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Tribunal da Relação de Évora

Processo nº 113/19.5T8LGA-B.E1

Relator: FRANCISCO MATOS


Sessão: 17 Junho 2021
Votação: UNANIMIDADE

REGIME DE BENS DO CASAMENTO ESTRANGEIRO LEI PESSOAL

Sumário

Densificando o princípio geral segundo o qual o estado dos indivíduos, a


capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são
regulados pela lei pessoal (artigo 25.º do Código Civil), a lei prevê
especificamente os elementos de conexão relevantes para definir a lei
aplicável às convenções antenupciais e regime de bens afastando a lei
nacional, lei pessoal dos indivíduos (artigo 31.º, n.º 1, do CC), nos casos em
que estes não têm a mesma nacionalidade (artigo 53.º do CC).

Texto Integral

Proc. n.º 113/19.5T8LGA-B.E1

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. No processo especial de insolvência em que foi declarado insolvente (…), de
nacionalidade holandesa, com domicílio na Travessa da (…), Urbanização (…),
Lote 2, em Portimão, vieram os credores (…) e (…), requerer a apreensão a
favor da massa insolvente dos veículos automóveis com as matrículas (…) e (…
), registados a favor de (…), mulher do insolvente, do recheio do imóvel em
que esta exerce a atividade de exploração de alojamento local e dos depósitos
das contas bancárias em nome desta.
Alegaram, em resumo, que tais bens são bens comuns do casal, segundo o
Código Civil do estado da Mongólia, ao caso aplicável uma vez que o
casamento entre o insolvente, natural dos Países Baixos e (…), natural da
Mongólia, foi celebrado em território Mongol.

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2. O requerimento mereceu despacho assim concluído:
« (…) determino que o Sr. Administrador proceda à apreensão do direito do
insolvente nos bens comuns do casal que deverão ser considerados todos
aqueles que foram adquiridos após a celebração do casamento, ocorrida em
10 de Janeiro de 2016.»

2. O Insolvente recorre deste despacho e conclui assim a motivação do


recurso:
«I- Está comprovado nos autos, por documentação não impugnada, que o
insolvente agora recorrente tinha 65 anos de idade à data do casamento.

II- O elenco dos factos dados como provados deve ser ampliado de modo a
integrar essa factualidade.

III- Em consequência, o regime de bens do casamento é o da separação de


bens, por força do artigo 1720.º, n.º 1 alínea b), do Código Civil.

IV- Logo, os bens do cônjuge mulher são separados do património do cônjuge


marido insolvente, não há comunicabilidade matrimonial, e o requerimento
dos credores deve ser totalmente indeferido.

V- Norma indevidamente aplicada: artigo 1717.º do CC. Norma que devia ter
sido aplicada: 1720.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil.

Nestes termos requer-se a V. Ex.ªs que, julgando procedente o recurso, com a


sobredita ampliação da matéria de facto à idade do insolvente à data do
casamento, seja revogada a decisão recorrida e seja indeferido totalmente o
requerimento dos credores para apreensão de bens comuns ou próprios do
cônjuge mulher, com as demais consequências legais.

3. Os credores (…) e (…) responderam e requereram a ampliação do recurso


com motivação assim concluída:

1. O Recurso apresentado pelo Recorrente (…) do despacho lavrado em


4/03/2021, foi interposto intempestiva e extemporaneamente.

2. A notificação foi procedida eletronicamente em 05/03/2021, presumindo-se,


assim, efetivada em 08/03/2021, segunda-feira.

3. O primeiro dia do prazo perentório para a interposição do recurso começou


a correr em 09/03/2021.

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4. Consagra o artigo 638.º, n.º 1, do CPC que o prazo de interposição de
recurso nos processos urgentes é de 15 dias.

5. Tal prazo é perentório, nos termos do artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, CPC.

6. Ora iniciando-se o prazo para a interposição de recurso em 9/03/2021, o


prazo de 15 dias terminou em 23/03/2021.

7. O Recorrente apenas apresentou o seu recurso no dia 24 de março de 2021,


um dia útil após o término do prazo, sem ter efetuado pagamento de multa nos
termos artigo 139.º, n.º 5, do CPC.

