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Direito DAS Sucessões - Resumos Regência Menezes Leitão

Direito das Sucessões (Universidade de Lisboa)

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DIREITO DAS SUCESSÕES – PROF.º MENEZES LEITÃO

CAPÍTULO I – DIREITO DAS SUCESSÕES

1. Objeto e características do Direito das Sucessões


O Direito das Sucessões, visa regular o fenómeno da sucessão por morte e a transmissão
das situações jurídicas resultantes dela. Abrange as várias fases desse processo: a abertura da
sucessão, a vocação ou chamamento dos sucessíveis, a jacência da herança, a aceitação ou
repúdio, a administração da herança, e a sua liquidação ou partilha, sendo normalmente ape-
nas com a partilha que se pode considerar encerrado o fenómeno sucessório, em virtude da
confusão dos bens que eram do de cuius com os dos sucessores.
Não está neste ramo do Direito em causa a estrutura dos direitos subjetivos (este tem uma
base institucional e não estrutural), como sucede com os direitos de crédito e os direitos reais,
responsáveis pela autonomização do Direito das obrigações e do Direito das coisas. No Direito
das sucessões a autonomização das normas verifica-se em torno da instituição sucessão por
morte, e embora seja correto afirmar que, ao contrário dos outros ramos de direito, estamos
perante um fenómeno dinâmico, uma vicissitude das situações jurídicas, tem que se reconhe-
cer razão aos que afirma que esta evidência formal pouco esclarece sobre a essência do fenó-
meno jurídico.

2. Os diversos sistemas sucessórios


• Sistema individualista ou capitalista (V.g.: países do common law (UK e EUA))
Este sistema é baseado na propriedade privada e na autonomia individual, reconhece uma
ampla liberdade de disposição de bens por morte, podendo o autor da sucessão escolher li-
vremente os seus sucessores, mesmo em prejuízo dos seus familiares mais próximos. O objeti-
vo que preside a este sistema é o de permitir ao proprietário dos bens escolher livremente os
seus sucessores, mesmo em prejuízo dos seus familiares mais próximos.
O objetivo deste sistema é permitir ao proprietário dos bens escolher livremente os suces-
sores em melhores condições de continuar a sua exploração ou aproveitamento.
No âmbito deste sistema, caso o autor da sucessão tenha decidido não fazer testamento,
os bens são atribuídos aos seus familiares, só os recebendo o Estado numa posição recuada
depois do cônjuge e dos parentes. Pretende-se aqui assegurar a manutenção dos bens na esfe-
ra privada, evitando que eles sejam adquiridos pela coletividade.

• Sistema familiar
Neste sistema valoriza-se a ideia de um património familiar, limitando em benefício dos
familiares mais próximos a liberdade de o autor da sucessão dispor dos seus bens por morte,
uma vez que uma parte do património é reservada aos herdeiros legitimários.
Origem do sistema familiar: p. 19 ML.

• Sistema socialista
Defende a primazia da propriedade coletiva, procurar assegurar a aquisição pelo Estado de
grande parte do património do autor da sucessão, seja através do reconhecimento do próprio
Estado como herdeiro, seja através do estabelecimento de uma elevada tributação em causa
de aquisição de bens por via hereditária. Os antigos direitos socialistas nunca chegaram ao
ponto de abolir a sucessão por morte, apesar do dogma marxista que o defendia, acabando

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por isso por reconhecer a possibilidade de sucessão na propriedade familiar, ainda que limita-
da aos familiares mais próximos e a certas categorias de bens ou valores.
A manutenção da sucessão por morte em regimes tão hostis à propriedade privada tem si-
do explicada pelo facto de essa sucessão libertar o Estado do oneroso dever de promover uma
ajuda social imediata aos familiares das pessoas falecidas, consolidar a união familiar, desem-
penhar uma função educativa e de não discriminar os nacionais relativamente aos estrangei-
ros, cujas leis pessoais lhe reconheciam direitos sucessórios.

• O sistema português
Portugal possui um sistema sucessório individualista ainda que com algumas concessões
aos sistemas familiar e socialista.
A preponderância do sistema individualista reside no facto de o direito português admitir
uma ampla liberdade de testar, sempre que não existam herdeiros legitimários, tendo recen-
temente essa liberdade de testar até sido incrementada com a consagração da possibilidade
de renúncia do cônjuge à condição de herdeiro legitimário na convenção antenupcial (Art.º
1707º-A). Já no caso de existência de herdeiros legitimários, a liberdade de testar é restringida,
ainda que o testador mantenha nesse caso a possibilidade de dispor por morte de uma parte
significativa dos seus bens.
A relevância do sistema familiar no ordenamento jurídico português resulta da reserva de
uma parte considerável da herança em benefício dos herdeiros legitimários (cônjuge, descen-
dentes e ascendentes) a qual não pode ser afetada pelo autor da sucessão através da disposi-
ção dos seus bens em vida ou por morte (Art.º 2156 e ss.), o que constitui uma forte limitação
à liberdade de testar.
O autor da sucessão está assim sujeito a que os seus bens venham com a sua morte a ser
em grande parte adquiridos pelos seus familiares mais próximos, independentemente de ter
uma boa ou má relação com eles, sendo extremamente reduzidas as possibilidades de impedir
a vocação sucessória legitimária, o que só pode ocorrer através dos institutos da indignidade
(Art.º 2034º) e da deserdação (Art.º 2166º). A conceção da família protegida tem sofrido, no
entanto, algumas alterações, desde logo com a posição sucessória privilegiada atribuída ao
cônjuge sobrevivo com a Reforma de 1977 (Decreto-Lei 496/77), que só veio ser algo mitigada
em 2018 com a consagração dos pactos renunciativos recíprocos na convenção antenupcial
(Lei 40/2018).
A concessão ao sistema socialista resulta da existência de um imposto de selo em caso de
sucessão por morte, ainda que em montante bastante menos gravoso do que o anterior im-
porto sobre sucessões e doações, para cuja abolição foi necessário alterar a Constituição. Da
mesma forma, o Estado é considerado como sucessível, logo a seguir aos colaterais até o quar-
to grau (Art.º 2133º/1 e)). Embora a atribuição ao Estado da qualidade de sucessível seja expli-
cada pela necessidade de encontrar sempre um sucessor para evitar a colocação de bens no
abandono, a verdade é que o Estado adquire muitos bens por essa via, pois a limitação da su-
cessão legítima aos parentes de grau mais próximo, aliada à recusa de muitas pessoas em fazer
testamento, determina que grande parte das sucessões lhe seja atribuída.

CAPÍTULO II – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DAS SUCESSÕES


P. 23 e ss do manual.

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CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO DAS SUCESSÕES

1. Princípio da propriedade privada


A função do Direito Administrativo é, efetivamente, a de permitir a manutenção dos bens
na esfera dos privados, evitando a extinção desses direitos ou a sua apropriação pelo Estado
em caso de falecimento do seu titular. Daí a inclusão do princípio sucessório na tutela consti-
tucional da propriedade, já que o Art.º 62º/1, CRP, não apenas garante a propriedade privada,
mas também a sua transmissão por morte.
Como refere Carvalho Fernandes, a função da propriedade privada, como direito perpétuo
(Art.º 1307º/2) só é assegurada plenamente, nomeadamente enquanto pressuposto da digni-
dade humana – a que corresponde a sua função individual –, se for acompanhada da sua
transmissibilidade em vida e por morte.

2. O princípio da proteção da instituição familiar


A família é objeto de proteção pela CRP (Art.º 36º e 67º). Uma das formas através do qual
o Estado assegura essa proteção é pela instituição da sucessão legal, através do qual os bens
que pertenciam ao de cuius são atribuídos aos seus familiares, com preferência por aqueles
que tenham um grau mais próximo (Art.º 2133º). A proteção da instituição familiar é especifi-
camente assegurada por virtude da instituição da legítima (Art.º 2156º), que permite reservar
uma parte da herança aos herdeiros legitimários, limitando consequentemente a liberdade de
disposição do autor da sucessão em relação aos seus bens.
As profundas alterações da instituição familiar, com o maior releva dado às pequenas famí-
lias, produziram uma sobrevalorização da posição sucessória do cônjuge sobrevivo, elevado a
herdeiro legítimo e legitimário. Da mesma forma, a maior relevância das famílias constituídas
fora do casamento justificou não só que se passasse a considerar idênticas as posições suces-
sórias dos filhos nascidos dentro e fora do casamento, como também que se atribuísse relevo
sucessório, ainda que limitado, à união de facto.
Como refere ML, o regime legal da tutela sucessória da instituição familiar parece estar em
grande desconformidade com a realidade social. Perante a enorme transitoriedade dos casa-
mentos e a facilidade com que os mesos são dissolvidos, parece bastante controversa a posi-
ção privilegiada co cônjuge enquanto herdeiro legítimo e legitimário, especialmente se se con-
siderar que a mesma é independente do relacionamento do cônjuge com o de cuius (não há,
p.e, qualquer impedimento à sucessão do cônjuge em virtude da existência de separação de
facto com o de cuius) e da duração do casamento (como afirma JDP, o cônjuge que estava
casado com o de cuius há um dia tem tantos direitos quanto aquele que estivesse casado há
50 anos).

3. Princípio da autonomia privada


No nosso caso, a autonomia privada reconduz-se à possibilidade de celebrar negócios ju-
rídicos mortis causa, que apenas produzem efeitos por morte do doador. Esses NJ podem ser
unilaterais, como o testamento, ou bilaterais, como os pactos sucessórios.
Em princípio, a autonomia privada é assegurada pelo testamento, negócio unilateral e re-
vogável (2179º), e por isso pode ser sempre modificado ou revogado em vida do autor da su-
cessão. Já os pactos sucessórios, uma vez que excluem a possibilidade de revogação apenas
não admitidos nos casos previstos na lei, sendo nulos quando a lei não os preveja (Art.º
2028º). O princípio da autonomia privada veio até a ser reforçado pela Lei 48/2018, ao ter indo
a admitir a renúncia dos direitos sucessórios por parte dos cônjuges, dilatando assim conside-
ravelmente o elenco dos pactos sucessórios renunciativos.

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CAPÍTULO 4 – CONCEITO DE SUCESSÃO

1. O conceito jurídico de sucessão

Direito das Sucessões não é direito da Família1, pois nem sempre há relações familiares,
embora existam conexões.
• A sucessão não opera exclusivamente em benefício de familiares do de cuius2: Basta ha-
ver testamento para pessoa fora da família; Basta o Estado poder vir a herdar;
• O Direito da Família ocupa-se das ligações pessoais e patrimoniais que se estabelecem
entre pessoas vivas, enquanto as Sucessões preocupa-se com o destino do património de uma
pessoa que faleceu.

O Direito das Sucessões, enquanto ramo do Direito Civil, é identificado como o conjunto de
normas que regulam a instituição sucessão. Tem como finalidade descobrir quem será o titular
das situações jurídicas patrimoniais que ficaram sem sujeito, por morte deste. A sucessão por
morte em direitos é uma liberalidade3 à custa do património do de cuius – logo, não tem cará-
ter sucessório o art. 2018º, 2020º e atribuição do seguro de vida – pois fundam-se na necessi-
dade dos sobrevivos e em contratos onerosos e não na intenção (presumida ou conjetural) de
generosidade ou espontaneidade do de cujus.

De acordo com o artigo 2024º, consiste no chamamento de uma ou mais pessoas à titula-
ridade das relações de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta
pertenciam. Assim, a sucessão tem por causa a morte de uma pessoa e respeita a situações
jurídicas patrimoniais.
A definição tem vindo a ser criticada:
• ML: por restringir o conceito de sucessão à sucessão por morte, o que a torna restrita às
pessoas singulares. Efetivamente, a pessoas coletivas não é “falecida”, apenas se extinguindo.
Mas mesmo no âmbito de pessoas singulares, existem várias hipóteses de sucessão para além
da sucessão por morte. O CC admite várias referências a hipóteses de sucessão em vida, como
seja a sucessão singular nas dívidas (Art.º 595º e ss), a sucessão na posição jurídica de senho-
rio (Art.º 1058º) ou a acessão na posse em consequência de uma sucessão por título diverso
da sucessão por morte, a qual é assim exclusiva das pessoas singulares. Para além disso, o
Art.º 2024º apenas se refere a um aspeto da sucessão por morte – a vocação sucessória, dei-
xando de fora outras, como veremos de seguida.
• JDP e ML: Não se limita a direitos sobre os bens pois compreende-se todo o património
da pessoa falecida (ativo e passivo), excluindo-se apenas as situações jurídicas que devam ex-
tinguir-se por morte do respetivo titular. O Art.º 2068º é expresso no sentido de que o patri-
mónio da herança inclui as dívidas do falecido, estabelecendo o Art.º 2070º a responsabilidade
do herdeiro pelos encargos da herança
A sucessão por morte, que vem referida no artigo 2024º, comporta várias fases (a que o
artigo não se reporta):
i. Abertura da sucessão: no momento da morte da pessoa que era titular de situações
jurídicas (2031º);

1
JDP ≠ Leite de Campos
2
Aquele de que a sucessão se trata
3
Direito das Sucessões é o Direito das liberalidades – só uma das partes produz uma atribuição pa-
trimonial.

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ii. Vocação: tende a coincidir com a altura da abertura da sucessão e consiste na atribui-
ção do direito de suceder, de aceitar ou repudiar a sucessão aberta.
iii. Pendência da sucessão ou herança jacente: é o período em que o sucessível ainda não
exerceu a faculdade de aceitar ou repudiar a sucessão (artigo 2046º);
iv. Aquisição da sucessão: ocorre quando o sucessível declara aceitar (artigo 2050º/1).
De notar, ainda, que a sucessão não se restringe a bens, abrangendo também dividas (en-
quanto encargos).

Nos termos do artigo 2026º, há três títulos de vocação sucessória: significa, assim, que a
sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato. A sucessão legal (artigo 2027º) comporta
duas espécies – a legítima ou legitimária, conforme possa ou não ser afastada pelo autor. A
sucessão deferida por testamento identifica-se com a sucessão testamentária. E a sucessão
deferida por contrato identifica-se com a sucessão contratual, que tem caráter excecional (ar-
tigo 2028º/2).

2. Sucessão e transmissão

Questão controvertida: A sucessão reconduz-se ou não a um fenómeno de transmissão de


bens?
• Pires de Lima e A. Varela: é a que o Art.º 2024º distingue claramente os conceitos de su-
cessão e transmissão, uma vez que ao se referir a “um ato de chamamento do sucessor (seja
ele herdeiro ou legatário do finado)” afasta a ideia de que a sucessão hereditária seja conside-
rada pelo Direito como uma simples transmissão ou transferência dos bens de uma pessoa
(falecida) para outro (que leh sobrevive).

• G. Telles: defendeu a qualificação da sucessão como uma forma de transmissão, posição
que manteria no seu ensino. Ele não contrapõe sucessão e transmissão, por considerar que
quando alguém falece, todos os seus direitos e obrigações, que não sejam intransmissíveis por
morte, se transferem a uma ou mais pessoas. Para ele não é possível sustentar que em certos
casos uma pessoa toma a posição de outra de tal maneira que fica com os seus direitos como
se fora ela própria, sem verdadeiramente os adquirir, sem se interpor um fenómeno de trans-
missão.

• Esta posição não teve grande seguimento na Escola de Lisboa, já que O. Ascensão defen-
deu uma conceção autonomista de sucessão, distinguindo-a da transmissão de direitos. A seu
ver, na aquisição singular existiria um título novo, que provocaria alterações na situação jurídi-
ca adquirida, enquanto na sucessão essa alteração não se verificaria. Entende, porém, que a
sucessão estaria reservada aos herdeiros, uma vez que em relação aos legatários ocorreria
uma verdadeira transmissão.

P. Corte-Real e JDP sustentam que a sucessão é necessariamente uma forma de transmis-


são, entendida esta como aquisição derivada translativa, uma vez que através da sucessão
podem-se verificar casos de aquisição derivada constitutiva, como no legado de usufruto de
um bem que era da propriedade plena do testador, no legado válido de coisa não pertencente
ao património do testador e no perdão de dívidas por cláusula testamentária. = Daniel Mo-
rais veio sustentar que o conceito de sucessão possui uma dupla vertente, podendo corres-
ponder tanto a uma sucessão translativa como a sucessão constitutiva.

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• ML concorda com esta posição, uma vez que há que reconhecer que a sucessão não cor-
responde necessariamente a uma forma de transmissão, já que esta implica a inexistência de
alterações ao direito transmitido, e em muitos casos a posição jurídica do sucessor não corres-
ponde àquela que o de cuius possuía. A regência prefere considerar a sucessão como uma
mera situação de aquisição derivada, que não corresponde por isso, necessariamente, a uma
forma de transmissão.

3. A sucessão em vida e a sucessão por morte


• Sucessão em vida (ou inter vivos): o fenómeno sucessório resulta de um ato jurídico,
normalmente um NJ, realizado em vida do autor da sucessão e que constitui a causa jurídica
da aquisição.
• Sucessão por morte (ou mortis causa): os efeitos jurídicos apenas se produzem por
morte do autor da sucessão, sendo assim a morte a causa jurídica da aquisição. Tal não impe-
de que seja celebrado em vida do autor da sucessão um NJ, como o testamento ou o pacto
sucessório, nos casos em que este é admitido, mas esse negócio não produz efeitos em vida do
autor da sucessão, apenas se verificando os mesmos com a sua morte.
A distinção é especialmente relevante em virtude da limitação existente aos NJ mortis cau-
sa, dado que o Art.º 946º proíbe a doação por morte, admitindo unicamente a sua conversão
em testamento, caso tiverem sido observadas as respetivas formalidades.

4. Alguns casos duvidosos


No Direito das Sucessões, para a sucessão por porte, ou mortis causa, tudo tem origem no
facto morte: a morte é a causa da aquisição de situações jurídicas.
Tendo por base o já enunciado a respeito do Direito das Sucessões, não se afigura ha-
ver sucessão nos casos de doação com reserva de usufruto, doação com reserva de direito de
dispor, de venda com reserva de propriedade e de doação cum moriar.
• A doação com reserva de usufruto (Art.º 958º):
A reserva de usufruto corresponde a uma cláusula acessória da doação, que limita o seu
objeto à nua propriedade, permitindo ao doador reservar o usufruto, quer a favor de si pró-
prio, quer a favor de terceiro. A reserva de usufruto tem que ser estipulada, nos termos gerais,
presumindo a lei, todavia, a sua estipulação no caso da doação a nascituros (Art.º 952º/2). Essa
reserva de usufruto a favor do doador não dispensa, porém, o donatário do ónus de aceitar a
doação da nua propriedade, o que tem que fazer em vida do doador, nos termos gerais (Art.º
945º/1). No caso da reserva de usufruto a favor de terceiro, quer o nu proprietário, quer o
usufrutuário, terão que aceitar a doação em vida do doador, sem o que não adquirirão os res-
petivos direitos.
No Art.º 958º/2, exige-se que os donatários-usufrutuários, simultâneos ou sucessivos, exis-
tam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo, o que exclui a possi-
bilidade de atribuição destes usufrutos a favor de nascituros. Para além disso, se o usufruto for
instituído conjuntamente a favor de várias pessoas, só se consolida com a propriedade por
morte da última que sobreviver. Há, assim, um direito de acrescer entre os usufrutuários, que
implica que extinto o direito de um, seja reforçada a posição dos outros, apenas se verificando
a aquisição plena da propriedade com a extinção do último usufruto.
Uma vez que o usufruto pode ser vitalício (Art.º 1443º), a realização da doação com serva
de usufruto nessas condições vai implicar que a propriedade plena seja só adquirida pelo do-
natário com a morte do doador, caso em que se extingue o usufruto (Art.º 1476º/1 a)) e a pro-
priedade plena se consolida. Apesar disso, esta situação não constitui um negócio mortis cau-

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sa na medida em que se verifica a aquisição em vida da nua propriedade, e o usufruto, en-


quanto direito temporário, tem sempre um prazo de duração limitado.

• A doação com reserva do direito de dispor (Art.º 959º):


O doador pode reservar-se a faculdade de dispor por ato inter vivos ou post mortem de
qualquer objeto compreendido na doação ou de qualquer quantia sobre os bens doados, ou
seja, de uma parte específica do complexo material que constitui o objeto da doação. Neste
caso, o doador conserva uma faculdade potestativa de disposição, que lhe permite restringir o
objeto da doação. A lei exige, porém, a determinação do objeto da reserva de disposição, seja
através da individualização da coisa, seja através da limitação da quantia, pelo que será nula a
cláusula que a estabeleça em termos indeterminados (qualquer coisa ou qualquer quantia).
Essa faculdade não se transmite aos herdeiros, pelo que caduca com a morte do doador
(Art.º 959º/2). Tal compreende-se na medida em que nos negócios de liberalidade deve aten-
der-se especialmente à vontade do seu autor, para além de que a reserva institui uma situação
de incerteza sobre a titularidade dos bens doados, que não convém que seja prorrogada ex-
cessivamente.
Para além disso, a reserva, quando respeite a coisas imóveis ou móveis, sujeitos a registo,
carece de ser registada (Art.º 959º/2). A consequência da falta de registo parece ser, nos ter-
mos gerais, a ineficácia da reserva perante terceiros, não impedindo o seu exercício entre as
partes. Não sendo o bem sujeito a registo, parece que o exercício da reserva pode ser livre-
mente oponível a terceiros, dado que, no caso contrário, a reserva perderia qualquer efeito
prático.
A natureza dessa cláusula parece variar consoante esteja em causa do direito de dispor de
coisa determinada ou o direito a certa quantia sobre os bens doados. No primeiro caso, a situ-
ação assemelha-se a uma condição resolutiva potestativa. A reserva, embora não impeça o
donatário de alienar à coisa reservada. No segundo caso, a formulação é mais complexa pois a
faculdade de disposição faz surgir uma obrigação a cargo do donatário de pagar a referida
quantia, parecendo, por isso, que neste caso há antes lugar à instituição de um encargo (Art.º
963º/1) sujeito à condição suspensiva potestativa de exercício da faculdade de disposição. Daí
que o donatário não seja, de acordo com as regras gerais, obrigado a satisfazer o encargo se-
não nos limites do direito doado (Art.º 963º/2).
A regência entende que não é negócio mortis causa.

• A doação cum moriar:


Trata-se da celebração de uma doação em vida, mas em que os seus efeitos são subordi-
nados a um termo suspensivo, consistente na morte do doador, só nesse momento sendo
entregues os bens ao donatário. A regência entende que é um tipo de doação proibido pelo
artigo 946º (apesar de não ser pacto sucessório – 2028º), o que acontece no caso de a doação
ser subordinada ao termo incerto suspensivo da morte, uma vez que nesse caso os seus efeitos
só se produzem a partir desse momento (Art.º 278º). Esta deve então ser nula, apenas se po-
dendo converter em disposição testamentária se tiverem sido observadas as formalidades dos
testamentos. A restante doutrina parece aceitar a admissibilidade deste tipo de doação.

• A doação si praemoriar:
Constitui igualmente uma doação sujeita ao termo suspensivo da morte do doador, mas
nesse caso é ainda acrescida de uma condição suspensiva relativa à circunstância de a morte
do doador ocorrer antes da do donatário.

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A maioria da doutrina defende a validade desta doação, considerando que a mesma não
constitui um pacto sucessório, uma vez que produz os seus efeitos em vida do doador (Pereira
Coelho, Capelo de Sousa, …).
Pires de Lima e A. Varela consideram ser esta doação também proibida pelo Art.º 946º, já
que se abriria uma porta à fraude, se apenas se proibissem as doações que fossem simultane-
amente contratos sucessórios. Bastaria, para legalizar estes contratos, que o doador se expri-
misse por esta ou outra forma ou equivalente: “Se eu morrer antes de B, doo-lhe os meus
bens”. Tratando-se de uma doação condicional, podia o donatário, desde logo, alienar como
condicional o seu direito. Mas, para as previsões dos interessados, os dois atos equiparar-se-
iam. Foram estas as razões que levaram o legislador a considerar, no nº 2 do Art.º 1755º, como
pactos sucessórios, todas as doações por morte para casamento.
A regência entende que o Art.º 946º não proíbe apenas as doações mortis causa, mas
todas as doações que hajam de produzir os seus efeitos por morte do doador, pelo que a
doação si praemoriar não pode igualmente ser considerada válida.

• A partilha em vida (Art.º 2029º):


Trata-se de um caso específico de doação a um presumido herdeiro legitimário, em que
este assume o encargo de pagar aos outros presumidos herdeiros legitimários, com o acordo
destes, o valor em dinheiro correspondente à parte que lhes caberia. Esse encargo abrange
inclusivamente os herdeiros legitimários futuros ou posteriormente descobertos, uma vez que
o nº2 estabelece que “se sobrevier ou se tornar conhecido outro presumido herdeiro legitimá-
rio, pode este exigir que lhe seja composta em dinheiro pode ser realizado logo na altura da
doação ou posteriormente, impondo o Art.º 2029º/3, que neste último caso seja realizada a
atualização pecuniária correspondente.
Conforme resulta da expressa qualificação legal, a partilha em visa não é considerada um
pacto sucessório, sendo dessa forma qualificada pelo legislador como uma modalidade especí-
fica de doação entre vivos, especificidade essa que lhe advém de ser feita a um presumido
herdeiro legitimário, com encargos estabelecidos a favor dos outros presumidos herdeiros
legitimários.
Há, no entanto, uma clara função sucessória do negócio que consiste em, por via da reali-
zação dessa doação a favor de algum dos presumidos herdeiros e de encargos a favor dos res-
tantes, se pretender já instituir em vida uma reparação da herança do doador, em termos que
não difeririam dos que ocorreriam se a sua morte se tivesse já verificado. Por esse motivo, esta
doação entre vivos adquire algumas características especiais. Assim, em primeiro lugar, ela
pressupõe o consentimento não apenas do donatário, mas também dos outros presumidos
herdeiros legitimários, o que não se exigiria numa comum doação com encargos, em que os
beneficiários do encargo não necessitam de o aceitar para que a doação produza os seus efei-
tos.
Ver p. 61 e ss.

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CAPÍTULO 5 – A MORTE COMO PRESSUPOSTO DA SUCESSÃO

1. A morte como pressuposto da sucessão


A morte é o momento decisivo, a causa geradora do fenómeno sucessório, sendo esta que
desencadeia a abertura da sucessão (Art.º 2031º).
A morte constitui um facto jurídico stricto sensu, que extingue a personalidade jurídica do
de cuius (Art.º. 68º) e, consequentemente, a suscetibilidade de ele ser titular de situações jurí-
dicas (Art.º 67º), o que normalmente transmite por via sucessória as situações jurídicas de que
ele era titular (Art.º 2024º), mas que em certos casos determina mesmo a sua extinção (Art.º
2025º). A morte tem então de ser demonstrada, normalmente através da descoberta ou reco-
nhecimento do cadáver do falecido. A lei permite, no entanto, dispensar essa descoberta ou
reconhecimento quando o desaparecimento da pessoa se tiver dado em circunstâncias que
não permitam duvidar da morte dela (Art.º 68º/3). V.g.: pessoas desaparecidas em naufrágio
no alto mar ou durante um incêndio. No caso do pretenso morto reaparecer → Art.º 116º e ss.

2. A declaração de morte presumida e as curadorias provisória e definitiva

p. 66 e ss.

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CAPÍTULO 6 – O OBJETO DA SUCESSÃO

1. Direitos abrangidos pela sucessão


p. 69

2. Direitos excluídos da sucessão


Não são, em princípio, objeto de sucessão as situações jurídicas de cariz pessoal, uma vez
que estas respeitam à pessoa do autor da sucessão, extinguindo-se, consequentemente, por
morte deste. É assim que o Art.º 2025º estabelece que não constituem objeto de sucessão as
relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do seu titular, em razão da sua natureza
ou por força da lei.
Entre os direitos que não são objeto de sucessão pro força da sua natureza, estão os direi-
tos pessoais, que se encontram ligados à pessoa do de cuius. V.g.: os direitos de personalida-
de, dado que a personalidade cessa com a morte (Art.º 78º). A lei admite, no entanto, a prote-
ção post mortem dos direitos de personalidade (Art.º 71º/1), atribuindo legitimidade aos seus
herdeiros para requererem as providências necessárias à tutela desses direitos (Art.º 71º/2/3,
73º, 75º/2, 76º/2, 77º e 79º/1). Essa proteção não representa, porém, um fenómeno de
transmissão por morte desses mesmos direitos, mas antes uma forma jurídica de tutela da
memória da pessoa falecida, para efeitos da qual se reconhece legitimidade aos herdeiros para
exercer as ações que a esta caberiam. Os direitos de personalidade, enquanto direitos pesso-
ais, são intransmissíveis.
O mesmo acontece com o direito pessoal de autor (Art.º 57º/1).
Incluem-se igualmente entre os direitos insuscetíveis de sucessão aqueles que correspon-
dem a funções legalmente atribuídas ao de cuius como os direitos relativos a cargos públicos
ou de administração de uma sociedade, as responsabilidades parentais, a tutela e a curatela.
Também da mesma forma nos Direitos consagrados no Art.º 1862º, 1825º e 1844º. Aqui o
que se verifica é apenas uma extensão da legitimidade processual aos herdeiros do falecido
por um curto período após a sua morte.
Já relativamente aos direitos em que a hereditariedade é excluída por força da lei, há, efe-
tivamente vários casos em relação aos quais a lei exclui, expressamente, a hereditabilidade de
certos direitos. V.g.: usufruto (1476º/1 a)), o uso e a habitação (Art.º 1489º e 1490º) e a tes-
tamentaria (Art.º 2334º).
A lei não admite, em princípio, a exclusão da hereditabilidade por via negocial, uma vez
que tal implicaria a renúncia à sucessão, a qual é em princípio vedada pelo Art.º 2028º/1. Exce-
tua-se, porém, a situação dos direitos renunciáveis, uma vez que, como estes se podem extin-
guir por vontade do respetivo titular, admite-se que o mesmo determine a sua extinção com a
sua morte (Art.º 2025º/2). Nesse caso, ocorre uma inereditabilidade estabelecida negocial-
mente, como no exemplo de o testador renunciar a um direito que se possa extinguir pela
renúncia, como o direito de servidão (Art.º 1569º, 1 d)).
Fora destas situações, a regra é a de que todos os direitos são objeto de sucessão.

3. Exame de alguns casos duvidosos


• A indemnização por morte da vítima. A “querela” em torno do dano-morte (Doutrinas
a favor e contra o Dano-morte)
Antunes Varela e Oliveira Ascensão, contestam que o direito à vida possa ser indemnizável
a favor do lesado. Não vale afirmar que a morte é computada no sofrimento dos terceiros,
porque isso seria um dano próprio destes.
MC e ML discordam. Argumentos:

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Contra: A favor:
1. Com a morte cessa a personalidade (Art.º 1. Se a morte não é ressarcível, então
68º/1) ; logo, não se pode constituir um direito em a vida não é um direito subjetivo; isso
algo que já não existe; consequentemente, o direi- representaria um enorme retrocesso na
to de indemnização não podia ser transmitido aos defesa da dignidade humana, alcançada
herdeiros, uma vez que não tinha sido adquirido nas últimas décadas.
sequer pelo falecido. 2. Os trabalhos preparatórios mos-
2. Os trabalhos preparatórios e o cuidado pos- tram apenas a intenção de que, de resto,
to (por Antunes Varela) em contraditar as iniciati- nem logrou assento final no Código;
vas originais de Vaz Serra, favoráveis ao dano- 3. O art.º 496 não esgota o universo
morte, mostraria que a lei não consagraria tal solu- a que se aplica; a seu lado funcionam os
ção: artigos 70º/1, 483º/1, 2024º do CC.
3. O artigo 496º esgota o Universo dos danos
indemnizáveis e dos seus beneficiários.

Antunes Varela; Oliveira Ascensão Menezes Cordeiro, Galvão Telles,


Almeida Costa, Leite de Campos e Mene-
zes Leitão.

Outros argumentos (a favor), que vão para além das indemnizações arbitradas por via do
artigo 496º. Há outras indemnizações ainda por danos morais e pela supressão morais e pela
supressão do direito à vida, do próprio lesado e seguem, depois, por via hereditária:
1. Não faz sentido descobrir “direitos” e, depois, negar-lhes o regime; se existe um “direi-
to à vida”, então há que dotá-lo da competente tutela aquiliana, logicamente a favor do seu
titular… ou será um direito de terceiros.
2. A atual responsabilidade civil tem funções retributivas e preventivas; ora tais funções
perder-se-ão quando se admitam direitos que desapareçam logo que violados.
3. A mera aplicação do art.º 496/2 tem de estar articulado com o restante ordenamento
jurídico português, pois caso contrário traria resultados inaceitáveis: se não houver nenhum
dos familiares aí referidos, não há indemnização? Nesta ótica seria este o resultado: o agente
responsável deve indemnizar o lesado ferido, mas se conseguir matá-lo, nada paga.
4. As indemnizações arbitradas pelos nossos tribunais são insatisfatórias: 60000€/80000€
pela vida de uma pessoa não é dinheiro, mesmo tendo em conta o atraso económico do País:
M. Cordeiro afirma que esta situação deve ser corrigida.
A jurisprudência manteve-se largamente convicta de que a morte é um dano indemnizável.
Todavia, o facto de as indemnizações terem vindo a aumentar, embora demasiado pouco,
conduziu a ovas pressões sobre os julgadores, no sentido da sua redução. Por isso, surgiram
algumas brechas, ainda que na sua maioria, ela se mantenha no bom caminho. Assim, referin-
do apenas arestos do último ano, são favoráveis a um dano-morte, com uma indemnização
transmissível iure hereditário.
A ver de ML: é igualmente hereditável, nos termos gerais, o direito de indemnização por
morte da vítima (2024º). Ao contrário do que alguma doutrina tem defendido (Daniel Morais),
não constitui nenhum regime particular de sucessão a disposição do Art.º 496º, uma vez que
essa disposição não prevê uma hipótese de sucessão por morte, mas antes a atribuição de
indemnização por danos próprios sofridos pelos familiares próximos do lesado, em caso de
morte deste. A hereditabilidade dos danos resultantes da perda d avida do lesado processa-se
nos termos gerais do Art.º 2133º.

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Já relativamente aos danos atribuídos diretamente às pessoas que socorreram o lesado


(Art.º 495º/1/2), aos titulares do direito a alimentos ou que recebiam alimentos do lesado
(Art.º 496º/2/3/4), os mesmos nascem diretamente na esfera jurídica dos seus titulares, pelo
que não resultam de qualquer espécie de sucessão.

• A transmissão por morte do arrendamento para a habitação


Referidos nos Art.º 1106º e 57º NRAU.
Esta não constitui uma verdadeira sucessão, uma vez que o direito do novo arrendatário
depende do preenchimento de determinados requisitos como a residência no locado, o que
implica a interposição de um título novo entre o arrendatário falecido e o novo, sendo esse
título que legitima a aquisição do direito ao arrendamento.
Diferentemente, já parece ocorrer uma situação de verdadeira sucessão no caso da trans-
missão por morte do arrendamento não habitacional, prevista no Art.º 1113º, dado que a
transmissão por morte não depende de qualquer requisito adicional, havendo apenas um re-
gime especial de renúncia à transmissão, que tem de ser comunicada no prazo de 3 meses. Já
no âmbito da NRAU a transmissão por morte do arrendamento depende igualmente de requi-
sitos especiais, como o exercício em comum com o arrendatário de profissão liberal ou de ex-
ploração de estabelecimento comercial no locado há mais de 3 anos (Art.º 58º NRAU), o que
também implica a interposição de um título novo do qual depende a aquisição do direito.

• O seguro de vida
Não constitui objeto de sucessão o seguro de vida, caso em que os beneficiários recebem
determinada prestação em caso de morte da pessoa segura. Neste caso, não existe qualquer
transmissão para o segurado, resultando o direito diretamente de um contrato a favor de ter-
ceiro celebrado entre a companhia de seguros e o de cuius. Embora a lei considere que só no
momento da morte se adquire o direito à prestação (Art.º 451º), a mesma tem sempre a sua
fonte no contrato a favor de terceiro celebrado, que constitui um título distinto da sucessão
por morte.
Por esse motivo, apenas em relação às contribuições feitas pelo de cujus à companhia de
seguros, é aplicável o regime de colação, redução e imputação das doações e impugnação
pauliana (Art.º 450º), só nessa medida se considerando haver doações em vida efetuadas ao
beneficiário. Já a quantia que este recebe da companhia de seguros se considera atribuída por
virtude do contrato, surgindo, por isso, diretamente na sua esfera jurídica.

