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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000834121

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1000025-16.2015.8.26.0084, da Comarca de Campinas, em que é apelante
DICKERSON PEREIRA, são apelados EDER CELIO FERNANDES e
NUCIMARA DOS SANTOS FERNANDES.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 38ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto da relatora, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores SPENCER


ALMEIDA FERREIRA (Presidente) E MARIO DE OLIVEIRA.

São Paulo, 13 de outubro de 2021.

ANNA PAULA DIAS DA COSTA


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação nº 1000025-16.2015.8.26.0084
Apelante: Dickerson Pereira
Apelados: Eder Célio Fernandes e outro
Ação: Interdito proibitório
Origem: 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Mimosa
Juiz de 1ª instância: Dr. Egon Barros de Paula Araújo
Voto nº 0674

INTERDITO PROIBITÓRIO. Turbação na posse


comprovada. Direito à manutenção na posse, previsto no
artigo 1.210 do Código Civil. Demonstrado pelos autores
o cumprimento dos requisitos do artigo 561 do CPC.
Provada a ameaça à posse e o justo receio dos autores,
deve ser garantida a manutenção dos mesmos no local,
mesmo porque o réu jamais exerceu a posse do imóvel.
Precedentes. Sentença mantida. RECURSO
DESPROVIDO.

Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fls.


304/307, cujo relatório se adota, que julgou procedente os pedidos
iniciais, não integrada pelos embargos de declaração opostos pelo réu
foram rejeitados (fls. 310/319 e 335).

Busca-se a reforma da sentença porque: a) os autores não


provaram qualquer vício do consentimento no compromisso de compra e
venda firmado entre as partes; b) a posse dos apelados tornou-se
ilegítima a partir do não cumprimento da avença; c) fez boletim de
ocorrência antes de firmar o compromisso de compra e venda para
caracterizar o esbulho da posse; d) a ação perdeu o objeto porque os
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autores não residem mais no local; e) foi feita a transferência do bem há


11 anos atrás; f) é vedado pleitear direito alheio em nome próprio; g) os
apelados ganharam tempo com o ajuizamento da presente ação, apenas
para impedir o sua posse; h) pleiteou o deferimento da gratuidade
judiciária (fls. 338/347).

Tempestiva e preparada, vieram aos autos contrarrazões


(fls. 368/371).

Não houve oposição ao julgamento virtual.

É a síntese do necessário.

Trata-se de ação de interdito proibitório que foi julgado


procedente, para determinar ao réu que se abstenha de turbar a posse dos
autores no imóvel localizado à Rua Dra. Kazzue Panetta, nº 19, Jardim
Sul América, Campinas/SP, sob pena de incidência de multa diária de
R$.100,00. A reconvenção apresentada pelo réu foi rejeitada e este foi
condenado, por ambas as demandas, ao pagamento das custas, despesas
processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da
causa.

Consta da petição inicial que em maio de 2013 os autores


firmaram compromisso de compra e venda do lote no referido endereço,
com Luiz de Oliveira Ferreira e Elias Soares Leandro, e pagaram pelo
bem R$.45.000,00. Ocorre que os compromitentes vendedores nunca
lhes forneceram a escritura definitiva do bem. No lugar, entregaram-lhes

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o documento de fls. 29/31, referente Compromisso de Compra e Venda


de três lotes no Loteamento Jardim Sul América, com as seguintes
medidas: lote nº 15, quadra “Q”, com 300 m², lote nº 46, quadra “J”,
com 315 m² e lote nº 02, quadra “Q”, com 300 m², este último objeto da
presente ação. O instrumento teria sido firmado em 15.04.1993 entre, de
um lado Paulo Lot e Luiz Raphael Lot e esposas e de outro o autor Eder
Célio Fernandes.

Ademais, como contrato não correspondia ao firmado


entre as partes, os autores insistiram na apresentação do documento
correto o qual, entretanto, nunca foi entregue pelos vendedores.

Consta dos autos que em fevereiro de 2014 iniciaram a


construção da casa no lote nº 02, quadra “Q”, que foi devidamente
demarcado por topógrafo, passaram a pagar o IPTU, promoveram a
instalação de água no local e desde então lá residem com quatro filhos e
uma neta.

Acrescentam que em 17.11.2014 sofreram ameaça de sua


posse pelo réu, quando compareceram em sua residência dois prepostos
do réu, o novo proprietário do terreno, obrigando-os a desocupar o
imóvel.

