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Superior Tribunal de Justiça

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.913.775 - RJ (2021/0179270-0)

RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE DO STJ


AGRAVANTE : REINALDO SANTOS OLIVEIRA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
AGRAVADO : NILZA PINHEIRO DE ATHAYDE LIEH - ESPÓLIO
REPR. POR : BRUNA OLIVEIRA LIEH - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : CARLOS FERNANDO FILGUEIRAS MACEDO DA SILVA -
RJ145829
EDUARDO DE AZEREDO NETO - RJ228341

DECISÃO

Cuida-se de agravo apresentado por REINALDO SANTOS OLIVEIRA


contra a decisão que não admitiu seu recurso especial.

O apelo nobre, fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea "a", da CF/88,
visa reformar acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO, assim resumido:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE


POSSE. CESSÃO DE DIREITOS. POSSE TRANSMITIDA POR
MEIO DE COMODATO. POSTERIOR MANIFESTAÇÃO
INEQUÍVOCA PELO CEDENTE PELO TÉRMINO DO
CONTRATO. POSSE QUE SE TORNOU INJUSTA. Ação de
reintegração de posse na qual a parte autora alega, em síntese, que
sofreu injustamente esbulho da posse de seu imóvel por conduta ilegal
praticada pelo Réu, que se recusa a sair do bem. Prolatada sentença de
procedência, insurge-se o Demandante da decisão. Recorrente que
sustenta que a Recorrida alegou tão-somente exceção de domínio.
Irresignação que não merece acolhimento. Parte autora que é
cessionária de direitos do bem em análise a partir de 1965, adquirindo
então a posse legítima do apartamento, podendo utiliza-lo diretamente ou
não. In casu, verifica-se que a Demandante concedeu ao seu filho
permissão para uso do imóvel de forma gratuita, transmitindo a ele - e a
sua cônjuge (irmã do Réu) a posse direta do bem. Autora que
permaneceu na posse indireta do apartamento. Posse direta que não
anula a indireta, sendo que ambas são legitimadas para o ajuizamento de
eventual demanda possessória, inclusive um em face do outro.
Existência de contrato de comodato. Autora que emprestou o imóvel
para que ente próximo exercesse a moradia no local com sua família. No
comodato a posse é transmitida a título provisório, de modo que o
comodatário adquire a posse precária, sendo obrigado a devolvê-la tão
logo o comodante reclame a coisa de volta. Com a notificação
extrajudicial ou a manifesta intenção declarada de reaver o bem,
extingue-se o comodato, transformando-se em injusta a posse
anteriormente justa, em virtude da recusa de devolução do imóvel
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quando assim solicitado. No caso dos autos é incontroversa a intenção
de rescisão do contrato de comodato bem como da reiterada negativa do
Réu em devolver o bem. Possessória que deve ser julgada procedente.
Manutenção da sentença que se impõe.
RECURSO DESPROVIDO.

Sustenta a parte recorrente, pela alínea "a" do permissivo constitucional,


violação dos arts. 1.196, 1.206 e 1.210, § 2°, todos do Código Civil, e 927 do CPC, no que
concerne à comprovação do exercício da posse anterior do imóvel pela parte recorrida,
trazendo os seguintes argumentos:

Com as devidas vênias, o v. acórdão negou vigência ao disposto no


artigo 927 do Código de Processo Civil, segundo o qual, no juízo
possessório, o postulante deve demonstrar sua posse anterior e a data e
ocorrência do esbulho, turbação ou ameaça, sendo que nenhum destes
requisitos foi comprovado pela parte autora.
Com efeito, visualiza-se que em nenhum momento a parte autora logrou
êxito em comprovar ter exercido posse sobre o imóvel, já que sempre
residiu com seu cônjuge em apartamento localizado à Avenida Nossa
Senhora de Copacabana, n° 748, Copacabana, Rio de Janeiro.
Mostra-se, portanto, evidente que a parte autora fundamenta sua
pretensão no jus possidendi, e não no jus possessionis, não sendo aquele
objeto de tutela em sede de ação possessória.
[...].
Assim, na condição de representante do Espólio, não faz jus sua
inventariante à tutela possessória, já que a inventariada em nenhum
momento demonstrou o exercício de posse sobre o imóvel objeto da lide.
Deste modo, caso queira, deve a inventariante, em nome próprio,
requerer proteção possessória, não fazendo jus a esta nos presentes
autos.
Ademais, o v. acórdão não se pronunciou também quanto à informação
contida no RGI do imóvel objeto da discussão, acostado pela autora às
folhas 16/18, do qual se infere que esta e seu falecido esposo não
detinham a propriedade do bem, detendo apenas o título de cessão dos
direitos à compra do imóvel, que não é hábil à aquisição da propriedade.
Caso quisessem adquirir a propriedade, os cessionários deveriam
localizar os proprietários registrais a fim de lavrar escritura pública de
compra e venda e, apenas com o seu registro na matrícula do imóvel,
tornar-se-iam proprietários do bem. Na hipótese de não lograrem êxito
em localizá-los, apenas através de pronunciamento judicial poderiam ser
declarados o proprietários.
De qualquer forma, ainda que a autora tivesse tomado qualquer dessas
providências, ainda assim, seria proprietária de apenas 50% do imóvel,
pois os outros 50% foram legados ao genitor da sobrinha do ora
Recorrente, que, por sua vez, tentou ceder seus direitos hereditários para
sua genitora, sendo, contudo, a cessão considerada ineficaz pelo juízo
orfanológico, posto que contrária ao desejo do testador. (fls. 1001/1004).