8. O Recurso, deveria, assim, ter sido indeferido e liminarmente rejeitado pelo


tribunal a quo, pela intempestividade da sua apresentação em juízo, tendo o
recorrente visto o seu direito à prática desse ato processual precludido.

9. Pelo exposto, deverá proceder a presente alegação de intempestividade, e


em consequência o recurso apresentado pelo Recorrente não deverá ser
apreciado.

Ademais, e sem prescindir,

10. O despacho, que decidiu a admissão do recurso sub judice, vai enfermado
de nulidade processual inominada, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

11. Entre a apresentação do recurso e a sua admissão e decorrente subida ao


Tribunal de Recurso corria ainda o prazo legal para os intervenientes
processuais exercerem o seu direito ao contraditório.

12. A presente nulidade afeta os direitos subjetivos e adjetivos da parte,


devendo ser nulos todos os atos subsequentes desde o momento em que se
despachou a admissão e subida imediata do recurso.

13. Razão pela qual deverá este douto tribunal de recurso devolver os autos à
procedência, e baixar ao tribunal a quo para que seja decorrido o prazo para o
contraditório do recurso.

Mais uma vez, sem prescindir,

14. Nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, deverão os autos descer à
primeira instância por razões de insuficiência e falta de elementos da matéria
de facto e para a densificação da produção de prova.

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15. O despacho recorrido, determinou que a lei competente aplicável para
regular o regime de bens do casamento entre o Recorrente, Insolvente e a sua
mulher era a lei portuguesa, por força do artigo 53.º, n.º 2, do CC.

16. Fundou o tribunal a quo a sua decisão, porquanto não tendo os nubentes a
mesma nacionalidade e não tendo os nubentes residência habitual comum à
data do casamento, aplicar-se-ia a lei da primeira residência conjugal.

17. O artigo 53.º, n.º 2, do CC tem uma hierárquica estabelecida para a


condição de aplicação do direito em caso de conflitos com interligações com
outras jurisdições.

18. Assim, para se aplicar a lei da primeira residência conjugal ao regime de


bens, como no caso em apreço, primeiro tem de se afastar as anteriores
condições de regulação do conflito entre a pluralidade dos ordenamentos
jurídicos conectados.

19. No caso concreto, a Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal de Primeira


Instância apenas consignou como provado que os nubentes não tinham a
mesma nacionalidade – o que afasta a primeira previsão hierárquica da norma.

De outro ponto,

20. Sendo esta uma questão incidental ao processo de insolvência, faltam nos
autos elementos e matéria de facto indispensáveis – e decorrente produção de
prova – para se determinar qual a residência dos nubentes à data do
casamento, pelo que é impossível afastar a condição hierarquicamente mais
rica, em favor da última.

21. Tal insuficiência apenas pode ser suprida com a determinação superior da
remessa dos autos à procedência para uma densificação dos elementos
fácticos e da matéria de facto a ser provada, para a boa, cabal e costumeira
realização da justiça material.

Também sem prescindir,

22. O Recorrente Marido é natural e tem nacionalidade dos Países Baixos.

Por sua vez,

23. A sua Mulher é natural da Mongólia e tem nacionalidade Mongol.

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24. O casamento entre ambos foi celebrado em território Mongol e sob a
forma de casamento regulado pela lei do Estado Mongol.

25. O artigo 6.1 da Lei da Família Mongol conjugado com o artigo 6.3,
consagra que se um cidadão mongol casar com um cidadão estrangeiro em
território nacional (Mongólia), este fica vinculado à lei que regula o casamento
na Mongólia (neste caso, a Lei da Família, de 11 de junho de 1999).

No outro prisma,

26. Os Países Baixos, estão vinculados à Convenção de Haia de 14 de março de


1978 sobre a lei Aplicável aos Regimes Matrimoniais.

27. Consagra a mencionada Convenção, da conjugação do artigo 3º com o


artigo 4º do diploma, que se os nubentes nada disserem, ou seja nada
declararem quanto à lei que pretendem ver aplicada ao contrato de
matrimónio, aplica-se o regime de bens onde os cônjuges se estabeleceram
após o casamento.

