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REGIMES MATRIMONIAIS DE BENS e DÍVIDAS

Regime matrimonial é o conjunto de normas ou cláusulas negociais, o


estatuto que regula as relações patrimoniais decorrentes do casamento, tanto
entre os cônjuges como entre estes e terceiros; o conjunto de regras que define a
propriedade sobre os bens do casal, a sua repartição entre o património comum e
o património de cada um dos cônjuges.
Com efeito e em regra, a lei não impõe aos esposos, futuros cônjuges, um
estatuto legal único ou uniforme, antes lhes permite escolher qualquer um dos
regimes-tipo previstos na lei ou adaptando algum deles aos seus concretos
interesses ou fins, dentro dos limites da lei, naturalmente - 1698º.

Esta liberdade de conformação de interesses podem os esposos concretizá-la através da


convenção antenupcial, o acordo, o contrato, em que os nubentes, em vista do seu previsto
casamento, regulam as relações de carácter patrimonial, o regime de bens desse casamento
(1698º), podendo conter, ainda, disposições por morte (1700º, 1, b), 1704º e 1705º) ou
liberalidades entre os esposados ou de terceiro a um deles ou a ambos - 1756º.
Além de poderem convencionar a vigência sucessiva de dois regimes distintos (a
separação, enquanto não tiverem filhos; a comunhão, após o nascimento do primeiro filho), os
cônjuges podem, por exemplo, estipular o regime da comunhão de adquiridos, mas alargar o
círculo dos bens próprios, alterar as regras da partilha (1719º), estabelecer presunções
especiais de comunhão, etc. O que não se permite, ao invés do que ocorre no direito francês
(arts. 1503 e segs.), é que eles alterem na convenção as regras sobre administração dos
bens do casal (v. g., entregando ao marido a administração exclusiva dos bens comuns ou a
administração dos bens próprios da mulher) - 1699º, 1, c) - A. Varela, Direito da Família, 5ª.
ed., 429.

Apesar de toda esta liberdade de conformação de interesses, a lei impõe


restrições ao conteúdo da convenção antenupcial - 1699º - de que se destaca a
de o nubente com filhos, nos termos do nº 2 do art. 1699º, não poder estipular o
regime de comunhão geral nem de acordar a comunicabilidade dos bens que,
mesmo no regime de comunhão de adquiridos, são próprios, os bens que cada
um tiver ao tempo da celebração do casamento - (1722º, nº 1).

Mas se os filhos são dos esposos - germanos - deixa de vigorar aquela restrição que só
tem sentido se cada um dos esposados tiver os seus próprios filhos unilaterais, consanguíneos
ou uterinos - PGR, no D.R. II, de 18.4.95, pág. 4207.

Aquela liberdade de regulamentação está excluída quando, como acontece


nos dois casos do nº 1 do art. 1720º (casamento sem precedência do processo de
publicações e por quem tenha completado sessenta anos de idade), vigora, ope
legis, o regime imperativo da separação de bens). Embora, neste caso, os

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nubentes possam fazer doações entre si em vista do futuro casamento - 1720º, nº
2 - são proibidas as doações entre casados - 1762º.
Embora os esposos não possam, na convenção antenupcial, regulamentar a
sucessão hereditária dos cônjuges ou de terceiro - 1699º, 1, a) - são válidos os
pactos sucessórios, com o regime fixado nos art. 1700º e ss.
A convenção antenupcial tem requisitos de fundo - capacidade (1708º, nº
1) e consentimento - 1708º, nº 2 - e de forma - escritura pública ou auto -
1710º- lavrado pelo Conservador no processo de publicações - 189º do CRC -
desde que apenas seja estipulado um dos regimes tipo de bens previsto na lei.
Só é eficaz em relação a terceiros após o registo (1711º do CC e 191º, do
CRC), no registo civil e predial se respeitar a bens sujeitos a registo predial - nº 3
do art. 1711º.
O registo não é condição de eficácia em relação aos cônjuges, seus
herdeiros e mais outorgantes na escritura que não são considerados terceiros -
nº 2 do 1711º.

Revogável ou modificável antes da celebração do casamento - 1712º-


não é permitido alterar, fora dos casos previstos na lei, nem as convenções
ante-nupciais nem os regimes de bens legalmente fixados - 1714º, nº 1.

Visa a lei, com esta proibição, proteger os interesses de terceiros, salvaguardar os


pactos de família e evitar os efeitos da influência de um dos cônjuges sobre o outro.
Nesta proibição geral estão contidas as proibições de contratos de compra e venda e
de sociedade entre os cônjuges, salvo se os cônjuges estiverem separados judicialmente de
pessoas e bens ou se um deles quiser exercer o direito de remissão na venda executiva dos
bens do outro, como lho permite o art. 912º, nº 1, do CPC - 1714º, nº 2. Também era permitida
a participação em sociedades de capitais e a dação em cumprimento de um dos cônjuges ao
outro.
Hoje, com o art. 8º do CSC,

1. É permitida a constituição de sociedades entre cônjuges, bem como a participação


destes em sociedades, desde que só um deles assuma responsabilidade ilimitada.
2. Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens,
comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele
que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato,
aquele por quem a participação tenha vindo ao casal.
3. O disposto no número anterior não impede o exercício dos poderes de administração
atribuídos pela lei civil ao cônjuge do sócio que se encontrar impossibilitado, por qualquer
causa, de a exercer nem prejudica os direitos que, no caso de morte daquele que figurar como
sócio, o cônjuge tenha à participação.

O Acórdão do STJ nº 12/96, de 1 de Outubro de 1996 (DR n.º 269, I


Série-A, de 20 de Novembro de 1996) decidiu:

2
«As sociedades por quotas que, depois da entrada em vigor do Código Civil de 1966 e
mesmo depois das alterações nele introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de No-
vembro, e antes da vigência do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei
nº 262/86, de 2 de Setembro, ficaram reduzidas a dois únicos sócios, marido e mulher, não
separados judicialmente de pessoas e bens, não são, em consequência dessa redução, nulas».

As excepções ao princípio da imutabilidade constam do art. 1715º de que


se destacam, na previsão da al. d), os casos de ausência (108º e 115º), de falência
e de execução contra um só dos cônjuges - 1696º.
Todas estas alterações estão sujeitas a registo, por força do nº 3 do art.
1715º, para que produzam efeitos em relação a terceiros.

A convenção antenupcial, como qualquer negócio jurídico que é, pode


ser declarada nula ou anulada (regime especial de anulabilidade por falta de
autorização do art. 1709º), reduzida por nulidade ou anulabilidade de uma sua
cláusula (292º) e caduca se o casamento se não celebrar dentro de um ano ou se,
uma vez celebrado, for declarado nulo ou anulado - 1716º.
Interpretando esta norma, decidiu o STJ, em 19.4.2001, que

I - Não obstante a lei considerar caduca a convenção antenupcial se o casamento não


for celebrado no prazo dum ano, subsequente à sua outorga, a força probatória do registo do
casamento só pode ser abalada por uma acção de registo, se visar alterações no assento, ou de
estado, se visar a impugnação dos próprios actos.
II - O registo nulo tem-se como válido enquanto a nulidade não for reconhecida por
sentença, produzindo os efeitos desse registo.
III - São, assim, válidos os actos praticados na constância do matrimónio de acordo
com a convenção registada.
IV - Celebrada convenção antenupcial entre os nubentes em 9-12-1968 na qual con-
vencionaram o regime de comunhão geral de bens e celebrado o casamento em 31/10/71,
ficando a constar do assento de casamento o regime de comunhão geral de bens, tendo os
cônjuges assumido como comunhão o património adquirido, os actos praticados são-no de
acordo com a convenção registada, incluindo a partilha de bens a efectuar por virtude de
divórcio - Col. Jur. (STJ) 01-II-29.

