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Processo nº 5236/17.2T8CBR.C1.S1
REVISTA EXCECIONAL
Sumário
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de que os fundos utilizados na aquisição eram próprios de um dos cônjuges,
para o excluir da categoria de bens comuns.
Texto Integral
I. Relatório
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- A A., de nacionalidade portuguesa, e o R., de nacionalidade norte-americana,
contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em 23/10/2004, na
cidade de ..., Massachusetts (MA), EUA, quando ambos residiam no n.° …, …,
…, Massachusetts (MA), E.U.A., onde haveriam de fixar o seu primeiro
domicílio conjugal;
- De acordo com o art.° 53.° do CC, a lei competente que define o regime de
bens do casamento é a lei da sua residência comum à data do casamento, no
caso, a lei do Estado de Massachusetts, nos EUA, na qual se prevê que o
regime de bens de casamento é o regime da separação de bens.
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- Aquela aquisição encontra-se inscrita no registo predial a favor da A., casada
com o R. sob o regime da separação de bens, desde 05.02.2010, sendo ela a
sua única legitima proprietária e possuidora.
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2. O R. deduziu contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação,
sustentando que:
Portuguesa
- O casamento em referência foi celebrado segundo o regime de comunhão de
adquiridos pela Lei Local, observando todas as publicações preliminares
legalmente exigidas, tendo sido, em 09/05/2005, registado na CRC..., por
transcrição da tradução de uma certidão de nascimento extraída do registo
original nos termos constantes das menções especiais do Assento de
Casamento n.° … dessa Conservatória, pelo que, à face da lei portuguesa, o
casamento foi celebrado sob o regime supletivo.
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- O R. assinou a Declaração e a Procuração aludidas pela A., sem a entender,
acreditando na boa-fé da A., que sabia que os seus conhecimentos em
português eram básicos, pois o R. nunca pensou assinar um documento onde
lhe eram retirados todos os bens, onde pudessem fazer empréstimos e
contratos em seu nome, mesmo depois da morte, sendo que só em julho de
2015 o conteúdo de tais documentos foi explicado ao mesmo por uma
advogada, após o que o R. revogou tal procuração pelas Leis dos Estados
Unidos.
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diretamente à lei do Estado de Massachusetts.
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Obrigações alimentares", subscrito por Nuno Gonçalo da Ascensão Silva,
Assistente Convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra);
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exceção de ordem pública internacional (artigo 22. °), considerando a ampla
possibilidade de modelação voluntária do regime de bens do casamento
reconhecida pela ordem jurídica portuguesa (artigo 1698.° do CC), na qual se
encontra prevista a possibilidade de se optar por um regime de separação de
bens.
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constância recorrido, em 03.07.2006 e com reconhecimento presencial
perante o Cônsul do Consulado Geral de Portugal em … - os quais não podem
deixar de ser considerados como tendo um valor confirmativo, constituindo um
sinal claro de que foi o regime da separação de bens que os cônjuges sempre
tiveram em vista— v. a este respeito os factos considerados provados sob os
Pontos 4 e 5 da matéria de facto assente.
17.aº - Por fim, e não menos relevante do já dito, há que considerar também a
factualidade assente no ponto 6 dos Factos Provados, ou seja, que em abril de
2006, previamente à outorga e assinatura da declaração e da procuração
supra referidas, o Recorrido, com conhecimento da Recorrente, enviou ao Dr.
CC, advogado, o correio eletrónico junto como doe. n.° 5 com a petição inicial
e redigido em inglês, no qual o Recorrido escreve, designadamente, o
seguinte:
19.º- Considerando que o imóvel em causa foi adquirido apenas pela A. após a
celebração do casamento e a outorga da convenção pós-nupcial e dos
instrumentos supra referidos assinados pelo R. perante o Cônsul do Consulado
Geral de Portugal em … - instrumentos nos quais aquele reitera o regime da
separação de bens fixado no momento da celebração do casamento -, dúvidas
não podem restar de que o dito imóvel é bem próprio da Recorrente;
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20.º - Tanto é assim que a A. assumiu sozinha o contrato de mútuo com que
financiou a referida compra do dito bem imóvel, pagando sozinha a respetiva
entrada, e sempre suportou integralmente os pagamentos de todas as
despesas/ encargos com a propriedade do mesmo, designadamente as
mensalidades do dito mútuo bancário, os impostos sobre o património (IMI),
condomínio e seguros (cf Pontos 8. e 17. dos Fados Provados).
22.º - Deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que
considere que o casamento entre a A. e R. foi celebrado sob o regime da
separação de bens, que o acordo pós-nupcial referido é válido e eficaz e que,
em consequência, o bem imóvel objeto da ação é bem próprio da A., julgando-
se procedentes todos os pedidos formulados na presente ação.