28. Ora, como resulta dos autos, neste caso os cônjuges estabeleceram-se em
Portugal.

Contudo, pese embora o predito,

29. O artigo 25.º da norma de conflitos do Código Civil Português – inexistindo


convenção antenupcial – faz o reenvio das relações de família para a lei
pessoal dos sujeitos.

30. A lei pessoal do cônjuge mulher, aceita o reenvio da lei portuguesa e o


ordenamento jurídico da Mongólia considera-se competente para regular o
regime de bens aplicável entre os cônjuges.

31. Considera-se ademais competente, por força da vinculação a que o cidadão


estrangeiro que celebre casamento em território da Mongólia fica adstrito, por
força da sua lei de conflitos prevista nos artigos 6.1 e 6.3 da Lei da Família
Mongol, para regular e substituir-se à lei pessoal do Recorrido.

Diferentemente,

32. O ordenamento jurídico dos Países Baixos, lei pessoal do recorrente, por
força da Convenção de Haia, não se considera competente para regular o
regime de bens do caso em litigância neste pleito.

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Assim sendo,

33. Determinando a norma de conflitos portuguesa aplicável ao caso concreto


o reenvio para a lei pessoal dos cônjuges;

34. Considerando que a lei dos Países Baixos não se oferece como competente
e;

35. Considerando que a lei do Estado da Mongólia se chama a si a


competência para regular o regime de bens deste casamento.

36. É a lei do Estado da Mongólia a lei competente para regular o regime de


bens a aplicar ao casamento do Recorrido com a sua mulher.

Destarte,

37. Nos termos da Lei Mongol, designadamente da conjugação dos artigos


125.º e 126.º do seu Código Civil, aplicável por força do artigo 20.º, 1, da Lei
da Família da Mongólia, na falta de convenção antenupcial, aplica-se como
regime supletivo, o regime de comunhão de adquiridos.

38. Logo, do confronto das normas que o constituem, aplica-se ao casamento


celebrado entre o Recorrente e a sua mulher o regime de comunhão de
adquiridos tal como regulado pelo Código Civil da Mongólia

E,

39. Nos termos do artigo 132.º do Código Civil Mongol, todas as propriedades
móveis e imóveis registadas em nome de (…) e todo o seu rendimento com
atividades profissionais após a data do casamento, 10/01/2016, são património
comum do Insolvente, aqui Recorrente.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências, Venerandos


Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pelo
recorrente improceder e dando provimento às contra-alegações apresentadas
ou mantendo-se a decisão da primeira instância.

Tal sucedendo, farão V. Exas Venerandos Desembargadores a costumada


Justiça.”

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

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Na resposta às alegações do recurso os Recorridos suscitam a
extemporaneidade do recurso e a nulidade do despacho que o admitiu;
argumentam, que o prazo de 15 dias para a interposição do recurso começou a
correr em 9/3/2021, terminou a 23/3/2021 e o recurso foi interposto a
24/3/2021 e alegam que o despacho que admitiu o recurso foi proferido antes
de decorrido o prazo para a apresentação das contra-alegações.

A nulidade do despacho que admitiu o recurso foi objeto de reclamação na 1ª


instância e aí decidida a contento dos Recorridos.

A extemporaneidade do recurso foi conhecida no despacho que admitiu o


recurso, considerando-se o recurso apresentado em tempo, uma vez que deu
entrada no dia 23/3/2021 correspondente ao último dia do termo do prazo.

O despacho que conheceu da nulidade do despacho que admitiu o recurso,


suprindo-a, não se mostra impugnado, razão pela qual tal nulidade não
constituiu objeto do recurso.

E as razões pelas quais o recurso foi apresentado em tempo foram apontadas


no despacho que o admitiu; de facto, devendo o recurso ser apresentado no
prazo de 15 dias a contar da notificação da decisão (artigo 638.º, n.º 1, 2ª
parte, do CPC, ex vi do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do CIRE) e sendo pacífico
que o decurso deste prazo se iniciou no dia 9/3/2021, o termo do prazo sem
multa ocorreu no dia 23/3/2021, data em que o recurso se mostra interposto.

Assim, não se conhece da (suprida) nulidade do despacho que admitiu o


recurso e conclui-se que recurso é tempestivo cumprindo conhecer do seu
objeto.

