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TRIBUNAL POPULAR SUPREMO

ACÓRDÃO

PROC. N.º 47/92

NA CÂMARA DO CÍVEL E ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL


POPULAR SUPREMO, EM NOME DO POVO, ACORDAM:

Na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda


veio BEATRIZ ALBANO BONGO DO NASCIMENTO, casada,
vigilante do Centro Infantil Kikalanga, propôr Acção de divórcio
litigioso contra seu marido JOSÉ ALVES DO NASCIMENTO,
ajudante de escrivão da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal
Provincial de Luanda, pedindo que fosse "decretado o divórcio dos
cônjuges, atribuindo-se a residência familiar à Autora".

Citado, o Réu veio deduzir oposição e reconvir, onde confirma que


Autora e Réu estão separados há mais de cinco anos, mas contesta
o direito ao arrendamento da residência conjugal, requerido pela
Autora, pedindo que fosse decretado o divórcio e condenada a
Requerente no pagamento das Custas e Procuradoria.

Em resposta à reconvenção veio a autora apresentar réplica, onde


manteve tudo quanto alegou no articulado inicial, reafirmando o
pedido.

O Réu veio aos autos deduzir tréplica que, por inadmissibilidade legal
nos termos da Lei aplicável (artigo 6.º da lei 1/88), foi arguida pela
Autora e oportunamente diferida pelo Juiz "a quo", após notificação
à parte contrária.

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Posteriormente foi efectuada audiência preparatória, para tentativa


de conciliação das partes, o que não foi possível realizar-se devido à
ausência do Réu e do seu mandatário, tendo o processo prosseguido
sob a forma de divórcio litigioso.

Foi proferido o despacho saneador que não conheceu qualquer


reclamação nem recurso.

Procedeu-se à discussão e julgamento da causa, findo o qual foram


respondidos os factos quesitados e proferida sentença na qual foi
julgada provada e procedente a acção, pelo que foi decretado o
divórcio entre os cônjuges e atribuída a residência familiar à Autora.

Da decisão final interpôs recurso o Réu, por não se conformar com o


decidido, requerendo que o mesmo fosse admitido como de agravo
e com efeito suspensivo, o que foi admitido pelo Juiz "a quo", em
despacho proferido a fls. 78.

O recorrente apresentou alegações - fls. 81 e seguintes - tendo a


recorrida contra-alegado, a fls. 84 e seguintes.

Nas contra-alegações apresentadas pela recorrida foi arguida a


espécie de recurso, atento o disposto no artigo 691.º do C.P.Civil.

Apesar de constatado o erro e porque se esgotou o poder


jurisdicional do Juiz "a quo", com o despacho de admissão do recurso
nesta Câmara, foi suscitado pelo relator, como questão prévia, o erro
na espécie de recurso pelo que foi a mesma alterada para a espécie
de apelação, por Acórdão proferido a fls. 106.

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Seguidamente foram os autos ao visto do digno representante do M.


Público que nada requereu e dos Juízes Conselheiros Adjuntos, pelo
que tudo visto cumpre decidir.

No presente recurso o réu JOSÉ ALVES DO NASCIMENTO, ora


Apelante, unicamente veio impugnar a parte decisória respeitante à
atribuição da residência familiar à Autora, ora Apelada.

A sua anuência ao pedido de divórcio formulado pela Apelada, não


ofereceu quaisquer dúvidas desde a apresentação da sua
contestação e reconvenção à petição inicial, a fls. 19 e 20, onde o
mesmo no artigo 1.º enunciava que "é verdade que estão
efectivamente separados de facto há cinco anos".

Nesse sentido, isto é, revelando que a vida conjugal tinha perdido


sentido, Apelante e Apelada haviam já procedido à regulação do
poder paternal, através de acordo homologado por sentença do
extinto-Tribunal de Menores proferida aos 10 de Fevereiro de 1989,
portanto, antes ainda, da propositura da presente acção.

Nessa Instância foi ainda decidido que a residência familiar ficasse


com a mãe, uma vez que a ela lhe haviam sido confiadas as cinco
crianças menores, resultantes da vida conjugal.

Muito embora tal decisão contrariasse a jurisprudência do então


Tribunal da Relação sobre a matéria, que entendia não ser o
processo especial de regulação do poder paternal a sede própria
para decidir tão delicada questão, como é o do direito à atribuição do
arrendamento da residência familiar, mas sim no âmbito das relações
entre os cônjuges e por isso estar o Tribunal de Menores desprovido
da Competência para apreciar e decidir tal matéria, apesar do
disposto no n.º 2 do artigo 97.º do Estatuto da Assistência
Jurisdicional aos Menores, aprovado pelo Decreto n.º 417/71, não
deixa de ser relevante tal facto, para apreciação do caso "sub judice".

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O réu ora Apelante, tanto na contestação à petição inicial como nas


alegações veio impugnar a atribuição do direito do arrendamento da
residência familiar à Apelada, porque, no seu entender, a nenhum
dos dois correspondia a qualidade ou posição de arrendatário na
casa em que o casal e respectivos filhos habitavam.

