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Supremo Tribunal de Justiça

Processo nº 5236/17.2T8CBR.C1.S1

Relator: FÁTIMA GOMES


Sessão: 06 Abril 2021
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA

REGIME DE BENS CASAMENTO MODIFICAÇÃO

APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO LEI APLICÁVEL

APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA

REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS

PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE NORMA IMPERATIVA

BENS COMUNS DO CASAL BENS PRÓPRIOS ÓNUS DA PROVA

REVISTA EXCECIONAL

Sumário

I. Para determinar o regime de bens do casamento de nubentes que não tem


mesma nacionalidade, por força do art.º 53.º do CC é aplicável a lei da sua
residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei
da primeira residência conjugal.
II. Por força do regime do art.º 54.º do CC, o regime de bens aplicável pode
ser modificado, se a lei o permitir, nos termos do art.º 52.º do CC.
III. Sendo aplicável à modificação do regime de bens o direito português, para
sem válidas as alterações terão de respeitar o que dispõe o art.º 1715.º do CC,
por força do princípio da imutabilidade do regime de bens.
IV. Um bem adquirido na constância do casamento, submetido à lei
estrangeira, e que por equiparação se entende ter sido sob um regime de
comunhão de adquiridos, é um bem comum do casal, podendo fazer-se prova

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de que os fundos utilizados na aquisição eram próprios de um dos cônjuges,
para o excluir da categoria de bens comuns.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. AA (A.), de nacionalidade portuguesa, actualmente residente nos EUA,


instaurou acção declarativa contra BB (R.), de nacionalidade estadunidense,
residente em …, a pedir que:

a) - Fosse declarado que o casamento civil contraído entre a A. e o R., em


23/10/2004, dissolvido por sentença que decretou o divórcio em 11/11/2016,
transitada em julgado em 19/12/2016, foi celebrado sob o regime da
separação de bens;

b) - Fosse declarado que a A. é a exclusiva proprietária e a legítima possuidora


da fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra "I",
correspondente ao segundo andar esquerdo, com uma garagem na cave com o
n.° …, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito
na Rua …, n.° …, freguesia …, no município …, descrito sob o n.° …07 da
respetiva Conservatória do Registo Predial;

c) - Fosse reconhecida a propriedade plena da A. sobre aquela fracção, bem


como a inexistência de título legítimo que sustente a manutenção da ocupação
desse imóvel, por parte do R., condenando-se este a entregá-lo à A. livre e
devoluto de pessoas e de bens próprios e pessoais daquele;

d) - Fosse condenado o R. a pagar à A. a quantia de € 700,00 por cada mês de


ocupação ilícita do dito imóvel, desde a data da notificação judicial avulsa para
entrega do mesmo, efetuada ao R. em 27/03/2017 até à sua entrega efetiva,
contabilizando-se até à presente data o montante de € 2.100,00.

Alegou para tanto, no essencial, que:

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- A A., de nacionalidade portuguesa, e o R., de nacionalidade norte-americana,
contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em 23/10/2004, na
cidade de ..., Massachusetts (MA), EUA, quando ambos residiam no n.° …, …,
…, Massachusetts (MA), E.U.A., onde haveriam de fixar o seu primeiro
domicílio conjugal;

- De acordo com o art.° 53.° do CC, a lei competente que define o regime de
bens do casamento é a lei da sua residência comum à data do casamento, no
caso, a lei do Estado de Massachusetts, nos EUA, na qual se prevê que o
regime de bens de casamento é o regime da separação de bens.

- Em 12/05/2005, a A. e o R. celebraram um acordo pós-nupcial, através do


qual foi reiterada a opção pelo dito regime da separação de bens e, em
03/07/2006, o R., perante o Cônsul do Consulado Geral de Portugal em ….,
assinou uma "Declaração" e uma "Procuração" (irrevogável) nas quais
reconheceu expressamente "a validade do predito acordo pós-nupcial; que o
regime de bens vigente é o da separação, não tendo qualquer direito sobre
qualquer imóvel adquirido nestas condições; que não assumirá qualquer
dívida que tenha como origem a aquisição do mesmo, seja a que título for,
nomeadamente por força de eventual separação ou divórcio", vindo,
posteriormente, a reiterar, de forma expressa esse seu conhecimento e
vontade por diversas outras vezes e perante diversas pessoas das relações da
A. e R..

- Mas, mesmo a considerar aplicável a Lei Portuguesa, o facto de o casamento


não ter sido precedido de processo preliminar de publicações pelas entidades
do registo civil nacionais, sempre determinaria, nos termos do disposto no art.
° 1720.°, n.° 1, ai. a), do CC, que vigorasse o regime imperativo da separação
de bens.

- Em 05.02.2010, a A., na qualidade de compradora e no estado de casada com


o R. sob o regime da separação de bens, adquiriu a fração autónoma acima
indicada por título de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgado na …
Conservatória do Registo Predial de …, constituindo esta hipoteca garantia do
mútuo contraído exclusivamente para o efeito pela A. junto do Banco ….
(Portugal) S.A.;

- O R. interveio nesse ato na mera qualidade de autorizante, ficando a constar


no dito título que ele prestou à sua mulher o consentimento necessário à
inteira validade da constituição de hipoteca sobre o mencionado imóvel, por se
tratar, à data, da casa de morada de família,

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- Aquela aquisição encontra-se inscrita no registo predial a favor da A., casada
com o R. sob o regime da separação de bens, desde 05.02.2010, sendo ela a
sua única legitima proprietária e possuidora.

- Durante algum tempo, a referida fração constituiu a casa de morada de


família, aí residindo o casal então formado por A., R. e uma criança adotada
singularmente pela A.:

- Em junho de 2015, tendo o R. instaurado contra a A. uma ação de divórcio, o


mesmo, na pendência dessa ação, aproveitou-se da ausência temporária da A.
nos EUA por motivos profissionais, para formular pedido de fixação de um
regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família,
relativamente ao qual foi decidido, por despacho de 12/02/2016, atribuir à A. e
ao R., a título provisório, o direito à utilização da referida casa de morada de
família, mencionando-se expressamente, nessa decisão, estar em causa "a
fixação de um regime para vigorar apenas durante a pendência do processo de
divórcio, a cessar com o trânsito em julgado da sentença final no processo de
divórcio".

- Em 11/11/2016, naquela ação, foi proferida sentença, já transitada em


julgado, a decretar o divórcio com a consequente dissolução do casamento
contraído entre ambos.

- Porém, o R., contra a vontade da A., defendendo o entendimento de que o


referido casamento foi contraído sob o regime da comunhão de adquiridos,
mantém-se a ocupar a fração em causa.

- Em 22/03/2017, a A. requereu a notificação avulsa do R. para lhe dar


conhecimento, face ao trânsito em julgado da sentença de divórcio, que lhe
concedia o prazo de 30 dias para desocupar e proceder à entrega à A. do
referido imóvel, sob a cominação de, não o fazendo no referido prazo,
instaurar a competente ação judicial.

- Embora devidamente notificado em 27/03/2017, por contacto pessoal, o R.


mantém-se até ao momento a ocupar ilicitamente a fração, ofendendo o direito
de propriedade e posse da A., causando-lhe o prejuízo patrimonial
correspondente ao valor locativo do imóvel, que se estima, de acordo com o
mercado do arrendamento, na quantia mensal de € 700,00.

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2. O R. deduziu contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação,
sustentando que:
Portuguesa
- O casamento em referência foi celebrado segundo o regime de comunhão de
adquiridos pela Lei Local, observando todas as publicações preliminares
legalmente exigidas, tendo sido, em 09/05/2005, registado na CRC..., por
transcrição da tradução de uma certidão de nascimento extraída do registo
original nos termos constantes das menções especiais do Assento de
Casamento n.° … dessa Conservatória, pelo que, à face da lei portuguesa, o
casamento foi celebrado sob o regime supletivo.

- Mas, mesmo que o casamento tivesse sido celebrado sem precedência do


processo de publicações, sempre o registo por transcrição do assento de
casamento teria sido precedido dessas publicações, por força da lei, pois caso
não houvesse sido precedido de tais publicações, o Conservador do CRC..., no
próprio assento de casamento, no espaço reservado a Menções especiais, teria
exarado que o casamento era sob o regime imperativo de bens, com a menção
da disposição legal em causa, o que não sucedeu, não constando aí nas
menções especiais qualquer menção ao regime de bens a que o casamento
ficaria sujeito perante a ordem jurídica nacional nos termos do art. 53° do CC.