Tendo em conta que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões nele
incluídas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e
608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se
apreciam questões e não razões ou argumentos, que os recursos não visam
criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo
conteúdo do ato recorrido, são questões a decidir: (i) no recurso, se o
casamento do Insolvente o foi segundo o regime da separação de bens (ii) na
ampliação do objeto do recurso, se ao caso é aplicável a lei mongol.

III- Fundamentação.
1- Factos

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Sem impugnação, a 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. O insolvente é cidadão de nacionalidade holandesa;

2. A 10 de Janeiro de 2016, casou, na Mongólia com (…), de nacionalidade


mongol;

3. Após o casamento o insolvente e a mulher passaram a residir em Portugal;

4. À referida mulher do insolvente foi atribuído visto para o espaço Schengen


com a validade entre 20.12.2015 e 18.3.2016;

5. A mulher do insolvente tem autorização de residência em Portugal


concedida a 20 de Julho de 2017.

2. Direito

2.1. Se o casamento do Insolvente o foi segundo o regime da separação de


bens

A decisão recorrida depois de considerar aplicável a lei portuguesa – “Uma


vez que está em causa o regime de bens do casamento entre dois cidadãos
estrangeiros, que casaram no estrangeiro, há que recorrer às normas de
conflito para, em primeiro lugar, definir qual o regime legal aplicável com
vista a decidir qual o regime de bens que vigora nesse casamento. Dispõe o
artigo 53.º do Código Civil que “a substância e os efeitos das convenções
antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei
nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento. Não tendo os
nubentes a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual
comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira
residência conjugal”. O insolvente e a mulher têm nacionalidades diferentes.
Não ficou demonstrado que ambos tivessem uma residência habitual comum
antes do casamento, está demonstrado que vivem juntos em Portugal desde o
casamento. Conclui-se, assim, que a lei aplicável, por exclusão de partes, é a
lei portuguesa” – concluiu que, na falta de convenção antenupcial, o
casamento entre o Insolvente e sua mulher foi celebrado sob o regime de
comunhão de adquiridos e, assim, que os bens adquiridos por qualquer dos
cônjuges após o casamento, bem como o produto do trabalho de ambos são
bens comuns, ordenando a apreensão do direito do ora Recorrente nos bens
comuns do casal.

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O Recorrente não converge com esta solução, argumentando que à data do
casamento tinha mais de 60 anos, como consta de documentos juntos aos
autos, não impugnados e por tal razão, o casamento face à lei portuguesa, por
aplicável, considera-se contraído sob o regime da separação de bens (artigo
1720.º, n.º 1, alínea b), do CC), defendendo que a sua data de nascimento
deve ser aditada aos factos provados e, por último, indeferida a pretensão dos
credores de apreensão de bens da sua mulher.

O Recorrente opôs-se à apreensão de bens registados e titulados pela sua


mulher com o argumento de haver celebrado convenção antenupcial, que não
provou; na 1ª instância em nenhum momento alegou a sua idade como
impedimento ao casamento sob o regime da comunhão de adquiridos e não
deixa de ser, no mínimo, impressivo colocar agora na decisão recorrida o ónus
de não haver atentado na sua idade – “Ora, na falta de convenção antenupcial,
o tribunal, em vez de verificar se ocorria situação de diferente regime de bens,
nomeadamente socorrendo-se de documento comprativo da idade dos
nubentes, concluiu, sem mais, que o insolvente e seu cônjuge casaram sob o
regime de comunhão de adquiridos” – quando ele próprio não demonstra ter
ponderado, em 1ª instância, a relevância dela.

Os documentos juntos aos autos demonstram, de facto, que o Recorrente


nasceu em 2/5/1950 e casou em 10/1/2016. Tais factos resultam da certidão de
assento de casamento junta com o requerimento apresentado a 19/12/2019
(refª citius 7490408), posteriormente traduzida para a língua portuguesa (refª
citius 7961331), documentos estes que não foram impugnados.

Factos que podem ser considerados na decisão independentemente da sua


especificação nos factos provados (artigo 607.º, n.º 4, 2ª parte, ex vi do
disposto no artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), tomando aqui como certo que
era esta a pretensão do Recorrente ao pedir a ampliação da decisão de facto.
Não se torna necessário qualquer ampliação da decisão de facto para que a
decisão entre em consideração com a idade do Recorrente à data do
casamento, uma vez que os respetivos factos se mostram provados por
documento.

