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Processo nº 13739/21.8T8SNT.L1-4
Sumário
Texto Parcial
1. Relatório
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1.1. AAA, patrocinado pela Digna Magistrada do Ministério Público, intentou a
presente acção emergente de acidente de trabalho, sob a forma do processo
especial, contra Tolerante Factor, Construção e Obras Públicas, Lda. e
Generali, Seguros, S.A., peticionando que as Rés sejam condenadas a pagar-
lhe, de acordo com a responsabilidade que for apurada:
a) a pensão anual e vitalícia no montante 188,52€ com início no dia seguinte
ao da alta definitiva, pensão essa obrigatoriamente remível (capital de remição
de 2400,24€, acrescido de juros, à taxa legal, desde o dia seguinte ao da alta);
b) o montante de IT que for apurado de 19.8.2021 a 19.9.2021 (32 dias) e
2100,41€ de ITA de 19.6.2021 a 18.8.2021 (61 dias), a título de indemnização
devida pelos períodos de incapacidade temporária sofridos e já reconhecidos;
c) as despesas que constam de fls. 100 a 116, ou seja: i) diversas deslocações
e respetivo estacionamento à CUF Mem-Martins, no valor de 34,16€; ii)
medicamentos no valor de 22,97€; iii) consultas e RX no valor de 147,00€.
d) despesas de deslocação a este Tribunal por virtude dos autos – 30,00€, até
à data da tentativa de conciliação;
e) outras despesas de deslocação que por esta mesma razão venha a ter no
decurso dos autos;
f) os juros de mora vencidos e vincendos, sobre todas as antecedentes
prestações, à taxa anual legal, desde a data dos respetivos vencimentos até
integral pagamento.
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apólice de seguro que então vigorava, motivo por que não pode assumir
qualquer responsabilidade pelas consequências do alegado sinistro; que, sem
conceder quanto à questão da inexistência de seguro, desconhece a
ocorrência do evento descrito nos autos, as suas concretas circunstâncias e se
o mesmo determinou danos ou consequências para o A.; que pelo seu
mediador lhe foi solicitada a alteração do contrato de seguro a partir de 21 de
Junho de 2021, passando nessa data a abranger o sinistrado e que foi por
lapso administrativo que pagou ao A. valores a título de incapacidade
temporárias.
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oitenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), a partir de 18.11.2021;
- a quantia de € 34,16 (trinta e quatro euros e dezasseis cêntimos), a título de
diversas deslocações e respetivo estacionamento à CUF Mem-Martins;
- a quantia de € 22,97 (vinte e dois euros e noventa e sete cêntimos), a título
de despesas com medicamentos;
- a quantia de € 147,00 (cento e quarenta e sete euros), a título de despesas
com consultas médicas e tratamentos (RX);
- a quantia de € 40,00 (quarenta euros), a título de despesas com deslocações
ao Tribunal;
4.2. Condeno ainda a Ré TOLERANTE FACTOR, CONSTRUÇÃO E OBRAS
PÚBLICAS LDA no pagamento dos juros de mora, vencidos e vincendos,
calculados sobre as acima descritas quantias, à taxa legal aplicável, até efetivo
e integral pagamento;
4.3. Absolvo de todos os pedidos a Ré GENERALI SEGUROS, S.A.
Fixo à ação o valor de € 6.090,08 (€188.52 x taxa 12,964 + €3.202,27 + €
199,71 + € 34,16 + € 22,97 + € 147,00 + €40,00).
Custas pela 1ª Ré.
[…].»
1.2. A R. Tolerante Factor, Construção e Obras Públicas, Lda., inconformada,
interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas
alegações, as seguintes conclusões:
(...)
1.3. A R. seguradora respondeu à alegação da recorrente empregadora,
defendendo a improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Concluiu do seguinte modo:
(...)
1.4. Também o sinistrado patrocinado pelo Ministério Público, contra-alegou,
rematando a sua peça processual com o seguinte núcleo conclusivo:
(...)
1.5. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso.
