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PESQUISA JURISPRUDENCIAL

TEMA: DETENÇÃO DE TERRAS PÚBLICAS


TRIBUNAL: TJ DF
QUANTIDADE DE ACÓRDÃOS: 02

ÓRGÃO : QUINTA TURMA CÍVEL


CLASSE : APC - APELAÇÃO CÍVEL
NUM. PROCESSO : 2004 01 1 009563-2
APELANTE(S) : JULIANA NEIVA BLANCO NUNES
APELADO(S) : TERRACAP – COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA
RELATOR DES. : ANGELO PASSARELI
RELATOR : ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA
DESIGNADO DES.

EMENTA
ADMINISTRATIVO. TERRACAP. TERRAS
TRANSMITIDAS POR ENTES ESTATAIS. STATUS DE
TERRAS PÚBLICAS. OCUPAÇÃO IRREGULAR. MERA
DETENÇÃO. BENFEITORIAS. INDENIZAÇÃO.
CABIMENTO.

1. As terras transmitidas pelos entes estatais a TERRACAP


conservam o status de terras públicas.
2. É garantido o direito a indenização pelas benfeitorias
realizadas em bem público quando a Administração se mantêm
inerte por vários anos.

ACÓRDÃO

ACORDAM OS SENHORES DESEMBARGADORES DA QUINTA TURMA


CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, ANGELO
PASSARELI - RELATOR, ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA – REVISOR E RELATOR
DESIGNADO E HAYDEVALDA SAMPAIO - VOGAL, SOB A PRESIDÊNCIA DA SENHORA
DESEMBARGADORA HAYDEVALDA SAMPAIO EM CONHECER. DAR PARCIAL
PROVIMENTO. POR MAIORIA, DE ACORDO COM A ATA DO JULGAMENTO E NOTAS
TAQUIGRÁFICAS.

BRASÍLIA (DF), 09 DE AGOSTO DE 2006.

DESEMBARGADORA HAYDEVALDA SAMPAIO


PRESIDENTE
DESEMBARGADOR ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA

RELATÓRIO

Adoto, inicialmente, o relatório da r. sentença de fls. 122/127, in


verbis:

“Cuida-se de Ação Reivindicatória ajuizada por TERRACAP


Companhia Imobiliária de Brasília.

Diz a autora que é proprietária do imóvel denominado Chácara nº


05, da Colônia Agrícola Sucupira, localizado no imóvel Riacho
fundo, nos termos do título que apresenta; afirma que os réus sem
qualquer título que os autorizasse, ocuparam irregularmente o
referido imóvel, tudo a permitir, nos termos do art. 1228 do Código
civil, a procedência do pedido no sentido de se condenarem os réus
a lhe devolver a área referida, determinando-lhes que retirassem
todos os seus pertences, bem como os condenando em taxa de
ocupação nos termos da Lei 4545/64.

A demanda foi proposta inicialmente contra vinte e três réus; pelos


motivos expostos na decisão de fls. 30, foi determinado
desmembramento do primitivo processo em tantos quantos eram os
réus, para facilitar a solução do litígio.

Este processo se refere à ré Juliana Neiva Blanco Nunes, que estaria


ocupando o lote 17 do imóvel.

Citada, a parte ré apresentou resposta sob a forma de contestação,


fls. 75 e seguintes.

Requereu, preliminarmente, ordem para que a autora juntasse aos


autos comprovantes de indenização da área que teria sido objeto de
desapropriação. Aduz falta de interesse da parte. Alega ausência de
delimitação da área, não restando provado que a autora seja legítima
proprietária da área.

No mérito, diz que se encontra na posse do imóvel desde 09.10.95,


onde reside com sua família, tendo adquirido o bem por instrumento
particular de cessão de direitos; que é vítima da omissão dos
poderes constituídos e que está no imóvel por tolerância do poder
público. Invoca o princípio constitucional da função social da
propriedade. Diz que o imóvel, por pertencer à Terracap, deve ser
considerado particular e, por isso, têm o direito de regularização de
sua posse; aduz, ao final, amplas considerações sobre a
problemática da posse, transcrevendo jurisprudência e doutrina a
respeito. Pugna pela improcedência do pedido e que seja
reconhecido seu direito a permanecer no imóvel, bem como
indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel, acaso
procedente a pretensão da autora.

