pela morte do marido, pelo sofrimento que a mulher teve;
admissão de que o dano do marido vai ter um dano reflexo na mulher. Esta possibilidade de atribuir danos
reflexos coloca em crise o caráter individual da responsabilidade civil.

O direito à honra:
• A honra constitui a consideração pela integridade moral de cada ser humano. Podemos
distinguir a honra social ou exterior, que exprime o conjunto de apreciações valorativas ou de
respeito e deferência de que cada um disfruta na sociedade e a honra pessoal ou interior, que
corresponde à autoestima ou imagem que cada um faz das suas próprias qualidades.
• Os atentados à honra, portanto violações da integridade moral das pessoas, podem concretizar-se
do modo mais diverso. Normalmente, eles ocorrerão pela palavra, escrita ou oral, com ou sem
difusão na comunicação social, traduzindo asserções desprimorosas para o visado.
• Uma das primeiras questões que se coloca é a da admissibilidade da denominada exceptio
veritatis: tem-se por justificado o atentado à honra quando o agente logre provar a verdade do que
afirmou ou, até e porventura, provar que pôs, na averiguação do facto todo o cuidado necessário e
exigível? O artigo 484.º não exige como pressuposto a falsidade de quaisquer afirmações.
• Tudo o que seja amputar a verdade, transmiti-a a sugerir algo diverso do que dela resulte, redigi-la
de modo a provocar valorações tendenciosas, levantar dúvidas ou reticências ou fabricar notícias
por qualquer modo, não pode reivindicar a veritas.

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• A afirmação totalmente verdadeira pode atentar contra a honra das pessoas, pois nem tudo o que
suceda, exista ou se faça tem de ser revelado. Mesmo não estando em causa a intimidade privada,
protegida por um direito específico, há um juízo de oportunidade a fazer. Posto isto, não é só a
afirmação falsa, tendenciosa ou incompleta que atinge a honra, pois a afirmação verdadeira
também poderá fazê-lo, pelo que a exceptio veriatis, só por si, não é justificativa.
• A tutela da honra, tal como a proteção da intimidade da vida privada, pode entrar em colisão com
a liberdade de informação, também constitucionalmente garantida. À partida, temos de ter
presente que o direito à honra é um direito de personalidade, que marca um círculo em que o
interesse da pessoa beneficiária prevalece sobre quaisquer pretensos valores superiores: de outro
modo, nem a figura dos direitos de personalidade faria sentido.
• Quando se refira à liberdade de informação, há que reportá-la a algo de socialmente útil ou
relevante. Deste modo, faremos a distinção entre a liberdade de informação e a livre iniciativa
económica: um órgão de comunicação que divulgue determinado facto ou desenvolva uma
campanha, pretende informar o seu público ou aumentar tiragens ou audiências? Esta última
finalidade pode ser prosseguida com notícias socialmente irrelevantes, mas que granjeiem o
interesse do público. A livre iniciativa económica, mesmo aplicada no campo da comunicação
social, é digna e merece proteção; todavia, é evidente que ela nunca poderá prevalecer sobre o
direito à honra, seja de quem for.
• Na determinação das fronteiras entre o direito à honra e a liberdade de expressão, há que trabalhar
com dois critérios: o da absoluta veracidade e o do interesse político-social.
➢ Nenhuma liberdade de comunicação justifica notícias inverídicas. Pelo contrário: a
liberdade de informar e de comunicar exige uma verdade pura, sem equívocos e sem
sombras.
➢ Para além disso, a asserção questionada tem de corresponder a um interesse político-
social e não meramente a um interesse público.
• O direito à honra pode ainda defrontar outras liberdades fundamentais garantidas na Constituição,
assim sucede com a liberdade de criação artística, que não pode ser usada para atingir a
integridade moral seja de quem for, também a liberdade de imprensa se pode colocar numa
situação de tensão com os direitos de personalidade, com relevo, justamente para o direito à
honra.
• O direito à honra é um direito subjetivo: encabeçado, necessariamente, por um titular individual.
Não há direitos com titulares indeterminados.
• A honra é tutelada pelo artigo 70.º e no artigo 484.º.
• Em termos indemnizatórios, a ofensa à honra pode determinar danos patrimoniais e não-
patrimoniais. Os primeiros devem ser ressarcidos, até ao montante do prejuízo, sendo ainda
computáveis danos emergentes e lucros cessantes: exemplo do profissional que perde a sua
clientela face à ofensa à sua honra. Os segundos colocam um problema de danos morais, a
arbitrar de acordo com o artigo 496.º.
• Em regra, mais importante do que a compensação monetária é a reposição da verdade ou a
reparação da ofensa feita.

O direito ao nome:
• Cada ser humano é uma individualidade autónoma. Essa autonomia dá azo a uma designação
também individual: cada pessoa dispõe de uma figuração vocabular, primeiro oral e, depois
também escrita, que permite identificá-la com facilidade e segurança: o nome. O nome poderá ser
definido sinteticamente como a representação linguística de um ser humano. Tem uma função
dupla: vocativa e distintiva. Vocativa, porquanto permite designar a pessoa que o use; distintiva
por facultar destrinçá-lo dos demais.
• Tem o titular do nome o direito a impedir que outrem o use.
• Nos artigos 72º, 73º e 74º, o CC prevê o direito a ter nome, a usá-lo, completo ou abreviado, e a
protegê-lo contra o uso ilícito que dele seja feito. A pessoa pode, por exemplo, impedir que numa

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obra de ficção seja usado um nome idêntico ou que possa ser confundido com o seu, em moldes
que ofendam a sua dignidade.

Cartas-missivas confidenciais:
• Na realidade, as cartas confidenciais integram-se no âmbito dos bens protegidos pelo direito à
intimidade da vida privada ou aos segredos das pessoas.
• Uma carta traduz-se num texto, exarado em papel e com um destinatário. Será confidencial quando
contenha matéria que não possa ser comunicada fora do círculo entre o remetente e o
destinatário.
• Em termos jurídicos, temos o seguinte:
➢ O direito real de propriedade sobre a carta, que se transmite para o destinatário por
doação, assim que a carta seja fechada e endereçada ou quando, independentemente do
endereço, seja entregue em mão ao destinatário;
➢ Os direitos de autor, patrimonial e moral, sobre o texto da carta: pertencem ao autor, se da
própria carta outra solução não resultar; seguem o regime do Direito de autor;
➢ Os direitos de personalidade que tutelam bens íntimos e eventualmente patentes na
carta: são do autor e seguem o regime do Direito de personalidade.
• O que faz de uma carta confidencial um documento confidencial?
➢ Para uma teoria subjetivista, a natureza confidencial de uma carta resultará da vontade
do seu autor, devidamente declarada.
➢ Para uma teoria objetivista, a confidencialidade teria de resultar do próprio teor da carta,
independentemente da vontade do remetente.
➢ Finalmente, encontramos uma terceira orientação, dita teoria do direito de personalidade:
a confidencialidade resultará do teor da carta, embora o seu autor, dentro das regras do
Direito de personalidade, possa “interferir”, em certos limites.
• A confidencialidade cessa quando colida com outros direitos de personalidade que, em
concreto, prevaleçam, segundo o regime do artigo 335.º: a carta que explique onde está uma
bomba prestes a explodir, provocando vítimas, deve de imediato ser levada ao conhecimento das
autoridades competentes ainda que, eventualmente, calando os elementos não necessários para
evitar o pior ou para dar credibilidade à informação.
• Verificando os pressupostos da confidencialidade, o destinatário deve guardar segredo e não
pode pautar a sua atuação pelo que tenha passado a saber. Caso viole estes deveres: incorre
em responsabilidade civil, por todos os danos patrimoniais que cause, idem quanto aos danos
morais; podem ainda ser empreendidas diligências para fazer cessar o ilícito – através da
apreensão da carta e a sua destruição ou a sua entrega ao remetente.
• A publicação de uma carta missiva confidencial configura uma forma agravada de violação da
confidencialidade. O artigo 76.º/1 prevê que a carta só possa ser publicada com o consentimento
do seu autor ou com suprimento judicial.
➢ O consentimento para publicação de uma carta-missiva confidencial equivale a um negócio
pelo qual o autor se despoja, para todo o sempre, de um bem da sua personalidade.

Cartas-missivas não-confidenciais:
• Segundo o artigo 78.º, o destinatário da carta-missiva não-confidencial só pode usar dela em
termos que não contrariem a expetativa do autor.
• Deve entender-se que surge, aqui, uma relação de confiança. A remessa de uma carta a uma
pessoa é acompanhada pela ideia, socialmente consistente e que o Direito não pode ignorar, de
que se trata de assunto a não usar contra o próprio.
• O tema das cartas de negócios encontra, em regra, uma redução dogmática à luz da boa-fé in
contrahendo.
• O bom senso e o bom gosto devem imperar, só intervindo o Direito em situações-limite. Quem
escreva e assine assume um certo risco, que nenhuma lei pode isentar.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
O direito à imagem:
• Cada ser humano tem uma aparência física distinta da dos restantes. A diversidade é flagrante
no tocante à face. Resulta, daqui, que a simples reprodução da pessoa, pela pintura, pela fotografia
ou pelo filme, é suficiente para a sua cabal identificação.
• A imagem materializada de uma pessoa é um bem de personalidade fortemente objetivado. Nela
recaem direitos reais, normalmente, o direito de propriedade: sobre a tela, a película ou o suporte
magnético onde a imagem esteja reproduzida.
• Os valores em jogo protegidos são o resguardo da intimidade privada, o bom nome, a
reputação e a capacidade lucrativa.
• A imagem de uma pessoa, quando divulgada, raramente o será de modo abstrato: em regra, tratar-
se-á de a associar a qualquer notícia ou mensagem que se pretenda transmitir. O problema não se
porá se o retrato der, previamente, o seu assentimento esclarecido.
• Uma imagem pode assumir capacidades lucrativas, tais lucros deveriam reverter para o próprio
retratado: seja para evitar o enriquecimento alheio, seja porque o Direito positivo em jogo
reconhece tal faculdade lucrativa ao “dono” originário da imagem.
• A palavra humana também pode ser gravada e reproduzida, ela tem características que permitem
reportá-la a uma determinada pessoa e, apenas, a ela. A utilização de gravações pode afrontar a
privacidade, o bom nome ou direitos patrimoniais legítimos: tudo depende das circunstâncias.
• Do artigo 79.º entende-se que ninguém pode ser retratado sem o seu consentimento. Este
consentimento poderá ser tácito: a pessoa que se apresenta num palco para um desfile está a
revelar, com toda a probabilidade, uma concordância in fine.
• Uma pessoa que autorize o retrato pode não estar a autorizar a exposição ou o lançamento
no mercado; inversamente, quem autorize esta última hipótese está, necessariamente, a permitir
todas as outras operações antes referidas.
• Ao contratar sobre o próprio retrato, o sujeito deve fazê-lo precisando que termos, por quanto
tempo e para que efeito. No que o contrato seja omisso, teremos de optar pela solução mais
restritiva, seguindo-se a nulidade quando, de todo, não se consiga apurar pela interpretação.
• Tratando-se de uma mera autorização unilateral, deve entender-se que ela não vai além do
resultante nas estritas condições em que seja dada. As autorizações devem, na dúvida, ser
interpretadas no sentido menos gravoso para o disponente (artigo 237.º).
• Procurando isolar até onde pode ir a intervenção na imagem da pessoa, a doutrina tem
desenvolvido a teoria das esferas. Assim, teríamos sucessivamente:
➢ Uma esfera pública: própria de políticos, atores, desportistas ou outras celebridades, ela
implicaria uma área de conduta propositadamente acessível ao público, independentemente
de concretas autorizações;
➢ Uma esfera individual-social: reporta-se ao relacionamento social normal que as diversas
pessoas estabelecem com amigos, colegas e conhecidos; a reprodução de imagens seria aí
possível, salvo proibição, mas apenas para circular nesse mesmo meio;
➢ Uma esfera privada: tem a ver com a vida privada comum da pessoa: apenas acessível ao
círculo da família ou dos amigos mais estreitos, equiparáveis a familiares;
➢ Uma esfera secreta: abrange o âmbito que o próprio tenha decidido não revelar a ninguém;
desde o momento em que ele observe a discrição compatível com tal decisão, esta esfera
tem absoluta tutela;
➢ Uma esfera íntima: reporta-se à vida sentimental ou familiar no sentido mais estrito
(conjugue e filhos); tem uma tutela absoluta, independentemente de quaisquer prévias
decisões, nesse sentido, do titular considerado; elas são dispensáveis.
• As esferas pública e individual-social permitem retratar sem autorização, mas apenas para
documentar o que lá se passa. Mas mesmo nestas duas esferas os retratos não serão
permitidos se puderem prejudicar a honra, a reputação ou o decoro do retratado.
• A lei exceciona, à autorização, os retratos tirados em lugares públicos, de factos de interesse
geral ou que hajam decorrido publicamente. Mas estes só podem visar documentar o sucedido.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada:
• O CC refere no artigo 80.º o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada.
• Este direito postula uma liberdade fundamental: a que cada um tem de, sem prejudicar terceiros,
orientar a sua vida privada como entender.
• A vida privada compreende as mais diversas realidades: a origem e a identidade da pessoa; a
sua situação de saúde; a sua situação patrimonial; a sua imagem; os seus escritos pessoais;
as suas amizades e relacionamentos sentimentais; as suas preferências estéticas; as suas
opções políticas e religiosas. Em rigor, a vida privada abrangerá tudo o que não seja público e
profissional ou social.
• O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada é, antes de mais, um direito contra o
Estado. Mas além disso é um direito de personalidade, oponível a todos os particulares. Nos
possíveis conflitos com outros direitos, haverá que proceder a uma ponderação valorativa.
• Este direito pode decompor-se em direitos parcelares, como o direito à imagem, no que tenha a
ver com as esferas privadas, secreta e íntima.
• No artigo 80.º há uma referência a uma “vida privada”, o que inculca uma outra, a “a vida pública”,
em relação à qual não haverá reserva – ou, pelo menos, o mesmo tipo de reserva. Podemos
concluir que o artigo 80.º/1 protege as esferas privada, secreta e íntima, não já, ou não
diretamente, as pública e social-individual.
• O nº2 do preceito delimita a proteção em função de dois elementos: um dado objetivo – a
natureza do caso; um dado subjetivo – a condição das pessoas. O dado objetivo tem a ver com os
especiais valores que, in concreto, possam conduzir à intromissão na esfera privada. Terão uma
cobertura legal e constitucional e deverão revelar-se, no caso a decidir, mais ponderosos do que os
valores subjacentes à privacidade. Será o caso de exigências de polícia ou de justiça que – sempre
sob sigilo e no estrito limite do necessário – poderão conduzir a escutas telefónicas, a microfones
ou câmaras ocultas ou à análise de documentos particulares. O dado subjetivo reporta-se à
notoriedade ou ao cargo da pessoa. Perante um político ou uma celebridade, passarão a ser
notícia factos que, noutras condições, se tornariam irrelevantes. A esfera privada de tais políticos
ou celebridades não desaparece, mas pode ser fortemente suprimida.

Importa ter presente que as duas consequências civis da violação de direitos de personalidade são,
sempre, a responsabilidade civil e as medidas adequadas a fazer cessar a intromissão – 70.º/2. A
responsabilidade civil exige dolo ou negligência – 483.º/1; já as “medidas adequadas” dispensam tal
requisito.
Quando há responsabilidade civil, as correspondentes indemnizações devem assumir uma feição
desincentivadora e punitiva. Desta forma, no cálculo da indemnização, o Tribunal, além dos demais
aspetos do caso, deverá suprimir o lucro e, ainda, retribuindo o mal feito, prevenir, em geral e no particular,
a repetição das afrontas.

Problema dos direitos de personalidade das pessoas coletivas:


Posição de MRR: as pessoas coletivas não são titulares de direitos de personalidade. Porquê?
• Os direitos de personalidade aparecem numa secção do CC que trata as pessoas singulares.
• O artigo 70.º afirma que a lei protege um indivíduo.
• No artigo 70.º é mencionada a personalidade física – as pessoas coletivas não têm personalidade
física.
• Artigo 71.º - ofensa a pessoas falecidas: as pessoas coletivas não falecem, extinguem-se.
• Artigo 160 n.2 – exclui o direito à vida e integridade física que estão ligadas à componente
biológica do ser humano.

Posição de MC: É necessário fazer uma adaptação destes direitos às pessoas coletivas. Mas elas são
titulares de direitos de personalidade. Porquê?

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
• Artigo 484.º - ofensa do crédito e do bom nome: abrange pessoas singulares e coletivas – as
pessoas coletivas podem ter danos patrimoniais por causa desta ofensa, por isso é que a lei
decidiu proteger as mesmas nesta matéria.
• As pessoas coletivas podem ser titulares do direito à honra e à imagem com as devidas
adaptações.

PESSOAS SINGULARES

O PROBLEMA DA TUTELA PRÉ-NATAL

Segundo o artigo 66º do CC, a personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com
vida. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento.
Deve ser feita uma distinção entre nascituros e conceturos. A designação nascituro é dada aos que já
foram concebidos e têm vida no seio da sua mãe, mas ainda não nasceram. Trata-se de uma
situação transitória e limitada pelo tempo. Os conceturos são aqueles que ainda não foram sequer
concebidos. Os conceturos não existem, são simples esperanças ou expectativas, no entanto a lei
permite que lhes sejam destinadas certas atribuições patrimoniais, para o caso de virem a ser gerados.
A relevância da pessoa para no Direito é sobretudo interpessoal. Por isso, o nascimento tem uma grande
relevância jurídica. Mas nem por isso a pessoa deixa de existir e de ser relevante para o Direito antes de
nascer. A sua natureza humana é a mesma, a sua situação biológica continua a evoluir, a sua situação
jurídica modifica-se de acordo com a natureza das coisas.

Na fase pré-natal, a situação da pessoa tem duas características especialmente marcantes: o


relacionamento pessoal exclusivo com a mãe e a precariedade.

O relacionamento pessoal exclusivo com a mãe, com a concomitante ausência de relacionamento social,
dispensa muito da complexidade e da riqueza do estatuto jurídico das pessoas já nascidas; a precariedade
da pessoa pré-nascida suscita a necessidade de regular os casos em que não chega a haver nascimento
com vida.

A limitação do relacionamento com a mãe impede a capacidade de exercício e dispensa a própria


capacidade de gozo, salvo em matérias que são inerentes à própria qualidade de pessoa, como os
direitos de personalidade, e alguns limitados direitos de conteúdo patrimonial. A pessoa pré-nascida tem a
titularidade dos mais importantes direitos de personalidade, como o direito a viver, à identidade pessoal
e genética, à integridade genética e física. Tem o direito a nascer, a não ser ferida fisicamente, a não
ser manipulada ou perturbada geneticamente, a ser bem tratada e a receber os cuidados que a sua
condição impõe. A Moral comum assim o exige e a CRP reconhece-o nos artigos 24º e 25º.

A precaridade impõe que se encontre solução jurídica para os casos em que, após a gestação, o embrião
não logra êxito e morre antes de nascer. É para estes casos, que o nº2 do artigo 66º estatui que “os
direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento”. Se houver nascimento com
vida, a pessoa continua a vida e a personalidade jurídica que já tinha, a sua capacidade de gozo torna-se
genérica, com as limitações apenas da sua natureza humana e aquelas que a lei estabelece, e fica numa
situação de incapacidade de exercício geral, como menor. O nascimento traduz apenas o início da
capacidade genérica de gozo.
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Se não chegar a nascer com vida, o nascituro é tido pela lei como não tendo chegado a existir. A morte
pré-natal não desencadeia a sucessão. Os direitos de personalidade extinguem-se com a extinção da
personalidade. Os direitos patrimoniais e outros que seriam suscetíveis de sucessão são extintos
retroativamente. Os direitos que o pré-nascido tenha adquirido por doação ou sucessão, e cuja
administração foi exercida pelos pais ou outros, cessam retroativamente e tudo se passa como se não
tivesse chegado a existir.

• Pires de Lima e Antunes Varela – nascituro não tem personalidade jurídica, não adquirindo
assim nenhum direito subjetivo à herança logo aquando da morte do de cujos, mas sim uma
expectativa de futura aquisição.
• Mota Pinto – não há personalidade pré-natal, sendo direitos sem sujeito aqueles que se
verificam antes do nascimento da criança completo e com vida. Apesar disso, admite a
possibilidade de o filho pedir uma indemnização por danos sofridos no ventre da mãe;
• Castro Mendes – defende a ideia de direitos sem sujeito relativamente à ideia de direito de
aquisição de bens por doação ou herança, afirmando que, dado o nascimento, esses direitos se
consolidam sem que haja retroatividade da aquisição.
• Dias Marques – nega, em princípio, que o nascituro tenha personalidade jurídica, todavia,
quando venha a nascer com vida, admite a retroação da aquisição dos direitos ao tempo da
doação e da devolução testamentária e, nesses casos, também personalidade jurídica.
• Galvão Teles – nascituro existe enquanto ser vivo, mas não é tratado como sujeito de direitos.
Não tem personalidade jurídica, mas tem direito a uma proteção jurídica. Defende que, se
fosse ao nascituro desde logo atribuída personalidade jurídica, esta corria o risco de ser
condicional e temporária, dada a possibilidade de aborto.
• Oliveira Ascensão – nascituro já concebido tem personalidade jurídica
• Menezes Cordeiro – personalidade jurídica adquire-se com a conceção dada a consideração de
que todo o ser humano é pessoa.

POSIÇÃO DEFENDIDA POR MIM: a personalidade é a qualidade de ser pessoa que o Direito se limita a
constatar, sem ter de reconhecer e sem poder negar. O nascituro, que tem vida e substância humana
desde a conceção, tem, portanto, personalidade jurídica. Deste modo, tem capacidade de gozo, que é
embrionária dada a natureza das coisas. Limita-se aos direitos de personalidade, que são inerentes à sua
hominidade, e àqueles que a lei lhe atribui: direito de adquirir por herança e por doação. A capacidade
genérica de gozo, segundo o artigo 66.º do CC só se adquire com o nascimento completo com vida.

O nascimento tem relativamente pouca relevância biológica no nascituro. É no aspeto relacional que esse
facto tem um impacto importante: o relacionamento pessoal da criança, que até ao nascimento se
reduzia à mãe, alarga-se então a outras pessoas. Com o nascimento, o recém-nascido, que já tinha vida
humana e personalidade jurídica, sai do seio da mãe e ingressa na polis. Se o nascituro vier a nascer com
vida a sua capacidade de gozo é alargada, no entanto a sua capacidade de exercício continua a ser nula
(estatuto jurídico da menoridade).
Se morrer antes de nascer a sua morte extingue a personalidade, como se sucede com qualquer pessoa.
A única diferença encontrasse na sua esfera jurídica patrimonial. Não é aberta sucessão por sua morte e
os seus direitos patrimoniais extinguem-se.

Conceturos:
Em relação aos conceturos, sendo que não estão ainda concebidos, não tendo vida humana, não se
coloca sequer a possibilidade de reconhecimento de personalidade ou capacidade.
Quando uma doação é feita a um nascituro, o bem ou o direito doado entra na sua titularidade desde o
tempo da doação. Se ainda for conceturo, o bem ou direito doado não pode entrar na titularidade de
quem não existe e mantém-se na esfera jurídica do doador até que, porventura, venha a ser concebido

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
o designado. A doação deve ser entendida como feita sob condição suspensiva da conceção. Se o
conceturo não vier a ser concebido, a doação acabará por caducar quando houver a certeza de que se
não poderá verificar (artigo 275º, nº1). Se vier a haver conceção, o bem ou o direito doado, entram na
titularidade do nascituro, na data em que for fixada a conceção, se posterior à doação, ou na data da
doação, se posterior à conceção. Se o nascituro, após ter adquirido por doação, vier a morrer antes do
nascimento, a lei considera que não chegou a existir e a doação caduca com eficácia retroativa,
ficcionando-se que o bem ou o direito doado nunca chegou a deixar a titularidade do doador.
A lei distingue o regime da administração da herança ou do legado, consoante se trate de nascituro ou
conceturo: no primeiro caso a administração cabe a quem caberia se já tivesse nascido (2240º, nº2); no
segundo é diferida às pessoas de quem seria filho ou, se for incapaz, ao seu representante legal
(2240º, nº1)

Tratamento jurídico de danos que são provocados no feto ou até já na criança ainda no parto: os
danos causados, desde que se verifiquem os outros requisitos da responsabilidade civil, (prática de um ato
ilícito e culposo) são indemnizáveis, bem como os danos das mãe.

O problema do dano de vida: Questão recente que parte do pressuposto de que a vida humana não
saudável é um dano. Está em causa alguém que nasce com uma deficiência grave, ou doença incapacitante.
O problema aqui é que não foi detetado durante a gravidez, e por isso não foi comunicado aos pais, e hoje
em dia os pais tem a possibilidade abortar quando existam malformações. Para o nosso direito, a vida
humana não é um dano. Uma vida não saudável não é um dano, é uma vida igual à outra. Mas esta é uma
situação que pode mudar do ponto de vista jurídico.

Quantas mais leis existirem num determinado país, que relativizem a vida humana mais sentido passa a
fazer considerar a vida não saudável como um dano.

Direitos específicos dos nascituros


O CC trata a matéria dos nascituros de forma predominantemente técnica. O termo tem uma aceção ampla,
de modo a abranger:
• O nascituro em sentido próprio ou estrito: ser humano concebido e ainda não nascido;
• O conceturo: entidade abstrata ainda não concebida.
O art. 66º/2 admite direitos reconhecidos, por lei aos nascituros (em sentido amplo) – referências expressas
no CC: arts. 952º, 1855º, 1878º, 2033º, 2240º

Todos estão dependentes do nascimento – sujeitos a uma condição suspensiva.