Ressalvam-se, todavia, no caso de caducidade, os efeitos especiais do casamento


putativo - 1647º:
Se ambos os cônjuges tiverem agido de boa fé, a convenção produzirá todos os seus
efeitos, nas relações entre os cônjuges e nas relações entre estes e terceiros, até ao trânsito em
julgado da sentença anulatória ou até ao averbamento da decisão do tribunal eclesiástico no
registo civil.
Se só um deles tiver agido de boa fé, só esse poderá chamar a si os benefícios do
estado matrimonial, como se o casamento tivesse sido validamente celebrado até à data da
anulação.

Tem sido discutida a validade de contrato-promessa de partilha entre cônjuges,


precisamente por se ver nele um atentado ao princípio da imutabilidade do regime de bens.

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Depois de algumas hesitações e decisões divergentes, o STJ decidiu - Ac. de 23 de
Março de 1999, na Col. STJ 99-II-30, que é válido o contrato promessa de partilha dos
bens comuns celebrados pelos cônjuges na pendência de acção de divórcio por mútuo
consentimento e subordinado à condição suspensiva do decretamento do divórcio.
Com este contrato promessa não se altera a natureza dos bens e apenas se combina o
modo de preencher os direitos que ambos têm a metade do valor dos bens comuns e o modo
como esta repartição é projectada deve ficar apenas submetido aos mecanismos gerais de
defesa de um contraente contra o outro - G. Oliveira, RLJ 129-274 e ss.
Igualmente se decidiu ser tal contrato-promessa válido, susceptível de execução
específica e gerador da obrigação de prestar contas por Ac. do STJ, na Col. (STJ) 01-I-161.

Sobre a natureza jurídica da comunhão conjugal não vale a pena perder tempo com
as mais variadas teorias que a procuram explicar.

Parece serem mais conformes com a realidade jurídica as chamadas teorias da proprie-
dade colectiva, de comunhão de tipo germânico ou de mão comum.
Os traços mais salientes desta comunhão são que os titulares não têm qualquer direito à
divisão, não existe a actio communis dividendi, por haver um só direito de propriedade, a
todos ele pertencendo em bloco e só em bloco, à colectividade por todos formada; e que,
portanto, não existem quotas ideais de que cada titular possa gozar e dispor. A divisão só pode
ser pedida quando cessar a causa determinante da constituição do património comum.
De forma que os cônjuges não podem pedir a divisão na constância do seu matrimónio,
pois que a comunhão entre eles é indissolúvel e indivisível por natureza; e só ambos eles,
conjunta e unitariamente, podem gozar e dispor do património colectivo.
Esta teoria da comunhão de mão comum tem contra si, no nosso direito, o que atrás
referimos, já que também ela conduz à ideia de um património autónomo, dotado de vida
própria e afectado a um fim especial.
Diferente, porém, da comunhão personificada, a comunhão de mãos reunidas, dotada
embora de uma certa individualidade, é uma comunhão actuante e não personificada.

No ensinamento de Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira - Curso, I,


2001, 2ª ed., pág. 506, os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em
vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos
dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de
um único direito sobre ela.

Enquanto que é permitida a hipoteca de quota de coisa ou direito comum,


em compropriedade - art. 689º, nº 1 - já é proibida a hipoteca da meação dos
bens comuns do casal - 690º.

Os bens comuns formam um património de afectação especial: os bens comuns


respondem apenas pelas dívidas de interesse comum do casal, as dívidas que responsabilizam
ambos os cônjuges, e por essas dívidas só respondem outros bens quando não haja bens
comuns ou estes sejam insuficientes - 1695º e 1696º.
Esta autonomia não é, porém, completa: há casos em que bens comuns, incluindo o
produto do trabalho e direitos de autor do devedor, respondem imediatamente por dívidas
(próprias) da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges (1696º, n.os 2, al. a) a c) e os

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bens próprios de qualquer dos cônjuges respondem, ainda que subsidiariamente, por dívidas
comuns - 1695º, nº 1.
Por isso têm alguma razão os Autores que afirmam tratar-se de uma comunhão
especial do direito da família, distinta de toda e qualquer outra...

Para além do regime imperativo de separação do art. 1720º - cujas razões se


alcançam facilmente, mas não impedem que o cônjuge mais novo venha a ser, pela lei natural
da vida, herdeiro legitimário do ancião ou velhinha, aqui a lei 1720, nº 1, b) não quer
comunhão de bens para obstar a casamentos de interesses, mas o jovem será, quiçá pouco
depois, premiado com a qualidade de herdeiro legitimário por ter estado casado com o ou a
anciã, mesmo que por pouco tempo, além de os nubentes poderem fazer entre si doações
(1720º, nº 2) - consagra a lei três regimes matrimoniais típicos:

- comunhão de adquiridos - - 1721º a 1731º;


- comunhão geral - - 1732º a 1734º e
- separação de bens - - 1735º e 1736º.

Ao contrário do que acontecia no Código de Seabra, em que o regime


supletivo era o da comunhão geral, hoje o regime supletivo, quando outro não
seja convencionado ou imposto por lei, é o da comunhão de adquiridos, como
resulta do art. 1717º: na falta de convenção antenupcial ou no caso de
caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se
celebrado sob o regime da

COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS

Neste regime há ou pode haver um património comum, bens próprios de


cada um dos cônjuges e bens próprios ou comuns conforme as circunstâncias.
Só se comunicam os bens adquiridos depois do casamento a título onero-
so, fruto da colaboração de ambos os cônjuges no esforço patrimonial do casa-
mento. Assim,

I - Bens comuns - 1724º


1 - al. a) - o produto do trabalho, inclusive o trabalho intelectual, dos
cônjuges;
2 - al. b) - os bens adquiridos na constância do matrimónio a título
oneroso, não exceptuados por lei;

I - Os concursos públicos destinados a galardoar o concorrente mais dotado em


qualidades físicas ou intelectuais - v. g. uma competição desportiva, os prémios escolares,
literários, científicos ou artísticos - têm, em princípio, natureza idêntica a doação, por envol-
verem um propósito de liberalidade, com vista a enriquecer o participante.
Porém, um especifico tipo de concursos públicos, tais os realizados pela Radio-
televisão Portuguesa, que assumem o carácter de verdadeiros espectáculos, configura-se
como negócio jurídico unilateral oneroso, residindo a onerosidade na actividade desenvolvida
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pelo concorrente, a qual reverte a favor do promitente como um valor económico e representa
a contraprestação funcional do prémio oferecido.
II - Consequentemente, os bens e valores adquiridos pelos concorrentes neste género
de concursos não estão incluídos na previsão do artigo 1722º, nº 1, alínea b), (mas sim na da
al. b) do art. 1724º) do Código Civil, tendo, pois, em regime matrimonial de comunhão de
adquiridos, a natureza de bens comuns - Ac. STJ de 9 Jan. de 1990, Bol. 393-603.