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CAPÍTULO 7 – CATEGORIAS DE SUCESSÕES

1. Espécies de sucessão
→ Sucessão Legal – em função de relações familiares, vem da lei:
• Sucessão Legítima (2132º e 2133º) – opera na ausência da vontade válida eficaz do de
cuius e tem como beneficiários o cônjuge, parentes próximos do falecido e supletivamente o
Estado.
• Sucessão Legitimária (2156º, 2157º, 2179º) – reserva porção de bens de que o de cuius
não pode dispor ao cônjuge e aos parentes na linha reta do falecido.
→ Sucessão voluntária – em função da vontade do de cuius:
• Sucessão Testamentária – espaço da autonomia da vontade do de cuius no domínio su-
cessório.
▪ Testamento é um ato unilateral (art. 2179º/1), pelo qual uma pessoa dispõe, para
depois da morte e a título gratuito, do seu património.
• Sucessão contratual

2. Espécies de sucessores: a distinção entre herdeiro e legatário


Distinção mediante o Art.º 2030º/2 CC:
• Legatário: é o que sucede em bens ou valores determinados. V.g.: deixa uma casa a A.
• Herdeiro: é o que sucede na totalidade ou numa quota do património do de cuius. V.g.:
deixo tudo a C; deixo 1/3 do meu património a B. não aqui bens específicos, mas abstratos.

A lei, no entanto, não é clara relativamente aos casos em que o testador procede à repar-
tição do património hereditário não de uma forma aritmética, mas antes tomando em consi-
deração a natureza dos bens, caso em que estes ficam determinados, falando-se então em
herança ex re certa. Um exemplo será a situação de o testador deixar a um dos herdeiros os
seus bens móveis e a outro os seus imóveis. A maioria da doutrina pronuncia-se pela admissi-
bilidade daquela figura, apesar de G. Telles, no seu anteprojeto ter afastado expressamente
essa figura.
ML, assim como JDP, Daniel Morais, etc., admite a herança ex re certa, uma vez que a re-
partição do património hereditário com base na natureza dos bens adequa-se muito melhor à
instituição de herdeiro do que à nomeação de legatário.
A situação já é diferente, porém, se, em lugar de efetuar essa repartição, o testador atribu-
ísse todos os seus bens imóveis ou todos os seus bens móveis a alguém, sem referir o destino
dos bens sobrantes. Aqui já não há repartição do património por quotas, mas antes uma atri-
buição limitada de certos bens, o que implica estar-se perante um legado e não perante uma
herança4.
Apesar de a lei fazer referência a que só é legatário aquele que sucede em bens ou valores
determinados, parece claro que a determinação é apenas exigida para a individualização do
bem, não sendo necessário a sua especificação concreta.
Assim, constituem legados a atribuição de universalidades de facto (Art.º 206º), como um
rebanho de ovelhas ou a biblioteca do testador (ou “deixo a A um dos meus livros”), não sendo
necessário especificar concretamente as ovelhas do rebanho ou os livros que integram a bibli-

4
Uma simples deixa de todos os imóveis, sem qualquer repartição do património, constitui uma
atribuição de bens determinados, semelhante à deixa dos imóveis que o autor da sucessão tem numa
rua,p.e.

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oteca. A lei prevê, aliás, expressamente o legado de coisa genérica no Art.º 2253º, assim como
o legado alternativo no Art.º 2267º, onde não se verifica a especificação concreta dos bens
legados, tendo a mesma que ser concretizada por via de escolha, após a aceitação.
Da mesma forma, constituem legados a atribuição de universalidades de direito, como a
herança ou o estabelecimento comercial. No caso de o testador atribuir a alguém por morte a
totalidade ou uma quota não partilhada de uma herança que recebeu ou dispor igualmente
por morte de um estabelecimento comercial de que é titular, existe uma individualização dos
bens que atribui e não apenas de uma quota do seu património, pelo que estamos, neste caso,
perante legados e não perante herança. Pelo mesmo motivo, deve considerar-se como legado
a deixa da meação de bens comum, que a lei permite ao cônjuge dispor por morte (1685º/1),
atento o caráter circunscrito e exclusivo desses bens.

A lei estabelece que “o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do
património, é havido como legatário” (Art.º 2030º/4). Esta disposição tem sido justificada pelo
facto de o usufruto5 constituir um direito determinado mesmo quando incide sobre toda a
herança, pelo que não se justificaria a atribuição a usufrutuário do estatuto de herdeiro.
Críticas:
• independentemente de a herança ser recebida em propriedade plena ou usufruto, con-
tinua a ocorrer uma sucessão numa universalidade, pelo que a qualificação correta do usufru-
tuário de uma herança é a de herdeiro, instituindo o Art.º 2030º/4 apenas uma ficção jurídica.
Só que dessa ficção nem sequer se retiram consequências de regime, dado que o Art.º 2072º
estabelece a responsabilidade do usufrutuário de uma quota ou da totalidade da herança pe-
los encargos da mesma, em termos semelhantes aos herdeiros (Art.º 2071º). Por esse motivo,
deve entender-se que o usufrutuário tem, da mesma forma que os herdeiros, o direito de acei-
tar a deixa a benefício de inventário (2052º) ou exigir partilha (Art.º 2101º/1), podendo a exi-
gência de inventário ser feita pelo Ministério Público, em caso de menoridade, incapacidade
de facto permanente ou ausência em parte incerta (Art.º 2102º/2 b) e Art.º 1085º/1 b) CPC

Podem concorrer à sucessão tanta herdeiros como legatários, ou apenas herdeiros, se não
se verificar atribuição de bens determinados a ninguém, ou apenas legatários no caso de a
herança ser toda distribuída em legados. Neste caso, referido no Art.º 2277º, não existe qual-
quer herdeiro, pelo que se considera dissolvida a herança enquanto universalidade global,
passando a existir apenas uma pluralidade de legados que receberam, considera G. Telles que
se constituem “novas universalidades menores, tantas quantos os legatários, correspondendo
a ‘patrimónios autónomos’, já que os bens atribuídos a cada um consideram-se afetos prefe-
rencial e limitadamente a uma correspondente quota nas responsabilidades totais”. Afirma,
por isso, o autor, que neste caso “o esquema da herança como que se repete, em miniatura,
relativamente a cada herdeiro depois da partilha se os encargos da herança não tiverem sido
integralmente satisfeitos”. Apesar disso, o autor mantém que “não há ali herança porque esta
é única, expressando post mortem do universsum ius, também único. Há sim uma pluralidade
de legados.

5 Num usufruto, estamos perante um direito real de gozo, ainda que temporário, que confere ao respetivo titu-

lar os poderes de uso, fruição e administração e em relação aos quais a lei impõe como único limite que o titular
conserve a sua forma, a sua substância e o seu destino económico.
Na relação proprietário/usufrutuário, é ao usufrutuário que cabe discutir o uso e fruição da coisa, podendo in-
clusivamente ceder a sua utilização a outrem (gratuita ou onerosamente) nos mesmos termos em que ele a podia
usar, sem que caiba ao titular da nua propriedade sequer o direito de reivindicar a coisa do detentor.

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A lei esclarece desnecessariamente o que está referido no Art.º 2030º/5. Efetivamente, se


o testador declarar instituir alguém como seu herdeiro, mas do testamento resultar que ape-
nas lhe deixa um prédio, a qualificação do sucessor será a de legatário e não a de herdeiro.
3. Diferenças de estatuto entre herdeiro e legatário

É tradicional dizer-se que o estatuto de herdeiro é muito diferente do do legatário (P. Li-
ma/A. Varela; Capelo de Sousa, JDP).
ML não parece concordar com esta afirmação, justificando que os herdeiros e legatários
correspondem a categorias de sucessores, participando ambos do fenómeno jurídico sucessó-
rio e, por isso, ambos estão sujeitos ao mesmo regime de aceitação e repúdio (Art.º 2050º e
2049º)
Há, no entanto, certos efeitos que apenas ocorrem em relação ao herdeiro e que justifi-
quem que o seu estatuto seja diferenciado em relação ao legatário. Esses efeitos passam pela
faculdade que os herdeiros têm de exigir partilha e requerer inventário, pelo regime das provi-
dências relativas à memória do falecido, pela responsabilidade pelos encargos da herança.
Pelo regime das vocações indiretas, e pela aposição de termo ou pelo direito de preferência.

• O direito de exigir partilha e requerer inventário


Nos termos do Art.º 2101º, apenas o co-herdeiro tem direito de exigir partilha da herança.
O legatário não tem o direito de exigir partilha da herança pois sabe exatamente quais são os
bens que lhe estão atribuídos, independentemente da forma como a herança venha a ser par-
tilhada. Ainda que tenha sucedido num bem em conjunto com outro legatário, não tem o direi-
to de exigir partilha, podendo apenas recorrer à ação de divisão da coisa comum (Art.º 1412º).
Porém, esta distinção não é absoluta, já que há casos de legatários que podem exigir parti-
lha, como o usufrutuário de uma quota de herança, e há herdeiros que não têm essa faculda-
de, como o herdeiro universal, o herdeiro remanescente quanto a herança é toda distribuída
em legados, e o herdeiro de uma herança ex re certa.
Uma vez que não podem exigir partilha, com exceção do usufrutuário da totalidade ou de
quota da herança, os legatários não podem requerer inventário, nem nele intervir como partes
principais, dado que não são interessados diretos na partilha (Art.º 1085º/1 CPC), apenas po-
dendo intervir nas questões relativas ao cálculo e determinação da legítima e redução das
liberalidades (Art.º 1085º/2 a) CPC) ou nas questões relativas à verificação e satisfação dos
seus direitos (Art.º 1085º/2 b) CPC).
Em virtude de não serem considerados interessados diretos na partilha, os legatários têm
uma intervenção no inventário muito limitada.
Efetivamente, apenas os herdeiros podem:
→ deduzir oposição ao inventário; → impugnar a legitimidade dos interessados citados ou
alegar a existência de outros; → impugnar a competência do cabeça-de-casal ou as indicações
constantes das suas declarações; → apresentar reclamação à relação de bens; → impugnar os
créditos e as dívidas da herança (Art.º 1104º CPC). Pelo contrário, os legatários, só no caso de
haver herdeiros legitimários, são admitidos a deduzir impugnação relativamente às questões
que possam afetar os seus direitos (Art.º 1104º/3 CPC).
Em consequência, a partilha só pode ser anulada por falta de intervenção de algum dos co-
herdeiros (Art.º 1127º CPC) e apenas o herdeiro preterido pode requerer no processo de in-
ventário que seja convocada a conferência de interessados para se determinar o montante do
seu quinhão (Art.º 1128º CPC).

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• A responsabilidades pelos encargos da herança (Art.º 2068º)


Esta é apenas, em princípio, atribuída aos herdeiros (Art.º 2071º, 2097º, 2098º), não
abrangendo então os legatários. Pelo contrário, o cumprimento dos legados é considerado um
encargo da herança (Art.º 2068º), cujo cumprimento incumbe aos herdeiros (2265º).
Casos em que os legatários podem ser obrigados a suportar os encargos da herança: no
caso de a herança ser insuficiente para cumprimento dos legados, em que estes são pagos
rateadamente com exceção dos legados remuneratórios, que são considerados como dívida da
herança (Art.º 2277º). Da mesma forma, no caso do legado de usufruto, o usufrutuário pode
adiantar as importâncias necessárias para os encargos relativos aos bens que usufrui (Art.º
2072º). Nestes casos, não há, no entanto, uma responsabilidade direta dos legatários perante
terceiros, mas apenas um rateio de direitos ou uma obrigação de adiantar importâncias aos
herdeiros, que serão satisfeitas a final.
Há, porém, dois casos em que a responsabilidade pelos encargos é atribuída ao legatário:
→ se houver indicação do testador nesse sentido (Art.º 2276º); ou, mesmo sem essa indi-
cação, pelo Art.º 2073º nº 1 e 2. Daqui resultará a controversa opção de a lei qualificar o usu-
frutuário da totalidade ou de uma quota da herança como legatário.
→ No caso de a herança ser toda distribuída em legados, o Art.º 2077º estabelece que os
encargos dela são suportados por todos os legatários.
Caso os bens da herança não cheguem para pagamento dos encargos: → Art.º 2078º.

• Sucessão na posse
A lei não estabelece qualquer distinção entre herdeiro e legatário, em termos de sucessão
na posse, limitando-se o Art.º 1255º a referir que, por morte do possuidor, a posse continua
nos seus sucessores, desde o momento da morte, independentemente da apreensão material
da coisa.
O. Ascensão interpreta esse Art.º restritivamente: “sucessores” nessa disposição apenas
abrangem os herdeiros. Em relação aos legatários, o autor considera que nem após a aceitação
do legado, os mesmos adquirem a posse, apenas ocorrente essa aquisição quando os herdei-
ros cumprem o legado, nos termos do Art.º 2270º. Também MC entende que não é possível, al
legatário, “suceder” numa posse, quando ele terá que dar um específico acordo, à assunção
dos ónus possessórios.

ML não concorda: “resulta do Art.º 2030º/1, que os sucessores tanto podem ser herdeiros
como legatários, estando ambos sujeitos ao mesmo de aceitação e repúdio (Art.º 2050º e ss. E
2249º), pelo que ambos estarão sujeitos ao mesmo regime de sucessão na posse, nos termos
do Art.º 1255º.

• Outros aspetos de distinção – p. 83


• CONCLUSÃO DE ML SOBRE A EXISTÊNCIA DE UMA DIFERENÇA DE NATUREZA ENTRE A
POSIÇÃO DO HERDEIRO E DO LEGATÁRIO; A SUA POSIÇÃO.
O. Ascensão procura distinguir entre herdeiros e legatários, considerando o primeiro como
um sucessor pessoal do de cuius e o segundo um mero beneficiário de uma atribuição patri-
monial. Ver p. 84. ≠
PCR e JDP criticam-no fortemente: tanto o herdeiro como o legatário são adquirentes pa-
trimoniais mortis causa, sendo que o Art.º 2030º, para além de os qualificar a ambos como
sucessores, estabelece essa distinção com base na configuração da respetiva atribuição patri-
monial e não na qualidade pessoa do sucessível. =
ML concorda com esta posição (é apenas uma distinção de regime e não de natureza).

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Em síntese:
O artigo 2030º estabelece a distinção entre herdeiro e legatário:
• Herdeiro que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido;
• Legatário: que sucede em bens ou valores determinados.
• Usufrutuário: é havido como legatário – no entanto, o seu estatuto, quando se trate de usu-
frutuário da totalidade ou de quota da herança é próximo do estatuto típico do herdeiro.
Note-se, que é aceitável um legado (deixa de um legatário) sem especificação, conforme
resulta do artigo 2253º: poderá ter como objeto bens meramente determináveis, através do
critério género (o que importa é que sejam determináveis no momento da sucessão). Na se-
quência do que foi já enunciado, a classificação resulta da lei e não é atribuível ou determiná-
vel pelo autor.
A doutrina clássica tendia a entender que só o herdeiro era um verdadeiro sucessor (um
sucessor pessoal do de cujus), enquanto o legatário é um mero beneficiário de uma atribuição
patrimonial; no entanto, a lei parece estabelecer uma equiparação entre as duas figuras – o
regime de aceitação e repúdio é igual. Ainda assim, existem diferenças de regime:
1. Direito de exigir partilha e de requerer inventário (2101º): ao herdeiro é reconhecido
este direito; ao legatário não é.
• Exceções:
▪ Há herdeiros que não dispõem deste direito: herdeiro universal, o herdeiro rema-
nescente, quando o resto do património tiver sido distribuído por legados, nem o
designado a suceder por herança ex re certa.
▪ Há legatários que podem exercer o direito: é o caso do usufrutuário.
2. Responsabilidade externa pelos encargos da herança: incumbe ao herdeiro (artigos
2068ºm 2071º, 2098º/1), incluindo o cumprimento dos legados (2065º/1).
• Exceção: → Responsabilidade dos legatários quando a herança é totalmente repartida
por legados (artigo 2277º), exatamente pela falta de herdeiros; → quando a herança é insufi-
ciente para o cumprimento dos legados; → O legado do usufrutuário (artigo 2071º); → Quan-
do o testador assim o exija (artigos 2072º e 2073º).
3. Direito de acrescer: assiste unicamente aos herdeiros (artigo 2137º, 2301º a 2307º,
2058º)
4. Sujeição a termo: é possível sujeitar a termo a nomeação do legatário, mas não a no-
meação do herdeiro (2243º).
5. Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do quinhão hereditário e
providências preventivas ou atenuantes da ofensa à memória do familiar falecido:
apenas os herdeiros dispõem destes direitos. (2130º e 71º e ss.).
6. Sucessão na posse – artigo 1255º: de acordo com a interpretação da maioria da dou-
trina, só abrange herdeiros.
▪ Regência: abrange herdeiros e legatários, pelo que não se afigura como uma dife-
rença de regime.
7. Estatuto de cabeça de casal: não poderá ser atribuído aos legatários, exceto se a he-
rança por toda atribuída em legados.
8. Transmissão do direito de suceder: apenas atribuível a herdeiros.
9. Sanções por sonegação da herança: apenas aplicável a herdeiros (2096º).
10. Redução por inoficiosidade: as liberalidades testamentarias que foram feitas aos her-
deiros são reduzidas antes das baixas testamentárias a título de legado (2171º).
Quanto à posição da regência a propósito da distinção entre herdeiros e legatários: a
distinção entre herdeiro e legatário existe apenas no regime, ambos são verdadeiros sucesso-
res do de cujus.

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CAPÍTULO 8 – A DESIGNAÇÃO SUCESSÓRIA

1. Conceito de designação sucessória


A designação consiste na operação feita em vida do de cujus mediante a qual se indicam
as pessoas que podem vir a suceder-lhe, a indicação de alguém como possível sucessor de
outrem, por morte dele – ocorre antes da abertura da sucessão.
As pessoas designadas são os sucessíveis. Os sucessíveis designados são assim denomina-
dos quando ainda não se verificou a abertura da sucessão; e são sucessíveis chamados quando
em relação aos mesmos já se verificou o chamamento, em consequência da morte do de cuius.
Sucessor é a pessoa que foi chamada à sucessão e aceitou a herança ou o legado.

2. Factos designativos
OS factos designativos (Art.º 2026º) são as circunstâncias que atribuem a alguém a quali-
dade de sucessível. ML critica a formulação do Art.º já que o testamento e o contrato não são
títulos de vocação, por ser negócios jurídicos que atribuem a qualidade de sucessível antes da
morte do de cuius, enquanto a vocação apenas ocorre no momento da abertura da sucessão.
Para além disso, a lei não é um facto designativo, tendo de ocorrer sempre um fato que de-
termina a sua aplicação, como o parentesco ou o casamento, ou até um NJ. Efetivamente,
mesmo nos casos de testamento ou pacto sucessório, a sua eficácia designativa resulta igual-
mente da própria lei.
Os factos designativos podem ser:
• negociais: o testamento e o pacto sucessório, que dão origem à sucessão testamentária
e à sucessão contratual.
• não negociais: são as relações jurídicas familiares (casamento, parentesco e adoção), as
relações parafamiliares de união de facto e convivência em economia comum e o vínculo da
cidadania portuguesa, na base da sucessão legitimária e da sucessão legítima.

Os factos designativos, que resultam da designação sucessória, não atribuem uma quali-
dade sucessora definitiva: essa qualidade só surge no momento da abertura da sucessão, po-
dendo alterar-se até lá.

3. Hierarquia dos factos designativos


A hierarquia das designações sucessórias resulta da forma como a lei estabelece a relevân-
cia dos factos designativos, permitindo assim determinar qual deles prevalecerá no momento
da morte do autor da sucessão.
• 1º → Sucessão legitimária: em relação à qual o Art.º 2027º estabelece que não pode ser
afastada pela vontade do autor da sucessão, prevalecendo consequentemente sobre as suces-
sões contratual e testamentária. A lei reserva injuntivamente uma parte da herança, denomi-
nada de legítima (ou quota indisponível), aos herdeiros legitimários, a qual o autor da suces-
são não pode dispor (Art.º 2156º), seja por testamento, seja por doações mortis causa, seja
mesmo por doações em vida. Caso o autor da sucessão tenha efetuado uma disposição que
afete a legítima, os herdeiros podem proceder à sua redução através do instituto da redução
por inoficiosidade (Art.º 2168º e ss). A sucessão legítima não pode, assim, ser afastada por
nenhum outro facto designativo.
• 2º → Sucessão contratual: O autor da sucessão não pode afetar a posição do donatário
após a sua aceitação (Art.º 1701º/1 e 1705º/1), como seria o caso se fizesse testamento a fa-
vor de um terceiro. Prevalece sobre a testamentária, porque os pactos sucessórios são irrevo-
gáveis e, nos termos do artigo 1700, apenas permitidos na convenção antenupcial.

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• 3º → Sucessão testamentária: (2179º e ss). Prevalece sobre a sucessão legítima dado


que, nos termos do Art.º 2131º, a mesma só tem lugar se o autor da sucessão não tiver dis-
posto dos seus bens por morte. A forma mais comum de o fazer é por testamento (Art.º
2179º), através do qual o autor da sucessão pode proceder à instituição de herdeiro ou à no-
meação de legatário por morte. Deve referir-se, no entanto, que a designação testamentária é
frágil, uma vez que o testamento é eminentemente revogável (Art.º 2179º/1 e 2311º e ss).
Assim, a todo o tempo a designação testamentária pode ser revogada.
• 4º → Sucessão legítima: (Art.º 2131º) só atua quando não haja manifestação da vontade
do autor, sendo que este tipo de sucessão é afetada por qualquer disposição efetuada pelo
autor da sucessão, seja ela contratual ou testamentária, exigindo-se, no entanto, que a mesma
seja válida e eficazmente celebrada. As normas que a consagram são supletivas e só se aplicam
quando o autor da sucessão não exerceu a sua liberdade dispositiva mortis causa, por testa-
mento ou pacto sucessório, quando este seja permitido. Assim, a sucessão legítima abre-se
quando não existam herdeiros legitimários ou, mesmo que estes existam, quando já tenham
sido compostas as duas legítimas e o autor da sucessão não tenha disposto por morte da tota-
lidade ou de parte dos bens de que podia dispor.

4. A sucessão jurídica dos sucessíveis designados em vida do autor da sucessão

Questão controvertida: Qual a posição jurídica dos herdeiros legitimários em relação à he-
rança durante a vida do de cuius, atendendo às limitações das possibilidades que este tem de
pôr em causa a sua legítima, quer através de disposições mortis causa, quer através de doa-
ções em vida?
A lei reconhece aos herdeiros legitimários a possibilidade de reagir em vido do autor da
sucessão contra os atos deste que possam prejudicar o seu património. Efetivamente, em caso
de ausência, os herdeiros podem requerer a instituição da curadoria provisória (Art.º 91º) ou
definitiva (Art.º 99º e 100º), sendo que, neste último caso, têm mesmo direito a receber os
bens do ausente (Art.º 103º). Em caso de incapacidade os herdeiros podem mesmo requerer o
acompanhamento do seu familiar, com a sua autorização (Art.º 141º/2). No caso dos herdeiros
legitimários, estes têm mesmo legitimidade para arguir a nulidade por simulação dos negócios
gratuitos e onerosos celebrados em vida do autor da sucessão com o intuito de os prejudicar
(Art.º 242º/2). E, precisamente para evitar a simulação, em relação aos descendentes, a lei
exige o consentimento, ainda que suscetível de suprimento legal, para a venda a outros des-
cendentes (Art.º 877º). Da mesma forma, exige-se o consentimento dos presumidos herdeiros
legitimários para a partilha em vida (Art.º 2029º/1), podendo os que sobrevierem ou se torna-
rem conhecidos posteriormente exigir a composição em dinheiro da parte correspondente
(Art.º 2029º/2).

Em virtude destas faculdades, Paulo Cunha sustentou a existência, ainda em vida do autor
da sucessão, de um verdadeiro direito subjetivo dos seus herdeiros legitimários à sucessão, o
que permitiria falar num “direito ao direito de suceder”. Para o autor, embora em vida do au-
tor da sucessão, os herdeiros legitimários não tenham qualquer direito sobre os bens deste, o
facto de poderem reagir contra os atos do autor da sucessão destinados a prejudicá-los implica
ter que se reconhecer-lhes, durante a vida do de cuius, um verdadeiro direito que teria por
objeto a proteção da sua futura sucessão, sendo assim um direito ao direito de suceder.
ML e a restante da doutrina contesta esse entendimento. Efetivamente, apenas com a
abertura da sucessão, no momento da sua morte, se consolida a designação sucessória com o
chamamento dos sucessíveis, podendo até lá ocorrer inúmeras alterações, que afetam a de-

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signação sucessória, designadamente a morte dos sucessíveis designados ou o surgimento de


novos herdeiros legitimários. Precisamente por esse motivo, a lei determina que é apenas com
a abertura da sucessão que se adquire o domínio e a posse dos bens da herança (Art.º 2050º),
pertencendo os mesmos até lá ao autor da sucessão. Por outro lado, se o autor da sucessão
mão pode afetar a legítima através de doações em vida, não está impedido de celebrar negó-
cios de alienação onerosos e gastar o dinheiro assim adquirido em consumos pessoais. Da
mesma forma, pode contrair dívidas, caso em que os bens do seu património serão destinados
primordialmente ao pagamento das mesmas. Nesses casos são muito limitadas as possibilida-
des de os herdeiros reagirem contra esses atos do autor da sucessão, uma vez que apenas
poderão requerer medidas de acompanhamento, verificados os respetivos pressupostos (Art.º
138º e ss).
Por isso, a maioria da doutrina entende que, em relação aos herdeiros legitimários, o que
existe é apenas uma expetativa juridicamente tutelada de virem a suceder, o que lhes permite
exercer as faculdades acima referidas.

Questão controvertida: A situação dos sucessíveis contratualmente designados, como no


caso das doações mortis causa, que constituem pactos sucessórios e por isso não podem ser
unilateralmente modificados ou revogados pelo autor da sucessão, uma vez que o princípio da
estabilidade das convenções, previsto no Art.º 406º/1 só admite a sua alteração ou extinção
nos casos expressamente previstos na lei.
Os pactos sucessórios feitos na convenção antenupcial não podem ser unilateralmente re-
vogados depois da aceitação, nem pode o doador prejudicar o donatário por atos gratuitos de
disposição (Art.º 1701º/1 e 1705º/1) a menos que, nas doações dos esposados a favor de ter-
ceiro, tenha sido expressamente reservada essa faculdade (Art.º 1705º/2). E mesmo a aliena-
ção onerosa dos bens exige autorização do donatário ou o respetivo suprimento judicial, só
sendo admissível nos casos de grave necessidade, própria ou dos membros da família a cargo
do doador (Art.º 1701º/2). Nas doações para casamento é por outro lado excluída a revogação
por ingratidão do donatário (Art.º 975º a)).
Apesar disso, a designação contratual não é imutável, podendo ser em vários casos afeta-
da. É assim que a lei prevê que as doações mortis causa podem caducar se o donatário vier a
falecer antes do doador (Art.º 1703º e 1705º/4). Da mesma forma, a designação na convenção
antenupcial como herdeiro ou legatário de um terceiro que intervenha no ato como aceitante
fica sem efeito se a convenção caducar (Art.º 1705º/1), o que ocorre nos casos previsto no
Art.º 1716º. Também se forem estabelecidas na convenção antenupcial disposições por morte
a favor de terceiros com caráter correspetivo, a invalidade ou revogação de uma das disposi-
ções produz a ineficácia da outra.
Daí que também na sucessão contratual se deva considerar que os sucessíveis não possu-
em em vida do autor da sucessão nenhum direito subjetivo à sua sucessão, mas apenas uma
expetativa juridicamente tutelada.

Apesar do disposto no Art.º 2179º e 2311º, existe ainda alguma proteção conferida em vi-
da do autor da sucessão aos sucessíveis testamentários, que consiste na possibilidade de re-
quererem em vida a curadoria provisória ou definitiva dos bens do ausente e de serem nome-
ados curadores provisórios ou definitivos (Art.º 91º, 92º, 100º a 104º). Esses sucessíveis são
interessados para decretar a nulidade ou anulabilidade do testamento, iniciando-se o prazo a
partir do momento em que têm conhecimento do testamento e da causa de nulidade e, por-
tanto, ainda em vida do autor da sucessão (Art.º 2308º).

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Essa proteção não parece, porém, suficiente para se considerar que existe alguma posição
jurídica atribuída ao sucessível testamentário antes da abertura da sucessão. Na sucessão tes-
tamentária a designação sucessória não confere qualquer direito subjetivo à sucessão, nem
sequer uma expetativa jurídica.

A mais frágil de todas é a sucessão legítima – 2131º/1.

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CAPÍTULO 9 – A ABERTURA DA SUCESSÃO

A abertura da sucessão é o momento inicial do fenómeno jurídico sucessório, em que se


verifica a extinção do autor da sucessão – inicia-se, assim, o processo que permite atribuir as
situações jurídicas às pessoas determinadas como sucessíveis, terminando o processo com a
aceitação por parte destas e partilha, ainda que estas venham a retroagir à abertura da suces-
são (Art.º 2050º/2 e 2119º). Nos termos do artigo 2031º, abre-se no momento da morte do
seu autor e no lugar do seu último domicílio.

1. O momento da abertura da sucessão


Nos termos do Art.º 2031º a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, coinci-
dindo assim com o seu falecimento.
A determinação do momento da abertura da sucessão é decisiva, uma vez que da sua fixa-
ção precisa depende a determinação dos sucessíveis que podem ser chamados à herança. As-
sim, p.e, se morrer num acidente um casal sem filhos, mas em que ambos os cônjuges tenha
sobrinhos, se o marido falecer em primeiro lugar, a mulher herdará dele, pelo que apenas os
sobrinhos desta receberão as duas heranças. Pelo contrário, se a mulher tiver falecido antes
do marido, serão os sobrinhos do marido que adquirirão as duas heranças, nada recebendo os
sobrinhos da mulher. Uma vez que a sucessão depende da determinação do momento da mor-
te de ambos, o mesmo deverá ser apurado judicialmente, podendo ser utilizados para o efeito
todos os meios de prova legalmente admissíveis.
No entanto, em certos casos a determinação de quem sucedeu primeiro pode ser de prova
difícil. Por isso, estabelece-se no Art.º 68º/2, a denominada presunção de comoriência ou de
morte simultânea. Por esta forma se evita qualquer transmissão sucessória prévia entre os
comorientes, apurando-se os sucessíveis como se nenhum dos falecidos tivesse sobrevivido ao
outro.
Assim, é no momento da abertura da sucessão que se concretiza a designação sucessória e
que tem lugar consequentemente a vocação sucessória. É assim que o Art.º 2032º/1, determi-
na que, aberta a sucessão serão chamados à titularidade das situações jurídicas do falecido
aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham necessária
capacidade. A mesma situação ocorrer no caso de a vocação sucessória ser subsequente, já
que o Art.º 2032º/2, determina que a devolução a favor dos sucessíveis subsequentes retroage
ao momento da abertura da sucessão.
A verificação da condição aposta a uma disposição testamentária retroage ao momento da
abertura da sucessão (Art.º 2242º/1). Da mesma forma, a aceitação e repúdio da herança e
legado retroagem ao momento da abertura da sucessão (Art.º 2050º/2, 2062º e 2249º). Tam-
bém a partilha retroage ao momento de abertura da sucessão (Art.º 2119º).
O momento da abertura da sucessão é ainda relevante para a determinação do valor dos
bens sujeitos a colação (Art.º 2109º/1), bem como para o cálculo da legítima (Art.º 2162º/1) e
eventual redução por inoficiosidade (Art.º 2168º).

2. O lugar da abertura da sucessão


O lugar da abertura da sucessão corresponde ao sítio onde a lei considera que a mesma se
verificou, e que funciona assim como elemento de conexão para a aplicação das regras de
competência territorial.
Relativamente a ele, dispõe o Art.º 2031º que este corresponde ao último domicílio do au-
tor da sucessão, não coincidindo assim com o lugar da morte do autor. Trata-se, neste caso,

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do domicílio voluntário geral, previsto no Art.º 82º. Não relevando para este caso nem o domi-
cílio profissional (83º) ou o eletivo (84º).
O último domicílio do autor da sucessão corresponde ao da sua residência habitual, sendo
que se tiver residência alternada em diversos lugares, considerar-se-á domiciliado em qualquer
deles. Não tendo o de cuius residência habitual, considerar-se-á domiciliado no lugar de uma
residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar em
vida.

CAPÍTULO 10 – VOCAÇÃO SUCESSÓRIA

1. Vocação e devolução
A vocação consiste na atribuição do direito de suceder ao de cuius. O direito de suceder,
que é um direito subjetivo potestativo que se esgota no seu exercício, é o direito de aceitar ou
repudiar a herança. Alienar o direito de suceder não é possível; na verdade, o que faz é alienar
(ou transmitir) a herança.

Diferença entre vocação e devolução; querela.

• Pires de Lima e Gomes da Silva: Tese da autonomia dos dois conceitos – GS distinguia a
devolução da vocação, considerando a devolução como a escolha de entre os sucessíveis de-
signados, o que ou os que devem efetivamente suceder, considerando que só após “escolhidos
um ou mais sucessíveis, pela devolução, estes têm que ser citados pela lei, que lhes atribui o
direito de suceder, traduzível num poder potestativo, na faculdade jurídica de adquirir a he-
rança. É exatamente este fenómeno de atribuir a alguém o direito de aceitar a herança que se
chama vocação.

• Galvão Telles e PCR: Tese da identidade entre os dois conceitos – são sinónimos. PCR
considera que ambas consistem numa fase intermédia do fenómeno jurídico-sucessório, em
que, estando aberta a sucessão, não se verificou ainda o exercício positivo do jus delationis por
parte dos sucessíveis chamados.

• JDP: Tese de que os dois conceitos exprimem diferentes perspetivas da mesma realidade:
a vocação corresponde a uma perspetiva subjetiva do fenómeno, correspondente a atribuição
dos sucessíveis designados do direito de suceder, enquanto quer a devolução corresponderia a
uma perspetiva objetiva, correspondente à atribuição aos sucessores dos bens que integram a
sucessão. Haveria, assim, apenas uma diferença de perspetiva, já que enquanto a vocação
apenas se refere ao chamamento de pessoas, a devolução toma por base a aquisição de situa-
ções jurídicas.

• OA: Tese da diferenciação em função dos sucessores: para o autor a vocação é a atribui-
ção do direito de suceder e significa o mesmo que chamamento. Devolução é a fase que se
verifica em princípio em benefício de quem tem título de herdeiro, quando se dá a colocação
dos bens à disposição do chamado. Tal explica-se por o autor considerar que a transmissão da
posse para os sucessores prevista no Art.º 1255º apenas se aplicaria aos herdeiros, o que ex-
plicaria a inexistência de devolução a favor dos legatários, que adquiririam a posse a partir dos
herdeiros.

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• ML: considera não existir diferenciação relativamente à aquisição da posse por herdeiros
e por legatários, a ambos se aplicando o Art.º 1255º, não podendo aceitar a tesa da diferencia-
ção de acordo com os sucessores. Já relativamente à tese que defende a autonomia dos con-
ceitos, o Art.º 2024º parece autonomizar a vocação da devolução uma vez que apresenta a
devolução dos bens como uma consequência da vocação da devolução, uma vez que apresen-
ta a devolução dos bens como uma consequência da vocação. Mas noutras disposições legais,
como nos Art.º 2032º/2, 2037º/1, 2055º, 2125º/2, 2293 e 2294º, a devolução aparece identifi-
cada com a vocação. Não vemos, por isso, que haja justificação para estabelecer a uma sepa-
ração entre os dois conceitos, mas também não nos parece que sustenta serem apenas dois
prismas apresentados para descrever a mesma realidade. Efetivamente, quer a situação seja
apresentada de forma subjetiva como o chamamento dos sucessíveis, quer de forma objetiva
como a devolução dos bem que pertenciam ao autor da sucessão, o efeito é o mesmo, dado
que é sempre necessária a aceitação da herança ou legado para permitir a sua aquisição (Art.º
2050º).
Conclusão: A vocação é suscetível de ser encarada através de duas vertentes: a vertente
pessoal, através da determinação das pessoas que têm o direito de suceder (chamamento) e
a vertente patrimonial, através da atribuição das correspondentes situações jurídicas patri-
moniais (devolução), a ambas se referindo o Art.º 2024º.
A vocação ocorre normalmente no momento da abertura da sucessão, mas pode surgir
posteriormente. Efetivamente, se for chamado à sucessão um nascituro, uma vez que a voca-
ção fica dependente do seu nascimento (Art.º 66º/2), só nesse momento se concretiza a voca-
ção.

2. Pressupostos da vocação

PCR e JDP consideram os seguintes pressupostos:


1. Existência do chamado: desdobra-se em sobrevivência (ter atenção à comoriência e à
morte presumida, antes do autor da sucessão) ao de cuius e ter personalidade jurídica (há
exceções – 2033º e 2040º, nascituros)
2. Titularidade da designação prevalecente: aqueles que gozam de prioridade na hierar-
quia dos sucessíveis – sucessíveis prioritários.
3. Capacidade: idoneidade para se ser chamado a suceder como herdeiro ou legatário de
toda e qualquer pessoa e para se ser chamado a se suceder como herdeiro ou legatário de
certa pessoa.
▪ Possíveis impedimentos de legitimidade: indignidade (2034º) e deserdação
(2166º).