AQUISIÇÃO DE PERSONALIDADE E DE CAPACIDADE

Personalidade jurídica – suscetibilidade de ser titular de direitos e obrigações.

Capacidade jurídica – medida concreta de direitos e deveres de que se possa, respetivamente, ser titular
e destinatário.

Capacidade de gozo: medida concreta ou quantidade de situações jurídicas


de que um sujeito é titular [artigo 67º CC]

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata

Capacidade Jurídica

Capacidade de exercício: capacidade de um sujeito exercer as suas


situações jurídicas de modo pleno, pessoal e livre [artigo 130º CC: “ficando
habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens”]

Na esmagadora maioria das relações jurídicas, a menoridade não é um obstáculo à capacidade de gozo,
mas principalmente à capacidade de exercício.

Capacidade de gozo nas pessoas singulares: art. 67.º (o artigo admite que o legislador pode retirar
capacidade de gozo no que toca a certos direitos e obrigações; no entanto, salvo casos muito específicos,
todos a têm).

Dizemos que os menores (e os maiores acompanhados) têm capacidade genérica de gozo, uma vez poucos
são os casos em que estes têm incapacidade de gozo.

Incapacidade de gozo:
• Art. 1601º, alínea a): a pessoa com idade inferior a 16 anos não tem capacidade de gozo de casar
(não tem capacidade de gozo, isto é, não pode ser sujeita da relação matrimonial)
o O menor com 16 anos ou mais anos tem capacidade de gozo para casar, mas não tem
capacidade de exercício para casar (art. 1612.º)
o Casar com menos de 16 anos: casamento inválido
o Quando o menor casa sem autorização dos pais e do tutor, o casamento é válido, mas são
afetados os efeitos da emancipação.
• Art. 1979.º e 1980.º: nem todos têm capacidade de adotar ou de ser adotado, havendo
incapacidade de gozo nestes domínios.
• Art. 2189.º: os menores não têm capacidade de testar, assim como os maiores acompanhados nos
casos em que a sentença de acompanhamento assim o determine.
• Art. 1850.º: um indivíduo com menos de 16 anos não tem capacidade de perfilhar, isto é, não pode
ser sujeito da relação de perfilhação.

Incapacidade de exercício:
Exceção à incapacidade de exercício dos menores:
• Arts. 132.º e 133.º: o menor com mais de 16 anos é emancipado pelo casamento; com a
emancipação, o indivíduo continua a ser menor, mas já não está sujeito ao poder paternal/do tutor,
e, consequentemente, passa a ter capacidade de exercício;
• Art. 127.º: ainda que não emancipado, o menor pode, nas circunstâncias definidas neste artigo, ter
capacidade jurídica;

Exemplo prático:
Um indivíduo de 17 anos vendeu um quadro que valia 15 000 euros.
Se o indivíduo for casado, é emancipado e, consequentemente, salvo disposição em contrário, tem
capacidade de exercício (art.º 132). Nesta circunstância, pode vender o quadro.
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Caso o menor não for emancipado, mas o quadro tiver sido adquirido pelo seu trabalho, a venda do quadro
é um ato válido, conforme disposto na alínea a) do nº 1 do art. 127º.
Se o menor não for emancipado, e o quadro não tiver sido adquirido pelo seu trabalho, o ato em questão é
anulável como estabelecido no art, 125.º
A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal ou pela tutela.

Capacidade e legitimidade:
A legitimidade é a posição de um sujeito perante um interesse concreto ou uma situação jurídica que lhe
permite agir sobre eles. Esta resulta sempre de uma relação entre o agente e as situações ou interesses
sobre as quais este vai agir. De forma geral, esta legitimação coincide com a titularidade – é legítimo
que eu atue sobre os meus direitos, deveres ou bens. Apesar disso, pode acontecer eu estar legitimado a
agir sobre situações jurídicas de terceiros. Nestes casos é atribuída a um terceiro a legitimidade de atuar
sobre as situações jurídicas de outro.
EXEMPLO: pagamento de uma dívida é feito por alguém que não o devedor: é atribuída ao terceiro a
legitimidade de pagar a dívida em causa. Isto provoca o desaparecimento da situação jurídica de crédito
da esfera do credor, mas cria uma situação idêntica na esfera jurídica do terceiro. Se não houvesse essa
legitimidade por parte do terceiro, o pagamento seria ineficaz.
A distinção entre legitimidade e capacidade é feita a partir do momento em que a legitimidade é uma
relação (relacional) e a capacidade é uma situação (situacional). A capacidade é a possibilidade de
titularidade ou do livre e pessoal exercício de obrigações por parte do sujeito.

Pessoa – centro de imputação de normas jurídicas.

Qualidade de ser pessoa – São pessoas aqueles que têm personalidade jurídica: suscetibilidade de ser
titular de direitos e estar adstrito a deveres/obrigações – conceito qualitativo.
Já houve tempos em que nem todos os seres humanos tinham personalidades jurídicas: os escravos
tinham estatuto de coisa e eram os seus donos que eram os destinatários das normas.

O Direito não pode deixar de reconhecer às pessoas humanas personalidade jurídica. Assim,
suscetibilidade de ser titular de direitos e de obrigações é uma consequência da personalidade e não a sua
causa (se assim não fosse, se ser sujeito de direitos e obrigações fosse critério para a qualificação de
certo ente como pessoa, o Direito poderia condicionar, limitar ou excluir a personalidade).

A esfera jurídica:
A esfera jurídica trata-se do complexo de direitos e vinculações de que uma determinada pessoa é
titular, e que podem ser muito variáveis de pessoa para pessoa e, na mesma pessoa, em cada momento.
Na esfera jurídica podem distinguir-se dois hemisférios: esfera jurídica pessoal e esfera jurídica
patrimonial.
A distinção é possível através do critério da patrimonialidade – Pertencem à esfera jurídica patrimonial
as situações, direitos e vinculações jurídicas avaliáveis em dinheiro, suscetíveis de apreciação em valor
pecuniário; os demais pertencem à esfera jurídica pessoal.

O Património:
O património de uma pessoa corresponde à sua esfera jurídica patrimonial e compreende todas as
situações jurídicas ativas e passivas de caracter patrimonial que em cada momento se encontram
na titularidade dessa pessoa. Situações jurídicas ativas correspondem a direitos patrimoniais; situações
jurídicas passivas correspondem a obrigações de carácter patrimonial;
O património é eminentemente variável, sendo que a sua composição vai variando à medida que essa
pessoa vai adquirindo ou alienando bens patrimoniais e vai constituindo e solvendo dívidas e obrigações.
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Não há pessoas sem património, no entanto há pessoa com património vazio ou negativo.
Nenhuma pessoa tem mais do que um património – embora a pessoa possa ter o seu património, ou
partes dele, sujeitos a diversos regimes jurídicos, como sucede se esses bens se encontrarem em
diferentes países ou estiverem, por razões de Direito Internacional Privado, sujeitos a ordens jurídicas
diversas, o património continua a ser um só, porque ele mesmo se define como o complexo de situações
jurídicas patrimoniais, ativas e passivas, que estão na titularidade de uma pessoa.
A autonomia patrimonial tem o sentido de que pelas situações passivas de um património
respondem apenas as situações ativas que o integram. Isto significa que, nos casos em que os bens
que integram o património não sejam suficientes para satisfazer o respetivo passivo, não poderão os
credores recorrer a outro património para obter a satisfação do seu crédito.

ELEMENTOS DOS ESTADOS E DAS PESSOAS

Estado e registo:
Estados das pessoas - qualidades ou prerrogativas que impliquem ou que condicionem uma massa
predeterminada de situações jurídicas; factos ou situações fácticas que acarretem moldes,
conjuntos grandes de situações jurídicas (direitos e deveres).
• Estados globais: quando condicionem uma generalidade de posições de uma pessoa (ex.:
estado civil);
• Estados parcelares: se se reportarem a determinada faceta da pessoa em causa (ex.: estado
profissional).

O Estado, Status ou Estatuto:


Chamamos de “estado”, “status” ou “estatuto” à posição jurídica complexa que integra direitos e
deveres, de poderes e vinculações, de situações ativas e passivas, em que a pessoa é investida, por
inerência da sua qualidade pessoal de membro de uma comunidade ou grupo e do papel que nela
desempenha. O status designa a pertença da pessoa à comunidade, classe ou grupo e com os seus
demais membros, e ainda a posição que aí assume, ou o papel que aí desempenha.
Pode distinguir-se um elemento subjetivo – enquanto condição de uma pessoa – e um elemento
objetivo – enquanto pertença de uma pessoa a um grupo.
Seria, assim, subjetivo, o estatuto pessoal inerente a uma qualidade de certa pessoa, que lhe estaria
ligado de forma duradoura, como o estado civil; seria objetivo, aquele correspondente à pertença da
pessoa a certa comunidade, grupo, associação, profissão ou posição na sociedade, como o estatuto
profissional ou funcional, estatuto de sócio de certa associação, etc.
Em Direito Civil, é particularmente importante o “estado civil”, que exprime a condição jurídica da pessoa
enquanto maior ou menor, capaz ou incapaz.

Estados:
• Quanto à nacionalidade: nacional, estrangeiros apátrida e plurinacional;
• Quanto à família: parente ou estranho; solteiro, casado, viúvo ou divorciado; pai, mãe, filho ou
adotado;
• Quanto à posição sucessória: herdeiro ou legatário;
• Quanto ao sexo: masculino ou feminino;
• Quanto à idade: nascido ou nascituro e menor ou maior;
• Quanto à questão de ser ou não maior acompanhado.
• Quanto à situação patrimonial: comum ou insolvente.

Registo civil:

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Papel do registo civil: vantagem de dispor de um serviço público que contenha os elementos relativos à
identidade das pessoas e que, a propósito de cada uma delas, permita conhecer e comprovar os estados
em que se encontrem.

Efeitos do registo civil:


1. Papel condicionante absoluto de eficácia;
2. Eficácia probatória plena (só posta em causa por sentença judicial);
3. Eficácia probatória exclusiva dos meios do registo

Estado civil:
Estado civil - conjunto de regras que se aplica em função de uma certa situação civil do sujeito que afeta a
generalidade da sua vida.

Existem 3 estados civis, tradicionalmente:


• Solteiro;
• Casado;
• Viúvo;

Cada um destes estados, tem consequência associada. Existe um regime jurídico significativo que se aplica
em função do estado civil das pessoas.

Hoje deve-se acrescentar dois estados que não fazem parte do conjunto de estados, considerados
tradicionais:
• União de facto
o MRR: É muito difícil ser considerado um estado civil, já que casar é uma liberdade e o
conjunto de normas que hoje existem sobre as uniões de facto é uma forma de forçar as
pessoas a uma coisa que elas não querem (casamento).
• Insolvente – A insolvência é um estado em que o devedor tem prestações a cumprir superiores
aos rendimentos que recebe. Existe um conjunto de regras muito extensas relativamente a este
estado civil – A doutrina discute se este estado deveria ser considerado como estado civil.
o MRR: É um estado civil porque há um conjunto de regras que alteram a vida destas
pessoas.

A identidade:
A identidade de uma pessoa singular é o conjunto dos elementos que permitem diferenciá-la dos seus
semelhantes.

O domicílio:
O CC não define domicílio. Limita-se, nos seus arts. 82º e ss, a indicar diversos domicílios. Não obstante,
podemos inferir dessas indicações que o domicílio é um lugar no qual, juridicamente e para diversos
efeitos, é suposto encontrar-se determinada pessoa.

Na regulação que veio introduzir, o CC trabalha com as noções de paradeiro, residência e domicílio.
• Domicílio: está em causa a determinação de um local a que se associa, em termos jurídicos,
determinada pessoa singular. As pessoas coletivas não têm “domicílio”: antes sede, conceito
equivalente, com determinadas adaptações. O domicílio releva em 4 áreas:
➢ Na individualização da pessoa: complemento de identificação;
➢ Na determinação de regras aplicáveis

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
➢ Na explicitação do lugar do cumprimento das obrigações (art. 772º e ss; art. 885º/2 e
1039º CC)
➢ Na fixação do tribunal competente, para a propositura de ações e para a prática de diversos
atos.
• Paradeiro: conceito puramente fáctico. Dependerá da vontade da pessoa que tenha optado por se
encontrar em determinado sítio: mas de modo indireto. Relevante é, aqui, a ligação exterior e
aparente, de uma pessoa ao local onde esteja – facto jurídico stricto sensu.
• Residência: exprime o lugar onde determinada pessoa habitualmente viva, aí organizando a sua
vida. Também a residência é uma noção de facto; assim se opõe ao domicílio, noção jurídica. Esta
característica leva a que, regra geral, se peça às pessoas, a indicação da residência; retirar daí o
domicílio será, depois, uma tarefa de aplicação do direito.

Domicílios civis:
• Quanto aos efeitos:
o Domicílio geral: releva para uma generalidade de situações jurídicas;
o Domicílio especial ou particular: opera para situações jurídicas especificas (ex.: domicílio
profissional).
• Quanto á escolha:
o Domicílio voluntário: dependente da opção do sujeito;
o Domicílio legal: correspondente a uma estatuição da lei.

Estas distinções podem entrecruzar-se: teremos domicílios gerais voluntários e legais e domicílios especiais
também voluntários e legais.

Complementando os critérios do art. 82º/1 e 2, pode-se avançar que o domicílio vai, sucessivamente,
corresponder aos seguintes fatores:
• À residência permanente: quando o sujeito se encontre, sem interrupção, num determinado local;
• À residência habitual: quando, circulando por vários locais, ele tenha, todavia, um de presença
claramente predominante;
• A alguma das residências alternativas: na hipótese de ser esse o figurino habitacional do sujeito;
• À residência ocasional: quando não seja possível apontar ao sujeito uma residência mais estável;
• Ao paradeiro: na falta de outro critério.

Domicílio geral – local onde a pessoa tem a sua residência habitual – art. 82.º

Domicílio eletivo – art. 84º – é permitido estipular domicílio particular para determinados negócios, contanto
que a estipulação seja reduzida a escrito.
Quando as partes façam uso desta possibilidade teremos domicílio voluntário e especial: deriva da livre
escolha dos interessados e vale, apenas, para determinados atos.

Domicílio profissional – art. 83º – o papel do domicílio profissional é reportado às relações referidas à
profissão em jogo. Trata-se de domicílio especial.
O domicílio profissional é voluntário ou necessário? O exercício de qualquer profissão é voluntário. A escolha
do local do exercício cabe, também é formalmente, ao interessado.

Domicílios legais – a lei fixa os domicílios das pessoas. Trata-se em regra de domicílios gerais.
• Domicílio legal dos menores e dos maiores acompanhados – art. 85º
• Domicílio legal dos funcionários públicos – art. 87º
• Domicílio legal dos agentes diplomáticos portugueses – art. 88º

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
AUSÊNCIA E MORTE PRESUMIDA
Ausência: Um sujeito desaparece (do local onde vive, trabalha…), sem que tenha deixado notícias ou
sem que se saiba algo acerca do seu paradeiro e sem que tenha deixado um representante para tratar
do seu património.

O instituto da ausência engloba diversos substitutos:


• Curadoria provisória – arts. 89º-98º CC
• Curadoria definitiva – arts. 99º-113º CC
• Morte presumida – arts. 114º-119º CC
• Direitos eventuais do ausente – arts. 120º e 121º CC

Curadoria Provisória:
Situação de ausência em que o ausente não tenha deixado representante legal para tratar do seu património
abandonado.

Dominam interesses do ausente, os seus bens são deixados intatos na expetativa do seu regresso. O
curador tem de deixar ao ausente uma remuneração de 10% da receita líquida que realizar.

Curador provisório: cônjuge do ausente, herdeiro ou interessado na conservação do bem (art. 92.º). -
termina com - art. 98.º

Curadoria Definitiva:
Segue-se à fase da curadoria provisória. Ela é constituída por decisão do tribunal, denominada “justificação
da ausência”.

Depende:
• De terem corrido 2 anos sem se saber do ausente ou 5, quando tenha deixado representante legal
ou voluntário bastante;
• De o Ministério Público ou algum interessado (art. 100º) o terem requerido.

Dominam interesses dos herdeiros que ficam libertos de caução e podem fazer o que entenderem
com os bens. Caso o ausente regressasse, os bens eram restituídos nas condições em que se
encontrassem.

Curador definitivo - herdeiros e demais interessados a quem tenham sido entregues os bens do ausente.
Fazem a sua quantidade dos frutos tendo apenas de reservar para o ausente 1/3 dos rendimentos
líquidos dos bens que administrem.

Morte Presumida:
Surge como a última fase do processo de ausência. De todo o modo, ela não depende da prévia instalação
das curadoras provisória ou definitiva, podendo ser requerida diretamente, desde que se verifiquem os
requisitos legais – art. 114º:
• 10 anos sobre a data das últimas noticias ou 5 anos se, entretanto, o ausente tiver completado 80
anos de idade;
• 5 anos sobre a data da maioridade do ausente, se fosse vivo;
• Requerimento dos interessados referidos no art. 100º

Efeitos:

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Produz os mesmos efeitos do que a morte salvo quanto ao casamento (conjugue pode voltar a casar,
dissolvendo o primeiro casamento).
Efeitos da morte certa a partir do dia do desaparecimento / últimas notícias.

Direitos eventuais do ausente:


O CC regula os denominados direitos eventuais do ausente, isto é, aqueles que sobrevieram ao ausente
depois do desaparecimento sem notícias e que sejam dependentes da condição da sua existência: eles
passam às pessoas que seriam chamadas à titularidade deles se o ausente fosse falecido – art. 120º.
Não opera a presunção de que o ausente está vivo.
A lei tempera esta regra mandando aplicar o regime da curadoria provisória e da definitiva – art. 121º/1. os
que seriam chamados à titularidade dos “direitos eventuais” em causa são havidos, perante eles, como
curadores definitivos.
Entendemos que também tem aplicação o art. 119º: demonstrando-se a sobrevida do ausente, os “direitos
eventuais” revertem para ele, com observância do disposto nesse preceito.

Regresso do ausente:
A presunção de morte não extingue o casamento do ausente, embora a lei autorize o seu cônjuge a
casar de novo. Se o ausente vier a regressar ou se vier a provar-se que o ausente ainda estava vivo
quando foi celebrado o segundo casamento do seu cônjuge, considera-se dissolvido por divórcio o
anterior casamento à data da declaração de morte presumida.
Se o ausente casado regressar depois de lhe ter sio presumida a morte, o seu casamento mantém-se
sem interrupção → de acordo com as regras gerais, o primeiro casamento deveria prevalecer sobre o
segundo; no entanto, essa solução seria de grande injustiça, sendo evidente que, pelo menos na
normalidade do casos, que, ao contrair o novo casamento, o cônjuge do ausente cuja morte foi presumida,
cortou espiritual e afetivamente os laços próprios do anterior casamento;

Em relação à esfera jurídica do ausente:


Segundo o artigo 119º, se o ausente regressar ou dele houver notícias que revelem que está vivo, ser-lhe-
á devolvido o seu património no estado em que se encontrar. Em relação aos bens que, entretanto,
tenham sido alienados, terá o ausente direito a receber.
Quando se prove que o óbito do ausente ocorreu em data diferente da que tiver sido fixada na sentença
de declaração de morte presumida, entende-se, segundo o artigo 118º, que têm direito à herança aqueles
“que naquela data lhe deveriam suceder”.
Em relação aos direitos que vierem à titularidade do ausente depois do seu desaparecimento sem
notícias, não entram efetivamente na sua titularidade e não virão a entrar na sua sucessão aqueles “que
sejam dependentes da condição da sua existência”. Para efeitos sucessórios, o ausente é tido como morte
e não assume a posição de herdeiro ou de legatário nas sucessões em que, se não estivesse ausente,
seria sucessor, sem prejuízo das regras da representação sucessória.

A MENORIDADE
Pelo nascimento, a pessoa adquire uma capacidade de gozo tendencialmente plena – e isso sem prejuízo
da tutela pré-natal. Não pode, porém, agir pessoal e livremente: trata-se de uma incapacidade de exercício,
ditada pela natureza das coisas – Incapacidade automática dos menores – art. 123º
Segundo o art. 123º, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos. Tratar-se-ia de
uma incapacidade geral de exercício, a suprir pelo poder paternal ou pela tutela – art. 124º.
Apesar disso, o art. 127º estabelece termos tão amplos que inverte, de certo modo, o dispositivo legal,
acabando por admitir uma lata capacidade de tal modo que a “incapacidade” não é, em rigor, geral.

Art. 127º CC – O menor pode celebrar:


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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
• Os negócios jurídicos próprios da sua vida corrente, ao alcance da sua capacidade natural e que
impliquem despesas ou disposições de bens de pequena importância (a “pequena importância”
deve ser prudentemente ponderada pelo julgador, de acordo com o caso concreto e, particularmente,
com a condição económica do menor em jogo) – art. 127º/1/b
• Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que tenha sido autorizado a exercer e os
praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício – art. 127º/1/c
• Os negócios relativos à administração ou disposição de bens que o menor de dezasseis anos
tenha adquirido pelo seu trabalho – art. 127º/1/a

O poder paternal:
Art. 124º - A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela.

O poder paternal corresponde a um conjunto multifacetado de direitos e poderes funcionais, todos a exercer
no interesse dos filhos – art. 1878º/1.

Poder de representação – art. 1881º/1 – o grosso da representação legal tem a ver com a administração
dos bens dos filhos. Além disso, ela inclui-se na lógica global do poder paternal, como um todo.

Inibição ou limitação do poder paternal: a inibição opera automaticamente nas hipóteses do art. 1913º/1 e
pode ocorrer por ação específica a tanto destinada no caso do art. 1915º.

O poder paternal é um poder chamado funcional, poder de dever. Significa isso que não deve atender aos
seus próprios interesses, mas sim ao interesse dos filhos.

Os pais suprem a incapacidade dos seus filhos, através da representação. Agem em seu nome. Só existe
uma exceção que é o casamento, a autorização dos pais permite os filhos maiores de 16 anos casarem.
Art. 1878 e seguintes

Tutela:
A tutela é subsidiária em relação ao poder paternal – art. 124º.
O menor está, obrigatoriamente, sujeito a tutela nos casos do art. 1921º/1.
O tutor tem os direitos e as obrigações dos pais, com determinadas modificações e restrições – art. 1935º/1;
deve exercer o encargo com a diligência do bom pai de família.

Regime de administração de bens – meio destinado a suprir o poder paternal quando os pais estejam
excluídos de o fazer ou quando a entidade que designar tutor indique outra pessoa para o fazer – art. 1922º.

Anulabilidade:
• Os atos jurídicos praticados pelos menores são anuláveis. Os arts. 125º e 126º estabelecem um
regime especial de anulabilidade.
• A anulabilidade em causa é estabelecida no interesse do menor. Por isso, ela só pode ser invocada
pelo próprio menor ou pelo representante – nunca pela contraparte.

A anulabilidade pode ser alegada:


• Pelo progenitor que exerça o poder paternal, pelo tutor ou pelo administrador de bens – art.
125º/1/a:
o Dentro do prazo de 1 ano a contar do conhecimento que o requerente haja tido do negócio;

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
o Nunca depois de o menor atingir a maioridade ou ser emancipado, altura, naturalmente, em
que ao próprio caberá agir, salvo se estiver pendente ação de interdição.
• Pelo próprio menor – art. 125º/1/b: no prazo de 1 ano a contar da maioridade ou da emancipação
• Por qualquer herdeiro do menor, no prazo de 1 ano a contar da morte desde, desde que ocorrida
antes de expirado o prazo para o próprio menor a poder invocar – art. 125º/1/c

O dolo do menor:
O menor não pode invocar a anulabilidade quando tenha usado de dolo (art. 253º) para se fazer passar por
maior ou emancipado – art. 126º. Quando esta situação ocorra, os seus herdeiros também não poderão
alegar a anulabilidade.
No art. 126.º há uma divergência doutrinária:
• MRR e Mota Pinto – Este artigo aplica-se a todos aqueles que podem anular o ato do menor, pois
este artigo tem como objetivo proteger o terceiro e não o menor. Se o objetivo é proteger o terceiro,
é necessário estender o art. 126.º aos representantes do menor.
• MC – Os pais e o tutor podem anular. Isto porque em todo o regime de incapacidade dos menores,
procura-se proteger o menor, pelo que se os pais e o tutor não pudessem anular estaríamos a incorrer
em venire contra factum próprio.

MINHA POSIÇÃO: este artigo impede o menor, os seus representantes e os seus herdeiros de anularem o
negócio. Isto porque, os representantes do menor prosseguem não os seus próprios interesses, mas os
interesses do menor. E os herdeiros, enquanto sucessores, não exercem direitos próprios autónomos, mas
antes os direitos do próprio menor, pelo que não faz sentido terem melhor direito do que ele. Também os
princípios da boa fé, da confiança e da aparência suportam isto, pois este artigo encontra o seu fundamento
na proscrição da má fé e do abuso do direito, na modalidade típica do venire contra factum próprio, e por
outro na tutela dos terceiros que, em boa fé, confiaram fundadamente na aparência de maioridade criada
dolosamente pelo próprio menor.

A maioridade e a emancipação:
A denominada “incapacidade” dos menores cessa quando atinjam a maioridade ou sejam emancipados,
salvas as restrições da lei.
A incapacidade do menor cessa, também, pela emancipação. A pessoa emancipada conserva-se menor:
“menor emancipado”, conquanto que, em princípio, com capacidade de exercício de direitos.

O casamento de menores:
O casamento de menores requer a autorização dos pais que exerçam o poder paternal, do tutor ou do
conservador do registo civil – art. 1612º. Casando, dá-se a emancipação (art. 132º) se, porém, o menor
casar sem autorização ou sem o seu suprimento, o casamento é válido: simplesmente “continua a ser
considerado menor quanto à administração de bens que leve para o casal ou que posteriormente lhe
advenham por título gratuito até à maioridade” – art. 1649º.