“Nesta linha, do que acima se deixou exposto sobre os temas da causa e sobre
a natureza das questões jurídicas em apreço, não sofre dúvida de que a
questão sobre que incide a impugnação da A./Recorrente, mormente quanto à
determinação do regime de bens vigente na constância do casamento
celebrado entre ela e o R., envolvendo a interpretação e aplicação quer das
normas de conflito quer em particular da Lei do Estado do Massachusetts
(MA), encerra um grau de complexidade, de problematicidade e até de
invulgaridade, com alcance óbvio para além do mero interesse subjetivo das
partes, na medida em que a natureza do bem em causa se repercutirá nas
relações com terceiros, o que é de molde a justificar a intervenção do
Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 672.°
do CPC.
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II. Fundamentação
8. De facto
4 - Conforme decorre do teor dos docs. nº 3 junto com a petição inicial, cujo
teor de reproduz aqui para todos os efeitos legais, em 03.07.2006 o
Requerido, perante o Cônsul do Consulado Geral de Portugal, assinou, com
reconhecimento presencial, tal documento, datado de 03 de Julho de 2006,
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destacando-se aí o seguinte:
“DECLARAÇÃO
O declarante reconhece que não tem direito sobre qualquer imóvel adquirido
nestas condições, assim como não assumirá qualquer dívida que tenha como
origem à aquisição do mesmo, seja a que título for, nomeadamente, por força
de eventual separação ou divórcio.
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todos os demais actos necessários ao bom e fiel cumprimento do presente
mandato, inclusive substabelecer.
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10 - Conforme decorre do doc. nº10 junto com a petição inicial, o imóvel
encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o nº … a favor da Autora,
como sendo a titular da sua propriedade plena - cf. doc. 10 (resposta
explicativa ao art. 20º da petição inicial).
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17 - Foi a Autora a contrair sozinha o contrato de mútuo com hipoteca junto
do BB VA com vista à aquisição do referido imóvel, e a pagar na íntegra a
respectiva entrada e a suportar exclusiva e integralmente o pagamento de
todas as despesas/encargos relativos ao dito imóvel, designadamente as
mensalidades do referido crédito e os respectivos impostos (IMI) e condomínio
(resposta restritiva ao art. 36º da petição inicial).
21 - Até ao presente momento o Réu não desocupou o dito imóvel (art. 40º da
petição inicial).
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24 - Conforme decorre do teor do doc. 7 constante de fls. 188- A a fls. 188 - U,
mormente, de fls. 188-S a fls. 188-U, para transcrição do casamento civil
contraído pela Autora e BB nos EUA, e posteriormente, registado, na
Conservatória do Registo Civil de ..., por tradução de uma certidão de
casamento extraída do registo original, organizou-se o processo preliminar de
publicações nos termos previstos no art. 187º, nº 3, do C.Reg. Civil (resposta
explicativa ao art. 6º da contestação).
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de casamento, de acordo com o artigo 187º, nº 2, do C de registo civil.
(...)
(…) As partes divergem sobre qual o regime de bens sobre o qual foi celebrado
o casamento que pretendem ambos ser dissolvido.
Neste processo não está em causa, nem podia estar a proferir decisão sobre
qual é esse regime de bens, embora para a atribuição provisória da utilização
da casa de morada de família a questão possa ser abordada.
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na pendência do processo providenciar por outra. (...)” (arts. 31º a 35º e 87º
da contestação).
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II - Foi por saberem e reconhecerem que tinham casado, sob o regime de
separação de bens, que Autora e Réu sempre pautaram o seu comportamento
ao longo do casamento com economias separadas (art. 35º da petição inicial).
VII - O Réu assinou essa segunda Procuração sem a entender, num acto de
má-fé por parte da Autora que sabia que os seus conhecimentos em português
eram básicos (art. 58º da contestação).
VIII - Nunca o Réu pensou em assinar um documento onde lhe eram retirados
todos os Bens, onde pudessem fazer empréstimos e contratos em seu nome,
mesmo depois de sua morte (art. 60º da contestação).
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XII - O Réu contribuía para a economia familiar pagando contas e as despesas
correntes da vida doméstica com o dinheiro que juntou a vida inteira (art. 92º
da contestação).
XIII - Como não tinha uma profissão em Portugal, estando a viver dos
rendimentos que havia amealhado e que se encontravam no seu país de
origem, não contraiu empréstimo com a Autora para a aquisição do imóvel
objeto do presente litígio (art. 93º da contestação).
9. De Direito
“Na presente ação, estava em causa, no que ora importa e como se enunciou
no acórdão recorrido, saber:
“No acórdão recorrido, quanto à questão i), foi considerado que a lei
reguladora do regime de bens, legal ou convencional, resultante para as
partes na sequência do seu matrimónio, celebrado em 23/10/2004, é a lei do
Estado de Massachusetts, EUA, por força do estatuído no art.° 53°, n°s 1 e 2,
do CC português, sendo essa também a posição sustentada pela A..