ML dispensa aquilo que considera uma dualidade constituída em relação ao conceito de


personalidade jurídica, quanto ao acrescento da existência do chamado. Assim:
i. Personalidade jurídica (suscetibilidade de ser titular de situações jurídicas);
ii. Capacidade sucessória;
iii. Titularidade de designação prevalecente.

i. Personalidade jurídica
O primeiro pressuposto da vocação é a personalidade jurídica do chamado. Enquanto que
a designação sucessória, uma vez que não traduz a atribuição de direitos, não pressupõe a
personalidade jurídica do designado, já a vocação não se pode concretizar sem que o chamado

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possua personalidade jurídica. Para ser chamado é necessário que o sucessível tenha adquirido
personalidade jurídica e que não tenha perdido essa personalidade.
Duas vertentes, assim, para este requisito:
– a personalidade ter-se-á desse constituir, normalmente antes da abertura da sucessão;
– que a mesma não se tenha perdido entretanto, em caso de não sobrevivência do suces-
sível não designado em relação ao de cuius.
• Aquisição da personalidade jurídica
A regra do Art.º 2033º/1 é a de que a personalidade jurídica deve ter sido já adquirida no
momento da abertura da sucessão. Essa regra é, no entanto, alargada em relação aos nascitu-
ros já concebidos, ainda que, nos termos do Art.º 66º/2, a aquisição desse direito dependa do
seu nascimento. Já no caso da sucessão testamentária ou contratual, os nascituros não têm
sequer que estar concebidos no momento da abertura da sucessão, podendo ser contempla-
dos desde que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão
(Art.º 2033º/2 a)) ainda que naturalmente também a aquisição do direito dependa do seu
nascimento (66º/2).

Capelo de Sousa: independentemente de o nascituro estar ou não concebido, beneficia


sempre da vocação ainda que a mesma fique dependente da conditio iuris do seu nascimento.
Pereira Coelho e Cristina Araújo Dias: restringem a existência de vocação em relação aos
nascituros já concebidos, entendendo que os mesmos beneficiam de uma personalidade jurí-
dica reduzida, que permite que sejam chamados à sucessão ainda antes do nascimento.
Leite de Campos: considera que a PJ surge no momento da conceção, pelo que entende
que o nascituro já concebido é chamado à sucessão e que os bens se transmitem para os seus
herdeiros, mesmo que ele não chegue a nascer vivo.
Carvalho Fernandes: a vocação a favor dos nascituros, ainda que retroaja ao momento da
abertura da sucessão apenas se concretiza no seu nascimento, existindo até essa altura uma
situação de direitos sem sujeito.
ML: uma vez que a aquisição da PJ depende do nascimento completo e com vida, apenas
nesse momento se concretiza a vocação, ainda que esta retroaja ao momento da abertura da
sucessão.

Posições em Teoria Geral do Direito Civil:


▪ Clássica: a PJ da pessoa inicia se com o nascimento completo e com vida. Os autores:
todas as vicissitudes que ocorram aqui designadamente doações ou posições testamentarias
ou legados não levam ao que se considere que a o nascituro tenha PJ. O 66/2 não contraria o
66/1. O nº 2 diz que todas as situações jurídicas atribuídas aos nascituros so se tornam eficazes
depois do nascimento completo e com vida. Uma doação que tenha sido feita antes desse
nascimento completo e com vida so se torna eficaz perante um nascimento completo e com
vida sem que exista eficácia retroativa. Eficácia “ex nunc”. Todos os direitos atribuídos a eles
não foram na verdade ao nascituro, mas há pessoa que nasceu.
▪ Teoria M.C: a vida intrauterina já é vida e o nascituro já é pessoa e se se considerar
que ele já é titular de direitos incluindo DP (direito á vida, integridade física). O art 2003 e
952/2 atribui aos nascituros esses direitos por exemplo. Os pais representam os filhos ainda
que nascituros (o nascituro já é titular de situações jurídicas). A única forma de lidar com este
preceito. Quando se dá o nascimento completo e com vida temos PJ e ninguém discorda. Se
houver a atribuição de atos q mim 25 e 50
o nascimento completo e com vida. Mas se tiver existido algum dos factos anteriores atras a PJ

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retroage ao momento da prática daqueles atos – verdadeira condição suspensiva. A quem foi
feita um legado e ele nunca nasceu (se não se verifica a condição o ato nunca produz efeitos).
No caso de nascer completo e com vida tem PJ para a frente e tem tbm PJ á data ou reportada
a data da prática do ato para não termos direitos sem sujeitos que encabece esses direitos. Se
não nascer nunca teve nada (vamos chegar a mesma conclusão de que chegaríamos na teoria
clássica; se nunca nascer nunca teve PJ).
▪ Versão do PPV: Para ele temos uma solução mais conservadora no sentido que tutela
ainda mais a vida intrauterina. Desde o dia 1 da conceção que o nascituro tem PJ. Não há re-
troatividades. É por isso q a lei permite que enquanto nascituro lhe seja permitido fazer doa-
ções etc. reconhece se aqui que ele tem PJ. O nascimento? Quando se da ele completo e com
vida temos apenas uma continuidade face aquilo que era a sua PJ já existente: o nascimento
em si não representa nenhum marco para a PJ mas sim para a capacidade de gozo que deixa
de ser limitada e agora referida à sua condição extrauterina. Questão diferente é de saber e se
não nascer? Se não nascer entra aqui a condição resolutiva. A PJ dos nascituros é atribuída
resolutivamente. Começa no dia 1 mas se chegarmos a fase do suposto nascimento que não
acontece então destrói se a PJ que foi atribuída (não há para a frente e nunca houve para trás).
Retroativamente vamos destruis a PJ que foi atribuída desde o início.
▪ A diferença entre as teorias: se tivermos uma doação no primeiro só produz efeitos do
nascimento completo e com vida e nunca retroage. Na segunda produz se efeitos á data da
formalização (em que ia produzir efeitos porque retroage). Para o PPV a doação considera se
desde o início. Na primeira é muito difícil de justificar a posição. No 952/2 diz nos que a doação
produz efeitos no nascituro.
▪ Dá se o nascimento completo e com vida e o bebé morre 1 dia depois: Para PPV tem
PJ desde a conceção até esse termo.
▪ O bebé morre antes de nascer: para a primeira nunca produziu efeitos. Para a segunda
era necessário nascer. Para a terceira foi destruído retroativamente.

• A procriação artificial após a abertura da sucessão


P. 104 e 105

• A atribuição a herança ou legado a favor de nascituro não concebido


A atribuição de uma herança ou legado a favor de nascituro não concebido implica a sujei-
ção a administração por parte da pessoa viva de quem este seria filho ou, no caso de esta ser
incapaz do seu representante legal (Art.º 2240º/1). Já no caso de o nascituro estar concebido,
a herança é administrada por quem administraria os seus bens, caso ele já tivesse nascido
(Art.º 2240º/2), normalmente ambos os seus progenitores.
Questão controversa: como é a forma de realizar a partilha quando entre os interessados
se encontram nascituros não concebidos (concepturo)?
No caso dos nascituros já concebidos, o Art.º 1092º/1 c) CPC, prevê a suspensão da ins-
tância no processo de inventário até ao nascimento do interessado, mas esta disposição difi-
cilmente se pode aplicar aos nascituros ainda não concebidos, não sendo, por isso, clara qual a
solução a adotar para a partilha da herança no caso de os mesmos terem sido contemplados
em testamento ou pacto sucessório.
→ Tese da comunhão temporária obrigatória (PCR): a partilha não se pode fazer senão a
partir do momento em que haja a certeza de que não surgem mais filhos, pelo que os bens
devem ficar em comunhão indivisa até estar excluída a possibilidade de surgirem mais interes-
sados. Até esse momento a herança seria colocada sob administração, podendo os adminis-
tradores ser os herdeiros já nascidos, a seu requerimento e mediante a prestação de caução.

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Argumenta-se o facto de a lei equiparar as deixas a nascituros às deixas sob condição suspen-
siva e que o interesse dos concepturos não fica acautelado com uma partilha apenas entre os
já nascidos, uma vez que estes poderiam dissipar os bens e cair posteriormente em situação de
insolvência, prejudicando assim os direitos dos futuros interessados.
→ Tese da partilha aproximativa (Cunha Gonçalves): a partilha deve fazer-se entre nasci-
dos e nascituros, devendo calcular-se os concepturos que se espera que venham a existir, efe-
tuando-se a partilha de acordo com essa expetativa, e fazendo-se posteriormente a necessária
correção, quando se tiver a certeza de que não existem mais filhos, ou quando surgirem filhos
acima do esperado.
→ Tese da partilha sob condição resolutiva (Pereira Coelho): a partilha pode fazer-se logo
após a abertura da sucessão, ficando, porém, obrigatoriamente sujeita a uma condição resolu-
tiva, no caso de ocorrer o nascimento completo e com vida.
→ Tese da atribuição de um direito a tornas (JDP): a partilha pode fazer-se imediatamen-
te, havendo, em caso de nascimento posterior, lugar à aplicação analógica do Art.º 2029º/2: a
quota do herdeiro superveniente é composta em dinheiro.

ML: A teoria da comunhão forçada obrigatória afeta profundamente os restantes herdei-


ros (opção inviável).
A teoria da partilha aproximativa abre as portas ao arbítrio, uma vez que é puramente es-
peculativo o cálculo dos futuros herdeiros. A teoria da partilha sob condição resolutiva implica
a constituição sob condição de todos os direitos de propriedade dos herdeiros (Art.º 1037º),
com todos os inconvenientes que isso acarreta, quanto à disponibilidade dos bens (Art.º 274º),
a benefício de um futuro herdeiro, cujo eventual surgimento é meramente especulativo.
Conclusão: para ele a última teoria resolve a questão, julgando que se encontra estipulado
nos Art.º 1127º e 1128º CPC , que só admite anulação da partilha por preterição de um dos
herdeiros em caso de dolo ou má-fé dos outros, devendo nas restantes situações o herdeiro
preterido requerer a composição do seu quinhão em dinheiro.
• A personalidade jurídica das pessoas coletivas: p. 108.

• A sobrevivência em relação ao de cuius


Uma vez que a personalidade jurídica tem que existir à data da abertura da sucessão, a
mesma não pode ter cessado, antes desta data, podendo falar-se, por isso, na exigência da
sobrevivência do sucessível não pode ter falecido (ou se extinguindo , no caso das pessoas
coletivas) antes ou ao mesmo tempo que a abertura da sucessão.

ii. Capacidade sucessória


Art.º 2033º: estabelece que têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas
nascidas e concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não excetuadas por lei.
Aqui a capacidade sucessória adquire-se logo com a conceção (ao contrário da atribuição
da PJ), ainda que a aquisição pelo nascituro fique dependente do seu nascimento (Art.º 66º/2).
Em certos cassos, a capacidade sucessória é limitada em função da fonte de designação. É
o que sucede no Art.º 2033º/2, onde é atribuída capacidade sucessória aos nascituros não
concebidos que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão,
assim como às pessoas coletivas e às sociedades.

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A capacidade sucessória pode ser entendida em sentido amplo (capacidade para suceder a
toda e qualquer pessoa) ou sentido restrito (toma-se em consideração a idoneidade para su-
ceder a certa e determinada pessoa).
Neste último caso a capacidade sucessória, aproxima-se do conceito de legitimidade: é o
que acontece com a indignidade e deserdação, que revestem caráter relativo, só impedindo o
chamamento em relação à sucessão de uma determinada pessoa, permanecendo o visado
como capaz em relação a toda e qualquer outra sucessão.

• Indignidade sucessória (Art.º 2034º)


A primeira situação de incapacidade é a denominada indignidade sucessória. Nos termos
do Art.º 2034º carecem de capacidade sucessória, por motivo de indignidade.
A lei restringe, portanto, a situações de indignidade a casos especialmente graves, de aten-
tados contra a vida e honra do autor da sucessão e seus familiares, contra a liberdade de testar
e contra o próprio testamento.
Na alínea a) surgem crimes contra a vida do autor da sucessão ou seus familiares. Na alí-
nea b) surgem os crimes contra a honra das mesmas pessoas.
Tem de haver uma condenação efetiva – Art.º 2035º/1 e 2.
Na alínea c) está em causa um atentado contra a liberdade de testar, através da prática de
dolo ou coação sobre o autor da sucessão, que o induz a fazer, modificar ou revogar o testa-
mento. Naturalmente que este facto tem que ser praticado antes da abertura da sucessão.
Apesar de o dolo ou a coação ser causa de anulação do testamento (Art.º 2021º), a mesma
releva também para efeitos de indignidade. Efetivamente, devendo o testamento ser um ato
pessoal, livre e espontâneo, a prática destes atos por outrem justifica plenamente a aplicação
da sanção da indignidade.
Na alínea d) constitui-se um atentado contra o próprio testamento, o qual pode ser prati-
cado antes ou depois da abertura da sucessão. Estão em causa nesta alínea os atos dolosos se
subtração, ocultação, inutilização, falsificação ou supressão do testamento, bem como o apro-
veitamento destes factos.

Esta enumeração é taxativa?


A maioria da doutrina considera taxativa, por se tratar não apenas de uma norma excecio-
nal, e por isso, impossível de integração analógica, mas também por se tratar de uma pena
civil, que como tal deveria estar sujeita ao princípio da legalidade.

A indignidade não resulta autonomamente da prática dos factos acima referidos, tendo a
mesma quer declarada ou na própria sentença condenatória penal ou em ação instaurada para
o efeito, designadamente pelo MP (Art.º 2036º).

Quanto aos prazos previstos no Art.º 2036º: ML considera que é sempre necessário respei-
tar os prazos relativos à interposição da ação, pelo que, uma vez decorridos os mesmos, cadu-
ca a possibilidade de declarar a indignidade.

Discussão sobre se a ação relativa à declaração de indignidade é de mera apreciação, de


condenação ou constitutiva: p. 114

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Efeitos: Art.º 2037º. P. 115


Em relação aos efeitos da indignidade, dispõe o Art.º 2037º/1 que, declarada a indignida-
de, a devolução da sucessão ao indigno é havida como inexistente, sendo ele considerado,
para todos os efeitos, possuidor de má-fé dos respetivos bens. Em consequência, o indigno É
havido como não chamado, tanto na sucessão legal como na testamentária.
Surgem, porém, algumas dúvidas quanto à aplicação do regime da indignidade na sucessão
legitimária atendendo à existência nesta do instituto de deserdação.
Leite de Campos defendeu que, sendo a indignação vigente na sucessão legitimária, sendo
este o único regime aplicável nesta modalidade de sucessão. O.A. sustentou que na sucessão
legitimária a indignidade só funcionava a título supletivo, quando não fosse possível de recor-
rer à deserdação.
Mais longe, Pereira Coelho e Capelo de Sousa consideram que a indignidade constitui uma
figura geral, que por isso é plenamente aplicável à sucessão legitimária, não constituindo a
deserdação sequer um regime especial. PCR e JDP entendem que o Art.º 2034º se aplica
igualmente ao herdeiro legitimário, tendo assim a indignidade plena aplicação em matéria de
sucessão legitimária, apenas sendo indispensável interpor a respetiva ação se o herdeiro legi-
timário já tiver sido deserdado pelo autor da sucessão. ML concorda.

Segundo o Art.º 2037º/2, na sucessão legal, a incapacidade do indigno não prejudica o di-
reito de representação dos seus descendentes. A contrario, aprece que na sucessão testamen-
tária a incapacidade do indigno não permitirá aos seus descendentes invocarem o direito de
representação.
A lei prevê, porém, a possibilidade de aquele que tiver incorrido em indignidade, mesmo
depois de esta ter sido judicialmente declarada, readquirir a capacidade sucessória no caso de
o autor da sucessão expressamente o reabilitar em testamento ou em escritura pública (Art.º
2038º/1). Exige-se, assim, uma declaração expressa de reabilitação do autor da sucessão (Art.º
217º) feita sob qualquer uma destas formas. O Art.º 2038º/2 admite, porém, que, não haven-
do reabilitação expressa, mas sendo o indigno comtemplado em testamento quando o testa-
dor já conhecia a causa da indignidade, aquele possa suceder dentro dos limites da disposição
testamentária. Temos assim um caso de reabilitação tácita, mas cuja operatividade legal é
limitada à disposição testamentária, não funcionando para efeitos das outras modalidade de
sucessão.
A doutrina, porém, discute se esta reabilitação tácita no âmbito da disposição testamentá-
ria admite a possibilidade de acrescer por parte do indigno (Art.º 2301º e ss) ou se a mesma
está excluída. PCR, considera admissível o acrescer, verificados os respetivos pressupostos
falar do indigno. OA e Carvalho Fernandes respondem negativamente, considerando que a
limitação do Art.º 2038º/2 não se aplica apenas ao título da sucessão testamentária nos seus
precisos termos.
ML prefere esta última interpretação, uma vez que, não tendo o testador procedido à rea-
bilitação plena do indigno, como poderia fazer, não se deve admitir outros efeitos que não
aqueles que expressamente resultam da disposição testamentaria.

• A deserdação
Art.º 2166º – a deserdação constitui um instituto típico da sucessão legitimária, permitin-
do ao autor da sucessão privar um herdeiro legitimário da sua legítima quando se verifique em
relação ao mesmo alguma das seguintes circunstâncias.

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A deserdação tem que ser realizada em testamento, pelo que está sujeita às mesmas re-
gras de forma do testamento, podendo também ser revogada pela mesma forma.
Para poder efetuar a deserdação, o testador tem que indicar expressamente a causa que
só pode ser alguma das causas taxativamente referidas nesse artigo. Se não o fizer ou indicar
uma causa inexistente, a deserdação será nula.

Na terceira causa (al. c) há quem diga que é desnecessário e absurda, já que quem possui
bens de que pretende deserdar (o herdeiro legitimário) não carece, evidentemente, de alimen-
tos nem pode exigi-los. Concordamos que a hipótese não será frequente, mas não pode ser
excluída, podendo, por exemplo, ocorrer que um pai tenha recusado alimentos ao filho na sua
infância, tendo este depois adquirido bens pelo seu trabalho, que não queira que o pai venha a
herdar, procedendo, por isso, à sua deserdação. A deserdação só será, porém, admissível se a
recusa tiver ocorrido sem justa causa, devendo considerar-me como justa causa o facto de o
sucessível não ter meios para poder pagar os elementos.
No caso da recusa de alimentos, prevista no Art.º 2166º/1 c), apesar de a violação da res-
petiva obrigação constituir crime previsto no Art.º 250ºCP,a lei não exige que o sucessível
tenha sido condenado criminalmente para o autor da sucessão poder deserdá-lo. Já em ambos
os casos previstos no Art.º 2166º. A) e b), a lei exige que ocorra a respetiva condenação crimi-
nal, sem a qual não pode haver deserdação. PCR e JDP defendem, no entanto, nas hipóteses
em que o herdeiro tenha praticado o crime, mas ainda não tenha sido condenado, a possibili-
dade de uma deserdação condicional, para a hipótese de a condenação vir a ocorrer posteri-
ormente à feitura do testamento, por aplicação analógica do Art.º 2035º/1. Parece-nos de
facto admissível essa possibilidade, uma vez que por essa via se continua a respeitar o princí-
pio da tipicidade das causas de deserdação.
Embora a lei refira apenas a sucessão legitimária é obvio que a deserdação afeta igualmen-
te a sucessão legítima e a testamentária, até porque o deserdado é equiparado ao indigno
para todos os efeitos legais (Art.º 2166º/2). Já em relação à sucessão contratual existe antes
outro instituto paralelo: a revogação da doação por ingratidão do donatário (Art.º 1705º/3 e
970º/3). Assim, se num testamento o testar aparecer a deserdar o herdeiro legitimário, parece
claro que o mesmo é privado não apenas da legítima, mas também do direito de suceder na
sucessão legal, bem como do que lhe tenha sido atribuído por testamento anterior. Já, porém,
se após a deserdação ou forma concomitante com ela, o testador efetuar uma disposição tes-
tamentária a favor do deserdado, parece-nos que ele poderá suceder dentro dos limites da
disposição testamentária, por aplicação analógica do Art.º 2038º/2.

Deserdação parcial: ou seja, a hipótese de o testador privar o herdeiro legitimário de me-


tade da legítima. PCR e JDP respondem negativamente, em virtude do princípio da indivisibili-
dade da vocação6 (Art.º 2055º e 2250º) e da intangibilidade da legítima (Art.º 2163º), conside-
rando consequentemente nula a cláusula testamentária que contenha uma deserdação parci-
al.
ML considera o contrário: quem pode o mais pode o menos, e se o testador pode privar o
herdeiro legitimário da legítima, nada impede que o passa privar de uma parte da mesma, até
porque, como acima se sustentou, pode igualmente beneficiar o herdeiro legitimário com uma
disposição testamentária. Por outro lado, não se justifica impedir o testador de punir o herdei-
ro legitimário pela forma que entende ser mais adequada ao seu comportamento, que pode

6
Ver infra em “o princípio da indivisibilidade da vocação”

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não justificar uma declaração integral. Finalmente, sustentar a nulidade de deserdação parcial
implica deixar o herdeiro legitimário que incorreu nalguma das hipóteses previstas no Art.º
2106º sem qualquer punição, quando o testador o entendeu sancionar com uma deserdação
parcial, o que o autor não considera correto. É admissível a deserdação parcial.

Deve, por força do Art.º 2166º/2 considerar-se aplicável à deserdação a hipótese de reabi-
litação do deserdado, que qual depende da revogação da disposição testamentária a estabele-
cer a deserdação. Essa revogação pode ser expressa, nos termos do Art.º 2312º, ou tácita, nos
termos do Art.º 2313º. Quanto a esta, o Art.º 2038º/2, esclarece, no entanto, que o facto de o
deserdado ser contemplado em testamento só lhe confere o direito de suceder nos precisos
limites da disposição testamentária, o que exclui a possibilidade de a sucessão ocorrer nos
termos da sucessão legítima ou legitimária.
Sendo o herdeiro legitimário objeto de uma deserdação ilegal, a forma correta de reagir,
nos termos do Art.º 2167º, é a ação de impugnação da deserdação, para a qual a lei estabelece
um prazo de 2 anos a contar da abertura do testamento. Deve, no entanto, considerar-se que
esse prazo pressupõe que o deserdado esteve presente na abertura do testamento, tendo, por
isso, conhecimento nessa data da deserdação. Não sendo esse o caso, deve considerar-se, por
analogia com o Art.º 2059º e 2038º, que o prazo só se inicia quando o interessado teve conhe-
cimento do testamento e da deserdação.

A ação de impugnação da deserdação, prevista no Art.º 2167º tem como pressuposto legal
a inexistência da causa invocada, pelo que não pode ser utilizada quando a deserdação ocorre
sem indicação de qualquer causa ou com uma causa não prevista na lei, como na hipótese de o
testador dizer que deserda o filho porque ele não tem o visitado nos últimos anos.
PCR sustenta que para uma deserdação nessas condições tem que se considerar como ju-
ridicamente inexistente. JDP sustenta que o deserdado poderá arguir a nulidade da disposição
testamentária, nos termos do Art.º 2038º.
ML tem que se considerar que uma deserdação que não obedeça aos requisitos da mesma
deve considerar-se inexistente, não se justificando, por isso, sequer uma ação de nulidade do
testamento. Se não for invocada nenhuma das causas do Art.º 2166º, a deserdação não produz
qualquer efeito.

iii. A titularidade de designação prevalecente


O último pressuposto da vocação sucessória é a titularidade da designação prevalecente.
São apenas chamados os sucessíveis que gozam de prioridade na hierarquia da sucessão, de-
signados, por isso, como sucessíveis prioritários. Assim, o filho é chamado antes do irmão do
de cuius em virtude da prevalência de classes. Apenas se ele não quiser ou não puder aceitar a
herança é chamado o sucessível subsequente retroagindo a vocação ao momento da abertura
da sucessão (Art.º 2032º/2).

3. O princípio da indivisibilidade da vocação


O princípio da indivisibilidade da vocação implica o chamamento do herdeiro ou legatário
não pode implicar uma aquisição meramente parcial da herança ou do legado. Efetivamente, a
lei estabelece que o sucessível designado não pode aceitar nem repudiar em parte a herança
(Art.º 2054º/1) ou o legado (Art.º 2250º/1) a que foi chamado.
Assim, aquele que é chamado por um só título de vocação tem que aceitar ou repudiar na
integralidade a vocação pela qual foi chamado, não podendo proceder a uma repartição desse

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título – vocação una. V.g.: o filho do de cuius, se for chamado a receber a sua legítima subjeti-
va não pode pretender ficar apenas com uma parte da mesma. Da mesma forma, se o testador
instituir alguém como legatário de uma quinta, não pode este referir que só pretende ficar
com uma parte da quinta, repudiando a parte restante.
Vocação múltipla: também aqui o princípio da indivisibilidade da vocação se aplica, nos
casos em que exista uma pluralidade de títulos sucessórios. O Art.º 2055º: a lei pressupõe que,
mesmo em caso de pluralidade de títulos de vocação, a aceitação e repúdio abrangem ambos
os títulos.

Exceções ao princípio: Art.º 2055º/1, 2ªparte, e nº 2; Art.º 2058º/2; Art.º 2250º/1, 2ª par-
te, e nº 2; Art.º 2306º. P. 121.

4. Modalidades de vocação
• Vocação originária ou vocação subsequente
A vocação originária é a que se verifica na data da morte do de cuius, artigo 2032º/1.
Já a vocação subsequente é a que se concretiza num momento posterior à morte do de cuius.
Normalmente é originária, mas podemos distinguir alguns casos de sucessão subsequente:
i. O sucessível não prioritário, que é chamado quando os primeiros sucessíveis não po-
derem ou não quiserem aceitar a herança/legado (2032º/2). Retroage ao momento da aber-
tura da sucessão.
ii. A vocação dos nascituros – a atribuição do direito de suceder só se efetiva no momen-
to do nascimento completo e com vida, em que adquirem personalidade jurídica (66º/2). Não
retroage ao momento da abertura da sucessão.
iii. A vocação do fideicomissário – o fideicomissário só é chamado após a morte do fidu-
ciário (que preserva a herança ou legado – 2293º/1º). Não retroage ao momento da abertura
da sucessão.
iv. Vocação sob condição suspensiva – a vocação deste sucessível só ocorre no momento
da verificação da condição (2035º/2, 2059º/2 e 231º/1/b). Retroage ao momento da abertura
da sucessão.

• Vocação pura e vocação impura (vocação condicional, vocação a termo ou vocação


modal).
i. Vocação pura: é a regra geral, não estando sujeita a nenhuma cláusula sucessória– a
sucessão legal é pura.
ii. Vocação condicional: típica da sucessão voluntária; está sujeita a uma condição.
iii. Vocação a termo: típica da sucessão voluntária; está sujeita a termo.
iv. Vocação modal: típica da sucessão voluntária; está sujeita a um modo (uma obrigação,
pessoal ou patrimonial, que recai sobre o beneficiário da liberalidade.
V.g.: Na sucessão voluntária, seja ela testamentária ou contratual, a vocação pode ficar su-
jeita a uma cláusula sucessória, como aquelas, bastando, para isso, que o testador ou as parte
no pacto sucessório estipulem essa cláusula. Nesse caso, haverá que considerar o regime geral
da condição e do termo, constante dos Art.º 270º e ss e 278º e ss. os quais são no entanto,
objeto de regulamentação especial no âmbito da sucessão testamentária, que regula a condi-
ção nos Art.º 2229º e ss, o termo no Art.º 2243º e o modo nos Art.º 2244º e ss. Já no âmbito
da sucessão contratual, o modo é regulado nos Art.º 963º e ss, relativo às doações.

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• Vocação una e vocação múltipla


i. Vocação una: o único sucessível é chamado a suceder com base num único título suces-
sório e numa única qualidade sucessória, sendo todos os outros casos de vocação múltipla. A
mesma é incompatível com a vocação do legatário, uma vez que este não pode receber todo o
património hereditário, já que o seu chamamento pressupõe a existência de outro herdeiro ou
legatário ou que ele seja também chamado noutra qualidade, como na hipótese de ser simul-
taneamente herdeiro e legatário.
ii. Vocação múltipla: o sucessível é chamado a suceder em mais do que um título de voca-
ção – na dupla qualidade de herdeiro e de legatário. Ou seja, pode haver várias hipóteses:
– chamamento dos vários sucessíveis da mesma qualidade por um só título: hipótese de
vários irmãos poderem serem chamados por sucessão legítima à herança do falecido. Aqui
implica-se a necessidade de partilha da herança.
– chamamento do mesmo sucessível por vários títulos ou qualidades: se o herdeiro for
chamado à sucessão simultaneamente como herdeiro legítimo e testamentário, temos uma
situação de pluralidade de títulos. Ou ocorrerá numa situação de o sucessível ser instituído em
testamento simultaneamente como herdeiro e legatário, caso em que, apesar de existir o
mesmo título, as qualidades em que é chamado são diferentes.
– chamamento da mesma ou de qualidades diferentes por vários títulos: põe se o pro-
blema da divisibilidade ou indivisibilidade da aceitação ou repúdio, no caso de o sucessível
querer aceitar a sucessão por um título ou qualidade e repudiá-la por outro. Naturalmente que
essa possibilidade está excluída na vocação única, que é absolutamente indivisível, mas mes-
mo a vocação múltipla só excecionalmente é divisível, uma vez que lei só em certos casos ad-
mite a possibilidade da aceitação por um título e repúdio pelo outro (Art.º 2055º).

▪ Sucessão Legal
a. Divisibilidade: no chamamento como legatário.
b. Indivisibilidade: no chamamento como herdeiro – que aceita enquanto herdei-
ro legitimário, também aceita como herdeiro legítimo (a sucessão legal é uma
unidade).
▪ Sucessão Contratual
a. Resulta de um contrato em vida que, pela sua natureza bilateral, já pressupôs a
aceitação da outra parte – a atribuição processa-se ope iuris, pelo que o pro-
blema da divisibilidade não se coloca.
▪ Sucessão Testamentária
a. Quando se desconhece a existência do testamento e a pessoa repudia a suces-
são legal, ainda poderá, eventualmente, aceitar a sucessão testamentária.
b. No caso de aceitar a sucessão legitimária, poderá, no entanto, repudiar o tes-
tamento.

• Vocação direta ou vocação indireta


i. Vocação direta: quando resulta de uma relação com o de cuius.
ii. Vocação indireta: quando resulta de uma relação entre o sucessível e o de cuius – os su-
jeitos ocupam uma posição porque outros sucessores não podem ou não queriam aceitar a
herança
a. Exemplos: direito de representação, direito de acrescer e substituição direta.

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A vocação direta é a regra. A vocação é indireta sempre que ocorre que um sucessível prio-
ritário não possa ou não queira aceitar a sucessão, sendo nesse caso chamado o sucessível
subsequente, vindo, nesse caso, a vocação deste a ser moldada sobre a anterior vocação do
sucessível prioritário, cuja posição é ocupada pelo sucessível subsequente, retroagindo a devo-
lução indireta à data da abertura da sucessão (Art.º 2032º/2). A vocação indireta não pressu-
põe, no entanto, a resolução de uma vocação anteriormente realizada, uma vez que a mesma
pode nem sequer chegar a ocorrer, como sucede no caso de pré-morte.

• Vocação comum e vocação anómala


i. Comum: originária, pura, direta e originária; corresponde ao padrão de normalidade.
ii. Anómala: são aquelas que fogem ao “normal”.

5. As vocações anómalas em especial


Serão analisadas as figuras da transmissão do direito de suceder, a substituição direta, o
direito de representação, o direito de acrescer e a substituição fideicomissária.
A primeira é uma vocação direta, enquanto substituição direta; as últimas correspondem a
modalidades de vocações indiretas, à exceção da substituição fideicomissária, que constitui o
exemplo mais impressivo de vocação sucessiva.

5.1. A transmissão do direito de suceder


Art.º 2058º: a transmissão do direito de suceder ocorre quando o sucessível chamado à
herança falece sem que a haja aceitado ou repudiado – transmite-se, o direito de suceder aos
seus herdeiros (aquele a quem é transmitido o direito de suceder tem o poder de aceitar ou
repudiar a herança) – nº 2. Aplica-se a heranças, mas também a legados (2249º).
Pressupostos:
– Chamamento de alguém a uma sucessão (do transmissário); este necessita de capacida-
de sucessória não apenas em relação ao transmitente, mas também em relação ao primitivo
do de cuius. Sendo a transmissão do direito de suceder uma vocação derivada, torna-se natu-
ralmente necessário que se preencham os pressupostos da vocação. Assim, se o transmissário
for incapaz de suceder em relação ao transmitente, nunca poderia ser chamado à herança
deste, onde de inclui o ius delationis e, se fosse incapaz em relação ao primitivo do de cuius,
não lhe poderia ser atribuído esse ius delationis.
– Falecimento do chamado sem que este tenha aceitado a herança ou o legado;
– Chamamento dos herdeiros do primitivo chamado;
– Aceitação por aqueles dessa sucessão.

A transmissão do direito de suceder não se pode, porém, verificar no âmbito da sucessão


contratual, uma vez que nesta o beneficiário da doação mortis causa tem que aceitar a pro-
posta de doação em vida do doador (Art.º 945º/1), o que faz na própria convenção antenupcial
(Art.º 1700º). Não é, por isso, possível que o beneficiário venha a falecer sem aceitar essa su-
cessão, não se podendo, então, transmitir o ius delationis para os seus herdeiros. → JDP.

Questão controvertida: constituirá a transmissão do direito de suceder uma hipótese de


vocação indireta?

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G. Telles e PCR: consideram que é vocação indireta, sendo que o fenómeno sucessório não
se encontrava concluído em relação ao primitivo de cuius, só indo sê-lo por via da atuação da
vocação pelos sucessores do transmitente que assim acabam por suceder também ao primeiro
de cuius.

O.A. e A. Varela e JDP: na transmissão do direito de suceder não ocorre um fenómeno de
vocação indireta, mas antes uma situação de dupla transmissão, pelo que os pressupostos da
vocação só tem que se verificar aquando da segunda abertura da sucessão, já não em relação
à primeira. A regência concorda, uma vez que tudo no regime da transmissão do direito de
suceder indicia a existência de uma dupla transmissão e não de uma vocação indireta. Em pri-
meiro lugar, o transmissário tem que aceitar a herança do transmitente para poder suceder ao
primitivo de cuius (Art.º 2058º/2), ao contrário do que se verifica nas vocações indiretas . De-
pois, o requisito da existência do chamado não tem que se verificar em relação à abertura da
primeira sucessão, podendo quem não era nascido à data da morte do primitivo de cuius ad-
quirir por transmissão o direito a aceitar ou repudiar a sucessão deste. Finalmente, tem que se
verificar a capacidade sucessória em relação às duas vocações, o que é dispensado no âmbito
das vocações indiretas (Art.º 2037º/2).

5.2. Substituição direta


A substituição direta, nos termos do artigo 2281º/1, ocorre quando o testador substitui
outra pessoa ao herdeiro instituído para o caso de este não poder (faltando capacidade, indig-
nidade ou deserdação ou em caso de pré-morte) ou não querer (repudio da herança) aceitar a
herança. Nos termos do artigo 2285º, aplica-se tanto a legados como a heranças.
Distingue-se da substituição fideicomissária (Art.º 2286º e ss.) e da substituição pupilar e
quase pupilar (Art.º 2297º e ss.) pelo facto de implicar uma única transmissão sucessória entre
o testador e o substituto (e daí a sua designação como substituição direta) ao contrário das
outras substituições, que envolvem duas transmissões sucessórias. Precisamente por esse
motivo, a substituição direita não tem limite de graus enquanto a substituição fideicomissária
só admitida em um grau (Art.º 2888º). De notar, por fim, que pode dar-se uma conversão legal
de uma substituição fideicomissária numa substituição direta – é o caso do artigo 2293º.

Em termos de modalidades: poderá ser singular ou plural (2382º), poderá ser reciproca ou
não recíproca (2283º), poderá operar em mais de um 1 grau (se x não quer aceitar, fica para y;
se y não quiser aceitar, fica para w; se w não quer aceitar, fica para z – não há qualquer limita-
ção legal à realização, daí que se entenda que seja permitido fazê-lo; quando o legislador quis
limitar graus fê-lo – é o caso da substituição fideicomissária).

Questão de se a substituição direta ocorre igualmente no caso de ser válida a deixa a favor
do substituto.
O. Ascensão e Carvalho Fernandes respondem afirmativamente, considerando que o insti-
tuidor pode ter previsto essa invalidade e é seguro que a sua vontade seria nesse caso de insti-
tuir o substituído, devendo, por isso, a referência a não poder aceitar a herança ou legado ser
entendida em termos amplos.

Questão de o caso do substituído falecer sem ter declarado se aceita ou repudia a suces-
são e se isso não constitui uma hipótese de não poder aceitar a herança, uma vez que nessa
situação se verifica antes uma transmissão do direito de suceder para os seus herdeiros, não se

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podendo, consequentemente, aplicar a substituição direta sem que essa transmissão seja re-
solvida.
O.A e C.F. admitem, porém, que o testador disponha em sentido contrário, determinando
a exclusão da transmissão do direito de suceder aos herdeiros nesse caso e determinado a
imediata vocação do substituto. Pelo contrário, PCR entende que a substituição direta não
deve operar se a vocação do substituído se chegar a concretizar, dando origem à transmissão
do direito de suceder, podendo nesse caso apenas admitir-se uma substituição fideicomissária,
designada um fideicomisso irregular (Art.º 2295º). A regência concorda.