A anulabilidade em causa é sanável mediante confirmação – art. 125º/2:


• Confirmação pode ser feita pelo menor, depois de atingir a maioridade ou ser emancipado;
• Pode ser levada a cabo pelo seu representante legal que tivesse podido praticar o próprio ato em
jogo.
• Art. 1889.º n. 1.º a) + 125.º n.2.º - Se os pais não podem celebrar o negócio, não o podem
confirmar.

No fundo os atos praticados pelos menores tendem para a validade. Apenas, em virtude da preocupação
que o direito, como produto das sociedades humanas revela pelos jovens, se permite um esquema de certa

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
“impunidade”: se o negócio se revelar desfavorável, o menor (ou o seu representante) pode alijá-lo. Quem
contrate com um menor assume, pois, o risco do negócio.

O menor que tenha praticado atos que não façam parte da exceção, pratica atos anuláveis – artigo 125.º.
A anulabilidade é um vicio menor (existem dois tipos de vicio, que são a nulidade e a anulabilidade).
Quem tem legitimidade de anular os atos é o titular do poder paternal ou o tutor, podendo fazê-lo até um
ano após ter conhecido o ato ou até à maioridade ou emancipação do menor. O menor também pode
anular os atos anuláveis, no ano seguinte a ter adquirido a maioridade ou a emancipação, se ainda for
possível anular; e os herdeiros do menor também o podem fazer em determinados casos (por exemplo se o
menor morrer durante a menoridade).

ATENÇÃO: A autorização não vale como confirmação.

Há uma diferença entre bens vendidos (art. 965.º) e entre os bens terem sido doados (art. 882.º) pelo menor.

Contratos típicos - vêm regulados na lei.

Contratos atípicos – não vem previsto nem regulado em lado algum, mas as pessoas podem celebrar
devido à liberdade contratual – art. 405.º

Art. 289.º n.º 1 – A anulação do negócio tem efeito retroativo – se não for possível devolver o bem, deve
ser devolvido o valor correspondente – art. 882.º
Ex: o menor vendeu o quadro dia 6 de novembro de 2020 e só foi requerida a anulabilidade em maio de
2021, até aí o bem foi legalmente do comprador. A partir do momento em que o negócio for anulado, esta
sentença é retroativa, então o negócio celebrado hoje, mas só anulado em maio, como é retroativo, vai
anular todos os efeitos que se produziram desde o dia da sua celebração; destrói os efeitos desde o
momento em que o negócio foi celebrado. O resultado duma anulabilidade é muito parecido com o duma
nulidade, pois ambos acabam sem efeitos. A diferença é que o nulo nunca teve efeitos e o anulável teve
efeitos, mas esses foram apagados.

Nulidade:
Existe invalidade do negócio jurídico. Negócio ineficaz desde o seu início, já nasce privado de efeitos, por
isso nunca produzirá os efeitos pretendidos. A nulidade pode ser invocável a todo o tempo.
Ex: No caso da venda de bens alheios, art. 892.º, o negócio é nulo. Este negócio não produz efeitos
nenhuns, a propriedade não se transmite para a pessoa a quem vendi um bem alheio. No caso de doação
de bens alheios, art. 956.º, verifica-se a mesma situação. Há uma falta de legitimidade.

Art. 219.º - para que um negócio jurídico seja celebrado não há obrigação nenhuma de adotar uma forma
especial, a menos que a lei o diga (este contrato tem de ser por escrito, este contrato tem de ter assinaturas
reconhecidas).

Art. 220.º - Se o contrato necessitar de uma determinada forma legalmente prescrita e esta não for
respeitada, então o negócio é nulo.

Exemplos em que a lei exige uma forma especial:


Art. 1069.º – a lei exige que o contrato de arrendamento seja celebrado por escrito.
Art. 875.º – exige que a venda seja por escritura pública ou por documento particular autenticado.
Se estes dois contratos forem feitos de forma oral são nulos, pelo que a propriedade não é transmitida, o
negócio não tem efeitos.
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MAIORES ACOMPANHADOS

Art. 138.º: as medidas de acompanhamento destinam-se a indivíduos que, por razões de saúde, de
deficiência ou pelo seu comportamento (embriaguez sistemática, toxicodependência, pessoa que não
consegue parar de gastar dinheiro de forma disparatada), estão impossibilitados de exercer, plena,
pessoal e conscientemente, os seus direitos e de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
É um regime que visa o bem-estar, a proteção de indivíduos que, caso tivessem capacidade de exercício,
poderiam cometer atos extremamente prejudiciais, tanto para eles mesmos como para outros.

Há 6 princípios básicos do regime de acompanhamento:


• Judicialiadade: o acompanhamento pode ser limitativo da autodeterminação livre do beneficiário;
assim, apenas o juiz do Estado, com todas as garantias do moderno processo civil e ouvindo os
visados, os interessados e quem possa ajudar, pode tomar as devidas decisões.
• Primazia do acompanhado: nas decisões a tomar e no modo de as executar.
• Supletividade: no âmbito da família e, ainda, por via de certos contratos, como o de internamento
solicitado pelo próprio, surgem deveres gerais de cooperação e de assistência que podem proteger
eficazmente o beneficiário: nessa eventualidade, não há que recorrer ao acompanhamento, que fica
reservado para os casos em que não haja outra saída.
• Necessidade: independentemente da existência de outros esquemas de tutela, o acompanhamento
só opera perante a impossibilidade de o próprio poder agir plena, pessoal e conscientemente; deve
entender-se que essa impossibilidade se manifesta de modo poderoso e continuado; uma falha
secundária e/ou pontual não justifica a proteção legal.
• Minimalismo: o acompanhamento deve limitar-se ao mínimo necessário, sendo periodicamente
revisto; os direitos pessoais e negócios da vida corrente mantêm-se livres, salvo decisão judicial em
contrário.
• Flexibilidade: o acompanhamento é personalizado, devendo moldar-se a cada situação, em termos
a apreciar pelo juiz e independentemente do que haja sido pedido, devendo cessar ou ser modificado,
em função do evoluir das causas que o justificaram.

Morte Civil: No passado, quando as pessoas cometiam crimes muito graves, as pessoas
civilmente/juridicamente deixavam de existir.

Menores que necessitem de acompanhamento:


O acompanhamento pode ser requerido dentro do ano anterior à maioridade, para produzir efeitos a partir
dela.

Antes deste, existiam 2 sistemas de incapacidade destinados a proteger os maiores:


Interdição: sistema mais limitador, aplicava se a pessoas com incapacidade natural mais intensa (pessoas
em estado vegetativo, doentes mentais)
Inabilitação: sistema menos restrito, aplicava se a pessoas que precisam de algum apoio, mas que ainda
conseguiam tomar conta de si (precisam de ajuda para cuidar do património)

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MODELO ANTIGO: considera-se desatualizado devido aos fundamentos da incapacidade. Antigamente,


pessoa ou era totalmente capaz ou incapaz.
Um dos aspetos prejudiciais deste regime anterior era o da publicidade. O juiz determinava a afixação de
editais, no tribunal e na sede da junta da freguesia da residência do requerido, com menção do nome e do
objeto da ação, procedendo-se, ainda, à publicação da matéria num dos jornais mais lidos na circunscrição
judicial respetiva.

• O atual regime do acompanhamento revogou esse normativo. Segundo o atual, o juiz decide, em
cada caso, o tipo de publicidade a dar. O art. 153.º/1 limita a publicidade em causa ao estritamente
necessário para defender os interesses do beneficiário e de terceiros. O juiz evitará, naturalmente,
situações que, desnecessariamente, atentem contra a privacidade e a integridade moral.

Consequências deste novo regime:

• Vantagens: Possibilidade de maior adaptação a um conjunto de mais incapacidades que


passaram a existir e não estavam consagrados num regime anterior.
• Desvantagens: decidir para a pessoa x o que é adequado implica que o juiz ouça muita gente, leia
muitos relatórios médicos e ainda têm de rever a situação de 5 e 5 anos. Considera que os
tribunais não têm capacidade de avaliar estas situações, pois acaba por demorar muito tempo para
estes decidirem o que é mais razoável para os casos concretos
• PROBLEMA PRINCIPAL: Arranjar pessoas disponíveis e sérias para ser acompanhantes é difícil.
(não é um problema jurídico, mas social e moral) -> aplica-se tanto ao regime antigo como ao
regime novo. Muitas vezes, ninguém quer aceitar o encargo do acompanhamento, pois é uma
função ingrata, que envolve esforço, preocupações e, pela natureza do instituto, não é lucrativa.

Opinião de MRR quanto ao novo sistema de acompanhamento:


O legislador tentou tratar de um problema que não estava tratado, e esqueceu se que a maioria dos
incapazes não são os idosos, mas sim deficientes mentais profundos e pessoas que tiveram acidentes.
Neste aspeto, o sistema antigo era melhor, pois funcionava para a maioria das pessoas incapazes e não
só para idosos, já que no regime da inabilitação era possível integrar os problemas da velhice através de
anomalia psíquica.
Não concorda com o novo sistema (é muito moldável: não acha que faça sentido rever as sentenças de 5
em 5 anos.

Novo sistema baseia-se em 2 princípios fundamentais:


Preservação máxima da capacidade da pessoa: o maior acompanhado é capaz de tudo exceto aquilo
que vier previsto na sentença.
Caráter transitório das limitações: o tribunal vai verificando se a pessoa continua a precisar de
acompanhamento.

MRR pensa que há um problema de inconstitucionalidade no artigo 147:


Do ponto de vista da prof. Maria Raquel Rei, este artigo permite ao tribunal limitar a capacidade de gozo
de um maior e, consequentemente, a capacidade de exercício. E isso é inconstitucional pois, por muito
incapaz que uma pessoa seja, o tribunal não pode limitar a sua capacidade de gozo. -> Segundo o art.
18.º n3 da CRP a limitação de direitos fundamentais tem de ser através de uma lei geral e abstrata, mas
as sentenças do tribunal não são normas gerais e abstratas.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata

Exemplos de incapacidade de maiores acompanhados:


Casamento Art.1601.º: não podem casar as pessoas que padecem de demência notória
Perfilhação Art.1850.º: não podem perfilhar os homens que padecem de uma demência notória
Testamento Art. 2189.º: não podem testar os maiores acompanhados, salvo os casos em que a sentença
de acompanhamento assim o determine.

Modos de suprir a incapacidade:


• Representação legal (a pessoa que supre a incapacidade substitui o incapaz, pratica os atos em
nome dele, como se dele se tratasse) – HÁ UMA SUBSTITUIÇÃO DE VONTADES.
o SEGUE O REGIME DA TUTELA – art. 1937.º
• Assistência (o maior pratica os atos em seu nome, sozinho, mas tem de pedir autorização a outra
pessoa) – HÁ UMA CONJUGAÇÃO DE VONTADES (o acompanhado tem de pedir autorização ao
acompanhante para realizar determinados atos.

A decisão de acompanhamento:
O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo conjugue, pelo unido de
facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público. A
autorização do beneficiário pode ser suprida pelo tribunal, quando ele não a possa dar livre e
conscientemente.

O acompanhante:
A figura do acompanhante é uma peça chave do novo regime. Dependendo do conteúdo da decisão judicial,
ele poderá representar total ou sectorialmente o beneficiário, administrar total ou parcialmente os seus bens,
autorizá-lo a praticar determinados atos ou intervir de outra forma, dando conselhos, acompanhando-o em
conservatórias, em cartórios, em tribunais ou nas diversas repartições públicas, em agências bancárias ou
em assembleias de sociedades.
A escolha do acompanhante deve ser criteriosa. Deve ser maior e no pleno exercício de direitos, sendo
escolhido pelo próprio acompanhado ou pelo seu representante legal: mas sempre sob o crivo do juiz, a
quem cabe a designação. Na falta de designação, a escolha é feita pelo tribunal, de modo a melhor acautelar
o interesse do beneficiário.
A lista do artigo 143.º/2 é ponderosa e merece ser considerada. Mas o tribunal pode desviar-se quer da
ordenação nela estabelecida, quer da sua própria seriação.
O acompanhante pode ser removido e exonerado quando falte ao cumprimentos dos seus deveres, quando
revele inaptidão para o cargo ou quando, supervenientemente, se constitua nalguma situação que impediria
a sua nomeação.

Os parentes:

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
O artigo 144.º faz impender sobre o conjugue, os descendentes e os ascendentes um dever de aceitar ser
acompanhante: eles não podem escusar-se ou ser exonerados.

Conflito de interesses:
O acompanhante não deve agir em conflito de interesses com o acompanhado, sem que se caia no regime
de negócio consigo mesmo, que prevê a anulabilidade. Pode, todavia, o negócio ser vantajoso para o
acompanhado, altura em que o acompanhante pode pedir ao tribunal a autorização.

Os atos do acompanhado:
Haverá que invalidar tais atos, a menos que tenha sido observado o formalismo para eles prescrito. Todavia,
tais atos podem ser favoráveis ao beneficiário ou simplesmente podem ter sido necessários. Temos, ainda,
de jogar com a proteção de terceiros que, de boa-fé, tenham contratado. Finalmente: a desvalorização dos
atos do acompanhado implica que, em termos de mercado, os seus bens percam valor.
• Os atos praticados posteriores ao registo da sentença podem ser anuláveis, caso sejam prejudiciais
para o maior acompanhado.
• Os atos praticados anteriores ao anúncio do processo ficam cobertos pelo instituto da incapacidade
acidental (art. 257.º) - A pessoa não é incapaz, não é maior acompanhado. No entanto,
acidentalmente, não é capaz de entender aquilo que está a declarar. (Exemplo: embriaguez grave,
estupefacientes). Só pode ser anulável se for notória.

Mandato com vista a acompanhamento:


Um interessado, com alguma patologia já em curso ou, até, independentemente dela, pode celebrar com
alguém da sua confiança, um contrato de mandato para a gestão dos seus interesses, com ou sem poderes
de representação. O mandato pode ser concluído numa fase em que o acompanhado já não tenha uma
autodeterminação plena ou, pelo menos, possa ser influenciado pelo mandatário ou por terceiros.

A revisão e a cessação:
O acompanhamento é um processo dinâmico. O acompanhamento cessa ou é modificado por decisão
judicial que reconheça a cessação ou a modificação das causas que o justificaram. Têm habilitação para
pedir a modificação ou a cessação o acompanhante ou qualquer das pessoas com legitimidade para
requerer a instauração da medida de acompanhamento.

Diferença entre atos de disposição e alienação:

• Disposição
o Atos de alienação (o ato tem como consequência fazer sair um direito da esfera jurídica do
seu titular ex: doação, perdão de uma dívida – o direito de crédito sai da esfera jurídica do
sujeito).
o Atos de oneração (o titular de um direito sobre uma coisa e vai conceder a outra pessoa o
direito sobre a mesma coisa, sendo que enquanto durar o usufruto, o direito do proprietário
fica restringido ex: aluguer de automóvel).
• Administração
o Atos de conservação (evitar a deterioração do bem).
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
o Atos de fruição (atos que visam a obtenção de frutos; gozar os frutos das coisas)

Problema: Aluguer de carro - é ato de oneração (disposição) e de fruição (administração) simultaneamente.


Como resolver isto? Art. 1024.º/1 – se a locação for inferior ou igual a 6 anos, é um ato de administração,
mas se for superior a 6 anos já é um ato de disposição.

Procurador para cuidados de saúde: apoiar o principal (quem passa a procuração) em situações da sua
saúde. (tomar decisões em nome da pessoa que não está em condições).

Testamento vital: tratamentos vitais que a pessoa quer ou não receber.

Perguntas práticas:

• Pode o acompanhante comprar uma casa em nome do acompanhado? art. 145.º/4 + art.

1938.º/1b – a representação legal segue o regime da tutela. Se os atos violarem o 1938.º, o ato é

anulável, segundo o art. 1940.º.

• Pode o acompanhante doar um carro do acompanhado? art. 1937.º/1ª + 1939.º

Depois de o maior deixar de ser acompanhado:


O maior, 5 anos após a sentença que põe fim ao acompanhamento, pode anular os atos do acompanhante
– art. 1940.º. O juiz pode autonomamente anular atos do acompanhante.
O maior pode confirmar os atos anuláveis e nulos que o acompanhante realizou – art. 1939.º

O TERMO DA PERSONALIDADE

A morte:
Diversos efeitos derivam da morte de uma pessoa: a morte opera, assim, como um facto jurídico em sentido
estrito → morte natural: cessação das diversas funções vitais, seguindo-se a decomposição do organismo.

A morte corresponde à cessação irreversível das funções do tronco cerebral


Uma pessoa está morta mesmo que alguns órgãos ainda estejam a funcionar, desde que haja uma cessação
irreversível do tronco cerebral.
Comoriência: art. 68º/2 CC - tem como efeito prático impedir quaisquer transmissões entre os
falecidos que ela envolva. Para se aplicar esta presunção, as pessoas não têm de morrer por ocasião do
mesmo evento!

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Ex: num automóvel vai uma família e todos morrem num acidente, e não se sabe a ordem da morte, a lei
assume que morreram todos ao mesmo tempo.

Morte declarada: segundo o art. 68º/3, tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou
reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da
morte dela. A morte terá de ser declarada por uma entidade judicial.

Morte presumida: arts 114º e ss – o indício da morte advém apenas de uma ausência prolongada e sem
notícias, do visado.

As consequências da morte:
Podemos considerar a morte como um facto jurídico stricto sensu: um evento não humano – ou no qual a
vontade humana, a nível de eficácia, não é tratada como tal pelo Direito – a que o ordenamento associa
resultados jurídicos.

Efeitos que a morte produz quanto ao Direito Privado:


• Cessação da personalidade – art. 68º/1
• Extinção dos direitos de personalidade, dos direitos pessoais e de certos direitos patrimoniais:
o termo da personalidade envolve a extinção de direitos de personalidade do falecido. Desde logo
cessam os direitos à vida e à integridade física por falta de objeto. Também os restantes deixam de
se poder reportar a uma pessoa e à especial dignidade que ela envolve.
A morte faz cessar os direitos pessoais do falecido, com especial relevância no âmbito do Direito da
família. Assim, o casamento dissolve-se por morte – art. 1788º - o que conduz à cessação das
relações patrimoniais e pessoais entre os cônjuges – art. 1688º.
• Abertura das sucessões: arts. 2024º a 2334º.

Tutela post morte:


A tutela do cadáver, independentemente da sua leitura dogmática, pertence ao acervo milenário do Direito
civil. No último século, todavia, desenhou-se um problema novo, mercê da autonomização dos direitos de
personalidade: a hipótese de estes manterem uma proteção mesmo depois da morte do seu titular.
Seria um fenómeno de eficácia póstuma ou pós-eficácia: extintos pela morte do seu titular, os direitos de
personalidade (ou alguns deles) ainda produziriam efeitos.

A defesa da personalidade das pessoas já falecidas:


Segundo o artigo 71.º, “os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do
respetivo titular”. Indica nos pontos subsequentes quem tem legitimidade para requerer as providências
preventivas ou atenuantes, os familiares ou herdeiros – este preceito parece alargar a tutela da
personalidade às pessoas já falecidas, o que tem suscitado uma notável divergência de opiniões na
Doutrina.

Para Pires de Lima e Antunes Varela, certa medida a proteção dos direitos de personalidade depois da
morte constitui um desvio à regra do art. 68.º, consequentemente, o titular do bem jurídico, é o próprio
falecido, na medida em que a regra do 68.º é o termo da personalidade com a morte.
Leite de Campos, a propósito dos direitos de personalidade pós-mortais e da indemnização do dano da
morte, considera a construção que vê na aquisição do direito post-mortem ainda uma manifestação da
personalidade jurídica do de cuiús e dos interesses que lhe estão subjacentes como a mais conveniente.
Entendendo que na letra da lei (art. 71.º n2 CC) os parentes mais próximos só têm capacidade do
exercício dos Direitos. Continuando os direitos a pertencer ao falecido. As pessoas com legitimidade de
exercício de direitos fá-lo-ão sempre por conta do falecido, defendendo interesses do falecido por conta da
pessoa que foi.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Já Oliveira Ascensão entende os sobrevivos como fiduciários dos direitos de personalidade dos falecidos,
o valor tutelado é o do falecido; e a legitimação conferida pelo art. 71/2 não atribui ao requerente a
titularidade dos interesses em causa, mas uma mera legitimação processual. O dispositivo não visa,
portanto, a tutela dos direitos de personalidade do falecido mas, antes, um bem diferente, a sua memória.
Castro Mendes por seu turno advoga que, com o fim de continuar a proteger a honra, o bom nome e
reputação de pessoas já falecidas, a lei atribui às pessoas designadas no artigo 71/2 do CC os direitos de
requerer as providências que aí vêm descritas. Só estas pessoas têm verdadeiramente direitos subjetivos.
Por sua vez, Mota Pinto defende que no momento da morte, a pessoa perde, assim, os direitos e deveres
da sua esfera jurídica, que se transmitem para os sucessores mortis causa os de natureza patrimonial. A
tutela do artigo 71/1 do CC é uma proteção de interesses e direitos de pessoas vivas, que correspondem
às indicadas no n2 do mesmo artigo, que seriam afetadas por atos ofensivos da memória do falecido.
Capelo de Sousa considera que o n.º 1 do art. 68 faz cessar, sem exceções, a personalidade jurídica com
a morte, insuscetibilizando o falecido de direito e obrigações. A letra do n1 do art71, distingue entre os
direitos materiais, substantivos, aos bens da personalidade do defunto e as ações destinadas a fazer
reconhecer tais direitos em juízo. Indubitavelmente que estas ações pertencem às pessoas referidas no n2
do art 71, o que, face à cessação da personalidade do falecido e à correspondência entre o direito e a
ação, inculca serem também estes os titulares dos direitos materiais em causa. Entende Capelo de Sousa
que há aqui uma aquisição derivada translativa mortis causa de direitos pessoais. Considerando existir
uma sucessão ativamente solidária de modo a melhor defender os interesses da personalidade do defunto
juscivilisticamente tutelados.
Para Carvalho Fernandes o significado dos preceitos em análise consiste em atribuir proteção jurídica ao
interesse que certas pessoas (justamente as referidas no n2 do artigo 71) têm na integridade da
personalidade moral do falecido, que são, pois, protegidos interesses de pessoas vivas, embora em
função da dignidade moral do defunto, e que a razão de ser dessa tutela reside no facto de as pessoas em
causa poderem ainda ser atingidas, indireta ou mediatamente, pelas ofensas feitas à dignidade moral do
falecido.
Por último, Menezes Cordeiro defende que a tutela post mortem é, na realidade, a proteção concedida ao
direitos que os familiares têm de exigir o respeito pelo descanso e pela memória dos seus mortos.

Critérios para aferir da ofensa dos direitos de personalidade dos mortos – 4 teorias:
• Teoria da sensibilidade do falecido: a determinação da violação dos seus direitos de personalidade
deveria procurar restituir o que o próprio falecido sentiria, se fosse vivo (crítica: o falecido já não
doe ser incomodado por atuações terrenas. Apelar para o que ele sentiria se fosse vivo não serve,
assim, valores reais);
• Teoria da sensibilidade dos familiares vivos: apela para o atentado aos sentimentos destes,
mercê da ofensa feita ao ente querido desaparecido (crítica: esta teoria é de excluir porque apela a
um critério exclusivamente subjetivo).
• Teoria da ofensa da memoria in abstracto: explica que não estão propriamente em causa os
direitos de personalidade do falecido, mas, antes, o respeito devido à sua memoria, respeito esse
que é quebrado com atentados formais àquilo que seriam (se fosse vivo) os seus bens de
personalidade.
• Teoria da memoria in concreto: aceita a ideia do respeito devido à memória dos mortos, como
valor em jogo. Todavia, as quebras a esse respeito são sentidas pelos familiares sobrevivos mais
chegados. Apenas eles podem inteligir e sentir a inveracidade ou a injustiça das violações, sofrendo
a inerente mágoa. A bitola de violação residirá no respeito concreto pela memória daquele morto, tal
como ele é sentido e sofrido pelos seus familiares sobrevivos.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Prof. Menezes Cordeiro: a base da construção da tutela post mortem será sempre constituída pela
defesa in abstracto, da memoria do falecido, mas ela terá de ser complementada com a ponderação in
concreto da situação efetivamente registada. Preconiza uma síntese das 3ª e 4ª teorias.

A natureza da tutela post mortem


Art. 68º/1 e art. 71º/1 contraditórios? – 3 Teorias explicam a sua articulação:
• Teoria do prolongamento da personalidade: a personalidade não se extinguiria (totalmente) com
a morte: haveria um desvio ao art. 68º/1, sendo a personalidade do defunto “empurrada” para depois
da morte;
• Teoria da memória do falecido como bem autónomo: a personalidade cessa com a morte; o
dispositivo não visa, portanto, a tutela dos direitos de personalidade do falecido, mas, antes, um bem
diferente: a sua memória;
• Teoria do direito dos vivos: a tutela em jogo visaria a proteção das pessoas enumeradas no art.
71º/2, afetadas por atos ofensivos à memória do falecido; elas teriam direito à indemnização por
danos morais e patrimoniais sofridos. (Prof. Menezes Cordeiro)

Cadáver: O cadáver beneficia de uma tutela jurídica específica, há leis que o protegem. O cadáver
juridicamente é uma coisa, mas uma coisa muito especial porque já foi uma pessoa.