- Na pendência da ação de divórcio, foi proferido a considerar que as partes


estão casadas segundo o regime de comunhão de adquiridos, por força do
artigo 1717.° do CC, e apesar de a A. entender que se impunha o regime
imperativo da separação de bens aos casamentos celebrados sem precedência
do processo preliminar de publicações, inexistem nos autos elementos que
permitem concluir minimamente que tal ocorreu.

- Além disso, o acordo pós-nupcial não só não é válido em Portugal, atento o


regime da imutabilidade, atendendo a que, na data da sua celebração, os
mesmos residiam em Portugal, como ainda tal acordo também não é válido no
Estado de Massachusetts, por não preencher os requisitos legalmente
exigíveis.

- A. e R. sempre viveram de 2004 a 2013 em economia comum, contribuindo


para a economia familiar, pagando contas e despesas correntes da vida
doméstica om dinheiro amealhado a vida inteira, acreditando sempre que se
encontrava casado no regime de comunhão de adquiridos e pautado o seu
casamento segundo tal regime.

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- O R. assinou a Declaração e a Procuração aludidas pela A., sem a entender,
acreditando na boa-fé da A., que sabia que os seus conhecimentos em
português eram básicos, pois o R. nunca pensou assinar um documento onde
lhe eram retirados todos os bens, onde pudessem fazer empréstimos e
contratos em seu nome, mesmo depois da morte, sendo que só em julho de
2015 o conteúdo de tais documentos foi explicado ao mesmo por uma
advogada, após o que o R. revogou tal procuração pelas Leis dos Estados
Unidos.

- O imóvel em causa, comprado pela A. no regime de comunhão de adquiridos,


teve como finalidade constituírem aí o seu lar conjugal, onde pretendiam fazer
a sua vida, e onde passaram a viver

- Por não ter profissão em Portugal, vivendo apenas dos rendimentos


amealhados que se encontravam no seu país de origem, é que o R. não
contraiu empréstimo com a A. para a aquisição do ajuizado imóvel, tendo,
porém, acreditado sempre que o mesmo era bem comum do casal, havendo
sido adquirido para seu uso e fruição na constância do casamento.

3. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 523-539/v.°, de


24/01/2020, a julgar a acção improcedente.

4. Inconformada a A. recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo


sido proferido o acórdão de fls. 588-604/v.°, de 28/10/2020, aprovado por
unanimidade, a julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença
recorrida.

5. Desta feita, veio a A. pedir revista excecional ao abrigo das alíneas a) e b)


do n.° 1 do artigo 672.° do CPC, concluindo com o seguinte (transcrição):

1.º- Contrariamente ao decidido, não se pode considerar que o casamento foi


celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, mas sim sob o regime da
separação de bens, considerando os factos provados, não incumbia à
Recorrente o ónus de alegar e provar a proveniência dos bens com que
adquiriu o imóvel em causa, sendo manifesto tratar-se de bem próprio seu;

2º- O ordenamento jurídico americano constitui um sistema plurilegislativo ou


complexo, uma vez que, atendendo até à estrutura federal dos EUA, cada uma
das unidades territoriais que compõem a União possui um ordenamento
jurídico próprio, pelo que, não vigorando nos EUA um único direito
matrimonial, a referência das indicadas regras de conflitos portuguesas ao
ordenamento jurídico americano deve ser compreendida como sendo feita

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diretamente à lei do Estado de Massachusetts.

3.º- No respeitante à propriedade de bens adquiridos na constância do


casamento e à sua partilha de bens posterior a um divórcio, é importante
entender os dois regimes que existem nos EUA, o regime de Lei Pública ou
direito costumeiro (Common Law) e o regime de Comunhão de Bens.

4º - No que respeita ao regime de Common Law - que consiste num sistema de


direito derivado das decisões judiciais e não diretamente das leis, dos Códigos
ou da Constituição, concentrando-se, portanto, a força do direito, nos
precedentes judiciais -, o mesmo é seguido na maioria dos Estados dos EUA,
entre eles o Estado de Massachusetts, sendo que esse sistema considera o
registo de cada bem, ou imóvel, como prova de quem é o seu proprietário (por
exemplo, se constar só o nome da esposa como adquirente numa escritura de
compra e venda, o imóvel é considerado só propriedade da esposa; se a
escritura, ao invés, for outorgada em nome dos dois cônjuges como
adquirentes, então o imóvel pertencerá na proporção de metade a cada um
deles).

5.º - Quanto ao regime de Comunhão de Bens, o mesmo só foi aderido em nove


dos Estados dos EUA - Arizona, Califórnia, Idaho, Louisiana, Nevada, Novo
México, Texas, Washington e Wisconsin, sendo que mesmo neste regime de
Comunhão os bens ainda podem ser classificados em duas categorias: bens do
matrimónio e bens separados.

6.ºSendo assim, cumpre interpretar o regime jurídico vigente no Estado de


Massachusetts - no qual, conforme visto, vigora o regime de Common Law —
procurando averiguar-se qual ou quais os regimes de bens previstos no direito
do Massachusetts e qual a margem de liberdade reconhecida aos nubentes
quanto à escolha do regime de bens do seu casamento.

7. ° - O Massachusetts (The Commonwealth of Massachusetts) é um Common


Law Property State, onde vigora o regime da common law, tipicamente
caracterizado pelo facto de o casamento não produzir quaisquer
consequências no que respeita às relações jurídicas obrigacionais e aos
direitos reais de que cada um dos cônjuges é titular - afinal, e sem exclusão de
eventuais situações de compropriedade se assim formalizadas e tituladas
conjuntamente em nome de ambos os cônjuges-, a propriedade de cada um
dos bens imóveis pertence ao cônjuge em relação ao qual ela se encontra
titulada (çf Parecer Jurídico junto com a petição inicial intitulado "Matrimónio
luso-americano - Regime patrimonial do casamento - Divórcio e partilha -

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Obrigações alimentares", subscrito por Nuno Gonçalo da Ascensão Silva,
Assistente Convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra);

8." - Ao contrário do que acontece nos sistemas de direito continental, nos


sistemas fiéis à common law, o casamento de duas pessoas não produz
quaisquer consequências no que respeita às relações jurídicas obrigacionais e
aos direitos reais de que cada uma delas é titular; verdadeiramente, a
commom law desconhece a noção de regime de bens do casamento, não
existindo propriamente um regime matrimonial, nem primário nem secundário
e não tendo o casamento qualquer reflexo sobre o regime da propriedade nem
sobre os poderes de administração e disposição dos bens, independentemente
do momento da sua aquisição, por se verificar uma independência completa
dos patrimónios dos cônjuges bem como na respectiva gestão.

9.º- Tal como se defende no referido Parecer Jurídico, facilmente se


compreende que, de acordo com este regime, nada impeça os cônjuges de
poderem adquirir, possuir e dispor de bens como se de estranhos se tratasse,
isto é, enquanto 'joint tenants " e "tenants in common " (modalidades
tradicionais de compropriedade nos países de tradição anglo-saxónica), sendo
que, no seio de tal sistema de organização das relações patrimoniais entre os
cônjuges, podemos então discernir contemporaneamente três traves-mestras:
a separação de bens; a separação de responsabilidades; e a igualdade de
estatutos (o marido não tem poderes de administração sobre os bens da
mulher) e de capacidade. "

l0.º — Cabe ao tribunal português o conhecimento oficioso do direito


estrangeiro aplicável, veja-se, a título ilustrativo, a informação constante dos
links relativos ao direito do Estado de Massachusetts nesta matéria e que
foram fornecidos aos autos pelo Gabinete de Documentação e Direito
Comparado da Procuradoria Geral da República em 02.07.2019;

11.º - Contrariamente ao entendido no acórdão recorrido, dúvidas não restam


de que, não tendo Recorrente e Recorrido celebrado convenção antenupcial,
contraíram casamento sob o regime de bens (supletivo) previsto pela lei do
Massachusetts (Common Law Property State) e, assim, na constância do
casamento cada um dos cônjuges conservou a titularidade jurídica exclusiva
dos bens que adquiriu individualmente.