1.6. Recebidos os autos nesta Relação, não houve lugar a Parecer do Exmo.
Procurador-Geral Adjunto uma vez que o A. se mostra patrocinado pelo
Ministério Público – cfr- o artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
*
Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
*
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da
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recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil,
aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –,
ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido
conhecidas com trânsito em julgado.
Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar as questões que se suscitem nas
contra-alegações (artigo 81.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho).
Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem
lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª– da nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do
CPC;
2.ª– da impugnação da decisão de facto, o que pressupõe a análise da questão
do cumprimento, por parte da apelante, dos ónus legais prescritos para tal
impugnação;
3.ª– saber se o A. sofreu um acidente de trabalho, do qual resultaram lesões e
sequelas;
4ª– em caso afirmativo, saber se a R. seguradora é responsável, e em que
medida, pelo pagamento das prestações que lhe são devidas para reparação
do acidente.
*
3. Da nulidade da sentença
*
A recorrente alegou que não foi referido e não consta em Sentença que o A.
poderia ter continuado a laborar, pois as suas funções não eram apenas estar
presente em obra, grande parte passava por trabalho de escritório, o que, na
sua perspectiva, tem efeitos na nulidade da Sentença nos termos da alínea d),
n.º 1 do art. 615.º do CPC, nomeadamente sobre a possibilidade do A. se poder
dirigir ao escritório e efetivamente laborar, matéria que foi mencionada em
sede de audiência e que cabia ao Mmo. Juiz decidir.
Deve começar por se dizer que não se verifica o escolho apontado pela Digna
Magistrada do Ministério Público, ao conhecimento da presente nulidade, na
medida em que a acção teve o seu início já em 27 de Setembro de 2021, após
a entrada em vigor, no dia 9 de Outubro de 2019, da Lei n.º 107/2019 de 9 de
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Setembro, que alterou o Código de Processo do Trabalho, adequando-o ao
Código de Processo Civil e alterou a disposição processual do indicado artigo
77.º, segundo o qual a arguição de nulidade da sentença tinha que ser
efectuada no requerimento de interposição de recurso, “expressa e
separadamente”. Passou a dispor o artigo 77.º que [à] arguição de nulidades
da sentença é aplicável o regime previsto nos artigos 615.º e 617.º do Código
de Processo Civil”, o qual prescinde do formalismo especial antes exigido, pelo
que nada pode apontar-se à recorrente a este propósito, havendo que
conhecer da arguida nulidade.
Nos termos do disposto no art. 615º, nº1 do Código de Processo Civil, é nula a
sentença quando:
“(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou
conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…).”
Sobre o que se deve entender por questões, para efeitos do disposto no art.º
608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, tem-se entendido que, “questões”,
para aquele efeito, são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos
estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem
com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções por elas assumidas[1].
Ou, numa outra formulação com o mesmo significado essencial, as “questões”
que o juiz deve resolver na sentença, a que alude aquele normativo legal,
relacionam-se com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os
meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos
(mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em
defesa das suas pretensões[2].
Como observa o Prof. Alberto dos Reis, não enferma de nulidade por omissão
de pronúncia a sentença “que não se ocupou de todas as considerações feitas
pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito.
(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que
devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou
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razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada
questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para
valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão
posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas
se apoiam para sustentar a sua pretensão”[3].
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Tribunal da Relação da decisão de facto emitida pela Mma. Juiz a quo, tarefa
que se empreenderá tendo em consideração toda a impugnação deduzida e
não apenas a respeitante ao segmento decisório que absolve a R. seguradora,
na medida em que se trata de questão de conhecimento oficioso.
A propósito dos requisitos para a impugnação da decisão de facto, estabelece
o artigo 640.º do Código de Processo Civil, o seguinte:
«Artigo 640.º
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
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temos repetidamente afirmado, é esta função das conclusões que legitima a
existência de normas processuais que as exijam.