A autora se manifestou em réplica.”

Acrescento que o MM. Juiz de Primeiro Grau rejeitou as


preliminares invocadas pela Ré em sede de contestação, e, no mérito, julgou, parcialmente,
procedentes os pedidos contidos na inicial, com parte da fundamentação e dispositivo que
ficaram assim redigidos:

“Incidindo a apreensão física sobre bem da Administração Pública,


caracteriza-se a precariedade – detenção injusta – a desautorizar
indenização e retenção por benfeitorias, estas, por sinal, não
comprovadas (4ª Turma Cível, APC nº 200 01 1 070532-8 – Rel.
Des. Mário Machado, julgamento 24/04/03).

De todo modo, não creio seja o caso de se condenar a parte ré ao


pagamento da taxa de ocupação. Com efeito, tal verba demanda
negócio jurídico, que não ocorreu. Teria a autora, eventualmente,
direito às perdas e danos, ma não restou demonstrado, efetivamente,
qual o prejuízo que teve.

Ao exposto, julgo procedente o pedido reivindicatório para


condenar a ré a devolver à autora o lote nº 17, localizado na chácara
nº 05, do imóvel Riacho Fundo, no prazo de 15 dias a contar do
trânsito em julgado desta decisão, sob pena de expedição de
mandado de imissão da posse da autora, não lhe reconhecendo,
portanto, o direito à indenização pelas construções erigidas no local;
julgo, todavia, improcedente o pedido de condenação da ré em
pagar à autora o valor devido pela taxa de ocupação.

Sem custas e sem honorários advocatícios, eis que defiro à parte ré,
sucumbente na maior parte, os benefícios da gratuidade justiça”.

Inconformada, a Ré interpõe recurso de Apelação deduzindo os


mesmos argumentos já expendidos na sua peça contestatória de fls. 75/95, salientando que
a r. sentença monocrática violou a legislação ordinária e a própria Constituição Federal,
divergindo ainda frontalmente de pacífica jurisprudência sobre o assunto enfocado,
fundamentando a sua decisão na letra fria da lei, sem atentar para os aspectos sociais, sobre
tudo no que determina a nossa Magna Carta acerca da finalidade social da terra.

Finaliza pugnando pelo conhecimento e provimento do apelo, com


a reforma da r. decisão recorrida, para que seja reconhecido o direito da Apelante de
permanecer no local, por meio da assinatura do termo de concessão de uso, nos moldes
estabelecidos pela Resolução nº 123, da sessão realizada em 27/10/99, do Conselho
Deliberativo da Fundação Zoobotânica, Lei nº 1.206, e também pela Lei Complementar nº
17/97, ou, ainda, mediante ao pagamento de um preço justo, para sua aquisição definitiva
na forma estabelecida pelo TCDF, condenando-se a Autora/Apelada nos ônus da
sucumbência. Alternativamente, mantida a r. decisão hostilizada, requer que a Apelada seja
compelida a indenizar as benfeitorias realizadas no referido imóvel (fls. 130/149).

Sem preparo, ante a gratuidade de Justiça concedida.

Em contra-razões, a Apelada rebate as razões recursais,


propugnando pela manutenção da r. sentença vergastada pelos seus próprios fundamentos
(fls. 156/166).

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador ANGELO PASSARELI – Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

A ora Apelante esgrime teses de defesa que enveredam pela


previsão constitucional da função social da propriedade, inexistência de má-fé na ocupação
da área em litígio e natureza jurídica da posse.
Invoca a legislação local que disciplina a ocupação do solo no
Distrito Federal, invocando a Resolução nº 123 do Conselho Deliberativo da Fundação
Zoobotânica, a Lei nº 1.206, e também a Lei Complementar nº 17/97.