12 º - A aplicação da lei do Massachusetts não põe em causa os princípios


fundamentais do nosso ordenamento jurídico, não sendo equacionável, por
isso, a possibilidade de ocorrer a evicção da lei competente através da

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exceção de ordem pública internacional (artigo 22. °), considerando a ampla
possibilidade de modelação voluntária do regime de bens do casamento
reconhecida pela ordem jurídica portuguesa (artigo 1698.° do CC), na qual se
encontra prevista a possibilidade de se optar por um regime de separação de
bens.

13.º - Quanto ao acordo pós-nupcial celebrado em 12.05.2005, constante do


ponto 3 dos Factos Provados - acordo assinado e certificado pelas partes
perante o Cônsul dos E. U.A. em Portugal, na Embaixada Americana em
Lisboa, - a Recorrente e o Recorrido limitaram-se, para não haver quaisquer
dúvidas, a reiterar a opção pelo dito regime da separação de bens, no
Massachussets, constituindo apenas uma cautela adicional que os então
cônjuges decidiram introduzir tendo em vista a conexão com o ordenamento
jurídico português e a necessidade de prevenir eventuais equívocos que
existiriam caso um dos cônjuges viesse mais tarde sustentar ler sido instituído
o regime da comunhão de adquiridos, regime que vigora em Portugal
supletivamente.

14.º- Quanto a este acordo pós-nupcial, tal como se realça no mencionado


parecer Jurídico, tais cláusulas apresentavam-se notoriamente desnecessárias
face ao direito do Massachusetts, o que reforça que a intenção das partes ao
estipulá-las foi a de prevenir a eventual aplicação da lei do Estado onde
posteriormente o casal veio a fixar a sua residência, ou seja, o regime
supletivo português, uma vez que, mesmo que não tivessem fixado
negocialmente o regime da separação, sempre este seria o aplicável por força
da aplicação das normas materiais do Massachusetts e cuja competência era
reconhecida pelo nosso sistema conflitual.

15º—Contrariamente ao entendido no acórdão recorrido, não houve qualquer


alteração posterior do regime de bens fixado à data da celebração do
casamento, não sendo, em consequência, inválida a convenção pós-nupcial em
causa por alegada violação do princípio imperativo da imutabilidade do regime
de bens do casamento previsto na lei portuguesa (artigo 1714.° do CC), lei
aplicável por remissão do artigo 54. ° do CC, por ser a lei competente ao
tempo da celebração da referida convenção pós-nupcial.

16º - E para além da referência ao regime da separação de bens na dita


convenção pós-nupcial a título de reiteração do dito regime de separação de
bens fixado à data da celebração do casamento, Recorrente e Recorrido
reiteram tal opção e demonstram a consciência de entre si vigorar o dito
regime de separação de bens em diversos documentos por si subscritos na

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constância recorrido, em 03.07.2006 e com reconhecimento presencial
perante o Cônsul do Consulado Geral de Portugal em … - os quais não podem
deixar de ser considerados como tendo um valor confirmativo, constituindo um
sinal claro de que foi o regime da separação de bens que os cônjuges sempre
tiveram em vista— v. a este respeito os factos considerados provados sob os
Pontos 4 e 5 da matéria de facto assente.

17.aº - Por fim, e não menos relevante do já dito, há que considerar também a
factualidade assente no ponto 6 dos Factos Provados, ou seja, que em abril de
2006, previamente à outorga e assinatura da declaração e da procuração
supra referidas, o Recorrido, com conhecimento da Recorrente, enviou ao Dr.
CC, advogado, o correio eletrónico junto como doe. n.° 5 com a petição inicial
e redigido em inglês, no qual o Recorrido escreve, designadamente, o
seguinte:

(...) A AA e eu sempre mantivemos as finanças em separado, ativos e passivos.


Isto é apropriado uma vez que tenho dois filhos, uma empresa e ela tem muito
dinheiro no banco. (...) O acordo também nos dá a ambos o direito de adquirir
bens com total autonomia, sem qualquer envolvimento ou participação da
outra pessoa. Era isso que ambos queríamos. Quaisquer bens que adquiramos
em conjunto ou dívida que venhamos a contrair conjuntamente constituem
bens conjuntos ou dívida conjunta. (...) Parece-me que qualquer acordo devia
conferir-nos a situação equivalente à que temos nos EUA. Gostaria de assinar
um acordo desse género se for possível redigi-lo. (...) Não quero nada que seja
dela, agora ou no futuro, com excepção daquilo que construirmos e fizermos
juntos. Dada a instabilidade que ambos experienciámos, ambos precisamos ter
cuidado. (...)

18.º- A referência ao regime da comunhão de adquiridos por parte do


Recorrido apenas surge após o decretamento do divórcio, pelo que, sustentar
agora a aplicação de tal regime configurará um verdadeiro "venire contra
factum próprio".

19.º- Considerando que o imóvel em causa foi adquirido apenas pela A. após a
celebração do casamento e a outorga da convenção pós-nupcial e dos
instrumentos supra referidos assinados pelo R. perante o Cônsul do Consulado
Geral de Portugal em … - instrumentos nos quais aquele reitera o regime da
separação de bens fixado no momento da celebração do casamento -, dúvidas
não podem restar de que o dito imóvel é bem próprio da Recorrente;

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20.º - Tanto é assim que a A. assumiu sozinha o contrato de mútuo com que
financiou a referida compra do dito bem imóvel, pagando sozinha a respetiva
entrada, e sempre suportou integralmente os pagamentos de todas as
despesas/ encargos com a propriedade do mesmo, designadamente as
mensalidades do dito mútuo bancário, os impostos sobre o património (IMI),
condomínio e seguros (cf Pontos 8. e 17. dos Fados Provados).

21.º- O Tribunal recorrido violou, pois, expressamente as normas dos artigos


22°, 23.°, 52°, 53.°, 54°, 348.°, 1698.° e 1714.° do CC, bem como o direito do
Estado de Massachusetls - EUA, por considerar que o casamento entre a A. e
R. foi celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, que o acordo
referido é inválido e ineficaz e que o bem imóvel em causa é comum.

22.º - Deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que
considere que o casamento entre a A. e R. foi celebrado sob o regime da
separação de bens, que o acordo pós-nupcial referido é válido e eficaz e que,
em consequência, o bem imóvel objeto da ação é bem próprio da A., julgando-
se procedentes todos os pedidos formulados na presente ação.

6. O Recorrido apresentou contra-alegações a arguir a inadmissibilidade da


revista e, subsidiariamente, a pugnar pela confirmação do julgado.

7. A formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC veio a admitir a revista,


pela via excepcional, tendo dito:

“Nesta linha, do que acima se deixou exposto sobre os temas da causa e sobre
a natureza das questões jurídicas em apreço, não sofre dúvida de que a
questão sobre que incide a impugnação da A./Recorrente, mormente quanto à
determinação do regime de bens vigente na constância do casamento
celebrado entre ela e o R., envolvendo a interpretação e aplicação quer das
normas de conflito quer em particular da Lei do Estado do Massachusetts
(MA), encerra um grau de complexidade, de problematicidade e até de
invulgaridade, com alcance óbvio para além do mero interesse subjetivo das
partes, na medida em que a natureza do bem em causa se repercutirá nas
relações com terceiros, o que é de molde a justificar a intervenção do
Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 672.°
do CPC.

Cumpre analisar e decidir.

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II. Fundamentação

8. De facto

8.1. Das instâncias vieram provados os seguintes factos:

1 - Conforme decorre do teor do doc. nº 1 junto com a petição inicial, a


Autora, de nacionalidade portuguesa, e o Réu, de nacionalidade norte
americana, contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia
23.10.2004, na cidade..., Massachusetts (MA), EUA (art. 1º da petição inicial).

2 - No momento da celebração do casamento, a Autora e o Réu residiam no n.º


…, …, …, Massachusetts (MA), E.U.A., havendo aqui fixado o seu primeiro
domicílio conjugal (art.2º da petição inicial).

