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Poder Judiciário da União

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

17VARCVBSB
17ª Vara Cível de Brasília

Número do processo: 0704183-08.2017.8.07.0001

Classe judicial: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA (156)

EXEQUENTE: GESSI TEREZINHA LISBOA KOSMALSKI

EXECUTADO: LUIS CLAUDIO FERNANDES MIRANDA

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

1. Por meio da petição de Id 124013732, a credora pleiteia, em síntese, o reconhecimento da ocorrência de


fraude à execução e a declaração de ineficácia da alienação do veículo Marca/Modelo Porsche Cayene,
Ano: 2011, Placa EQE 2828, pelo executado à sua patrona Delize Sousa Martins Andrade. Requer, ainda,
a consequente penhora do veículo e constrição de verba salarial do executado (Id 134934253).

2. A adquirente foi intimada, por meio da publicação da decisão de Id 124055447, conforme determina o
Art. 792, §4º do CPC.

3. Por sua vez, o executado e a adquirente, sua patrona, manifestaram-se ao Id 127391198 arguindo a
regularidade do negócio jurídico, sob a alegação de que, em síntese, esta execução estava garantida por
valor superior ao devido quando da realização do negócio.

4. Posteriormente, o executado juntou ao Id 133129905 p. 34 e 36 o documento do veículo atestando o


registro em nome de terceiro, bem como procuração outorgada a ele pela titular do veículo em 16.04.2020
para exercer poderes sobre o bem.

5. Já a adquirente e patrona do requerido peticiona ao Id 133132202 reafirmando a transferência e a sua


posse sobre o bem. Alega, ainda, que recebeu o veículo de boa fé em meados de Julho de 2020 para
liquidar débitos do executado em razão dos serviços que foram por ela prestados, de modo que foi
assinado e registrado o DUT em 30.07.2020 (Id 133132207 p.52).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

Decido.

Número do documento: 22090919010536100000125998152


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6. Inicialmente, cumpre salientar que o presente cumprimento de sentença foi recebido em 09.05.2017 (Id
6785851), tendo o executado manifestado a efetiva ciência da execução em 01.06.2017 (Id 7325874). A
patrona adquirente do bem, por sua vez, foi constituída em 23.10.2019 (Id 48680785).

7. Os documentos de Ids 133132207 p.50 a 52 comprovam que, à época da realização do negócio jurídico,
ou seja, em 30.07.2020, já havia sido instaurada a presente execução, estando o executado e a
adquirente/patrona cientes dela e, sobretudo, da existência da dívida ainda perseguida pela credora.

8. Não merece prosperar o argumento do executado de que, à época da realização do negócio, a dívida
estava assegurada por valor superior ao devido. Isto porque, àquela altura processual, permanecia o débito
entre as partes e a existência de outra penhora não lhe servia, na prática, de autorização para transferir o
seu patrimônio sem arcar com os débitos já existentes e com as dívidas já reconhecidas judicialmente.

9. Ao contrário do alegado pelo devedor ao Id 127391198, este Juízo não indeferiu a penhora do veículo
em ocasião anterior em razão de garantia da dívida, apenas postergou a avaliação do pedido de
suplementação da penhora à apresentação de planilha de débito por parte do exequente (item 3 da decisão
de Id 89787299). Em verdade, o credor, posteriormente, desistiu da suplementação da penhora, o que foi
homologado por este Juízo (item 1 do despacho de Id 90265738).

10. Quanto à adquirente, cumpre salientar que esta figurava, à época, como patrona do executado nesta
mesma ação. Esta, certamente, ao exercer o mandato que lhe foi outorgado, tinha plena ciência não só da
existência do débito, do interesse da credora em satisfazer a sua legítima pretensão e, sobretudo, do fato
do devedor responder com todos os seus bens para o cumprimento de suas obrigações, nos termos do Art.
789 do CPC.

11. Ademais, conforme predispõe a Súmula nº 375 do Superior Tribunal de Justiça, "o reconhecimento da
fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro
adquirente"

12. Isto posto, tenho que a anuência da patrona/adquirente em receber o veículo do executado tendo plena
consciência da existência da execução, de sua elevada litigiosidade e dos esforços da credora em
satisfazer o seu crédito configura a má fé mencionada como requisito da Súmula 375 do STJ.