Para provar tal entendimento, veio o Apelante juntar aos autos a


fls.21 fotocópia autenticada de título de ocupação da referida
residência, sita na rua João das Regras n.º 117-B-1º, que conferia o
direito de arrendamento a Paulo José do Nascimento Júnior, irmão
do Apelante.

Mais alega o Apelante que o casal não se encontrava arrolado na


lista de familiares que com o titular do arrendamento viviam,
conforme se pode constatar da leitura do referido documento junto
aos autos, pelo que conclui "que não há atribuição de direito ao
arrendamento porque o casal nunca teve residência conjugal. Assim,
segundo alegação do Apelante a fls. 81 e 82 "...o irmão do Agravante,
(ora Apelante) o arrendatário, para não sentir-se sozinho, entendeu
manter o casal em sua companhia, na sua casa, temporariamente
até que arranjassem a residência conjugal" pelo que ajuíza o mesmo
que " o gesto humano e de harmonia familiar (o Apelante e sua
família) os torna incurso no artigo 72.º n.º 1 alínea a) da Lei do
inquilinato".

Quanto aos factos alegados e reproduzidos, a Apelada, em contra-


alegações apresentadas a fls. 84 e seguintes, refere que "desde a
altura do casamento que o casal vivia nesta cidade no bairro S. Paulo
-ex rua Dr. João das Regras n.º 117-B 1º - hoje Gil da Liberdade.
Sempre foram pagas as respectivas rendas. Por acordo de
10/2/1989, devidamente homologado no Tribunal de Menores - fls.11,
o agravante aceitou que a agravada passasse a residir na referida
morada, no prazo de 3 meses com os filhos de onde os havia
expulso". Mais alega a Apelada que o casal vivia na casa em questão
há mais de dez anos e que só na presente acção viria o Apelante
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invocar, após o aludido acordo, que o arrendatário era Paulo José do


Nascimento Júnior.

Efectivamente, o título de ocupação da residência em litígio, foi


passado em 22 de Março de 1977, pelo Instituto Nacional de
Habitação, enquanto gestor do património imobiliário de Estado, a
favor de Paulo José do Nascimento Júnior que, segundo o Apelante,
é seu irmão.

Portanto, na altura do acordo de regulação do poder paternal haviam


já transcorridos quase doze anos e não colhe sentido que o Apelante
conhecedor da situação jurídica e factual da residência não se
tivesse reportado à mesma, aliás, tal como a própria Apelada, caso
se tivesse mantido a presença do primitivo arrendatário na casa, ao
longo dos anos de vivência comum do casal.

Muito embora, pelas razões já aduzidas, a referida decisão do ex-


Tribunal de Menores sobre a atribuição da residência familiar seja
desprovida de valor jurídico, para efeito de execução, não restam
dúvidas de que constitui importante elemento de prova de que
Apelante e Apelada consideravam ser aquela a residência conjugal
e por isso acordaram na sua atribuição à ora Apelada, para que nela
vivesse e cuidasse da educação e desenvolvimento dos filhos do
casal.

A Apelada alegou que periodicamente o casal procedia ao


pagamento das rendas, facto esse não constatado pelo Apelante,
agindo por isso o casal como se de direitos arrendatários se tratasse.

O que parece ter sucedido, a exemplo do que tantas vezes aconteceu


e vem acontecendo no País, devido à grande carestia de habitações,
é que o primitivo arrendatário, familiar do Apelante terá sub-locado a
residência ao casal que ali permaneceu, longo tempo, onde

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nasceram e criaram alguns dos seus filhos, até que a união conjugal
se viu comprometida, decidindo-se os mesmos pôr fim à mesma.

A Apelada não apresentou provas de que o primitivo inquilino tivesse


abandonado a casa e ao contrário do que seria de esperar o Juiz "a
quo" não quesitou a titularidade do direito ao arrendamento da casa
em litígio, como questão controvertida no âmbito do pedido que foi
efectuado pela autora, ora Apelada, na petição inicial e
posteriormente contestada na reconvenção.

Por isso e porque não se acham reunidos os elementos de prova


suficientes para decisão sobre atribuição do direito de arrendamento,
são as partes remetidas para o fazerem em acção própria, bem como
o eventual primitivo arrendatário, caso se ache em condições de
poder fazer prevalecer o seu direito.

Porém, não nos restam dúvidas face ao comportamento do casal,


aquando do acordo de regulação do poder paternal, bem como as
declarações das testemunhas, de que o casal tinha até ao momento
em que decidiram pôr fim à vida em comum, a residência, ora em
litígio, como residência conjugal.

Assim e independentemente da titularidade do direito ao


arrendamento desde já se reconhece o direito à Apelada a manter a
ocupação da casa a quem foi confiada a guarda e educação dos
filhos do casal, até que seja decidida, em definitivo a titularidade do
arrendamento.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos se concede


parcial provimento ao recurso pelo que se decide reconhecer a
ocupação da residência, em litígio, à Apelada, uma vez que não
se acham reunidos os elementos probatórios para que se possa
decidir sobre a atribuição da titularidade do arrendamento, o
qual deverá ser resolvida em acção própria.

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Custas pela Apelante e Apelado.

Luanda, aos 26 de Junho de 1992.

Rui António da Cruz (relator)


Maria do Carmo Medina
Belchior Samuco

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