I - No regime de comunhão de adquiridos considera-se bem próprio o imóvel


comprado por um dos cônjuges na constância do matrimónio, mas pago antes do casamento,
no cumprimento de contrato-promessa de compra e venda.
II - No que a terceiros concerne, se não existir no documento de aquisição, com
intervenção de ambos os cônjuges, declaração de que o preço foi pago anteriormente ao
casamento por um deles, não pode o cônjuge que o pagou invocar a qualidade de bem próprio.
III - Nas relações entre os cônjuges, a falta da referida declaração pode ser
substituída por qualquer meio de prova que demonstre o pagamento por um deles - Ac.
STJ de 14 de Dezº de 1995, Bol. 452-437

3 - os frutos (rendimentos, frutos civis) dos bens comuns e dos bens


próprios, bem como as benfeitorias úteis realizadas nesses bens - 1728º, nº 1 e
1733º, nº 2.
4 - bens móveis, salvo prova em contrário, pois quando haja dúvidas sobre
a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns - 1725º.
5 - bens sub-rogados no lugar de bens comuns - 1724º, b);
6 - bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e, noutra
parte, com dinheiro ou bens comuns, se esta prestação for mais valiosa - 1726º,
nº 1.
II - Bens próprios ou comuns, consoante as circunstâncias

Quanto aos bens adquiridos, numa parte com dinheiro ou bens


próprios de um cônjuge e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns, serão
considerados próprios ou comuns, consoante a natureza da mais valiosa das duas
prestações (art. 1726º, 1).
Será o caso da aquisição de um imóvel, em parte com o preço da
alienação de um imóvel próprio da mulher e noutra parte com o produto do
trabalho do marido. Se a primeira parte for de maior valor e o imóvel vier assim
a ser considerado como próprio da mulher, ela ficará devendo ao património
comum o valor da contribuição deste para a aquisição (art. 1726º, 2). E de modo
análogo se procederá à operação, na hipótese inversa.

Participação dos cônjuges no património comum.

Cada um dos cônjuges participa por metade no activo e no passivo da comunhão,


diz o artigo 1730º, nº 1, que acrescenta ser nula qualquer estipulação em sentido diverso.
Na convenção antenupcial, os cônjuges poderão ampliar ou reduzir, dentro dos limites
da lei, o âmbito dos bens comuns, mas não alterar a participação ideal de cada um deles.

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Visa-se aqui a dissolução do casamento e consequente partilha, pois antes disso os
cônjuges são simultaneamente titulares de um único direito sobre todos e cada um dos bens
que integram o património comum1.

É preciso atender ao disposto nos art. 1789º (data de produção de efeitos


da sentença de divórcio), 1790º e 1791º (efeitos na partilha e perda de benefícios
da declaração de cônjuge principal ou único culpado do divórcio).

Inventário - Divórcio - Culpa - Partilha - «Direito e acção» a herança indivisa -


Bem próprio - Relacionação - Licitações - Tornas - Caso julgado formal

I - O disposto no artigo 1790º do Código Civil - «O cônjuge declarado único ou


principal culpado não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento
tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos» - não significa que o
regime aplicável à partilha seja necessariamente o da comunhão de adquiridos.
«O que importa na correcta aplicação da lei e do pensamento legislativo, é con-
frontar o resultado que advém para o cônjuge declarado único ou principal culpado da
aplicação do regime convencionado ou legalmente fixado com o que se obteria mediante
a aplicação do regime da comunhão de adquiridos», «porque só no caso de o primeiro ser
mais favorável à sua posição do que o segundo é que a lei manda aplicar este último».
II - A relacionação, descrição e licitação, além dos demais bens a considerar - no in-
ventário para partilha dos bens comuns do casamento celebrado em regime de comunhão geral
e dissolvido por divórcio com culpa exclusiva de um dos cônjuges -, do «direito e acção» à
herança aberta na pendência do matrimónio por morte de progenitor do cônjuge inocente,
mediante decisão judicial que julgou depender da averiguação do valor total dos bens a
eventual aplicação do disposto no artigo 1790º do Código Civil, não constitui caso julgado
formal mercê do qual deva o aludido direito ser necessariamente partilhado em benefício do
cônjuge culpado - STJ, Ac. de 14 de Abril de 1999, no BMJ 486-312

Lê-se no artigo 1791º:


«1 - O cônjuge declarado único ou principal culpado perde todos os benefícios
recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro em vista do casamento
ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior
à celebração do casamento.

Para a compreensão deste preceito legal, socorramo-nos de Jacinto Bastos, Notas ao


Código Civil, 1998, e de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, IV, 1992, de
que destacaremos as passagens seguintes:

- Não se trata das vantagens resultantes do regime de bens adoptado, matéria de que se
ocupa o artigo anterior.
Vejamos então como interpretar o termo benefícios usado pelo preceito em anotação.
O cônjuge declarado único ou principal culpado do divórcio perde de pleno direito
todas as doações ou outras vantagens que tenha recebido do outro cônjuge ou de terceiro, em
vista do casamento ou em atenção a este.
O preceito tem grande interesse prático relativamente às doações entre esposados que
são normalmente irrevogáveis (artigo 1758º) ao contrário do que acontece com as doações
1
- A. Varela, D.to da Família, 462.

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entre casados (artigo 1765º); o cônjuge que no contrato de casamento tenha feito uma doação
ao seu cônjuge poderá, portanto, reaver os bens doados se no divórcio vier a ser declarado que
este foi o único ou o principal culpado pelo fracasso do casamento.
São excluídos do âmbito deste preceito os presentes habituais entre parentes e amigos.
Os legados também são compreendidos como as doações entre os benefícios que o
cônjuge culpado perde (...).»

Dos Prof. P. Lima - A. Varela tem interesse especial:

«(...) a sanção legal abrange somente as liberalidades quer inter vivos quer mortis causa
provenientes do cônjuge inocente ou do cônjuge menos culpado ou de terceiro mas não os
benefícios ou vantagens resultantes da lei ou do regime convencionado até porque rela-
tivamente a este existe hoje desde a entrada em vigor do Código de 1966 a disposição do
artigo 1790." (...)»
III - Bens próprios

Constam, essencialmente, dos art. 1722º, 1723º e 1726º a 1729º.

São considerados como próprios


a) - todos os bens (coisas ou direitos) cujo título de aquisição seja
anterior ao casamento (art. 1722º, 1, al. a)),
b) - os bens advindos isoladamente a qualquer dos cônjuges, por sucessão
ou doação na vigência do casamento (art. 1722º, 1, b)) e
c) - os bens adquiridos, também na constância do matrimónio por virtude
de direito próprio anterior (art. 1722º, 1, c)).

Os bens recebidos por sucessão ou doação entrarão na categoria dos bens


comuns, quando forem deixados ou doados conjuntamente a ambos os cônjuges
ou quando, deixados ou doados apenas a um, o testador ou o doador declarar que
devem entrar na comunhão (art. 1729º). Se integrarem, porém, a legítima (art.
2156º) do donatário, os bens deixados ou doados serão sempre bens próprios
(art. 1729º, 2), por não poderem ser afastados da sua afectação legal.

