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1.

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE SUCESSÃO POR MORTE

1.1 Noção de sucessão e de Direito das Sucessões

Etmologicamente a palavra “sucessão” adveio do latim “successio”, que


advem do verbo, também em latim, “succedere” (vir para o lugar de ou tomar
o lugar de). O termo sucessão tem um sentido amplo, abrangendo tanto a
sucessão em vida como a sucessão por morte, também designada “sucessão
mortis causa”, por ter como pressuposto a morte.
A noção legal de sucessão por morte vem contida no artigo 1 da Lei nº
23/2019, de 23 de Dezembro, nos termos do qual “diz-se sucessão o chamamento
de uma ou mais pessoas a ingressar nas relações jurídico- patrimoniais de que era
titular uma pessoa falecida e a consequente transferência dos direitos e obrigações
desta”1.
A sucessão mortis causa tem como um elemento caracterizador fundamental, a
identidade da relação jurídica; ou seja, verifica-se o ingresso de um novo
sujeito numa posição que era ocupada pelo falecido, permanecendo a relação
jurídica a mesma. Neste sentido, os sujeitos é que são dinâmicos enquanto
que a relação jurídica é estática.

O Direito das Sucessões, enquanto ramo do direito, é o conjunto de princípios


e normas que regulam o fenômeno da sucessão por morte. O que se pretende
com tal conjunto de normas é dar destino ao património (activo e passivo) de
uma pessoa falecida.

Como ciência jurídica, o Direito das Sucessões dedica-se ao estudo dos


princípios e normas que constituem o Direito das Sucessões enquanto ramo
do direito.

1
A nova redacção altera ligeiramente a que vinha contida no 2024.º do C. Civil, por
razões essencialmente de clareza. Era a seguinte a redacção do artigo 2024º:
“diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações
jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que
a esta pertenciam”.

1
O Direito das Sucessões é um ramo do direito privado, de acordo com a
classificação germânica.

A grande crítica à classificação germânica é a ausência de critério científico


para a repartição dos vários ramos do direito; diferentemente do que sucede
no Direito das Obrigações, que atende à estrutura da relação jurídica ou
conteúdo do direito, no Direito das Sucessões não temos direitos subjectivos
sucessórios.

O Direito das Sucessões não se diferencia dos outros ramos do direito pela
natureza das relações jurídicas, mas pela fonte (a morte). Do que trata o
Direito das Sucessões é regular o processo de “transferência” de bens
patrimoniais e dívidas duma pessoa falecida para os seus sucessores. As
relações jurídicas que sofrem a modificação subjectiva continuam sendo as
mesmas e sujeitas, designadamente, à disciplina do Direito das Obrigações ou
Direito das Coisas.

1.2 A morte como pressuposto do fenómeno sucessório

A sucessão por morte distingue-se da sucessão em vida pela causa que dá lugar a
cada uma delas. A sucessão mortis causa tem como causa a morte por sí só ou em
articulação com um acto praticado pelo autor da sucessão, enquanto que a
sucessão inter vivos tem como causa um acto jurídico distinto da morte.

Na compra e venda, na doação, na cessão da posição contratual ou noutras


situações que implicam a mudança dos sujeitos da relação jurídica, em vida do
titular inicial e o do novo, temos a sucessão em vida (sucessão inter vivos). Aliás, a
designação “inter vivos” significa precisamente que a “troca” dos sujeitos em feita
em vida de ambos.

A morte é, assim, o pressuposto de todo o fenómeno de sucessão mortis causa. É a


morte que desencadeia o processo de chamamento de pessoas com personalidade
jurídica para a titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa
falecida.

A morte pode, em termos muito gerais, ser definida como a ausência de vida. A
ocorrência da morte é constatada, via regra, por especialistas da área médica.

A morte é um facto jurídico involuntário sujeito a registo obrigatório, como prevê


o artigo 1.º , n.º 1, al. f), do Código do Registo Civil.

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O artigo 2.º do Código do Registo Civil estabelece que os factos sujeitos a registo
obrigatório só podem ser invocados enquanto não for lavrado o respectivo
registo.

A declaração de óbito para efeitos de registo é feita nos termos dos artigos 233.º e
234.º do Código do Registo Civil, devendo ser acompanhada do certificado de
óbito passado pelo médido que a verificou ou de auto lavrado pela autoridade
administrativa ou policial, tal como dispõe os artigos 234.º, n.º 1, e 236.º, ambos
do Código do Registo Civil.

O óbito, nos termos do artigo 273.º do Código do Registo Civil, só pode ser
provado por meio de certidão ou boletim.