3 - Conforme resulta do teor do doc. nº 2 junto com a petição inicial, no dia


12.05.2005 os aqui Requerente e Requerido subscreveram tal documento, no
qual declararam aí, nomeadamente, o seguinte:

“Acordo Pós Nupcial (rasurado Pré e manuscrito Pós):

Considerando que é vontade das partes elaborar um documento relativamente


ao seu acordo antenupcial e sendo sua vontade mutua estabelecer este acordo
para que possam estar mutuamente protegidos de qualquer litigio e continuar
a ser os proprietários e a controlar os seus bens próprios, tendo contraído
casamento por se amarem mutuamente não desejando que os seus interesses
financeiros respectivos sejam alterados devido ao casamento. Fica, assim,
acordado o seguinte:

1º - Todos os bens pertencentes a casa uma das partes à data do casamento


são e para sempre permanecerão bens patrimoniais pessoais, incluindo todos
os juros, rendas e rendimentos que possam acrescer dos referidos bens e os
bens mencionados nunca mais poderão ser reclamados pela outra parte. Todos
os bens adquiridos na constância do casamento por uma das partes e pagos
com activos ou rendimentos próprio permanecem para sempre como bens da
parte que os adquiriu. (...)” (art. 8º da petição inicial).

4 - Conforme decorre do teor dos docs. nº 3 junto com a petição inicial, cujo
teor de reproduz aqui para todos os efeitos legais, em 03.07.2006 o
Requerido, perante o Cônsul do Consulado Geral de Portugal, assinou, com
reconhecimento presencial, tal documento, datado de 03 de Julho de 2006,

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destacando-se aí o seguinte:

“DECLARAÇÃO

BB, casado no regime de separação de bens (…) declara o seguinte:

A aquisição de qualquer imóvel por AA, casada em regime de separação de


bens (…) é integral e exclusivamente pago com os bens que esta era legítima
proprietária, à data do casamento entre ambos realizado no dia 23 de Outubro
de 2004 ou resultantes do seu trabalho.

O declarante reconhece que não tem direito sobre qualquer imóvel adquirido
nestas condições, assim como não assumirá qualquer dívida que tenha como
origem à aquisição do mesmo, seja a que título for, nomeadamente, por força
de eventual separação ou divórcio.

Esta declaração reconhece a existência e a validade do acordo pós-


matrimonial assinado por ambos na Embaixada Americana em Lisboa, em 12
de Maio de 2005 especificando separação de bens e imóveis. (…)” (parte do
art. 9o, e arts. 10° e 1 Io da petição inicial).

5 - Na mesma ocasião aludida em 4) o Réu assinou o documento junto como


doc. nº 4 com a petição inicial intitulado “Procuração”, datado de 3 de Julho
de 2006, com reconhecimento presencial pelo Consulado Geral de Portugal em
…, no qual destaca aí o seguinte:

“(•••) BB, casado no regime de separação de bens (…) confere todos os


poderes necessários a AA, casada no regime de separação de bens (…) e
especiais poderes para a aquisição de qualquer imóvel para habitação para o
que poderá praticar todos os actos necessários para efectuar a aquisição, dar
sinal, principio de pagamento ou o total, estipular cláusulas e condições,
receber o domínio, tomar a posse, aceitar e assinar as respectivas escrituras
públicas ou particulares, assinar contratos- promessa compra e venda,
promover os registos provisório e definitivo nas conservatórias, podendo
assinar papeis, guias, requerimentos, contratos e formulários, juntar e retirar
documentos, prestar declarações, efectuar pagamentos de taxas e de
impostos, autorizar cancelamentos, averbações e matrículas junto das
repartições de finanças e administrativas, representar perante
instituições bancárias, podendo contrair empréstimos, abrir,
movimentar, transferir e encerrar contas bancárias, emitir, endossar, sacar
e assinar cheques, fazer depósitos e levantamentos, solicitar saldos e
extractos de contas, aceitar e receber quitação do que for pago e praticar

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todos os demais actos necessários ao bom e fiel cumprimento do presente
mandato, inclusive substabelecer.

A referida procuração é conferida também no interesse da referida


procuradora, é irrevogável e não caduca por morte do mandante nos termos
do número 3, do artigo 265º e do artigo 1175 do Código Civil. (...)” (parte do
art. 9º da petição inicial).

6 - Em Abril de 2006 o Réu enviou ao Dr. CC, advogado e amigo da Autora e


conhecido do Réu, o correio electrónico junto como doc. n.º 5 com a petição
inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os
efeitos legais (resposta restritiva aos arts. 12º e 13º da petição inicial).

7- Conforme decorre do teor do doc. nº 7 constante de fls. 188- A a fls. 188 - U,


mormente, de fls. 188-S a fls. 188-U, o casamento celebrado entre Autor e Réu
não foi precedido do processo preliminar de publicações pelas entidades do
registo civil nacionais (art. 16º da petição inicial).

8 - Conforme decorre do teor do doc. nº 8, junto com a petição inicial


intitulado “TÍTULO DE COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA, e cujo
teor se reproduz aqui para todos os efeitos legais, no dia 05 de Fevereiro de
2010 a Autora - na qualidade de compradora e no estado de casada com o aqui
Requerido, sob o regime da separação de bens, por documento intitulado
título de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgado na … Conservatória
do Registo Predial … - Casa Pronta (proc. …) -, adquiriu, pelo preço de
€220.000,00, a fracção autónoma destinada a habitação permanente
designada pela letra “I”, correspondente ao segundo andar esquerdo para
habitação com uma garagem na cave com o n.º …, do prédio urbano
constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, nº …, em …,
freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz sob o art. …36 e descrito na
… Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º …07 daquela freguesia, e
por sua vez, o Réu, no estado de casado com a Autora, sob o regime de
separação de bens, e na qualidade de autorizante, prestou à sua mulher o
consentimento necessário à inteira validade da constituição de hipoteca sobre
o mencionado imóvel - garantia do mútuo contraído exclusivamente, para o
efeito, pela Autora junto do Banco …. (Portugal) S.A. - por o dito imóvel se
tratar da casa de morada de família (arts. 17º e 18º da petição inicial).

9 - Conforme decorre do teor do doc. nº 9 junto com a petição inicial, a


aquisição do referido imóvel encontra-se inscrita no registo predial a favor da
Autora, casada com o Réu, sob o regime da separação de bens, pela Ap. … de
05.02.2010 (art. 19º da petição inicial).

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10 - Conforme decorre do doc. nº10 junto com a petição inicial, o imóvel
encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o nº … a favor da Autora,
como sendo a titular da sua propriedade plena - cf. doc. 10 (resposta
explicativa ao art. 20º da petição inicial).

11 - O referido imóvel foi a partir da sua aquisição, a casa de morada de


família, aí residindo o casal então formado pela Autora e Réu, e o DD, criança
entretanto adoptada singularmente pela Autora, até se separarem de facto,
em 14 de 02/2013 (art. 26º da petição inicial).

12 - Conforme decorre do teor do doc. nº11 junto com a petição inicial, em


Junho de 2015 o aqui Réu instaurou contra a aqui Autora a ação de divórcio
sem consentimento do outro cônjuge que, sob o n.º …, correu termos no
Tribunal Judicial da Comarca … - Juízo de Família e Menores … Juiz …. (art.
27º da petição inicial).

13 - Conforme decorre do teor do doc. nº 12 junto com a petição inicial, no


âmbito da referida ação de divórcio, o aqui Réu, aproveitando a ausência da
aqui Autora nos EUA, formulou pedido de fixação de um regime provisório
quanto à utilização da casa de morada de família para a pendência do referido
processo de divórcio (resposta restritiva ao art. 28º da petição inicial).

14 - Conforme decorre do teor do doc. nº 12 junto com a petição inicial, por


decisão proferida nos ditos autos de divórcio, em 12.02.2016, foi atribuído ao
aqui Réu, a título provisório, o direito à utilização da referida casa de morada
de família, mencionando-se expressamente na mencionada decisão estar em
causa “a fixação de um regime para vigorar apenas durante a pendência do
processo de divórcio, a cessar com o trânsito em julgado da sentença final no
processo de divórcio (art. 29º da petição inicial).

15 - Conforme decorre do teor do doc. nº 11 junto com a petição inicial, em


11.11.2016, no âmbito dos referidos autos de divórcio, foi proferida sentença
já transitada em julgado em 19.12.2016, que, considerando improcedente o
pedido formulado pelo aqui Réu mas procedente a reconvenção ali deduzida
pela aqui Autora, decretou o divórcio com a consequente dissolução do
casamento contraído entre ambos (art. 30º e 31º da petição inicial).