Entre os bens adquiridos por virtude de direito próprio anterior, desta-


cam-se, a título meramente exemplificativo, nos termos do nº 2 do art. 1722º CC,

a) - os bens adquiridos através de herança indivisa, aberta antes do


casamento, mas partilhada só depois;

Em recente Ac. da Relação do Porto decidiu-se excluir do inventário - subsequente a


divórcio de A e B, casados que foram em comunhão de adquiridos e em cujo divórcio B fora
declarada única culpada - os bens herdados por B de seus pais, por herança partilhada na
pendência do casamento e cujo pagamento (de tornas devidas por ela ter licitado em mais bens
que os necessários para preencher o seu quinhão fora feito com dinheiro do património
comum). Aí se decidiu:
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O caso que se aprecia não se acha frontalmente regulado na lei mas afigura-se-nos que
tem semelhança com a hipótese contemplada no art. 1727º do mesmo código, onde se
determina que se um dos cônjuges for comproprietário de coisa indivisa não pertencente à
comunhão e adquirir outra quota além da que lhe pertencia, essa quota reverte ao seu
património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao património comum pelas somas
prestadas para a respectiva aquisição2.
Embora sejam diferentes a compropriedade e a herança, não há dúvida que se por
qualquer circunstância ao herdeiro forem adjudicados bens de valor superior ao corres-
pondente ao seu quinhão, temos que, tal como na hipótese daquele preceito, o cônjuge titular
exclusivo de uma quota parte na herança por direito sucessório seu adquire bens que a
excedem - adquire outra quota de bens - à custa de pagamento realizado com dinheiro retirado
do património comum do casal.
Atenta a semelhança, impõe-se resolver o caso sub judice pela norma do citado art.
1727º.
Nos termos desta norma, todos os bens herdados pela mulher aqui Agravante são e
continuam bens próprios, não se convertendo em comuns pelo facto de terem sido pagos, em
boa parte, com dinheiro comum; E o património comum do casal ora dissolvido terá de ser
compensado, isto é, indemnizado, pela soma correspondente àquela de que foi desfalcado para
satisfação das ditas tornas, sem qualquer actualização - Col. 00-V-197.

Também se considerou bem próprio um andar sorteado por compras efectuadas pela
mulher, com dinheiro dado pela mãe dela, estando os cônjuges casados em comunhão de
adquiridos mas separados de facto, sem contribuição do marido para as despesas da mulher -
RLJ 133-348.

b) - os bens adquiridos por meio de usucapião, baseada em posse que


tenha tido o seu início antes do casamento;
c) - os bens comprados por qualquer dos cônjuges, antes do casamento,
com reserva de propriedade por parte do alienante; e
d) - os bens adquiridos no exercício de qualquer direito de preferência
fundado em situação jurídica (compropriedade, arrendamento para habitação,
comércio ou indústria, etc.) já existente à data do casamento - Bol. 490-277.

Além dos enumerados, outros bens podem considerar-se adquiridos por virtude de
direito próprio anterior, como os obtidos através de contrato aleatório realizado antes do casa-
mento (prémio da lotaria ou do totobola, quando o bilhete tenha sido comprado ou o
boletim entregue antes do casamento, mas o sorteio seja de data posterior) ou mediante
contrato condicional, anterior ao matrimónio, mas em que a condição se tenha verificado
depois dele.
A aquisição dos bens próprios, nas circunstâncias que acabam de ser
expostas, pode envolver a obrigação, para o cônjuge adquirente, de compensar o
património comum.
Assim sucederá, por exemplo, quando alguma das prestações da coisa
comprada com reserva de propriedade tiver sido paga com dinheiro comum, ou
quando o direito de preferência tiver sido exercido com dinheiro comum.
2
- Ac. da Relação do Porto, de 1 de Julho de 1982, na Col. Jur. 1982-IV-198.

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É às situações deste tipo que o nº 2 do artigo 1722º pretende referir-se,
quando expressis verbis alude à «compensação eventualmente devida ao patri-
mónio comum».

Pertencem ainda exclusivamente a um dos cônjuges


e) - os bens sub-rogados no lugar dos seus bens próprios - 1723º, a) a c).

Tem-se discutido muito na doutrina a questão de saber se a sub-rogação real abrange


apenas a sub-rogação directa (casos em que a saída e a correlativa entrada de bens no
património do cônjuge procedem do mesmo acto jurídico) ou compreende também a chamada
sub-rogação indirecta (casos em que a perda e a aquisição resultam de actos jurídicos
distintos: venda de um imóvel e compra posterior de um outro com o produto da alienação do
primeiro).
O Código Civil inclinou-se para a tese mais ampla (a que reconhece a sub-rogação
real indirecta), mas com um forte limitação, destinada a proteger as legitimas expectativas de
terceiros:
Os bens adquiridos, ou as benfeitorias efectuadas com dinheiro ou valores
próprios de um dos cônjuges, só se consideram como bens próprios, quando a prove-
niência do dinheiro ou dos valores seja referida no próprio documento da aquisição ou
em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.
Só nesses termos a aquisição posterior ao casamento com bens próprios de um dos
cônjuges oferece prova bastante, aos olhos da lei (art. 1723º, c).
A falta de menção da proveniência do dinheiro ou valores com que a aquisição seja
feita constitui presunção juris et jure de que estes meios são comuns, não só para o efeito da
qualificação dos bens adquiridos, mas também para o acerto das relações entre o património
comum e o património próprio de cada cônjuge - BMJ 480-466, ac. de 15.10.98.

Mas esta al. c) do art. 1723º pressupõe que estejam em jogo, também ou
apenas, interesses de terceiros.

Se estiverem em causa somente interesses dos cônjuges, a mencionada disposição


tem o valor duma presunção tantum juris, que é, por isso, ilidível, podendo assim, para efeitos
da sua qualificação como bem próprio, ser provado por qualquer meio o facto de certo bem
ter sido adquirido com dinheiro ou valores próprios do cônjuge adquirente - ac. de 24.9.96, no
BMJ 459-535; Ver, ainda, a RLJ 133-351 e P. Coelho, op. cit., 519 e, em interpretação
literal o mesmo STJ, na Col. 00-II-76.

Recentemente o STJ decidiu no mesmo sentido, por ac. de 15.5.2001, na


Col. Jur. (STJ) 01-II-75: A disciplina do art. 1723º, al. c), do CC, ao exigir que a
proveniência de dinheiro ou valores seja mencionada no documento de aquisição deve ser
interpretada restritivamente, aplicando-se apenas nas relações dos cônjuges com terceiros.
Ingressado um bem na comunhão, qualquer um dos cônjuges pode fazer a prova de que
na respectiva aquisição foram empregues valores próprios, tendo direito de ser compensado no
momento da dissolução e partilha do património comum.

10
f) - São ainda considerados como bens próprios, quer a parte atribuída a
um dos cônjuges, em virtude da divisão da coisa de que ele seja proprietário, fora
da comunhão, quer a parte que ele adquira, nas mesmas condições, para além da
sua quota - 1727º.
Assim, se A, casado com B, for comproprietário com C, D e E de certo imóvel,
constituindo o respectivo direito parte integrante do seu património próprio, como bens
próprios se hão-de considerar, quer a parte especificada do imóvel que lhe couber na divisão
da coisa (comum), quer a quota que, para além da inicial, ele venha a adquirir, depois do
casamento, no imóvel indiviso.
Neste último caso, porém, se a aquisição for efectuada à custa de bens comuns, será
devida ao património comum a correspondente compensação (art. 1727.º, in fine).

As reservas livres produzidas pela sociedade não devem ser consideradas como frutos
civis.
No regime de comunhão de adquiridos tais reservas livres constituem bens próprios do
cônjuge, pelo que uma quota, bem próprio, acrescentada com reservas livres, continua bem
próprio no seu novo valor - R.ão de Lisboa, Col. 1997-IV-114.

São também considerados como próprios os bens adquiridos por virtude


da titularidade de bens próprios e que não sejam frutos deles - 1728º.
É o que sucede, por exemplo, com as acessões, os prémios de amortização
de títulos de crédito ou outros valores mobiliários próprios de um dos cônjuges,
nos termos do nº 2 do art. 1728º.