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Quanto à questão enunciada em ii). na linha do entendimento adotado na l.a
instância, a Relação considerou que o regime de bens vigente na
pendência do casamento entre as partes foi o regime supletivo de
comunhão de adquiridos, quer face à Lei do Estado do Massachusetts
(MA), EUA, tida como lei aplicável ao caso, quer ainda face à Lei
portuguesa, para o caso de também se poder entender ser esta a lei aplicável
ao caso- artigos 1717°, 1721°, 1722°, 1723°, 1724° e 1725° do CC.”
Vejamos.
10. Diz o art.º 53.º do CC, sob epígrafe “Convenções antenupciais e regime de
bens”:
Desta norma, em especial do seu n.º 2, resulta que o regime de bens aplicável
ao casamento de cidadão nacional com cidadão estrangeiro é aferido pelo
direito aplicável vigente na data do casamento e que resultar da residência
habitual comum, ou se esta faltar, a lei da primeira residência.
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Anotado, vol. I, 2017 – coordenação Ana Prata).
11. Podia esse regime ser modificado pela convenção ou acordo referido no
ponto 3 dos factos provados (doc. 2 junto com a p.i.), datado de 12/05/2005?
A resposta a esta questão é-nos dada pelo art.º 54.º do CC, que dispõe:
Por seu turno também releva aqui o art.º 52.º do CC, que dispõe:
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- vigora um princípio de imutabilidade do regime de bens, mas a imutabilidade
comporta excepções – as que sejam permitidas pela lei aplicável às relações
entre cônjuges, nomeadamente nos termos do art.º 52.º do CC (in casu, já não
a lei americana, mas a portuguesa) e sendo esta permissiva da alteração, não
se poderá, no entanto, aceitar que a modificação produza efeitos retroactivos
em prejuízo de terceiros.
Artigo 1714.º
Artigo 1715.º
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2. Às alterações da convenção antenupcial ou do regime legal de bens
previstas no número anterior é aplicável o disposto no artigo 1711.º.
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por divórcio muito mais tarde.
12. Qual foi o regime de bens sobre os quais o casamento foi contraído e que
se manteve até à dissolução por divórcio?
“ De acordo com as Leis Gerais de Massachusetts (cf. Parte II, capítulos 182 a
210, acessível através do link da internet http://Malegislature.gov/), em
matéria de casamento o “regime” de bens do casamento e divisão de bens do
casamento, Massachusetts é um estado de distribuição equitativa dos bens do
casal e não se fixam aí regimes legais de bens, como sucede com o Direito
Português.
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casamento; os rendimentos de trabalho, etc.”
The real and personal property of any person shall, upon marriage, remain the
separate property of such person, and a married person may receive, receipt
for, hold, manage and dispose of property, real and personal, in the same
manner as if such person were sole. A husband and wife shall be equally
entitled to the rents, products, income or profits and to the control,
management and possession of property held by them as tenants by the
entirety.
At any time before marriage, the parties may make a written contract
providing that, after the marriage is solemnized, the whole or any designated
part of the real or personal property or any right of action, of which either
party may be seized or possessed at the time of the marriage, shall remain or
become the property of the husband or wife, according to the terms of the
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contract. Such contract may limit to the husband or wife an estate in fee or for
life in the whole or any part of the property, and may designate any other
lawful limitations. All such limitations shall take effect at the time of the
marriage in like manner as if they had been contained in a deed conveying the
property limited.
If a husband and his wife, married in another state or country, come into this
commonwealth, either at the same or at different times, and reside here as
husband and wife, she shall retain all property which she had acquired by the
laws of any other state or country, or by a marriage contract or settlement
made out of this commonwealth. Such residence together here shall have the
same effect, relative to their subsequent rights and liabilities, as if they had
married here at the beginning of such residence.
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Tendo presente o exposto, vejamos agora a situação do imóvel adquirido pela
A.., através das palavras da sentença, secundada pelo acórdão recorrido:
(…)
Disto resulta que o imóvel em causa não poderá ser considerado um bem
próprio da Autora, mas sim, pelo contrário, deverá ser considerado um bem
comum da Autora e do Réu.
(…)
Disto resulta que o imóvel em causa não poderá ser considerado um bem
próprio da Autora, mas sim, pelo contrário, deverá ser considerado um bem
comum da Autora e do Réu. ‘.
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É assim de confirmar a orientação definida no sentido de incumbir à Autora o
ónus de “alegar e provar a proveniência dos bens com que adquiriu o imóvel
em causa, nomeadamente, que a proveniência dos bens com que adquiriu o
imóvel eram bens próprios, ou, então, que o valor dos bens próprios com que
se adquiriu, em parte, o imóvel em questão, eram de valor superior ao dos
bens comuns que concorreram para a aquisição do imóvel, em questão - cf.
art. 342º, nº 1, do CPC.”
III. Decisão
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Lisboa, 6 de Abril de 2021
Fernando Samões
_____
Massachusetts”, https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?
abstract_id=2184583, para uma perspectiva do Direito americano; https://
www.findlaw.com/family/divorce/what-is-separate-property-in-a-divorce.html.
[2] Tradução nos autos em papel, com selecção da nossa responsabilidade.
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