16 - O Réu, contra a vontade da Autora, defendendo o entendimento de que o


referido casamento foi contraído sob o regime da comunhão de adquiridos,
mantém-se a ocupar o mencionado imóvel que durante algum tempo foi casa
de morada de família (33º da petição inicial).

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17 - Foi a Autora a contrair sozinha o contrato de mútuo com hipoteca junto
do BB VA com vista à aquisição do referido imóvel, e a pagar na íntegra a
respectiva entrada e a suportar exclusiva e integralmente o pagamento de
todas as despesas/encargos relativos ao dito imóvel, designadamente as
mensalidades do referido crédito e os respectivos impostos (IMI) e condomínio
(resposta restritiva ao art. 36º da petição inicial).

18 - Conforme decorre do teor do doc. nº 13 junto com a petição inicial, cujo


teor de reproduz aqui para todos os efeitos legais, por entender que o imóvel é
um bem próprio da Autora, em 22.03.2017 requereu a notificação avulsa do
Réu para lhe fosse dado conhecimento de que, face ao trânsito em julgado em
19.12.2016 da dita sentença proferida no âmbito dos supra referidos autos de
divórcio sem consentimento do outro cônjuge, lhe concedia o prazo de 30 dias
para desocupar e proceder à entrega à Autora do imóvel supra mencionado,
sob a cominação de, não o fazendo no referido prazo, aquela instaurar a
competente acção judicial (art. 37º da petição inicial).

19 - Conforme decorre do teor do doc. nº 14 junto com a petição inicial, em


23.03.2017 - no âmbito dos autos de notificação judicial avulsa que, sob o n.º
…, correram termos no Juiz … do Juízo Local Cível de … deste Tribunal
Judicial da Comarca de … - foi proferido despacho que ordenou se procedesse
à notificação do Réu nos termos requeridos pela aqui Autora (art. 38º da
petição inicial).

20 - Conforme decorre do teor do doc. nº 15 junto com a petição inicial, cujo


teor se reproduz aqui para todos os efeitos legais, foi o ora Réu notificado nos
termos requeridos pela aqui Autora por contacto pessoal por agente de
execução em 27.03.2017 (art. 39º da petição inicial).

21 - Até ao presente momento o Réu não desocupou o dito imóvel (art. 40º da
petição inicial).

22 - O imóvel em questão, de acordo com o mercado de arrendamento, possui


um valor locativo não apurado (art. 45º da petição inicial).

23 - Conforme decorre do doc. nº1 junto com a contestação, o aqui Réu


requereu a Inventário para partilha dos bens comuns do casal, em 28 de junho
de 2017, o qual corre seus termos, sob o nº …, no Cartório Notarial da Notária
EE (…) tendo sido já assinado o compromisso de honra do Réu enquanto
cabeça-de-casal (arts. 3º e 4º da contestação).

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24 - Conforme decorre do teor do doc. 7 constante de fls. 188- A a fls. 188 - U,
mormente, de fls. 188-S a fls. 188-U, para transcrição do casamento civil
contraído pela Autora e BB nos EUA, e posteriormente, registado, na
Conservatória do Registo Civil de ..., por tradução de uma certidão de
casamento extraída do registo original, organizou-se o processo preliminar de
publicações nos termos previstos no art. 187º, nº 3, do C.Reg. Civil (resposta
explicativa ao art. 6º da contestação).

25 - Conforme decorre dos doc. nº 1 junto com a contestação, o casamento


celebrado entre Autora e Ré nos EUA foi posteriormente registado, em 09 de
Maio de 2005, na Conservatória do Registo Civil de ..., por transcrição da
tradução de uma certidão do assento de casamento extraída do registo
original, e em cujas menções especiais, apenas, consta aí o seguinte: “Assento
lavrado com base em certidão passada em 26 de Janeiro de 2005, pelo
Cartório da Cidade de …, Massachusetts” (arts. 6o, 7o e 17° da contestação).

26 - Conforme decorre do teor do doc. nº 2 junto com a contestação, no


âmbito da ação de divórcio intentada pela aqui Autora contra o aqui Réu que
correu seus termos sob o nº … no extinto … Juízo do Tribunal de Família e
Menores e em cuja ação a aqui Autora e aqui Réu pediram a atribuição
provisória do imóvel, em discussão, nos presentes autos, proferiu-se ai a
sentença, em 15/07/2013, à noite, transitada em julgado, cuja cópia se junta
como doc. nº 2 com a contestação, e cujo teor se reproduz aqui para todos os
efeitos legais, na qual se expendeu, nomeadamente, o seguinte:

“ (…)O direito. Importa apreciar os pedidos conflituantes, de atribuição


provisória da casa de morada de família formulados por ambas as partes (...)
(...)

Se assim é, dúvidas não temos de que o acordo mencionado no ponto 2 dos


factos provados não é válido perante a nossa ordem jurídica, pelo que as
partes estão casadas segundo o regime da comunhão de adquiridos, por força
do artigo 1717º do C.C. e a certidão do assento de casamento das partes
referida no ponto 1 dos factos provados.

É que muito embora a A. entenda aplicar-se a alínea a) do nº 1 do artigo 1720º


do CC, que impõe o regime da separação de bens ao casamento, o que é certo
é que inexistem nos autos dados que nos permitam concluir minimamente que
tal ocorreu. Nomeadamente, não foi feito constar da certidão do assento de
casamento tal circunstância, obrigatória em face do artigo 181º, al. e), do C.C.
de entre um português e um estrangeiro é precedida do processo preliminar

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de casamento, de acordo com o artigo 187º, nº 2, do C de registo civil.

Em suma, deve o juiz decidir com base na equidade.

No caso em apreço, a casa de morada de família é bem comum dos cônjuges.


Na verdade, o teor do ponto 28 dos factos provados em articulação com o
regime de bens do casamento do A. e R. ( cfr. O artigo 1724º, al. b) do C.C.)
permite tal conclusão.

(...) Considerando os aspectos apontados (…), entendo mais ajustado atribuir o


direito de habitar a casa de morada de família à A., devendo o R sair dela no
prazo de 30 dias. (...)” (arts. 3 Io, 32° e 35° da contestação).

27 - Conforme decorre do teor do doc. nº 12 junto com a petição inicial, na


decisão proferida nos ditos autos de divórcio, em 12.02.2016, transitada em
julgado, no qual foi atribuído ao aqui Réu, a título provisório, o direito à
utilização da referida casa de morada de família, e no que concerne ao regime
de bens sobre o qual foi celebrado o casamento que pretendiam ver dissolvido,
discorreu-se, nomeadamente, aí nos seguintes termos:

(...)

Resulta dos documentos juntos aos autos e da consulta do respectivo processo


com interesse para este incidente o seguinte:

- no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge nº … do …J (fls.


362.369), em 15.07.2013 foi proferida decisão a atribuir, a título provisório, o
uso da casa de morada de família (...) à agora ré, considerando ser o regime
de bens do casamento o comunhão de adquiridos.

(…) As partes divergem sobre qual o regime de bens sobre o qual foi celebrado
o casamento que pretendem ambos ser dissolvido.

Neste processo não está em causa, nem podia estar a proferir decisão sobre
qual é esse regime de bens, embora para a atribuição provisória da utilização
da casa de morada de família a questão possa ser abordada.

No entanto, no caso em apreço, com os factos acima expostos, sem


necessidade de prova para apurar outros, pode desde já decidir-se sobre o
regime provisório.

Com efeito, independentemente de a casa ser ou não bem próprio e de a ré


(...) não se justifica a casa de morada de família desocupada e ter o autor que

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na pendência do processo providenciar por outra. (...)” (arts. 31º a 35º e 87º
da contestação).

28 - Conforme decorre do teor do doc. nº 5 junto com a petição inicial,


intitulado “Acordo”, consta aí que a palavra “Pré” está rasurada e em seu
lugar escreveu-se à mão “Pós”, e bem assim que se escreveu aí à mão, na
parte inicial do documento, “12”; “May” por cima da rasura aí existente, e
“AA” e “BB”, também à mão, e bem assim, também se encontra escrito à mão,
na parte final do documento “12” e “May” (art. 40º da contestação).