Pergunta-se, poderá ocorrer na sucessão legal? A sucessão legal abrange a sucessão legi-
timária e a sucessão legítima: a primeira não poderá ser afastada pelo autor da sucessão, pelo
que não há lugar a substituição direta; a segunda poderá ser afastada pelo autor da sucessão,
no entanto, ao ser afastada, já não se está no campo da sucessão legitima, mas no campo da
sucessão unilateral ou bilateral (voluntária). Assim, não há substituição direta na sucessão
legal. A substituição direta, enquanto fonte voluntária, é típica na sucessão voluntária – de
natureza testamentária ou contratual.
A substituição direta constitui uma modalidade de vocação indireta e condicional. É indire-
ta porque a posição do substituto é moldada pela posição do substituído, que assim surge a
título intermédio. É condicional porque a vocação do substituto fica dependente de uma con-
dição suspensiva, consistente no facto de o substituído não poder ou não querer aceitar a su-
cessão.
A substituição direta, quando seja admitida, tem ainda como efeito afastar a aplicação do
direito de representação e do direito de acrescer. Efetivamente, estes institutos são incompa-
tíveis com a substituição direta – 2041/a)

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5.3. O direito de representação


Nos termos do artigo 2039º, a representação sucessória ocorre quando a lei chama os des-
cendentes de um herdeiro ou legatário (os representantes) a ocupar a posição daquele que
não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. O representante é chamado à sucessão
em função da sua ligação familiar com o sucessível. O direito de representação constitui uma
forma de vocação indireta que abrange os descendentes e os adotados, permitindo-lhes ocu-
par a posição do seu ascendente ou adotante que não quis ou não pode aceita a herança ou
legado. Este é, aliás, o único caso em que a lei favorece os descendentes perante o cônjuge,
permitindo-lhes que o não exercício ou rejeição da sucessão por parte do ascendente ou ado-
tante não prejudique o chamamento dos descendentes ou adotados à herança ou legado.
O direito de representação distingue-se da transmissão do direito de suceder regulado no
Art.º 2058º, porque nesta o chamado à sucessão faleceu sem ter podido aceitar a herança ou
legado enquanto naquele o representado não chegou a ser chamado ou rejeitado o chama-
mento sucessório. De acordo com a regência, no direito de representação ocorre apenas um
fenómeno sucessório, uma vez que a vocação subsequente a favor dos sucessíveis do repre-
sentado produz os seus efeitos logo no momento da abertura da sucessão.

O direito de representação funciona de forma distinta nas demais formas de sucessão:


– Na sucessão legal, o funcionamento vem regulado no artigo 2042º. Exige-se a verifica-
ção de dois pressupostos:
i. Filho ou irmão do falecido não possa ou não queira aceitar a herança. Aqui, vemos que
este instituto apenas funciona em relação aos filhos e irmãos do autor da sucessão pelo que
nem em relação ao cônjuge nem aos ascendentes se pode invocar direito de representação.
Assim, se o cônjuge falecer antes do autor da sucessão, os filhos do cônjuge não podem ser
chamados à sucessão, por efeito de direito de representação. Também se o autor da sucessão
deixar apenas avós paternos, por já terem falecido os avós maternos, os filhos destes, tios
maternos do de cuius, não podem beneficiar do direito de representação.

ii. Filho ou irmão do falecido tenha deixado descendentes ou adotados plenamente. Aqui a
lei já não contempla o cônjuge. A lei refere que a representação tem lugar qualquer que seja o
grau de parentesco, sendo assim irrelevante que o descendente seja filho, neto ou bisneto.

– Na sucessão testamentária, nos termos do artigo 2041º, tem como pressupostos:


i. Ao contrário do que se verifica na sucessão legal, em que o direito de representação
ocorre seja qual for a causa pela qual o sucessível anterior designado não pode ou não quer
aceitar a herança, neste caso a lei limita as causas que desencadeia, o direito de representação
à pré-morte ou ao repúdio, devendo, no entanto, ser equiparada à pré-morte a declaração de
morte presumida por força do Art.º 115º. Não haverá, por esse motivo, direito de representa-
ção nas situações de indignidade, como aliás também resulta a contrario do Art.º 2037º/2.

ii. Não verificação de causas de caducidade da vocação sucessória (Art.º 2317º - alíneas b),
c) e d)). Nos casos, porém, de a caducidade resultar de a pré morte ocorrer antes da verifica-
ção da condição suspensiva a que a disposição foi sujeita (al. b)), ou das alíneas c e d, a voca-
ção sucessória caduca, sem que o direito de representação possa operar.

iii. Herdeiro ou legatário designado tenha deixado descendentes ou adotados plenamente,


independentemente de qual seja o grau de parentesco.

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iv. Não disposição em contrário do sucessor (prevalecem a substituição direta e a substi-


tuição fideicomissária). 2041º/2.

Ver p. 129

– A sucessão contratual encontra-se prevista no artigo 1703º/2: doação por morte feita
por terceiro em favor de qualquer dos esposados, havendo predecessor do donatário – esta
doação não caduca quando sobrevivam descendentes legítimos. Este artigo coloca um possível
problema constitucional: a CRP proíbe preceitos discriminatórios (artigo 36º/4). De acordo
com a regência, não parece haver discriminação, uma vez que o objetivo é garantir o casamen-
to, daí que o direito de representação apenas funcione em relação aos filhos do casamento –
daquele casamento em particular. Se outra houver sido a estipulação das partes, não funciona
o direito de representação.
O direito de representação abrange apenas neste caso o predecesso do donatário
(1703º/2) e não o repúdio por este, ao contrário do que é regra geral neste direito (Art.º
2039º). Efetivamente, no âmbito da sucessão contratual a questão do repúdio não se pode
colocar dado o facto de a doação ser aceite em vida do doador.
O direito de representação é supletivo, podendo, por exemplo, ser afastado se na conven-
ção antenupcial, por exemplo, for instituída uma substituição direta nos casos de pré-morte.

Em termos de funcionamento: o direito de representação funciona por estirpes - cada es-


tirpe corresponde ao grupo de descendentes do representado -, sendo que, em cada estirpe,
cabe aquilo em que sucederia o ascendente respetivo (2044º). A estirpe, por conseguinte,
divide-se, de forma igual, pelos descendentes. Em consequência, o direito de representação
pode funcionar tanto na hipótese de ocorrer desigualdade de graus sucessórios como na hipó-
tese de os graus sucessórios sere iguais mas haver diversidade de estirpe, ou ainda quando a
estirpe seja só uma.
Em termos gerais, o direito de representação afasta três regras (verifica-se desigualdades
de graus sucessórios, com igualdade de estirpes – 2045º + 2138º):
▪ Preferência de grau de parentesco – 2135º.
▪ A sucessão por cabeça – 2136º: os descendentes ocupam a posição do herdeiro.
▪ O direito de acrescer: impede que se verifique direito de acrescer. 2137º

→ Desigualdade de graus sucessórios com pluralidade de estirpes


A primeira hipótese de verificação do direito de representação é a existência de desigual-
dade de graus sucessórios. Imagine-se que A é o de cuius, tendo tido dois filhos, B e C, dos
quais C é pré-falecido. C deixou por sua vez dois filhos, D e E, netos de A.

Esquema:
A

B C → (pré falecido)
½

D E
¼ ¼

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Neste caso, em virtude do pré-falecimento de Carlos, a regra da preferência de grau, cons-


tante do Art.º 2135º, determinaria que os netos não sucedessem, em virtude da maior proxi-
midade do filho. Uma vez que existe direito de representação, essa regra é afastado (Art.º
2138º). Nestes termos, D e E vão ser igualmente chamados à sucessão de A, mas não sucedem
em posição de igualdade com B, já que, uma vez que ocupam a posição que caberia a C, resta-
lhe apenas dividir a parte que a este caberia na herança.

→ Igualdade de graus sucessórios com pluralidade e estirpes


V.g.: A (de cujus), teve dois filhos, B e C, sendo ambos pré-falecidos. A tem 5 netos, uma
vez que B deixou 3 filhos (D, E, F) e C deixou dois filhos (G e H).

B C

D E F G H
1 1 1
¼ ¼
6 6 6
= 3/6 = 1/2 ¼+¼=½
½+½=1

Neste caso, embora já não esteja em questão a regra da preferência de grau, constante do
Art.º 2135º, uma vez que tanto B como C são pré-falecidos, a verdade é que a sua posição con-
tinua a ser considerada para efeitos de herança entre os netos do de cujus. Nestes termos, D, E
e F vão ser igualmente chamados à sucessão de A, mas não sucedem em posição de igualdade
com G e H, uma vez que, ocupando a posição de B, apenas podem repartir a parte que caberia
a este, recebendo assim apenas um sexto da herança. Já G e H, dado que ocupam a posição
que caberia a C, dividem a parte que a este caberia na herança, recebendo por isso apenas um
quarto da mesma. Em consequência, a existência do direito de representação vem afastar a
regra da divisão por cabeça prevista no Art.º 2136º (Art.º 2138º).

O direito de representação continua a existir mesmo no caso de as posições dos herdeiros


serem idênticas, como na hipótese de B e C terem afinal deixado apenas dois filhos a cada um:

B C

D E F G
¼ ¼ ¼ ¼

Nestes casos, o direito de representação continua a funcionar, uma vez que apesar de a si-
tuação parecer idêntica à de uma sucessão direta de A para os seus netos, a posição que ocu-
pavam os pais destes não é ignorada, continuando a partilha a ser efetuada por estirpes. As-

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sim, se D repudiar a herança ou for declarado indigno em relação a A, a existência do direito


de representação implica que a sua parte acresça apenas em relação a Eduardo e já não aos
restantes netos de A, uma vez que não são filhos de B (Art.º 2137º/2 e 2138º).

→ Unidade de estirpe
V.g.: A é o de cujus, tendo tido um único filho, B, que é pré-falecido, mas que deixou um
neto, C. Em vida, A tinha feito uma doação de um prédio a B, fazendo ainda a doação das suas
joias a uma amiga, D.

Neste caso, a existência de direito de representação é importante para se averiguar da ne-


cessidade de redução das liberalidades efetuadas em vida. Efetivamente, a doação das joias a
A poderia ser inoficiosa, caso a doação feita a B não fosse considerada para efeitos do cálculo
da legítima, permitindo a C interpor contra D uma ação de redução por inoficiosidade (Art.º
2168º e ss.). Mas, como C sucede por efeitos do direito de representação, o prédio que foi
doado a B conta para efeitos do cálculo da legítima (Art.º 2162º), pelo que a doação a D deixa
de ser considerada inoficiosa.

5.4. O direito de acrescer


O direito de acrescer implica a designação de vários sucessíveis para sucederem em con-
junto num mesmo objeto e a atribuição a pelo menos um deles do direito de suceder relativo à
parte que outro não pôde ou não quis aceitar. Em termos gerais, verifica-se na sucessão legal
hereditária (artigos 2137º e 2157º) e na sucessão testamentária (artigo 2301º a 2307º). Exce-
cionalmente, é admitido na sucessão contratual.
A regra base é a da igualdade de atribuições: entre legatários e entre herdeiros (2302º),
não podendo ocorrer de herdeiros para legatários e de legatários para herdeiros.
O direito de acrescer, em sentido amplo, subdivide-se em direito de não decrescer (quan-
do a porção que irá acrescer não está onerada com um encargo especial – 2306º, por força da
lei, sem necessidade de aceitação) e direito de acrescer em sentido estrito (quando a porção
acrescida está onerada com um encargo especial – a aquisição dependerá de aceitação, que
poderá repudiar ou aceitar, 2306º).
De acordo com o artigo 2306º, o direito de acrescer não ocorre se:
1. O legado for estritamente pessoal.
2. Se o testador haja disposto outra coisa (substituição direta).
3. Se existir direito de representação.

Algumas notas em relação ao funcionamento:


1. Opera nos casos de incapacidade sucessória por indignidade ou deserdação.

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2. A pré-morte não determina o acrescer – o pré-morto não chega a ser chamado à su-
cessão.
3. A parte do cônjuge é igual às demais.
4. Quando haja concurso entre cônjuges e ascendentes, fica 2/3 para o cônjuge e 1/3 pa-
ra os ascendentes. Se um dos ascendentes repudiar e funcionar o direito de acrescer, a parte
repudiada acresce aos ascendentes e não ao cônjuge.
5. Quando haja concurso entre cônjuge e descendentes e nenhum destes aceitar ou pu-
der aceitar, o cônjuge recebe a totalidade que lhes caberia, por via do direito de acrescer
(2141º).
6. Exceção – mistura entre herdeiros e legatários: artigo 2306º.

5.4.1. Pressupostos do direito de acrescer na SUCESSÃO LEGAL: (Art.º 2137º, 2138º,


2157º)
• Designação simultânea de vários sucessíveis da mesma classe para sucederem na heran-
ça
Exige-se, neste caso, que ocorra, por força da lei, uma designação conjunta dos vários su-
cessíveis na herança.

• Impossibilidade de aceitação ou repúdio da herança por parte de algum ou alguns desses


sucessíveis
Estando o sucessível impedido de aceitar a herança, ou se decidir proceder ao repúdio da
mesma, tem lugar o acrescer.
Este pressuposto tem, no entanto, um funcionamento diferente na sucessão legal do que
acontece noutras vocações indiretas, uma vez que não abrange as situações de pré-morte
(Art.º 2139º/2 e 2159º/2). V.g.: um cônjuge que faleceu antes do autor da sucessão e um filho,
aplica-se o regime do Art.º 2159º/1, para o cálculo da legítima, considerando-se o cônjuge
como não existente em lugar de se considerar a parte do cônjuge como acrescida ao filho. A
mesma situação ocorrer no caso de o cônjuge como acrescida ao filho. A mesma situação ocor-
re no caso de o cônjuge falecer previamente, havendo 5 filhos, fazendo-se a divisão entre eles
em partes iguais em lugar de 1/4 do cônjuge acrescer aos filhos (Art.º 2139º/2). Finalmente, se
existiram dois filhos e um falecer previamente, também não há lugar ao direito de acrescer,
sendo a legítima de metade da herança e não de 2/3 com o acrescer da posição do filho pré-
falecido (Art.º 2159º/2).
Tem sido, porém, controvertida na doutrina a questão de saber se o acrescer ocorre
igualmente nos casos de incapacidade sucessória por indignidade ou deserdação. A posição
maioritária (PCR e JDP) é a de que há lugar à aplicação do direito de acrescer em caso de in-
dignidade e deserdação.

O.A. equipara, pelo contrário, estes casos à pré-morte através de uma interpretação decla-
rativa lada, que incluísse no conceito de inexistência do herdeiro a inexistência jurídica e não
apenas física, não havendo lugar à aplicação do direito de acrescer.

ML: há lugar ao acrescer. No exemplo dado acima, se o de cujus tem 2 filhos e um é consi-
derado indigno, a legítima mantém-se em 2/3 da herança, acrescendo a parte do indigno à do
outro filho.

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• Inexistência de direito de representação (Art.º 2138º)


Efetivamente, se funcionar o direito de representação serão chamados à sucessão os des-
cendentes daquele que não pode ou não quis aceitar a herança, pelo que os sucessíveis da
mesma classe já não poderão beneficiar do direito de acrescer.
Regime do direito de acrescer na sucessão legal
O acrescer funciona apenas dentro da mesma classe de sucessíveis. Assim, se faltarem
apenas alguns dos sucessíveis da mesma classe a sua parte acrescer à dos outros (Art.º
2137º/2). Assim, se se verificar a falta de um dos descendentes, a sua parte acresce à dos ou-
tros descendentes e ao cônjuge. Já se faltar o cônjuge, não se verifica direito de acrescer pelas
razões acima expostas. Se se verificar a falta de descendentes, o cônjuge é chamado à totali-
dade da herança (Art.º 241º).
Como se verifica o acrescer no caso do cônjuge concorrer com mais de 3 descendentes? A
lei lhe atribui o direito a suceder em ¼ da herança. V.g.: se o cônjuge concorrer com 6 filhos,
aquele recebe 1/4 e os restantes 1/8 da herança cada um.
No caso de um dos filhos não poder ou não querer aceitar a herança, questiona-se se o
acrescer se faz por cabeça, cabendo um 1/6 a cada herdeiro ou se o cônjuge deve receber uma
porção dupla da dos filhos. Parece resultar do Art.º 2301º/2, ser esta última solução.
Se não houver descendentes, o cônjuge passa a integrar a segunda classe de sucessíveis
(Art.º 2133º/2). No caso dos ascendentes, o acrescer dá-se prioritariamente aos outros ascen-
dentes que concorram à sucessão, só passando para o cônjuge se todos estes faltarem (Art.º
2143º).
Questão: existindo ascendentes de segundo grau, estes podem vir a ser chamados se os
ascendentes de primeiro grau não quiserem ou não puderem ser chamados, ou, nesse caso, o
acrescer verifica-se logo para o cônjuge?
A primeira solução é defendida por A.V.
A segunda solução é defendida por O.A.

5.4.2. O direito de acrescer na SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA


No âmbito da sucessão testamentária, a lei prevê a existência de acrescer entre herdeiros
(Art.º 2031º) e entre legatários (Art.º 2302º e 2305º). Não se encontra prevista nenhuma situ-
ação de direito de acrescer de herdeiros sobre legatários e verifica-se uma única hipótese de
direito de acrescer de legatários sobre herdeiros (Art.º 2306º).

→ Pressupostos do direito de acrescer

• instituição de vários herdeiros ou legatários na herança ou legado (Art.º 2301º e 2302º)


A instituição não tem de ser conjunta, sendo apenas necessário que se verifique em rela-
ção à totalidade ou quota de bens, no caso da herança, ou ao mesmo objeto, no caso do lega-
do. A designação pode assim resultar de testamentos sucessivos, no caso de ambos serem
eficazes, como na hipótese de o autor da sucessão instituir por um testamento a A em metade
da herança e, num segundo testamento sem revogar o primeiro, atribuir a B a outra metade.

• impossibilidade de aceitação ou verificação de repúdio da herança ou legado por um


destes
No âmbito da sucessão testamentária incluem-se nos casos de impossibilidade de aceita-
ção a pré-morte ou a indignidade do sucessível designado.

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Questão: Há lugar à aplicação do direito de acrescer na sucessão testamentária se, no


momento da abertura da sucessão, se verificar uma causa de invalidade da disposição testa-
mentária em relação a algum dos herdeiros ou legatários instituídos?
G.T, C.S., C.F. defendem a aplicação do direito de acrescer nessa situação.
O.A., JDP e PCR rejeitam essa hipótese. ML concorda.

Existe a possibilidade de existência de acrescer no caso de resolução da disposição testa-


mentária por incumprimento do encargo por parte de um dos beneficiários (nos termos do
Art.º 2248º)?
PCR e JDP consideram existir aqui uma situação de acrescer, uma vez que ocorreria um ca-
so de ineficácia da aceitação do nomeado, o que equivaleria a um não poder aceitar a suces-
são.
ML não concorda: resolvida a disposição testamentária, a mesma é considerada superve-
nientemente ineficaz, o que não corresponde aos pressupostos do direito de acrescer.

Já no caso de revogação, total ou parcial, do testamento em que se instituía ou nomeava


um dos sucessíveis, parece claro que se exclui o acrescer, pois é esta a vontade do autor da
sucessão, tudo se passando como se essa disposição testamentária não tivesse existido.

• ausência de disposição em contrário do testado (V.g.: substituição direta): Art.º 2304º


Exemplo: substituição direta, prevista nos Art.º 2281º e ss., já que, se o testador determi-
nar a existência de substituto ao herdeiro ou legatário, o acrescer não se verifica.

• não ter legado natureza pessoal: 2304º


No âmbito dos legados de natureza pessoal, se o legatário nomeado não quiser ou não
puder aceitar o legado, o mesmo considera-se extinto, uma vez que fora instituído apenas para
benefício desse legatário. Nessa situação, não se verifica, por isso, direito de acrescer em rela-
ção aos restantes co-legatários.
No que é que consiste a expressão da natureza puramente pessoal do legado? Daqui deve
retirar-se a existência de um interesse particular do legatário, de natureza pessoal ou patrimo-
nial, como seria o caso da atribuição de financiamento para o legatário frequentar um curso
superior ou da entrega de cartas escritas pelo pai do legatário ao testador.

• inexistência de direito de representação: 2304º


À semelhança do que se verifica na sucessão legal (Art.º 2138º e 2157º), em caso de direi-
to de representação são chamados os descendentes daquele que não pôde ou não quis aceitar
a herança, o que impede, naturalmente, que beneficiem do acrescer os sucessíveis da mesma
classe.
Nada impede, porém, que o testador estabeleça regra diferente, determinando a exclusão
do direito de representação, e estabelecendo antes o acrescer.

→ Regime do direito de acrescer na sucessão testamentária


Em relação ao acrescer entre herdeiros: 2301º/1. O acrescer será efetuado em partes
iguais se os herdeiros tiverem sido instituídos dessa forma. Caso, porém, sejam desiguais as
suas quotas, a parte do que não pôde ou não quis aceitar é dividida pelos outros, respeitando-
se a proporção entre eles.

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Já no caso de se verificar a nomeação de vários legatários no mesmo objeto, independen-


temente de terem sido nomeados conjunta ou individualmente, o Art.º 2302º determina
igualmente que a parte daqueles que não quiseram ou não puderam aceitar acrescerá à dos
restantes, aplicando-se com as necessárias adaptações o regime estabelecido para os herdei-
ros. Assim, e por força do Art.º 2301º/2, se a nomeação dos legatários for efetuada em partes
iguais, a parte acrescida será dividida também de forma igualitária. Sendo desigual a nomea-
ção dos legatários, respeitar-se-á a mesma proporção para efeitos da divisão da parte acresci-
da entre eles.

Caso não haja lugar ao acrescer entre legatários: 2303º. V.g.: o testador A deixa toda a sua
biblioteca B, mas estabelece que um livro dessa biblioteca deve ser entregue a C, se não quiser
ou não puder aceitar o legado, o livro reverte para B.

Art.º 2306º: independentemente de o acrescer respeitar a herança ou o legado. Excetua-


se o facto de a parte acrescida ter encargos especiais estabelecidos pelo testador, conforme se
prevê nos Art.º 2244º e ss. Aqui, se essa parte acrescida for objeto de repúdio, a mesma rever-
te para a pessoa ou pessoas em cujo benefício os encargos foram constituídos. Apesar de a lei
apenas se referir a um repúdio da parte acrescida, para que este regime se possa aplicar é
necessário um duplo repúdio sucessivo, uma vez que só o mesmo permite demonstrar a fala
de interesse da deixa testamentária. Exige-se, consequentemente, que a deixa com encargos
seja objeto de repúdio por parte do herdeiro originariamente instituído, e que ocorra o cha-
mamento por acrescer de um co-herdeiro testamentário, que igualmente repudia. Verificando-
se esse duplo repúdio, a deixa reverte para o beneficiário do encargo, o que determina a extin-
ção do mesmo por confusão.
O Art.º 2307º: formulação que suscita dúvida sobre se, estando o sucessor originário sujei-
to à obrigação de conferir por virtude da colação, essa obrigação passa para o beneficiário do
acrescer. A doutrina tem entendido que uma vez que nesta norma estão em causa as obriga-
ções recebidas do de cujus e não as obrigações pessoais do faltoso, a obrigação de conferir em
resultado da colação não se pode considerar aqui incluída. Tal é confirmado pelo facto de, no
regime da colação, se prever a manutenção dessa obrigação em caso de direito de representa-
ção (Art.º 2106º e 2114º/2), mas não em matéria de acrescer.

5.4.3. O direito de acrescer na SUCESSÃO CONTRATUAL


O Art.º 994º exclui a existência de um direito de acrescer nas doações (o que engloba o
Art.º 1753º e 1700 e ss.).
O acrescer entre donatários só se poderá ocorrer por indicação do doador, em virtude da
declaração deste. Ao abrigo da autonomia privada o autor da sucessão pode assim estipular a
existência de um direito de acrescer entre donatários ou entre herdeiros ou legatários desig-
nados contratualmente.

• Instituição de vários herdeiros ou nomeação de vários legatários quanto ao mesmo


direito determinado;
• Impossibilidade jurídica de aquisição por um dos sucessíveis designados;
• Ausência de cláusula pactícia contrária (ex: substituição direta);
• Inexistência do direito de representação do art. 1703º/2;
• Doador tem que ter estipulado a possibilidade de direito de acrescer – o
aproveitamento da vocação contratual prioritária para definir a titularidade de todo o

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objeto a que a vocação respeita depende da vontade real do de cuius.

5.4.4. Natureza do direito de acrescer


Divide-se em:
• Direito de não decrescer – variante comum que se manifesta quando a porção acrescida
(que é aquela que um dos sucessíveis não quis ou não pode aceitar) não está onerada com
encargo especial.
Porção acrescida é adquirida por força da lei sem necessidade de aceitação do beneficiário
(funciona ipso iure), que não pode repudiar separadamente essa parte – art. 2306º/primeira
parte.
• Direito de acrescer stricto sensu – quando a porção acrescida está onerada com um en-
cargo especial.
A aquisição da porção acrescida depende de aceitação pelo beneficiário, que pode repudi-
ar a porção acrescida85 e aceitar aquela a que foi chamado diretamente - art. 2306º/segunda
parte.

p. 155 ML

5.5. A substituição fideicomissária


Art.º 2286º - noção imprecisa pois apenas se refere à regular, de deixas testamentárias a
título de herança. Faltam outras situações:
• Substituição fideicomissária pode ser feita num pacto sucessório (Art.º 1700º/2);
• Aplica-se aos legados (art. 2296º);
• Pode verificar-se quando faltar a estipulação ou encargo de conservar ou da reversão.

O Art.º 2296º estende a aplicação desta figura aos lesados. Trata-se assim de uma situação
em que o sucessor instituído em primeiro lugar (o fiduciário) fica obrigado a conservar o objeto
da sucessão para que ele reverta por sua morte em benefício de um segundo sucessor (o fidei-
comissário).

A substituição fideicomissária ou fideicomisso corresponde a uma hipótese típica de voca-


ção sucessiva, em que se verificam duas vocações, primeiro a favor do fiduciário e depois do
fideicomissário, após a morte deste. Ao contrário do que se verifica na vocação indireta, que
toma por referência outra chamado cuja vocação não se concretizou, aqui verificam-se e con-
cretizam-se duas vocações, as quais resultam do mesmo negócio jurídico (testamento ou pacto
sucessório) celebrado pelo de cuius, o que vai permitir a aquisição sucessiva dos bens por par-
te dos dois chamados.

5.5.1. Elementos constitutivos da substituição fideicomissária

• Dupla liberalidade com o mesmo objeto


O autor pretende beneficiar da substituição fideicomissária duas pessoas, o fiduciário e o
fideicomissário.
Essa dupla liberalidade corresponde habitualmente a uma disposição testamentária (Art.º
2286º e ss.), podendo ser uma deixa a título de herança ou um legado (Art.º 2296º). Mas pode,

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igualmente, a dupla liberalidade resultar de uma doação por morte ou por vida, Art.º 1700º/2
e 962º, respetivamente.
A dupla liberalidade tem que ter, porém, o mesmo objeto, tendo assim o fideicomissário
que receber os mesmos bens deixados ao fideicomissário, sem o que se estaria perante um
encargo a termo inicial e não uma substituição fideicomissária7. A substituição fideicomissária
envolve necessariamente uma disposição de bens, não podendo consistir na simples constitui-
ção de obrigações e esses bens terão que pertencer ao autor da liberalidade, sem o que tam-
bém não existirá substituição fideicomissária.

• Encargo imposto ao primeiro beneficiário da liberalidade de conservar durante a sua vida


o objeto da mesma para que este reverta por sua morte a favor do segundo beneficiário
O encargo limita-se à conservação dos bens. Já a sua transmissão por morte para o fidei-
comissário é uma consequência legal, que embora corresponda ao fim da obrigação de con-
servação, não corresponde a qualquer nova obrigação autónoma. Se o fiduciário não alienar e
mantiver os bens durante a sua vida, cumprir os termos do encargo existente na substituição
fideicomissária.

• Ordem sucessiva
As suas disposições gratuitas dos mesmos bens devem produzir efeitos numa ordem su-
cessiva.
A segunda disposição gratuita deve ser realizada em ordem a só ter eficácia após a extin-
ção da eficácia da primeira, com a morte do fiduciário. O fiduciário poderá assim aproveitar os
bens durante toda a vida, passando depois os mesmos a beneficiar o fideicomissário, salvo no
caso de este não sobrevier ao fiduciário. Daqui resulta esta ordem sucessiva na propriedade
dos mesmos bens, que passam a ser propriedade de uma pessoa depois de terem pertencido a
outrem durante toda a vida desta última.

5.5.2. Âmbito de aplicação


2286º e ss.
No âmbito da sucessão legitimária, a substituição fideicomissária é vedada pelo Art.º
2163º, que impede o testador de instituir encargos sobre a legítima contra a vontade do her-
deiro. Também não é conceptualmente admissível a aplicação da substituição fideicomissária
em relação à sucessão legítima, uma vez que a sua instituição por testamento ou pacto suces-
sório implicaria que os herdeiros legítimos passassem a sucessores testamentários ou contra-
tuais. É, aliás, o que sucede no caso previsto do Art.º 2295º/2, em que, no caso de proibição ao
herdeiro de dispor dos bens da herança, são considerados como fideicomissários os herdeiros
legítimos do fiduciário.

7
Se alguém deixar a outrem determinados bens e determinar que, no momento da morte deste, se-
jam pagos 50.000€ a terceiro, a situação não é de substituição fideicomissária, mas antes de legado a
termo inicial (Art.º 2243º).Nesta situação não há qualquer obrigação de conservação dos bens, pelo que
o beneficiário pode dispor dos mesmos, sendo apenas constituída uma dívida que se vencerá no mo-
mento da sua morte.

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5.5.3. Limites de validade


No caso do Art.º 2287º, naturalmente que a aquisição para os fideicomissários só se verifi-
ca com o falecimento do último dos fiduciários.
São nulas as substituições fideicomissárias em mais de um grau, como na hipótese de o fi-
deicomissário ser por sua vez designado fiduciário de outro fideicomissário (Art.º 2288º). Esta
proibição verifica-se, ainda que a reversão da herança para o fideicomissário fique sujeita a
condição (Art.º 2288º). Mas a lei não proíbe a estipulação de fideicomissos condicionais, admi-
tidos nos termos gerais do Art.º 2229º, como na hipótese de alguém condicionar a reversão
para o fideicomissário para o caso de o fiduciário falecer sem descendentes.
A lei já proíbe a utilização da condição para tentar elidir essa proibição, como na hipótese
de alguém determinar uma reversão para um segundo fideicomissário, subordinada a um
acontecimento futuro e incerto. Seria o caso de alguém determinar a atribuição dos seus bens
a António, com o encargo de os transmitir por morte para o Bernardo, mas que, se este último
falecesse sem descendentes, os seus bens passariam para Carlos.

Ao contrário do resto da doutrina (PL e AV; AO e JDP), que considera que o Art.º 2288º
apenas impede a condição suspensiva, e não a condição resolutiva, uma vez que nessa verifica-
se antes a resolução da vocação (Art.º 270º), sendo assim a mesma permitida pelo Art.º 2229º.
A regência considera que o espírito do Art.º 2288º é o de evitar a utilização da condição
para elidir a proibição das substituição fideicomissárias em mais de um grau, o que tanto se
verifica na condição suspensiva como na condição resolutiva. Ambas são, portanto, vedadas
por essa disposição.
Em caso de instituição de uma substituição fideicomissária em mais de um grau, a nulidade
dessa substituição fideicomissária não envolve a nulidade da instituição ou da substituição
anterior, apenas se considerando a segunda cláusula fideicomissária como não escrita, salvo se
o contrário resultar do testamento (Art.º 2289º).

5.5.4. Situação jurídica do fiduciário


Uma vez que estamos perante uma situação de vocação sucessiva, a vocação do fiduciário
concretiza-se logo no momento da abertura da sucessão, ainda que este tenha o encargo de
conservar os bens em ordem a permitir a futura vocação do fideicomissário, após a sua morte.
O fiduciário assume, assim, com a abertura da sucessão, o estatuto de herdeiro ou legatário ou
do de cuius, consoante sucede na totalidade ou numa quota da herança ou em bens determi-
nados (2030º/2)
A vocação do fiduciário é uma vocação impura, uma vez que é estabelecida a título provi-
sório, caducando com a sua morte a menos que o fideicomissário não lhe sobreviva, e se en-
contra onerada com um encargo de conservação dos bens atribuídos. Apesar de a lei se referir
ainda a um encargo de transmitir os bens a outrem, essa formulação não é correta, uma vez
que a substituição fideicomissária não é uma relação fiduciária, processando-se a devolução de
bens para o fideicomissário, de forma automática, sem necessidade da prática de qualquer ato
por parte do fiduciário.
Art.º 2290º/1/2. O fiduciário não tem possibilidade de alienar ou onerar os bens sujeitos
ao fideicomisso, devendo considerar-se nulos os negócios jurídicos que celebre nesse sentido,
nos termos gerais do Art.º 280º e 294º.
Mas é possível que isso seja autorizado por meio do Art.º 2291º/1 e 2.

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Caso o fiduciário seja herdeiro, responde pelos encargos da herança, nos termos do Art.º
2068º. No entanto, em consequência da futura reversão dos bens para o fideicomissário, os
credores pessoais do fiduciário não têm o direito de executar os bens sujeitos ao fideicomisso,
apenas podendo executar os seus frutos (Art.º 2292º).
Com a morte do fiduciário, ocorre a devolução da herança – ou do legado – ao fideicomis-
sário (Art.º 2293º/1) mas, se este não puder ou não quiser aceitá-la, fica sem efeito a substi-
tuição e a herança – ou o legado – considera-se definitivamente adquirida pelo fiduciário des-
de a morte do testador (Art.º 2293º/2). Neste caso, não funciona o direito de representação a
favor do fideicomissário, ainda que este tenha descendentes (Art.º 2041º/2 b)).

5.5.5. Situação jurídica do fideicomissário


Art.º 2294º e 2293º/1.
Uma vez verificada a devolução, se o fideicomissário não puder ou não quiser aceitar a he-
rança ou o legado, fica sem efeito a substituição, considerando-se s bens hereditários adquiri-
dos definitivamente pelo fiduciário com a morte do testador (Art.º 2293º/2). Mas admite-se
que o testador disponha em sentido contrário, desde que tal não corresponda a uma substitui-
ção de segundo grau (Art.º 2288º).

O Art.º 2293º prevê a conversão da substituição fideicomissária em direta, dando-se a de-


volução dos bens a favor do fideicomissário com efeitos desde a morte do testador. Este regi-
me é, no entanto, igualmente supletivo, pelo que nada impede que seja disposto em contrário.

Daqui resulta que, durante a vida do fiduciário, o fideicomissário não é titular de qualquer
direito sobre os bens da herança ou do legado, mas apenas de uma expetativa jurídica de lhe
suceder (porque o que no fideicomisso está em jogo é a vontade do disponente e essa deter-
mina que o direito do fiduciário se exerça de tal forma que não prejudique o futuro titular do
direito – o fideicomissário; o fiduciário é titular por morte do disponente e a vontade deste
implica a limitação do seu direito em atenção ao fideicomissário), que por isso se pode qualifi-
car como expetativa sucessória. É em função da tutela dessa expetativa que surge o Art.º 2291
e 2290º/3.

A vocação em benefício do fideicomissário encontra-se suspensa durante a vida do fiduciá-


rio, pelo que a devolução dos bens ao fideicomissário apenas de verifica no momento da mor-
te do fiduciário (Art.º 2293º/1). Uma vez verificada a devolução dos bens, o fideicomissário
torna-se proprietário pleno e definitivo dos mesmos, não estando sujeito a qualquer encargo
relativo à sua conservação, pelo que pode livremente dispor deles.
Ao contrário do que sucede com o fiduciário, que pode suceder a título de herança ou le-
gado, o fideicomissário é sempre qualificado como legatário se vier a suceder ao fiduciário. Na
verdade, se o fideicomisso respeita a bens certos e determinados, constitui um legado em
relação ao fiduciário e naturalmente também em relação ao fideicomissário. Mas se consistir
na totalidade ou numa quota da herança, embora a primeira devolução a favor do fiduciário
seja uma sucessão a título universal, já a segunda devolução a favor do fideicomissário é a
título particular, uma vez que incide sobre valores certos e determinados que a primeira su-
cessão permitiu concretizar.