Insiste para que o Poder Judiciário transfira a propriedade do bem à


Apelante mediante o pagamento de um preço justo, na forma estabelecida pelo TCDF.

Requer, por fim, caso não sejam acolhidas as teses desenvolvidas,


que sejam indenizadas as benfeitorias existentes no local.

O debate sobre a classificação e a natureza da posse não é influente


no julgamento do presente caso, haja vista que se trata de ação petitória, tendo como objeto
terras públicas.

A questão de serem públicas as terras transferidas para a


TERRACAP já não comporta maiores tergiversações e debates, sendo que a E. Terceira
Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível nº
1999011085061-3, Relator Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS,
DJU do dia 11/04/2006, p. 150, Registro de Jurisprudência nº 241046, assim decidiu
essa questão, verbis

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE


REINTEGRAÇÃO. TERRAS TRANSMITIDAS PARA A
TERRACAP POR ENTES ESTATAIS. MANUTENÇÃO DA
CARACTERÍSTICA DE TERRAS PÚBLICAS.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ INDEMONSTRADA.

1. AS TERRAS TRANSMITIDAS PARA A TERRACAP


PELOS ENTES ESTATAIS, A FIM DE VIABILIZAR AS
ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS NO EXCLUSIVO
INTERESSE DO DISTRITO FEDERAL, CONTINUAM A
MANTER O STATUS DE TERRAS PÚBLICAS, PORTANTO,
INVIÁVEIS DE SEREM USUCAPIDAS, CONFORME ART.
191, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CF/88, SE RURAIS, E ART.
181, §3O, DA CF/88, SE URBANAS.

2. A TOLERÂNCIA COM A OCUPAÇÃO DE TAIS TERRAS


NÃO TEM O CONDÃO DE ALTERAR SUA NATUREZA DE
SIMPLES DETENÇÃO PARA A DE POSSE, POIS AQUELA
NÃO PRODUZ QUALQUER EFEITO JURÍDICO.

3. POR TAIS MOTIVOS, NÃO TEM PERTINÊNCIA


ALEGAÇÃO DE RETENÇÃO POR EVENTUAIS
BENFEITORIAS, POSTO QUE ELAS NÃO
APROVEITARÃO AO ENTE PÚBLICO.

4. SENDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO


MANIFESTADO PELA AUTORA PERANTE O PODER
JUDICIÁRIO, A ASSERTIVA DE QUE A APELADA LITIGA
DE MÁ-FÉ NÃO TEM CABIMENTO, MORMENTE SE,
NESTA DEMANDA, NÃO SE PERQUIRE SOBRE A
TITULARIDADE DO IMÓVEL, MAS SOBRE OCUPAÇÃO
IRREGULAR DE BEM RECONHECIDAMENTE PÚBLICO,
DESENCADEADA POR CESSIONÁRIO EM FRANCO
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL.

5. RECURSO DESPROVIDO.”

O Superior Tribunal de Justiça, por sua E. Quarta Turma, no


julgamento do REsp nº 115091/RS, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, DJU do dia 28/09/1998, p. 60, assim se pronunciou, verbis:

“I - “O proprietário tem o direito de usar, gozar e fruir a coisa


e ainda reavê-la de quem injustamente a possua, sendo que o
conceito de ‘posse justa’ não guarda conexão com o definido
no art. 489 do Código Civil. Assim, afora a posse ‘ad
usucapionem’, em princípio, somente aquele que exerce a posse
por força de um título apto a transferir a propriedade, como
um contrato de promessa de compra e venda, é que poderia
obstar o reconhecimento do direito do proprietário.

II - O direito real de reivindicação, advindo da propriedade,


não pode sofrer abalos por descumprimento de obrigação,
tendo em vista que tratam eles de campos distintos, os quais não
sofrem interferência na maioria das vezes. Negar-se a utilização
da reivindicatória seria jogar por terra todos os efeitos
decorrentes do direito real de propriedade.”
A questão sobre a função social da propriedade, reconhecida
constitucionalmente, não pode agasalhar a pretensão da Apelante de manter a ocupação de
bem que não lhe pertence.

