JULGADA PROCEDENTE. APELO DO RÉU. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA NÃO CARACTERIZADA. PRELIMINARES AFASTADAS. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE POSSE MANSA, PACÍFICA E DE BOA-FÉ. IRRELEVÂNCIA. DEMANDA VISANDO À CONCESSÃO DA POSSE AO DETENTOR DO TÍTULO DO DOMÍNIO. AUTOR PORTADOR DO TÍTULO DO DOMÍNIO. RÉU SEM TÍTULO. POSSE INJUSTA CONFIGURADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. RECURSO DESPROVIDO. Não há cerceamento de defesa por falta de intimação do réu sobre a juntada, pelo autor, de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, sobretudo quando o recurso foi interposto pelo próprio réu. É legítimo para o polo passivo de ação de imissão de posse quem detém a posse do bem em litígio. "A ação de imissão de posse tem como objetivo conferir a posse de propriedade a quem nunca teve, desde que possua como fundamento o título aquisitivo do imóvel" (Des. Jaime Ramos). A configuração da litigância de má-fé de que trata o artigo 17 do Código de Processo Civil depende da presença concomitante dos elementos objetivo e subjetivo: o primeiro consiste no dano processual de má-fé, repousante no efetivo prejuízo causado à parte contrária; o segundo consiste no dolo ou na culpa grave da parte maliciosa, cuja prova há de ser efetiva, não se admitindo a mera presunção.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2009.030708-0, da comarca de Balneário Camboriú (3ª Vara Cível), em que é apelante Adelino Campigotto e apelado Mário Aparecido Leite Cangusu Prates: ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, desprover o recurso. Custas legais.
RELATÓRIO
Adelino Campigotto apela de sentença da doutora Juíza de Direito da 3ª
Vara Cível da comarca de Balneário Camboriú que, em ação de imissão de posse, movida contra ele por Mário Aparecido Leite Cangusu Prates, julgou o pedido procedente em parte, imitindo o autor na posse do apartamento n. 202 e do box de garagem do Edifício Pipeline, situado em Balneário Camboriú. O apelante suscita preliminares de cerceamento de defesa, de ilegitimidade passiva e de carência de ação. Alega, ainda, haver conexão entre esta ação e o Agravo de Instrumento n. 2008.008113-8, assim como com a Ação de Reintegração de Posse n. 005.08.001559-4, razão por que requer sua reunião. No mérito, diz que o apelado não contava com título inquestionável, a respeito do imóvel, na ocasião do aforamento desta ação. Insiste em que o autor ingressou, sub-repticiamente, no imóvel objeto desta ação, ou seja, sem a competente autorização do possuidor e sem ordem judicial que o imitisse na posse do bem, havendo, pois, praticado esbulho. Por estas razões, requer a anulação da sentença ou sua reforma, visando à improcedência do pedido. Requer, finalmente, a condenação do apelado por litigar de má-fé. O apelado contra-arrazoou, requerendo a manutenção da sentença.