Hierarquia na legitimidade para requerer as consequências necessárias à ofensa dos direitos do


falecido:
Atendendo ao ensinamento da norma do artigo 71/2, que dá legitimidade para requerer a tutela da
personalidade ao cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do
falecido, cabe aludir-nos a um outro problema, o de saber se a atuação deverá obedecer a alguma
hierarquização. Primeiramente, há que distinguir duas situações, consoante a ilicitude dependa ou não
da falta de consentimento de um dos legitimados.
Se depende do consentimento, a legitimidade cabe às pessoas que o deveriam prestar (art. 71/3),
pessoas estas que estão fixadas no art 71/2 e, tal como indica o art 76/2 respetivo à publicação de cartas
confidenciais e o art 79/1 relativo ao direito à imagem, o consentimento deve ser feito segundo a
ordem indicada.
Se não depender do consentimento, Pires de Lime e Antunes Varela defendem que a legitimidade não
assiste a todas estas pessoas, mas apenas sucessivamente e pela ordem indicada.
Já Menezes Cordeiro, interpretando esta norma (71/2), analogicamente com a norma no art. 496.º n2 do
CC acrescentando-lhe os herdeiros, defende que, no caso de os sujeitos das classes anteriores não
pretenderem atuar, a legitimidade deve ser deferida aos que integrem as classes seguintes.

Pode ser pedida uma indemnização?


As problemáticas atinentes a este artigo denotam ainda outra questão, a de saber que meios poderão ser
utilizados para a proteção da pessoa falecida.
A doutrina divide se na questão de a legitimidade conferida à tutela post mortem dizer respeito apenas às
providências adequadas ou, também, ao pedido de indemnização. Uma interpretação literal do artigo
71.º/2 primeira parte apontaria para a exclusão da indemnização, assente em dois argumentos: o de que
está em jogo a personalidade do falecido, que já nada pode compensar; o de que o dinheiro é
inadequado para resolver a situação.
No entanto, existem duas interpretações quanto ao art71 n2. Uma interpretação literal e uma extensiva.
A literal, defendida por Oliveira Ascensão, Horster e Carvalho Fernandes exclui a responsabilidade civil
dos meios a requerer, tendo em conta a exclusão que o artigo faz quanto a este meio. Face à
interpretação extensiva do n2 do art71, posição proposta por Capelo de Sousa, Menezes Cordeiro e
Pedro Pais Vasconcelos a lei admitira sempre uma dupla reação à ofensa ilícita, pelo que deve haver
uma remissão em bloco do artigo 71/2 para o artigo 70/2: as providências adequadas são sempre
possíveis independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata

PESSOAS COLETIVAS
As pessoas juntam-se e agrupam-se de forma espontânea. Daí se geram agrupamentos de pessoas que
prosseguem fins próprios e as organizações humanas de afetação de bens à prossecução de fins
institucionalizados.

Por vezes, o Direito cria um regime análogo ao da pessoa singular para personificar juridicamente num
único sujeito os interesses coletivos ou os fins institucionais. Daí resultam as pessoas coletivas.
Nestas, podemos distinguir as de carácter associativo (associações e sociedades) das de carácter
fundacional ou institucional (fundações).

Natureza da personalidade coletiva


Neste assunto, a doutrina diverge.
Apoiantes do iluminismo voluntarista liberal defendem que antes de tudo o resto está a pessoa no seu
singular – o Homem. É da sua dignidade e capacidade jurídica – personalidade – que podemos partir para
uma outra realidade, agora coletiva. Partimos do particular para o coletivo.
Em resposta a isto, antiliberais afirmam que devemos construir o Direito a partir da sociedade e do Estado
– do direito objetivo – até chegar aos indivíduos e, assim, aos direitos subjetivos. Partimos do coletivo para
o particular.
Neste assunto, consideram-se as mais importantes as seguintes posições:
• Ficcionismo personalista – Savigny; Windscheid – deriva do personalismo kantiano e defende
que a pessoa humana não admite a pessoa coletiva a não ser como uma construção
fictícia, como algo artificial. Esta artificialidade não pode ser colocada no mesmo plano que a
pessoa humana, aquela que de facto contribui para o fundamento do Direito. É uma visão
dualista, já que separa a personalidade singular e a personalidade coletiva como duas realidades
diferentes.
• Ficcionismo patrimonialista – Brinz – vê a personalidade coletiva como afetação de uma
massa patrimonial a um certo fim, para cuja prossecução a ordem jurídica atribui a capacidade
de ser sujeito de direitos e obrigações, à imagem das pessoas singulares. Denomina-se “teoria
do património-fim”. As pessoas coletivas são a personificação das coisas. Esta visão nega a
realidade da personalidade coletiva, mas assenta a sua base nos bens que constituem o
substrato das pessoas e não nas pessoas em si. Sendo assim, as pessoas coletivas seriam
patrimónios sem sujeito, afetos à prossecução de certos fins.
• Normativismo formalista – Hans Kelsen – parte da norma para a pessoa. A personalidade é
uma construção da ordem jurídica. A pessoa representa apenas um suporte de deveres
jurídicos e de direitos subjetivos. É a unidade personificada das normas jurídicas, é uma
construção criada pela ciência do direito. É uma perspetiva monista, colocando pessoas
singulares e coletivas no mesmo plano.
• Realismo analógico – von Gierke – as pessoas coletivas são entes existentes na vida social,
com um substrato próprio, que desempenham na sociedade um papel diferente do dos seus
membros, fundadores ou beneficiários. O realismo pode adotar tanto uma visão monista
como uma visão dualista. Numa perspetiva mais atual, Larenz diz que a pessoa coletiva é um
“ente do mundo social” que permite a criação de uma vontade comum que se distingue da
vontade daqueles que individualmente a constituem. Associa-se também a esta teoria Arthur
Kaufmann e Corrêa de Oliveira, defensores de que a personalidade coletiva como uma realidade
analógica à personalidade humana. É a perspetiva dominante na doutrina portuguesa.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata

PEDRO PAIS DE VASCONCELOS: só a pessoa humana tem uma dignidade própria originária, autónoma
e extrajurídica, que o Direito se limita a reconhecer. A personalidade coletiva, por sua vez, é uma
construção do Direito que não pode ser equiparada à personalidade singular. Tem, sim, uma
natureza análoga à personalidade singular.
As construções monistas falham por desconsiderarem as diferenças existentes entre a personalidade
singular e a personalidade coletiva; os ficcionismos erram quando desconsideram as semelhanças
existentes:
Relativamente ao ficcionismo personalista, se é verdade que as pessoas coletivas são diferentes das
pessoas singulares, também é verdade que a diferença não é tal que se possa dizer que estas não
existem ou não têm relevância social. As pessoas coletivas estão ligadas às pessoas singulares que lhes
dão origem e, apesar de não se confundirem com estas, não deixa de ser uma relação relevante para o
Direito. Esta tese é direcionada para as associações e para as sociedades de pessoas.
No que toca ao ficcionismo patrimonialista, este está mais perto de uma visão que nos leva para as
fundações e para as sociedades de capitais. É aqui dominante a autonomização dos bens afetos a
determinados fins. Hoje em dia muitas são as sociedades, até unipessoais, criadas para proceder à
autonomização da empresa, atingindo uma racionalidade económica e empresarial e, principalmente, uma
limitação de responsabilidade. Estes fatores trazem razão ao afirmado pelo ficcionismo patrimonialista.
O normativismo formalista peca por não dar relevância à dimensão humana, económica e social da
personalidade coletiva nas sociedades de hoje em dia. É, no entanto, assertivo relativamente à descrição
que faz dos mecanismos com os quais o Direito constrói a personalidade coletiva. A realidade social da
personalidade coletiva não pode ser descartada.
Não podemos nunca ignorar tanto as semelhanças como as diferenças existentes entre as pessoas
singulares e as pessoas coletivas. Em comum, têm o exercício jurídico coletivo de pessoas humanas –
associações e sociedades de pessoas – e a autonomização de bens ou institucionalização de fins de
pessoas humanas – sociedades de capitais e fundações.
As pessoas coletivas podem resultar da institucionalização de agrupamentos de pessoas humanas
que através delas prosseguem os seus interesses; da institucionalização dos fins das pessoas
singulares, que são então autonomizados e dotados de meios ou ainda da autonomização de massas
patrimoniais de pessoas humanas, afetos à prossecução de fins humanos. Na origem das pessoas
coletivas estão sempre pessoas humanas, podendo nós assim afirmar que as pessoas coletivas são o
prolongamento das pessoas humanas. Disto resulta que a personalidade coletiva está sempre ligada à
personalidade humana, por pouco que seja.

Uma vez criadas, as pessoas coletivas vão-se tornando mais e mais autónomas das pessoas que
primeiramente lhes deram origem, ganhando individualidade própria na vida de relação e na sociedade.
Tornam-se titulares de interesses próprios que se autonomizam dos seus fundadores ou membros e
que com eles podem até entrar em conflito.
Consideramos as pessoas coletivas como centros de imputação de situações jurídicas, de direitos e
de vinculações. Não as podemos considerar meras construções do Direito ou pura ficção. Apesar disso,
também não as podemos colocar nunca ao nível das pessoas humanas, dadas as diferenças que existem
entre ambas as realidades serem demasiado fortes. As pessoas coletivas não têm a qualidade humana,
não têm a dignidade originária que nos assiste, nem assumem uma posição central no Direito. A sua
personalidade jurídica é-lhes atribuída e não meramente reconhecida, como é no caso das pessoas
singulares. As pessoas coletivas não deixam de ser mais um meio das pessoas humanas para a
prossecução dos seus fins. Dado isto, não podemos nunca dizer que pessoas singulares e coletivas se
encontram no mesmo plano horizontal. Há ainda diferenças que nos são impostas pela natureza das
coisas: as pessoas coletivas não têm emoções nem ambições, não nascem e não morrem, não

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
sentem, não constituem família e não procriam, (…). Não possuem o que faz dos humanos, humanos.
Dado isto, são-lhes impostas grandes limitações ao nível da capacidade de gozo.

A lei exige um mínimo de substrato para que se possa constituir uma pessoa coletiva. Daí resulta que o
término da pessoa coletiva ocorre com o desaparecimento desse substrato. Neste campo, não há
exigências do Direito Natural, pertencendo este assunto ao direito objetivo positivo.

Substrato, organização e reconhecimento das pessoas coletivas:


Para que o Direito atribua personalidade coletiva, é necessário que esteja presente o substrato –
realidade social que suporta a personalização.
Este substrato é constituído por três elementos fundamentais – elemento pessoal (pessoas), elemento
patrimonial (bens) e elemento teleológico (fins). Estes elementos não devem ser tidos como separados
uns dos outros, mas sim como estando em constante ligação. Esta exigência da lei é uma exigência
mínima, apenas a necessária para que seja suportada a personalização.
Nas associações, nas sociedades civis simples e nas sociedades em nome coletivo, o elemento
pessoal – os sócios – é o dominante. Estes sócios associam-se para cooperarem com vista à realização
de um fim. Os bens postos em comum (elemento patrimonial) são acessórios – são os necessários para
financiar a atividade social. Nas sociedades de capitais, por sua vez, o substrato inclui geralmente uma
empresa, um sector desta ou uma “unidade de negócio”. Nesta sociedades o risco empresarial é limitado à
empresa e aos capitais nela investidos. O elemento pessoal difere consoante estamos perante uma
sociedade por quotas – a pessoa dos sócios tem individualidade – ou perante uma sociedade anónima –
torna-se indiferente a identidade dos sócios. O fim, esse, é sempre a produção de lucro através de uma
certa atividade – elemento social.

Elemento pessoal:
• Nas fundações, o elemento pessoal é o fundador que instituiu a pessoa coletiva e lhe fixou o
fim para o qual esta iria servir. As fundações não têm sócios nem associados, limitando-se
o papel do fundador, em princípio, ao ato de fundação. Os fundadores, geralmente, mantêm-se
no controlo, assumindo p.e. a posição de presidentes da administração. As fundações podem
ou não ter pessoas como beneficiários e, mesmo que tal suceda, estas pessoas não são
consideradas integrantes da pessoa coletiva.
• Nas associações e nas sociedades – pessoas coletivas de tipo corporativo – o elemento
pessoal é mais relevante e integra os fundadores e os associados ou sócios que integrem a
associação ou a sociedade após a sua constituição. Ninguém pode ser coagido a ingressar ou a
permanecer membro de qualquer associação (art 46º CRP). Caso desapareça a totalidade dos
associados, as associações ou sociedades são extintas (art 182º nº 1, d) CC). O mesmo
acontece se o número de sócios for inferior ao mínimo exigido pela lei (arts 142º e 143º
CSC).
As sociedades civis simples e em nome coletivo podem constituir-se com qualquer número
de sócios, desde que plural; as sociedades por quotas devem ser constituídas e permanecer
com o mínimo de dois sócios, mas podem fazê-lo com um sócio apenas; as sociedades
anónimas devem ser constituídas com um mínimo de cinco sócios, podendo ser constituídas
com um sócio apenas em casos especiais.

Elemento patrimonial:
Para que possam prosseguir os seus fins, as pessoas coletivas necessitam de instrumentos para tal.
Esses instrumentos são os meios – bens com que os fundadores dotam as pessoas coletivas
aquando da sua constituição, os que lhes advenham posteriormente e ainda aqueles que esta obtenha
por si própria. Esses meios constituem o património da pessoa coletiva.
• Nas fundações, o facto de o elemento pessoal ter uma importância reduzida faz com que o
elemento patrimonial seja mais relevante. Há quem afirme que, nestes casos, o elemento
patrimonial é dominante. NO ENTANTO, a massa patrimonial não deixa nunca de ser um
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
instrumento para a prossecução dos fins a que as fundações se destinam, pelo que essa
perspetiva não é correta. Independentemente disso, há fundações que são construídas à volta
de certo bem ou bens, outras em que é o fim prosseguido que domina, não interessando a
natureza dos bens utilizados para o prosseguir. Podem ainda existir fundações em que os bens
são em parte fungíveis e em parte vinculados.
• Nas sociedades comerciais, a lei controla as entradas de capitais, quer a do capital inicial – arts
25º e seguintes CSC – quer dos seus aumentos subsequentes – arts 89º e seguintes CSC.
Controla ainda a redução de capital – art 94º e seguintes CSC – e o que acontece se for perdido
metade ou mais do capital – art 35º CSC. São estabelecidos limites mínimos para a importância
do capital inicial.
Este elemento patrimonial não é prescindível e não existem pessoas coletivas sem ele. Quando isso
acontece, estas extinguem-se por falência.

Elemento teleológico:
O elemento teleológico constitui o fim para o qual a pessoa coletiva foi criada.
• As sociedades têm fins lucrativos.
• As fundações, por sua vez, têm sempre fins de interesse social e estes são sempre fins não
lucrativos. Nas fundações, este elemento é o elemento dominante. Estas só podem ser
instituídas se tiverem um fim reconhecido como de interesse social – arts 151º e 188º, nº 1
CC. Assim, o reconhecimento de uma fundação como tal só será negado por causa do seu
elemento patrimonial se este não for suficiente para a prossecução eficiente do fim social a que
a fundação responde. Podemos com isto dizer que as fundações são a institucionalização de
fins, ao serviço de suja prossecução é posta uma massa de bens.
Leva à extinção das pessoas coletivas o facto de estas preencherem o seu fim ou o facto de lhes ser
impossível alcançá-lo. Daqui resulta a importância do elemento teológico nas pessoas coletivas. Isto é
válido para as fundações e para as associações (arts 182º, nº 2 e 192º, nº 2 CC), para as sociedades
civis simples (art 1007º CC), e para as sociedades comerciais (art 141º CSC). Também conduz à
extinção das pessoas coletivas a prossecução dos fins da mesma por meios ilícitos ou ilegais.

Reconhecimento:
Estando reunidas todas as condições impostas pela lei relativamente ao substrato, as pessoas coletivas
são então reconhecidas como tais. Este reconhecimento pode ser feito caso a caso – reconhecimento
por concessão – como acontece com as fundações (para as quais é necessária a intervenção da
autoridade administrativa que verifica a idoneidade do fim e a suficiência dos bens que lhe são afetos – art
158º, nº 3 e 188º CC.1). O reconhecimento pode também ser um reconhecimento normativo, como
sucede com as associações, estando estas apenas dependentes da constituição por escritura pública2.
Também as sociedades comerciais e as sociedades civis sob forma comercial são regidas por este
regime, tal como o são outras pessoas coletivas de direito privado.
Relativamente às sociedades civis simples, a doutrina diverge relativamente ao reconhecimento da sua
personalidade coletiva, uma vez que a personalidade das sociedades civis simples não resulta de
expressa declaração legal, mas sim do regime jurídico efetivamente constante da lei.

Tipicidade das pessoas coletivas:


As pessoas coletivas podem ser de vários tipos. Relativamente às pessoas coletivas de direito privado, a
lei admite: associações, fundações, sociedades, agrupamentos complementares de empresas,
agrupamentos europeus de interesse económico e as cooperativas.
Podemos ainda ter vários subtipos de pessoas coletivas, como é o caso das sociedades civis simples, das
sociedades anónimas, das sociedades por quotas, das sociedades em nome coletivo e das sociedades em
comandita.

1 Na versão original do Código, também as associações estavam sujeitas a este reconhecimento por concessão. A alteração foi feita com o
DL nº 594/74 de 7 de Novembro
2 Era, até à revisão de 1977 do CC, também necessário que estas entregassem os respetivos estatutos no Governo Civil.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Não se admite a construção de pessoas coletivas atípicas, mistas ou de outros tipos. É um regime
de tipicidade taxativa fechada.
• Associações e fundações – arts 157º a 194º CC
• Sociedades civis simples – arts 980º a 1021º
• Sociedades em nome coletivo – arts 175º a 196º CSC
• Sociedades por quotas – arts 197º a 270º - G, CSC
• Sociedades anónimas – arts 271º a 464º CSC
• Sociedades em comandita – arts 465º a 480º CSC
• Agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico
e cooperativas – legislação avulsa

As associações são pessoas coletivas de base associativa, constituídas por uma pluralidade de
membros com vista à realização de um fim, dotadas dos meios económicos necessários. Distinguem-
se das sociedades por não terem fim lucrativo. O voto é, geralmente, por cabeça e verifica-se uma
autonomia patrimonial perfeita - a responsabilidade por dívidas é limitada ao respetivo património e
nunca se comunica aos sócios. Existe liberdade de associação.

As fundações são pessoas coletivas de cariz institucional, não têm sócios nem membros e
representam a autonomização e institucionalização de um fim (de interesse social) do seu fundador,
para cuja prossecução são dotadas dos meios necessários. Não têm, também estas, fins lucrativos e
a sua constituição não é livre, exigindo sempre um ato específico de reconhecimento pelo Estado.

As sociedades são pessoas coletivas de carácter associativo, com fim lucrativo. São sociedades
comerciais aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem um dos tipos
previstos no CSC; são sociedades civis todas as outras. A doutrina diverge em relação à
personalidade jurídica das sociedades civis simples. Estas, tal como as sociedades em nome coletivo, não
têm autonomia patrimonial perfeita, respondendo os sócios pelas dívidas de forma subsidiária em
relação à sociedade e de forma solidária entre si.

Associação em sentido lato vs Fundação:


• Diferenças quanto ao SUBSTRATO:
➢ Associação: substrato predominantemente pessoal (sociedade como conjunto de pessoas
que se agregam/associam para a realização de interesses comuns).
➢ Fundação: substrato patrimonial - fundação como conjunto de bens (a massa de bens)
afetos à prossecução de determinado fim - o fim tem de ser um fim social. Na constituição
de uma fundação não se dá personalidade jurídica ao fundador; dá-se personalidade
jurídica à massa de bens dirigida à prossecução de um fim.
IMPORTANTE: a personalidade coletiva de uma associação/sociedade não é igual à soma das
personalidades dos associados/sócios - a personalidade coletiva da pessoa é autónoma (não concentra
todos os direitos e todas obrigações daqueles que a formam - ao invés, concentra os direitos e obrigações
que dizem respeito a si, enquanto entidade autónoma).
• Diferenças quanto ao MODO DE CONSTITUIÇÃO:
➢ Associação: constitui-se por contrato feito por escritura pública (se não há escritura pública,
há vício de forma) // se não há escritura pública, não há personalidade jurídica (exceção é o
regime especial de constituição imediata de associações).
Não é preciso pedir uma autorização/aprovação (basta que as pessoas que querem
constituir uma associação cumpram os requisitos definidos na lei para a associação adquirir
personalidade jurídica - PERSONALIDADE JURÍDICA IMEDIATA).
ATENÇÃO: se não forem feitas por escritura pública, temos de ir aos artigos 195.º e 196.º - associações
sem personalidade jurídica.
➢ Fundações: ato unilateral em vida (por escritura pública; art. 185.º) ou por testamento.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
É preciso o seu reconhecimento (art. 188.º CC) // PERSONALIDADE JURÍDICA POR
CONCESSÃO (não é adquirida de forma imediata - para haver personalidade os fins da
fundação terem de ser considerados fins de interesse social).

Capacidade de gozo das pessoas coletivas:


A capacidade de gozo das pessoas coletivas é tratada no art 160º, nº 1 do CC. Deste artigo retira-se que
“a capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes
à prossecução dos seus fins.”. Assim, concluímos que a capacidade de gozo das pessoas coletivas é
limitada para tudo o que for necessário à prossecução dos fins para os quais ela é criada.
A capacidade das pessoas coletivas sofre importantes limitações derivadas da própria natureza das
coisas. É da natureza das coisas que as pessoas coletivas não possam casar, testar ou adotar, como
podem as pessoas singulares. Excetuam-se, então, da capacidade das pessoas coletivas todas as todas
as situações jurídicas que sejam inseparáveis da personalidade singular. No entanto, têm
capacidade sucessória passiva ao abrigo do art 2033, nº 2, b) CC, podendo por isso ser herdeiras
legatárias se comtempladas em testamento. Geralmente, isto leva a concluir que as pessoas singulares
têm uma capacidade de gozo genérica, ao contrário das pessoas coletivas. No entanto, isso não é
verdade. Também às pessoas singulares a natureza das coisas impõe limitações: as pessoas singulares
não podem, p.e., fundir-se, dissolver-se, etc.
Para além disso, às sociedades comerciais está pela lei entregue o exercício de atividades económicas
específicas como o comércio bancário e a indústria de seguros. Às pessoas singulares, por sua vez, é
vedada a titularidade das posições jurídicas como as correspondentes ao banqueiro e ao segurador.

Limitações legais à atuação de certas pessoas coletivas:


Estão previstos na lei certos casos em que pessoas coletivas específicas estão proibidas de ser
titulares de determinadas posições jurídicas e de exercer certas atividades ou de praticar
determinados atos. Até à revisão de 1977 do CC, certas pessoas coletivas tinham grandes limitações
relativas à propriedade de imóveis. Estas limitações procuravam evitar as limitações de circulação de bens
imóveis características do regime medieval. Hoje, porém, não há razão para que essa limitação exista. No
entanto, ainda hoje não é permitido às instituições financeiras a propriedade de imóveis para além
das suas necessidades de instalação e funcionamento. Também as sociedades comerciais, p.e., vêm
ainda hoje a sua possibilidade de exercício jurídico limitada. Importa saber se essas limitações devem ou
não ser classificadas como incapacidades de gozo e o que acontece caso sejam violadas. Daqui resultam
duas perspetivas distintas:
• Pode partir-se de uma prévia qualificação para o regime jurídico: qualificam-se as limitações
a partir da natureza da personalidade coletiva. Se estivéssemos perante uma incapacidade de
gozo, então a consequência seria a nulidade dos atos praticados com a sua violação. Esta
perspetiva leva a erros por ignorar as necessidades da vida, baseando-se apenas numa dedução
lógica.
• Pode partir-se do regime jurídico para a qualificação: parte-se da descoberta na
consequência jurídica da violação das limitações e, daí, encontra-se a qualificação das mesmas.

Por ser uma criação do Direito, a personalidade coletiva não apresenta impedimento a que a lei estatue a
consequência da sua própria violação. Resta, no entanto, saber se os atos praticados com violação
dessas limitações são válidos ou inválidos. O defeito pode não estar no ato, mas sim na ligação entre o ato
e objeto social.

Fim e objeto social das pessoas coletivas:


O fim é o objetivo que desencadeia a ação do agente, estando assim iminente nessa ação. Este implica
sempre intencionalidade. Disto resulta que é o fim social aquilo que orienta as pessoas coletivas e que
justifica as suas ações. Assim, não podemos ter pessoas coletivas que não tenham um fim próprio
definido.

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A esse fim liga-se o objeto social – âmbito de atividade que a pessoa coletiva se propõe a
desenvolver a título principal para prosseguir os seus fins. Podem várias pessoas coletivas com o
mesmo fim ter objetos sociais diversos (p.e. sociedades comerciais). É a atividade que a pessoa coletiva
desempenha para a prossecução do seu fim que determina o próprio fim. Todas as pessoas coletivas
têm então também de ter um objeto social mais ou menos concreto, objeto social esse que concretiza o
sentido do fim social.

Capacidade de exercício/organicidade:
Ao contrário das pessoas humanas, as pessoas coletivas não têm vontade própria. A formação e a
expressão da vontade das pessoas coletivas é levada a cabo pelos órgãos que a integram, órgãos esses
dos quais são titulares as pessoas humanas. Isto levou à construção de uma teoria que defende que as
pessoas coletivas sofrem de uma genérica incapacidade de exercício, suprida por um regime de
representação, sendo então estas representadas pelos titulares dos órgãos.
É do monismo normativista de Kelsen que deriva a ideia de uma incapacidade genérica de exercício.
A personalidade jurídica é tida como igual tanto para pessoas singulares como para pessoas
coletivas e daí resultou a comparação da representação das pessoas coletivas pelos titulares dos seus
órgãos à tutela. Esta representação não é correta, dado que a incapacidade de exercício das pessoas
singulares não é comparável à das pessoas coletivas. Nas pessoas singulares, diga-se nos menores,
o regime de incapacidade de exercício pretende defender os menores de si mesmo e das más
influências de terceiros. Nas pessoas coletivas, não é isso que se verifica.
As pessoas coletivas não podem deixar de ter uma organização pelo que esta constitui a forma da pessoa
coletiva, do mesmo modo que o substrato constitui a substância da mesma. A organicidade é então a
característica de as pessoas coletivas terem sempre órgãos e funcionarem por seu intermédio.