29 - Conforme decorre do teor do correio eletrónico junto como doc. nº 5


junto com a petição inicial e cujo teor se reproduz aqui para todos os efeitos
legais, o Réu enviou, no mês de Abril de 2006, ao Dr. CC, advogado e amigo da
Autora, e conhecido do Réu, no qual declarou aí, nomeadamente, o seguinte:

“(…) Eu não leio português suficientemente bem, nem entendo os termos


legais do documento que nos enviaste para poder assiná-lo” (...)” (art. 51º da
contestação).

30 - A declaração e procuração aludidas em 4) e 5) foram apresentadas ao


Réu quando se encontrava nos EUA, tendo as mesmas sido assinadas no
Consulado Português em …, com reconhecimento presencial das assinaturas
(art. resposta restritiva ao art. 54º, e parte do art. 57º da contestação).

31 - Conforme decorre do teor dos docs. nºs 6 e 7 juntos com a contestação, a


Procuração conferida à Autora pelo Réu foi revogada pelas Leis dos Estados
Unidos, onde foi assinada, tendo sido registada, em 14 de Junho de 2016 nos
registos oficiais de FF, …, Condado …, …, …, EUA com o número de registo …
(art. 63º da contestação).

8.2. Das instâncias vieram não provados os seguintes factos:

I - A Autora, por si só, desde a aquisição do imóvel, em discussão, nos autos, e


de forma ininterrupta, tem vindo nele a habitá-lo, nele recebendo familiares,
amigos e conhecidos, dele extraindo todas as suas utilidades, à vista de todo
os interessados e do público, em geral e sem violência e sem prejuízo para
ninguém, e atuando como tal, na convicção de ser a sua legítima proprietária
exclusiva (art. 22º a 24º da petição inicial).

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II - Foi por saberem e reconhecerem que tinham casado, sob o regime de
separação de bens, que Autora e Réu sempre pautaram o seu comportamento
ao longo do casamento com economias separadas (art. 35º da petição inicial).

III - A questão do regime de bens, com exclusivo interesse patrimonial,


apenas foi suscitada pela Autora posteriormente, quando o casamento já se
havia deteriorado, tendo em vista, fugir à partilha dos bens adquiridos na
pendência do casamento e tirar do casamento vantagens contrariando a boa-fé
que rege o matrimónio (art. 26º da contestação).

IV - Foi enviada ao Réu, por CC a mando da Autora, uma primeira Procuração


e uma Declaração juntas como doc. nº5 com a contestação para ele preencher
e assinar onde se pode ler que Réu e Autora estão casados no Regime de
Comunhão de Bens Adquiridos (art. 55º da contestação).

V - Depois de o Réu assinar os documentos, e enviá-los para Portugal,


recebeu um telefonema da Autora a dizer que no Banco lhe haviam dito que
tal documento não era válido, e que necessitava de um novo (art. 56º da
contestação).

VI - A Autora transmitiu-lhe que a Procuração e a Declaração eram apenas


“documentos que o banco necessitava para o empréstimo” (parte do art. 57º
da contestação).

VII - O Réu assinou essa segunda Procuração sem a entender, num acto de
má-fé por parte da Autora que sabia que os seus conhecimentos em português
eram básicos (art. 58º da contestação).

VIII - Nunca o Réu pensou em assinar um documento onde lhe eram retirados
todos os Bens, onde pudessem fazer empréstimos e contratos em seu nome,
mesmo depois de sua morte (art. 60º da contestação).

IX - Só em Julho de 2015 o conteúdo desses documentos foi explicado ao Réu


por uma Advogada (art. 64º da contestação).

X - Autora e o Réu, desde 2004 a 2013 sempre viveram em economia comum,


não tendo a questão do regime de bens do casamento sido suscitada pela
Autora até este último ano (art. 65º da contestação).

XI - O Réu acreditou sempre que se encontrava casado com a Autora no


regime de comunhão de bens, acreditando que a casa de morada de família
era pertença dos dois (art. 66º da contestação).

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XII - O Réu contribuía para a economia familiar pagando contas e as despesas
correntes da vida doméstica com o dinheiro que juntou a vida inteira (art. 92º
da contestação).

XIII - Como não tinha uma profissão em Portugal, estando a viver dos
rendimentos que havia amealhado e que se encontravam no seu país de
origem, não contraiu empréstimo com a Autora para a aquisição do imóvel
objeto do presente litígio (art. 93º da contestação).

9. De Direito

O objecto do recurso delimita-se pelas questões suscitadas nas conclusões das


alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e, in casu,
como foi referido no acórdão da formação, do que se trata é do seguinte:

“Na presente ação, estava em causa, no que ora importa e como se enunciou
no acórdão recorrido, saber:

i) - Qual a lei reguladora das relações patrimoniais entre as partes na


sequência do seu casamento civil celebrado em 23/10/2004 no Estado
de Massachusetts, EUA;

ii) - Qual o regime de bens entre as partes decorrente da celebração


desse matrimónio;

iii) - Qual o valor jurídico da convenção ou acordo acima referidos,


datado de 12/05/2005;

iv) - Como deve ser enquadrada a aquisição do imóvel em causa nos


autos, referida no ponto 8 dos factos dados como provados, datada de
05/02/ 2010 - se um bem próprio da A. ou se um bem comum a ambas
as partes.”

Tomando ainda por referência o acórdão da formação:

“No acórdão recorrido, quanto à questão i), foi considerado que a lei
reguladora do regime de bens, legal ou convencional, resultante para as
partes na sequência do seu matrimónio, celebrado em 23/10/2004, é a lei do
Estado de Massachusetts, EUA, por força do estatuído no art.° 53°, n°s 1 e 2,
do CC português, sendo essa também a posição sustentada pela A..

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Quanto à questão enunciada em ii). na linha do entendimento adotado na l.a
instância, a Relação considerou que o regime de bens vigente na
pendência do casamento entre as partes foi o regime supletivo de
comunhão de adquiridos, quer face à Lei do Estado do Massachusetts
(MA), EUA, tida como lei aplicável ao caso, quer ainda face à Lei
portuguesa, para o caso de também se poder entender ser esta a lei aplicável
ao caso- artigos 1717°, 1721°, 1722°, 1723°, 1724° e 1725° do CC.”

Contudo a recorrente entende que: sendo aplicável ao caso a Lei do Estado do


Massachusetts (MA), EUA, segundo as normas de conflito constantes do artigo
53.° do CC, o regime dali decorrente será o regime da separação de bens, não
cabendo à A. o ónus de alegar e provar a proveniência dos bens com que
adquiriu a fração em causa.

Vejamos.

10. Diz o art.º 53.º do CC, sob epígrafe “Convenções antenupciais e regime de
bens”:

1. A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens,


legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo
da celebração do casamento.

2. Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua


residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei
da primeira residência conjugal.

3. Se for estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua residência


habitual em território português, pode ser convencionado um dos regimes
admitidos neste código.

Desta norma, em especial do seu n.º 2, resulta que o regime de bens aplicável
ao casamento de cidadão nacional com cidadão estrangeiro é aferido pelo
direito aplicável vigente na data do casamento e que resultar da residência
habitual comum, ou se esta faltar, a lei da primeira residência.

Os comentadores afirmam estar aqui previsto um regime de conexão


imobilizada para a aferição da validade e efeitos das convenções e para o
regime de casamento, este último apenas mutável nos termos do art.º 54.º CC,
imutabilidade que visa evitar a fraude à lei e proteger as expectativas de
terceiros, conferindo segurança e previsibilidade (Comentário ao CC- Parte
Geral, UCE Editora, 2014, art.º 53.º, Florbela Almeida Pires, p. 143; CC

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Anotado, vol. I, 2017 – coordenação Ana Prata).

Sabendo que o casamento da A. e R. foi contraído em 2004, sendo ela


portuguesa e ele cidadão dos Estados Unidos da América, e que fixaram a sua
residência, nessa data, nos EUA, é possível afirmar que a lei aplicável à
definição do regime de bens do casamento é a americana, posição que foi
seguida nos acórdão recorrido (“a lei reguladora do regime de bens, legal ou
convencional resultante para as partes na sequência do seu matrimónio,
celebrado em 23/10/2004, é a lei do Estado de Massachusetts, EUA, por força
do estatuído no artº 53º, nºs 1 e 2 do C.Civil português”).