Mas a indicação, nas conclusões, dos pontos de facto que se pretendem ver
julgados de modo diferente é imprescindível para que estas cumpram a sua
função de sinalizar e delimitar o objecto do recurso e, consequentemente, o
âmbito de intervenção do tribunal ad quem no que diz respeito à decisão de
facto. Segundo é dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de
Maio de 2016, do artigo 640º nº 1, al. b) não resulta que a descriminação dos
concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada
tenha que ser feita exclusiva e unicamente nas conclusões, bastando que o
seja nas alegações, mas nas conclusões devem ser indicados os pontos
concretos que o recorrente considera como incorrectamente julgados, face aos
meios probatórios que indica nas alegações.[6]
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Julho de 2020[8], o artigo 640.º, n.º1, al. a), do Código de Processo Civil, ao
exigir a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente
considera incorrectamente julgados, “pressupõe que seja feita a referência, no
que se refere aos factos alegados, aos respectivos articulados, e, quanto aos
factos não articulados, que o tribunal venha a considerar relevantes para a
boa decisão da causa, que seja feita referência ao despacho proferido nos
termos do art.º 72.º, n.º 1 do CPT".
Os únicos factos que particulariza, e relativamente aos quais defende que deve
ser modificada a matéria de facto, dando-se como não provada (sentido
decisório por que propugna), são os que se mostram descritos nos pontos 6.,
9. e 14. da sentença – conclusões c) e n).
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encontra em contradição com os testemunhos prestados” –[conclusão a)] –, ou
com a afirmação de que, no que “concerne à absolvição da Ré Companhia de
Seguros, também aqui a livre apreciação da prova foi extrapolada, dado que
não teve em consideração os documentos juntos, nomeadamente a troca de
emails entre a Entidade Empregadora e a Seguradora, como também não teve
em consideração o facto de a Seguradora ter num primeiro momento custeado
todas as despesas relativas ao alegado acidente de trabalho” [conclusão q)].
O que, a nosso ver, não é suficiente para que se considere que as conclusões
cumprem a sua missão de delimitar o âmbito fáctico do recurso, por indicação
dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados [arts. 639°, n.º1 e
640°, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil][10].
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alegações de tal ónus de indicação dos meios de prova prescrito no artigo
640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
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4)Em 18 de junho 2021, o Autor exercia funções correspondentes a
Coordenador de obra, por conta, ordem e fiscalização da 1ª Ré – cfr. resposta
dada ao artigo 1º da p.i..
5)O Autor auferia a retribuição salarial mensal de 1.200,00€ x 14 meses, no
total de 16.800,00€, acrescido de subsídio de alimentação de 4,77€ x 22 dias
11 meses, no total de 1.154,34€, na totalidade anual de € 17.954,34€ – cfr.
resposta dada ao artigo 2º da p.i..
6)No dia 18 de junho de 2021, nas instalações da empregadora, quando se
encontrava na cave do edifício, o Autor escorregou numas escadas e caiu – cfr.
resposta dada ao artigo 3º da p.i..
7)A Seguradora liquidou ao Autor a quantia de € 1.308,44 (mil trezentos e oito
euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de indemnização devida pelos
períodos de incapacidade sofridos – cfr. alínea C) dos Factos Assentes.
8)Em 21.06.2021 foi solicitada a alteração da apólice, para inclusão de dois
novos trabalhadores ao quadro seguro anterior: o aqui Autor AAA ambos
técnicos de construção e obras públicas, com retribuição e € 1.200,00 x 14
(salário base) e € 104,94 x 11 (subsidio de alimentação) e € 900,00 x 14
(salário base) e € 104,94 x 11 (subsidio de alimentação), respetivamente – cfr.
resposta dada ao artigo 12º da contestação da Seguradora.
9)Submetido a exame médico singular neste Tribunal, no dia 02.11.2021, o
senhor perito médico fixou os seguintes períodos de incapacidade:- ITA de
19.06.2021 a 18.08.2021;- ITP de 20%, de 19.08.2021 a 19.09.2021 (data da
consolidação médico-legal das lesões) – cfr. Auto de Exame Médico junto a fls.