I - A questão de saber se, (por virtude de obras efectuadas por ambos os cônjuges, na
pendência do casamento, em regime de comunhão de adquiridos, em prédio doado à mulher),
tal prédio passa, ou não, a ter a natureza de bem comum do casal, depende de as mesmas se
terem traduzido em benfeitorias ou em se terem reconduzido a acessão industrial imobiliária.
II - Realizando-se as tais obras em prédio urbano da mulher, não houve a inovação em
solo ou terreno alheio, que a acessão pressupõe, mas tão só a valorização de prédio já existen-
te, por ambos os cônjuges, em razão do vínculo de casamento, o que retira a virtualidade para
transferir (por acessão) o imóvel de bem próprio para bem comum do casal.
III - Trata-se, apenas, de benfeitorias realizadas, na pendência do casamento, sem
prejuízo da compensação devida ao património comum do valor delas - R.ão do Porto, Col.
95-II-184.

g) - São, ainda, bens próprios, por exceptuados da comunhão - art. 1733º,


nº 1,
 os bens considerados próprios por natureza (diplomas, condecorações,
taças e medalhas, o direito moral de autor);
 por vontade dos nubentes, em convenção antenupcial, nos termos do art.
1698º (escolheram a comunhão geral, mas excluíram dela bens não imperati-
vamente - 1699º, 1, d) - incomunicáveis.
 por disposição da lei - 1733º, 1, a) a g).

11
COMUNHÃO GERAL - 1732º a 1734º

Além dos casamentos celebrados até 31 de Maio de 1967, véspera da entrada em vigor
do CC, este regime de comunhão geral só vigora se expressamente convencionado e são-lhe
subsidiariamente aplicáveis (1734º) as normas do regime regra que é o da comunhão de
adquiridos.
Neste regime matrimonial de bens o património comum é constituído por
todos os bens presentes e futuros dos cônjuges que não sejam exceptuados por
lei - 1732º.
Exceptuados imperativamente por lei e, como tal, bens próprios de que
os esposos não podem estabelecer a comunicabilidade (1699º, nº 1, d), são os
indicados taxativamente nas várias alíneas do art. 1733º.

Quanto às jóias já se decidiu que não podem, em abstracto, considerar-se


exceptuadas da comunhão, sobretudo quando se trata de jóias de grande valor,
devendo averiguar-se em concreto a propriedade delas, da mesma forma que se
mandou relacionar consultório médico, universalidade com valor de cessão -
Col. 1993-I-260.
Os direitos morais de autor são incomunicáveis (56º, nº 2, do CDA), mas
já o é o conteúdo patrimonial do direito de autor, como acontece na previsão do
art. 1724º, a) e 1696º, nº 2, b).

REGIME DE SEPARAÇÃO - 1735º e 1736º

Neste regime, convencionado, legalmente imposto (1720º) ou decretado


judicialmente (1767º e 1770º), cada um dos cônjuges conserva o domínio e
fruição (e de administração) de todos os seus bens presentes e futuros, podendo
deles dispor livremente - 1735º.

Apesar disso, mantém-se a obrigação de contribuição para as despesas


domésticas - 1676º - de tomada de providências administrativas urgentes (1679º),
o direito de apanágio do cônjuge sobrevivo (2018º), a sucessão legítima (2133º)
e legitimária (2157º).

Pode haver, além dos bens próprios de cada um, bens em compro-
priedade - 1736º - mas a quota de cada um dos cônjuges em relação a esses bens
integra o seu património próprio, podendo deles pedir a divisão como qualquer
comproprietário. Estes bens são comuns em compropriedade, não em comu-
nhão conjugal.

Prova e presunção de propriedade dos móveis - 1736º - à semelhança


do que, por força do art. 1725º, acontece na comunhão de adquiridos, os bens

12
móveis presumem-se em compropriedade de ambos os cônjuges, em caso de
dúvida sobre a propriedade exclusiva de qualquer deles.

DÍVIDAS DOS CÔNJUGES - 1690º e ss

Hemos de assentar em que tanto o marido como a mulher têm legiti-


midade para contrair dívidas sem o consentimento do outro cônjuge - 1690º, nº
1 - e que para determinar a responsabilidade dos cônjuges por dívidas estas têm a
data do facto que as originou - nº 2 do mesmo art. 1690.

Dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges - 1691º, n.os 1 e 2;


1694º, 1 e 2, in fine.
art. 1691º, nº 1,
I - al. a) - aplica-se a qualquer regime de bens, mesmo o de separação,
como resulta desta al. a), da al. d) e do nº 2 do art. 1695º.
As dívidas contraídas antes do casamento e que responsabilizam ambos os
cônjuges nos termos do art. 1695º, nº 1 - são apenas as que tinham em vista a
realização do casamento e não aquelas que ambos contraíram sem esse fim
(cruzeiro antes do casamento).
Inclui-se aqui o aval a dívidas da mesma natureza.

II - al. b) - contraídas antes ou depois do casamento, por um só ou por


ambos os cônjuges, em regime de comunhão ou separação, para ocorrer aos
encargos normais da vida familiar (alimentação, médico, vestuário e farmácia).
A natureza e o valor das dívidas ditarão se se trata de encargos normais da vida
familiar, atento o padrão de vida do casal.

III - al. c) - dois requisitos:


- contraída em proveito comum do casal e
- dentro dos poderes de administração do cônjuge que a
contraiu, administração regulada nos art. 1678º e 1679º.
Para aquilatar do proveito comum conta a intenção (aos olhos de uma
pessoa média) e não o resultado prático, o lucro obtido ou o prejuízo sofrido,
assim como o proveito comum tanto pode ser económico como moral.

O proveito comum do casal não é mera questão de facto e, sim, antes, uma questão
mista ou complexa: de facto enquanto se trata de apurar o destino dado ao dinheiro que o
cônjuge administrador porventura haja recebido e de direito quando se procura determinar,
em face do destino apurado, se a dívida foi ou não contraída em benefício do casal.

13
Assim, a mera alegação de que o empréstimo invocado reverteu em proveito comum
do casal deverá extrair-se dos factos materiais que a suportam, não constituindo em si mesma
a alegação dum facto material - Col. 99-III-133.

I - O proveito comum do casal não se presume.


II - O saber se uma dívida foi ou não contraída em proveito comum depende da
intenção com que a dívida foi contraída, não dependendo do seu resultado prático efectivo;
tem-se em vista apenas o fim de beneficiar o casal.
III - É ao Autor que incumbe demonstrá-lo.
IV - Se certa importância é depositada em conta bancária pertencente a ambos os
cônjuges e qualquer deles pode movimentá-la, as importâncias que lá foram depositadas fo-
ram-no em proveito comum e, como tal tem que ser considerada a dívida - Col. STJ 94-I-119.

O aval pode ou não ser prestado em proveito comum, conforme o proveito


visado pela constituição da dívida resulte ou não imediatamente dela.

IV - al. d) - dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do


comércio - responsabilizam ambos os cônjuges, salvo se se provar que não
foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o
regime de separação.

Nos termos do Assento de 26.1.94, no DR I, de 23.3.94, a dívida de restituição do


sinal em dobro, por incumprimento de contrato-promessa de compra e venda de coisa imó-
vel, celebrado por um dos cônjuges, comerciante, no exercício da sua actividade comercial,
como promitente vendedor, é da responsabilidade de ambos os cônjuges, nos termos e com as
ressalvas previstas no art. 1691º, nº 1, al. d), do CC.