11. Podia esse regime ser modificado pela convenção ou acordo referido no
ponto 3 dos factos provados (doc. 2 junto com a p.i.), datado de 12/05/2005?

A resposta a esta questão é-nos dada pelo art.º 54.º do CC, que dispõe:

(Modificações do regime de bens)

1. Aos cônjuges é permitido modificar o regime de bens, legal ou


convencional, se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos do
artigo 52.º

2. A nova convenção em caso nenhum terá efeito retroactivo em prejuízo de


terceiro.

Por seu turno também releva aqui o art.º 52.º do CC, que dispõe:

(Relações entre os cônjuges)

1. Salvo o disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são


reguladas pela lei nacional comum.

2. Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua


residência habitual comum e, na falta desta, a lei do país com o qual a vida
familiar se ache mais estreitamente conexa.

Na situação dos presentes autos, o acordo de 2005, conforme indicam os


factos provados, foi um acordo dito ‘pós-nupcial’ tendo sido outorgado após o
casamento entre as partes e tendo a outorga ocorrido em Portugal, onde na
altura as partes viviam ou tinham a sua então residência.

Assim, valem as seguintes regras:

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- vigora um princípio de imutabilidade do regime de bens, mas a imutabilidade
comporta excepções – as que sejam permitidas pela lei aplicável às relações
entre cônjuges, nomeadamente nos termos do art.º 52.º do CC (in casu, já não
a lei americana, mas a portuguesa) e sendo esta permissiva da alteração, não
se poderá, no entanto, aceitar que a modificação produza efeitos retroactivos
em prejuízo de terceiros.

Sendo a lei portuguesa a aplicável às alterações do regime de bens, as


modificações permitidas, além do limite do art.º 53.º, n.º 2, também estão
sujeitas ao regime geral dos art.ºs 1714.º e ss do CC, nos seguintes termos:

Artigo 1714.º

(Imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da


lei)

1. Fora dos casos previstos na lei, não é permitido alterar, depois da


celebração do casamento, nem as convenções antenupciais nem os regimes de
bens legalmente fixados.

2. Consideram-se abrangidos pelas proibições do número anterior os contratos


de compra e venda e sociedade entre os cônjuges, excepto quando estes se
encontrem separados judicialmente de pessoas e bens.

3. É lícita, contudo, a participação dos dois cônjuges na mesma sociedade de


capitais, bem como a dação em cumprimento feita pelo cônjuge devedor ao
seu consorte.

Artigo 1715.º

(Excepções ao princípio da imutabilidade)

1. São admitidas alterações ao regime de bens:

a) Pela revogação das disposições mencionadas no artigo 1700.º, nos casos e


sob a forma em que é permitida pelos artigos 1701.º a 1707.º;

b) Pela simples separação judicial de bens;

c) Pela separação judicial de pessoas e bens;

d) Em todos os demais casos, previstos na lei, de separação de bens na


vigência da sociedade conjugal.

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2. Às alterações da convenção antenupcial ou do regime legal de bens
previstas no número anterior é aplicável o disposto no artigo 1711.º.

Servindo-nos das palavras da jurisprudência deste STJ (Ac. de


26-05-2009, proc. 43/09.9YFLSB, disponível em www.dgsi.pt, podemos
justificar a opção legal pela imodificabilidade nos seguintes termos:

“Ou, mais detalhadamente, poder-se-á dizer que durante os trabalhos


preparatórios do actual Código Civil, discutiu-se (PIRES DE LIMA e ANTUNES
VARELA, Código Civil Anotado, 4º vol, p. 359), qual o caminho a seguir no
domínio das relações patrimoniais entre os cônjuges: se o perfilhado no
Código Civil de Seabra, que consagrava o princípio da imutabilidade das
convenções antenupciais (artigo 1105.º do Código de 1867) importado do
Código de Napoleão e que se propagou à generalidade das legislações latinas,
se o inverso vindo do Código alemão, por este se mostrar conforme ao
princípio básico da liberdade negocial dos cônjuges.
Seguiu-se, como ninguém ignora, o que vinha sendo seguido pela legislação
portuguesa: o da imutabilidade do regime de bens, quer este seja estipulado
por convenção antenupcial, quer supletivamente, quer por forma imperativa
(artigo 1714.º, 1717.º e 1720.º do Código Civil). Prevaleceram, "no juízo global
sobre a matéria", as razões justificativas do princípio da inalterabilidade, quais
sejam: a) a de afastar o risco de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente
psicológico eventualmente adquirido sobre o outro para obter uma alteração
do regime que lhe fosse favorável; b) a de evitar que as convenções
antenupciais, tantas vezes correspondentes a verdadeiros pactos de família, se
pudessem alterar, após a celebração do casamento, por simples decisão dos
cônjuges; e c) a da necessidade de salvaguardar os interesses de terceiros,
cujas expectativas na manutenção do regime convencionado ou fixado por lei
também poderiam vir a ser defraudadas, caso o mesmo se pudesse alterar
livremente (ibidem, p. 360 e A. VARELA, Direito da Família, edição de 1982, p.
357; v., também, ac. deste STJ de 26.05.93, proc. 083628, in www.dgsi.pt).”

Poderá o acordo em causa ser tido por enquadrável nas excepções à


imutabilidade do regime de bens de acordo com o direito português?

Da leitura do art.º 1715.º do CC em conjunto com os factos provados resulta


uma resposta negativa. O dito acordo foi outorgado na constância do
casamento, fora das circunstâncias previstas na lei portuguesa que
permitiriam a alteração do regime de bens do casamento, que só veio a cessar

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por divórcio muito mais tarde.

I.e, qualquer que fosse o regime de bens aplicável ao matrimónio da A. e R. o


mesmo não foi alterado por via do acordo de 2005, por não se enquadrar em
nenhuma das situações legalmente admitidas para a mutabilidade.

12. Qual foi o regime de bens sobre os quais o casamento foi contraído e que
se manteve até à dissolução por divórcio?

Já se explicitou que a resposta à questão do regime de bens ter de ser


encontrada no direito americano, do local da residência habitual comum, à
data do matrimónio – i.e., o direito matrimonial de carácter patrimonial do
Estado de Massachusetts (disponível em https://malegislature.gov/laws/
generallaws).

Do direito patrimonial matrimonial do Estado de Massachussets relevam,


nomeadamente, as seguintes disposições, das quais se pode concluir no
sentido apontado pelo Tribunal de 1ª instância, e confirmado pelo recorrido,
quanto à equiparação material de resultados, mesmo que tecnicamente se
possa admitir não haver um “regime patrimonial do matrimonio”[1]:

“ De acordo com as Leis Gerais de Massachusetts (cf. Parte II, capítulos 182 a
210, acessível através do link da internet http://Malegislature.gov/), em
matéria de casamento o “regime” de bens do casamento e divisão de bens do
casamento, Massachusetts é um estado de distribuição equitativa dos bens do
casal e não se fixam aí regimes legais de bens, como sucede com o Direito
Português.

Estabelecem as Leis Gerais de Massachusetts, na parte relativa à matéria de


“Marital Property (Propriedade dos bens do casamento) um “regime”
equiparado/semelhante ao regime supletivo de bens de comunhão de
adquiridos do casamento do Direito Português.

Efectivamente, as Leis Gerais de Massachusetts estabelecem que são bens


próprios dos cônjuges (propriedade separada/exclusiva dos cônjuges) os bens
que cada um deles tiver à data do matrimónio, nomeadamente poupanças,
rendimentos, imóveis, etc, o preço dos bens próprios; os bens adquiridos
gratuitamente por cada um dos cônjuges na constância do casamento (doação,
herança etc), aquisição onerosa de bens com bens próprios, nomeadamente
compra de um imóvel com poupanças anteriores ao casamento ou produto da
venda de um bem próprio, etc, e são bens comuns dos cônjuges,
nomeadamente, os bens adquiridos onerosamente na constância do

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casamento; os rendimentos de trabalho, etc.”

General Law - Parte II, Título III, Capítulo 209[2]

Section 1: Married persons; separate property and property held as


tenants by entirety; liability for debts

The real and personal property of any person shall, upon marriage, remain the
separate property of such person, and a married person may receive, receipt
for, hold, manage and dispose of property, real and personal, in the same
manner as if such person were sole. A husband and wife shall be equally
entitled to the rents, products, income or profits and to the control,
management and possession of property held by them as tenants by the
entirety.