13. À patrona, enquanto representante judicial do requerido incumbia o dever de orientá-lo a agir com a
boa fé processual que lhe é imposto por lei e, sobretudo, contribuir para que o processo judicial atinja o
fim a que se destina.

14. Nesse sentido:

Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS


TERRITÓRIOS Gabinete do Des. Gilberto Pereira de Oliveira Número do processo:
0725027-11.2019.8.07.0000 Classe judicial: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE:
LAZARO SEBASTIAO ROBERTO, SONIA MARIA DE SOUSA ROBERTO AGRAVADO: DIETER
LEONHARD SPERBER EMENTA PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO FUNDAMENTADA. PRINCÍPIOS AMPLA DEFESA E
CONTRADITÓRIO. RESPEITADOS. FRAUDE À EXECUÇÃO. BOA-FÉ. PRESUNÇÃO NÃO
ABSOLUTA. DEMONSTRAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO
MANTIDA. 1. (...) 3. O vínculo existente entre cliente e advogado e a ausência de documento que
comprove o pagamento do bem e sua transferência afastam a presunção de boa-fé do adquirente. Além
disso, a não localização do veículo corrobora a má-fé e, consequentemente, a ocorrência de fraude à
execução. 4. Agravo de instrumento conhecido e não provido. Decisão mantida.
(Acórdão 1233194, 07250271120198070000, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 3ª Turma
Cível, data de julgamento: 21/2/2020, publicado no DJE: 10/3/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

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APELAÇÃO. CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO. MÁ-FÉ.
MULTAS. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
DESPROPORCIONAL. REDUÇÃO. O advogado que, atuando na defesa da executada, declara a
insolvência da sua cliente perante o juízo executante e mesmo assim adquire os direitos aquisitivos sobre
a automóvel pertencentes à executada comete fraude à execução. Quando o embargante, além de
conhecedor da inveracidade dos fatos alegados em juízo, retarda o cumprimento de ordem judicial, resta
caracterizada litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da justiça. A multa aplicada para esses
casos deve observar os limites impostos pelos artigos 77 e 81, ambos do Código de Processo Civil, e ser
proporcional ao bem da vida objeto da lide.(Acórdão 973401, 20150111173472APC, Relator: VERA
ANDRIGHI, , Relator Designado:ESDRAS NEVES 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 5/10/2016,
publicado no DJE: 18/10/2016. Pág.: 393/422)

15. Isto posto, reputo presentes os elementos caracterizados da fraude à execução, motivo pelo qual
reconheço a ocorrência do fenômeno quando da dação em pagamento, por parte do executado, do
veículo Marca/Modelo Porsche Cayene, Ano: 2011, Placa EQE 2828, a sua patrona Delize Sousa
Martins Andrade em 30.07.2020. De consequência, torno sem efeito o negócio jurídico em relação
ao credor destes autos, o que faço com fulcro no §1º do art. 792 do CPC.

16. Passo à análise do pedido de penhora do veículo.

17. Em consulta ao sítio deste e.TJDFT, verifico que resta pendente a citação do executado no PJE
0726619-82.2022.8.07.0001 em trâmite na 12ª Vara Cível desta circunscrição judiciária. Nesta ação,
houve, inclusive, concessão de tutela de urgência para sustação dos efeitos da procuração pública de
transferência de direitos incidentes sobre o veículo outorgada pela Sra. QUEZIA DE OLIVEIRA SOUZA
DIAS em favor do executado destes autos.

18. Desta feita, há de se reconhecer que a aquisição de direitos do executado sobre o veículo objeto da
penhora requerida é litigiosa, de modo que a regularidade da procuração pende de decisão final daquele
Juízo. Por esta razão, tenho que a penhora e a expropriação do bem, a esta altura processual, não restará
eficaz à credora destes autos, haja vista a questão prejudicial sobre a titularidade do veículo.