Antes da Reforma de 1977, a redacção desta alínea d) não permitia a prova de que a
dívida, apesar de contraída no exercício do comércio, não o foi em proveito comum do casal.
Com a actual redacção, o cônjuge pode provar que a dívida, ainda que contraída no
exercício do comércio, não o foi em proveito comum do casal.
De resto, nos termos do nº 3 deste art. 1691º, o proveito comum do casal não se
presume, excepto nos casos em que a lei o declarar.

Ora, justamente o art. 15º do Código Comercial, na redacção dada pelo


Dec-lei nº 363/77, de 2 de Setembro, dispõe que as dívidas (formalmente ou
substancialmente3) comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas
no exercício do seu comércio.
Há, pois, aqui uma dupla presunção: as dívidas comerciais de qualquer
dos cônjuges, desde que comerciante, presumem-se realizadas no exercício da
sua actividade comercial (art. 15º); e, desde que presuntivamente realizadas no
exercício do comércio do devedor, presumem-se contraídas em proveito
comum do casal (primeira parte da al. d) do nº 1).

3
- BMJ 301-437, citado por A Varela, ib., nota 1 a fs. 403.

14
Assim, o cônjuge não comerciante, se se quiser furtar à comunicabilidade da dívida
comercial do cônjuge comerciante, poderá ter que combater essas duas presunções: Provando,
primeiro, que a dívida do cônjuge comerciante não foi contraída no exercício do seu comércio.
Se o conseguir, então caberá ao credor provar o proveito comum do casal, para comunicar a
dívida ao património conjugal comum. Se o não conseguir, então, o cônjuge não comerciante
poderá ainda provar que, embora contraída no exercício do comércio do cônjuge comerciante,
ela não foi contraída em proveito comum do casal.

Com a nova redacção dada ao nº 1 do art. 1696º do CC pelo art. 4º do Dec-lei nº


329-A/95, de 12 de Dezembro - que eliminou o injustificado privilégio da moratória forçada,
deve ter-se por revogado4 o art. 10 do C. Comercial que estabelecia:

«Não há lugar à moratória estabelecida no nº 1 do art. 1696º do CC quando for exigido


de qualquer dos cônjuges o cumprimento de uma obrigação emergente de acto de comércio,
ainda que este o seja apenas em relação a uma das partes»,

bem como o Assento de 13 de Abril de 1978 que o interpretou nestes


termos:
«Nas execuções fundadas em títulos de crédito, o pagamento das dívidas comerciais
de qualquer dos cônjuges, que tiver que ser feito pela meação do devedor nos bens comuns do
casal, só está livre da moratória estabelecida no n.° l do artigo 1696.° do Código Civil, ao
abrigo do disposto no artigo 10º do Código Comercial, mesmo no domínio das relações medi-
atas, se estiver provada a comercialidade substancial da dívida exequenda».

I - Na versão actual do art. 1691º, nº 1, d), do C. Civil, as dívidas contraídas por


qualquer dos cônjuges no exercício do comércio são da responsabilidade de ambos os cônju-
ges, a menos que se prove que não houve proveito comum do casal, que este não esteve na
base dessas dívidas ou que seja de separação o respectivo regime de bens. Enquanto a
redacção anterior continha uma presunção implícita iuris et de iure de que as dividas comer-
ciais eram contraídas em proveito comum do casal, a redacção actual supõe apenas uma
presunção juris tantum que o cônjuge do comerciante poderá ilidir em juízo.
II - Nem do facto de os cônjuges se encontrarem separados de facto desde data
anterior à divida, nem do facto de o marido ter deixado de contribuir com qualquer quantia
para os encargos familiares desde a data em que contraiu a dívida se pode concluir que ela não
foi contraída em proveito comum - Col. 93-V-29, R.ão de Coimbra, 9.11.93.

V - al. e) do nº 1 do art. 1691º por remissão para o 1693º, nº 2, do CC:


Trata-se de dívidas que oneram doações, heranças ou legados, tendo os respec-
tivos bens ingressado no património comum.
É justo que quem aceita doações ou heranças aceite também as dívidas,
encargos ou onus que as oneram. Tudo intra vires, naturalmente - 963º, nº 2,
2071º, n.os 1 e 2 e 2276º.

4
- Parece-nos claro que, suprimida a moratória que se previa na anterior versão do art. l696º, nº l , do Código
Civil. este texto da lei comercial (art. 10º) perde a sua razão de ser, deixa de fazer sentido, fica sem qualquer
campo possível de aplicação; em suma, desaparece do ordenamento jurídico, por força da mencionada revogação
tácita - 7º, nº 2, do CC - Col. 98-II-19.

15
VI - Dívidas contraídas antes do casamento, por um dos cônjuges, em
proveito comum do casal, no regime da comunhão geral - 1691º, nº 2.
Se neste regime se comunicam os bens, justo é que se comuniquem tam-
bém as dívidas contraídas em proveito comum.
Já nos restantes regimes, porque não há comunicação de bens, também não
deve haver comunicação de dívidas.

VII - Dívidas que onerem bens comuns - 1694º, nº 1 - ou tenham por


causa a percepção de rendimentos de bens comuns - nº 2 do art. 1694º.

Estão neste segundo caso as dívidas por imposto de sucessões e doações, de contri-
buição autárquica que, onerando bens próprios, se referem a rendimentos que, como visto, são
comuns - 1728º, nº 1 e 1733º, nº 2.

Dividas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges - 1692º e


1693.
1 - dívidas contraídas apenas por um dos cônjuges, sem o consentimento
do outro, antes ou depois do casamento, desde que não representem um encargo
normal da vida familiar e não tenham sido contraídas pelo cônjuge adminis-
trador, dentro do limite dos seus poderes, em proveito comum do casal (art.
1692º, a).

2 - Dívidas provenientes de crimes ou outros factos imputáveis a título de


culpa - crime a um só dos cônjuges - 1692º, b).
Tratando-se, porém, [(ressalva desta al. b)] de facto gerador de pura responsabili-
dade civil - indemnização por incumprimento de contrato celebrado no interesse do casal ou
indemnização por acidente de viação, sem dolo, - será aplicável o regime do art. 1691º. Ver
Col. STJ 93-II-18.

Nos termos da segunda parte da alínea b) do art. 1692º, do Código


Civil, são da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam:

b) - As dívidas provenientes de crimes e as indemnizações, restituições, custas judiciais


ou multas devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges, salvo se esses factos,
implicando responsabilidade meramente civil, estiverem abrangidos pelo disposto nos
n.os 1 ou 2 do artigo anterior".

Como referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, se o facto constitutivo da


dívida envolver, porém, responsabilidade meramente civil, haverá que ressalvar, nos termos da
parte final da alínea b), os casos abrangidos pelo disposto nos n.os 1 e 2 do art. 1691º.
Trata-se, por exemplo, de um caso de responsabilidade civil pelos danos resultantes de
um acidente de viação, em que o veículo causador dos danos, pertença de um dos cônjuges,
andava em serviço do estabelecimento comercial deste, ou circulava por ordem de ambos os
16
cônjuges ou se deslocava para a realização de uma tarefa de interesse comum, ordenada pelo
cônjuge administrador nos limites dos seus poderes de administração.
Em qualquer destes casos, e em situações análogas (v. gr., acidente de trabalho ocorri-
do com empregado contratado pelo cônjuge administrador ou com empregada contratada pela
mulher no exercício do governo doméstico), as dívidas correspondentes responsabilizam am-
bos os cônjuges.