As normas locais sobre a ocupação do solo para fins de urbanização


também não dão proteção aos interesses da Apelante, haja vista que é inadmissível que a
ocupação ilegal se transmude em ocupação lícita sem que tenham existido os
procedimentos administrativos necessários à desafetação do bem público.

A E. Primeira Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento


da Apelação Cível nº 2005011036298-8, Relator Desembargador HERMENEGILDO
GONÇALVES, DJU do dia 18/04/2006, p. 101, Registro de Jurisprudência nº 241660,
assim se pronunciou sobre esse tema, verbis:

“CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO


DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. IMÓVEL LOCALIZADO EM
ÁREA PÚBLICA. PROPRIEDADE DA TERRACAP.
RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

I - SE O IMÓVEL OBJETO DO USUCAPIÃO ESTÁ


LOCALIZADO EM ÁREA PÚBLICA DE PROPRIEDADE
DA TERRACAP, CORRETA A DECISÃO MONOCRÁTICA
QUE INDEFERIU A PETIÇÃO INICIAL POR INÉPCIA E
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, UMA VEZ
FUNDAMENTADA EM QUE O BEM PÚBLICO É
INSUSCETÍVEL DE USUCAPIÃO, A TEOR DO § 3º DO
ARTIGO 183 E ARTIGO 191 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.

II - TENHO ENTENDIDO QUE NÃO HÁ QUE SE FALAR


EM POSSE SOBRE BENS PÚBLICOS, HAVENDO MERA
TOLERÂNCIA DO PODER PÚBLICO NA OCUPAÇÃO DO
BEM. A LEI N. 4.545/64 CUIDOU DE EXPLICITAR A
SITUAÇÃO AO ESTABELECER EM SEU ART. 24 O
CARÁTER PRECÁRIO DA POSSE DOS PARTICULARES
SOBRE TERRAS PÚBLICAS NO DF, INCLUSIVE
SUBORDINANDO SUA OCUPAÇÃO À PRÉVIA
AUTORIZAÇÃO GOVERNAMENTAL. COMO É SABIDO,
NÃO INDUZEM POSSE OS ATOS DE MERA PERMISSÃO
OU TOLERÂNCIA (ART. 497 DO CC).

III - ADEMAIS, AS TERRAS PÚBLICAS ESTÃO


EXCLUÍDAS DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA, TENDO EM
VISTA O CARÁTER DE PRECARIEDADE DE QUE SE
REVESTEM AS DETENÇÕES DAQUELE PATRIMÔNIO, O
QUAL PODE SER RECLAMADO A TODO INSTANTE,
PELA ADMINISTRAÇÃO. A TOLERÂNCIA DO PODER
PÚBLICO QUANTO À OCUPAÇÃO DE0 SUAS TERRAS
POR PARTICULARES NÃO FAZ NASCER PARA ESTES,
DIREITO ASSEGURÁVEL PELOS INTERDITOS
POSSESSÓRIOS.

IV- RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.”

Esta E. Quinta Turma Cível, no julgamento da Apelação Cível nº


2004011009543-0, Relator Desembargador ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA, DJU do
dia 12/01/2006, p. 87, Registro de Jurisprudência nº 232908, assim decidiu questão
análoga, verbis:

“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PROPRIEDADE DA


TERRACAP DEMONSTRADA. POSSE. PARTICULAR.
IMPOSSIBILIDADE.

RESTANDO DEMONSTRADO NOS AUTOS QUE A


TERRACAP É PROPRIETÁRIA DO BEM OBJETO DA
LIDE E QUE A RÉ É MERA DETENTORA DO IMÓVEL, JÁ
QUE NÃO SE RECONHECE POSSE SOBRE BEM
PÚBLICO, CORRETA SE ENCONTRA A SENTENÇA A
QUO QUE DETERMINOU A IMISSÃO DA AUTORA NA
POSSE DO IMÓVEL.”