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É, no essencial, o relatório. Decido.

Na espécie, o Tribunal de origem se manifestou nos seguintes termos:

No caso dos autos, sustenta a parte autora ser devida a procedência da


demanda na medida em que é a legítima proprietária e possuidora do
imóvel situado na Rua Senador Vergueiro, 98, cobertura 03. Em sua
defesa, alega o Réu que a parte autora jamais exerceu a posse, não
sendo possível reintegrar a Demandante de algo que nunca teve.
Compulsando os documentos acostados, denota-se que a parte autora é
cessionária de direitos do bem em análise a partir de 1965 (index 00007.
fls. 11).
Note-se que no momento em que se tornou cessionária, a parte autora
adquiriu a posse legítima do apartamento, podendo utiliza-lo diretamente
ou não.
In casu, verifica-se que a Demandante concedeu ao seu filho permissão
para uso do imóvel de forma gratuita, transmitindo a ele (e a sua cônjuge
– irmã do Réu) a posse direta do bem. Ao proceder dessa forma,
permaneceu a Autora na posse indireta do apartamento.
Nesse contexto, há que se esclarecer que a posse direta não anula a
indireta, sendo que ambas são legitimadas para o ajuizamento de
eventual demanda possessória, inclusive um em face do outro. Enquanto
a posse direta é a de quem recebe o bem para usar, detendo
materialmente a coisa; a posse indireta é a de quem cede o uso do bem.
No caso dos autos, há verdadeira presença de comodato do bem, na
medida em que a Autora emprestou o imóvel para que ente próximo
exercesse a moradia no local com sua família. Com o seu falecimento, o
comodato continuou com sua cônjuge, irmã do Réu, sendo a posse
sempre decorrente de comodato e não legado com alega o Demandado.
No comodato a posse é transmitida a título provisório, de modo que o
comodatário adquire a posse precária, sendo obrigado a devolvê-la tão
logo o comodante reclame a coisa de volta. Com a notificação
extrajudicial ou a manifesta intenção declarada de reaver o bem,
extingue-se o comodato, transformando-se em injusta a posse
anteriormente justa, em virtude da recusa de devolução do imóvel
quando assim solicitado.
Porquanto não se tenha certeza acerca da natureza da posse no início
pelo Réu – que argumenta que permaneceu no bem após sua irmã partir
para a Espanha, com sua anuência, fato é que há muito tempo a posse
do Demandado se tornou injusta e clandestina, na medida em que a parte
autora vem tentando reaver a posse direta de seu bem, sem, contudo
lograr êxito.
É incontroverso o esbulho, na medida em que o próprio Réu afirma que
até a presente data se recusa a desocupar bem que não é seu. Viável e
adequada, portanto, a presente reintegração de posse.
Não é razoável entender que o Réu possua qualquer proteção ou direito
de permanecer o local, sendo imperiosa a sua saída imediata (fls.

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925/926).

Assim, incide o óbice da Súmula n. 7 do STJ (“A pretensão de simples reexame


de prova não enseja recurso especial”), uma vez que o acolhimento da pretensão recursal
demandaria o reexame do acervo fático-probatório juntado aos autos.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS DO ART.
927 DO CPC. COMPROVAÇÃO DA POSSE ANTERIOR E DO
ESBULHO. SÚMULA 7/STJ. INDENIZAÇÃO/RETENÇÃO POR
BENFEITORIAS REALIZADAS APÓS A DATA DA PERÍCIA.
QUESTÃO NÃO DECIDIDA PELA CORTE DE ORIGEM.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.
AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A procedência do pedido de reintegração de posse pressupõe a prova
do preenchimento dos requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil.
2. O Tribunal de origem, mediante análise do contexto fático-probatório
dos autos, entendeu estarem presentes nos autos os elementos que
comprovam a posse anterior da agravada e o esbulho alegado.
3. A modificação de tal entendimento lançado no v. acórdão recorrido,
nos moldes em que ora postulado, demandaria o revolvimento do suporte
fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 do
Superior Tribunal de Justiça.
[...]
6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 273.408/MG,
relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 30/6/2015.)

Confiram-se ainda os seguintes precedentes: AgInt no AREsp 1.679.153/SP,


relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 1/9/2020; AgInt no REsp
1.846.908/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 31/8/2020;
AgInt no AREsp 1.581.363/RN, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de
21/8/2020; e AgInt nos EDcl no REsp 1.848.786/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves,
Primeira Turma, DJe de 3/8/2020; AgInt no AREsp n. 1.311.173/MS, relator Ministro Gurgel
de Faria, Primeira Turma, DJe de 16/10/2020.

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Ante o exposto, com base no art. 21-E, V, do Regimento Interno do Superior


Tribunal de Justiça, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 05 de agosto de 2021.

MINISTRO HUMBERTO MARTINS


Presidente

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