Sob ameaça de passar um trator sobre a casa, em


10.02.2015 os demandantes entabularam compromisso de compra e
venda do imóvel com o réu pelo valor de R$.142.732,88, para
pagamento de 216 parcelas de R$.665,43, sendo certo que este valor se

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refere a 50% do lote (fls. 33/36).

Ante o notícia que o réu também teria adquirido outros


imóveis vizinhos, cujos moradores também haviam sido instados pelo
mesmo a desocupar o local, resolveram promover esta ação.

Foi indeferido o pedido liminar (fls. 69). Citado, o réu


apresentou contestação e reconvenção (fls. 103/117).

Foram ouvidas testemunhas dos autores e do réu em


audiência, cuja conciliação entre as partes restou infrutífera (fls.
155/160).

Depois de apresentadas alegações finais, foi proferida


sentença que julgou improcedente os pedidos dos autores e parcialmente
procedente a reconvenção para declarar a rescisão do contrato firmado
entre as partes e conceder a reintegração de posse ao réu/reconvinte (fls.
186/192).

A r. sentença foi declarada nula por esta C. Câmara. Isso


porque o magistrado, ao sentenciar o feito, fundamentou sua decisão em
questões de propriedade, quando o pedido versa sobre direitos
possessórios. Por esta razão, o processo deveria seguir o rito previsto nos
artigos 567 e 568 do CPC, nos termos delimitados na petição inicial (fls.
220/223).

O Recurso Especial interposto pelo réu não foi admitido

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(fls. 281/282). Remetidos os autos à primeira instância, após


apresentadas as alegações finais pelo réu, foi proferida a sentença objeto
do presente recurso.

O r. decisum não comporta reforma.

Diz o artigo 1.210 do Código Civil:

Art. 1.210. “O possuidor tem direito a ser mantido na posse


em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de
violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”.

Na hipótese, os autores cumpriram os requisitos do artigo


561 do CPC, in verbis:

Art. 561. “Incumbe ao autor provar:


I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de
manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração”.

Senão, vejamos.

Os autores comprovaram a posse no lote nº 02, quadra


“Q”, do Loteamento Jardim Sul América, correspondente ao endereço à
Rua Dra. Kazzue Panetta, nº 19, Jardim Sul América, Campinas/SP,
matriculado sob o nº 213.890 do 3º Registro de Imóveis da Comarca de
Campinas, desde de maio de 2014, quando deram início à construção de
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sua casa no local.

Destaca-se que o laudo de demarcação do terreno (fls.


40), recibos de execução de terraplanagem (fls. 41), construção do
imóvel (fls. 42), pedido de ligação de água e sua instalação (fls. 51/56),
compra de material de construção (fls. 57 e 59), execução do muro de
arrimo (fls. 58), todos datados do ano de 2014, provam que os autores
residem no imóvel fotografado às fls. 63/68.

A turbação da posse e a data da mesma estão


comprovadas por meio do boletim de ocorrência nº 245294/2015,
lavrado aos 25.02.2015, onde o autor Eder noticia a ameaça feita pelo
réu de passar o trator em sua residência (fls. 60/62).

Os depoimentos das testemunhas inquiridas em


contraditório realizada em 15.05.2018, também comprovam a posse dos
autores no imóvel desde 2013 e a posterior turbação realizada por
prepostos do réu.

Valdeir Pinhelli, arrolado pelos autores, afirmou o


seguinte (fls. 156), in verbis:

(...)
O depoente está no bairro desde 1999. Os autores chegaram
lá em 2013. Foram eles mesmos quem construíram a casa
onde moram. Não sabe quem era o possuidor do terreno antes
dos autores, nem de quem eles teriam comprado. (...) Sabe
por comentários que o réu ameaçaria pessoas que

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invadiram terrenos que ele teria comprado. As ameaças


consistiriam em passar trator para derrubar muros,
coisas assim. (g. n.)

Dione Gleen de Carvalho, também testemunha dos


autores, narrou (fls. 157):

(...)
A depoente é vizinha dos autores e comprou seu lote do
requerido. Os autores chegaram lá depois da depoente, em
2013. Pelo que sabe, eles também compraram do requerido.
Esclarece a depoente que certa vez foi procurada por um
rapaz que dizia agir em nome do réu a ameaçando, dizendo
que iria passar um trator. (...) foi dito que sabe que os
autores sofreram as mesmas ameaças, feitas por um
senhor alto, salvo engano de nome Silva, a serviço do réu.
(g. n.)