Assim, considerando que o Insolvente, ora recorrente nasceu em 2/5/1950 e


casou em 10/1/2016, concluiu-se que à data do casamento já tinha completado
60 anos de idade e, assim, o seu casamento, face à lei portuguesa, considera-
se contraído segundo o regime da separação de bens (artigo 1720.º, n.º 1,
alínea b), do Código Civil), o que significa que os bens da mulher da insolvente
são bens próprios dela (artigo 1735.º, do Código Civil) e, como tal, não podem

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ser apreendidos para a insolvência do cônjuge marido, ora Recorrente (artigo
1735.º, do Código Civil).

Resta verificar se a lei portuguesa é aplicável, questão ainda em aberto, por


efeito da ampliação do objeto do recurso a requerimento dos Recorridos.

2.2. Ampliação do objeto do recurso

O pedido de apreensão de bens adquiridos pela mulher do insolvente, bem


como dos proventos do trabalho desta, fundou-se na aplicação da Lei Mongol,
segundo a qual, no dizer dos ora Recorridos, devem considerar-se bens
comuns do casal os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges após o
casamento e bem assim, o produto do trabalho de ambos os cônjuges.

A decisão recorrida concluiu pela aplicação da lei portuguesa, enquanto lei da


primeira residência conjugal e os Recorridos vêm ampliar o objeto do recurso
com duas ordens de argumentos: (i) os autos não dispõem de elementos de
facto para afastar a aplicação da lei da residência habitual comum à data do
casamento, pressuposto indispensável à aplicação da lei da primeira
residência conjugal ao regime de bens do casamento, devendo os autos baixar
à primeira instância para ampliação da decisão de facto; (ii) o artigo 25º da
norma de conflitos do Código Civil Português – inexistindo convenção
antenupcial – faz o reenvio das relações de família para a lei pessoal dos
sujeitos e, no caso, a lei do Estado da Mongólia aceita o reenvio da lei
portuguesa, uma vez que o casamento foi celebrado em território mongol
entre um cidadão estrangeiro e uma nacional da Mongólia, razão de aplicação
do Código Civil da Mongólia.

Dispõe o artigo 53.º do Código Civil:

“1. A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens,


legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo
da celebração do casamento.

2. Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua


residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei
da primeira residência conjugal.

3. Se for estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua residência


habitual em território português, pode ser convencionado um dos regimes
admitidos neste código”.

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As convenções antenupciais e o regime de bens do casamento é definida por
esta norma de conflitos própria da lei portuguesa segundo três elementos de
conexão sucessivos: (i) a nacionalidade dos nubentes, caso seja a mesma; na
falta de nacionalidade comum, (ii) a residência habitual comum à data do
casamento e, faltando esta, (iii) a primeira residência conjugal.

Na espécie prova-se que o insolvente tem a nacionalidade holandesa, que a 10


de Janeiro de 2016, casou, na Mongólia, com (…), de nacionalidade mongol e
que após o casamento o insolvente e a mulher passaram a residir em Portugal
(pontos 1 a 3 dos factos provados).

Factualidade que serviu à decisão recorrida para afirmar que o insolvente e a


mulher têm nacionalidades diferentes, que não ficou demonstrado que ambos
tivessem uma residência habitual comum antes do casamento e que está
demonstrado que vivem juntos em Portugal desde o casamento e, assim,
concluir que a lei aplicável, por exclusão de partes, é a lei portuguesa.

Conclusão acertada, a nosso ver, face à lei e aos factos que se provam.

O primeiro elemento de conexão, a nacionalidade comum, não se verifica uma


vez que o Recorrente tem nacionalidade holandesa e a sua mulher tem
nacionalidade mongol; o segundo elemento de conexão, residência habitual
comum à data do casamento, não se verifica uma vez que não se prova; o
terceiro elemento de conexão, a primeira residência conjugal, verifica-se uma
vez que se prova que o Recorrente e a sua mulher vivem juntos em Portugal
desde o casamento e por via da verificação deste elemento de conexão a lei
aplicável, ao regime de bens do casamento entre o Recorrente e (…), é a lei
portuguesa.