O Dr. Augusto Lopes Cardoso, escrevendo na revista dos Tribunais, ano 86º, pág. 105,
diz o seguinte:
"A respeito de dividas provenientes deste tipo de responsabilidade, exclusivamente
civil, já pode fazer-se a prova de que houve proveito comum para o casal, de molde a fazer
responder o outro cônjuge."
"Não existirá esse proveito no caso de acidente de viação, com culpa objectiva, como é
manifesto, e, portanto, por indemnização assim fixada não responde o outro cônjuge; o mesmo
se diga da culpa "proprio jure dicta".
E em nota acrescenta: isto resulta não só dos princípios do proveito comum, mas
também do disposto no art. 56º, 11, do Cód. da Est., donde flui que, sendo a responsabilidade
exclusiva do cônjuge, a dívida assim criada permite execução com separação de meações.
A dívida resultante do acidente de viação em causa neste processo, (indemnização pedida
pela entidade patronal ao seu empregado pelos danos sofridos em consequência de acidente de
exclusiva responsabilidade deste) implicando responsabilidade meramente civil, não está
abrangida pelos nº 1 e suas alíneas ou 2 do art. 1691º, do Cód. Civil.
Ac. de 6.7.93, Col. STJ 93-I-189

3 - Dívidas que onerem bens próprios (art. 1692º, c)), salvo se por causa
de percepção de rendimentos - 1694º, nº 2, in fine.

4 - Dívidas que oneram liberalidades em exclusivo proveito de um dos


cônjuges (art. 1693º, nº 1).

BENS QUE RESPONDEM PELAS DÍVIDAS

A - DA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS CÔNJUGES - 1695º

Por estas dívidas respondem, em primeiro lugar, os bens comuns.


Na falta ou insuficiência dos bens comuns, respondem (solidariamente -
nº 1, in fine; parciariamente no regime de separação - 1695º, nº 2) por essas
dívidas os bens próprios de qualquer dos cônjuges. E respondem, não apenas por
metade do que falta pagar; cada massa de bens próprios responde, no regime de
comunhão, pela totalidade do que faltar para saldar a dívida.

Os credores podem, assim, agredir indiferentemente o património de qual-


quer dos cônjuges, sem prejuízo das compensações (art. 1697º) a que haja lugar,
entre eles ou os seus sucessores, no domínio das relações internas.

17
Vigorando entre os cônjuges o regime da separação de bens, já não é
solidária (1695º, nº 2) a responsabilidade dos bens próprios de cada cônjuge, a
menos que voluntariamente se tenham obrigado como devedores solidários
perante o credor: na falta de estipulação em contrário, cada um dos cônjuges
responde apenas, com os seus bens próprios, pela parte da dívida que lhe
compete ou pela parte que lhe caiba no pagamento do remanescente, após o
sacrifício dos bens de que ambos sejam contitulares.

B - DA RESPONS. EXCLUSIVA DE UM DOS CÔNJUGES

Respondem, em primeiro lugar, os bens próprios do cônjuge devedor.


Subsidiariamente, responde a meação do cônjuge devedor nos bens comuns -
1696º, nº 1
Extinta a moratória, a responsabilidade subsidiária da meação do
cônjuge responsável processa-se imediatamente.
Pelo que, ao lado dos bens próprios do devedor, o credor pode exe-
cutar imediatamente os bens comuns do casal contanto que o exequente, ao
nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, nos termos e para
os efeitos do art. 825º do CPC.

Ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor respondem os


alinhados nas al. a) a c) do nº 2 do art. 1696º e os depósitos bancários de que o
responsável seja titular porque tais depósitos, em princípio bens comuns, respon-
dem ao mesmo tempo que os seus bens próprios - Col. 92-IV-172.

Como já se disse aquando da penhora, o Tribunal Constitucional, em seu Ac. de


27.9.89, DR, II, de 12.11.98, declarou inconstitucional a aplicação da nova redacção do art.
1696º - extinção da moratória - às execuções pendentes em que foram deduzidos embargos
pelo cônjuge não responsável à penhora de bem comum, por violação do princípio da confi-
ança ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no art. 2º da Constituição.

Por ac. no BMJ 493-116, o mesmo TC julgou imediatamente aplicável a


nova redacção, desde que requerida citação para os termos do art. 825º CPC.
ASPECTOS PROCESSUAIS

Embargos de terceiro do cônjuge e ou separação de bens

Nos termos do art. 825º do CPC


1 - Na execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens
comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do
cônjuge do executado, para requerer a separação de bens.

18
2 - Qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens, ou
juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido
requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados.
3 - Apensado o requerimento em que se pede a separação ou junta a certidão, a
execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao
executado, podem ser nomeados outros que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para a
nova nomeação a partir do trânsito da sentença homologatória.

E consoante o art. 352º do mesmo diploma - embargos de terceiro por


parte dos cônjuges -

o cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender
por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens
comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no
artigo anterior.

Ao cônjuge embargante cabe provar a natureza (própria ou comum) dos


bens penhorados.

Tratando-se de bens próprios, a penhora não pode subsistir, uma vez


que, mesmo quando respondam pela dívida segundo o direito substantivo, não
podiam ser apreendidos sem que o seu proprietário fosse executado.

Tratando-se de bens comuns, em dois casos não pode o cônjuge do


executado embargar:

a) - quando tenha sido requerida a sua citação, nos termos do art. 825º, nº
1 e o executado não tenha bens próprios;
b) - quando a penhora incida sobre bens levados para o casal pelo
executado ou por ele posteriormente adquiridos a título gratuito e sobre os
rendimentos de uns e outros desses bens, ou sobre bens sub-rogados no
lugar deles, ou ainda sobre o produto do trabalho e os direitos de autor do
executado, dado que estes bens, ainda que comuns, respondem ao mesmo
tempo que os bens próprios (art. 1696-2 CC).

Mas os embargos já são admissíveis quando

- por haver bens próprios do executado, não esteja verificado o condici-


onalismo em que actua a responsabilidade subsidiária,
- quando não tenha sido requerida a citação do cônjuge nos termos do art.
825-1; ou
- quando, sendo a dívida comum e havendo título executivo contra ambos
os cônjuges, apenas um tiver sido demandado5.
5
Lebre de Freitas, Acção Executiva, 237 e 238.

19
Não se esqueça que se só um dos cônjuges consta do título executivo
como devedor só esse cônjuge pode ser executado, não podendo executar-se o
cônjuge obrigado no título com base nessa obrigação cartular e o outro com base,
p.e., no proveito comum ou na relação subjacente - 55º, nº 1, do CPC.

Nos termos da norma geral do 55º do CPC, a execução só pode ser intentada contra o
cônjuge subscritor, e só pode pretender-se a penhora dos seus bens próprios. Porém, uma vez
que, segundo a lei civil, os bens próprios do cônjuge executado só respondem subsidia-
riamente, na falta ou insuficiência dos bens comuns, o executado pode opor-se à penhora,
“suscitando questões (...) que obstem (à) imediata penhora de bens que só subsidiariamente
respondam pela dívida exequenda” (art. 863º-A CPC). Para evitar esta oposição, parece que o
credor terá de prescindir do título executivo que já tem e deverá intentar uma acção conde-
natória em que intervenham os dois cônjuges.
Nos termos do novo art. 352º CPC, “o cônjuge que tenha a posição de terceiro pode,
sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens
próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista
no artigo anterior” - P. Coelho, 420

Os embargos de terceiro só podem ser utilizados por quem não seja ou


não tenha sido parte no processo no qual é ordenada a diligência que ofende a
sua posse ou o seu direito sobre os bens (cfr. art. 351º, nº 1). As partes na acção
(executiva) não podem utilizar os embargos de terceiro como meio de impugna-
ção da decisão que ordena a entrega ou a apreensão dos bens.