E Daniel Diniz Peres Silva, testemunha do réu, também


confirmou a posse dos autores no imóvel desde 2013 (fls. 159), in
verbis:

(...)
O depoente trabalha para o requerido realizando serviços de
cobrança. Nessa qualidade, conheceu o autor, tendo-lhe
avisado que a ocupação dele era ilegal, pois o lote pertencia
ao requerido, mesmo assim, ele continuou a obra. Isto
ocorreu acerca de 5 anos atrás. (g. n.)

A alegação do apelante de que os autores não residem no


local há mais de 11 anos não procede e, sequer foi provada. Ao
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contrário, as testemunhas ouvidas em 15.05.2018 na audiência,


confirmam que os autores estão no local desde 2013.

Seguindo as determinações desta C. Câmara no


julgamento da apelação (fls. 220/223), o Juízo de primeiro grau
reconheceu a melhor posse do autor e a este respeito afirma o seguinte
(fls. 306):
(...)
“De fato, o autor está na posse do imóvel desde 2014 e,
mesmo que conteste o documento assinado por ele próprio
(alegando que o firmou sob coação), referido documento
legitima a posse exercida por ele”. (g. n.)

Esta questão mencionada pelo magistrado diz respeito ao


Compromisso de Compra e Venda de (50%) do Lote Parcelado firmado
entre as partes em 10.02.2015, do imóvel objeto dos autos (fls. 33/36).

Como já decidido por esta C. Câmara, a questão versada


nos autos deve ser tratada nos termos dos artigos 567 e 568 do CPC e,
por isso, refere-se apenas à posse, e não à propriedade, matéria que está
controvertida e deverá ser tratada por meio da ação judicial cabível.

Importa relevar, todavia, que o imóvel foi


compromissado à venda pelos vendedores Luiz Raphael Lot Junior, Luiz
Carlos Lot e suas esposas, constituindo como mandatário Dickerson
Pereira, instrumento de procuração que não acompanha o contrato. No
verso do documento (fls. 36), há uma ressalva, escrita à mão, de que o
mandatário assina o contrato porque a propriedade do imóvel já seria

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sua, desde o registro na matrícula imobiliária, em 22.07.2014 (fls.


37/38).

De todo modo, provada nos autos a ameaça à posse e o


justo receio dos autores, deve ser garantida a manutenção dos mesmos
no local, mesmo porque o réu jamais exerceu a posse do imóvel.

Sobre o tema, confira-se:

INTERDITO PROIBITÓRIO Indicativos de ameaça à posse


do imóvel dos autores (artigos 1.210, caput, do Código Civil
e 567 do CPC) Ausência de impugnação específica aos
argumentos da inicial Questão a envolver eventual nulidade
de contrato de cessão que será discutida na via adequada
Sentença de procedência mantida Recurso desprovido.
(Apelação Cível nº 1020862-37.2021.8.26.0002, 15ª Câmara
de Direito Privado, Relator Vicentini Barroso, j. em
01/10/2021).

Interdito proibitório. Alegação de ameaça à posse da autora.


Liminar deferida. Cerceamento de defesa afastado. Posse da
autora comprovada. Ameaça e justo receio comprovados.
Honorários que devem ser fixados pelo critério da equidade.
Recurso parcialmente provido. (Apelação Cível nº
1000118-39.2019.8.26.0536, 13ª Câmara de Direito Privado,
Relator Cuduro Padin, j. em 15.09.2021).

Nessa quadra a r. sentença deve ser confirmada pelos


seus próprios e bem deduzidos fundamentos, os quais ficam inteiramente
adotados como razão de decidir pelo desprovimento do recurso, nos
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termos do art. 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de


Justiça.

Diante do deslinde dado ao recurso, majoro os honorários


advocatícios em favor da parte apelada em 5,0% (cinco por cento),
fixando a verba devida pela parte apelante em 15% (quinze por cento)
sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 11º, do
Código de Processo Civil.

Ex positis, pelo meu voto, NEGA-SE PROVIMENTO


ao recurso.

Por fim, consideram-se prequestionadas e não ofendidas


todas as normas jurídicas reportadas no curso do feito.

ANNA PAULA DIAS DA COSTA


Relatora

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