5.5.6. Os fideicomissos irregulares


Art.º 2295º

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Os fideicomissos irregulares caracterizam-se por não corresponderem integralmente à si-


tuação descrita no Art.º 2286º, em que o autor da sucessão atribui ao fiduciário o encargo de
conservar a herança ou legado até à sua morte e ao fideicomissário o benefício da reversão da
herança ou do legado após a morte daquele. Nos fideicomissos irregulares, o autor da suces-
são, ou não estabelece o encargo de conservar o objeto da sucessão, ou não determina a atri-
buição a um fideicomissário do benefício da sua reversão. Não podemos, por isso, falar em
verdadeira substituições fideicomissárias, o que aliás resulta do próprio texto do Art.º 2295º
que, ao referir que “são havidas como fideicomissárias”, expressa apenas um ficção legal.
1ª hipótese: – Art.º 2295º/1 a)
Esta cláusula é válida, uma vez que o Art.º 2232º apenas proíbe a condição de não transmi-
tir os bens a determinada pessoa, sendo, porém, admitida como fideicomisso irregular a proi-
bição de o herdeiro ou legatário instituído dispor dos seus bens, caso em que serão havidos
como fideicomissários os seus herdeiros legítimos (Art.º 2295º/2). Neste caso, o de cuius esta-
beleceu a obrigação de conservar os bens, mas já não atribuiu o benefício da reversão dos
bens por morte a um substituto por si designado. A lei resolve assim a questão, considerando
como fideicomissários os herdeiros legítimos do fiduciário.

Restantes hipóteses: al. b) e c)


Nestes dois casos o de cuius já não estabelece o encargo de conservação dos bens, mas a
lei mantém esse encargo, ainda que lhe estabeleça uma atenuação. O fiduciário pode dispor
dos bens por ato entre vivos, sem necessidade de autorização judicial, mas para tanto tem que
obter o consentimento do fideicomissário (Art.º 2295º/3).

5.5.7. Natureza da substituição fideicomissária


TEORIAS → P. 170 e ss.

Regência: o objetivo da substituição fideicomissária, ao determinar a transmissão dos bens


para o fideicomissário, em caso de morte do fiduciário, é instituir uma propriedade a termo.
Na verdade, a situação não corresponde a qualquer negócio fiduciário, uma vez que não se
verifica nenhuma obrigação para o fiduciário de transmitir os bens a um terceiro. também a
situação extravasa do usufruto, uma vez que não só os poderes do fiduciário são mais amplos
do que os do usufrutuário, uma vez que incluem poderes de alienação dos bens (Art.º 2291º),
como também a aquisição dos bens pelo fideicomissário opera através de uma devolução su-
cessória (Art.º 2293º/1) e não em virtude do seu direito de propriedade.
Ver p. 173º.

5.6. O concurso de vocações anómalas


p. 174

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CAPÍTULO XI – A SUCESSÃO LEGÍTIMA

1. Generalidades
Art.º 2031.
A sucessão legítima ocorrer a título supletivo, só tendo lugar se não houver uma disposição
dos bens da herança por parte do autor da sucessão, o que ocorrer com frequência.
Para se poder afastar a sucessão legítima, a disposição de bens terá que ser válida e eficaz.
A sucessão legítima terá, assim, ainda lugar se a disposição testamentária for considerada invá-
lida (Art.º 2308º) e ss), for revogada (Art.º. 2310º e ss.) ou caducar (Art.º 2317º).
Mesmo em caso de disposição de bens válida e eficaz, a sucessão legítima continua a apli-
car-se relativamente a todos os bens da herança que não tenham sido abrangidos por essa
disposição.

2. Categorias de herdeiros legítimos


Art.º 2132º
Em consequência da equiparação da adoção à filiação, nos termos do Art.º 1586º e 1973º
e ss. são também considerados herdeiros legítimos o adotado e o adotante. Já o membro so-
brevivo da união de facto não é considerado herdeiro legítimo, tendo apenas, nos termos do
Art.º 2020º, o direito de exigir alimentos da herança do falecido.

Ordem da sucessão legítima nos termos do Art.º 2133º: o cônjuge sobrevivo integra a pri-
meira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer sem descendentes e deixar
ascendentes, caso que integra a segunda classe (Art.º 2133º/2).

3. Hierarquização dos sucessíveis legítimos


3.1. Generalidades
A hierarquização dos sucessíveis legítimos prioritários, os únicos a quem é atribuído o di-
reito de suceder, obedece a 3 regras gerais:
a) Preferências de classes
b) Preferência por graus de parentesco
c) Divisão por cabeça

a) Preferência de classes
Esta regra implica que os sucessíveis de uma classe preferem aos sucessíveis das classes
subsequente, pelo que apenas aqueles são chamados à sucessão.
Esta regra encontra-se consagrada no Art.º 2133º, que nos indica quais são as classes de
sucessíveis, acrescentando o Art.º 2134º que “os herdeiros de casa uma das classes de sucessí-
veis preferem aos das classes imediatas”. Também o Art.º 2317º prevê que os sucessíveis de
uma classe só são chamados a suceder se nenhum dos sucessíveis da classe anterior quiser ou
puder aceitar a herança.
V.g.: Imaginemos que o autor da sucessão deixa 2 filhos e dois pais. Como os filhos inte-
gram a primeira classe de sucessíveis e os pais a segunda, apenas os filhos serão chamados à
sucessão. Se um dos filhos repudiar a herança, e não tiver descendentes, a sua parte acresce-
rá à do outro filhos (Art.º 2137º/2). O chamamento dos pais apenas se verificará em caso de
ambos os filhos repudiarem a herança (Art.º 2137º/1).

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b) Preferência de graus de parentesco


A regra da preferência de graus de parentesco determina que, dentro de casa classe, os
parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais afastado (Art.º 2135º). Assim, se ao
autor da sucessão sobreviveram dois filhos e um neto, filho de um deles, os filhos são sucessí-
veis prioritários, preferindo aos netos. Consequentemente, o neto não será chamado à suces-
são do de cuius, sendo a herança repartida entre os dois filhos.
No entanto, a regra da preferência por classes de sucessíveis pode ser posta em causa pelo
instituto do direito de representação (Art.º 2138º). Assim, se ao autor da sucessão sobrevive-
rem dois filhos e um neto, filho de um outro filho, falecido antes do autor da sucessão, o neto
tem direito a concorrer à herança juntamente com os outros 2 filhos, na posição eu competia
ao anterior filho.

c) Sucessão l cabeça
• Regime geral
A regra da divisão por cabeça significa que os sucessíveis legítimos prioritários sucedem
em partes iguais e aplica-se, normalmente, entre parentes de cada classe (Art.º 2136), e na
situação do concurso do cônjuge com até 3 descendentes (Art.º 2139º/1, 1ª parte).
Assim, se o autor da sucessão sobreviverem dois filhos, a cada um deles caberá metade da
herança. Se lhe sobreviverem dois filhos e o seu cônjuge, a cada um destes sucessíveis será
atribuído um terço. Assim, os diversos herdeiros sucedem de forma igualitária.
A regra da divisão por cabeça é aplicável, mesmo no caso de existirem colaterais, que se-
jam duplamente parentes do falecido (Art.º 2148º). É o que ocorrerá, por exemplo, em relação
a primos, filhos de um casamento do irmão do pai com a irmã da mãe. Apesar do duplo paren-
tesco existente, a sua posição sucessória não é diferente da dos outros primos que sejam ape-
nas filhos de irmãos do pai ou de irmãos da mãe, aplicando-se a todos eles a regra da divisão
por cabeça.

• Exceções:
– Art.º 2139º/1. 2ª parte;
– Art.º 2142º/1;
– 2146º;
– 2138º

A primeira exceção determina, na segunda parte, que sempre que o cônjuge concorra com
mais de 3 descendentes, a regra da divisão por cabeça deixa de se aplicar, passando o cônjuge
a receber sempre ¼ da herança, enquanto os descendentes dividirão entre si os restantes ¾.

A segunda exceção estabelece que a sucessão do cônjuge com os ascendentes é totalmen-


te excluída da regra da divisão por cabeça, uma vez que neste caso ao cônjuge são sempre
atribuídos 2/3, cabendo aos ascendentes dividir entre si o terço restante.

A terceira exceção justifica-se pelo facto de existir habitualmente maior proximidade do


autor da sucessão em relação aos seus irmãos germanos (filhos dos mesmos pais) do que em
relação aos seus irmãos consanguíneos ou uterinos (filhos apenas do mesmo pai ou mãe), o
que justifica que estes herdem apenas metade do que compete àqueles. Esta exceção apenas
se aplica à sucessão dos irmãos e seus descendentes que os representem, pois se estiver em
causa a sucessão de colaterais, o Art.º 2148º volta a mandar aplicar a regra da divisão por ca-
beça, mesmo que algum dos colaterais seja duplamente parente do falecido.

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A última exceção refere-se à situação do direito de representação, uma vez que, nos ter-
mos do Art.º 2138º, a divisão por cabeça não prejudica o direito de representação, nos casos
em que este tiver lugar (Art.º 2039º e ss.). Nos termos deste direito, a divisão faz-se por estir-
pe (Art.º 2044º), pelo que a parte que competia ao sucessível que não pôde ou não quis acei-
tar a herança é atribuído ao conjunto dos descendentes desse mesmo sucessível. Em conse-
quência, havendo mais do que um sucessível do herdeiro pré-falecido, a regra da divisão por
cabeça deixa de ter aplicação, determinado antes o Art.º 2042º. Nesse caso, cabe o Art.º
2044º, o que implica que o direito de representação prejudique a aplicação da regra da divisão
por cabeça, quer em relação à sucessão dos descendentes (2140º), quer em relação à sucessão
dos irmãos e seus descendentes (Art.º 2145º).

4. A sucessão do cônjuge e dos descendentes


Art.º 2133º
Para poder suceder, o cônjuge tem de ter em vigor o seu casamento – Art.º 2133º/3
Atualmente, o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens por mútuo consentimen-
to podem ser igualmente decretados pelo conservador do registo civil, nos termos do Art.º
1776º/3 e 1794º, pelo que, caso tal tenha ocorrido o cônjuge não será igualmente chamado à
sucessão.
O cônjuge também não será chamado à sucessão em caso de inexistência (Art.º 1628 e
1630º), nulidade (Art.º 1625º) ou anulabilidade do casamento (Art.º 1631º). Nos dois últimos
casos, haverá, porém, que salvaguardar o regime do casamento putativo, pelo que se o cônju-
ge estiver de boa-fé terá direito de suceder, caso a morte do outro cônjuge ocorra antes do
trânsito em julgado da sentença de anulação (Art.º 1647º e 1648º).

Também não terá direito de suceder, nos casos do Art.º 116º e 118º.

Em contrapartida, o cônjuge mantém o seu direito de suceder em caso de separação de


facto ou de simples separação judicial de bens.
Já em relação aos descendentes, naturalmente que a sucessão depende de terem um vín-
culo de filiação estabelecido. Relativamente à mãe, o vínculo da filiação resulta do facto do
nascimento (Art.º 1796º/1), o qual é estabelecido através da declaração de maternidade
(1803º e ss.), averiguação oficiosa ou reconhecimento judicial (Art.º 1808º a 1814º e ss.). Rela-
tivamente ao pai – p. 183.

No caso da adoção: p. 183

5. A sucessão do cônjuge e dos ascendentes


Art.º 2142º
Da mesma forma que verificámos na classe anterior, o vínculo de casamento tem que se
manter vigente na data da abertura da sucessão para que cônjuge possa suceder. E os ascen-
dentes só sucedem se o vínculo de filiação se encontrar estabelecido, ainda que o seu estabe-
lecimento em data posterior tenha eficácia retroativa, nos termos do Art.º 1797º/2. No entan-
to, o Art.º 1856º estabelece que a perfilhação de filho falecido só tem efeitos a favor dos seus
descendentes, o que impede os ascendentes de serem chamados a essa sucessão ou à suces-
são dos seus descendentes. Já a inibição das responsabilidade parentais não exclui os pais ini-
bidos de serem chamados à sucessão dos seus filhos.

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No caso de ocorrer a sucessão conjunta do cônjuge e dos ascendentes, ao cônjuge perten-


cerão duas terças partes e aos ascendentes uma terça parte da herança (Art.º 2142º/1), não se
aplicando assim a regra da sucessão por cabeça.
Faltando o cônjuge, os ascendentes são chamados à totalidade da herança. Nesses casos,
aplicam-se totalmente as regras de preferência por graus de parentesco e da sucessão por
cabeça (Art.º 2142º/3).

6. A sucessão exclusiva do cônjuge


Art. 2144º

Questão controversa: o que se entende por falta de ascendentes?


A.V, PL, CF e JDP entendem que a sucessão exclusiva do cônjuge apenas ocorrer se não
houver um único ascendente que não possa ou não queira aceitar a herança, independente-
mente do grau do ascendente, uma vez que o Art.º 2143º estabelece um acrescer entre as-
cendentes. Pelo contrário, O.A. entende que, nos termos do Art.º 2143º, o acrescer apenas se
verifica em relação aos ascendentes que concorram à sucessão, pelo que em caso de repúdio
dos ascendentes em um grau, verifica-se o acrescer para o cônjuge e não para os ascendentes
de grau anterior.
Parece, no entanto, que o objetivo do Art.º 2143º é estabelecer que o acrescer para o côn-
juge apenas ocorre se não existir qualquer ascendente, seja qual for o seu grau. Na verdade, já
sendo a quota do cônjuge tão elevada quando concorre com ascendentes, não se justifica que
a mesma seja reforçada com o acrescer, em lugar de este beneficiar os ascendentes de grau
anterior. Assim, esse acrescer apenas se verificará em caso de inexistência de qualquer ascen-
dente, independentemente do seu grau.

7. Sucessão dos irmãos e seus descendentes


Faltando o cônjuge e os parentes na linha reta, são chamados à sucessão legítima os ir-
mãos e representativamente os filhos destes (Art.º 2133º/1 e 2145º). Se à sucessão concorre-
rem vários irmãos, a divisão faz-se, em princípio, por cabeça (Art.º 2136º), a menos que se
verifique o concurso entre irmãos germanos e irmãos unilaterais (consanguíneos e uterinos),
ou os filhos que os represente, caso em que o quinhão destes últimos é igual a metade dos
primeiros (Art.º 2146º).
Faltando os irmãos do falecido, são chamados à sucessão representativamente os respeti-
vos descendentes, ou seja, os sobrinhos, os sobrinhos-netos, sobrinhos-bisnetos… Há lugar à
aplicação da regra da preferência de grau (Art.º 2135º), sem prejuízo do direito de representa-
ção, sempre que a ele haja lugar (Art.º 2138º). Uma vez que nos termos do Art.º 1582º o pa-
rentesco na linha colateral só releva até ao sexto grau, a possibilidade de sucessão dos des-
cendentes de irmãos termina nos sobrinhos-trinetos.

8. Sucessão dos outros colaterais até ao 4º grau


Art.º 2147º
Na falta de herdeiros das classes anteriores, são chamados à sucessão os restantes colate-
rais até ao quarto grau, preferindo sempre os mais próximos. V.g.: tios, tios-avós; primos di-
reitos. Não adquirem quaisquer direitos sucessórios os restantes a partir do 5º grau.
Em virtude da regra de preferência de grau, os tios preferirão aos tios-avós e primos direi-
tos, parece que ambos concorrerão à sucessão, uma vez que não há preferência de grau entre
eles.

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O Art.º 2148º considera neste caso irrelevante o duplo parentesco, determinando que a
partilha faz-se por cabeça, independentemente de algum dos chamados à sucessão ser dupla-
mente parente do falecido. Efetivamente, e conforme acima se referiu, se o autor da sucessão
deixar primos do lado paterno e do lado materno, mas um dos seus primos o for de ambos os
lados, porque um irmão do seu pai casou com uma irmão da sua mãe, este seu primo herdará
por cabeça, exatamente, nos mesmos termos que os restantes primos.

9. A sucessão do Estado
Uma vez que os bens não podem ficar sem sucessor, determina ao art 2152 que, na falta
de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis, é chamado à herança o Estado. Apesar de a lei
referir que o Estado tem, relativamente à herança, os mesmos direitos e obrigações de qual-
quer outro herdeiro (Art.º 2153º), a situação do Estado enquanto herdeiro não é exatamente
igual à dos restantes herdeiros.
Art.º 2155º: o Estado não pode repudiar a herança, que se opera de direito.
Assim, em relação ao Estado não há lugar à aplicação do regime do Art.º 2050º e ss. e
2062º e ss., os quais são substituídos pela declaração judicial da herança vaga em benefício do
Estado (Art.º 2155º), considerando-se a herança jacente até à concorrência dessa declaração
judicial (Art.º 2046º).
Processo: p. 187.

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CAPÍTULO XII – A SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

A sucessão testamentária é um dos títulos de vocação sucessória ( 2026º CC). A sua regu-
lamentação consta dos artigos 2179º e seguintes.
Consiste na espécie de sucessão em que a designação sucessória resulta de um testamen-
to. Trata-se, assim, de uma modalidade de sucessão voluntária, resultante da autonomia pri-
vada do autor da sucessão.

1. Conceito de testamento
Definido no Art.º 2179º.
ML considera a definição pouco correta, já que o testamento não é um simples ato mas
um verdadeiro NJ, na medida em que , tirando as limitações resultante da sucessão legitimária,
o testador tem plena liberdade de estipulação dos efeitos jurídicos da sucessão.
Em segundo lugar, o testamento não é um ato necessariamente patrimonial ( o testador
poderá perfilhar, deserdar, designar tutor etc.).
O regente acolhe a definição de O.A. e JDP: NJ unilateral pelo qual alguém procede a dis-
posições de última vontade.

2. Características do testamento
• Características do testamento enquanto negócio jurídico:
O que justifica o a afirmação do caráter negocial do testamento é o facto de o testador
manter nos limites da sua quota disponível uma liberdade de estipulação plena, embora este
de alguma forma constrangido na sua liberdade de estipulação em virtude da proteção confe-
rida aos herdeiros legitimários.

i. unilateral
Nele integra-se uma só parte, o autor da sucessão enquanto testador, não dependendo da
manifestação de outra vontade que não a do testador.
A revogabilidade do testamento não é um obstáculo ao caráter contratual do mesmo, uma
vez quem sendo a proposta apenas aceite com a morte do testador, natural seria que ele con-
servasse a possibilidade de revogar o testamento durante a sua vida. Isto para compreender-
mos que a unilateralidade é uma característica do testamento, e o facto de o sucessor desig-
nado poder aceitar ou repudiar a disposição testamentária não o converte em contraparte no
testamento, uma vez que, por força do mesmo, após a abertura da sucessão e antes da aceita-
ção o sucessível adquire logo o direito de suceder, cujo conteúdo não pode modificar (Art.º
2054º/1 e 2064º/1). Não é, por isso, necessária qualquer aceitação para produzir os efeitos do
testamento, já que a designação e a vocação sucessória se verificam independentemente de
aceitação. Uma vez que o testamento produz os seus efeitos apenas em virtude da declaração
do testador, podendo ser também revogado unilateralmente por este, a qualificação que lhe
compete é a de negócio unilateral e não a de contrato.

ii. não recipiendo/não recetício


A vontade do sucessor testamentário é irrelevante para a válida conclusão do testamento,
a conclusão do testamento é independente do conhecimento do destinatário, verificando-se
efeitos logo que a vontade é manifestado pela forma adequada.
Em consequência, o testamento considera-se válido e eficaz a partir do momento em que
é celebrado por alguma das formas previstas na lei. O testamento e a aceitação da sucessão
são atos unilaterais distintos e autónomos, resultando imediatamente do testamento a desig-

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nação sucessória e apenas sendo possível a aceitação após a verificação da vocação sucessória,
em virtude da abertura da sucessão com a morte do seu autor.

iii. mortis causa: a morte é a causa que desencadeia os efeitos jurídicos;

iv. formal
Para a sua válida conclusão é necessária a observância da forma - 2204º a 2209º CC. A
inobservância da forma → nulidade, 286º CC;

v. revogável : até à morte do testador, o que resulta dos art. 2179º/1 CC e 2311º 8;

vi. singular
É um ato em que é permitido somente a uma pessoa manifestar a sua vontade. Todavia
será nula a disposição se o fim for contrário à lei como a objeto negocial.

vii. gratuito
Contém disposições patrimoniais em benefício de outrem sem qualquer contrapartida por
parte do beneficiário. Apesar de impor um encargo – 2244º CC – este não é uma verdadeira
contrapartida da atribuição do testador.

viii. individual
→ O caráter individual do testamento
Somente pode ser celebrado por uma pessoa, isto é, não pode, em testamento, testar
mais do que uma pessoa conforme o art. 2181º CC, de forma que seja garantido o pleno exer-
cício de liberdade de testar.
A proibição dos testamento de mão comum é justificada pelas seguintes razões:
• quando o testamento fosse cerrado, a morte de um dos co-testadores obrigaria à aber-
tura daquele e à consequente revelação da vontade do outro;
• o testamento de mão comum, mormente quando as disposições fossem recíprocas, faci-
litava as captações pois era usado, sobretudo, pelos cônjuges, um dos quais se impunha ao
outro;
• convertia-se o testamento recíproco numa espécie de contrato sucessório, mas, o co-
testador sobrevivo, depois de aproveitar os benefícios do falecido, podia revogar as suas dis-
posições, faltando aos compromissos tomados;
• ficava prejudicada a espontaneidade e liberdade do testador.

Salienta-se, no entanto, que esta proibição apenas inviabiliza que os testamentos sejam
realizados num único ato, tendo assim que ocorrer em atos distintos. Tal não impede, por isso,
que existam testamentos recíprocos, sendo até frequente a sua realização entre os cônjuges,
que habitualmente concentram entre si as disposições testamentárias para evitar que contra-
digam. No entanto, ao se exigir a sua realização em dois atos consegue-se evitar a influência
que um dos testadores poderia exercer sobre o outro, bem como manter em segredo as dispo-
sições testamentárias de cada um deles, que aliás podem continuar a ser unilateralmente re-
vogadas, assim se evitando a correspetividade entre os testamentos.

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JDP → apesar do testamento ser revogável até à morte, se a perfilhação for feita por esta via e o
testamento revogado, a perfilhação, não é prejudicada , conforme o 1858º CC, o testamento não é ne-
cessariamente revogável;

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→ Exceções ao caráter individual do testamento


• a conversão da doação por morte em testamento
A lei determinada que, apesar de nula, a doação por morte pode ser havida como dis-
posição testamentária, se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos (Art.º
946º/2). Neste caso, está-se perante uma aplicação particular da regra do Art.º 293º, admitin-
do-se a conversão do negócio nulo num negócio de tipo e conteúdo diferente, sem que seja
necessário demonstrar que a vontade hipotética das partes iria nesse sentido. Efetivamente,
as razões de proibição da doação por morte radicam do seu caráter contratual e, em princípio,
irrevogável, pelo que, sendo o testamento um negócio unilateral e revogável (Art.º 2179º/1)
não há obstáculo a que a doação por morte possa ser objeto dessa conversão.
Exige-se, porém, que tenham sido observadas as formalidades dos testamentos.
– Quais são?
G.T, P.L e A.V, consideram que a doação seja feita por escritura pública e que nela interve-
nham duas testemunhas, por força do Art.º 67º/3 do C. Not.
O.A. contradiz, referindo que a regra do Art.º 946º/2 não pode ser entendida literalmente,
uma vez que seria impossível uma doação revestir todas as formalidades dos testamentos,
dado que só um testamento o poderia fazer, bastando, por isso, que a doação tenha sido feita
por escritura pública ou forma notarial equivalente. C.F. e PCR concordam. Também ML consi-
dera esta a melhor opção, referindo as testemunhas não são essenciais e que se fossem neces-
sárias todas aquelas formalidades inviabilizaria qualquer hipótese de conversão ao abrigo da-
quele Art.º.
Assim, daqui resulta que a conversão ao abrigo do Art.º 946/2 constitui uma exceção ao
caráter individual do testamento, na medida em que possibilita que um negócio em que parti-
cipam dois outorgantes possa valer como testamento.

• a autorização do cônjuge para a disposição de coisa certa ou determinada do patri-


mónio conjugal
A existência de casamento não afeta a liberdade de testar dos cônjuges, referindo expres-
samente o Art.º 1685º/1, que cada um deles conserva a faculdade de dispor, para depois da
morte, dos seus bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições
impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários.
No entanto, relativamente aos bens comuns, o cônjuge, uma vez que apena sé titular da
sua meação, não pode dispor de coisas certas e determinadas (nº 2). Embora esta disposição
seja válida quanto ao valor, é nula quanto à substância, não atribuindo ao beneficiário o direito
de reclamar essa coisa.
O nº 3 b) reconhece, porém, ao beneficiário o direito de reclamar a coisa em espécie se a
disposição tiver sido autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testa-
mento. Neste último caso, a lei admite, assim, a intervenção do outro cônjuge no testamento
em ordem a conferir validade ao direito do beneficiário em relação à coisa em espécie, o que
constitui igualmente uma exceção ao caráter individual do testamento.

• a inclusão de disposições testamentárias na convenção antenupcial


O Art.º 1704 possibilidade aos esposados que instituam um terceiro como herdeiro ou
nomeiem legatário na convenção antenupcial, atribuindo-se, no entanto, cariz meramente
testamentário a essas disposições se não se tratar de pessoa certa ou determinada ou se não
intervier no ato como aceitante. A lei admite, inclusivamente, que nesse caso, fique consigna-

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da na convenção antenupcial a correspetividade dessas disposições, caso em que a invalidade


ou ineficácia de uma das disposições produz a ineficácia da outra (Art.º 1706º).

ix. Pessoal
→ Caráter pessoal do testamento
O art. 2182º. 1 CC, na sua conclusão, não é permitida a intervenção de um terceiro que re-
presente o autor; somente o próprio poderá intervir na celebração deste negócio.

→ Exceções ao caráter pessoal do testamento

• atribuição a terceiro da repartição da herança ou legando quando seja instituída ou no-


meada uma generalidade de pessoas (Art.º 2182º/2 a))
Trata-se, neste caso, de uma situação em que o testador institui uma generalidade de pes-
soas como herdeiros ou legatários, atribuindo, por exemplo, um sexto da sua herança aos
membros de um determinado clube, ou os livros da sua biblioteca jurídica aos advogados de
determinada comarca. Aqui a disposição testamentária não se encontra completa, faltando a
repartição da herança ou do legado entre os beneficiários, sendo, por esse motivo, permitido
ao testador atribuir a terceiro a faculdade de fazer essa repartição.

• A nomeação do legatário de entre pessoas determinadas pelo testador (al. b)


A lei veda ao testador a possibilidade de encarregar outrem de escolher herdeiro, mas já
lhe permite a nomeação de legatário desde que indique as pessoas de entre as quais a escolha
deve ser efetuada.

• A escolha do legado pelo onerado, pelo legatário ou por terceiro


Será, p.e., o caso de atestadora determinar o legado de uma das suas joias determinando,
porém, que competirá ao herdeiro onerado, à sua própria amiga ou a um terceiro, a escolha da
joia a receber.

• As substituições pupilar e quase-pupilar (respetivamente, Art.º 2297º e 2298º)


Na primeira situação, o progenitor que não estiver inibido total ou parcialmente do poder
paternal tem a faculdade de substituir aos filhos os herdeiros ou legatários que bem lhe
aprouver, para o caso de os mesmos falecerem antes de perfazer os 18 anos de idade. Na se-
gunda situação, essa faculdade é igualmente exercida pelo progenitor, sem distinção da idade,
no caso de o filho ser incapaz de testar em consequência de uma sentença de acompanhamen-
to.

3. Forma do Testamento (Art.º 2204º)


Sendo um negócio formal, o testamento deve respeitar a forma prescrita na lei, a qual in-
clui a necessidade de realização do testamento por escrito, a intervenção de oficial público na
elaboração ou na aprovação do testamento e a presença de testemunhas. Um testamento que
não respeite a forma legal é nulo pelo Art.º 220º.
Estas exigências têm funções preventiva (assegurar o caráter livre e consciente da declara-
ção do testador, garantindo que a mesma não é viciada, por captação, fraude ou violência),
probatória (destina-se a demonstrar externamente no testamento qual a última vontade do
testador) e executiva (apenas o testamento legalmente celebrado fornecer aos interessados

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um título eficaz perante os poderes públicos para o reconhecimento e defesa dos direitos dos
seus sucessores e para a sua realização prática).

3.1. Testamento público (Art.º 2205º)


Lavrado por notário em livro de notas para testamentos públicos (art. 2205º) e guardado
no cartório; tal não significa que o conteúdo seja determinado pelo notário nem tão pouco da
sua autoria, este simplesmente se limita redigir no livro de notas a vontade do testador.
• não é feito por escritura pública;
• pressupõe a intervenção de testemunhas instrumentárias (art. 67º/1/a e nº2 CN);
• tem caráter confidencial (O que não acontece nas escrituras públicas, que também não
exigem testemunhas e são inscritas noutro livro).

3.2. Testamento cerrado (Art.º 2206º – 2209º)


Tem os seus requisitos vistos no artigo 2206ºCC.
• tem que ser aprovado pelo notário – implica a nulidade do Testamento Ológrafo (aquele
que é escrito e assinado pelo testador) e do Codicilo (é escrito e assinado pelo testador con-
tendo apenas deixas a título de legado ainda que de pequeno valor);
• aprovação notarial é de índole formal;
• data da aprovação do testamento cerrado é a data do testamento (para efeitos legais do
art. 2191º e da verificação do preenchimento de outros requisitos de fundo) – art. 2207º;
• testador decide quanto à guarda e conservação do testamento.
• Posteriormente será provado pelo notário podendo ser conservado pelo próprio testar,
ser confiado à guarda de terceiro ou ficar depositado no cartório notarial ( 2209º CC).
• A sua apresentação terá de ocorrer perante notário, 3 dias após a morte do testador (
2209º.2 CC).
• O art. 2208 CC implica a não aplicação do nº2 do 2206º CC, Aquele que “ não sabe assi-
nar”, logicamente aquele que não sabe ler e vice-versa. Assim aquele que não saiba ler não
tem capacidade de gozo para dispor em testamento cerrado.

3.3. Testamento internacional (Art.º 4º CN)


Escrito pelo testador em qualquer língua e sem a exigência de ser manuscrito;
• tem de ser elaborado nos modelos da LUFTI (Lei Uniforme sobre a Forma de um Testa-
mento Internacional);
• deve ser assinado pelo testador e pode ser aprovado por notários (em território nacio-
nal) e agentes consulares portugueses (no estrangeiro) – resulta do art. 1º DL 177/79;
• certificado do testamento internacional equivale à aprovação do testamento cerrado;
• testador decide quanto à guarda e conservação do testamento

3.4. Formas Especiais de Testamento (p. 206º e ss.)


• Testamento Militar
• Testamento Marítimo
• Testamento feito a bordo de navio
• Testamento feito em caso de calamidade pública

Testamentos sujeitos a um prazo de eficácia – caducam 2 meses após a cessação da causa


que obstava a que o testador usasse as formas comuns do testamento (art. 2222º/1)

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• Demonstra que o uso das formas especiais do testamento são uma exceção.

Não é forma especial o testamento feito por português em território estrangeiro (art.
2223º) – trata-se aqui de uma restrição a uma regra de Direito Internacional Privado (do art.
65º) – para ser válido em Portugal tem que ter forma escrita, com intervenção de entidade
dotado de fé pública e observando a lei estrangeira competente.

3.5. Âmbito da forma legal


Uma importante característica do testamento como negócio formal é o facto de não admi-
tir a relevância de outras estipulações do testado que não constem documento, ao contrário
do que o Art.º 221º prevê genericamente para a forma legal. Assim, o Art.º 2184º determina a
proibição do testamento per relationem (aquele que remete para outro ato que, por seu tur-
no, completa uma disposição testamentária constante do primeiro testamento). V.g.: Se o
testador disser no testamento que remete para instruções que deu ao seu advogado ou que as
suas disposições constam de um papel guardado num certo lugar, a disposição testamentária
não será considerada válida.
Questão controversa: a referência legal aos “documentos não escritos e assinados pelo
testador com data anterior à data do testamento ou contemporânea desta” permite conside-
rar válido o testamento que remeta para este tipo de documentos? Imagine-se a hipótese de o
testador determinar que deixa a determinada pessoa os imóveis que adquiriu por escritura
pública em certo dia, ou os móveis que constam e uma relação datada e assinada.
A.V e Daniel morais respondem afirmativamente, entendo que é válida uma disposição
testamentária essencial que conste de documento anterior ou com a mesma data escrito e
assinado pelo testador.
O.A., PCR, C.V. (posição maioritária): consideram que essa regra só se pode aplicar às dis-
posições testamentárias não essenciais, pois em relação a estas últimas a remissão só se pode
fazer para documentos que revista a forma legal de testamento ou de escritura pública, sob
pena de se pôr em causa a exigência de forma no testamento. Será, assim, válida a disposição
testamentária em que o testador deixa a alguém os imóveis que adquiriu por escritura pública
de uma determinada data, mas já não aquela em que deixa os imóveis referidos em certa pá-
gina do seu caderno de apontamentos.

4. Requisitos do testamento e das disposições testamentárias

4.1. Possibilidade física e legal e ilicitude do objeto e do fim do testamento


Em relação ao:
• fim (art. 2186º, ajustando o disposto no art. 281º ao testamento); V.g.: deixo uma casa pa-
ra explorar prostituição de terceiros (fim contrário à lei, art. 170º CP), para a prática de adultério (fim
ofensivo aos bons costumes), para a organização de atos terroristas (fim contrário à ordem pública).
• objeto ( aplica-se o 280º e quanto às condicionais e modais têm-se por não escritas, se-
gundo os Art.º 2230º e 2245º); V.g.: deixo a lua (fisicamente impossível), a praia da Cornélia – bem
de domínio público (juridicamente impossível), uma “coisa qualquer” (indeterminado).

4.2. Capacidade testamentária


Têm capacidade para testar todas as pessoas singulares capazes, isto é, quem não seja de-
clarado incapaz para o fazer ( 2188º CC) . Pode ser divida de em:
• ativa: aludida no 2188º CC;

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• passiva: refere-se à capacidade geral de suceder, presente no artigo 2033º CC, como por
exemplo os concepturos não concebidos;

A capacidade para testar (ativa) afere-se à data do testamento, sendo vistos como incapa-
zes os menores não emancipados e os maiores acompanhados (2189º al. b). O testamento
celebrado em transgressão desta regra implica a sua nulidade (2190º).

4.2.1. Casos de incapacidade testamentária


• Incapacidade testamentária: menores não emancipados (Art.º 132º sobre emancipa-
ção). O facto de estes casarem sem autorização, não parece impedir a realização de testamen-
to (Art.º 1604º a); Art.º 133º e 2189º a)), mesmo em relação aos bens excluídos da sua admi-
nistração nos termos do Art.º 1649º.
• maior acompanhado: 145º/1; livre exercício dos seus direitos pessoais (Art.º 147º/1 e 2).

4.2.2. As substituições pupilar e quase-pupilar


Estas figuras constituem uma forma de representação legal do testador, permitindo, nos
casos em que este é incapaz e testar, que o seu progenitor o substitua nessa ato, realizando
um testamento por conta dele.

O Art.º 2300º esclarece que os bens que são abrangidos pela substituição quase-pupilar
são apenas os bens que foram adquiridos (em vida) ou que irão ser adquiridos (por morte)
pelo filho através do progenitor que está a fazer o testamento em nome do filho. Ou seja, se o
filho tiver outros bens, nomeadamente bens que adquiriu em vida por força do seu trabalho
ou que lhe foram doados ou deixados por morte por terceiros, os mesmos não podem ser
objeto da substituição pupilar, abrindo-se neste caso a sucessão legítima.

A razão das substituições pupilar e quase-pupilar é a intenção de o progenitor, no caso em


que o menor ou o acompanhado não tenha descendentes ou ascendentes, evitar que qualquer
dos outros herdeiros, legítimos possa receber a herança por morte deste, em virtude da sua
incapacidade para testar. Por esse motivo, estas substituições ficam sem efeito logo que o
substituído adquira capacidade para testar, ou se falecer deixando descendentes ou ascenden-
tes.

→ Substituição pupilar (Art.º 2297º)


Quando progenitor sabe que filho vai morrer antes de fazer 18 anos, mas depois da morte
desse progenitor. Neste caso permite-se ao progenitor que não estiver inibido do exercício das
suas competências parentais substituir os filhos ou herdeiros que lhe aprouver para o caso de
estes falecerem antes de perfazerem os 18 anos de idade.
• Assegura que os bens do progenitor, a que o filho sucede, após a morte do filho vão para
as pessoas que o progenitor designa, pois o filho é incapaz de testar;
• Não é necessário que o progenitor exerça diretamente e por si o poder tutelar ou pater-
nal, desde que esse progenitor seja considerado idóneo.
• tudo isto fica sem efeito quando o menor perfaça 18 anos ou seja emancipado (Art.º
2298º/2 e 132º e 133º); Aqui já podem testar pelo Art.º 2189º/ a).
• A substituição pupilar fica sem efeito se o substituído deixar descendentes ou ascenden-
tes (Art.º 2297º/2).

→ Substituição quase-pupilar (Art.º 2298º)

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O mesmo referido anteriormente é aplicado nesta figura, mas para o filho maior acompa-
nhado.
Há quem entenda que seja do lado passivo (Guilherme de Oliveira) e não do lado ativo
(Pamplona Corte-Real e JDP: substituídos são pessoas singulares incapazes de testar, autor da
substituições é representante legal desse incapaz; substituições caducam se os substituídos
readquirirem capacidade testamentária ativa.