O art. 1037º, nº 2, 2ª parte, CPC/6l estipulava que "o próprio condenado ou obrigado
pode deduzir embargos de terceiro quanto aos bens que, pelo título da sua aquisição ou pela
qualidade em que os possuir, não devam ser atingidos pela diligência ordenada". Isso
justificava que, por exemplo, o herdeiro executado por uma dívida da herança pudesse
embargar de terceiro, se na execução fossem penhorados bens que não pertencessem à herança
(artº 827º, nº 3, CPC/61).
Na nova versão do Código de Processo Civil a qualidade de terceiro é aferida
exclusivamente pela sua posição processual: só é terceiro aquele que não for parte na
causa em que é ordenada a diligência contra a qual se pretende reagir - (cfr. artº 351º, nº
1). Esta solução também justifica o novo meio de oposição à penhora previsto nos art .
863º-A, al. c), e 864º-B.

Qualquer dos cônjuges pode defender através de embargos de terceiro,


mesmo sem a autorização do outro, os direitos sobre os bens próprios e os bens
comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência ordenada
(art. 352º).
Esta previsão vale tanto para a hipótese em que a diligência é determinada
num processo em que é parte o outro cônjuge, como para a situação em que
essa diligência é ordenada num processo em que é parte qualquer outro
sujeito.

20
Cabem naquela primeira hipótese os casos em que, numa execução
movida contra um só dos cônjuges, são penhorados bens próprios do cônjuge
não executado ou são penhorados bens comuns sem que o exequente peça a
sua citação para requerer a separação de bens (art. 825º, nº 1): em qualquer
destas situações, o cônjuge do executado, que é terceiro relativamente à
execução, pode embargar para defender, no primeiro caso, os seus bens
próprios e, no segundo, os bens comuns.

O art. 825º é aplicável quer ao caso em que a dívida é da exclusiva respon-


sabilidade do cônjuge executado (situação em que respondem pela dívida os bens pró-
prios desse cônjuge e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns, (art. 1696, nº 1,
CC), quer à hipótese em que a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges, mas o
credor apenas possui título executivo extrajudicial contra um deles e, por isso, não pode
penhorar os bens comuns que, em princípio, deveriam responder pela dívida (cfr. artº
1695º, nº 1, CC).
Assim entendida, a solução constante do art. 825º coincide com a proposta, realizada
durante a vigência da anterior versão do Código de Processo Civil, de aplicar, por analogia,
àquela última situação o regime previsto no então artº 825º, nº 2, CPC/67.

Nos termos do art. 864º, nº 1, al. a), 1ª parte, o cônjuge do executado


deve ser citado para a execução se a penhora tiver recaído sobre bens imóveis
que o executado não possa alienar livremente (cfr. artº 1682º-A CC). Nessa
hipótese, o cônjuge do executado deixa de ser terceiro perante a execução e, por
isso, só pode utilizar os meios gerais de oposição à penhora (art. 864º-B; sobre
esses meios, cfr. art. 863º-A e 863º-B).

Uma das alterações importantes trazidas pela reforma da legislação processual civil foi
a nova redacção dada pelo art. 4º, nº 1, do Dec-lei nº 329-A/95 ao art. 1696º, nº 1, CC, da qual
resultou a supressão da moratória forçada de que beneficiava o cônjuge do executado.
Segundo a versão agora revogada do art. 1696º, nº 1, CC, pelas dívidas da responsa-
bilidade do cônjuge executado respondiam os seus bens próprios e, subsidiariamente, a sua
meação nos bens comuns, mas, neste caso, o cumprimento só era exigível depois de dissol-
vido, declarado nulo ou anulado o casamento ou depois de decretada a separação judicial
de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens entre os cônjuges.
Com a revogação da moratória forçada pretendeu-se, sem dúvida, aumentar as hipó-
teses de o exequente obter a satisfação efectiva do seu crédito sobre o cônjuge, embora
sacrificando, em alguma medida, os interesses da família.
Embora a lei não o estabeleça, há que considerar tacitamente revogado o art. 10º
C. Com, que dispensava a moratória quando fosse exigido de qualquer dos cônjuges o
cumprimento de uma obrigação emergente de um acto de comércio.
Com a supressão da moratória na nova versão do art. 1696º, nº 1, CC, pode dizer-
-se que se generalizou o regime que era específico das dívidas comerciais.
Na nova redacção do art. 1696º, nº 1, CC, foi suprimida a moratória, mas continua a
estabelecer-se que, pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, respon-
dem os bens próprios desse cônjuge e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns,

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pelo que o exequente não está inibido de, na falta de bens próprios do cônjuge executado,
nomear à penhora bens comuns dos cônjuges. Só que, nesse caso, incumbe-lhe o ónus de,
conjuntamente com essa nomeação, pedir a citação do cônjuge do executado, para que este
requeira a separação de bens (art. 825º, nº 1).
Qualquer dos cônjuges deve requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens ou juntar
certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob
pena de a execução prosseguir nos bens penhorados (art. 825º, nº 2).
Apensado o requerimento ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha;
se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser nomeados outros que
lhe tenham cabido (art. 825º, nº 3)6.

O processo desta separação de bens ou partilha especial é regulado no art. 1406º do


CPC, que tem de característico maior intervenção do credor ou exequente.

Já se decidiu que

I - O direito de o exequente nomear bens à penhora por falta de nomeação do


executado, não está sujeito a qualquer prazo.
II - O pedido de citação do cônjuge do executado, para efeito de imediata penhora de
bens comuns do casal, é simples condição do exercício desse direito, previsto no artigo 825º,
n.º 2, do Código de Processo Civil.
III - O indeferimento do requerimento dessa penhora ou a anulação da penhora efec-
tuada, por oposição do executado ou na procedência de embargos de terceiro deduzidos pelo
cônjuge, com o fundamento de não ter sido feito aquele pedido de citação, não impedem o
exequente de, na mesma execução, requerer nova nomeação dos mesmos bens à penhora,
acompanhada do pedido de citação - BMJ 433-490, ac. de 8.1.94.

A redacção do actual nº 1 do art. 825º é, nesta parte, igual à do antigo nº 2 da mesma


norma: contanto que ...
Parece, pois, que a válida penhora de bens comuns do casal depende de tal requeri-
mento de citação, embora nada impeça o exequente de, emendando a mão, proceder a nova
nomeação à penhora com o devido requerimento de citação, sujeitando-se, no entanto, às
consequências processuais entretanto veri-ficadas (embargos ou oposição do cônjuge não
devedor ou terceiro).
Desistindo, porém, o exequente da ilegal penhora, restarão inúteis os meios de defesa
entretanto usados.
Neste sentido - o de que a omissão do requerimento de citação não impede o
exequente de proceder a nova nomeação dos mesmos bens ou, por simples requerimento, pedir
a citação do cônjuge, sendo inútil nova nomeação de bens - pode ver-se a vigorosa defesa de
A. Castro, em Acção Executiva, 1970, 110 e 111:
- a nomeação de bens não está sujeita prazo, pelo que pode sempre renovar-se tal acto,
se nulo;
- a extinção da execução só tem lugar com o pagamento integral do exequente;
- nenhum direito substantivo se perde pelo seu mau ou irregular uso em juízo, nem
mesmo nos casos de absolvição de instância.

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T. de Sousa, Estudos...,188 e 621.

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Porto, Dezembro de 2.001

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