Argumentam os Recorridos que nada se prova quanto à residência de cada um


dos nubentes à data da celebração do casamento e que os autos deverão
baixar à 1.ª instância para se averiguar, designadamente, a residência de
ambos os cônjuges à data do casamento e se viviam em condições similares ao
casamento à data da sua celebração.

Os factos carecidos de prova, segundo os Recorridos, ou seja, os factos


referentes à residência dos cônjuges antes do casamento, não foram alegados;
em nenhum momento os Recorridos alegaram, ou alegam, que o Recorrente e
a sua mulher tinham uma residência habitual comum à data do casamento. Os
Recorridos pediram a apreensão de bens da titularidade da mulher do
insolvente e de rendimentos por esta obtidos no exercício da sua atividade

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com o argumento que estes bens, na ausência de convenção antenupcial, são
pertença de ambos cônjuges, à luz do Código Civil Mongol, aplicável atenta a
nacionalidade dos nubentes e a celebração do casamento em território mongol
(cfr. requerimento de 5/5/2020, refª citius 7863703).

Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e


aqueles em que se baseiam as exceções e ao juiz indagar, interpretar e aplicar
as regras de direito (artigo 5.º, n.º 1 e 3, do CPC) e não tendo as alegações dos
Recorridos versado sobre a residência habitual comum à data do casamento,
enquanto elemento de conexão relevante para definir a lei aplicável ao regime
de bens do casamento do Recorrente e mulher não incumbe ao tribunal
investigá-los oficiosamente como, sem menção de qualquer apoio legal,
pretendem os Recorridos.

Não se prova que o Recorrente e mulher tivessem residência habitual à data


do casamento e prova-se que a sua primeira residência conjugal foi em
Portugal, razão pela qual é aplicável a lei portuguesa ao regime de bens do
seu casamento.

Prosseguem os Recorridos argumentando que o artigo 25.º da norma de


conflitos do Código Civil Português – inexistindo convenção antenupcial – faz o
reenvio das relações de família para a lei pessoal dos sujeitos e, no caso, a lei
do Estado da Mongólia aceita o reenvio da lei portuguesa, uma vez que o
casamento foi celebrado em território mongol, entre um estrangeiro e uma
nacional da Mongólia, assim, defendendo a aplicação da Lei Mongol ao regime
de bens do casamento entre o Recorrente e mulher.

Densificando o princípio geral segundo o qual o estado dos indivíduos, a


capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são
regulados pela lei pessoal (artigo 25.º do Código Civil), a lei prevê
especificamente os elementos de conexão relevantes para definir a lei
aplicável às convenções antenupciais e regime de bens afastando a lei
nacional, lei pessoal dos indivíduos (artigo 31.º, n.º 1, do CC), nos casos em
que estes não têm a mesma nacionalidade (artigo 53.º do CC).

Não tendo o Recorrido e mulher a mesma nacionalidade, a lei aplicável ao


regime de bens do casamento é sucessivamente, como já referido, a lei da sua
residência habitual comum à data do casamento e, faltando esta, a lei da
primeira residência conjugal e não a sua lei pessoal, como defendem os
Recorridos.

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A norma de conflitos ao caso aplicável é, assim, a constante do artigo 53.º e
não a consagrada no artigo 25.º, ambos do Código Civil, o que basta para
afirmar a improcedência da argumentação dos Recorridos construída no
pressuposto da aplicação da lei pessoal dos cônjuges de nacionalidades
diferentes à substância e efeitos do regime de bens do casamento.

Improcede a ampliação do objeto do recurso e procede o recurso, restando


revogar a decisão recorrida.

3. Custas

Vencidos no recurso, incumbe aos Recorridos o pagamento das custas (artigo


527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto:
a) em julgar improcedente a ampliação do objeto do recurso;
b) em julgar procedente o recurso e, em consequência, revoga-se a decisão
recorrida e indefere-se o requerimento de apreensão de bens adquiridos e/ou
registados em nome de (…), mulher do insolvente, bem como dos proventos
por ela obtidos no exercício da sua atividade profissional.
Custas pelos Recorridos.
Évora, 17/6/2021
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho Mário Branco Coelho

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