O que acabamos de dizer implica que em todos os processos em que sejam


invocados efeitos decorrentes da morte, deverá ser feita a prova da sua
ocorrência, por meio de boletim ou certidão de óbito, conforme for exigência da
lei que regule tais processos.

A morte é um facto jurídico constitutivo, modificativo ou extintivo. Para o Direito


das Sucessões interessa a morte como um facto jurídico modificativo; ou seja, nas
relações jurídicas que devam perdurar para depois da morte do seu titular,
ocorre uma modificação subjectiva, mediante subingresso de novo(s) sujeito(s) na
posição que era assumida pelo falecido, mantendo-se as relações jurídicas com os
demais elementos.

O momento em que ocorre a morte é relevante para efeitos do fenómeno


sucessório. Com efeito, é no momento da morte que é a aberta a sucessão e fixa-
se, em definitivo, o mapa de sucessíveis (pessoas que poderão vir a suceder).

Caso prevaleçam dúvidas sobre os momentos da morte de duas pessoas e seja


relevante determinar qual delas faleceu primeiro (por exemplo para efeitos
sucessórios), a lei, no artigo 68.º, n.º 2, do Código Civil, estabelece a presunção de
comoriência.
A morte, como foi referido acima, também pode ser um facto constitutivo ou
extintivo.
Há, na verdade, casos em que a morte é um facto extintivo, porque põe termo a
determinadas relações. Em regra, as relações de carácter pessoal extinguem-se
por morte do seu titular. Por exemplo, com a morte extingue-se a personalidade

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jurídica e dissolve-se o casamento. Nestes casos, a morte é um facto jurídico
extintivo.
A morte também pode ser um facto jurídico constitutivo, por dela surgirem
novas relações jurídicas que não existiam antes dela (da morte). Como exemplos
paradigmáticos podemos citar o subsídio de morte (que é atribuído aos familiares
do falecido funcionário ou trabalhador) ou subsídio de sobrevivência (também
atribuído aos filhos menores ou estudantes do falecido funcionário ou
trabalhador. Outro exemplo em que a morte opera como facto jurídico
constitutivo é do seguro de vida.

Nos exemplos mencionados, os beneficiários (dos subsídios de morte e de


sobrevivência ou do valor do seguro) não adquirem o direito aos subsídios ou à
indemnização em vida do funcionário ou da pessoa segurada (no caso do
seguro). A morte é que faz surgir novas relações jurídicas: os beneficiários
passam a ter direito de exigir do Estado ou do Instituto de Segurança Social o
pagamento dos subsídios; o beneficiário do seguro de vida passa a ter um crédito
perante a seguradora e esta torna-se devedora. Em vida do funcionário, os seus
familiares não podem, por exemplo, intentar uma acção judicial para o
pagamento do subsídio de morte, precisamente porque o direito ao tal subsídio
só passa a existir depois da morte.

Ao Direito das Sucessões apenas regula o fenómeno sucessório ou processo de


substituição, na titularidade de relações jurídicas, das pessoas mortas por pessoas
com personalidade jurídica. A morte, neste caso, é um facto jurídico modificativo,
porque as relações já existiam antes da morte e não se extinguem com a
ocorrência da morte, mudando apenas os seus sujeitos.

1.3 Justificação do fenómeno da sucessão por morte

 O reconhecimento da propriedade privada, tem como consequência


lógica o reconhecimento do fenómeno sucessório; entende-se que a
“função da propriedade privada só é assegurada se acompanhada de
sua transmissibilidade”. Nos termos da Constituição da República de
Moçambique, o Estado reconhece e garante o direito de propriedade e
o direito à herança (ver artigos 82 e 83 da Constituição da República).

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 A possibilidade de sucessão por morte constitui um grande estímulo à
actividade privada: os membros da família dão o seu contributo nessa
perspective; o autor da sucessão acumula riqueza que sabe que irá
beneficiar os filhos ou familiares próximos.

 Segurança jurídica e justiça: segurança jurídica pois o património


constitui a principal garantia das obrigações: se com a morte as dívidas
e os créditos se extinguissem: (i) seria difícil a contratação entre
privados (ii) seriam injustos os resultados pois o devedor enriqueceria
injustamente com a morte do credor (iii) os familiares próximos do
falecido, como é o caso dos filhos, poderiam ficar privados do
património do falecido, usado para o seu sustento.

 Razões de ordem pública: se os bens moveis se tornassem res nullius, a


disputa pela sua posse, após a morte do proprietário, poderiam
resultar em situações inclusive de violência. Oportunismo e ganância
poderiam estar de perto associadas ao momentos terminais da vida de
uma pessoa, apenas como forma de apropriação dos seus bens.

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