VOTO
É apelo de Adelino Campigotto de sentença da doutora Juíza de Direito
da 3ª Vara Cível da comarca de Balneário Camboriú que, em ação de imissão de posse, movida por Mário Aparecido Leite Cangusu Prates, julgou o pedido parcialmente procedente. A preliminar de cerceamento de defesa não pode vingar, ainda que o apelante entenda que houve a juntada de documento novo ao processo, do qual não foi ele intimado a manifestar-se. Contudo, nos termos do artigo 398 do Código de Processo Civil, não houve aludido cerceamento, pois se extrai do processo juntado, pelo autor, de decisão proferida no Agravo de Instrumento n. 1.062.003, interposto pelo próprio réu no Superior Tribunal de Justiça, como também da cópia da certidão de trânsito em julgado de referida decisão. Dessa forma, conclui-se que o réu já tinha conhecimento do conteúdo de ambos os documentos, que além do mais são públicos, não havendo razão para acolher-se o alegado cerceamento de defesa. Assim, afasta-se a preliminar aventada. O apelante suscita, ainda, preliminar de ilegitimidade passiva, alegando
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que esta ação deve ser proposta contra o vendedor do imóvel, a construtora Zain. Entretanto, não tem razão, pois a ação de imissão de posse deve ser ajuizada pelo proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário. Todavia, o apelante confessa estar de posse do imóvel, razão por que ocupa, legitimamente, o polo passivo da demanda. No tocante ao pedido de conexão desta ação com o Agravo de Instrumento n. 2008.008113-8 e a Ação de Reintegração de Posse n. 005.08.001559-4, também não pode prosperar, pois, tanto a ação de reintegração de posse quanto o recurso de agravo de instrumento já transitaram em julgado, com os pedidos do réu tendo sido julgados improcedentes em ambas as contendas. A preliminar de carência de ação confunde-se com o mérito deste processo, razão por que a análise deverá dar-se conjuntamente. No mérito, o apelante quer a reforma da sentença porque o autor não ostenta o título de propriedade do imóvel. Na verdade, a sentença, subscrita pela doutora Dayse Herget de Oliveira Marinho, é de ser mantida integralmente, por seus próprios fundamentos, tanto que me louvo de seus termos, integrando-os a este voto. Disse Sua Excelência: Na hipótese, apesar de não haver o registro da propriedade do bem no Ofício Imobiliário, o autor detém título idôneo à transferência do domínio, qual seja, a sentença homologatória do acordo entabulado nos autos da execução de título extrajudicial nº 9517/99, que tramitou perante o 6º Juízo de Direito da Comarca de Cuiabá-MT. Colhe-se dos autos que o autor ingressou com a mencionada execução em face de Zain Engenharia Planejamento e Construções Ltda. e Álvaro Luiz Zain, tendo havido transação, pela qual os executados deram em pagamento da dívida, entre outros, o apartamento nº 202 e box de garagem do Edifício Pipeline, localizado nesta cidade (fls. 51/53). O acordo foi homologado por sentença, que transitou em julgado em 24/10/2002, conforme certidão de fls. 424/425. O réu ingressou então com ação anulatória, objetivando desconstituir o acordo formulado, que foi julgada improcedente em primeiro grau (fls. 16/32) e confirmada em grau de recurso (fls. 41/50). Inconformado, o réu interpôs recurso especial que, no entanto, não foi admitido, conforme se colhe da decisão de fl. 435, com trânsito em julgado em 18/08/2008. Desta feita, tornou-se definitiva a sentença prolatada nos autos da ação anulatória que rejeitou a pretensão do réu no sentido de invalidar o acordo havido entre o autor e a construtora do Edifício. Por conseguinte, permanece hígido o acordo homologado judicialmente que conferiu ao autor a propriedade do imóvel em cuja posse pretende imitir-se, apesar de, como dito, ainda não ter havido o registro do título no álbum imobiliário. Nesse aspecto, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu que a propriedade do autor da imissão de posse seja aferida com base em outros documentos que não a matrícula do imóvel, conforme se infere do seguinte precedente: "RECURSO ESPECIAL - IMISSÃO NA POSSE - PROVA DA PROPRIEDADE - INÉPCIA DA INICIAL – CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO - NULIDADE SANADA - SUSPENSÃO DA AÇÃO - DESNECESSIDADE. 1. Em regra, o autor da ação de imissão na posse deve provar, com a inicial, a