4.3. As indisponibilidades relativas testamentárias


Estas não são específicas nem exclusivas das liberalidades testamentárias, aplicando-se
também doações. A indisponibilidade relativa significa que o autor da sucessão não pode em
testamento, designar certas pessoas: isto é, a liberdade de testar não é absoluta. Estas não são
recíprocas, pelo que nada impede, p.e., o acompanhante de testar a favor do maior acompa-
nhado ou o tutor de testar a favor de menor.

→ As disposições do maior acompanhado a favor do acompanhante ou administrador


legal de bens
Art.º. 2192º.
Serão porém válidas as disposições (pressupondo naturalmente a capacidade testamentá-
ria) quando se trate de descendentes, ascendentes, colaterais (até ao 3º grau), etc. (Art.º
2192º/2).
→ As disposições do menor a favor do tutor, administrador legal de bens ou produtor
Art.º 2192º/2 e 1937º d). Esta proibição é extensiva ao curador pelo 156º, ao administra-
dor de bens pelo 1971º e ao protutor (1956º b)).
A sanção para este é nulidade do testamento - 294º.

→ As disposições a favor de médicos, enfermeiros ou sacerdotes


Art.º 2194º: proteger a influência e aproveitamento da debilidade dos doentes.
Caso o testamento seja realizado após a cura do testador este será considerado válido.
Mesmo tendo sido realizado durante a doença e o testador vier a falecer dela, há, porém,
exceções à invalidade desta disposição. Assim, não são excluídos os legados remuneratórios
recebidos pelo doente, nem as disposições a favor dos familiares referidos no nº 3 do Art.º
192º.
→ Testamento a favor do cúmplice do testador adúltero
Art.º 2196º/1 e nº 2 – ver isto bem.
A norma pretende evitar que concorra o cônjuge e o amante. Evitar que o efetivo cônjuge
e o amante estejam na mesma sala a fazer isso. Com o prazo de 6 anos o legislador entende
que já não há esse constrangimento, em que o constrangimento emocional já não será tão
grande depois desse tempo. Este prazo estava alinhado com o prazo que ocorria nesse facto;
fez se o mesmo juízo que haveria de ocorrer para que o cônjuge atentasse uma ação de divór-
cio sem o consentimento do cônjuge.
O prazo para que o cônjuge possa pedir o divorcio sem o consentimento do outro não é de
6 anos, hoje, é um ano (1781º). Deve ser feita uma interpretação corretiva do 2196, onde se lê
6 anos, ver como se fosse 1 ano (JDP, DM). O ML não concorda com isto: se fosse intenção do
legislador para que os prazos tivessem alinhados, já haveriam de ter mudado com as oportuni-
dades que tiveram para tal que não há base suficiente para essa interpretação.

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→ Testamento a favor do notário, redator do testamento, intérprete ou testemunhas


que tenham intervenção no ato
Art.º 2197º.
É uma precaução da lei para evitar que o notário escreva algum legado a seu favor, sem
que o testador dê fé nisso, p.e..
Quanto às testemunhas estas poderiam influenciar ilegitimamente o testador no ato.

→ Disposição através de interpostas pessoas


Art.º 2198.
São consideradas interpostas todas as pessoas referidas no Art.º 579º/2.

→ Testamento em caso de violação dos impedimentos matrimoniais


Art.º 1650º: em caso de violação dos impedimento do Art.º 1604º c) e d), importa para di-
versas pessoas a incapacidade para receberem do seu consorte qualquer benefício por doação
ou testamento.

As indisponibilidades relativas não são verdadeiras incapacidades e são meras ilegitimida-


des – as disposições testamentárias são nulas, por causa de uma especial relação que existe
entre o autor e o beneficiário da deixa.
As circunstâncias de indisponibilidade têm de existir à data do testamento – pois acarre-
tam a invalidade das disposições testamentárias (desvalor que pressupõe vício originário do
negócio jurídico.

5. Falta e vícios da vontade no testamento


Regime especial do consentimento: art. 2180º e art. 2199º a 2203º
• Subsidiariamente pode aplicar-se as regras gerais sobre o consentimento no negócio ju-
rídico (art. 240º a 257º), adaptadas em função do caráter não recetício do testamento.

5.1. Exigência de expressão da vontade de forma clara e inequívoca


Art. 2180º - exige vontade do testador, de forma clara, cumprida, livre e esclarecida.
À declaração do testador deve estar subjacente a vontade de testar – pressupõe uma von-
tade negocial e a coincidência entre a vontade negocial.
Esta expressão da vontade clara e inequívoca tem que se verifica durante toda a feitura do
testamento, sendo este assim o testamento integralmente nulo, mesmo que a falta de expres-
são da vontade do testador apenas tenha ocorrido a partir de uma certa altura da sua elabora-
ção, por por exemplo ter um acidente vascular nesse momento, tendo sido, porém, a expres-
são da sua vontade clara e percetível até esse momento.

5.2. Declarações não sérias


• Art.º 245º/1. • Deverá poder aplicar-se o nº 2? JDP e ML consideram que o caráter não
recetício do testamento exclui a indemnização a um declaratário, uma vez que esta só existe
nos negócios com declaratários. Efetivamente, não só o testamento constitui de facto um ne-
gócio não recetício, enquanto que o Art.º 245º/2, pressupõe a existência de um declaratário,
como também não se vê que expetativas devessem ser tuteladas neste caso, das quais resulta-
ria aliás uma responsabilidade da herança pela feitura de um testamento inexistente.

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5.3. Falta de consciência da declaração e coação física


Não existe em sede testamentária pelo que se deve aplicar o regime geral – Art.º 246º.
Os formalismos exigidos para o testamento tornam extremamente improvável a verifica-
ção dessas situações a menor que haja conivência do notário.
O artigo estabelece, porém, que se a falta de consciência da declaração foi devida a culpa,
fica o declarante obrigado a indemnizar o declaratário. Esta disposição não pode, no entanto,
aplicar-se, em sede de negócio testamentário, uma vez que além de implicar uma responsabi-
lidade dos herdeiros pela indemnização, o testamento não se pode considerar um negócio
recetício em que a confiança de um declaratário merecesse ser tutelada.

5.4. Incapacidade acidental (V.g.: álcool ou estupefacientes; demência ou psicose)


Incapacidade Acidental – art. 2199º → grande importância e ampliação na sucessão tes-
tamentária, basta a prova da incapacidade acidental não se exige o requisito do conhecimento
ou notoriedade (cognoscibilidade) do art. 257º, pois a sucessão testamentária, como negócio
não recetício, não tem a figura do declaratário.
• Âmbito reduzido das incapacidades testamentárias ativas amplia o âmbito de potencial
aplicação da incapacidade acidental ao testamento (podendo cobrir não só situações temporá-
rias como situações permanentes de incapacidade).
• Ausência de regime geral das outras situações – recorre-se às normas gerais, embora as
obrigações de indemnizar (dos art. 245º/2 e 246º) só existem nos negócios com declaratário.

5.5. Simulação (divergência entre vontade e declaração)


Implica a desconformidade entre a vontade e a declaração ( 240º) → 2200º CC.
Este refere-se à simulação relativa e subjetiva ( porque criando a aparência de uma deixa
testamentária a uma determinada pessoa pretende beneficiar-se uma outra ou não conhecer
o pacto de simulação). Aqui existe a diferença para com o regime geral de que o acordo simu-
latório não se faz entre as partes do negócio, já que apenas o testador é parte, mas antes en-
tre o testador a pessoa aparentemente designada.
• Consequência: o testamento simulado não é nulo (Art.º 240º/2), mas anulável.

O Art.º 2200 apenas prevê a simulação do testamento por interposição fictícia de pessoas,
embora pareça que, por aplicação subsidiária das regras gerais, sejam igualmente relevantes
para efeitos de anulação do testamento a simulação absoluta e a simulação relativa objetiva9.

Já a disposição testamentária dissimulada poderá ser válida nos termos do Art.º 241º/2.
Nos termos do Art.º 2259º encontra-se um caso de aplicação desta solução, já que se se o tes-
tador pretender fazer uma liberalidade dissimulando o pagamento de uma dívida, a lei consi-
dera válido o legado, ainda que não exista a dívida, salvo se a mesma se destinar a elidir a in-
capacidade de o legatário a receber por sucessão.
No caso, porém, de interposição fictícia de pessoas será difícil admitir-se a validade da dis-
posição a favor de quem se pretendia, atenta a falta de um mínimo de correspondência entre
o ato dissimulado e o contexto do testamento (Art.º 2187º).

9
JDP: Embora simulação absoluta ou simulação relativa objetiva sejam atendíveis no negócio tes-
tamentário, por aplicação subsidiária das regras gerais – desvalor é anulabilidade, garantindo a unidade
de consequências associadas à simulação testamentária.

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5.6. Reserva mental (divergência entre vontade e declaração)


p. 222.
ML considera irrelevante

5.7. Erro na declaração


Art.º 247º.
Tendo em conta o caráter não recetício do testamento, não se exigirá o requisito da cog-
noscibilidade para o declaratário, bastando que a essencialidade resulte do testamento.

O Art.º 2203º admite, um regime especial para certo casos de erro na declaração, estabe-
lecendo uma conversão legal.
Assim, se o testador tiver indicado erroneamente a pessoa do herdeiro ou do legatário, ou
os bens que são objeto da disposição, mas da interpretação do testamento for possível con-
cluir a que pessoa ou bens ele pretendia referir-se, a disposição vale relativamente a essa pes-
soa ou a estes bens. V.g.: Caso de um idoso, o testador, confundido os nomes dos seus múlti-
plos netos, nomeia erradamente seu legatário Pedro Francisco, com quem andava de relações
cortadas, em vez do seu outro neto Francisco Pedro, que bastantes vezes o visitava e que que-
ria beneficiar. Há, aqui, um erro na declaração anulável e suscetibilidade de Francisco Pedro
ser chamado à sucessão, face aos Art.º 2203º, 2187º/2.

• Consequência: nulidade ou anulabilidade?


O.A. entende nulidade.
Guilherme de Oliveira e ML mantém a aplicação do regime da anulabilidade por força do
Art.º 2201º.

5.8. Erro-vício
Art. 2202º
• Em relação ao erro sobre os motivos, resulta do Art.º 2202º, que o mesmo pode ser de
facto ou de direito. Como exemplo do erro de facto sobre os motivos temos a situação de al-
guém referir no testamento que faz uma disposição de bens a favor de outrem porque este
administrou os seus bens quando ele esteve ausente, quando tal não se verificou. Quanto ao
erro de direito, teremos a situação de alguém deixar determinada pensão para alimentos ao
seu afilhado, referindo que o faz porque a lei estabelece obrigações de alimentos entre padri-
nhos e afilhados.
Exige-se, no entanto, a essencialidade do erro sobre os motivos, no sentido de que o tes-
tador, sem o mesmo, não teria feito a disposição em causa. Assim, o facto de o testador decla-
rar que deixa toda a sua herança ao seu sobrinho Abel, quando Abel não é efetivamente seu
sobrinho, não basta para anular a disposição testamentária, sendo necessário que se demons-
tre que só por motivo do parentesco a mesma tinha sido realizada. Não se encontra aqui a
necessidade do requisito de cognoscibilidade.
Para além daquela, a essencialidade deve resultar do próprio testamento. Tal levou a uma
controvérsia relativamente sobre se é admitido ou não prova complementar em relação à es-
sencialidade do erro sobre os motivos:
• ML: I Art.º 2202º é aplicável a todo o erro-vício, não fazendo, por isso, sentido aplicar em
matéria testamentária a distinção estabelecida nos Art.º 251º e 252º. A lei não admite prova
complementar, tendo a essencialidade do motivo que resultar do próprio testamento. No
exemplo dado acima, para anular a disposição testamentária não será suficiente demonstrar

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por outros meios de prova que aquele parentesco era essencial para formação da vontade do
testador, sendo necessário, para anular a disposição, que o testador dissesse no testamento
que fazia aquela deixa a Abel por ele ser seu sobrinho.

• Quanto ao erro sobre a base do negócio, O.A. e JDP sustentam que, dado o caráter uni-
lateral e não recetício do testamento, haverá que adaptar o regime dessa disposição, conside-
rando anulável a disposição testamentária viciado por erro sobre as circunstâncias que funda-
ram a decisão de testar. ML concorda com a relevância deste erro, não vendo que o mesmo
seja sujeito a um regime diferente daquele que resulta do Art.º 2202º, não considerando por
isso necessária qualquer adaptação do Art.º 252º/2.

5.7. Dolo
Art.º 2201º
Se o dolo for praticado pelo beneficiário do testamento, tal constitui causa de incapacida-
de sucessória deste por motivo de indignidade (Art.º 2034º c)), o que excluirá da sucessão. O
dolo não deixa de ser, no entanto, relevante para efeitos de anulação da disposição testamen-
tária, uma vez que o mesmo pode provir de terceiro.
Constituirão dolo ou fraude, em especial, as calúnias, intrigas, mentiras, cartas anónimas,
fingimentos, velhacarias, etc., postos em prática, não só a fim de afastar o testador de pessoas
da sua família a quem aquele beneficiaria, mas para atrair a amizade do testador para si e cap-
tar assim a sua herança. Constitui também dolo a ocultação e a dissimulação de determinada
realidade para manter o autor do testamento em erro ( 254º.1 CC).
Não faz sentido fazer em matéria de testamento, uma distinção de regime entre o dolo
proveniente do beneficiário e o proveniente de terceiro, como sucede na parte geral (Art.º
254º/2). Uma vez que no testamento o que releva é a vontade do autor da sucessão, a confi-
ança do declaratário não merece tutela, pelo que a disposição será sempre anulável indepen-
dentemente de quem foi o autor do dolo.

5.8. Coação moral


Art.º 2201º: a mesma é ainda fundamento de incapacidade sucessória por indignidade, se
for praticada pelo beneficiário da disposição testamentária (Art.º 2034º c)).
Por força do Art.º 255º considerar-se-á que a mesmo ocorre sempre que o testamento te-
nha sido determinado pela ameaça ilícita ao testador de um mal, com o fim de obter a realiza-
ção do testamento. Deve entender-se que em matéria de testamento qualquer ameaça ilícita
releva como causa de anulação independentemente de quem seja o seu autor. Não se exige
que a ameaça seja de um mal grave nem que seja justificado o receio da sua consumação.
5.9. Usura
Discute-se se esta figura pode ser aplicada.
JDP e DM sustentam que o testamento pode ser anulado por usura, exigindo, no entanto,
o preenchimento dos pressupostos do Art.º 282º. A jurisprudência admite, da mesma forma, a
anulação dos testamentos sempre que considera que alguém, explorando a situação de neces-
sidade do testador, conseguiu que este estabelecesse encargos excessivos ou injustificados
sobre a herança.
ML: tem dúvidas de que, sendo o testamento um negócio unilateral mortis causa, possa
ser visto como um negócio em desequilíbrio, uma vez que o testador não está limitado em
relação aos benefícios com que pretende contemplar o beneficiário. Assim, se não se verificar
vício na formação da vontade, não vemos que se possa considerar um testamento como um
negócio usurário.

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6. A inexistência e a invalidade do testamento


• Inexistência: correspondem aos casos do negócio jurídico em geral e estão submetidas
ao regime geral – disposições testamentárias inexistentes não produzem qualquer efeito e
podem ser invocadas por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração
judicial. Ex: falta de consciência na declaração e coação física (Art.º 246º).

• Invalidade: regras especiais para o negócio testamentário – regime específico para as in-
validades da sucessão testamentária que se demarcam dos demais desvalores do negócio jurí-
dico em geral. Geralmente a consequência é a nulidade. A anulabilidade ocorre quando a lei
expressamente o preveja.
Verificando-se uma situação de nulidade do testamento ou de disposição testamentária,
determina a lei que a respetiva ação caduca no prazo de 10 anos, a contar da data em que o
interessado teve conhecimento do testamento e da causa de nulidade (Art.º 2308º). Já no caso
de anulabilidade, a ação caduca passados 2 anos em que o interessado deve conhecimento do
testamento e da causa da anulabilidade (Art.º 2308º/2). Apesar de se tratar de casos de cadu-
cidade, a lei manda aplicar o regime da suspensão e da interrupção da prescrição (Art.º
2308º/3).
A lei prevê, no entanto, a possibilidade de confirmação do testamento por parte dos inte-
ressados, impedindo o que o tiver confirmado de invocar algum desses valores negativos (Art.º
2309º). Ao contrário, do que se prevê para a doação (Art.º 968º), não se está neste caso pe-
rante uma verdadeira confirmação, sendo antes uma situação de confirmação imprópria, já
que não se verifica uma verdadeira Sanação da invalidade do ato, mas antes uma perda ou
renúncia individual ao direito de declarar a sua nulidade ou anulabilidade, que não se estende,
por isso, aos outros interessados.
O facto de a confirmação poder abranger a hipótese de nulidade do testamento, ao con-
trário do que sucede no regime geral, em que é restrita a situações de mera anulabilidade
levou alguma doutrina a defender que algumas hipóteses de nulidade do testamento não seri-
am suscetíveis de confirmação.
JDP considera haver casos de nulidade típica, sujeita ao regime do Art.º 286º, em relação a
certas disposições testamentárias, abrangendo entre as mesmas as disposições condicionais
ou modais ilícitas ou impossíveis (Art.º 2229º e 2245º), as disposições condicionais ou modais
ilícitas (Art.º 280º/1), impossíveis (Art.º 280º/2) determinadas por um fim ilícito (Art.º 286º) ou
que não observem a forma legal (Art.º 220º e 2206º/5).
ML: Sabendo-se que a confirmação é imprópria, significando apenas a provação do direito
de invocar a nulidade por parte do interessado, não parece ao autor que essa posição que se
justifique. Não há, portanto, para que conserve o direito de invocar a nulidade do testamento
o herdeiro que decida cumprir um legado que o testador realizou por mero escrito particular.
Relativamente às condições e encargos ilícitos ou impossíveis, também não há motivo para o
beneficiário, que aceitou ser privado da disposição em consequência dos mesmos, pudesse
depois invocar a sua nulidade. Já quanto às disposições testamentárias impossíveis de cumprir,
ou contrárias à ordem pública ou aos bons costumes, ou as mesmas não podem ser realizadas
e não se põe a questão da confirmação, ou o cumprimento das mesmas constitui um ato ilícito
em si mesmo, o que igualmente afasta essa confirmação. Finalmente, a invalidade da perfilha-
ção referida no Art.º 1855º nada tem a ver com a invalidade do testamento e só a essa se refe-
re o Art.º 2309º. Afirma o autor que não há razão para restringir a aplicação dessa disposição.
O regime da invalidade do testamento tem caráter injuntivo, sendo vedado ao testador
proibir a impugnação do testamentos nos casos em que se verifique nulidade ou anulabilidade
(Art.º 2310º).

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7. A interpretação do testamento
As regras sobre interpretação do testamento encontram-se previstas no Art.º 2187º (com-
pletadas pelos Art.º 2225º - 2228º, 2260º, 2262º ou 2263º).
• orientação subjetivista – visa a deteção da vontade real do testador “apontada para o
momento presumível da morte”, ou seja, tem de detetar uma “vontade real, se bem que con-
jetural10 (atende-se ao teor de todo o testamento e da relação das disposições umas com as
outras e com o conjunto11).
• Art. 236º tem uma orientação objetivista, pelo que não parece adequado ao testamen-
to, no entanto, se for impossível alcançar a vontade real do de cuius da forma subjetivista do
art. 2187º, numa lógica de aproveitamento do ato, pode-se utilizar este artigo e legitimar a
que se interprete o testamento com o sentido que uma pessoa normal daria ao que foi decla-
rado.
• O Art. 237º pode relevar para interpretar o testamento no sentido que se retire menos
património. O Art. 238º/2 tem sentido, substituindo “texto” por “contexto”, para disposições
testamentárias não essenciais

Sobre a eventual aplicação das disposições gerias relativas à interpretação negocial dos
Art.º 236 e ss. → p. 231

7.1. As normas interpretativas específicas em matéria testamentária


• 2225º: Daqui resulta, p.e., que se o testador refere deixar toda a sua fortuna aos pobres,
a disposição abrange os pobres da sua área de residência, mas não os que estejam noutro lu-
gar.
• 2226º: Se o testador entender deixar a herança aos seus parentes ou herdeiros legítimos
e não fizer qualquer outra designação não tem como efeito a distribuição de acordo com as
regras da sucessão legítima, incluindo o direito de representação dos descendentes pré-
falecidos. Naturalmente, que não deixa de estar aqui em causa o cumprimento de uma dispo-
sição testamentária, sendo a remissão para as regras da sucessão legítima a forma que a lei
considera corresponder à intenção do testador ao fazer essa designação.
• 2227: se o testador se limitar a instituir como herdeiros Pedro e paulo e os filhos de
Francisco, e Francisco tiver deixado 3 filhos, ficaria sempre a dúvida sobre se o testador pre-
tendia dividir a herança em 3 partes, sendo as duas primeiras para o Pedro e Paulo e a terceira
para os Filhos de Francisco, ou em 5 partes, recebendo cada um dos herdeiros instituídos 1/5
da herança. A lei esclarece que se deve interpretar a disposição no sentido da segunda solução
• 2228º: Se o testador designar como herdeiros Francisco e os seus 3 filhos, poderia en-
tender-se que se trataria da designação apenas de Francisco sendo os filhos chamados apenas
em sua substituição, ou se trataria de uma designação conjunta de Francisco e dos seus 3 fi-
lhos, com a atribuição a cada um de ¼ da herança. A lei esclarece que deve prevalecer a 2ª.
• 2260º: Se o testador se o testador estabeleceres que deixa 10000 EUR a um dos seus
credores, mas não menciona na que o dinheiro se destina a pagar a sua dívida, deve interpre-
tar-se disposição no sentido de ter havido intenção de constituir um verdadeiro legado, o qual

10
Pois o testamento é feito num momento para surtir efeitos noutro: o que o testador quereria
(vontade real), quando escreveu o testamento, para o momento da sua morte (vontade conjetural).
11
Isto confere uma maior latitude ao apuramento da vontade real no testamento que na maioria
dos negócios formais – que apenas atendem ao “Texto”. Isto porque há uma irrepetibilidade no testa-
mento que só é aberto aquando da morte do seu autor. Valoriza-se os elementos que reproduzam a
vontade real do testador.

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é independente da dívida existente. Mas se o testador referir que deixa 10000 EUR a um dos
seus credores, devido ao facto de este lhe ter emprestado dinheiro, já se devem despertar
essa disposição como meramente destinada ao pagamento dessa dívida.
• Art.º 2262: se o testador deixar todos os seus créditos a alguém, poderia questionar se a
disposição abrange os depósitos bancários e os títulos, que são juridicamente créditos sobre os
bancos ou sobre o emitente do título, mas não são habitualmente assim entendidos pelas pes-
soas comuns. a lei vem por isso esclarecer que, em caso de dúvida, não se consideram abran-
gidos pelo legado.
• Art.º 2263º: Os legados de Recheio de uma causa ou do dinheiro que lá for encontrado,
não abrange os créditos cujos documentos tenham sido ali deixados pelo testador.
• Art.º 2269º: relativa à extensão dos legados.

10. Integração do testamento


O cariz formal do negócio testamentário e o art. 2187º CC não autorizam a integração de
lacunas quanto a aspetos essenciais da sucessão testamentária (que devem ser reguladas pelo
testador – 2182º/1). V.g.: deixo tudo à pessoa que me salvou. Se for possível identificar o su-
cessível por meio de prova – testemunho de uma pessoa, relatório policial – ainda que não
tenha mínimo de correspondência no contexto do testamento, é possível essa pessoa suceder.
Assim o artigo 239º só será relevante no que toca a pontos secundários, onde o testamen-
to pode ser integrado em harmonia com a vontade do de cuius. V.g.: Depois de determinar um
cargo de testamenteiro remunerado, o testador não fixa o valor desta remuneração;

11. O conteúdo do testamento

11.1. As disposições não patrimoniais do testamento


• Art.º 2179º/2.
→ Declaração de maternidade (114º e 129º CRC);
→ Perfilhação (1853º b);
→ Designação de tutor (Art.º 1928/3º);
→ Sufrágios ou favor de alma (missas, orações, etc.) – Art.º 2224º;
→ A doutrina apresenta outros como (questiona-se, aqui, a arrumação no campo
exclusivamente pessoal, dado o efeito que elas têm: segundo JDP têm exclusi-
vamente efeitos patrimoniais ≠ ML, que considera que têm sobretudo pessoais):
▪ instituição de fundação (art. 185º/1);
▪ confissão extrajudicial (art. 358º/4);
▪ designação de administrador de bens e revogação (art. 1967º e 1968º),
▪ deserdação (art. 2166º/1);
▪ reabilitação de sucessível indigno ou deserdado (art. 2038º, 2166º/2);
▪ revogação do testamento (art. 2315º e 2316º);
▪ nomeação de testamenteiro (art. 2320º).

Nada impede o testador, ao abrigo da autonomia privada, de incluir outras disposições de


cariz não patrimonial, que não estejam previstas na lei. V.g.: O testador pode determinar como
deve ser o seu funeral ou qual o destino a dar ao seu corpo ou estabelecer restrições em rela-
ção à colheita de órgãos e ainda determinar a transferência post mortem de embrião, nos ter-
mos do Art.º 22/3 LPMA. Pode ainda incluir disposições sobre a publicação ou não das suas

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cartas ou do seu espólio literário, estabelecer orientações políticas ou partidárias para o futuro
(“testamento político”), proibir a realização de homenagens públicas com a construção de uma
estátua, etc.

11.2. As disposições patrimoniais do testamento


Destacam-se duas distinções (conteúdo principal vs. conteúdo acessório e conteúdo co-
mum vs. conteúdo anómalo).
No conteúdo principal: herança, legado, podendo acrescentar-se a constituição de funda-
ções, casa em que se trata de uma liberalidade que institui a pessoa coletiva.
No conteúdo acessório: condições, termos, modos. Deve acrescentar-se as substituições
direta e fideicomissária, uma vez que estas consistem no estabelecimento, no primeiro caso,
de uma condição suspensiva na vocação e no segundo caso, de um termo incerto.

11.2.1. As disposições a título de herança (conteúdo principal + importante)


Será considerado herdeiro testamentário aquele que seja instituído por testamento na to-
talidade ou numa quota do património do testador (Art.º 2030º/2, bem como no remanescen-
te dos seus bens (2030º/3).
Caso o testador efetue qualquer destas disposições, o seu beneficiário será considerado
como herdeiro testamentário. A disposição a título de herança corresponde assim à deixa pelo
testador da totalidade, de uma quota ou do remanescente da herança.

Herança – quando autor atribui uma quota da herança. Calcula-se tendo por base o R, de-
duzido do P – raciocínio lógico que se deduz do sistema e em que não se computa o donatum
pois não há disposição legal que o imponha.
▪ VTH Testamentário = R - P

O testador tanto pode indicar um único herdeiro como uma pluralidade de herdeiros.
Nesta última, temos as seguintes hipóteses:

1) A designação de todos os herdeiros com determinada quota:


Neste caso, não haverá qualquer questão se as quotas coincidirem com a massa hereditá-
ria, sendo a mesma repartida proporcionalmente e os herdeiros responsáveis na mesma pro-
porção pelos encargos da herança. Já se as quotas não esgotarem a massa hereditária, deve
considerar-se que o remanescente pertence aos herdeiros legítimos. Pelo contrário, se as quo-
tas excedem a massa hereditária, como na hipótese de se atribuírem ¾ da herança a um her-
deiros e 1/3 a outro, haverá que reduzir proporcionalmente as quotas dos herdeiros.

2) A designação de todos os herdeiros sem quota determinada:


V.g.: Alguém atribui a sua herança a A, B e C. Neste caso, a herança será repartida em par-
tes iguais entre todos os designados.
A mesma situação ocorre se algum dos herdeiros forem designados coletivamente como
na hipótese de, em vez do Carlos, serem designados os seus filhos, tendo este 3 filhos, caso em
que a herança virá a ser dividida em 5 partes (Art.º 2227º). A mesma situação ocorrerá se os
filhos de C forem designados conjuntamente com ele, caso em que se presume que a designa-
ção é simultânea e não sucessiva (Art.º 2228º), sendo assim a herança dividida em 6 partes.

3) A designação de uns herdeiros com quota determinada e outros sem a mesma:

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Deverá considerar-se que é atribuído o remanescente da herança aos herdeiros sem quota
determinada, sendo assim o mesmo dividido entre eles. Já no caso de os herdeiros com quotas
esgotarem o montante da herança, não parece deverem considerar-se excluídos os herdeiros
sem quota, dado que tal não corresponderia seguramente à vontade do testador. Haverá, as-
sim, que reduzir proporcionalmente a parte dos herdeiros com quota atribuída em ordem a
permitir que os herdeiros instituídos sem quota recebam tanto quanto o herdeiro que tenha
sido instituído com a menor fração.

4) A designação de uns herdeiros com quota determinada e de outros com o remanes-


cente da herança:
Será atribuído aos outros herdeiros o que sobrar. No caso de as quotas determinadas es-
gotarem o montante da herança, a instituição do remanescente fica sem objeto, sendo, con-
sequentemente, nula. A mesma situação ocorre no casos de quotas determinadas ultrapassa-
das excederem o montante da herança, caso em que serão proporcionalmente reduzidas, con-
tinuando a ser nula a deixa do remanescente.

11.2.2. Os legados
Art.º 2030/2 e 4.

→ Classificação de legados

• Legatos típicos e atípicos


Consoante se encontram ou não na lei. É a distinção menos importante. P. 241

• Legados per vindicationem e per damnationem


Os primeiros: – implica a atribuição da propriedade ou de outro direito real – objeto é di-
reito real.
Os segundos: atribui ao legatário um direito de crédito contra o herdeiro – objeto é direito
de crédito.

• Legados dispositivos e obrigacionais


Os primeiros: diminuição do ativo da herança, podendo ser de direitos reais e de crédito
preexistentes como tais no património do de cujus.
– Legados de direitos novos formados à custa de direitos preexistentes no património do
falecido (V.g.: deixa de usufruto de um bem que pertencia ao de cuius).
– Legados de exoneração de obrigações (o de cuius beneficia o legatário perdoando-lhe
uma dívida que tinha para com ele)
i) Art. 2269º e 2271º contêm normas supletivas, na falta de disposição do testador
ii) Art. 2272º, 2261º, 2273º, 2258º

Os segundos: aumentam o passivo hereditário. O legatário adquire um direito perfeita-


mente novo que não foi sequer constituído à custa de um direito preexistente do autor da
sucessão. V.g.: legado de coisa pertencente a terceiro em que o testador sabia quem era o
proprietário da mesma; o de cujus atribui bem de 3º, de que não tem direito quando morre.
Mas sabe que esse terceiro vai entregar o bem pela compensação que a herança lhe trará –
não afeta o ativo (nunca esteve no seu património), mas afeta o passivo porque terá de dar
contrapartida para que o terceiro dê o bem.

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A diferença com a classificação anterior resulta de uma maior abrangência por parte dos
legados dispositivos, em relação aos legados per vindicationem, já que enquanto estes apenas
se refeririam a direitos reais sobre coisas, seja através da sua transmissão para o legatário (não
admitida no Direito Romano), seja através da sua extinção por perdão do devedor.
• Legados com eficácia imediata e legados com eficácia mediata
Com base na classificação de G. Telles, C. Fernandes veio propor outra classificação: p.244

• Posição da regência
Distinguir entre legados obrigacionais e dispositivos.

→ Regime dos legados dispositivos


Diferentes tipos de legados dispositivos e respetivos regimes:

• Legado de coisa certa e determinada


Nestes casos o legatário beneficia de ação de reivindicação, podendo reivindicar a coisa
de terceiro (Art.º 2279º).
Pode fazê-lo se a coisa se encontrar na posse do herdeiro ou do legatário? Como a lei se
refere apenas à reivindicação a terceiro, a maioria da doutrina tem entendido que neste caso
estaria vedado ao beneficiário da deixa a ação de reivindicação, tendo a entrega que ser re-
clamada a quem esteja obrigado a cumprir o legado.
ML não concorda: Dispondo o Art.º 2050º que o domínio dos bens da herança se adquire
com a aceitação, e sendo essa disposição aplicável aos legados (Art.º 2249º), parece que o
legado de coisa certa e determinada institui o legatário na propriedade da mesma, não se ven-
do assim por que razão não poderá recorrer à ação de reivindicação nos termos do Art.º
2311º, apesar de dispor igualmente da ação de cumprimento do legado (Art.º 2270º).
Esta ação tem, porém, que ser articulada com a necessidade de aceitação do legado. As-
sim, apesar de ação de reivindicação ser imprescritível, a verdade é que o legado tem que ser
aceite no prazo de 10 anos (Art.º 2059º e 2249º).
Relativamente à extensão do legado de coisa certa e determinada, esclarece-nos o Art.º
2269º/1, que na falta de declaração do testador sobre a extensão do legado, entende-se que
ele abrange as benfeitorias e partes integrantes.

• Legado de coisa identificada pelo lugar em que se encontra


Art.º 2255º
Nestas situações, o legado fica limitado às coisas que se mantêm nesse lugar à data da
abertura da sucessão, pelo que, se entretanto o testador retirou algumas joias do cofre ou
transferiu algumas mobílias da casa de férias para a sua residência habitual, estas deixam de
ser abrangidas pelo legado, pelo que não poderá o legatário reclamar aos herdeiros a sua en-
trega. Apenas continuam abrangidas, se o testador tiver emprestado temporariamente as coi-
sas.

• Legado de usufruto
Existe sempre que se atribua ao legatário o direito de gozar temporária e plenamente uma
coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (Art.º 1443º).

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O legado de usufruto pode abranger uma parte ou até a totalidade do património heredi-
tário, sem que a qualificação como legado seja afetada (Art.º 2030º/4). Sobre esse legado,
refere o Art.º 2258º que a respetiva deixa, na falta de indicação em contrário considera-se
feita vitaliciamente ou, sendo feita a favor de pessoa coletiva, terá a duração de 30 anos. São
estes os limites máximos de duração do direito de usufruto, previstos no Art.º 1443º, presu-
mindo assim a lei que o testador teve a intenção de os estabelecer, quando efetua um legado
de usufruto.
Apesar de o qualificar como legatário, a lei determina alguma responsabilidade do usufru-
tuário de uma quota ou de todo o património pelos encargos da herança, há que o Art.º
2072º/1, estabelece que esse usufrutuário do falecido pode adiantar as somas necessárias,
conforme os bens que usufruir, para cumprimento dos encargos da herança, ficando com o
direito de exigir aos herdeiros findo o usufruto, a restituição sem juros das quantias que des-
pendeu. Isto não é uma mera faculdade pelo que o Art.º 2072º acrescenta.
O legatário do usufruto tem ainda uma responsabilidade específica no caso de ser instituí-
do um legado de alimentos ou de pensão vitalícia – Art.º 2073º.

• Legato de crédito
Art.º 2261º: constitui a deixa de um crédito existente no património do testador.
O caráter dispositivo do legado de crédito é confirmado pelo facto de o mesmo só produzir
efeitos relativamente à parte que subsista no património do testador no momento da sua
morte (Art.º 2261º).
Art.º 2062º e 2063º

O legado de todos os créditos do testador deve entender-se como referente aos que existi-
am no seu património aquando da feitura do testamento ou aos existentes aquando da abertu-
ra da sucessão? ML comisera que, não tendo sido estabelecida regra interpretativa especial, a
questão dependerá do apuramento da vontade do testador (Art.º 2187º).

→ Regime dos legados obrigacionais

• O legado de coisa genérica


Art.º 2053º
A coisa pode ser indeterminada, mas o género tem de ser certo.
Não serão válidos legados de género remoto, como um animal ou móvel. Também não se-
rá válido o legado em que o legislador se limite a indicar o género (como, por exemplo, vinho),
sem especificar a quantidade das coisas legadas (litros ou garrafas de vinho). Mas já será válido
o legado de 20 garrafas de vinho, uma vez que o género é certo e a quantidade se encontra
determinada.
O legado de coisa genérica é válido, ainda que nenhuma coisa deste género se encontrasse
no património do testador à data do testamento e nenhuma aí se encontre à data da sua mor-
te, salvo se o testador declarar que a coisa existe no seu património. Assim, se o testador legar
a outrem 20 garrafas de vinho do porto, é irrelevante se o testador tinha ou continua a ter
essas garrafas no seu património, tendo os herdeiros que obter 20 garrafas para proceder à
sua entrega. Na verdade, a regra relativamente às coisas genéricas é a de que o género nunca
perece, sendo possível sempre encontrar coisas do género no mercado, pelo que se entende
ter o testador atribuído aos herdeiros a obrigação de adquirir as coisas e as entregar ao legatá-
rio. Daí que este legado corresponda a um legado obrigacional e não a um legado dispositivo,

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até porque, mesmo que existam garrafas de vinho do porto na herança, a escolha não tem que
recair necessariamente sobre elas (Art.º 2266º/2).
A situação apenas se altera se o testador declarar que as 20 garrafas de vinho do porto
existem entre os seus pertencentes. Se nenhuma garrafa lá se encontrar, o legado é nulo
(Art.º 2253º). Se for inferior, reduz-se o legado.
Art.º 2266º e 2268º
• Legado alternativo
Compreende duas ou mais prestação, mas em que o obrigado se exonera efetuando ape-
nas uma prestação, que por escolha vier a ser designada. É o que sucede se o testador deixar
ao legatário o seu carro ou o seu barco, devendo ser escolhido um dos dois objetos, em ordem
a que o legado possa ser determinado.
Art.º 2267º: sujeitos ao regime dos Art.º 543º.