Organização das pessoas coletivas:


A organização das pessoas coletivas pode ser mais ou menos complexa, tendo os órgãos que as
constituem diferentes competências. Nas sociedades de pessoas, dada a menor autonomia que se
verifica, a orgânica é simples; nas sociedades de capitais é mais complexa. Independentemente disso, tem
de haver sempre um mínimo de organização.
Pode definir-se o órgão de uma pessoa coletiva como “um centro institucionalizado de poderes
funcionais a exercer por um indivíduo ou por um colégio de indivíduos que nele seja providos, com
o objetivo de exprimir a vontade juridicamente imputável à pessoa coletiva.” (Marcello Caetano) Esse
órgão não deve ser confundido com os respetivos titulares. Assim, falamos de assembleia geral
enquanto órgão unitário, do qual fazem parte várias pessoas. Os titulares dos órgãos vão-se alterando
sem que o órgão se modifique. À relação travada entre os titulares dos órgãos e esses mesmos
chamamos mandato.
Os órgãos das pessoas coletivas podem ser divididos em três classes:
• Órgãos deliberativos – é, por excelência, a assembleia geral. É composto pelos sócios, em
princípio na sua totalidade, e visa a formação da vontade funcional da pessoa coletiva, a eleição
dos titulares dos órgãos sociais, a fiscalização da gestão e a aprovação das contas. Pode ter
competência exclusiva para deliberar acerca da alteração dos estatutos, da modificação ou da
dissolução da pessoa coletiva. Por não terem sócios, as fundações não têm assembleia geral.
• Órgãos executivos – tem como principal função a gestão da pessoa coletiva, bem com da sua
atuação. Nas fundações e nas sociedades anónimas denomina-se geralmente por conselho
de administração; nas associações e sociedades civis simples costuma designar-se por
direção; nas sociedades em nome coletivo e por quotas dá-se-lhe o nome de gerência. Os
seus membros são eleitos pela assembleia geral ou, no caso das fundações, são nomeados
no ato de instituição ou pela entidade pública competente para o seu reconhecimento.
• Órgão de fiscalização – é designado por conselho fiscal ou, caso constituído por apenas uma
pessoa, fiscal único. Tem como funções a fiscalização da gestão e as contas da pessoa
coletiva. Hoje em dia há uma tendência para que este seja substituído por revisores oficiais de
contas ou por sociedades de revisores oficiais de contas, o que é desaconselhável (pois reduz a
a fiscalização às contas da pessoa coletiva). Não se verifica conselho fiscal nas sociedades
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de pessoas (sociedades civis simples e sociedades em nome coletivo, bem como nas pequenas
sociedades por quotas). Nas sociedades anónimas está prevista uma estrutura com assembleia
geral, conselho geral, direção e fiscal único.

Os órgãos das pessoas coletivas têm funções próprias e exclusivas. A competência de certo órgão
corresponde ao “âmbito de atuação que lhe é próprio, designa as matérias sobre as quais ele tem
legitimidade para agir e integra os poderes funcionais que lhe são conferidos”. Todas as pessoas
coletivas que tenham mais do que um órgão necessitam que sejam definidos, na lei e nos seus estatutos,
critérios distintivos das áreas de atuação de cada órgão.

Atos ultra vires:


É da relação entre a pessoa coletiva e o seu fim social que decorre o critério da legitimidade da sua
ação. São, então, legítimos os atos e atividades dirigidos à prossecução do fim ao qual a pessoa
coletiva se propõe. Disto decorre que são ilegítimos os atos que não estão relacionados com esses
fatores. Estes atos são atos ultra vires.
Ao longo do tempo, a doutrina tem concluído que o art 160º trata da capacidade de gozo da pessoa
coletiva, sendo então esta que aí está a ser limitada ao que for necessário/conveniente para a
prossecução do fim da pessoa coletiva. Isto leva a crer que os atos praticados por essa pessoa coletiva
fora do seu âmbito são nulos por não haver capacidade de gozo para tal – aplicação dos arts 160º CC +
294º CC. Muitos foram os autores que se pronunciaram sobre esta questão:
• Oliveira Ascensão – as pessoas coletivas têm capacidade de gozo genérica, limitada apenas
pela sua natureza não humana, privando-as isso dos direitos exclusivos da personalidade
humana. Apoia esta teoria o art 12º, nº 2 da CRP, que reconhece às pessoas coletivas todos os
direitos e deveres “compatíveis com a sua natureza”. O art 160º CC “não tem praticamente nada
que ver com a capacidade de direito. A limitação pelo fim não significa uma limitação da
capacidade: ou só o significará em hipóteses extremas. (…) A pessoa coletiva pode praticar atos
daquela categoria e ser titular dos direitos dela derivados. O que não pode é praticá-los de
maneira a afastar-se dos seus fins.” Assim, “diremos que também a pessoa coletiva tem
capacidade genérica, e não específica, não obstante a vastidão das limitações constantes do art
160º, nº 2”
• Marcello Caetano – “mais que uma limitação da capacidade, o princípio da especialidade é uma
condicionante funcional do exercício dos direitos de que a pessoa coletiva é capaz” Diz que os
atos com desvio do fim devem ser apenas anuláveis em ação judicial a requerimento do
Ministério Público ou de qualquer das partes (salvo os casos de ação dolosa da pessoa
coletiva).
• Cabral de Moncada – “tanto pode dizer-se que as pessoas coletivas têm uma capacidade geral
e comum, mas somente para praticar todos os atos jurídicos que forem relativos aos interesses
do seu instituto e só esses, como pode dizer-se que a sua capacidade é excecional e especial,
por não se estender aos atos que saiam para fora da esfera jurídica do fim e dos interesses do
seu instituto”. A influência do fim e do objeto social sobre a ação das pessoas coletivas não deve
ser tida como uma limitação da sua capacidade de gozo. O art 160º CC relaciona-se com a
atividade que a pessoa coletiva se propõe a desenvolver. O fim, por sua vez, não está
relacionado com a capacidade de gozo da pessoa coletiva, mas sim com a legitimidade que
esta tem, ou não, para exercer determinados atos. Esse critério de legitimidade está tanto
presente no art 160º CC como no art 6º CSC. Apesar de presente na doutrina que os atos ultra
vires são tidos como nulos, nada na lei o consagra. Por ser o art 6º CSC mais moderno e com
base no regime presente no art 9º, nº 1 CC, defende-se que se proceda a uma interpretação do
art 160º de um modo integrado e atualista. Daí resulta que se deve tratar as pessoas coletivas
às quais se aplica o art 160º CC (associações, fundações e sociedades civis simples) da mesma
forma que se tratam as sociedades comerciais à luz do art 6º CSC, dado que não há entre elas
diferenças de tal forma significativas que torne esta abordagem errada. Deste modo, e com base
no art 6º, nº 4 CSC, são válidos os atos ultra vires e é responsabilizada pela sua prática a
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pessoa que, em nome da pessoa coletiva, o praticou, ou os titulares do órgão que deliberou
a sua prática, se dele resultarem danos para a pessoa coletiva. Apesar disso, o desvio do fim é
já fundamento para a dissolução da pessoa coletiva. O fim é um dos elementos do substrato,
pelo que a pessoa coletiva se extingue se este se esgotar. O mesmo acontece quando o fim
prosseguido é-o feito por meios ilícitos ou imorais.

Devem ser considerados nulos os atos praticados pelos órgãos da pessoa coletiva em seu nome
quando se conclui que a sua prática é contrária à ordem pública ou quando a prática desses atos seja
vedada pela lei nas circunstâncias em que é praticado. No entanto, isto não resulta de uma incapacidade
de gozo, mas sim de contrariedade à lei ou à ordem pública – art 280º CC

Vinculação das pessoas coletivas:


Podem os atos praticados pelos titulares dos órgãos e representantes das pessoas coletivas que
estejam fora do seu objeto social ser tidos como da sua autoria?
O Código Civil não trata desse aspeto de forma específica. A mais recente e completa regulamentação
acerca deste tema é a que está presente no Código das Sociedades Comerciais sobre a vinculação das
sociedades anónimas e das sociedades por quotas. Aqui, define-se que estas sociedades ficam
vinculadas, perante terceiros, dentro dos poderes que a lei lhes confere, não obstante as limitações
constantes do contracto de sociedade ou resultantes de deliberações dos seus sócios. As sociedades só
podem opor a terceiros as limitações resultantes do seu objeto social se provarem que esses terceiros
sabiam ou não podiam ignorar que os atos praticados não respeitavam o objeto social. Mesmo que
tal se prove, os atos continuarão a ser válidos e vinculativos se, entretanto, a sociedade os tiver
assumido por deliberação expressa ou tácita dos seus sócios.
Em analogia com o regime das sociedades comerciais, as associações e as fundações regem-se pelos
mesmos princípios. Esta é a solução que melhor respeita o princípio da confiança e da aparência.

Responsabilidade das pessoas coletivas


As pessoas coletivas são juridicamente autónomas e independentes. Como entes dotados de
personalidade jurídica, o seu agir existe no âmbito da autonomia privada e implica responsabilidade. As
pessoas coletivas são responsáveis pelos seus atos e respetivas consequências.
Perante uma perspetiva de representação, a pessoa coletiva raramente seria responsabilizada pelos atos
praticados e pelos danos causados pelos titulares dos seus órgãos, considerados seus representantes.
Esta representação apenas permitiria a imputação à pessoa coletiva de atos lícitos praticados pelos seus
representantes. Mesmo estes seriam imputáveis aos representantes que os praticassem. Esta é uma
construção inadequada. Manuel de Andrade afirma que “a exclusão da responsabilidade contratual das
pessoas coletivas viria traduzir-se, aliás, num privilégio injustificável”. Seria um princípio eticamente injusto
e nocivo para a sociedade. Hoje em dia é, então, cada vez mais dominante a ideia de que o órgão
pertence à pessoa coletiva e, por não lhe ser terceiro, esta é diretamente responsável pelos atos pelo
órgão produzidos. Distingue-se responsabilidade civil contratual, responsabilidade civil aquiliana,
responsabilidade civil dos titulares dos órgãos das pessoas coletivas e responsabilidade criminal das
pessoas coletivas e titulares dos respetivos órgãos.
• Responsabilidade civil aquiliana – art 165º CC e art 6º, nº 5 CSC. Afirma o art 165º CC que
“as pessoas coletivas respondem pelos atos ou omissões dos seus representantes, agentes ou
mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos
seus comissários”. É aqui feita uma remissão para o art 500º CC
• Responsabilidade civil contratual – art 800º, nº 1 CC “o devedor é responsável perante o
credor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize no cumprimento da
obrigação, como se tais factos fossem praticados pelo próprio devedor”. São, então, imputáveis
às pessoas coletivas os atos e omissões dos titulares dos seus órgãos.
• Responsabilidade criminal – antigamente, considerava-se que a culpa criminalmente relevante
era inseparável da pessoa singular que agia em nome da pessoa coletiva. Como tal, o crime não
era imputável à pessoa coletiva, mas sim à pessoa singular que em nome desta agia. Hoje em
dia, porém, o Direito Penal Secundário permite a imputação de responsabilidade criminal
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
diretamente à pessoa coletiva, com sanções penais e contravencionais – coimas – especialmente
adequadas à sua natureza.
• Responsabilidade dos titulares dos órgãos das pessoas coletivas – arts 72º e seguintes
do CSC tratam da responsabilidade dos administradores, gerentes ou diretores, perante a própria
sociedade, perante os respetivos sócios e perante terceiros, pelos atos danosos praticados no
exercício dos respetivos cargos.

Desconsideração da personalidade coletiva:


Sendo as pessoas coletivas juridicamente autónomas, os atos que lhes são imputados não podem ser
imputados aos seus instituidores e vice-versa – princípio da separação. Quando têm autonomia
patrimonial perfeita (como as associações, as fundações, as sociedades anónimas e por quotas, os
agrupamentos complementares de empresas e os agrupamentos europeus de interesse económico), o
risco económico da atividade é limitado. O insucesso económico não é comunicado aos instituidores,
nem aos sócios, nem aos membros. Esta autonomia patrimonial perfeita alcança-se com o regime da
responsabilidade limitada e permite manter o património pessoal dos instituidores, sócios ou membros da
pessoa coletiva. Só se perde o que se investe. É esta limitação de risco que permite uma maior
quantidade de investimentos e, assim, o crescimento da economia. Nas sociedades comerciais de
responsabilidade limitada, o risco empresarial é limitado ao capital investido.
Apesar disso, esta autonomia pessoal e patrimonial das pessoas coletivas é suscetível de abusos. O
mau uso da pessoa coletiva – para prossecução de fins ilícitos – leva a uma desconsideração da
personalidade coletiva. Por vezes, assim, há necessidade de desconsiderar a autonomia pessoal e
patrimonial, quando ocorre o aproveitamento ilícito desta autonomia. A prática surgiu na jurisprudência
norte-americana e foi depois aproveitada pela jurisprudência alemã, que a completou. Na doutrina
portuguesa, Lamartine Corrêa de Oliveira aprofundou em primeiro a matéria, designando-a por
“desconsideração da personalidade coletiva”. Esta designação foi adotada por Autores como Oliveira
Ascensão e Pedro Pais de Vasconcelos. O Professor Menezes Cordeiro chama-lhe “levantamento da
personalidade jurídica”.
Desconsidera-se que a pessoa coletiva existe, pois como os sócios usaram a pessoa coletiva de forma
fraudulenta perdem a proteção que tinham sobre o seu património e têm de responder com o mesmo.
Esta desconsideração ocorre, então, quando o Direito imputa aos sócios a autonomia e a responsabilidade
de atos da pessoa coletiva, ou vice-versa. Esta desconsideração pode atuar em dois campos distintos –
imputação subjetiva de conhecimentos, qualidades ou comportamentos juridicamente relevantes ou,
então, imputação da responsabilidade patrimonial.
• Imputação subjetiva de conhecimentos, qualidades ou comportamentos juridicamente
relevantes – é imputado à sociedade o conhecimento pelo sócio de certas situações como
qualificantes de boa ou má-fé. A titularidade no sócio de certos interesses é também imputada à
sociedade, ou vice-versa, para determinar conflitos de interesse e de incompatibilidade. Pode
ainda servir para solucionar casos de interposição de pessoas em que o sócio oculta a sua
intervenção atrás da pessoa coletiva.
• Imputação da responsabilidade patrimonial – a responsabilidade patrimonial da sociedade é
imputada ao sócio, ou vice-versa, evitando a frustração dos créditos quando o património do
formal devedor se mostra insuficiente. É aplicado um regime de responsabilidade ilimitada a uma
pessoa coletiva ou sociedade de responsabilidade limitada.

A principal dificuldade presente na desconsideração da personalidade coletiva prende-se com a


fundamentação, não havendo suporte de preceitos legais específicos. Nos casos previstos na lei, a
desconsideração fundamenta o regime legal, mas é a lei que suporta a decisão. “Pergunta-se, então, se é
juridicamente permitido desconsiderar em casos não expressamente previstos pela lei.”

Existem várias teorias relativas à desconsideração extralegal:

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• Perspetiva subjetivista – é exigido, como fundamento para a desconsideração, o abuso
consciente e intencional, com um fim ilícito, da separação pessoal e patrimonial entre a
pessoa coletiva e o seu sócio, o seu membro ou até o seu instituidor/beneficiário. Estrutura-se no
quadro da fraude subjetiva à lei. Tal permite dar um tratamento adequado a casos de fraudes
económicas criminalmente qualificadas, evitando o prejuízo do credor e impedindo que os autores
das fraudes continuem a enriquecer. Caso, então, seja provado o abuso consciente e intencional
da separação pessoal e patrimonial, o Direito desconsidera essa separação, continuando a
pessoa coletiva a existir sem que se atenda à separação pessoal e patrimonial.
• Perspetiva objetivista – é dispensável a demonstração da consciência e da intencionalidade da
ação, dado que o resultado ilícito, só por si, é suficiente para fundamentar a
desconsideração. Esta perspetiva facilita a aplicação do quadro de fraude à lei.

Associações
São pessoas coletivas de tipo corporativo, com fim não lucrativo (ao contrário das sociedades), regidas
nos arts 167º a 184º CC.
As associações constituem-se por escritura pública e a sua constituição é livre ao abrigo do princípio
de liberdade de associação presente no art 46º CRP. Na escritura devem constar os aspetos presentes no
art 167º CC:
a) Bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social;
b) Denominação, fim e sede da pessoa coletiva;
c) Forma do seu funcionamento
d) Duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado.
No nº 2 do mesmo artigo são especificados outros aspetos que podem também constar dos estatutos
das associações. O ato de constituição e os estatutos da associação estão sujeitos a exigências de
publicação presentes no art 168º CC.

A orgânica das associações implica, no mínimo, três órgãos: assembleia geral, direção e conselho
fiscal:
• Assembleia geral – órgão deliberativo, a quem cabe a formação da vontade interna da
associação. É composta pela universalidade dos associados e a ela compete, ao abrigo do art
172º, nº 2 CC a eleição dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta
demandar os administradores por atos praticados no exercício do cargo. É a responsável por
todas as matérias que não estão atribuídas a outro órgão.
• Direção – tem as suas atribuições e competências fixadas nos estatutos e cabe-lhe a
administração e direção da associação, bem como a sua representação exterior
• Conselho fiscal – procede à fiscalização da atividade e das contas da associação.

Os órgãos das associações funcionam através de deliberações sociais – atos jurídicos não negociais
pelos quais a pessoa coletiva forma a sua vontade funcional. Estas podem ser vistas através da
perspetiva dos membros do órgão – na qual as deliberações são um ato plural composto pelos atos de
cada um dos sócios que exprimem o seu voto – ou através da perspetiva da própria pessoa coletiva – a
deliberação é um ato unitário imputável à própria associação.
É característica comum da deliberação social o princípio maioritário – deliberação é tomada por maioria
que pode ser simples ou qualificada. Esta deliberação pode, tal como os atos jurídicos, ser viciada e
tornar-se inválida, ineficaz ou até mesmo inexistente. A invalidade de uma deliberação social está presente
nos arts 177º a 179º e decorre da sua contrariedade à lei e aos estatutos da associação, traduzindo-se em
anulabilidade da deliberação. Relativamente a este tema, o Código Civil encontra-se desatualizado em

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comparação com o Código das Sociedades Comerciais, no qual são admitidas as possibilidades de
nulidade3 e de anulabilidade.
A invalidez das deliberações sociais da assembleia geral deve ser arguida no prazo de seis meses,
numa ação movida contra a associação por parte de associados que não tenham votado favoravelmente.
Essa possível anulação das deliberações sociais não prejudica aqueles que dela beneficiaram de boa-fé –
art 179º CC.
Relativamente à extinção de uma associação, esta pode dar-se por variados motivos, presentes no art
182º CC. Esta extinção decorre da autonomia privada e da extinção do seu substrato, bem como do
decurso do tempo estipulado nos estatutos. O princípio da liberdade de associação implica a liberdade
de dissolução. Trata-se, nestes casos, de autonomia privada. Apesar disso, há uma limitação da
autonomia privada por parte da ordem pública – art 280º CC – pelo que uma associação também se
extingue se a sua existência se tornar contrária à ordem pública. No que toca ao substrato, extingue-se
uma associação que perca qualquer um dos três elementos que o compõem.
Extinta a associação, há que determinar o que fazer com os bens que a constituíam. Podemos aqui
distinguir entre os bens vinculados – aqueles que estão especialmente afetos a certos fins – e os bens
livres – aqueles que não o estão. Os bens vinculados são entregues a outra pessoa coletiva cujo fim
seja idêntico ao daquela que se extinguiu. Os bens livres podem ter como destino o que está estipulado
nos estatutos, o que for decidido na deliberação de extinção ou, caso não tenham qualquer destino, o
tribunal deverá afetá-los a outra pessoa coletiva ou ao Estado.

Estatutos:
Existe um documento designado estatutos ou pacto social que contém o regulamento da vida daquela
pessoa coletiva. Os estatutos, do ponto de vista físico, muitas vezes são um documento à parte do
contrato. Quando as pessoas coletivas são muito simples, o contrato e os estatutos estão na mesma parte,
quando as pessoas coletivas são complexas, o contrato de associação e os estatutos estão separados.
Quer um quer outro são imprescindíveis para a constituição da associação.

Ânimos personificandi/vontade de personificar:


É o intuito daquelas pessoas, que em conjunto perseguiram uma determinada atividade, de darem
personalidade jurídica à entidade que estão a constituir.
MRR e MC acham que ninguém no seu perfeito juízo faz um percurso tão complexo (pagar pelo nome e
número de pessoa coletiva, ir ao cartório, celebrar o contrato de associação por escritura pública) para não
constituir uma pessoa jurídica. O ânimos personificandi não é um requisito em si mesmo, é uma intenção
ou não, que está subjacente ao comportamento dos sujeitos. Porém, há um grande conjunto de autores
que acha que no contrato de associação é preciso explicitar a intenção de criar uma pessoa coletiva.

Fundações
São pessoas coletivas regidas nos arts 185º a 194º CC, que representam a institucionalização de fins
humanos a cuja prossecução é afeta uma massa de bens. Não têm carácter corporativo, ao contrário
das associações, e o seu fundador não faz parte do substrato. A sua intervenção começa e acaba, em
princípio, no ato de fundação.
O substrato de uma fundação necessita sempre de um elemento patrimonial e de um elemento
teleológico, não havendo hierarquia definida entre estes dois. Essa situação varia de fundação para
fundação. PPV: “o fim institucional é dominante e o património constitui o seu suporte”.
• Oliveira Ascensão – define o objetivo das fundações como sendo “assegurar que uma finalidade
do instituidor é prosseguida, mediante o suporte duma massa patrimonial que é a isso afetada”
• Castro Mendes – a fundação é “essencialmente uma organização personificada de bens”

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Havia, na altura em que o Código Civil entrou em vigor, uma restrição à anulabilidade.
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Para ser personificada, a fundação tem de ter um fim de interesse social – art 185º, nº 1 e 188º, nº 3,
a).
Na Lei-Quadro das Fundações, uma fundação é definida como “uma pessoa coletiva, sem fim
lucrativo, dotada de um património suficiente e irrevogavelmente afetado à prossecução de um fim
de interesse social.” (art 3º, nº 1). No nº 2 do mesmo artigo, são expostos todos os fins possíveis para
uma fundação.
As fundações são depois classificadas em fundações privadas, fundações públicas e de direito
público e fundações públicas de direito privado:
• Fundações privadas – criadas por uma ou mais pessoas de direito privado, em conjunto ou não
com pessoas coletivas públicas, desde que estas não exerçam uma influência dominante na
fundação.
• Fundações públicas e de direito público – criadas exclusivamente por pessoas coletivas
públicas, nos termos da lei-quadro dos institutos públicos
• Fundações públicas de direito privado – criadas por uma ou mais pessoas coletivas públicas,
em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que estas não exerçam uma influência
dominante na fundação.

As fundações são instituídas por escritura pública ou por testamento. Neste ato de instituição deve
constar o fim da fundação e os bens com que esta é dotada. As fundações podem ser constituídas
por outras pessoas coletivas, tendo de ser reconhecidas caso a caso pela autoridade administrativa e
adquirindo através desse reconhecimento personalidade jurídica – art 158º, nº 2 CC. Esse
reconhecimento é um ato administrativo pelo qual se reconhece que o fim da fundação é de interesse
social e que o património com que é dotada é suficiente para o prosseguir.
Caso o reconhecimento seja negado, torna-se necessário distinguir as situações em que a instituição é
feita entre vivos daquelas em que é feita mortis causa. No primeiro caso, a fundação fica sem efeito; no
segundo, os bens são afetados a uma outra fundação de fins análogos (art 188º, nº 3 CC).

Relativamente à orgânica, as fundações divergem das associações por não terem assembleia geral.
A formação da vontade funcional e a gestão da fundação são funções concentradas na administração,
nomeada nos estatutos. Se previstos nos estatutos, as fundações podem ter mais órgãos.
Ao abrigo do art 189º CC, os estatutos podem ser alterados pela entidade competente para o
reconhecimento da fundação, se nesse sentido houver uma proposta da administração. Essa
alteração tem como limite a impossibilidade de ser alterado o fim da instituição e não pode nunca
contrariar a vontade do fundador. Essa entidade competente pode atribuir-lhe um fim diferente segundo
o art 190º CC, quando o antigo fim tiver sido preenchido ou se tenha tornado impossível. O novo fim
aproxima-se tanto quanto possível do fim inicial. Pode dar-se o caso de estar presente nos estatutos a
extinção da fundação aquando do preenchimento do fim, não sendo nesses casos possível atribuir um
novo fim á fundação – art 190º, nº3.
Os fins e os bens da fundação autonomizam-se do fundador quando esta é reconhecida – a fundação é
uma pessoa coletiva independente. O fundador tem nela influência, mas não tem domínio sobre esta. A
entidade que reconhece a fundação como tal tem o controlo sobre a alteração dos estatutos e da
modificação do fim.
A fundação pode estar onerada com encargos. A oneração traduz-se na vinculação a um fim, a qual
pode afetar a fundação como um todo ou afetar apenas certos bens do respetivo património. No
primeiro caso, a vinculação faz parte do fim institucional; no segundo, constitui um ónus que afeta esses
bens. Nos casos em que a vinculação se revele incompatível com a prossecução do fim institucional, dita o
art 191º CC que a entidade competente para o reconhecimento da fundação pode “suprimir, reduzir ou
comutar” o encargo em questão. Se esse encargo for essencial à fundação, a entidade competente terá
de o considerar parte do fim institucional, não o podendo suprimir, reduzir ou comutar. Pode ser na
fundação incorporada uma outra pessoa coletiva, com o fim de satisfazer o encargo
supramencionado. Caso também isso se mostre impossível, resta a extinção da fundação por
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
impossibilidade do seu fim. A extinção das fundações rege-se pelo art 192º CC e está ligada, tal como as
associações, à autonomia privada e ao seu substrato.
O destino dos bens após a extinção da fundação está explanado no art 166º CC, em conjunto com o
regime das associações. No caso das fundações – personificações de bens ou de massas de bens – os
bens vinculados serão entregues a outra pessoa coletiva com fim compatível; os bens livres terão o
destino que lhes for dado em lei especial, nos estatutos ou na deliberação.
As fundações fiduciárias caracterizam-se pela afetação de bens a certos fins, sem que seja
necessária uma nova e específica pessoa jurídica e sem controlo do Estado. A imputação subjetiva é
possibilitada pela personalidade de uma pessoa jurídica já existente, que recebe a titularidade dos
bens e com eles prossegue o fim determinado. Estas fundações não são pessoas coletivas, não lhes
sendo aplicável a nova Lei-Quadro das Fundações e sendo a sua licitude controlada nos termos do art
280º e seguintes do CC.