19. Isto posto, primando pela eficácia processual e com vistas a não realizar atos processuais inócuos,
tumultuando o andamento do feito e em prejuízo à razoável duração do processo, indefiro, por ora, o
pedido de penhora do veículo. Sem prejuízo, porém, de nova análise do pleito após a decisão final
daquele Juízo acerca da regularidade da procuração que outorgou direitos ao executado sobre o bem.

20. Passo à análise do pedido de penhora da remuneração recebida pelo executado (Id 134934253).

21. A Jurisprudência deste e.TJDFT, em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de


Justiça, tem se orientado no sentido de que a impenhorabilidade de salários não é absoluta. Admite-se,
excepcionalmente, a medida constritiva a fim de satisfazer o crédito devido, desde que isso não
comprometa a dignidade e o sustendo do devedor.

22. A este respeito, confira-se a ementa:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.


IMPENHORABILIDADE DE VERBA SALARIAL. MITIGAÇÃO. PENHORA DE PARTE DO
SALÁRIO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DIGNIDADE DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE.
PROVENTOS AUFERIDOS. VULTOSA QUANTIA.

Não obstante o artigo 833, inciso IV, do Código de Processo Civil, estabeleça a impenhorabilidade dos
vencimentos, subsídios, soldos, salários, dentre outras verbas destinadas ao sustento do devedor e de sua
família, tal vedação não é absoluta, sendo possível, excepcionalmente, consoante o entendimento firmado
pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, a flexibilização da citada regra, quando a hipótese concreta
dos autos revelar que o bloqueio de parte da remuneração não prejudica a subsistência digna dos
devedores e de suas famílias, além de auxiliar na satisfação do crédito perseguido pela exequente.

Número do documento: 22090919010536100000125998152


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(Acórdão 1228118, 07212943720198070000, Relator: ESDRAS NEVES, 6ª Turma Cível, data de
julgamento: 29/1/2020, publicado no DJE: 13/2/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

23. Deste modo, a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 833, IV,
do CPC), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à
dignidade do devedor e de sua família.

24. Na presente execução, já foram despendidos vários esforços a fim de localizar bens do executado
passíveis de penhora através dos sistemas Sisbajud e Renajud, não sendo os resultados das pesquisas
suficientes para satisfazer a integralidade do débito perseguido nestes autos.

25. O documento de Id 134934257 faz prova de que o requerido recebe o salário bruto, em média, de R$
33.763,00 (trinta e três mil, setecentos e sessenta e três reais), de forma que a penhora de 10% (dez por
cento) do salário líquido do executado mostra-se razoável e, a princípio, não inviabiliza o seu sustento e
não prejudica a manutenção de sua dignidade e de seus dependentes.

26. Por este motivo, defiro em parte o pedido de Id 134934253 e determino a penhora de 10% (dez por
cento) do montante concernente ao salário líquido percebido pelo executado.

27. Contudo, ante a extensão da medida constritiva, postergo o envio de ofício à entidade pagadora à
preclusão da presente decisão.

28. Preclusa a presente decisão, oficie-se à Câmara dos Deputados determinando a retenção de 10%
(dez por cento) do valor líquido da remuneração mensal a ser recebida pelo executado LUIS CLÁUDIO
FERNANDES MIRANDA, CPF 902.186.471-15.

29. Faça-se constar na comunicação que o valor retiro deverá ser transferido, mês a mês, a uma conta
judicial vinculada a este feito até alcançar o montante do valor atualizado da dívida, a ser informado pela
credora no prazo de 05 (cinco) dias, abatido o montante proveniente da arrematação do imóvel.

30. Indefiro, por ora, a expedição de ofício para transferência da comissão de leiloeiro, haja vista a prévia
determinação de que se aguarde a preclusão da decisão de Id 112629230 e a pendência de julgamento
final do Agravo de Instrumento nº 0707745-52.2022.8.07.0000.

31. Desde já, intimo a credora a carrear aos autos a certidão de matrícula atualizada do imóvel arrematado
a fim de analisar a eventual existência de débitos preferenciais ao perseguido nesta ação, bem como os
reflexos das penhoras no rosto dos autos aqui averbadas em desfavor da credora na distribuição do crédito
materializado pela arrematação do imóvel.

Brasília, Distrito Federal. Datado e assinado eletronicamente.

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Número do documento: 22090919010536100000125998152


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