52-54 – cfr. alínea D) dos Factos Assentes.
10) O senhor perito médico atribuiu ao Autor uma IPP de 1,5%, a partir de
20.09.2021 – cfr. alínea E) dos Factos Assentes.
11) Na Tentativa de Conciliação realizada nos autos o Autor não concordou
com a incapacidade fixada pelo senhor perito médico para o período de
19.08.2021 a 19.09.2021 – cfr. alínea F) dos Factos Assentes.
12) A Ré Seguradora não aceitou a existência e caracterização do acidente
como de trabalho; não aceitou o nexo de causalidade entre o alegado acidente
e as lesões sofridas pelo Autor; e não aceitou a transferência de
responsabilidade – cfr. alínea G) dos Factos Assentes.
13) A Ré Empregadora não aceitou a existência e caracterização do acidente
como de trabalho; não aceitou o nexo de causalidade entre o alegado acidente
e as lesões sofridas pelo Autor; e disse ter transferido para a Ré Seguradora a
sua responsabilidade, pelo salário anual do trabalhador de € 1.200,00 x 14
meses – cfr. alínea H) dos Factos Assentes.
14) Em consequência do acidente sofrido o Autor sofreu fratura do 5º
metatarso do pé direito – cfr. resposta ao artigo 4º da p.i., por referência à
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resposta da junta médica ao quesito 1º de fls. 150 (quesitos do Autor).
15) Atualmente o Autor apresenta como sequelas do acidente: dor no 5º
metatarso do pé direito, pós fratura – cfr. resposta ao artigo 5º da p.i., por
referência à resposta da junta médica ao quesito 1º de fls. 150 (quesitos do
Autor).
16) Submetido a exame por junta médica neste Tribunal em 16.12.2022, as
senhoras peritas médicas em representação do Tribunal e do sinistrado
fixaram os seguintes períodos de incapacidade:- ITA de 19.06.2021 a
19.09.2021;- ITP de 10%, de 20.09.2021 a 17.11.2021 (data da consolidação
médico-legal das lesões) – cfr. Auto de junta médica no Apenso.
17) Em consequência do acidente o Autor suportou as seguintes despesas: i)
Diversas deslocações e respetivo estacionamento à CUF Mem-Martins, no
valor de 34,16€; ii) Medicamentos, no valor de 22,97€; iii) Consultas e RX, no
valor de 147,00€. d) Despesas de deslocação a este Tribunal por virtude dos
autos – 40,00€ (incluindo a deslocação para exame por junta médica).
5. Fundamentação de direito
*
5.1. Da caracterização do acidente
O acidente sub judiceocorreu em 18 de Junho de 2021, na vigência da Lei dos
Acidentes do Trabalho (LAT) actualmente em vigor, aprovada pela Lei n.º
98/2009 de 4 de Setembro, que regulamenta o regime de reparação de
acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e
reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho,
aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
O nº 1 do art. 8º da Lei n.º 98/2009 estatui que “[é] acidente de trabalho
aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou
indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que
resulte redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
Resulta deste preceito (que reproduz textualmente o artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º
100/97 de 13 de Setembro e o artigo 6.º, n.º 1 do DL n.º 143/99 de 30.4) que o
conceito de acidente de trabalho é caracterizado por três elementos
delimitadores, de verificação cumulativa, além da existência de um contrato
de trabalho. São eles: o elemento espacial (local de trabalho); o elemento
temporal (tempo de trabalho); e o elemento causal (nexo de causa e efeito
entre o acidente e a lesão, perturbação ou doença e entre esta e a morte ou a
redução da capacidade de ganho).
Não tendo a R. empregadora logrado vencimento na impugnação de facto que
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deduziu, cremos ser pacífica a qualificação do evento como acidente de
trabalho, à luz dos factos 4. a 6. e 14. a 16. que se consideraram provados.