Formação – 3 fases:
• A instituição
• A elaboração dos estatutos
• O reconhecimento

Instituição: negócio jurídico unilateral, entre vivos ou mortis causa. Através desse negócio, uma pessoa –
o instituidor – afeta um património a uma pessoa coletiva a criar, com determinados objetos de tipo social.
O ato de instituição, quando celebrado entre vivos, segue a forma prescrita para as doações: escritura
pública quando envolva imóveis (art. 947º/1) e forma escrita nos restantes casos (947º/2)
Quando celebrado mortis causa – trata-se de instituição por testamento (art. 2204º).
O ato de instituição deve indicar, necessariamente, o fim da fundação e os bens que lhe são destinados
(186º/1) ou, pelo menos, deve dar indícios bastantes que permitam, pelas regras da interpretação,
reconstituir esses dois elementos. De outra forma o negócio será nulo por indeterminabilidade do objeto
(280º/1)

Elaboração dos estatutos: devem deles constar todos os elementos que não constem do ato de instituição
– art. 186º/2.

O reconhecimento – art. 188º - 2 parâmetros:


• A idoneidade do fim: ele deve ser considerado de interesse social, pela entidade competente;
• A suficiência patrimonial: os bens afetos devem ser bastantes para a prossecução do fim visado,
não havendo fundadas expectativas de suprimento da insuficiência.

Sociedades civis simples


Estão previstas nos arts 980º a 1021º CC, não estando incluídas nas pessoas coletivas. No art 980º CC é
definido o conceito de contrato de sociedade, definição da qual resulta que é necessária a intervenção
entre duas pessoas que contribuam com bens ou serviços para o exercício em comum de uma
atividade económica que não seja de mera fruição, a fim de repartirem entre si os lucros que dela
resultam.
Para além das sociedades civis simples existem ainda as sociedades comerciais, definidas no art 1º
CSC, sendo tidas como aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem os tipos no
art especificados. Há ainda sociedades civis de tipo comercial, que são as que têm exclusivamente por
objeto a prática de atos não comerciais e que em tudo o resto são idênticas às sociedades comerciais.

A forma do contrato é livre e as alterações que lhe possam suceder exigem unanimidade salvo se
diferentemente estipulado. O regime da administração é semelhante aos da compropriedade, pelo que

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
para ele se remete. Todos os sócios têm igual poder de administrar, mas qualquer deles pode opor-se
aos atos de administração praticados por um outro, cabendo então à maioria decidir. Os sócios têm
direito à distribuição anual dos lucros, feita na proporção do valor das entradas e a cessão de quotas
exige o consentimento de todos os sócios. A responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade é
subsidiária em relação a esta, mas solidária entre os sócios. No entanto, os sócios que não sejam
administradores podem, no contrato, limitar ou excluir a sua responsabilidade pelo passivo social. Pelos
factos ilícitos praticados pelos seus representantes, responde a sociedade, mas se o património for
insuficiente, respondem os sócios. Com a morte de um sócio, a sua quota não é suscetível de constituir
herança, sendo então liquidada em benefício dos sócios restantes. Os sócios podem exonerar-se e podem
ser excluídos.

As causas de dissolução da sociedade são idênticas às da extinção das pessoas coletivas.

Resulta do 980.º que o sócio tem de contribuir para a sociedade para poder entrar (“quem entra na
sociedade, não pode entrar de mãos vazias”).

Há 3 tipos diferentes de entrada:


Entrada que consiste em dinheiro - entrada pecuniária
Entrada em bens diferentes de dinheiro - entrada em espécie
Entrada em serviços - entrada de indústria

Personificação das sociedades civis simples:


• Consenso – As sociedades comerciais têm personalidade jurídica; as sociedades civis sob forma
comercial têm personalidade jurídica.
• Discussão doutrinária – as sociedades civis sob forma civil têm ou não personalidade jurídica?
- As sociedades estão na parte dos contratos e não na parte das pessoas coletivas, o que causou
uma grande discussão sobre o facto de a sociedade ter ou não personalidade jurídica.
➢ O artigo 157.º só prevê associações e fundações e lendo o artigo 980.º e seguintes também
não há nenhum artigo que atribua diretamente personalidade jurídica às sociedades.
Antunes Varela, Mota Pinto: Sociedades civis sob forma civil não têm personalidade
jurídica, pois o 980.º e 157.º e segs não o dizem expressamente.
➢ MC e MRR: Há autores que dizem que é verdade que a lei não constata isto, mas o artigo
157.º diz nos que se pode aplicar às sociedades em que haja alguma analogia de
semelhança. Se uma sociedade se constituir por escritura pública e se registar no registo
nacional de pessoas coletivas (respeitar as regras dos artigos 157.º e seguintes na
formação da sociedade), então forma-se uma pessoa coletiva e a sociedade adquire
personalidade jurídica. Como a associação e a sociedade são semelhantes, se forem criadas
da mesma forma, pode-se, por analogia, aplicar o artigo 158.º/1. Mas, se não se constituírem
por escritura pública, garantidamente que não há.
➢ Oliveira Ascensão: Não há nenhum artigo que nos diga, efetivamente, que as sociedades
têm uma personalidade jurídica, mas há artigos que contra balanceiam este silêncio: – art.
981.º diz que a forma da sociedade é a forma de transmissão dos bens (para haver
transmissão tem de haver 2 pessoas); art. 984.º - dá a entender que existem 2 esferas
jurídicas; art. 990.º - as pessoas só podem ser responsáveis quando alguém vai ter de sofrer
as consequências do atos que praticou perante outra pessoa; art. 996.º - para a sociedade
ter relações com terceiros, esta tem de, efetivamente, existir (caso contrário, a relação era
entre a pessoa e terceiros).

Art. 996.º - Mesmo que uma sociedade tenha personalidade jurídica, ela têm autonomia patrimonial
imperfeita – quem responde é a sociedade ou os sócios: os sócios tornam se como garantes do
pagamento pela sociedade (na falta de bens da mesma), o que faz sentido e é relativamente justo, porque
se os lucros são para eles, é normal que as dividas também o sejam.
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Associações sem personalidade jurídica


Realidade com um elemento pessoal e com organização, mas que não preenchem requisitos para a
personalidade jurídica do art. 158º/167º

Regime:
• Constituídas por contrato – art. 405º e 406º
• Génese contratual explica o que consta do art. 195º/3 → 181º
• Organização é prevista nos estatutos e o funcionamento regulado pelos estatutos e pela lei.
• No que as regras adotadas pelos associados sejam omissas, são aplicáveis as disposições legais
relativas às associações, excetuadas as que pressuponham a personalidade – 195º/1,2ª parte.
• Poderes dos administradores – art. 196º
• Responsabilidade por dividas – art. 198º

Estas pessoas não se tratam de pessoas rudimentares – antes de verdadeiras pessoas coletivas, às quais
tudo é permitido, exceto a limitação da responsabilidade dos associados e o acesso ao quadro de
vantagens administrativas, fiscais e económicas que o Direito pode conceder a determinadas associações.

Comissões especiais
• Arts. 199º, 200º e 201º CC
• Não têm substrato pessoal e organizativo suficientes para se aplicar o art. 195º
• Para garantir uma boa gestão dos fundos, os responsáveis são os elementos integrantes da
comissão ou um terceiro que tenha sido encarregue da administração dos fundos.

Natureza das comissões especiais:


• Teoria associativa: a comissão traduziria uma associação específica entre os seus membros. –
letra do art. 199º
• Teoria da fundação: vê, nas comissões, fundações não reconhecidas ou não personalizadas.
Elas assentariam num negócio fiduciário concluído entre os membros da comissão e os
subscritores.
• Teoria dualista: a comissão, em si, teria, inicialmente, a qualidade de uma associação.
Recolhidos os fundos, estaríamos perante uma realidade de tipo fundacional.
o Prof. Menezes Cordeiro – concorda com a tese dualista com dominante fundacional:
donde o regime legal.

Em termos de personalidade coletiva, as comissões especiais ficam claramente aquém das associações
“sem personalidade”. Resta concluir que não têm personalidade jurídica plena; poderão, apenas, para certos
fins limitados surgir como pessoas rudimentares.

Comunhão
Numa comunhão não há personalidade jurídica. Por vezes, a lei exige que determinados direitos ou
deveres sejam exercidos em conjunto pelos titulares de uma situação jurídica em específico (ex:
casa que foi deixada a vários herdeiros; se houver 5 herdeiros há 5 centros de imputação de normas
jurídicas, mas para a vender todos têm de concordar). Tem semelhanças com pessoas rudimentares.

Pessoas rudimentares
Prof. Paulo Cunha – propôs que ao lado das pessoas coletivas propriamente ditas, haveria que apontar a
categoria das pessoas rudimentares. Tratar-se-ia de realidades a quem a lei recusaria a titularidade de
direitos civis, admitindo-lhes, todavia, direito processuais – tinham personalidade judiciária, mas não
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
tinha personalidade jurídica. Esta figura pode ser generalizada a outras situações parcelares de
personalidade jurídica.
Às pessoas rudimentares podem aplicar-se regras próprias da personalidade coletiva. Mas apenas aquelas
que surjam, expressamente, com essa dimensão. Fora do que a lei preveja, a pessoa rudimentar é
substituída pelos titulares efetivos dos bens em presença. O modo coletivo deve ser apurado caso a
caso.

REPRESENTAÇÃO
A representação é um instituto jurídico que consiste no exercício jurídico em nome de outrem com
imputação jurídica na esfera da pessoa em cujo nome se atua. O ato praticado ou celebrado pelo
representante é juridicamente imputado à autoria do representado.

Exercício Jurídico - Corresponde ao estudo da alteração jurídica.

Representação: Substituição jurídica pela qual uma pessoa atua em nome do interesse e por conta de outra
pessoa, que é designado por representado. – MRR

Representação e substituição:
Na representação ocorre um fenómeno de substituição. O representante substitui o representado no
exercício jurídico.
A representação permite suprir o impedimento, fazendo agir outra pessoa em nome do representado.
Mas não é necessário que o representado esteja impedido, pode simplesmente ser-lhe mais conveniente
fazer-se representar por outra pessoa – ex: representação por advogado.
Na representação, embora a autoria jurídica seja do representado, o agir material é do representante, que
o substitui.
Nem sempre que há substituição há representação. Dá-se também um fenómeno de substituição, por
exemplo, no caso da sub-rogação (artigo 606.º).

Representação e legitimação:
A representação envolve também um fenómeno de legitimação. O representante, não poderia atuar em
nome do representado e não poderia agir sobre bens e interesses do representado, por falta de
legitimidade. Se o fizesse, sem representação, a eficácia jurídica do seu agir não se produziria na
esfera jurídica do representado (art, 268.º - representação sem poderes).
Há, todavia, casos na lei em que é concedida a um terceiro legitimidade para atuar sobre interesses
alheios sem representação. Assim sucede na gestão de negócios (art. 404.º e seguintes).

Representação e interposição:
Ocorre com frequência a interposição de um terceiro, no caso do mandato sem representação (artigos
1180.º e seguintes), em que o mandatário, age em nome próprio e se produz na sua própria esfera jurídica
a respetiva eficácia, ficando obrigado a transferir para o mandante as situações jurídicas adquiridas
nesse exercício.
Há também uma intermediação não representativa no caso do núncio. Na nunciatura, uma pessoa é
designada para comunicar a vontade de outrem, sem, contudo, lhe assistir qualquer margem de
autonomia no agir; o núncio limita-se a transmitir e não a emitir uma declaração da qual constitui um
mero veículo. Constitui um exemplo importante da nunciatura o chamado casamento por procuração
(artigo 1620.º), em que o procurador se limita a exprimir a vontade do nubente.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Atuação em nome de outrem e atuação por conta própria:
Art. 258.º - O representante tem de atuar em nome do representado. Ou seja, o representante tem de
anunciar e deixar claro que não está a atuar em seu nome, mas sim em nome e representação de
outrem.
A outra parte ou as pessoas perante quem o representante atua devem estar informadas de que o seu
interlocutor é um representante e que está a agir em nome do seu representado. Por isso, podem,
segundo o artigo 260.º, exigir que o representante faça prova dos seus poderes dentro de um prazo
razoável sob pena de a declaração não produzir efeitos.
É lícito atuar por conta de outrem sem representação (assim sucede no mandato sem representação -
artigo 1180.º e 1184.º, em que o mandatário age em nome próprio, mas por conta do mandante. A eficácia
dos atos do mandatário sem representação produz-se na sua própria esfera jurídica, ficando este
obrigado a transferir para o mandante as situações e posições adquiridas em execução do mandato. Isto
também sucede na gestão de negócios – artigos 464.º a 472.º).

O interesse no agir representativo:


A representação é exercida tipicamente no interesse do representado. No entanto, pode haver casos em
que haja um concurso ou concorrência de interesses entre o representante e o representando, em que
seja exclusivamente determinante o interesse do representado, ou de terceiro, ou de ambos.

A relação subjacente ou fundamental:


A representação só pode ser entendida em ligação com a relação subjacente, com a situação, posição
ou relação jurídica ao serviço da qual ou para execução da qual vigore o regime representativo.
A relação subjacente ou fundamental constitui a causa jurídica da representação.
Na representação de menores e de maiores acompanhados o representante deve reger o agir
representativo pelos interesses do representado. O mesmo sucede na representação orgânica em
que o titular do órgão da pessoa coletiva deve agir na prossecução do interesse social que lhe for
próprio.
Na representação voluntária, é na relação subjacente, seja ela qual for, que o representante irá
procurar e discernir os critérios do seu agir.

A extinção da relação subjacente ou fundamental determina, em princípio, a caducidade da representação.


O n.º 1 do artigo 265.º assim o estatui expressamente a propósito da procuração, ao determinar a sua
extinção quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base.

Existem 3 tipos de representação: legal, orgânica e voluntária.


Tem sempre de existir uma fonte para qualquer tipo de representação.

1. Legal – tem de ser analisada caso a caso e tem de ser legal. Aplica-se aos menores ou aos
maiores acompanhados.

2. Orgânica – diz-se representação própria, porque a representação orgânica ocorre quando


alguém faz parte de um órgão da pessoa coletiva e atua por conta da pessoa coletiva (o
individuo não existe, só existe a pessoa coletiva) – Aplicam-se as regras das p. coletivas.

3. Voluntária - o paradigma de todos os fenómenos de representação – é a representação


verdadeira ou própria – tem a sua origem na vontade de uma ou duas pessoas (Autonomia
privada).

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Capacidade para o exercício representativo:
Na representação voluntária, o artigo 263.º dispensa a capacidade jurídica do representante e
contenta-se com a sua capacidade natural. Quer isto dizer que um menor ou mesmo um maior
acompanhado podem agir validamente no exercício da representação voluntária desde que o ato praticado
esteja ao alcance da sua capacidade de entender, de querer e de comunicar.
Isto acontece porque aquele que incumbe outrem de praticar atos jurídicos tem a possibilidade de escolher
a pessoa do representante, em função, por exemplo, da confiança que nele deposita e da capacidade
natural que nele reconhece para o exercício representativo. Há uma ligação clara entre este regime e o da
alínea b) do n.º 1 do artigo 127.º. O menor deve poder praticar em representação os atos que já podia
praticar pessoalmente em nome próprio.

Falta ou vícios da vontade:


O representante tem de ter sempre, pelo menos, alguma liberdade no exercício representativo. Se
assim não for, se a totalidade do agir do representante estiver previamente determinado e não lhe sobrar
qualquer autonomia, não se estará perante um representante, mas antes na presença de um núncio. O
núncio limita-se a comunicar uma declaração negocial ou não negocial de outrem sem nada lhe
acrescentar ou modificar, sem um mínimo de autonomia.
Esta dualidade tem como consequência o envolvimento de ambos – representante e representado – na
determinação do conteúdo do ato praticado em representação.

Art. 259.º/1 - a menos que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante
que se deve verificar a falta ou vício da vontade.

Art. 259.º/2: O facto de o representante ter agido de boa fé não evita as consequências da má fé do
representado.

Justificação dos poderes do representante:


Art. 268.º - a representação sem poderes é ineficaz.

Art. 260.º - o terceiro perante quem são invocados os poderes de representação pode exigir a sua
demonstração em prazo razoável, caso a prova dos poderes representativos não seja apresentado no
prazo fixado, o agir do suposto representante fica sem efeito.
A autoria e as consequências jurídicas do ato praticado sem poderes não são imputados ao
representante!

Negócio consigo mesmo:


Chama-se negócio consigo mesmo o caso em que o representante pratica um ato ou celebra um
negócio no qual intervém numa dupla qualidade de representante de ambas as partes, ou
simultaneamente em nome pessoal e em representação de outra parte.
Esta prática não é proibida, mas suscita desconfiança pelo perigo de mistura ou conflito de interesses que
envolve.
Art. 261.º - as partes, se assim se entenderem, podem proceder à anulação do negócio.
A anulabilidade é excluída sempre que o representado tenha especificadamente consentido na
celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.
Art. 261.º/2 – o regime do negócio consigo mesmo alarga-se aos casos em que o representante tenha
substabelecido em outrem os seus poderes.

Representação sem poderes e abuso de representação:


Os pais, no exercício do poder paternal, não têm poderes de representação para a prática dos atos
elencados nos artigos 1889.º e 1992.º, salvo se autorizados pelo tribunal. Se, porém, os praticarem em
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
representação do filho, sem aquela autorização, os atos são anuláveis, mas podem ser confirmados
pelo tribunal – art. 1893.º e 1894.º.
O tutor não tem poderes para a prática dos atos listados no artigo 1937.º. Ver artigo 1940.º/4 e 1941.º
O regime jurídico do artigo 268.º parece adequado para reger, por analogia, os casos em que o titular do
órgão destas pessoas coletivas atue, invocando fazê-lo em seu nome, sem que lhe assistam para
tanto os necessários poderes. A falta de legitimidade para agir em nome da pessoa coletiva tem como
consequência a ineficácia perante a pessoa coletiva do ato praticado em seu invocado nome. A
pessoa coletiva pode ratificar aquela atuação e, assim, assumir a autoria do ato. Se enquanto não o
fizer, o ato não pode ser imputado nem à pessoa coletiva, nem à pessoa singular que o realizou.
Deve ser reconhecido à outra parte o poder de fixar um prazo ao agente sem poderes para que obtenha a
ratificação, tal como previsto no art. 268/3, e de o revogar enquanto não ocorrer a ratificação.
Nas sociedades comerciais, a matéria é regida pelos artigos 192.º, 260.º e 408.º e 409.º. Se o gerente
atuar fora do âmbito destes poderes invocando fazê-lo em nome da sociedade, a sua atuação é ineficaz
perante a sociedade, mas esta pode ratificá-la por deliberação unânime dos sócios.
O regime de ineficácia em relação ao falso representante justifica-se por este não estar a atuar em
nome próprio; a imputação do ato à sua autoria e à sua esfera jurídica seria violentamente contrária
à autonomia privada.
É frequente a atuação de uma pessoa por conta de outra sem poderes de representação, na expetativa
de que os mesmos lhe venham a ser concedidos, mas sem afirmar a sua existência. Assim sucede, por
exemplo, no caso do advogado que ainda não recebeu procuração do seu cliente, mas a quem já foi
conferido o mandato. A atuação nestes casos é feita a título de gestão de negócios representativa (artigo
471.º).
A representação sem poderes não supõe uma atuação juridicamente reprovável por parte do falso
representante. Só é ilícita a invocação consciente de poderes de representação que não existem.
O suposto representado pode ratificar a atuação do falso representante. Se assim fizer, a eficácia dos
atos praticados produz-se na sua esfera jurídica, como se os poderes de representação existissem. A
ratificação tem efeito retroativo e está sujeita à forma exigida para a procuração.
A outra parte no negócio, pode exigir que que o falso representante obtenha a ratificação do ato e fixar-lhe
um prazo para que o faça. Neste caso, a ratificação considera-se recusada se não for feita dentro desse
prazo. Antes de ocorrer a ratificação, a outra parte ou pessoa perante quem o falso representante atuou,
pode revogar ou rejeitar o ato salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do
representante.

Já nos casos de abuso de representação, quem atua tem efetivamente poderes de representação – o
que claramente distingue da falta de poderes. O abuso é um uso incorreto, contrário ao que devia ser.
Pires de Lima e Antunes Varela exigem que o abuso seja consciente, o que o Supremo Tribunal de
Justiça também não prescinde. Pelo que, se houver desvio no exercício dos poderes representativos, mas
o representante não tiver disso consciência, poderá haver incumprimento ou cumprimento defeituoso da
relação subjacente, mas não haverá abuso.
O abuso da representação não acarreta, em princípio, a ineficácia do agir representativo abusivo (art.
269.º). Na representação voluntária, o representante é da livre escolha do representado e o risco de abuso
deve cair sobre ele.
Por isso, o abuso só acarreta ineficácia se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso. Neste
caso, a outra parte já não merece proteção. O abuso deve ser oponível pelo representado à outra parte
desde que esta soubesse que o exercício era abusivo, ou estivesse em condições de se aperceber
do abuso.

Na representação sem poderes não existe uma relação jurídica entre o falso representante e o suposto
representado. A atuação do falso procurador é ineficaz em relação ao suposto representado. Este
tem o poder potestativo de ratificar a atuação do falso procurador e assumir, assim, os atos que
este praticou em seu nome. Mas não é obrigado a fazê-lo. Aqueles perante quem os falsos poderes de
representação foram invocados também nenhum poder têm contra o suposto representado. Este fica
assim eficazmente protegido contra o falso representante e em relação a terceiros.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
Em relação ao falso representante e aquele perante quem age, é este que fica protegido. Enquanto não
houver ratificação pelo suposto representado, o terceiro pode revogar ou rejeitar o ato ou negócio
celebrado e pode ainda fixar um prazo para que o falso representante obtenha a ratificação, passado o
qual se considera que foi recusada.

No abuso da representação, o representado fica vinculado face aqueles perante quem a


representação foi invocada. O representado pode exigir do representante infiel a indemnização dos
danos sofridos. Mas não pode opor aos terceiros o abuso, salvo quando consiga demonstrar que estes
conheciam ou deviam conhecê-lo. Tendo sido concedidos poderes de representação, o risco do abuso
recai sobre o representado, que escolheu o representante e não controlou eficazmente a sua atuação.

A procuração:
A procuração é um negócio jurídico unilateral pelo qual alguém confere a outrem poderes de
representação (já o mandato é um negócio bilateral).
A procuração pode constituir mais de um procurador e os poderes constituídos podem ser exercidos
perante uma ou mais pessoas.

Outorga da procuração:
A procuração é outorgada através de uma declaração de vontade. Na maior parte dos casos esta
declaração é expressa.

Procuração tácita e procuração aparente:


Procuração tolerada – alguém invoca poderes de representação de outrem que, embora lhos não tenha
expressamente concedido, tem conhecimento e tolera essa atuação, permitindo assim que seja criada
uma situação de aparência de representação e de confiança, por parte de terceiros, na efetiva vigência
dos invocados poderes de representação.

Procuração aparente – ocorre quando alguém invoca poderes de representação de outrem e afirma atuar
em seu nome, sem que o suposto representado lhe tenha conferido esses poderes e sem que se tenha
conhecimento de que assim sucede, embora pudesse e devesse saber que assim sucedia, se tivesse
agido com a diligência devida.

A procuração tolerada tem o valor de procuração tácita quando a existência dos poderes de representação
seja de concluir, com toda a probabilidade, do comportamento tolerante daquele de quem a representação
é invocada. Sempre que a procuração deva obedecer a uma forma especial, o art. 217.º/2 exige que se
verifique essa mesma forma dos factos dos quais a concludência resulta. Se assim não for, não deixa de
haver procuração tácita, mas a sua validade será prejudicada pela falta de forma. Quando a concludência
não existir, ou não for suficiente para preencher os requisitos do art. 217.º, não haverá procuração tácita e
o caso será de representação sem poderes.

Vicissitudes da procuração:
• Instruções – muitas vezes, o constituinte tem o poder de instruir o procurador sobre o modo como
deve agir no exercício dos poderes representativos que lhe estão conferidos. É um poder
potestativo a cujo exercício o procurado está sujeito.
• Modificações – o conteúdo da procuração pode ser modificado depois da sua outorga. As
modificações da procuração só podem ser opostas a terceiros, segundo o art. 266.º, quando
tenham sido levadas ao seu conhecimento ou sejam por eles conhecidas no momento da
conclusão do negócio.