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propriedade do imóvel. 2. Contudo, é lícito ao juiz extrair dos elementos dos autos sua convicção, tanto mais, quando o réu não reclama contra a falta da certidão de registro do imobiliário. 3. A juntada posterior dos documentos comprobatórios da propriedade deve ser admitida, especialmente quando já se passaram vários anos desde a propositura da ação. 4. Mera existência de ação anulatória de alienação do imóvel questionado não suspende ação de imissão na posse" (RECURSO ESPECIAL Nº 254.458 – RJ. J. em 22.02.2005). Ressalta-se que o réu, na contestação, não se insurge especificamente quanto à inexistência do registro da propriedade na matrícula do imóvel, limitando-se a sustentar a pendência da ação que discutia a validade do acordo. Por esse motivo é que na audiência de conciliação as partes concordaram em sobrestar este feito até o julgamento do Recurso Especial interposto. Assim, tenho que suficientemente demonstrado que o autor é proprietário do imóvel em questão. Além disso, o bem está perfeitamente delimitado e, com o trânsito em julgado da sentença proferida na ação anulatória, a posse do réu passou a ser injusta, estando presentes, assim, os requisitos necessários à procedência do pedido de imissão (fls. 437-443). Assim, não se pode dizer, tal como observou a eminente Magistrada, que o autor não ostenta prova da propriedade do imóvel, pois, ao contrário, possui ele essa prova, conforme acordo escrito, celebrado com a construtora Zain e judicialmente homologado. Acerca do tema colhe-se da jurisprudência deste Tribunal: A ação de imissão de posse, embora excluída do texto legal do Código de Processo Civil em vigor, é aceita atualmente pela sistemática processual na forma da ação ordinária. A ação de imissão de posse tem como objetivo conferir a posse de propriedade a quem nunca teve, desde que possua como fundamento o título aquisitivo do imóvel (Ap. Cív. n. 2004.004412-7, de Içara, rel. Des. Jaime Ramos, j. 20-02-2008). Por isso, houve-se com acerto a Dra. Juíza de Direito ao julgar procedente o pedido do autor para imitir-se na posse do imóvel objeto da lide. De outro lado, a alegação do apelante de que o autor esbulhou-lhe a posse, a questão já foi dirimida na Ação de Reintegração de Posse n. 005.08.001559-4, aforada pelo réu contra o autor, cujo recurso foi julgado por esta Câmara em 11-3-2010, por acórdão de minha relatoria assim ementado: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ATO DECORRENTE DE DECISÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE ESBULHO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. RECURSO DESPROVIDO. "Contra atos judiciais não cabe a manutenção, mas embargos e meios próprios de defesa" (J. M. de Carvalho Santos) (Ap. Cív. n. 2008.054051-5, de Balneário Camboriú, j. 11-3-2010). Assim, não cabe discutir, nesta ação, eventual esbulho praticado pelo réu, pois esta Câmara reconheceu a inexistência de esbulho, tendo a decisão transitado em julgado. Finalmente, pretende o apelante a aplicação das penas de litigância de
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má-fé ao apelado, mas não tem razão. Para a caracterização da lide temerária, a que se refere o artigo 17 do Código de Processo Civil, há necessidade da presença, coeva, dos elementos do tipo, o objetivo e o subjetivo. O primeiro consubstanciado no dano processual evidenciado e o segundo, ou elemento subjetivo, revelado no dolo ou na culpa grave da parte maliciosa. Essa prova há que ser feita, efetivamente, não podendo ser aquilatada com base na presunção. Esta é a orientação do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECONHECIMENTO. PRESSUPOSTOS. I – Entende o Superior Tribunal de Justiça que o artigo 17 do Código de Processo Civil, ao definir os contornos dos atos que justificam a aplicação de pena pecuniária por litigância de má-fé, pressupõe o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade (REsp n. 418.342/PB, rel. Min. Castro Filho, j. 11-6-2002). À míngua de tais requisitos afasta-se a litigância de má-fé. Assim, em face de todo o exposto, voto pelo conhecimento e desprovimento do recurso do réu Adelino Campigotto.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, por votação unânime, conheceram do
recurso e negaram-lhe provimento. O julgamento foi realizado no dia 14 de outubro de 2010 e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Nelson Schaefer Martins (Presidente) e Henry Petry Junior. Florianópolis, 20 de outubro de 2010.
Ação anulatória de execução de imóvel extrajudicial - anulação de procedimento cartorial para retomada de imóvel de acordo com a lei de alienação fiduciária.docx