• Os legados de prestação periódica e de alimentos


Art.º 2273º/1: O legado da prestação periódica inicia-se com a morte do testador e termi-
na com a morte do legatário, mas que, caso a mesma ocorra dentro do período o mesmo con-
tinua a ser devido. Assim, por exemplo, se o legatário tiver direito a uma prestação anual, a
mesma é devida a partir do ano da morte do testador, e continua a ser devida no ano da morte
do legatário, mesmo que este faleça no princípio do ano.
Quanto aos alimentos → Art.º 2003º. Art.º 2273º/2.

São, porém, diferentes os momentos de vencimento do legado de prestação periódica e


do legado de alimentos, uma vez que enquanto o primeiro legado só é exigível no termo do
período (mês ou ano) em que seja devido, o segundo é exigível logo no início desse período
(Art.º 2273º/3).
O legado de alimentos deve, por forço do Art.º 2273º/3).
O legado de alimentos deve, por força do disposto no Art.º 2014º, estar sujeito às regras
do Art.º 2003º. Assim, se o referido legado não é disponível nem penhorável (Art.º 2008º), e o
montante dos alimentos fixados poderá ser objeto de alteração se as circunstâncias determi-
nantes da sua fixação de modificarem (Art.º 2012º).

→ O pré-legado
Art.º 2264º: constitui um legado efetuado pelo testador a favor de um dos seus herdeiros
legais.
O legado testamentário a favor de qualquer herdeiro, seja ele legal, testamentário ou con-
tratual, presume-se ser atribuído em acrescento à sua quota hereditária. É essa a razão de ser
designado como pré-legado, o que significa que a deixa testamentária de um bem ou valor
determinado antecede e prevalece sobre a instituição dos herdeiros, entre os quais se encon-
tra o pré legatário. Assim, o legado é primeiramente satisfeito e só depois se reparte o rema-
nescente da herança entre os herdeiros.
O legatário não é obrigado a aceitar o pré-legado, podendo, nos termos do Art.º 2250º/2
repudiar o legado e aceitar a herança, ou aceitar o legado e repudiar a herança, mas só no
caso de a deixa repudiada não estar sujeita a encargos.

→ Os legados pios
Art.º 2280º: estes legados estão sujeitos a legislação especial. Decreto 43209/10 de outu-
bro.

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p. 254.

→ Perturbações do legado
Diferentes situações:

• O legado de coisa pertencente a terceiro


Os legados dispositivos estão naturalmente sujeitos à regra de que ninguém pode dispor
de bens de que não é titular.
Assim, se no momento da abertura da sucessão se verificar que a coisa legada pertence a
outrem o legado é nulo (Art.º 2251º). No caso de o testador ter alienado a coisa posteriormen-
te ao legado, considera-se ter ocorrido a revogação do legado (Art.º 2316º/1).
O legado pode, porém, ser válido se o do testamento de depreender que o testador sabia
que não lhe pertencia a coisa legada (Art.º 2251º). Nesse caso, o legado será válido, sendo
considerado como um legado obrigacional. Assim, o sucessor que aceitar a disposição fica
obrigado a adquirir a coisa e a transmiti-la ao legatário ou proporcionar-lhe a sua aquisição por
outro modo, não sendo isso possível, ficará obrigado a pagar ao legatário o valor da coisa.

• O legado de coisa comum


O regime do legado de coisa alheia é aplicável igualmente no caso de a coisa legada não
pertencer por inteiro ao próprio testador, verificando-se a nulidade, no entanto, apenas em
relação à parte que não lhe pertencer (Art.º 2252º/1). No caso, porém, de resultar do testa-
mento que o testador sabia que a coisa não lhe pertencia por inteiro, o legado será igualmente
considerado como obrigacional em relação à parte alheia, ficando o sucessor onerado com o
legado igualmente obrigado a proporcionar a aquisição da coisa ao legatário ou a pagar-lhe o
valor dela (Art.º 2252º e 2251/2).

• O legado de coisa certa e determina integrada na comunhão


p. 256

• O legado de coisa pertencente ao sucessor obrigado ao cumprimento do legado


A disposição é nula, a menos que se possa depreender do testamento que o testador sabia
que não lhe pertencia a coisa legada (Art.º 2251º). Nesse caso, independentemente de o tes-
tador o referir, a disposição significa uma determinação deste para que a coisa seja atribuída
ao legatário, pelo que a aceitação da disposição implica para o herdeiro ou legatário, pelo que
a aceitação da disposição implica para o herdeiro ou legatário a obrigação de transmitir essa
coisa ao outro legatário (Art.º 2251º/2).

Se, porém, o legado recair sobre coisa de algum dos co-herdeiros, são os outros obrigados
a satisfazer-lhe, em dinheiro ou em bens da herança, a parte que lhes compete no valor dela,
proporcionalmente aos seus quinhões hereditário, salvo diversa disposição do testador (Art.º
2251º/4).
Se, porém, a coisa que pertencia ao sucessor onerado com o encargo do legado já não lhe
pertencer no momento da abertura da sucessão por ter sido entretanto alienada por este, o
regime será o mesmo do acima exposto para o legado de coisa pertencente a terceiro, uma
vez que é essa a realidade no momento da abertura da sucessão.

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• O legado de coisa pertencente ao próprio legatário ou por este adquirida


Outra situação de perturbação do legado consiste no legado de coisa pertencente ao pró-
prio legatário ou que é por este posteriormente adquirida, a que se referem os Art.º 2256º e
2257º.
Se a coisa legado pertencia ao legatário na data da feitura do testamento e continua a per-
tencer-lhe no momento da abertura da sucessão, a lei considera nulo o legado (Art.º 2256º).
Se, porém, à data da abertura da sucessão a coisa pertencia ao testador, o legado passa a ser
considerado válido, sendo-o, igualmente, se a esse tempo pertencia ao sucessor onerado com
o legado ou a terceiro, e do testamento resultar que a deixa foi feita na previsão deste facto
(Art.º 2256º/2). Neste último caso aplica-se o regime do legado de coisa pertencente ao one-
rado ou a terceiro (Art.º 2256º/3, 2251º/2/4).
Já se a coisa legado foi posteriormente adquirida pelo legatário ao testador, a título onero-
so ou gratuito, após a feitura do testamento, determina o Art.º 2257º/1, que o legado não
produz qualquer efeito. A solução compreende-se em face da inutilidade do legado, em virtu-
de de o legatário já ter adquirido a coisa que o testador lhe queria proporcionar.
Art.º 2257º/2

• O legado de coisa onerada


Art.º 2272º
– Exceção: em relação às prestações atrasadas, que serão pagos por conta da herança. Se-
rão pagas por conta dela todos as dívidas asseguradas por hipoteca ou outra garantia real
constituída sobre a coisa legada (Art.º 2272º/2). Efetivamente, não faria sentido que o legatá-
rio fosse obrigado a efetuar prestações vencidas antes do momento em que recebeu o legado,
que devem permanecer da responsabilidade da herança. E também não se justifica que o fac-
to de a coisa legada ter sido dada em garantia de uma dívida do autor da sucessão o obrigue a
suportar essa dívida, o que só poderia ocorrer caso o legado tivesse estabelecido com esse
encargo, não podendo o mesmo resultar apenas da oneração da coisa legada.

• O legado para pagamento de dívida


3 modalidade:
– o legado para pagamento de dívida existente:
O Art.º 2259º considera válido o legado, pelo qual se uma dívida existe, essa tem que ser
sempre paga pelos herdeiros nos termos da sua responsabilidade pelas dívidas herança. Isto à
partida não faria muito sentido porque eles já são obrigados por lei a tal, mas permite ao tes-
tador reconhecer a dívida.

– o legado para pagamento de dívida inexistente ou extinta:


O Art.º 2259º distingue-as. Ver p. 259.

– O legado feito ao credor sem referência a dívida


Art.º 2260º. Isto é válido e não se considera destinado à satisfação dessa dívida. Essa solu-
ção aplica-se mesmo que o legado corresponda exatamente ao montante da dívida, uma vez
que na dúvida deve presumir-se que o testador pretendeu efetivamente constituir o legado e
não apenas determinar o pagamento da dívida.

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11.3. A instituição de fundações


Art.º 185º e ss.
Os herdeiros do instituidor não podem revogar a instituição, sem prejuízo do disposto em
matéria de sucessão legitimária (nº 3), o que naturalmente implica a sujeição da instituição da
fundação ao regime geral da redução das liberalidades inoficiosas (Art.º 2168º e ss.).

11.4. As cláusulas acessórias do testamento


Condição, termo ou modo podem ser admitidas.

11.4.1. A condição
Termos gerais dos Art.º 270º e ss. Os Art.º 2229º e ss. limitam atuação desta cláusula.

→ Limitações à estipulação da condição


A principal limitação que se verifica em relação à estipulação da condição é a que ocorre
em relação às condições impossíveis, contrárias à lei ou à ordem pública ou ofensivas dos bons
costumes, as quais são consideradas não escritas (Art.º 2230º), ao contrário do que ocorreria
no NJ que tornaria todo o NJ nulo.
Ver Art.º 2230º.
A condição impossível é aquela que é desde o início insuscetível de se verificar, não ocor-
rendo assim ao facto futuro e incerto que caracteriza a condição, podendo a impossibilidade
ser física ou legal. Um exemplo de impossibilidade física corresponde ao facto de o testador
deixar uma herança na condição de os seus herdeiros beberem o oceano. Um exemplo de im-
possibilidade legal seria o facto de o testador exigir que o herdeiro e torne proprietário de
bens no domínio público.
Vários exemplos de condições contrárias à lei: p. 263.
Ver Art.º 2231 (captatória)

→ A pendência da condição (regime especial ≠ dos Art.º 272º e ss.)


Art.º 2236º e ss.
Art.º 2234º: a lei vem estabelecer que se a herança ou legado for deixado sob condição de
o herdeiro ou legatário não dar certa coisa ou não praticar certo ato por tempo indetermina-
do, a disposição considera-se feita sob condição resolutiva, a não ser que o contrário resulte
do testamento.
Sendo a disposição testamentária sujeita a condição resolutiva, determina o Art.º
2236º/1, que o tribunal pode impor ao herdeiro ou legatário a obrigação de prestar caução no
interesse daqueles a favor de quem a herança ou legado será deferido no caso de a condição
se verificar. Essa obrigação pode ser, porém, dispensada pelo testador (Art.º 2236º/3). Sendo o
sucessor obrigado a prestar caução, a não prestação da mesma implica que a herança ou o
legado sejam postos em administração (Art.º 2237º/2).
Sendo a disposição testamentária sujeito a condição suspensiva, há que distinguir conso-
ante se trate de:
– herança: é posta a herança em administração, até que a condição se cumpra ou haja a
certeza de que não pode cumprir-se (Art.º 2237º).
– legado: o tribunal pode impor àquele que deva satisfazer o legado a obrigação de pres-
tar caução no interesse do legatário (Art.º 2236º/2), podendo, porém, o testador excluir essa
solução (Art.º 2236º/3). Nesse caso, o legado só é posto em administração se a caução não for
prestada (Art.º 2237º/2).

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Art.º 2238º e 2239º


→ A verificação da condição
Art.º 2242º: manda retroagir os efeitos da verificação da condição à morte do testador,
considerando como não escritas as declarações do testador em contrário. Esta regra desvia-se
do estabelecido do Art.º 276º, que manda retroagir os efeitos da verificação da condição à
data da conclusão do NJ, o que é explicável pela natureza mortis causa do testamento.

O Art.º 2242º/2 manda aplicar à verificação da condição o regime do Art.º 277º/2/3.

11.4.2. O termo
O testamento pode ser sujeito igualmente a termo, mas a sua admissibilidade é bastante
restrita, de acordo com o Art.º 2243º, o qual limita muito a aplicação ao testamento do regi-
me geral dos Art.º 278º e 279º.

→ Limitações à estipulação do termo


Art.º 2243º/2.: o herdeiro adquire imediatamente a herança a título definitivo, indepen-
dentemente de qualquer estipulação de termo.
Já em relação à nomeação de legatário, a mesma pode ser sujeita a termo inicial, mas este
apenas suspende a execução da disposição, não impedindo que o legatário adquira logo o di-
reito ao legado (Art.º 2243º/1). Um exemplo do legado sujeito a termo inicial é o legado a fa-
vor de menor para quando este atingir a maioridade, previste no Art.º 2274º, que coerente-
mente não permite ao menor exigi-lo antes desse prazo, ainda que seja emancipado.
Já em relação ao termo final na nomeação de legatário, este é igualmente proibido, consi-
derando-se essa cláusula como não escrita, exceto se a disposição versar sobre direito tempo-
rário (Art.º 2243º/2). Efetivamente, o legado pode consistir num direito temporário (Art.º
2243º/2). Efetivamente, o legado pode consistir num direito temporário como o usufruto
(Art.º 2258º e 1143º), caso em que naturalmente terminará com o decurso do prazo pelo qual
foi constituído.

→ Pendência do termo
A lei manda aplicar ao legado sujeito a termo inicial o mesmo regime do legado sujeito a
condição suspensiva, podendo assim ser imposta pelo tribunal a prestação de caução no inte-
resse do beneficiário do legado (Art.º 2236º/3). Em caso de não cumprimento dessa obrigação,
o legado é posto sob administração (Art.º 2237º/2), a qual compete ao seu beneficiário (Art.º
2238º/2), embora o tribunal possa providenciar de forma diferente, havendo justo motivo
(Art.º 2238º/3).

→ Verificação do termo
Ao contrário do que se verifica no regime geral do termo (Art.º 278º), e no regime especí-
fico da condição no testamento (Art.º 2242º), a verificação do termo suspensivo no âmbito do
legado não tem eficácia retroativa, uma vez que apenas a sua execução é suspensa, dado que
o legatário adquire imediatamente o seu direito (Art.º 2243º/1).

11.4.3. O modo/cláusula modal/encargos (Art.º 2244º)


Distinguem-se da condição (da qual depende a eficácia da deixa), pois no encargo, se a
pessoa não cumpre, não perde o bem; há possibilidade de se exigir que ela cumpra o encargo
– qualquer interessado pode exigir o cumprimento (art. 2247º) e haver resolução (art. 2248º).

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• O encargo distingue-se da condição suspensiva pois não impede a produção de efeitos


da disposição testamentária e apenas vincula o beneficiário a adotar determinado comporta-
mento.
• O encargo distingue-se da condição resolutiva pois na condição a liberalidade é configu-
rada pelo autor como mero instrumento para obter finalidade enquanto que no encargo, o
autor quer beneficiar alguém com uma atribuição patrimonial, mas aproveita para alcançar um
objetivo.

• Limitações: 2245º, 2230º e 2186º

• Regime: 2246º, 2247º e 2248º.

11.4.4. Cláusula Penal


Segundo a regência, a cláusula penal acabará na prática por se reconduzir a um segundo
encargo estabelecido para a hipótese de não cumprimento da disposição testamentária, de-
vendo por isso o mesmo considerar-se admissível nos termos gerais (Art.º 2244º), desde que
sejam respeitados os limites do Art.º 2245º.

11.5. A revogação do testamento


Ato jurídico do autor do testamento pelo qual ele manifesta vontade de extinguir o negó-
cio que se realizou – manifestação de vontade do autor da sucessão contrária às disposições
que inicialmente fez.
É um modo de extinção e de ineficácia do negócio jurídico que se demarca da caducidade
(pois esta última não consiste num ato jurídico e o seu efeito decorre de um facto jurídico)
Ver Art.º 2179º e 2311º

11.5.1. Modalidade de revogação


A revogação do NJ corresponde à extinção do mesmo em virtude da celebração de um no-
vo negócio em sentido oposto ao anterior. Sendo o testamento um negócio unilateral, a sua
revogação é também unilateral, bastando, para que a mesma produza efeitos, que o testador
se manifeste por alguma forma legal, contrariando as suas anteriores disposições testamentá-
rias.

→ Revogação expressa, tácita e real


• Expressa: testado declara, em testamento posterior ou escritura pública subsequente,
que revoga no todo ou em parte o testamento anterior (art. 2312º).

• Tácita: testador faz testamento posterior incompatível (art. 2313º/1)12. A revogação táci-
to só pode resultar de um novo testamento com data posterior. A incompatibilidade entre as
duas disposições não tem que ser material, bastando que a mesma revele uma intenção dife-
rente do testador. Assim, se o testador deixa um legado a uma pessoa e num segundo testa-
mento lega o mesmo objeto a outra pessoa, embora fosse materialmente possível que os dois
ficassem como co-legatários do mesmo objeto, é manifesto que a intenção do testador é a

12 Um pacto sucessório posterior e incompatível também é uma manifestação revogatória tácita – se fosse ao

contrário (testamento a revogar tacitamente um pacto designativo) o testamento poderia ser válido mas era tido
como não eficaz.

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revogação da anterior disposição. Da mesma forma, se a herança for toda distribuída em lega-
dos em 2 testamentos diferentes, o facto de ocorrer uma nova distribuição implica natural-
mente a revogação tácito da anterior.
Não haverá incompatibilidade, porém, se houver sucessivas disposições diferentes a favor
da mesma pessoa, como na hipótese de o testador num primeiro testamento deixar a um so-
brinho um prédio, num segundo testamento uma quantia em dinheiro e num terceiro testa-
mento títulos de crédito, uma vez que é possível acumular estes legados. Também no caso de
o testador no primeiro testamento deixar ao sobrinho um prédio e noutro lhe deixar a quota
disponível da herança, nada impede que se considere ser intenção do testador que o prédio,
seja incluído na quota disponível da herança, assim se compatibilizando os dois testamentos.
Já no caso de se tratar de instituição de herdeiro, o facto de o testador instituir uma pes-
soa como o seu herdeiro e noutro o testamento dizer instituição semelhante em relação a
outra pessoa, tal não significa necessariamente a revogação tácita do testamento anterior,
dado que podem coexistir dois herdeiros. A revogação tácita já ocorre, porém, se no segundo
testamento o beneficiário é designado como único herdeiro ou se nesse mesmo testamento o
herdeiro anteriormente instituído passa a ser contemplado com um legado ou com uma quota
específica da herança.

Ver testamentos com a mesma data (Art.º 2313º).

• Revogação real: destruição física do testamento ou da coisa legada (bem como a sua
transformação ou alienação) – art. 2315º e 2316º.
Por inutilização só se aplica ao testamento cerrado (e, por maioria de razão, ao testamento
internacional) enquanto que a alienação ou transformação da coisa legada se aplica a testa-
mento cerrado e testamento público.
Se a destruição for por pessoa diversa do testador, pelo testador sem intenção revogatória
ou quando o mesmo se encontrava privado do usa da razão, então torna-se no regime da ca-
ducidade.
Não há revogação se se provar que o testador, ao alienar ou transformar a coisa, não quis
revogar o legado (sendo este eficaz como legado de coisa alheia). Se for alienada por outro
testamento do testador, então a revogação é tácita.

→ Revogação total e parcial


p. 274

11.5.2. As cláusulas acessórias no âmbito da revogação do testamento


A revogação de um testamento pode ser feita sob condição, sendo assim subordinada a
um acontecimento futuro e incerto.

Se a condição for impossível, contrária à lei ou à ordem pública ou ofensiva aos bons cos-
tumes, como na hipótese de se consignar que o testamento fica revogado se o herdeiro não
cometer um crime, crê-se que nestas situações a revogação é prejudicada, mantendo-se o
testamento inicial, e ter-se essa cláusula como não escrita.
Já relativamente à sujeição da revogação do testamento a termo, a mesma deve conside-
rar-se sujeita ao disposto no Art.º 2243º, não sendo admissível, salvo quando dela resulte a
mera aposição de um termo inicial na nomeação do legatário.

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11.5.3. A revogação do testamento revogatório


A revogação continua a produzir os seus efeitos, não implicando a segunda revogação a
repristinação do testamento anterior (Art.º 2314º/1). De notar que a lei exige que essa segun-
da revogação seja feita em testamento, uma vez que a escritura pública é admitida para revo-
gar um testamento anterior (Art.º 2312º), mas já não se admite uma segunda escritura pública
para proceder à revogação desta.
V.g.: De cujus institui A como seu herdeiro universal num primeiro testamento, passando
depois num segundo testamento a instituir antes B como seu herdeiro universal, o facto de
revogar este segundo testamento não implica que A possa ser chamado à herança pelo primei-
ro testamento. Ambos os testamentos se consideram revogados, passando, por isso, a herança
a ser atribuída de acordo com as regras da sucessão legítima.
Prevê-se, no entanto, que o testamento anterior possa recobrar a sua força se o testador,
revogando o posterior, declarar ser a sua vontade que revivam as disposições do testamento
anterior (Art.º 2314º/2).

11.6. Caducidade do testamento


A caducidade do testamento abrange todas as causas de ineficácia do negócio que se não
reconduzem à inexistência, a invalidade, à revogação e à inoficiosidade , existe um elenco de
casos disposto no art. 2317º CC. Existem ainda outros casos não compreendidos no 2317º CC:
• instituição testamentária de fundação que não tenha sido reconhecida em virtude de o
fim visado não ter sido considerado de interesse social (art. 188º/1);
• caducidade da convenção antenupcial (art. 1704º e 1716º);
• invalidade ou revogação de disposição testamentária em convenção antenupcial (art.
1706º/1);
• ultrapassagem do prazo do art. 2059º, ultrapassagem do prazo de eficácia das formas
especiais de testamento (art. 2222º);
• não verificação da condição suspensiva ou preenchimento da condição resolutiva (art.
2229º);
• legado de coisa adquirida pelo legatário nos termos do art. 2257º;
• impossibilidade superveniente de leitura;
• legado de coisa certa que tenha perecido por causa não imputável ao testador

Casos do Art.º 2317:

• O falecimento do beneficiário da disposição testamentária antes do testador


Art.º 2317º a)
A personalidade cessa com a morte (68º).
A lei excetua da caducidade da disposição testamentária a existência de direito e represen-
tação (Art.º 2039º).

• O falecimento do beneficiário da disposição testamentária antes da verificação da con-


dição suspensiva
Al. b): embora o beneficiário tenha personalidade jurídica na abertura da sucessão, a
mesma vem a ser perdida antes da verificação da condição suspensiva, ocorrendo assim
igualmente a caducidade da disposição testamentária.

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• A posterior incapacidade sucessória do beneficiário


c): Senso exigida a capacidade sucessória como pressuposto da vocação (Art.º 2034º e ss.),
implica naturalmente a caducidade dessa disposição, sendo a devolução sucessória considera-
da como inexistente (Art.º 2037º/1). Uma vez que estamos em sede de sucessão testamentá-
ria, onde não há lugar a direito de representação, onde não há lugar a direito de representação
dos descendentes do indigno (Art.º 2037º/2) a caducidade da disposição não é afetada pela
existência de descendentes.

• A dissolução ou invalidade do casamento do beneficiário


d): se o chamado à sucessão era o cônjuge do testador e à data da morte deste se encon-
travam divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens ou o casamento tenha sido
declarado nulo ou anulado, por sentença já transitada ou que venha a transitar em julgado, ou
se vier a ser proferida, posteriormente àquela data, sentença de divórcio, separação judicial de
pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.

• O repúdio da herança ou legado


e) determina igualmente a caducidade da disposição testamentária se o chamado à suces-
são repudiar a herança ou o legado, salvo havendo representação sucessória. Efetivamente, o
Art.º 2062º determina que o repúdio destrói a vocação, considerando-se como não chamado o
sucessível que repudia, salvo para efeitos de representação.

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CAPÍTULO 13 – A SUCESSÃO CONTRATUAL


Art. 2028º/2 – apenas são válidos os pactos sucessórios previstos na lei – resulta que são
nulos os pactos renunciativos e dispositivos, mas podem ser válidos os pactos designativos.
• Nulidade típica dos negócios jurídicos (art. 285º e ss.), não sendo aplicável a nulidade
atípica, exclusiva das disposições testamentárias (art. 2308º e ss.)

A regra geral de proibição de pactos sucessórios destina-se a garantir a faculdade indivi-


dual de decisão – de decisão do de cuius quanto à disposição por morte de seus bens e do
sucessível quanto ao exercício do direito de suceder.
• Isto porque o pacto sucessório é ato bilateral que, em princípio, não é livremente re-
vogável pelo doador – bilateralidade do pacto condiciona o teor das deixas a título de herança
e de legado.
• Os atos de aceitação e repúdio (dos pactos dispositivos e renunciativos), estando in-
tegrados em contratos sucessórios, foram concertados entre o autor e a outra parte, não sen-
do unilateralmente revogáveis e como são praticados numa altura em que a sucessão não está
aberta, o seu autor ainda não está em condições de tomar uma decisão esclarecida (dada a
suscetibilidade de variação do património hereditário e do mapa de sucessíveis até ao momen-
to da morte do de cuius).

1. Modalidades de pactos sucessórios


Art. 2028º prevê 3 modalidades de pactos sucessórios:
1. pactos renunciativos (mediante os quais alguém renuncia à sucessão de outrem ainda
vivo);
2. pactos aquisitivos/designativos (mediante os quais alguém regula a própria sucessão –
doações por morte, mediante as quais o doador designa o donatário seu herdeiro ou legatá-
rio.);
3. pactos dispositivos (mediante os quais alguém dispõe de sucessão de terceiro ainda não
aberta).

2. Regime dos pactos sucessórios

2.1. Pactos sucessórios renunciativos


Tem a ver com a renúncia recíproca dos cônjuges à condição de herdeiro do outro cônjuge.
O Art.º 1700º/1 c) prevê que os cônjuges possam renunciar reciprocamente na convenção
antenupcial à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge. Apesar de a lei referir que a
renúncia é apenas em relação à condição de herdeiro legitimário, parece-nos que a mesma
abrange igualmente a condição de herdeiro legítimo
O Art.º 1700º/2 determina, no entanto, que a estipulação desse pacto renunciativo é ape-
nas admitida quanto ao regime de bens, convencional ou imperativo, seja o da separação. A
estipulação de qualquer outro regime matrimonial, ou a ausência de convenção antenupcial,
exclui a possibilidade de celebração deste pacto renunciativo.

Nos termos do Art.º 1707º - A/1, a renúncia pode ser condicionada à sobrevivência ou não
de sucessíveis de qualquer classe, bem como de outras pessoas, nos termos do Art.º 1713º,
não sendo necessário que a condição seja recíproca. Em qualquer caso, embora a condição

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não seja recíproca, a renúncia tem que o ser, nos termos do Art.º 1701º/1 c) pelo que a condi-
ção terá que ser necessariamente referida à renúncia de ambos os nubentes e não apenas de
um deles.
A renúncia tem como efeito a perda pelo cônjuge da condição de herdeiro legitimário ou
legítimo, mas a lei não deixa de lhe reconhecer direitos especiais em relação à herança nessa
condição.

Ler o resto da p. 284

2.2. Pactos sucessórios designativos


O Art.º 1700º/1 a) e b) admite a validade da estipulação na convenção antenupcial de al-
guns pactos sucessórios designativos, que se podem reconduzir aos seguintes:

Em regra, as doações por morte são nulas – art. 946º/1 ex vi art. 2028º/2
• Doações mortis causa inválidas são alvo de conversão em disposições testamentarias –
art. 946º/2 – que exige que se tenham observado as formalidades dos testamentos – conver-
são legal em que o negócio muda de natureza de doação para disposição testamentária

2.2.1. A disposição do esposado a favor do outro e as disposições recíprocas de ambos


os esposados
Art.º 1700º/1 a):
Nesse caso, a instituição contratual de herdeiro e a nomeação de legatário não podem ser
unilateralmente revogadas depois da aceitação, nem é lícito ao doador prejudicar o donatário
por atos gratuitos de disposição (Art.º 1701º/1). O doador pode apenas alienar os bens doados
com fundamento em grave necessidade, própria ou dos membros da família a seu cargo, des-
de que haja autorização do donatário, prestada por escrito, ou o respetivo suprimento judicial
(Art.º 1701/2). Caso o doador assim proceda, o donatário concorrerá à sucessão do doador
como legatário do valor que os bens doados teriam ao tempo da morte deste, devendo ser
pago com preferência a todos os demais legatários do doador (Art.º 1701º/3).
No caso de a instituição ter por objeto uma quota da herança, continua a ser vedado ao
doador prejudicar o donatário por atos gratuitos de disposição, razão pela qual o valor dessa
quota é estabelecido conferindo-se os bens de que o doador haja disposto gratuitamente
depois da doação (Art.º 1702º/1), os quais são assim somados ao remanescente da herança
para cálculo do valor da quota.
A situação é alterada no caso de a instituição abranger a totalidade da herança. Nesse ca-
so, pode o doador dispor gratuitamente em vida ou por morte, de uma terça parte dela, sendo
o cálculo da mesma igualmente feito através da soma ao remanescente da herança do valor
dos bens doados (Art.º 1702º/2). Pode, porém, o doador, no ato da doação, renunciar no todo
ou em parte a esse direito (Art.º 1702º/3).
A lei determina a caducidade da instituição e do legado contratuais em favor de qualquer
dos esposados nas seguintes situações:
– se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser de-
clarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento putativo;
– se ocorrer divórcio ou separação judicial de pessoas e bens; o cônjuge autor da liberali-
dade pode, porém, determinar que o benefício reverta para os filhos do casamento (Art.º
1791º/2 e 1794º).
– no caso do donatário falecer antes do doador (Art.º 1703º a) e 1760º/1 a), 1791º/1 e
1794º).

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2.2.2. A disposição do terceiro a favor de um ou de ambos os esposados


Neste caso aplica-se igualmente o regime dos Art.º 1701º e 1702º, com a especialidade de
as liberalidades poderem ser revogadas a todo o tempo por mútuo acordo dos contraentes
(Art.º 1701º/1).
Aplica-se a este caso a caducidade prevista nas hipóteses dos Art.º 1703º, 1760º, 1791º e
1794º.
Pode surgir a situação do Art.º 1791º/2 e 1794º.

2.2.3. As disposições dos esposados a favor de terceiro


A lei distingue:
• se foi feita a favor de pessoas indeterminadas ou a favor de pessoa certa e determina-
da que não intervenha na convenção antenupcial como aceitante: considera-se que a disposi-
ção tem valor meramente testamentário, podendo ser revogada pelo disponente, que não
pode renunciar a essa revogabilidade, e não produz qualquer efeito se a convenção caducar
(Art.º 1704º)). Aqui permite-se que a disposição testamentária conste de escritura pública e,
portanto, num livro notarial distinto, não necessitando, assim, da intervenção das testemu-
nhas, como é exigido nos testamentos.

• se foi feita a favor de pessoa certa e determinada que intervenha na convenção ante-
nupcial como aceitante: a disposição tem caráter contratual, existindo, portanto, um pacto
sucessório em benefício desse terceiro, o qual é irrevogável nos termos dos Art.º 1701º e
1702º (Art.º 1705º/1). A lei admite, no entanto, a possibilidade de o disponente reservar a
faculdade de revogação, caso em que a disposição pode ser livremente revogada (Art.º
1705º/2). Em qualquer caso, a doação pode ser sempre revogada por ingratidão ao donatário,
nos termos dos Art.º 970º e ss., sendo igualmente sujeita a redução por inoficiosidade, de
acordo com os Art.º 2168º e ss. (Art.º 1705º/2). A disposição é ainda considerada ineficaz em
caso de caducidade da convenção antenupcial (Art.º 1705º/1(, caducando igualmente se o
donatário falecer antes do doador (nº 4º).
No caso de ambos os esposados fazerem disposições a favor de terceiros, podem consig-
nar na convenção antenupcial o caráter correspetivo das duas disposições, caso em que a inva-
lidade ou revogação de uma das disposições produz a ineficácia da outra (Art.º 1706º/1). Nes-
se caso, desde que uma das disposições comece a produzir os seus efeitos, a outra já não pode
ser revogada ou alterada, exceto se o beneficiário da primeira renunciar a ela, restituindo
quanto por força dela haja recebido (Art.º 1706º/2).

2.2.4. As doações por morte para casamento


Art.º 1753º e ss.
p. 291º

3. A situação jurídica dos sucessíveis contratuais em vida do autor da sucessão


A doutrina entende que, sempre que exista um pacto sucessório irrevogável, o sucessível
contratual já goza, em vida do autor da sucessão, de uma expetativa jurídica de aquisição dos
bens em causa. Esta situação ocorre, quer na situação em que a disposição contratual é desde
início irrevogável, quer na situação em que adquire posteriormente esse efeito, como na hipó-
tese das disposições correspetivas, que deixam de poder ser revogadas ou alteradas, a partir

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do momento em que a outra disposição começa a produzir efeitos (Art.º 1706º/2). Já no caso
de a disposição contratual poder ser revogada, a situação do sucessível contratual é equipara-
da à do sucessível testamentário.
4. A impossibilidade de repúdio da sucessão contratual após a abertura da sucessão

• PL e AV respondem que é possível o sucessível contratual poder repudiar a sucessão.

• JDP: o donatário já aceitou a proposta de doação mortis causa em vida do doador, à data
da abertura da sucessão não adquire o direito de aceitar ou repudiar, porque já se encontra
aceite. Isto seria confirmado pelo Art.º 2055º.

• DM: Posição intermédia – o donatário não pode repudiar a sucessão, uma vez que já
aceitou a doação em vida do doador, mas admite que, no momento da abertura da sucessão o
mesmo possa aceitar a herança a benefício de inventário.

• ML: concorda com JDP.

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CAPÍTULO 14 – A SUCESSÃO LEGITIMÁRIA


1. Generalidades
O Art.º 2027º estabelece que não pode ser afastada pela vontade do autor da sucessão,
prevalecendo consequentemente sobre as sucessões contratual e testamentária. A lei reserva
injuntivamente uma parte da herança, denominada de legítima (ou quota indisponível), aos
herdeiros legitimários, a qual o autor da sucessão não pode dispor (Art.º 2156º), seja por tes-
tamento, seja por doações mortis causa, seja mesmo por doações em vida. Caso o autor da
sucessão tenha efetuado uma disposição que afete a legítima, os herdeiros podem proceder à
sua redução através do instituto da redução por inoficiosidade (Art.º 2168º e ss).
A sucessão legítima não pode, assim, ser afastada por nenhum outro facto designativo, a
não ser, excecionalmente, pelos casos excecionais, através do instituto de deserdação (Art.º
2166º).
A sucessão legitimária constitui uma modalidade de sucessão legal, distinguindo-se da su-
cessão legítima quer em relação ao universo dos sucessíveis (Art.º 2157º e 2132º), quer em
relação ao regime da incapacidade sucessória (Art.º 2034º e 2166º) quer pela forma de cálculo
da legitima (Art.º 2162º), estabelecendo a lei vários institutos designados à tutela dos herdei-
ros legitimários como a sua defesa contra encargos (Art.º 2163º), ou legados (Art.º 2164º e
Art.º 2165º) e a redução das doações por inoficiosidade (Art.º 2168º e ss.). As regras de suces-
são legitimária são igualmente as examinadas para a sucessão legítima, previstas nos Art.º
2131º e ss, nomeadamente a preferência de classes (Art.º 2133º e 2134º), a preferência de
graus de parentesco (Art.º 2154º).
Havendo herdeiros legitimários, a sucessão legitimária verifica-se se sempre.
Os herdeiros têm, contudo, direito a repudiar a herança.

2. Elenco dos herdeiros legitimários


Art.º 2157º.

• Cônjuge:
Privilégios do cônjuge: p. 294.
– O cônjuge só terá direitos sucessórios se, à data da morte do de cuius dele não se encon-
trar divorciado ( 2133º/3 CC).
– Se o de cuius deixar como sucessíveis o cônjuge e filhos estes formam a 1ª classe e terão
direito a uma quota legitimária de ⅔ da herança ( 2159º/1 + 2157º CC).
– Se o de cuius deixar como herdeiros só o cônjuge e ascendentes, estes ocupam, em con-
junto, a 2ª classe de sucessíveis, o cônjuge e ascendentes terão uma legítima também de 2/3
da herança ( 2161º/1 + 2157º CC).
– Se o de cuius, apenas tiver como herdeiro o cônjuge, não concorrendo terá direito a uma
legítima correspondente a metade da herança ( 2158º + 2144º CC “ex vi” 2157º CC).
– Note-se que, embora a partilha se faça por cabeça, a quota legitimária do cônjuge não
pode ser inferior a ¼ da herança ( 2139º + 2157º CC).
– Se o cônjuge e os descendentes concorrem e os descendentes não puderem/ não quise-
rem aceitar receberá por direito de acrescer a totalidade da herança ( 2137º + 2157º CC).
– Se o cônjuge e, simultaneamente todos os descendentes repudiarem ou não puderem
aceitar a sua quota legitimária, serão chamados os ascendentes ( 2142º/2 + 2157º CC).