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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
• Revogação da procuração - Segundo os n.º 2 e 3 do artigo 265, em princípio, a procuração é
livremente revogável pelo constituinte, mas não pode ser revogada sem justa causa ou sem o
acordo do interessado. A irrevogabilidade da procuração nunca é absoluta – pode sempre ser
revogada com o consentimento de todos os titulares dos interesses fundamentais e quando ocorra
justa causa de revogação.
• Extinção da procuração – a procuração extingue-se por revogação pelo constituinte, por
renúncia do procurador, pelo decurso do prazo ou pela verificação de uma condição
resolutiva e em consequência da extinção da relação fundamental.
• Eficácia interna e externa das vicissitudes da procuração – art. 266.º/1: as modificações e a
revogação da procuração só são oponíveis a terceiros depois de terem sido levas ao seu
conhecimento ou de serem deles conhecidas.

O substabelecimento:
O procurador pode conferir a outra pessoa os poderes de representação que lhe foram conferidos pela
procuração.
O substabelecimento pode ser feito com reserva – o procurador e o substabelecido mantêm em concurso
os poderes de representação e qualquer deles os pode exercer – ou sem reserva – cessam os poderes do
procurador inicial que substabeleceu os seus poderes.

Art. 264.º/3 – o procurador só é responsável perante o constituinte pela atuação do substabelecido quando
tenha culpa na sua escolha ou nas instruções que lhe tenha dado.

A forma da procuração:
O regime geral é o da liberdade da forma dos atos jurídicos.

Requisitos da representação: alguém atua em nome de outrem, atuar no interesse de outrem, atuação
por conta do representado, efeitos jurídicos produzem-se diretamente na esfera jurídica do representado.

BENS
Os bens são os meios, são tudo aquilo que não seja pessoa e que tiver uma utilidade, isto é, que for
apto a satisfazer uma necessidade, a realizar uma apetência ou a alcançar um fim.
Para o direito só são bens os meios que sejam juridicamente idóneos – juridicamente afetados à
realização de fins lícitos.
Ao contrário das pessoas, as coisas têm fins extrínsecos que se situam fora delas e ao serviço das
pessoas.
É esta dupla dimensão de utilidade e licitude do seu aproveitamento pelo homem que exprime a
essência da coisa, e não a sua simples colocação como objeto da relação jurídica. As coisas existem no
mundo para serem aproveitadas pelas pessoas, para servirem os seus fins, mas não de qualquer modo –
apenas no âmbito da sua utilidade dentro dos limites da licitude.

Artigo 202º:
Em sentido jurídico, coisa é tudo aquilo que, não sendo pessoa, tenha utilidade, individualidade e seja
suscetível de apropriação.
Para que uma coisa possa ser considerada jurídica, tem de ter os seguintes requisitos:
• Existência autónoma ou separada/individualidade: neste sentido, uma casa é uma coisa, mas já
não o é cada um dos tijolos das suas paredes.
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TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I Matilde de Alves Barata
• Serem suscetíveis de apropriação privada, pelo que se excluem bens como o ar, as estrelas, os
planetas ou a luz solar.
• Utilidade: é necessário que a coisa consiga satisfazer interesses ou necessidades humanas, uma
gota de água, por exemplo, não consegue.

Classificação das coisas (Artigo 203º):


O artigo 203º não tem conteúdo percetivo e nem impõe aquela série de classificações, nem exclui outras –
é simplesmente indicativo.

Coisas, bens, objetos?


Inicialmente, no direito romano a expressão “coisa” (res) era associada ao sentido material, enquanto ius
correspondia às realidades jurídicas (o direito).
A evolução traz noções que não são nem sentido material nem realidades jurídicas. Ex.: Aspetos da
personalidade (integridade física; direito à vida) – aspetos que dizem respeito às pessoas, mas não são
“Coisas”.

Objeto: porção delimitada da realidade – algo que tem limites que permitem identificar e separar
relativamente a outros objetos (ex.: as nuvens não são objeto para o direito, no entanto se cair água em
cima de um carro (estando assim limitada) já tem relevância jurídica):
• Coisas
• Realidades que não são coisas (aspetos da personalidade humana)

Coisas: porções delimitadas de realidade exteriores ao homem – livres de qualquer referência humana

Coisas corpóreas: aquelas que têm existência exterior, que se revelam aos sentidos, que são
sensorialmente constatáveis. São suscetíveis de posse.
• Coisas materiais → que se compõem de matéria, que têm dimensões, volume e massa (ex.:
prédios; estatuas; ferramentas;)
• Coisas imateriais → que não têm matéria, mas têm realidade e existem na natureza. A sua
autonomização exige um lugar onde elas possam ser armazenadas ou delimitadas (têm existência
física) (ex.: eletricidade; ar da atmosfera)
Art. 1302º - limita o objeto do direito de propriedade às coisas corpóreas

Coisas incorpóreas: são aquelas que só se revelam ao intelecto humano – não podem ser
apreendidas pelos sentidos; têm existência meramente social, não existindo no mundo físico (ex.: bens
intelectuais – marcas; obras literárias; ouvir música, que apesar de ser algo apreendido pela audição se
trata de uma coisa incorpórea);
As coisas incorpóreas abrangem 3 categorias:
• Bens intelectuais - obras literárias ou artísticas, inventos e as marcas. As obras literárias são
criações de espírito exteriorizadas por qualquer forma, linguística, musical, plástica ou cinética; os
inventos traduzem descobertas científicas; as marcas são sinais distintivos de coisas ou serviços.
Todas estas realidades não devem ser confundidas com o documento ou o suporte material em
que se encontram gravadas. Enquanto realidade incorpóreas, apenas na mente humana se
consubstancia o bem intelectual, assim, uma vez divulgado, o bem intelectual não poder ser
apropriado ou controlado por uma única pessoa. Perante um bem intelectual, o Direito só pode agir
de 2 formas, quando queira defendê-lo: em termos morais, evitando a sua modificação ou que
quem não tenha sido o seu autor se passe por ele; em termos económicos, atribuindo a alguém,
normalmente ao seu autor, o exclusivo material do seu aproveitamento.
• Prestações - conduta humana. O direito pode atribuir a alguém, o credor, o poder de exigir a
outrem, o devedor, uma certa atuação, a prestação. Assim, o devedor está obrigado a uma certa
conduta, a prestação, face ao credor, que pode lhe pode exigir essa mesma conduta (Art. 397º).
Como conduta humana virtual, a prestação apenas existe em abstrato, só no momento do

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cumprimento ela passará a ter uma consistência no mundo dos factos. Economicamente, ela
corresponderá a um serviço.
• Quia jurídicos - figurações técnicas e sociais. A análise dos quia jurídicos permite distinguir 2
grandes categorias: aquela em que o direito é considerado “coisa” apenas forma de referir a própria
realidade sobre que ele recaia e a que se prende com a figura do direito sobre outro direito.

E os direitos? Podem ser considerados coisas incorpóreas?


Os direitos, não são propriamente bens, mas antes a efetuação jurídica de bens à realização de
determinados fins pessoais. Considerar os direitos como coisas incorpóreas ou como bens é usual na
linguagem jurídica do quotidiano e não passa de uma facilidade de expressão. Essa facilidade de
expressão não deve, contudo, ser considerada correta porque envolve a confusão entre o direito, que é a
afetação jurídica do bem, e o bem que é o objeto do direito, isto é, entre o bem e a sua afetação jurídica.

Coisas no comércio e coisas fora do comércio:


O artigo 202º, nº2 refere as coisas fora do comércio como todas as “que não podem ser objeto de direitos
privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis
de apropriação”.
Esta definição traz implícita uma dicotomia entre as coisas que estariam fora do comércio por razões
jurídicas, e que seriam as que estão no domínio público, e as que estão fora do comércio por razão da
sua natureza, e que seriam as coisas insuscetíveis de apropriação.
Todavia, as coisas que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação não são coisas em sentido
jurídico. Também as coisas que estão juridicamente fora do comércio não se esgotam nos bens do
domínio público.
Além das coisas que integram o domínio público, ainda estão fora do comércio os baldios (terrenos que se
encontram numa situação e num regime de uso e fruição comunitários segundo os usos e costumes, com
origem imemorial – são assim insuscetíveis de apropriação particular, mas também não se encontram no
domínio público – são qualificáveis como coisas comuns) → A lei define-os como “terrenos possuídos e
geridos por comunidades locais”. Constituem, em regra, logradouro comum, designadamente para efeitos
de apascentação de gados, de recolha de lenha ou de matos, de culturas e outras fruições, nomeadamente
de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola. São, em princípio, inalienáveis e indisponíveis.
Pode haver ainda outras coisas que são colocadas por lei, fora do comercio, por razões especificas. São
disso exemplo, entre outras, espécies de animais ou vegetais protegidos.

Baldios – forma de utilização de um bem que não passa pela apropriação, é outra forma de entender a
relação entre a pessoa e uma coisa; as coisas são utilizadas sem apropriação. Terreno ou parte de um
terreno (lagar, moinho) que é possuído e gerido por uma comunidade local e que é designado por
logradouro – quintal - comum dos compartes. Não são bens de domínio público, só as pessoas daquela
comunidade local é que podem utilizar o baldio. Não têm personalidade jurídica. Não podem ser objeto
de sucessão. São geridos coletivamente e podem extinguir-se por deliberação unânime da assembleia de
compartes.

Lei de 2017 – 17/2017: faz um compromisso entre uma figura democrática e uma figura tradicional dos
baldios. Os bens podem ser utilizados por qualquer morador da área do baldio de acordo com os
costumes ou deliberações – art. 3.º. Não há uma utilização em comum, mas sim individual por parte de um
conjunto de pessoas de um bem que é comum. Art. 6.º/2 – estão fora do comércio.

Coisas móveis e imóveis:


Artigo 204.º (Coisas imóveis)
1. São coisas imóveis:

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a) Os prédios rústicos e urbanos;
b) As águas;
c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo;
d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores;
e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos.
2. Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham
autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de
logradouro.

3. É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.

A técnica legal é de que tudo o que não está exposto neste artigo é considerado “coisas móveis” – no
entanto, há coisas que escapam ao legislador que devem ser consideradas “coisas imóveis” como
estradas, pontes, fontes, etc.
Devemos considerar que o artigo é apenas enunciativo e não taxativo.

As coisas imóveis estão sujeitas a registo público, já as coisas móveis não estão, exceto as coisas
móveis que estão em constante movimento. O legislador sujeitou a registo público as coisas móveis
que se mexem, como o avião ou os automóveis. É muito importante saber quem é o proprietário e quem
tem direitos sobre estas coisas.

À partida, coisa imóvel corresponde á terra/solo, uma porção limitada da crosta terrestre, sendo
móveis as restantes. Desta forma, foram equiparadas á terra, realidades a ela estreitamente ligadas e,
depois, alguns bens económica e socialmente mais significativos. Todas as outras coisas foram deixadas
para o campo dos meros móveis. A distinção tinha o sentido de sujeitar os imóveis a regras mais
precisas e rigorosas. No entanto, com o passar do tempo, deixou de haver uma formalização, assim, a
categoria acaba por depender do Direito, exprimindo as realidades a que a lei atribua a caraterística de
imobilidade.

Quando sejam desligados do solo, tanto as águas, como as árvores, arbustos e frutos naturais ganham
individualidade própria e tornam-se coisas autónomas → Assim sucede com as arvores que depois de
cortadas ou desenraizadas deixam de pertencer ao imóvel e tornam-se coisas moveis.

Prédio urbano e rústico:


O prédio rustico é uma porção delimitada do solo ao qual acrescem as construções que nele estejam
implantadas. (Só devem considerar-se prédios rústicos quando se encontrem na propriedade privada de
alguma pessoa singular ou coletiva.)
Ex: no pomar tenho uma casa de tijolo onde guardo os instrumentos de rega, as coisas para pulverizar as
arvores – é uma edificação de apoio ao prédio rústico, está ao serviço do solo; se eu tiver um olival posso
ter num olival um lagar, que o apoia na medida em que permite fazer o vinho). – a edificação tem um papel
secundário.
O prédio urbano é também o solo onde esteja erigido um edifício e ainda o solo que sirva de logradouro
a esse edifício, além do edifício propriamente dito.
Ex: fábrica, prédio, armazém, estrada – a edificação tem um papel principal.
Em qualquer dos casos, o prédio é fundamentalmente o solo. Se sobre o solo não existirem edificações, o
prédio é rustico; se existirem edificações, poderá ser rústico ou urbano consoante, no conjunto, sejam
económica e funcionalmente dominantes o solo ou as edificações.

Noção de edifício → (conceito pré-jurídico) – construção que pode servir para fins diversos (habitação,
atividades comerciais ou industriais, arrecadação de produtos, etc.), constituída necessariamente por
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paredes que delimitam o solo e o espaço por todos os lados, por uma cobertura superior (telhado ou
terraço), normalmente por paredes divisórias interiores e podendo ter vários pisos.
Nem sempre, porém, a toda a construção com estes requisitos corresponde, juridicamente, um prédio
urbano. Se a uma casa principal estão anexas construções de carácter secundário (casa do porteiro,
garagem, galinheiro) deve entender-se que estamos perante um único prédio urbano, não obstante a
pluralidade de construções que o integram.

Critérios de distinção:
Critério Funcional → O prédio é rústico se a sua utilidade própria residir principalmente no solo, tendo
as edificações que nele existirem uma utilidade apenas instrumental ou acessória; O prédio é
urbano se a sua utilidade estiver principalmente nas edificações, servindo o solo apenas de seu
suporte físico ou de logradouro;
Critério fiscal: classifica como prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano
que não sejam de classificar como terrenos para construção, desde que estejam afetos ou tenham como
destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas ou, na falta dessa afetação, não se
encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de caracter acessório, sem
autonomia económica e de reduzido valor; e ainda os terrenos, situados dentro de aglomerados
urbanos, mas que aí não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só a possam ter de
rendimentos agrícolas, os edifícios diretamente afetos à produção agrícola, as águas e as plantações. São
urbanos, residualmente, os que não forem rústicos. Sempre que o prédio tenha uma parte rústica e outra
urbana é unitariamente classificado “de acordo com a parte principal”, ou como prédio misto, se nenhuma
parte puder ser classificada como principal.
Em conformidade com o critério legal, não devem considerar-se prédios urbanos, mas partes
componentes dos prédios rústicos, as construções que não tenham autonomia económica – adegas,
celeiros, etc. assim como não devem ser considerados prédios rústicos os logradouros de prédios urbanos
– jardins, pátios, quintas, etc. Ao logradouro deve ser atribuída a mesma natureza do edifício a que está
ligado.

Partes Integrantes → todas as coisas móveis que estejam ligadas materialmente ao prédio com
carácter de permanência, sendo que se as retirarmos a coisa não fica incompleta.
As partes integrantes são coisas originariamente móveis e autónomas que foram integradas com
carácter de permanência numa coisa imóvel e que passaram, assim, a fazer parte dela, perdendo a
individualidade e autonomia que tinham antes e deixando de existir como coisas. É o caso, por exemplo
de um elevador, ou de uma escada rolante, ou de um equipamento de ar condicionado, que sejam
montados e integrados num imóvel de modo permanente. Não obstante poderem vir a ser desmontados e
separados do imóvel – caso em que recuperam a sua autonomia como coisas móveis -, enquanto
estiverem integrados no imóvel, tornam-se parte dele, são absorvidos por ele, são imobilizados. Também
podem existir partes integrantes em bens móveis – art. 204.º/3
Ex.: motores elétricos, instalações de água e luz, ferros de uma ramada, caixilho de um quadro, fechadura
de uma porta;
A alienação de partes integrantes não tem de ser feita por escritura pública e confere apenas ao
adquirente até ao momento da separação, um simples direito de crédito inoponível a quem adquira,
entretanto, sobre o prédio, um direito real incompatível;

Art. 408.º n.2º - o negócio sobre parte integrante só produz efeitos depois de a parte integrante ser separada.

Parte componente – parte ligada materialmente à coisa; é elemento constitutivo/estruturante da


coisa; sem ela a coisa ou não existe ou é imperfeita. ex: uma casa sem paredes não é uma casa – as
paredes são parte componente.

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Regras de forma – os negócios sobre coisas imóveis estão sujeitos a uma forma especialmente solene; há
certos direitos que são privativos de coisas imoveis ou moveis. Arrendamento, por exemplo, é um negócio
que só existe para coisas imoveis. Aluguer, por exemplo, só existe para coisas móveis.
Águas:
Enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou negócio jurídico, as águas são
partes componentes dos respetivos prédios, tal como a terra, as pedras, etc. Quando desintegradas,
adquirem autonomia e são consideradas móveis.

Coisas simples e complexas; compostas e coletivas:


Artigo 206º - Coisas Compostas

1. É havida como coisa composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que,
pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário.

2. As coisas singulares que constituem a universalidade podem ser objeto de relações jurídicas
próprias.

Coisas simples

Compostas
Coisas complexas Coletivas em sentido estrito
Coletivas
Universalidades de facto

Coisa simples → as coisas que não podem distinguir-se em mais de uma coisa; coisas que, segundo os
usos da vida e de acordo com um critério jurídico-económico, são consideradas como uma unidade,
entrando assim nas relações do comércio jurídico; - ex.: relógio, anel com pedras preciosas, etc;

Coisas complexas → Uma coisa pode integrar na sua unidade uma pluralidade de coisas sempre que a
utilidade que tenha em si coexista com as diferentes utilidades que tenham as partes que a integram,
➢ Coisas compostas → Têm um tratamento jurídico unitário, mas cujas partes integrantes,
enquanto não forem separadas, não são juridicamente tratadas como coisas. ex.: rebanho,
biblioteca, etc;
➢ Coisas coletivas em sentido estrito → visa o conjunto e não os elementos isoladamente
considerados (ex.: o fato de homem/ par de sapatos)
➢ Universalidades de facto – têm um tratamento jurídico individual autónomo, sem prejuízo da
individualidade jurídica dos seus componentes.
→ não são bens jurídicos nem coisas, mas antes formas especiais de tratamento globalizado de
situações jurídicas – não desempenham qualquer função económica própria, mas a lei unifica para
certos efeitos jurídicos; (ex.: herança – o herdeiro pode invocar um direito único sobre todo o
acervo hereditário, independente e distinto dos que lhe cabem sobre os vários elementos
componentes.

Automóvel – coisa composta


Biblioteca – universalidade de facto
Rebanho – universalidade de facto
Baralho de cartas – coisa coletiva em sentido estrito

Coisas fungíveis e infungíveis:


Artigo 207º (Coisas fungíveis)

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São fungíveis as coisas que se determinem pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objeto de
relações jurídicas.

São fungíveis as coisas que intervêm nas relações jurídicas não in specie, isto é, como individualmente
determinadas, mas in genere, isto é, enquanto identificadas somente através de certas notas genéricas
(mais ou menos precisas) e da indicação duma quantidade, a verificar por meio de contagem, pesagem ou
medição.
As coisas fungíveis quando são objeto de relações jurídicas, podem ser substituídas, não sendo
verdadeiramente importante a sua identidade concreta.
Ex.: quando se compra uma dúzia de cadernos sem que seja importante se se trata deste ou daquele
caderno, ou vinte litros de gasolina.
A moeda é a mais fungível das coisas, embora quando usada fora da sua função monetária, como
objeto de coleção, por exemplo, possa deixar de o ser.
Quando se paga uma quantia em dinheiro, é indiferente a identidade concreta das notas e moedas
usadas. Quando, porém, um colecionador adquire uma moeda rara, já a sua identidade concreta é
determinante e a coisa é, então, infungível, porque já não é indiferente que se trate daquela ou de outra
moeda e não é admissível a livre substituição.
→A mesma coisa pode ser fungível ou infungível consoante o negócio realizado;
As coisas fungíveis quando constituem objeto de obrigações dão lugar às chamadas obrigações genéricas
– artigo 539º e seguintes.

Coisas consumíveis e inconsumíveis:


Artigo 208º (coisas consumíveis)

São consumíveis as coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou a sua alienação.

O uso regular a que se refere a lei, é o uso que à coisa é dado como bem, isto é, como meio próprio para
a satisfação da necessidade ou para a persecução do fim que é próprio da sua utilidade.
Um livro é uma coisa não consumível, porque a sua leitura não causa a sua destruição ou alienação. →
é verdade que um livro pode ser utilizado para acender uma lareira, mas não é essa a utilidade especifica
do livro como bem jurídico. Do mesmo modo uma vela é consumida ao ser utilizada na sua utilidade
própria de iluminar, embora possa deixar de o ser se for simplesmente utilizada como objeto de
decoração.
Uso regular também se refere a: para um livreiro o uso regular dos livros não é a sua leitura, mas sim a
sua venda, ou seja, a sua perda para o património do livreiro → neste caso o livro já se trata de uma coisa
consumível;
Há coisas consumíveis que perdem a sua existência e se extinguem ao serem consumidas, como
sucede com os combustíveis, mas também há umas que, sem perderem a sua existência física, são
integradas noutras, ou são transformadas ou modificadas em termos tais que perdem a sua
individualidade e autonomia como coisas – é o caso de matérias primas utilizadas na indústria
transformadora;
As coisas consumíveis ao serem consumidas extinguem-se como coisas, ainda que, numa perspetiva
puramente física ou química, a sua matéria possa continuar a existir naquelas outras coisas a que vieram
a dar origem.

Coisas divisíveis e indivisíveis


Artigo 209º (coisas divisíveis)

São divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou
prejuízo para o uso a que de destinam.

O critério de divisibilidade jurídica das coisas assenta em três fatores: a substância, o valor e o uso.
Só podem ser tidas como divisíveis juridicamente as coisas que possam ser cindidas em partes, sem que
percam a sua substância, sem que se reduza o seu valor e sem que o seu uso próprio seja
prejudicado. → se faltar uma destas características, a coisa é juridicamente tida como indivisível.

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Ex.: Um avião deve ser classificado como coisa indivisível, embora seja desmontável num grande número
de peças, uma vez que, se for dividido em asas e motores, deixa de poder voar e perde
consequentemente a sua utilidade específica e a sua substância como avião.
Se eu tiver uma garrafa de chá e dividir o chá por 5 canecas, este não perde o seu valor.

A indivisibilidade por ser natural ou substancial, como será o caso de um quadro a óleo, ou legal, como
será o caso de um terreno rústico com uma área que, depois de dividida ficasse inferior à unidade mínima
de cultura, ou de um lote de terreno para construção que, segundo o respetivo regime urbanístico, não
possa ser dividido.

Coisas presentes e futuras:


Artigo 211º (coisas futuras)

São coisas futuras as que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração
negocial.

A lei considera como coisas futuras as coisas que ainda não existem e também as coisas alheias, isto é,
aquelas que já existem, mas que a pessoa que delas dispõe não tem ainda em seu poder ou às quais não
tem ainda direito.
Ex.: coisas futuras – ações de uma companhia ainda não emitidas; frutos ainda não produzidos;
mercadorias ainda não fabricadas;
Em relação às coisas alheias, estas têm de ser consentidas pelas partes, e aplica-se num negócio
jurídico o regime relativo a coisas futuras e não a bens alheios.

2 tipos de coisas futuras:


Objetivamente / absolutamente futuras – A coisa ainda não existe, mas pressupõe-se que virá a existir.
ex: vendo a produção das batatas do meu terreno do ano de 2030.
Subjetivamente / relativamente futuras – A coisa já existe, mas ainda não está na posse do alienante.
Ex: prometo a x vender lhe uma casa que já existe, mas ainda não é minha.

Venda de bens alheios – art. 892.º - digo que o bem que estou a vender é meu, enquanto não é.
DIFERENTE DE
Venda de bem relativamente/subjetivamente futuro - Art. 893.º - a venda de bens alheios fica sujeita ao
regime de bens futuros se as partes os considerarem nesta qualidade + art. 408.º/2 – a propriedade só se
transmite quando o alienante ele próprio se tornar dono. No momento exato em que o alienante se torna
dono, o comprador do bem também se torna dono.

Venda de bem objetivamente/absolutamente futuro – a propriedade transmite-se quando a coisa for


adquirida pelo alienante. Se o alfaiate vende um fato, quando o fato ficar pronto, passa automaticamente a
ser propriedade do comprador.

Art. 880.º - o vendedor fica com o dever de colher os frutos, de separar o motor do carro… O vendedor
tem de fazer o necessário para se tornar dono.

Coisas principais e acessórias:


Artigo 210º (coisas acessórias)

1- São coisas acessórias, ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão
afetadas por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra.

2- Os negócios jurídicos que têm por objeto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário, as
coisas acessórias.

As coisas acessórias são coisas móveis que desempenham uma função instrumental ou ancilar em
relação à coisa principal, que se traduz na afetação ao serviço ou à ornamentação da outra. São coisas
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auxiliares de outras. → Esta afetação tem de ser duradoura, não sendo suficiente que seja instantânea ou
acidental (no entanto também não pode ter carácter permanente, pois tratar-se-ia então de partes
integrantes).
O preceito contido no nº2 pode suscitar algumas dúvidas. Contraria a regra legal de que “o acessório
segue o principal” – o adquirente da coisa principal tem, por isso, o interesse em fazer constar do contrato
quais as pertenças que são abrangidas pelo negócio.
Ex.: a compra e venda de uma casa de habitação não inclui em princípio a respetiva mobília, nem os
equipamentos que lhe não estejam ligados materialmente de modo permanente, e de entre estes abrange
apenas o que for convencionalmente estipulado.
Nem a letra nem o espírito da lei exigem que a estipulação seja expressa. Pode resultar de declaração
tácita, da interpretação ou da integração do negócio, do costume, das circunstancias em que foi
celebrado, ou do tipo legal do contrato que, ainda que não expressamente estipulado, esteja subentendido
ou implícito no contrato, tal como entendido entre as partes, que algumas pertenças acompanhem a coisa
principal, e que isso seja de tal modo óbvio que as partes nem sequer se tenham dado ao trabalho
de o estipular expressamente (ex.: a compra e venda de um par de sapatilhas é obvio que abrange os
respetivos atacadores).
Em caso de dúvida, entendem-se por excluídas as coisas acessórias. No entanto, pode entender-se
que o contrato deve abranger as coisas acessórias que seja costume abranger, se algum costume houver
nesse sentido, bem como as coisas acessórias que sejam legalmente obrigatórias para a utilização da
coisa principal.