Com efeito, decorre destes factos que a queda ocorreu no local e no tempo de
trabalho, tendo produzido directamente lesões corporais de que resultou
redução na capacidade de trabalho, nos termos do artigo 8º, nº 1, da Lei nº
98/2009, de 4 de Setembro.
Impõe-se pois reconhecer ao A. ora recorrido o direito a ver reparado,
segundo a LAT, o acidente de trabalho que sofreu ao serviço da recorrente,
então sua empregadora, sendo de responder afirmativamente à 3.ª questão
acima enunciada.
*
5.2. Da responsabilidade da seguradora
Cabe a este passo aferir se a R. seguradora é responsável, e em que medida,
pelo pagamento das prestações devidas ao sinistrado para reparação do
acidente, o que implica se afira se, em 18 de Junho de 2021, quando o A.
sofreu o acidente de trabalho descrito na sentença, se encontrava transferida
para a recorrida seguradora a responsabilidade civil emergente de acidente de
trabalho por ele sofrido nessa data ao serviço da recorrente, sua
empregadora.
Vejamos.
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acidentes, sendo certo que, se aquele violar a obrigação de celebrar o contrato
de seguro, ou se declarou para efeitos de prémio de seguro um salário inferior
ao real, recai sobre si a responsabilidade, total ou parcial, pela reparação dos
danos sofridos pelo trabalhador (cfr. os n.ºs 4 e 5 do referido artigo 79.º e o
artigo 7.º da LAT). Ou seja, se viola a obrigação de segurar, o empregador
mantém-se adstrito à obrigação de reparar pelo que, quando celebra o
contrato, o empregador tutela em primeira linha o seu próprio interesse (o de
que não venha a recair sobre o seu património a obrigação de reparação) e
não o de quem vier a ser vítima de um acidente de trabalho, embora seja óbvio
que a celebração daquele contrato, com a transferência da inerente
responsabilidade objectiva para uma entidade com reconhecida solvabilidade,
confere aos trabalhadores uma garantia acrescida de satisfação dos seus
direitos em caso de verificação de um acidente de trabalho.
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Quanto ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei
nº 72/2008, de 16 de Abril (LCS), é importante atentar em que deixou de
exigir a adopção de forma escrita para a celebração – e, portanto, para a
validade – do contrato de seguro[12], mas continuou a exigir a redução a
escrito da apólice para efeitos de prova do contrato, como resulta dos nºs 1 e
2 do seu artigo 32º, conjugado com os artigos subsequentes.
A sentença sob recurso considerou que no caso dos autos não ficou
demonstrado que na data em que o acidente se deu, 18 de Junho de 2021, a R.
empregadora tivesse transferido para a R. Seguradora a sua responsabilidade
emergente de acidentes de trabalho ocorridos com o A..
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Divergindo do veredicto da sentença, a recorrente começa por alegar que, “
como foi amplamente provado”, existia uma “representação aparente”, que
vincula a Companhia de Seguros, face ao disposto no DL 144/2006 de 31 de
julho e art. 23º, nº 1, do DL 178/86 e art. 30º, nº 3 do DL 72/2008, que a
Companhia de Seguros demandada deu à mediadora poderes de cobrança e
criou a aparência de representação, pelo que a empregadora acreditou que a
mediadora tinha poderes de representação, nomeadamente no que concerne à
comunicação da simples admissão de trabalhadores, e que a seguradora
assumiu e custeou todos os tratamentos e despesas do trabalhador até Agosto
de 2021, o que contribuiu para que se criasse neste e na empregadora uma
convicção de representação por parte da mediadora.
Face à clareza dos factos provados a propósito – vide os factos 1., 2., 6. e 8. e
ao regime jurídico aplicável que acima se traçou, não vemos também como o
podia fazer.
Com efeito, ficou provado, com relevância para a decisão desta questão que:
“1) À data de 18 de junho de 2021 existia entre a 1.ª e a 2.º Ré um contrato de
seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º …., na modalidade
de prémio fixo, nos termos do qual foi transferida para a seguradora a
responsabilidade emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos
trabalhadores da 1ª Ré incluídos na apólice – cfr. alínea A) dos Factos
Assentes.