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• Descendentes:
– Se os descendentes concorrem com o cônjuge, a legítima do cônjuge será ⅔ herança (
2159º + 2157º CC). Se o autor da herança não deixar cônjuge sobrevivo, concorrendo os des-
cendentes isolados:
– a legítima é de ⅔ da herança, se existirem 2 ou mais filhos ( 2159º/2 + 2157º CC);
– a legítima dos filhos é de metade da herança se apenas concorrer um filho ( 2159º/2 +
2157º CC);

• Ascendentes:
– A quota legitimária, em caso de concurso de cônjuge e ascendentes é de ⅔ da herança
(2161º/1).
Concorrendo cônjuge e os ascendentes, a partilha não será feita por cabeça mas sim da
seguinte forma: da legítima que são ⅔ partes entregues ao cônjuge, e aos ascendentes será
entregue ⅓ parte da quota legitimária (2161º e 2142º).
– Se apenas concorrem à herança os descendentes, há que distinguir consoante a ela con-
corram os pais/ascendentes em segundo grau:
- legítima dos ascendentes será de ½ da herança se apenas concorrem os ascendentes
em 1º grau;
- legítima dos ascendentes será de ⅓ da herança se apenas concorrem ascendentes de
2º grau e ss. (2161º);

– Se algum dos ascendentes não quiser ou não puder aceitar a sua parte acresce à dos as-
cendentes que concorram à sucessão ( 2143º CC + 2157º CC).

3. Definição da legítima
Art.º 2156º
Crítica: p. 295.

No que diz respeito à natureza jurídica da legítima existem 2 orientações:


• pars bonorum13: direito a uma parte do valor dos bens da herança; a lei define a legítima
como uma porção de bens.
• pars hereditatis: direito a uma parte dos bens da herança que engloba os bens deixados
pelo autor da herança, bem como os bens doados. É esta a orientação que resulta do regime
legal, por estarmos perante uma quota hereditária, uma vez que o legitimário é herdeiro.

Definição proposta por ML: a quota variável da herança, de que o autor da sucessão não
pode dispor a título gratuito, por ser legalmente destinada aos seus herdeiros legitimários.

4. A legítima objetiva, a legítima subjetiva e a quota disponível

• Legítima objetiva = quota indisponível: corresponde à parte da herança de que o autor


da sucessão não pode dispor gratuitamente, a qual se contrapõe à quota disponível, que cor-
responde precisamente à parte de que o autor da sucessão pode legitimamente dispor a esse
título.

13 Simples crédito dos herdeiros legitimários

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– Varia de 1/3 a 2/3 consoante a categoria dos sucessíveis legitimários (art. 2158º - 2161º).
– O valor varia consoante a categoria dos herdeiros (ao contrário do que se passa em ou-
tros ordenamentos jurídicos em que tal é invariável)

• Legítima subjetiva (quota da herança que cabe a um sucessível legitimário): corresponde


à parte da herança de que o testador não pode dispor gratuitamente, relativa a cada um dos
herdeiros legitimários. Consequentemente, a legítima objetiva corresponde à soma das legiti-
mas subjetivas.
– Divisão é feita por cabeça (2136º), a não ser nos casos de direito de representação14
(Art.º 2138º), e nos casos de concurso do cônjuge com mais de 3 filhos (2139º) ou com ascen-
dentes (Art.º 2141º).
– Cônjuge sobrevivo é sucessível legitimário privilegiado – e essas vantagens podem cu-
mular-se com as vantagens patrimoniais eventualmente decorrentes de um regime matrimo-
nial diferente do da separação de bens15.

• Quota disponível = VTH – Legítima (QI): pode dispor-se legitimamente.

A doutrina tem vindo a discutir o significado a atribuir à expressão “não existirem”.


• Para O.A. e C.F. a quota da legítima fixa-se atendendo aos que foram efetivamente cha-
mados à sucessão, pelo que todas as causas pela qual se elimina um sucessível antes da aber-
tura da sucessão (pré-morte), indignidade anterior à abertura da sucessão ou deserdação)
determinam a fixação da legítima apenas com base nos sucessíveis remanescentes, salvo
quanto ao direito de representação (Art.º 2037º/2). Pelo contrário, a resolução de uma voca-
ção já realizada não prejudica o cálculo da legítima, uma vez fixada, pelo que uma declaração
de indignidade posterior à abertura da sucessão não prejudica a legítima que foi nessa altura
fixada.
Assim, se o autor da sucessão tiver 2 filhos e um deles for declarado indigno antes da aber-
tura da sucessão, a legítima seria de metade da herança. Se a indignidade resultar de causa
posterior à abertura da sucessão, a legítima mantém-se em ⅔ da herança apesar de só um dos
filhos dela beneficiar (Art.º 2159º/2).

• PCR e DM: invocam razões de segurança jurídica, considerando que a existência a que se
referem os Art.º 12158º e ss. é apenas a existência física, pelo que em caso de um dos filhos
ser indigno, mesmo que a indignidade tenha sido declarada à data da abertura da sucessão, a
sua existência releva para efeitos de determinação no valor da legítima, operando o direito de
representação se o mesmo tiver descendentes (Art.º 2042º) ou o direito de acrescer para os
restantes filhos do de cuius (Art.º 2137º/2).

5. Cálculo da legítima
Art. 2162º/2 dá-nos a massa patrimonial que vai servir para determinação da quota indis-
ponível ou herança legitimária propriamente dita – obtém-se o valor total da herança (VTH)
para efeitos de sucessão legitimária:

14 Direito de Representação só funciona na linha reta descendente – só pode existir direito de representação

quando houver direito a suceder.


15 Casos em que os cônjuges não estão em separação de bens ainda tem de se contabilizar a meação do cônju-

ge sobrevivo.

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→ VTH = R + D – P
• Relictum = abrange os bens existentes no património do autor da sucessão à data da
sua morte (móveis, imóveis, créditos e outros direitos). Se o de cuius era casado em algum
regime de comunhão, integra no relictum a sua meação nos bens comuns do casal, excluindo-
se, então, a meação nos bens comuns pertencente ao outro cônjuge. São ainda incluídos no
relictum os bens deixados por testamento ou doados por morte, uma vez que os mesmos ain-
da se encontram no património do de cujus nessa data.

• Donatum = bens doados em vida e despesas sujeitas a colação (Art.º 2110º)


– Daqui resulta o valor que os bens tiverem no momento da abertura da sucessão
(2109º).
– Não se contabilizam as coisas doadas que tiverem perecido em vida do de cuius por
facto não imputável ao donatário (Art.º 2162º/2 e 2112º). Mas já são considerados, nos ter-
mos do Art.º 2175º, os bens que tenham perecido por qualquer outra causa, ou tenham sido
alienados ou onerados.

• Passivo = todos os encargos da herança à exceção dos legados, como as despesas


com funeral e sufrágios, encargos com a testamentária, administração e liquidação do patri-
mónio hereditário, e pagamento das dívidas do falecido (Art.º 2168º). Já os legados são inte-
grados no relictum, pelo que não integram o passivo, nem o donatum.

Soma-se o Relictum ao Donatum devido à imperatividade/injuntividade do art. 2162º/1 –


porque a lei o impõe16.

Divergência entre a Escola de Lisboa e a Escola de Coimbra:


• Escola de Coimbra = VTH = R – P + D
– Interpretação corretiva da norma pois é o Relictum que responde pelo passivo.

• Escola de Lisboa
– A interpretação acima está errada, pois o art. 2162º tem instrumento de tutela quanti-
tativa da legítima objetiva (assegura que os sucessíveis legitimários recebam a sua legítima
subjetiva), pelo que as doações em vida são abstrata e ficcionalmente devolvidas ao patrimó-
nio, para que o todo vá responder pelas dívidas.

p. 300.

6. A tutela da legítima
A legítima não pode ser afetada por disposição do autor da sucessão (Art.º 2166º e ss, e
2156º): disto resulta o princípio da intangibilidade da legítima, que tem uma dimensão quan-
titativa e uma dimensão qualitativa.

6.1. A tutela quantitativa da legítima

16 Tal como o art. 1702º o impõe à Contratual. A lei não impõe à Testamentária nem à Legítima, pelo que nes-

sas não se contabiliza o Donatum – na falta de disposição legal não se considera o Donatum.

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Na vertente quantitativa: o art. 2166º e 2167º; art. 2168º a 2178º – o autor da sucessão
está impedido de privar o legitimário do valor, total ou parcial, que lhe assiste a título de legí-
tima.

6.1.1. Redução de liberalidades por inoficiosidade


A tutela quantitativa é assegurada pelo instituto da redução de liberalidades por inoficio-
sidade.
A redução das liberalidades inoficiosas é o meio por excelência de proteção da legítima, da
sua dimensão quantitativa em particular.
São redutíveis as liberalidades inoficiosas – aquelas que impedem o sucessível legitimário
de obter o montante da respetiva legítima.

– Valor da inoficiosidade = Diferença entre o montante das liberalidades e o da quota dis-


ponível é o valor da inoficiosidade. É Valor da ineficácia das liberalidades em relação aos su-
cessíveis legitimários.

• Liberalidades sujeitas à redução


Art.º 2168º e Art.º 2162.
Em princípio, a redução a abrange todas e quaisquer liberalidades efetuadas pelo autor da
sucessão, não podendo este excluir qualquer liberalidade dessa redução.
Estarão abrangidas tanto liberalidades diretas como indiretas, sendo exemplo destas as
que são realizadas por interposta pessoa ou o pagamento de dívidas alheias feito com animus
donandi, sem intenção de solicitar o reembolso ao devedor.
O Art.º 2168º/2 estabelece uma exceção: não são inoficiosas a liberalidades a favor do
cônjuge sobrevivo que haja renunciado à herança nos termos da al. c) do Art.º 1700º/1, até à
parte da herança correspondente à legítima do cônjuge caso a renúncia não existisse. Daqui
resulta que a renúncia do cônjuge à herança não o priva da possibilidade de receber doações
do autor da sucessão, como se continuasse a ser herdeiro legitimário.

Art.º 2170º: não é permitida a renúncia antecipada à redução por inoficiosidades.


Art.º 2169º: as liberalidades inoficiosas são reduzidas, em tanto quanto for necessário pa-
ra que a legítima seja preenchida – afeta a eficácia das liberalidades, na medida do que for
exigível para eliminar a situação de inoficiosidade.

• Legitimidade para requerer a redução


Têm legitimidade para requerer a redução os herdeiros legitimários ou os seus sucessores
( 2169º), aqueles que tenham adquirido o quinhão do herdeiro legitimário ( 2067º).

• Forma de determinar a redução


A redução pode ser efetuada por acordo entre os legitimários e os beneficiários das libera-
lidades inoficiosas. Em caso de falta de acordo, tem que ser instaurada através de ação judicial.
A ação de redução por inoficiosidade tem que ser instaurada no prazo de 2 anos a contar da
aceitação, sob pena de caducidade (Art.º 2178º), podendo extinguir-se antes por renúncia,
desde que seja posterior à abertura da sucessão. A redução por inoficiosidade pode ainda ser

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requerida como incidente do processo de inventário, nos termos previstos no Art.º 1118º e
1119ºº CPC.

• Regime da redução por inoficiosidade

Art.º 2171º 17
Em primeiro as deixas testamentárias a título de herança(1º), depois as deixas testamentá-
rias a título de legado(2º) e depois as liberalidades(3º).
A lei não se refere às doações por morte, mas estas estão igualmente sujeitas à redução
por inoficiosidade (Art.º 1705º/3 e 1759º), devendo o regime ser idêntico ao estabelecido
para as doações inter vivos.

– Art. 2172º e 2173º: como se faz a redução das disposições testamentárias.


– Art. 2172º/2: caso em que o testador prevê que o seu património não vai chegar e a von-
tade do testador vale para dar preferência a umas sobre outras, sendo que as deixas com pre-
ferência só são reduzidas se o valor integral das restantes não for suficiente para o preenchi-
mento da legítima.
– Já as deixas remuneratórias beneficiam de preferência nos termos da lei, pelo que só são
reduzidas em último lugar, independentemente de serem deixas de herança ou legado (Art.º
2172º/3).

Se bastar a redução de liberalidades testamentárias a título de herança será feita propor-


cionalmente (2172º/1)18. Se não houver liberalidades testamentárias ou não for suficiente a
redução destas, passa-se aos legados atribuídos por testamento. Havendo vários legados mais
uma vez a redução será proporcional (2172º/1). Na falta de liberalidades testamentárias ou
não bastando a redução destas haverá que recorrer às liberalidades contratuais (2173º/1).
ML defende a imperatividade desta hierarquização, quanto à prevalência das soções re-
lativamente às disposições testamentárias. (???????) – p. 304
Os termos em que se efetua a redução resultam dos Art.º 2174º e ss. Destas disposições
resulta que, ao contrário do que se prevê em sede de colação, onde existe apenas uma obriga-
ção de conferência do valor dos bens doados, só havendo restituição do próprio bem em caso
de acordo de todos os herdeiros (Art.º 2108º/1), na redução por inoficiosidade prevê-se a res-
tituição em espécie dos bens objeto de redução.

Assim, no caso de ser necessário afetar toda a disposição para preencher a legítima, os
bens deixados ou doados devem ser restituídos aos herdeiros legitimários. Sendo essa redução
parcial, por não ser necessário afetar toda a doação para preencher a legítima, no caso de os
bens legados ou doados serem divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária
para preencher a legítima (Art.º 2174º/1). Sendo os bens indivisíveis, se a importância da re-
dução exceder metade do valor dos bens, este pertencem integralmente ao herdeiro legitimá-
rio, e o legatário ou donatário haverá o resto em dinheiro (Art.º 2174º/2, 1ª parte). Deverá

17
Primeiro estão as deixas testamentárias porque o testamento é secreto até ao momento da mor-
te e não cria expetativas jurídicas, sendo, inclusive, revogáveis a todo o tempo.

𝑽𝒂𝒍𝒐𝒓 𝒕𝒐𝒕𝒂𝒍 𝒅𝒐𝒔 𝒍𝒆𝒈𝒂𝒅𝒐𝒔 𝒗𝒂𝒍𝒐𝒓 𝒅𝒐 𝒍𝒆𝒈𝒂𝒅𝒐 𝒆𝒎 𝒂𝒏á𝒍𝒊𝒔𝒆


18
=
𝒗𝒂𝒍𝒐𝒓 𝒅𝒂 𝒊𝒏𝒐𝒇𝒊𝒄𝒊𝒐𝒔𝒊𝒅𝒂𝒅𝒆 𝒎𝒐𝒏𝒕𝒂𝒏𝒕𝒆 𝒂 𝒓𝒆𝒅𝒖𝒛𝒊𝒓 = 𝒙

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ser-lhe igualmente restituído em dinheiro aquilo que ele despendeu gratuitamente em benefí-
cio dos herdeiros legitimários (Art.º 2174º/3).

Em lugar da restituição em espécie, os herdeiros legitimários receberão em dinheiro a im-


portância necessária para preencher a legítima no caso de, sendo os bens indivisíveis, a impor-
tância da redução não exceder metade do seu valor; nesse caso, os bens pertencem integral-
mente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a
importância da redução (Art.º 2174º/2 2ª parte). Existirá igualmente pagamento em dinheiro
no caso de a restituição em espécie não ser possível designadamente por os bens doados te-
rem perecido por qualquer causa ou terem sido alienados ou onerados, sendo nesse caso o
donatário ou os seus sucessores responsáveis pelo preenchimento da legítima em dinheiro até
ao valor desses bens (Art.º 2175º).

Sempre que houver lugar à restituição em dinheiro, a insolvência daqueles que, segundo a
ordem estabelecida, devem suportar o encargo da redução não determina a responsabilidade
dos outros (Art.º 2176º). Nos Casos de bens doados a herdeiro legitimário, ou que tiverem
perecido ou tiverem sido alienados ou onerados, a insolvência do donatário com o encargo da
redução em dinheiro não determina a responsabilidade de outros beneficiários de 54 liberali-
dades ( 2176º).
O donatário é considerado, em relação a frutos ou benfeitorias, possuidor de boa fé até à
data do pedido de redução (Art.º 2177º). Quanto aos frutos estes são remetidos para o Art.º
2170º. Quando às benfeitorias é remetido para o Art.º 1273º. Ver p. 306

• Natureza da redução por inoficiosidade


p. 307

6.2. A tutela qualitativa da legítima


Na vertente qualitativa – art. 2163º, 2164º e 2165º – o de cuius não pode, contra a vonta-
de do legitimário, substituir a sua legitima por uma deixa testamentária, preencher a quota
legitimária do mesmo com bens determinados ou onerá-la com encargos de qualquer nature-
za.
V.g.: o testador não pode determinar contra a vontade dos herdeiros, por exemplo, quais
os bens que devem compor a legítima de cada um deles, ou estabelecer um usufruto ou uma
substituição fideicomissária sobre as suas quotas legitimárias ou constituir servidões ou hipo-
tecas em relação aos bens que as venham integrar.
A tutela qualitativa da legítima é, no entanto, de certa forma, atenuada nos institutos de
cautela sociniana, do legado por conta da legítima e do legado em substituição da legítima.

6.2.1. A cautela sociniana


O Art.º 2164º estabelece este instituto, em derrogação parcial ao Art.º 2163º.

A doutrina tradicional, assim como o regente, consideram que o artigo deve ser interpre-
tado em termos estritos, aplicando-o apenas aos legados de usufruto ou de pensão vitalícia, e
não doações em vida ou outro tipo de encargos como a substituição fideicomissária. A solução
é excecional e portanto não se justifica estendê-la a outras situações.

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O.A. e JDP consideram que deve ser estendida aos fideicomissos, e este último vai mais
longe, estendo às doações de usufruto e de nua-propriedade, às deixas de nua-propriedade e
aos fideicomissos.

O que significa atingir a legítima? Significa o legado ultrapassar o valor da quota disponí-
vel ou incidir sobre bens integrantes da legítima?
O objetivo da cautela sociniana não é a tutela da intangibilidade quantitativa da herança,
mas sim da sua intangibilidade qualitativa. Em consequência, o facto de a herança ser inte-
gralmente onerada com um usufruto implica que a legítima seja atingida, desencadeando as-
sim a aplicação do Art.º 2164º, e permitindo aos herdeiros entregar ao legatário a quota dis-
ponível.

Quanto à entrega da quota disponível questiona-se se a mesma se efetua através da en-


trega do seu valor em abstrato ou da redução do usufruto ou da pensão à mesma.
ML considera mais correta a primeira solução, uma vez que a segunda corresponderia a
um cumprimento parcial do legado, semelhante à redução por inoficiosidade, o que não é
objetivo legal.

Quem tem legitimidade para recorrer à cautela sociniana?


ML considera que se trata de um direito de exercício coletivo por parte dos herdeiros e
não de um exercício individual por parte do legitimário.

6.2.2. O legado por conta da legítima


No legado por conta da legítima, o testador determina a atribuição ao herdeiro legitimário
de determinados bens para que com eles seja preenchida a sua quota legitimária. No fundo,
pretendendo que seja aquele herdeiro legitimário a receber esses bens, o testador determina
que estes integrem a sua legítima, sendo assim imputados na sua quota indisponível.
O legado por conta da legítima não se encontra regulado na lei, mas é referido nos Art.º
1678º/2 d) e 1733º/1 a), podendo considerar-se admissível em virtude de uma interpretação a
contrário do Art.º 2163º. Se o testador não pode, sem o consentimento do herdeiro, designar
os bens que devem integrar a legítima, parece que já o poderá fazer se este consentir nessa
situação, ficando assim a eficácia do legado dependente dessa aceitação.
• O consentimento exprime-se pelo ato de aceitação da própria deixa, após a abertura da
sucessão – sendo que ele não tem de aceitar e pode escolher entre aceitar o legado, aceitar a
legítima subjetiva ou repudiar tudo.

• Aceitação do legado por conta da legítima não o priva da qualidade de herdeiro legitimá-
rio.
Caso de herança ex re certa na forma de Legado por Conta da Legítima .
Tem por base um título legal (relativo à quota legitimária que se destina a ser preenchida)
e um título voluntário (relativo aos bens que, por testamento ou pacto sucessório, o de cuius
indica para preenchimento da quota do beneficiário)

• Imputa-se na Quota indisponível:


Se exceder o valor da legítima, o resto é imputado na Quota Disponível.

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Se o valor do bem legado for superior à legítima subjetiva: o sucessível tem direito ao bem
e ao extra de valor (que se imputa na quota disponível). V.g.: tem direito a quota de 100. Dei-
xam-lhe carro a valer 200. Entende-se que quiseram beneficiá-lo e no excesso é legatário.
Se o valor do bem legado for inferior à legítima subjetiva: o sucessível tem direito ao bem
e ao extra de valor (que se imputa na quota disponível). V.g.: tem direito a quota de 100. Dei-
xam-lhe carro a valer 50. Tem direito a exigir os outros 50.

Questão controversa: sobre o modo de funcionamento das vocações indiretas no âmbito


do legado por conta da legítima:
• PCR: Se o sucessível legitimário não quiser ou não puder aceitar a sucessão, os seus des-
cendentes são chamados, por representação, ao legado por conta, se se preencherem os pres-
supostos da representação na sucessão voluntária (já que o legado é atribuído por facto desig-
nativo negocial), nos termos do Art.º 2037º/2.
• JDP: Sustenta terem que se aplicar cumulativamente as regras de sucessão legal e da su-
cessão voluntária, sendo que nesta última não há direito de representação do indigno, razão
pela qual os descendentes do herdeiro legitimário indigno serão chamados em representação
deste à sua quota hereditária legal, mas não ao legado por conta da legítima. Se houver decla-
ração de indignidade e por isso não puder aceitar, os descendentes só podem representá-lo
face à quota hereditária legal e não face ao legado – art. 2037º/2 a contrario (+ art. 2041º/2).
• ML: Não há razão para excluir o direito de opção dos descendentes dos herdeiros legiti-
mários, devendo funcionar o direito de representação.

Por outro lado, o legatário por conta da legítima continua a beneficiar do direito de acres-
cer se algum dos sucessíveis da mesma classe não puderem ou não quiserem aceitar a heran-
ça. Nos termos do Art.º 2137º/2.

Questão controversa: natureza do instituto – Herança ou Legado?


• GT e CF: estatuto misto; situação de herdeiro-legatário;
• OA: não existe verdadeiro legado, mas apenas um preenchimento da quota do herdeiro,
ainda que lhe possam ser aplicáveis analogicamente regras relativas aos legados, como a pos-
sibilidade de pedir a entrega imediata dos bens antes da partilha.
• PCR: as duas qualificações são incompatíveis; o estatuto de herdeiro tem mais relevo.
• JDP: acrescenta à posição acima que, no caso de o valor dos bens determinados exceder
o valor da quota, o legatário por conta da legítima será herdeiro até ao montante desta e lega-
tário em relação ao remanescente, acabando por defender uma aplicação cumulativa das re-
gras da sucessão legal e da sucessão voluntária.
• ML: Não constitui um verdadeiro legado, mas uma herança ex re certa, devendo, por is-
so, o legatário por conta da legítima ser sujeito ao estatuto de herdeiro.

6.2.3. O legado em substituição da legítima


Art.º 2165º: admite a possibilidade de o testador deixar ao herdeiro legitimário um legado
em lugar da legítima.
Face à necessidade de obter o acordo do herdeiro legitimário para que este possa ser pri-
vado da legítima estabelece o Art.º 2165º/2, um direito de opção a favor de herdeiro legitimá-
rio entre a legítima e o legado, em que a opção por um implica o repúdio do outro. Se aceitar o
legado, o herdeiro legitimário não pode reclamara diferença e valor a que teria direito a título
de legítima, a qual deve acrescer aos restantes herdeiros legitimários.

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Assim se distingue esta figura do legado por conta da legítima, que visa apenas o seu pre-
enchimento, pelo que não determina a sua perda. Pode, no entanto, em certos casos ser difícil
distinguir as duas situações, o que leva alguma doutrina a sustentar que, em caso de dúvida, se
ver preferir a interpretação de que se trata de legado em substituição, e não de legado por
conta da legítima.

• Se o valor do bem legado for superior à legítima subjetiva: aceitando o legado, não tem
de dar o extra à herança;
• Se o valor do bem legado for inferior à legítima subjetiva: aceitando o legado, não rece-
be mais da herança (porque é uma deixa substitutiva).

Ver Art.º 2165º/4.

Questão controversa: a aceitação do legado em substituição da legítima retira ao sucessor


a qualidade de herdeiro?
• GT: passa a ser legatário, a não ser que não aceite o legado, continuando assim herdeiro.
• PCR: a sua aceitação não esgota toda a sua posição hereditária, não o impedindo de cu-
mular a qualidade de legatário com a de herdeiro legítimo, em relação à quota disponível re-
manescente. O legatário conservaria ainda a posição de herdeiro legitimário para efeitos de
desencadear a redução por inoficiosidade, sendo que, no caso de o herdeiro legitimário não
poder ou não querer exercer a opção, os seus descendentes teriam direito de representação.
• JDP: é um legado, que retira a quem o aceita o estatuto de herdeiro legítimo, o que im-
pede de exercer os direitos correspondentes aos herdeiros legítimos. Entende o autor
que, em caso de indignidade, não é possível o exercício do direito de representação
por parte dos descendentes, e que o legatário em substituição não pode exercer o di-
reito à redução de liberalidades, pelo que poderá ter que suportar o passivo em caso
de inoficiosidade.
• ML: concorda com o facto de que este herdeiro, ao ser efetivamente, avantajado pelo de
cujus, em relação aos demais, de forma que esta opção possa ser aceite, é excluído de toda a
sucessão legal, incluindo da sucessão legítima. Mas o autor não vê razão pela qual os herdeiros
se devam privar de efetuar direito da representação caso seja necessário. Também a redução
por inoficiosidade deve ser mantida, já que não se justifica que o legatário em substituição
suporte o passivo.

6.3. Colação
Art. 2104º - instituto que visa a igualação dos descendentes na partilha do de cuius, medi-
ante a restituição (fictícia ou real) à herança dos bens que foram doados em vida por este a um
deles.
• Fundamento numa presunção legal iuris tantum de que o autor da sucessão quando faz
uma doação a um dos filhos (ou outro descendente que na altura seja sucessível legitimário
prioritário) não pretende avantajá-lo relativamente aos demais – em princípio os filhos são
tratados da mesma forma e um não é beneficiado em detrimento de outro.

Na falta de manifestação de vontade do autor da liberalidade em vida, entende-se que a


doação se limita a preencher antecipadamente a quota que caberá ao donatário na herança do
de cuius → Instituto supletivo que funciona quando o de cuius nada diz.

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6.3.1. Pessoas sujeitas à colação


• Descendentes que sejam titulares de uma pretensão atendível de entrada na sucessão
legal e que eram, à data da doação, presuntivos herdeiros legitimários do doador (art. 2105º);
• Representantes dos descendentes presuntivamente legitimários à data da doação (art.
2106º);
• Transmissários do direito de suceder que foi adquirido originariamente pelo descenden-
te que era, à data da doação, presuntivo herdeiro legitimário do doador;
• Adquirentes do quinhão hereditário alienado pelo descendente que era, à data da doa-
ção, presuntivo herdeiro legitimário do doador (art. 2128º) e os credores desse descendente
que tenham exercido a faculdade de sub-rogação do art. 2067º.

– Não estão obrigados à colação: cônjuge do de cuius, ascendentes, descendentes que


não eram à data da doação sucessíveis legitimários prioritários (ainda que venham a assumir
esta qualidade no momento da abertura da sucessão), donatários que não sejam sucessíveis
legitimários (nem mesmo os cônjuges dos legitimários – art. 2107º/1

Conflito doutrinário sobre está matéria (sobre se o cônjuge deve ou não estar sujeito a co-
lação):
• O.A defendia que o cônjuge devia estar também sujeito a colação porque a partir de
1977 o cônjuge passou a ser legitimário, existindo uma lacuna legal.
• JDP, PCR, GT: presunção de que o pai não quer beneficiar um filho em preterição dos
restantes; mas o mesmo não se pode aplicar ao cônjuge, já que uma doação visa, efetivamen-
te, beneficiá-lo face aos descendestes, aproveitando, igualmente da colação feita pelos des-
cendentes.
• ML: O objetivo do legislador não foi sujeitar o cônjuge à colação, sendo o regime das do-
ações feitas ao cônjuge completamente diferente do das doações feitas a descendentes, até
porque são livremente revogáveis pelo doador (Art.º 1765º), e estão sujeitas a causas de cadu-
cidade especiais (Art.º 1766º). O cônjuge beneficia também da colação feita pelos descenden-
tes (o Art.º 2108º/2 refere expressamente herdeiros e não descendentes).

Art.º 2105º: estão sujeitos à colação os descendentes que eram à data da doação presun-
tos herdeiros legitimários do doador, ou seja, aqueles que seriam chamados à sucessão em
caso de morte deste, uma vez que também só neste caso faz sentido aquela presunção.
V.g.: se o doador fez uma doação a um filho sei, este é sujeito a colação. Mas se o doador
fez uma doação a um neto seu, quando o pai ainda era vivo, o neto não é sujeito à colação,
ainda que venha a ser chamado à herança do doador, em virtude do pré-falecimento de seu
pai. Neste caso, a doação deve presumir-se feita por conta da quota disponível, dado que o
mais provável era que fosse o filho e não o neto que fosse chamado à sucessão. Se, no entan-
to, ao tempo da doação ao neto, o pai deste já tivesse falecido, já se presume vir a ser o neto
chamado à sucessão por virtude do direito de representação, sendo por isso a doação a este
sujeita a colação (Art.º 2039º).
Mas a sujeição do sucessível legitimário prioritário à colação não é inevitável, podendo ser
afastada no caso de este não pretender entrar na sucessão (Art.º 2104º/1), o que acontece no
caso de repudiar a herança. O donatário pode assim repudiar a herança no caso de não pre-
tender sujeitar à colação as doações que recebeu em vida. Nesse caso, nunca chega a ser her-
deiro, pelo que não é obrigado a sujeitar a colação às doações, ainda que as mesmas possam
ser reduzidas por inoficiosidade. Efetivamente, se não houver lugar à colação a doação é impu-
tada na quota disponível (Art.º 2114º), o que implica a possibilidade de redução por inoficiosi-

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dade (Art.º 2168º e ss.), caso o valor da doação ultrapasse essa quota. Apenas no caso de não
haver lugar à colação por o donatário repudiar a herança sem ter descendentes que o repre-
sentem, a doação é imputada na quota indisponível (Art.º 2114º/2).

Não estão sujeitas a colação as doações feitas ao cônjuge do presuntivo herdeiro legitimá-
rio (Art.º 2107º/1), sendo, no caso de doação feita a ambos os cônjuges, apenas sujeita a cola-
ção a parte que competia ao presuntivo herdeiro legitimário (nº 2). No entanto, a doação não
se considera feita a ambos os cônjuges só porque entre eles vigora o regime da comunhão
geral (nº 3).

6.3.2. A dispensa da colação


Nada impede o doador de elidir a presunção anteriormente referida, e beneficiar efetiva-
mente a posição de um dos seus descendentes em relação aos outros, desde que não afete a
legítima que lhes cabe como herdeiros legitimários, bastando para isso que efetue a doação
por conta da quota disponível.

A dispensa pode ser efetuada no ato de doação ou posteriormente pela mesma forma pela
qual foi feita doação/ testamento ( 2113º/1 e 2). → se for posterior à doação, a dispensa tem
de ser aceite pelo donatário porque equivale a uma liberalidade, em conjunto com o princípio
invito beneficium non datur.
Art. 2113º/3 – casos em que se presume sempre a dispensa da colação

Poderá a dispensa da colação efetuada na doação ser revogada pelo doador?


• PCR: sim; a dispensa de colação, embora inserida num contrato como a doação, tem na-
tureza unilateral mortis causa, sendo assim livremente revogável.
• JDP: tendo a doação caráter contratual, a dispensa de colação nela efetuada não pode
ser posteriormente revogada pelo doador. ML concorda.

Pode o donatário renunciar à dispensa de colação?


• ML responde afirmativamente, já que nada impede o donatário de, até por não querer
ser beneficiado em relação aos seus irmãos, incluir na sua obrigação de conferência também
os bens relativamente aos quais tenha sido dispensado de colação, caso em que se deve en-
tender que renuncia à dispensa de colação.

6.3.3. Regime jurídico da obrigação de conferir


A colação tem por objeto tudo quanto o falecido houver disposto gratuitamente em pro-
veito dos descendentes (Art.º 2110º/1), incluindo as atribuições gratuitas que não pudessem
ser qualificadas como doação nos termos do Art.º 940º (Art.º 2104º/2).
Estão, portanto sujeitas a colação: Art.º 863º. 2057º/2; 450/1.

Exceção: Art.º 2110º/2

Também devem ser conferidos os frutos da coisa doada, mas apenas se tiverem sido per-
cebidos desde a abertura da sucessão (Art.º 2111º), pelo que frutos percebidos antes dessa
data pertencem ao donatário.

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Nos termos do Art.º 2108º, colação faz-se pela imputação do valor da doação ou da impor-
tância das despesas na quota hereditária, ou pela restituição dos próprios bens doados se
houver acordo entre todos os herdeiros. Em princípio será adotada a primeira forma. Uma vez
que a segunda depende do acordo de todos os herdeiros. Será assim apenas efetuada uma
operação aritmética, deduzindo à quota da herança a que o herdeiro tem direito, o valor da
doação que já recebeu. Apenas se todos os interessados estiverem de acordo é que os bens
doados serão restituídos em espécie à herança.
Se, no entanto, os bens remanescentes na herança não permitirem a igualação das posi-
ções dos diversos herdeiros, tal implica que devam ser reduzidas as doações, a menos que
ocorra a inoficiosidade (Art.º 2108º/2). Efetivamente, com a colação pretende-se apenas fazer
reentrar na herança os bens doados aos descendentes, mas não proceder à sua redução para
igualação das quotas hereditárias. Essa redução apenas ocorre se a doação exceder o valor da
legítima que caberia ao donatário.

Para efeitos de colação, o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura
da sucessão (art. 2109º/1):
• Se a coisa pereceu – art. 2109º/2.
• Se a doação foi em dinheiro – art. 2109º/3.
• O valor colacionável dos frutos dos bens doados, percebidos desde a abertura da suces-
são, será correspondente à diferença entre o valor dos frutos na data da sua perceção e o va-
lor das despesas que estiveram na génese da sua obtenção.

Ver quanto às benfeitorias: p. 324

O donatário responde perante a herança pelas deteriorações que culposamente tenha


causado nos bens doados (2116º), mas já não pelo perecimento da coisa, ocorrido em vida do
autor da sucessão, por facto que não lhe seja imputável (Art.º 2112º). Pelo contrário, após a
abertura da sucessão, o donatário responde independentemente de culpa pelo valor da coisa
doada, caso esta venha a perecer.

Quando os cônjuges doam um bem comum ao seu descendente – art. 2117º.

A lei refere que a eventual redução das doações sujeitas à colação constitui um ónus real,
que incide sobre os bens doados (Art.º 2118º/1), estabelecendo mesmo em relação aos bens
imóveis, que não pode fazer-se o registo da doação sem se efetuar simultaneamente o registo
desse ónus (Art.º 2118º/2).

6.4. A imputação
A operação de afetação de atribuição patrimonial gratuita a uma das quotas tem o nome
de imputação, sendo sempre necessária a sua realização, quer para o preenchimento das quo-
tas (disponível ou indisponível), quer para a colação, quer ainda para a determinação da exis-
tência de inoficiosidade.
Imputar é a operação de preencher ou atribuir algo a uma quota, sendo neste caso essa
operação referida ao enquadramento na quota disponível ou indisponível das liberalidades
efetuadas em vida ou por morte para efeitos de determinação da partilha.

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lOMoARcPSD|17885397

→ São imputadas na quota indisponível:


• As doações efetuadas a descendentes sujeitas a colação e nela conferidas, salvo na
parte em que excedem a quota do legitimário (Art.º 2108º/1);
• As doações efetuadas a descendentes sujeitas a colação, se o sucessor repudiar a su-
cessão, sem ter descendentes que o representem (Art.º 2114º/2);
• O legado em substituição da legítima e o legado por conta da legítima, salvo na parte
em que excederem o valor da legítima subjetiva (Art.º 2165º/4).

→ São imputadas na quota disponível:


• As doações feitas a descendentes não sujeitas a colação (Art.º 2114º/1), designada-
mente no caso de a coisa ter perecido por causa não imputável ao donatário (Art.º 2112º, ou
haver dispensa de colação (Art.º 2113º);
• As doações efetuadas ao cônjuge, sendo a quota disponível alargada por uma fictícia
legítima subjetiva, no caso de este não ser herdeiro legitimário (Art.º 2168º/2).
• As doações efetuadas a ascendentes.
• As doações efetuadas a não herdeiros legitimários prioritários (Art.º 2114º/1).
• As doações sujeitas e trazidas à colação na parte em que excedam a quota do legiti-
mário (Art.º 2108º/1, a contrario);
• as deixas a título de herança;
• os legados em substituição e por conta da legítima, na parte em que excedam a quota
do legitimário (Art.º 2165º/4, a contrario); Comentado [RGM1]:
• o pré-legado (Art.º 2264º).

Ler pp. 326 e ss. para compreender melhor cada um dos tópicos acima.

7. Natureza do direito à legítima


p. 333

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