Carvalho Fernandes e Oliveira Ascensão: Procurando delimitar os problemas práticos suscitados pela
impensada solução do artigo 210.º/2, Castro Mendes propôs a manutenção das diferenças entre coisas
acessórias (não comprometem a utilidade da coisa principal, têm valor autónoma e são desafetáveis) e
pertenças (comprometem a utilidade da coisa principal e não têm valor autónomo a nível económico
quando ligadas à coisa principal). O artigo 210.º/2 aplicar-se ia às primeiras; não às segundas.
Menezes Cordeiro: esta diferença entre coisas acessórias e pertenças não é viável, pelo que a coisa
deverá sempre ser vendida com o seu acessório quando ele seja necessário para realizar a sua função.

Diferença entre coisa acessória e parte integrante: a parte integrante está ligada materialmente à coisa
e só pode ser tirada mediante um profissional que a retire com ferramentas necessárias, para destruir a
ligação material.

Coisas frutíferas e infrutíferas: os frutos


Artigo 212º (Frutos)

1- Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância.

2- Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm diretamente da coisa, e civis as rendas ou
interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.

3- Consideram-se frutos das universalidades de animais as crias não destinadas à substituição das cabeças
que por qualquer causa vieram a faltar, os despojos, e todos os proventos auferidos, ainda que a título eventual:

Artigo 213º - Partilha de frutos

Artigo 214º - Frutos colhidos prematuramente

Artigo 215º - Restituição de frutos

A definição de fruto parte da conceção extrajurídica de fruto como algo que é produzido e introduz-lhe
duas características delimitadoras: a periodicidade da sua produção e a preservação da substância
da coisa frutífera.
Não deve ser tido como fruto tudo o que for necessário para manter a integridade da coisa frutífera e a sua
capacidade de frutificação. – ex.: o resultado da colheita de fruta num pomar só deve ser tido como fruto

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naquilo em que exceda o custo do investimento necessário à sua frutificação seguinte, pelo que devem ser
deduzidas as despesas de frutificação.

Frutos naturais - os produtos da frutificação natural da coisa, que ocorra em virtude das leis da
natureza;
Frutos civis - os que sejam produzidos de acordo com a lei civil.
Frutos
Ex.: pendentes
as uvas - estão
colhidas ainda ligados
anualmente à coisa
na vindima frutífera;
e as rendas pagas periodicamente pelo arrendatário são
respetivamente frutos naturais e frutos civis.
Frutos separados - que dela foram já desligados, colhidos ou consumidos;

Vendi um terreno com muitos sobreiros, mas antes de entregar o terreno tirei a cortiça das árvores
e vendi a R.
A quem é que pertence a cortiça? A cortiça é um fruto natural, porque os sobreiros periodicamente
geram cortiça. Os frutos naturais, enquanto estão ligados ao imóvel, fazem parte do imóvel – art. 204.º/1c.
Deste modo, a cortiça pertence ao proprietário do terreno – artigo 408.º/1 – a propriedade transmitiu-se
imediatamente.
Quando vendi a cortiça das árvores a R, estou a vender um bem alheio, pelo que a venda é inválida – art.
892.º.

EXCEÇÕES: Tenho uma macieira, faço um contrato válido em que vendo as maçãs – art. 408.º/2 – se
estiver em causa a transmissão de frutos naturais esta só se realiza no momento da colheita (só quando
estes ainda estão ligados materialmente ao bem imóvel/coisa principal). A partir do momento em que eu
colher as maçãs, a propriedade transfere-se.

As benfeitorias:

Artigo 216º (Benfeitorias)

1- Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.


2- As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3- São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis
as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias
as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas
para o recreio do benfeitorizante).

São benfeitorias todas e quaisquer despesas feitas com o fim de conservar e melhorar
objetivamente a coisa. Todas as despesas e ações de conservação, de manutenção e de
melhoramento da coisa parecem estar abrangidas pelo atual conceito legal de benfeitoria.

Benfeitorias necessárias – têm por fim evitar a deterioração da coisa – benfeitorias sem as quais a
coisa sofreria perda, destruição ou deterioração.

Benfeitorias úteis – aumento do seu valor objetivo – despesas que não são necessárias, no sentido
que têm por fim evitar o prejuízo da coisa, mas que têm por resultado o aumento do seu valor objetivo.

Benfeitorias voluptuárias – despesas que não sejam necessárias nem aumentem o valor da coisa,
mas sirvam apenas para o recreio do benfeitorizante – o benefício emergente da benfeitoria produz-se
apenas na pessoa do seu autor que tem com elas um prazer acrescido no desfrute da coisa.

Muitas vezes a parte integrante e a benfeitoria coincidem!

Emprestei um bem e a pessoa vendeu-o, sendo que o comprador pintou a mota e arranjou os
travões. QUID IURIS?
Isto trata-se de uma venda de bem alheio, pelo que é nula – isto não é relevante neste caso.
O comprador realizou benfeitorias na mota.

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Apesar do comprador não ser dono, alega que tem de ser indemnizado porque realizou certas benfeitorias
– artigo 2173.º a 2175.º - mesmo que o comprador soubesse que a venda era de bem alheio, as
benfeitorias necessárias são sempre indemnizáveis. Em princípio, na benfeitoria útil e voluptuária deve se
retirar a benfeitoria, mas quando isto causar danos na coisa, deve haver indemnização.
Quando se vende ou quando se doa uma coisa, quando é que se transmite a propriedade? art.
408.º/1: Sempre que haja um contrato que visa transmitir ou conceder um direito real, o direito é adquirido
no momento do acordo de forma instantânea, desde que o contrato seja válido. Não é necessária a
entrega para que se transmita a propriedade.
Liberdade de forma – art. 299.º

SITUAÇÕES JURÍDICAS

Situações jurídicas – As situações jurídicas resultam do cruzamento entre um acontecimento


concreto da vida real e a aplicação do Direito objetivo. Encontram-se sempre imputadas numa esfera
jurídica (conjunto de situações jurídicas imputadas ao mesmo sujeito).

Relações jurídicas – Relacionamentos das pessoas entre si, com o meio social em que se inserem e com
as coisas que as rodeiam e estão ao seu alcance, que sejam juridicamente relevantes.

Situações jurídicas ativas – o titular é destinatário de uma norma permissiva ou de uma norma que
confere um poder.
vs
Situações jurídicas passivas – o sujeito é proprietário de uma norma proibitiva ou de uma norma que
proíbe uma conduta.

Situações jurídicas simples – são indivisíveis: compõe-se de um único elemento, pelo que, se a esse
elemento for retirado qualquer fator, a situação torna-se ininteligível.
EXEMPLO: pretensão – poder de exigir a outro um comportamento.
vs
Situações jurídicas complexas – são divisíveis: contêm em si outras situações jurídicas autónomas.
EXEMPLO: direito de propriedade (implica uso + fruição + disposição).

Situações jurídicas analíticas – obtêm-se através da redução das realidades jurídicas aos seus
elementos mais elementares. É uma fórmula compreensível através da razão lógico-jurídica.
EXEMPLO: poder de disposição
vs
Situações jurídicas compreensivas – derivam da consideração autónoma, historicamente
consagrada, das mesmas realidades, abrangendo múltiplos elementos; traduzem-se em esquemas
culturais.
EXEMPLO: direito de propriedade.

Situações jurídicas unisubjetivas – produzem efeitos relativamente a apenas um sujeito.


EXEMPLO: um dever de conduta.
vs
Situações jurídicas plurisubjetivas – assentam em mais do que um sujeito.
EXEMPLO: compropriedade.

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Situações jurídicas absolutas – Existem por si mesmas, sem serem dependentes de outra situação de
sinal contrário.
EXEMPLO: Direito de propriedade.
vs
Situações jurídicas relativas – exigem, para a sua compreensão, a existência de uma situação
jurídica de sinal inverso. Estas duas situações jurídicas têm de estar obrigatoriamente em esferas
jurídicas distintas, dado que se assim não fosse elas anular-se-iam.
EXEMPLO: A compra um telemóvel a B. A tem o dever de entregar o dinheiro e o direito de receber o
telemóvel. B tem o dever de entregar o telemóvel e o direito de receber o dinheiro.

Situações jurídicas patrimoniais – têm conteúdo económico, podendo ser avaliadas em dinheiro.
vs
Situações jurídicas não patrimoniais – não têm uma equivalência monetária (apesar de, no fundo,
todas as situações jurídicas poderem ser avaliadas em dinheiro).

DIREITO SUBJETIVO
Direito subjetivo – permissão normativa especifica de aproveitamento de um bem.
• Teoria da vontade – o direito subjetivo é fundamentalmente um poder da vontade, portanto, há
direito subjetivo quando o direito objetivo reconhecer que para um certo efeito a vontade pode atuar
livremente.
o CRÍTICA: os menores não podem ter direitos, porque uma criança com 3 ou 4 meses não
tem vontade relevante.
• Teoria do interesse – o direito subjetivo é um interesse juridicamente protegido pela lei.
• Teoria mista – o direito subjetivo é a vontade juridicamente protegida através da tutela do
correspondente interesse.

Dentro dos direitos subjetivos temos os direitos potestativos:


O direito potestativo é o direito de provocar, unilateralmente, efeitos jurídicos na esfera de outra pessoa,
sem o consentimento da mesma. Ao titular deste direito cabe, segundo o seu livre-arbítrio, atuar ou não o
poder que a norma lhe concede.
• podem ser de exercício judicial ou não – se forem, só se produzem na esfera jurídica de outrem
se ocorrer o recurso ao tribunal.
• podem ter efeitos constitutivos, modificativos, extintivos.

SITUAÇÕES JURÍDICAS ATIVAS

1. Direito subjetivo

2. Direito potestativo

3. Poder – disponibilidade de meios para a obtenção de um fim ou conjunto de fins, cuja utilização o
direito regula de modo unitário.
• Poderes materiais ou poderes jurídicos – consoante os meios disponíveis sejam de
atuação material ou de atuação jurídica.
• Poderes de gozo, de crédito, de garantia ou potestativos – conforme tais meios tenham
por fim o aproveitamento de uma coisa corpórea, a exigência de uma conduta, a
atuação dos esquemas da responsabilidade patrimonial ou a produção de efeitos de
direito unilaterais.

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• Poderes autónomos ou integrados – em consonância com a sua independência ou com a
sua integração em figuras mais vastas.
• Poderes instrumentais – quando se encontram ao serviço de outras realidades.

4. Faculdade – conjunto de poderes ou de outras posições ativas, unificando uma designação


comum.

5. Expectativas
• Expectativas jurídicas – retratam a posição do sujeito num processo de aquisição de
um direito e que é protegido por si, quer desemboque quer não na aquisição desse
direito e subsiste enquanto a possibilidade de aquisição desse direito se mantiver. A sua
violação pode ser indemnizada através de uma indemnização de dano da perda de
chance. Art. 272.º - 273.ºAA
• Expectativas de mero facto – hipótese de evolução futura à qual uma pessoa
empresta maior ou menor verosimilhança, mas que o direito não reconhece.

6. Poderes funcionais – norma que confere um poder, conferida em função do exercício de uma
função e que deve ser exercida no interesse da prossecução dessa função. Poderes
altruístas, pois, são exercidos no interesse do destinatário.

7. Exceções – situação jurídica através da qual uma pessoa adstrita a um poder pode, licitamente,
recusar a efetivação da pretensão correspondente.
• Exceções dilatórias – atrasam, paralisam o exercício do direito alheio.
• Exceções perentórias – extinguem o direito da outra pessoa ou paralisam-no por um
tempo indeterminado. Prescrição – artigo 300.º

8. Proteção indireta e reflexa – há um beneficiário ao qual não é atribuída qualquer norma


permissiva, mas a quem se concede uma certa tutela através da proibição que é adjudicada a
terceiros.

SITUAÇÕES JURÍDICAS PASSIVAS

1. Obrigação – consiste na obrigação da realização de uma certa conduta, ativa ou passiva, no


interesse de outra pessoa. Integra sempre uma relação jurídica – eu tenho uma obrigação porque
alguém tem um direito correspondente.
• Obrigação de dare – o adstrito deve entregar uma coisa a outrem
• Obrigação de facere – o adstrito deve realizar uma atividade em prol de outrem
• Obrigação de facere propriamente dita – deve-se desenvolver uma atividade em si
• Obrigação de non facere – deve-se abster de certa atuação
• Obrigação de pati ou de suportação – alguém desenvolve na sua esfera jurídica uma atividade
que, em princípio, não poderia ter lugar.

2. Deveres genéricos – traduz a incidência de normas de conduta: impositivas ou proibitivas.


Nem sempre integra uma relação jurídica.

3. Sujeição – lado passivo dos direitos potestativos. Dever de suportar os efeitos jurídicos
decorrentes do exercício de um direito potestativo.

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4. Ónus e encargos
• Ónus – situação na qual alguém tem o dever de praticar determinada conduta, no entanto, se
não a praticar, a consequência é que essa pessoa não vai ter uma vantagem. Art. 916.º - 917.º
• Encargo – dever de denunciar o vício dentro do prazo.

Limites ao exercício dos direitos subjetivos:


Qualquer direito tem, em abstrato, um conteúdo ilimitado. Em concreto todo o direito tem limitações. As
limitações podem ser especificas, ou seja, instituídas para cada direito em particular ou gerais, isto é,
aquelas que em abstrato podem atingir qualquer direito objetivo.
Vamos analisar as gerais.
Em ambos os casos o direito subjetivo não pode ser exercido no sentido pretendido porque ou colide com
o direito de outra pessoa, ou não colidindo com o respetivo titular ao exercer atua numa forma que
considera abusiva.

• Colisão de direito: art. 335º CC


Em muitas situações pode dar-se o caso de duas pessoas diferentes terem direitos que, para aquela
situação em concreto, entram em conflito. Os titulares envolvidos têm o direito em causa, podendo exercer
o direito tal e qual como pretendem exercer, ou seja, não há uma aparência de direito, mas sim dois
direitos. Entre os direitos é necessário encontrar critérios para saber como se vão exercer.
O artigo da colisão de direito tem critérios muito gerais, sendo necessário analisar cada caso
concretamente.
Quando os direitos sejam de qualidade diferente, prevalece aquele que for entendido como de valor
mais elevado. A questão prende-se em saber qual vale mais, sendo que se tem entendido que tudo o que
forem direitos tutelados constitucionalmente ou penalmente, em geral, valem mais que todos os
restantes.
Já o conflito entre dois direitos da mesma espécie, ou seja, de valor equivalentes, ambos têm de ceder
na medida do necessário, ou seja, ambos podem exercer até onde for possível, desde que não afetem o
direito do outro.

• Abuso de direito: art. 334º CC


O titular do direito numa situação em concreto está a exercê-lo de uma maneira formalmente correta,
mas substancialmente incorreta.
Pelo menos, em princípio, a pessoa tem o direito, sendo que ao provar-se o abuso, na prática, não o tem.
No abuso, antes de mais nada, temos de verificar se há um direito reconhecido àquela pessoa. Se
não houver o problema não se põe, se houver temos de pressupor que está a ser usado de maneira
indevida.

O exercício é inaceitável quando viola as regras da boa-fé, quando viola os bons costumes ou quando
viola o fim económico ou social do direito.

Boa fé – valores fundamentais do sistema jurídico vocacionados a intervir no caso concreto. Densifica-se
a partir de dois princípios distintos:
• Princípio da tutela da confiança – uma pessoa não pode exercer o seu direito se com isso violar
este princípio; para que este princípio funcione a doutrina identificou 4 requisitos que tem de se
verificar para que a pessoa seja protegida:
➢ 1. Tem de haver uma situação de confiança – o que significa que a pessoa que confia
tem de se encontrar numa situação de boa fé subjetiva ética - tem de ignorar que está a
lesar um direito alheio, mas depois de ter tentado informar-se
➢ 2. Tem de haver uma justificação para a confiança – elementos objetivos que tenham
conduzido aquela pessoa a criar a situação de confiança, qualquer pessoa na mesma
situação também acreditaria que a mesma aconteceria do mesmo modo

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➢ 3. Tem de haver a imputação da confiança - é preciso que os factos objetivos que
conduzem à situação de confiança sejam atribuíveis à pessoa que vai sofrer as
consequências da proteção de confiança
➢ 4. Tem de haver um investimento da confiança - é preciso que a pessoa que acreditou
tenha tido despesas com a situação, que tenha organizado a sua vida em volta da mesma,
etc.
• Princípio da primazia da materialidade subjacente – o direito ao formular uma norma pretende
que uma determinada consequência aconteça. A lei não permite o exercício do direito porque o seu
titular está a exercê-lo apenas formalmente e não materialmente.
Ex: a mrr dá a aula de tgdc formalmente, mas na verdade, ou seja, materialmente, está só a falar
da covid-19.
➢ Honeste agere – o direito deve ser exercício honestamente. É no âmbito deste princípio
que se trata de um tipo de má-fé designado por exceptio doli, bem como do tipo de
exercício inadmissível denominado de tu quoque. É contrário à boa-fé que o titular do
direito, no exercício do mesmo, queira beneficiar de um ato ilícito seu
EXEMPLO: um advogado celebra um contracto promessa de compra e venda e afirma
perante o vendedor não serem necessárias as formalidades exigidas pelo CC, mas mais
tarde invoca a invalidade do contracto.
➢ Alterum non laedere – “lesar o mínimo possível”. O exercício do direito deve ser feito
seguindo o princípio do mínimo dano, que exige que o titular do direito deva evitar causar
danos a terceiros e que, caso seja isso impossível, deve causar o mínimo de danos
possíveis. O exercício do direito não permite ao titular causar danos desnecessários e
evitáveis a terceiros.
➢ Venire contra factum proprium – o direito deve ser exercido sem frustrar expectativas
criadas pelo seu titular. O titular não pode, no exercício do seu direito, frustrar a confiança
que tenha suscitado em outrem. A frustração dessa expectativa representa um ato de má-fé
relacionado com a realização de atos contraditórios, designado por venire contra factum
proprium. Quem através do seu comportamento (ativo ou omissivo) cria noutro uma
confiança – uma boa fé – não pode, depois, mudar o seu comportamento e exercê-lo de um
modo contraditório.

Boa fé em sentido objetivo: refere-se ao conjunto de valores comportamentais dominantes na ordem


jurídica, os quais incluem deveres de lealdade, informação e proteção, bem como uma tutela da
confiança e o princípio da materialidade subjacente.

Boa fé em sentido subjetivo: refere-se a um estado de ignorância de alguém de uma dada situação
que teria relevo jurídico; quando nos referimos meramente a um desconhecimento, estamos perante o
sentido psicológico; quando esse estado de desconhecimento ou de ignorância não é culposo (ou seja,
não havia dever de conhecer o facto ou a situação), trata-se do sentido ético.

Contrariedade aos bons costumes - Os bons costumes relacionam-se intimamente com a boa-fé e esta
limitação do exercício do direito pela contrariedade aos bons costumes diz-nos que o titular do direito
não pode exercê-lo de forma contrária às “coordenadas éticas” regentes na sociedade e na ordem
social.

Desvio em relação ao fim social ou económico - O direito subjetivo destina-se à realização de fins do
seu titular. O fim pessoal é inerente ao direito subjetivo, pelo que não pode deixar de existir. É, no entanto,
frequente que o direito subjetivo tenha em si uma função social e económica objetiva. Deste modo, o
exercício do direito será abusivo quando seja contrário a esse fim económico ou social que, em conjunto
com o fim pessoa, preenche a sua função.
EXEMPLO: a Doutrina distingue, dentro dos direitos de autor, o direito pessoal de autor e o direito
patrimonial de autor.

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Para facilitar a aplicação existem tipos de abuso, ou seja, modalidades de abuso que permitem mais
facilmente identificar uma situação de abuso:
• Exceptio doli – aparece por vezes consagrada especificamente na lei; ao titular de um direito
subjetivo pode ser oposta a desonestidade com que o adquiriu ou pretende exercer. Este tipo de
abuso do direito relaciona-se com o dever de honeste agere e, também, com a violação dos bons
costumes.
• Venire contra factum proprium – trata-se da tomada de comportamentos contraditórios e da
frustração de expectativas criadas pelo titular do direito num terceiro. “Quem age, interage e todos
nós, ao interagir, somos responsáveis pelas expectativas que criamos nos outros”. A vida em
sociedade exige que as pessoas possam confiar nas expectativas criadas para que a vida tenha
um mínimo de previsibilidade. Uma conduta contraditória como esta é contrária aos bons costumes
e à boa-fé, e constitui abuso do direito.
• Inalegabilidades formais – consiste na invocação da invalidade formal de um negócio pela parte
que provocou intencionalmente o vício de que decorre ou que, não o tendo provocado, tinha
conhecimento da sua prática. Este é tido como um comportamento contraditório e, assim, contraria
a boa-fé e os bons costumes. Está, na prática, relacionado com o venire contra factum proprium.
Pode também relacionar-se, por vezes, com a exceptio doli, pois trata-se de um comportamento
desonesto do titular do direito.
• Supressio e surrectio – são subtipos do venire contra factum proprium. Trata de um
comportamento contraditório quem tem por base a omissão e não a ação – o titular do direito cria
num terceiro uma expectativa, em certas circunstâncias legítima, de que não vai exercer ou de que
abdicou do seu direito porque não o exerceu durante um longo período de tempo.
• Tu quoque – trata-se da invocação ou do aproveitamento de um ato ilícito por parte de quem o
cometeu. É uma violação do dever de honeste agere, eticamente inaceitável para o Direito.
• Exercício em desequilíbrio – Quem exerce o seu direito deve, ao fazê-lo, ter os cuidados
necessários para não ofender direitos alheios ou causar danos desnecessários a outrem. Existem,
com base nisto, quatro situações principais em que o exercício danoso do direito é abusivo:
➢ Exercício emulativo – titular é movido pela intenção exclusiva de prejudicar ou de fazer
mal a outrem;
➢ Exercício danoso inútil ou injustificado – o direito é exercido de modo a representar uma
vantagem para o seu titular, resultada de um sacrifício injusto de outro.
➢ Exigência de algo que deve ser imediatamente restituído – é abusivo exigir a entrega de
algo que deva ser imediatamente restituído, tal como é abusivo exigir o pagamento de uma
quantia que deva ser também imediatamente paga.
➢ Desproporção no exercício – é abusivo o exercício do direito sempre que a vantagem que
dele resulta para o seu titular é mínima, quando comparada com o sacrifício que esse
exercício cause a terceiros.

Consequências do abuso de direito:


O efeito imediato da caraterização de uma conduta como abusiva consiste na proibição do exercício do
direito no sentido pretendido pela parte, ou seja, o facto de haver abuso não significa que o titular do
direito o perca, continuando a ser titular, menos para aquele efeito em concreto que pretendia.
A segunda consequência é que, eventualmente, aquele que atuou abusivamente pode ter causado danos
a outra pessoa (não é uma consequência necessária), sendo responsável pelos danos, mas nos termos
gerais do 483º/nº1 CC.
O abuso de direito pode ser considerado em termos objetivos e subjetivos. Em termos subjetivos só se
considera haver abuso quando além do referido haja a intenção de prejudicar. Em termos objetivos
verifica-se quando se ultrapassa o referido no art. 334º CC, havendo intenção ou não de prejudicar.
A regra geral pressupõe que tenha havido culpa, ou seja, a intenção de prejudicar ou pelo menos
negligência. O abuso de direito só pode dar origem a responsabilidade por danos se entre outros requisitos
se provar que a pessoa que atuou com abuso tiver culpa ou for negligente.

Consequência do abuso de direito – ilegitimidade:


1. Paralisação do exercício do direito
2. Ato mudo – art. 294.º
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3. Responsabilidade civil – além de abusivo, é necessário que o ato seja culposo (art. 483.º)

Aquisição e perda de direitos:


Aquisição consiste no ingresso de um direito na esfera jurídica de uma pessoa, enquanto a perda se
verifica quando o direito subjetivo em causa sai daquela esfera jurídica.
A aquisição pode ser originária ou derivada. A derivada ocorre quando o direito adquirido por um sujeito
se encontra filiado/fundamentado em outro direito de outro sujeito. Ou seja, deriva de um sujeito para
outro. A aquisição derivada tem duas modalidades: translativa, que é quando o direito se transfere de
uma esfera jurídica para outra, ou seja, da titularidade de um sujeito para outro sujeito e constitutiva, que
é quando o direito que se adquire simultaneamente constitui-se, ou seja, significa que antes não existia.
Assim, trata-se de um direito novo, que antes não existia na ordem jurídica, mas significa que esse direito
novo se encontra filiado no direito de outra pessoa, por ser derivado. A regra que domina a aquisição
derivada é que não se pode dar o que não se tem.
Por sua vez, a aquisição originária é aquela em que também se adquire um direito novo, que antes não
existia, mas esse direito novo não se fundamenta em um direito anterior, adquirindo-se por outra razão
qualquer.
O que carateriza a aquisição não é o facto em si mesmo, mas sim o que se adquire através desse facto
jurídico. Há facto que antecipadamente podemos saber que a aquisição é originária, enquanto noutras
hipóteses depende
Por outro lado, a perda pode ser absoluta ou relativa. A perda é absoluta quando a saída do direito de
uma esfera jurídica resulta da sua extinção. Não é só a perda para aquela pessoa, mas sim para todas. A
perda é relativa quando o direito sai de uma esfera jurídica para outra esfera jurídica, daí perder-se
relativamente.
Quando há aquisição derivada translativa para um, há uma perda relativa para outro. Quando há aquisição
originária, se existirem direitos anteriores há perda absoluta para aquelas pessoas.

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