2) À data de 18.06.2021, na referida apólice de seguro estavam incluídos 8
trabalhadores da Ré Empregadora, a saber: (…) (…)(…)(…)(…)(…)(…)(…) – cfr.
resposta dada ao artigo 9º da contestação da Seguradora.
(…)
6) No dia 18 de junho de 2021, nas instalações da empregadora, quando se
encontrava na cave do edifício, o Autor escorregou numas escadas e caiu – cfr.
resposta dada ao artigo 3º da p.i..
(…)
8) Em 21.06.2021 foi solicitada a alteração da apólice, para inclusão de dois
novos trabalhadores ao quadro seguro anterior: o aqui Autor AAA e (…),
ambos técnicos de construção e obras públicas, com retribuição e € 1.200,00 x
14 (salário base) e € 104,94 x 11 (subsidio de alimentação) e € 900,00 x 14
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(salário base) e € 104,94 x 11 (subsidio de alimentação), respetivamente – cfr.
resposta dada ao artigo 12º da contestação da Seguradora.”
A recorrente ancora a sua tese no sentido de que deve ser absolvida, isso sim,
na existência de poderes de representação do mediador com quem contactou:
a alegada “representação aparente” – ainda que não explicite quais os actos
praticados pelo mediador que teriam vinculado a seguradora, de molde a
implicar a responsabilização desta pela reparação do sinistro.
Ora, esta questão consubstancia uma questão nova, que não foi invocada na
contestação apresentada como fundamento da defesa nela deduzida pela ora
recorrente, peça processual esta em que a recorrente se limitou que alegar
que “[a] informação de admissão do trabalhador sinistrado e de outro à
Seguradora foi feita, como sempre, através de comunicação por correio
electrónico à Giant (mediador de seguros) no dia 11 de Maio de 2021, assim
como foi feita a comunicação à Segurança Social” (artigo 15.º da contestação),
sem que tenha invocado expressamente a questão da agora alegada “
representação aparente”.
Por isto mesmo, a referida questão não foi tratada na sentença recorrida, que
sobre ela não se pronunciou.
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decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso[13].
Nem alegou, tão pouco, que o mediador actuava em nome da seguradora sem
os necessários poderes, mas se verificavam factos suceptíveis de levar a
concluir que o segurador contribuiu para fundar a confiança do tomador do
seguro na legitimidade do mediador para actuar em seu nome – vide o artigo
30.º, do Decreto-Lei n.º 72/08, de 16.04 (Regime Jurídico do Contrato de
Seguro), vg. o seu n.º 3, em regime consonante com a Cláusula 32ª, da
Portaria n.º 256/2011, de 5 de Julho, que aprovou a parte uniforme das
condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho
para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições
especiais uniformes, aplicável ao caso sub judice. Efectivamente, no caso
vertente nada foi alegado pela ora recorrente, nem, consequentemente se
mostra provado, quanto a um qualquer acto da recorrida seguradora
susceptível de fazer criar no tomador a confiança na eventual legitimidade do
mediador para actuar em seu nome, admitindo que o mediador praticasse
actos como seu representante e criando, desse modo, no tomador do seguro,
confiança nessa representação (por exemplo aceitando a responsabilidade em
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apólices assinadas pelo mediador, ou cobrando prémios negociados com o
mesmo, ou procedendo a estornos na sequência de reclamações apresentadas
pelo tomador ao mediador[14]).
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quanto ao mais;
6.3. negar provimento ao recurso e confirmar a decisão constante da sentença
da 1.ª instância.
*
Condena-se a recorrente nas custas de parte que haja a contar.