The interest of a debtor spouse in property held as tenants by the entirety


shall not be subject to seizure or execution by a creditor of such debtor spouse
so long as such property is the principal residence of the nondebtor spouse;
provided, however, both spouses shall be liable jointly or severally for debts
incurred on account of necessaries furnished to either spouse or to a member
of their family.

Section 9: Husband; liability on contracts concerning separate


property of wife

Contracts made by a married woman relative to her separate property, trade,


business, labor or services shall not bind her husband or render him or his
property liable therefor; but she and her separate property shall be liable on
such contracts in the same manner as if she were sole.

Section 13: Marriage settlements

The preceding sections shall not invalidate a marriage settlement or contract.

Section 25: Antenuptial settlements; force and effect

At any time before marriage, the parties may make a written contract
providing that, after the marriage is solemnized, the whole or any designated
part of the real or personal property or any right of action, of which either
party may be seized or possessed at the time of the marriage, shall remain or
become the property of the husband or wife, according to the terms of the

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contract. Such contract may limit to the husband or wife an estate in fee or for
life in the whole or any part of the property, and may designate any other
lawful limitations. All such limitations shall take effect at the time of the
marriage in like manner as if they had been contained in a deed conveying the
property limited.

Section 26: Antenuptial settlements; record; description of property

A schedule of the property intended to be affected, containing a sufficiently


clear description thereof to enable a creditor of the husband or wife to
distinguish it from other property, shall be annexed to such contract; and such
contract and schedule shall, either before the marriage or within ninety days
thereafter, be recorded in the registry of deeds for the county or district where
the husband resides at the time of the record, or, if he is not a resident of this
commonwealth, then in the registry of deeds for the county or district where
the wife resides at the time of the record, if it is made before the marriage, or
where she last resided, if made after the marriage. If the contract is not so
recorded, it shall be void except as between the parties thereto and their heirs
and personal representatives. It shall also be recorded in the registry of deeds
for every county or district where there is land to which it relates.

Section 29: Property rights acquired in other states; effect of residence


in this commonwealth

If a husband and his wife, married in another state or country, come into this
commonwealth, either at the same or at different times, and reside here as
husband and wife, she shall retain all property which she had acquired by the
laws of any other state or country, or by a marriage contract or settlement
made out of this commonwealth. Such residence together here shall have the
same effect, relative to their subsequent rights and liabilities, as if they had
married here at the beginning of such residence.

Não tendo havido nenhuma convenção ante-nupcial entre A. e Ré que


afastasse o regime equiparado à comunhão de adquiridos do direito
português, deve entender-se que é esse, por equiparação, o regime
patrimonial do casamento: os bens próprios da A. continuariam a ser próprios
e os adquiridos onerosamente na constância do património são bens comuns
do casal, excepto se a A. demonstrasse que foram adquiridos na constância do
casamento com recursos financeiros que apenas a ela pertenciam, ou
maioritariamente a ela pertenciam por serem de valor superior aos recursos
disponibilizados pelo R.

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Tendo presente o exposto, vejamos agora a situação do imóvel adquirido pela
A.., através das palavras da sentença, secundada pelo acórdão recorrido:

“Os factos assentes demonstram claramente que o imóvel em causa foi


adquirido onerosamente na constância do casamento da Autora e do Réu pela
Autora, para constituir a casa de família deles, para o qual o Réu deu o seu
consentimento; que foi a Autora a pagar a entrada do preço do imóvel, e que é
a mesma a única que tem estado a pagar o mútuo contraído exclusivamente
por ela ao Banco para pagamento do preço do imóvel em causa. Por sua vez,
resulta daí indemonstrado que a mesma haja pago a entrada do preço de
aquisição do imóvel com as poupanças dela anteriores à data do seu
casamento, ou, sequer, que as amortizações do empréstimo contraído Banco
para aquisição do imóvel em causa, até à data da sua separação e/ou divórcio
decretado pelo Tribunal de Família e Menores, tivessem sido liquidadas por
ela com bens próprios (poupanças anteriores ao casamento).

(…)

Os factos demonstram, porém, unicamente que o bem em causa foi adquirido


onerosamente pela Autora para constituir a casa de morada de família dela e
do Réu, tendo sido a Autora a liquidar a entrada do preço de adquisição, e
posteriormente a liquidar o empréstimo contraído ao Banco para pagamento
do remanescente do preço de aquisição, não tendo logrando a Autora provar
que o valor pago pela aquisição onerosa do imóvel proveio de bens próprios.

Disto resulta que o imóvel em causa não poderá ser considerado um bem
próprio da Autora, mas sim, pelo contrário, deverá ser considerado um bem
comum da Autora e do Réu.

(…)

Os factos demonstram, porém, unicamente que o bem em causa foi adquirido


onerosamente pela Autora para constituir a casa de morada de família dela e
do Réu, tendo sido a Autora a liquidar a entrada do preço de adquisição, e
posteriormente a liquidar o empréstimo contraído ao Banco para pagamento
do remanescente do preço de aquisição, não tendo logrando a Autora provar
que o valor pago pela aquisição onerosa do imóvel proveio de bens próprios.

Disto resulta que o imóvel em causa não poderá ser considerado um bem
próprio da Autora, mas sim, pelo contrário, deverá ser considerado um bem
comum da Autora e do Réu. ‘.

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É assim de confirmar a orientação definida no sentido de incumbir à Autora o
ónus de “alegar e provar a proveniência dos bens com que adquiriu o imóvel
em causa, nomeadamente, que a proveniência dos bens com que adquiriu o
imóvel eram bens próprios, ou, então, que o valor dos bens próprios com que
se adquiriu, em parte, o imóvel em questão, eram de valor superior ao dos
bens comuns que concorreram para a aquisição do imóvel, em questão - cf.
art. 342º, nº 1, do CPC.”

Sufragam-se igualmente os argumentos do tribunal recorrido quando diz:

“Note-se que a Recorrente alicerça a sua conclusão de que o imóvel em causa


foi adquirido apenas por si, no pretenso facto de que pagou sozinha a entrada
dada no acto de compra, conforme fls. 563vº (pg. 39 das suas alegações) e
conclusões recursivas 18ª e 20ª, mas este facto não está assente nem provado,
como pretende, nem resulta de qualquer prova documental junta aos autos,
apesar de assim ter sido alegado pela Autora em sede de petição inicial, no
seu ponto 36°, sendo que apenas ficou ou foi dado como provado que ‘27 - Foi
a Autora a contrair sozinha o contrato de mútuo com hipoteca junto do BBVA
com vista à aquisição do referido imóvel, e a pagar na íntegra a respetiva
entrada e a suportar exclusiva e integralmente o pagamento de todas as
despesas/encargos relativos ao dito imóvel, designadamente as mensalidades
do referido crédito e os respectivos impostos (IMI) e condomínio (resposta
restritiva ao art. 36º da petição inicial)’, o que não é o mesmo ou não significa
que tenha sido ela a pagar sozinha essa dita entrada ou apenas e só com
dinheiro próprio - este ónus apenas a si cabia.

E note-se que também do contrato de compra e venda relativo à casa em


causa -ponto 8 e doc. 8 junto com a petição - nada consta sobre a proveniência
dos capitais aplicados nessa dita aquisição, ao contrário do alegado pela
Recorrente na parte final de fls. 563 (pg. 39 das alegações de recurso).

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão


recorrido.

Custas pela recorrente.

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Lisboa, 6 de Abril de 2021

Fátima Gomes (relatora)

Fernando Samões

Maria João Vaz Tomé

Nos termos do art. 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março,


aditado pelo Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente
acórdão tem o voto de conformidade da Exma. Senhora Conselheira, Maria
João Vaz Tomé que compõe este Colectivo.

_____

[1] Vd. Charles P. Kindregan, Jr., “Premarital Agreement Law in

Massachusetts”, https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?
abstract_id=2184583, para uma perspectiva do Direito americano; https://
www.findlaw.com/family/divorce/what-is-separate-property-in-a-divorce.html.
[2] Tradução nos autos em papel, com selecção da nossa responsabilidade.

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