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razoável que se exija ao recorrente que identifique os pontos de facto que
impugna por referência aos articulados, aos temas da prova ou aos factos
julgados não provados na sentença, sob pena de não se conhecer do recurso
nessa parte”. Acrescenta o aresto que esta exigência “funda-se nos princípios
do dispositivo e da cooperação, tendo por objetivo a justa composição do
litígio, não se vislumbrando que a mesma seja excessiva e viole o princípio da
proporcionalidade, razão pela qual o art.º 640.º, n.º 1, do C.P.C. não é
inconstitucional por violação da garantia constitucional do acesso à justiça,
consagrada no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e do
dever de administração da justiça imposto aos Tribunais no art.º 202.º, n.º 1,
do mesmo diploma”.
[9]Vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª
edição, Coimbra, 2016, p. 142.
[10]Vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 2016.10.25, proferido no
processo n.º 12/14.7TBLRA.C1. Vide ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 08 de Julho de 2020, Proc. n.º 283/08.8TTBGC-B.G1.S1, nos termos
do qual, o art.º 640.º, n.º1, al. a) do Código de Processo Civil, ao exigir a
especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera
incorrectamente julgados, pressupõe que seja feita a referência: no que se
refere aos factos alegados, aos respectivos articulados, e quanto aos factos
não articulados, que o tribunal venha a considerar relevantes para a boa
decisão da causa, que seja feita referência ao despacho proferido nos termos
do art.º 72.º, n.º 1 do CPT.
[11]Vide assim decidindo o Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de
Julho de 2008, Recurso n.º 4752/07 - 4.ª Secção, sumariado www.stj.pt.
[12]Segundo a lei anterior, o contrato de seguro tinha natureza formal. O
artigo 426º do Código Comercial exigia a redução a escrito do contrato de
seguro num instrumento, a apólice, e enunciava os pontos que dela tinham de
constar. Entre esses elementos figuravam os pontos essenciais à função e
individualização do contrato de seguro (§ único do artigo 426º e respectivos
nºs), vg. a definição do “objecto do seguro e a sua natureza e valor”, dos
“riscos contra os quais se faz o seguro”, da “quantia segurada” e do “tempo
em que começam e acabam os riscos”.
[13]Vide, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de
10 de Outubro de 2007, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 4 de Dezembro
de 2008, Processo n.º 2507/08-3.ª Secção, de 23 de Setembro de 2009,
Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, de 9 de Julho de 2014, Processo
n.º 2127/07.9TTLSB.L1.S1, de 12 de Setembro de 2013, Processo n.º
381/12.3TTLSB.L1.S1, de 18 de Janeiro de 2012, Processo n.º
543/06.2TTGRD.L1.S1 e de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de
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Outubro de 2015, Processo n.º 677/12.4TTALM.L1.S1, todos sumariados em
www.stj.pt e, na doutrina, o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo
Civil Anotado, vol. V, p. 141 e António Abrantes Geraldes, Recursos em
Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2008,
pp. 25-26.
[14]Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2020.11.24, Processo
13495/16.1YIPRT.G3.S1, e o Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro
de 2016, Processo n.º 3245/13.0TBPRD.P1, ambos in www.dgsi.pt..
[15]De notar que não releva, por si só, o documento constante de fls. 89 dos
autos, que se traduz na cópia de um e-mail datado de 11 de Maio de 2021,
enviado a um Sr. …, talvez mediador de seguros, por Joana Castro Nunes,
comunicando a admissão do A. e de outro trabalhador na Tolerantefator. Não
só a decisão de facto não esclarece quem são os intervenientes na missiva,
como a matéria do segundo ponto dos factos “não provados” não foi
impugnada com o necessário cumprimento dos ónus legais. Acresce que o
documento em causa não se reveste de força probatória plena, única hipótese
em que o mesmo poderia ser atendido oficiosamente por este Tribunal da
Relação (cfr. os artigos 607.º, n.º 4, segunda parte e 663.º, n.º 2, do Código de
Processo Civil), sendo ainda de notar que o facto que o mesmo será
susceptível de revelar não seria, por si só, de molde a alterar o sentido da
decisão do recurso (por não haver outros factos provados reveladores de que a
recorrida seguradora adoptou uma conduta susceptível de fazer criar no
tomador a confiança na eventual legitimidade do
mediador para actuar em seu nome).
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