A E. Terceira Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento


da Apelação Cível nº 2004011011580-9, Relator Desembargador BENITO AUGUSTO
TIEZZI, DJU do dia 07/03/2006, p. 101, Registro de Jurisprudência nº 237153, assim
decidiu questão análoga, abrangendo todos os aspectos em debate, verbis:
“PROCESSO CIVIL E CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA -
TERRACAP - TERRA PÚBLICA - INSUSCETÍVEL DE
GERAR EFEITOS POSSESSÓRIOS - MERA DETENÇÃO -
INJUSTA - INCABÍVEIS INDENIZAÇÃO DAS
BENFEITORIAS E TAXA DE OCUPAÇÃO - RECURSOS DE
APELAÇÃO CONHECIDOS E IMPROVIDOS - SENTENÇA
MANTIDA.

1. HÁ DE SER PROVIDO O PEDIDO REIVINDICATÓRIO


SE PLENAMENTE COMPROVADO O DOMÍNIO QUE
CONFERE AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL O DIREITO
DE USAR, GOZAR, DISPOR E DE REAVÊ-LO DO PODER
DE QUEM QUER QUE INJUSTAMENTE O POSSUA.

2. TERRAS DA TITULARIDADE DA TERRACAP SÃO


PÚBLICAS E, VIA DE CONSEQÜÊNCIA, INSUSCETÍVEIS
DE GERAR EM FAVOR DE TERCEIROS EFEITOS
POSSESSÓRIOS, RAZÃO PORQUE QUEM AS OCUPAM
SEM A SUA AUTORIZAÇÃO APENAS ÀS DETÊM
INJUSTAMENTE E DE FORMA PRECÁRIA.

3. INJUSTA, PARA FINS DE AÇÃO REIVINDICATÓRIA‚ É


QUALQUER POSSE (NO CASO, DETENÇÃO) QUE
CONTRARIE O DOMÍNIO DO PROPRIETÁRIO E NÃO
TENHA SIDO OUTORGADA POR ESTE DE FORMA
REGULAR. ASSIM, NÃO SE INFERE A INJUSTIÇA
APENAS DA VIOLÊNCIA, CLANDESTINIDADE OU
PRECARIEDADE, INDEPENDENDO TAMBÉM DE BOA OU
MÁ-FÉ. PORTANTO, MESMO DE BOA-FÉ, A POSSE (NO
CASO, DETENÇÃO) CEDE VEZ AO DOMÍNIO NA AÇÃO
ESPECÍFICA PARA SUA DEFESA.

4. OS ATOS DE PERMISSÃO E TOLERÂNCIA DO PODER


PÚBLICO EM RELAÇÃO AOS SEUS IMÓVEIS NÃO
INDUZEM POSSE, MAS MERA DETENÇÃO, SEM A
ANUÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, É DE SER
PRESUMIDA MÁ-FÉ, NÃO GERANDO, PORTANTO,
DIREITO À INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS
PORVENTURA REALIZADAS.

5. CONSIDERA-SE INJUSTA A POSSE QUE CONTRARIAR


O DOMÍNIO, NÃO SENDO ASSEGURADO AO
POSSUIDOR, DIREITO DE RETENÇÃO SOBRE
EVENTUAIS BENFEITORIAS, NA MEDIDA EM QUE
AUSENTE A BOA-FÉ.
6. INCABÍVEL A TAXA DE UTILIZAÇÃO POR NÃO SE
CUIDAR DE REGULAR CONCESSÃO DE USO DE BEM
PÚBLICO (ARTIGO ART. 24 DA LEI 4.545/64), MAS SIM DE
IRREGULAR OCUPAÇÃO DE ÁREA DE TERRAS E SEM A
PRONTA REAÇÃO DE SUA TITULAR QUE
NEGLIGENCIOU A RETIRADA DO INVASOR, NÃO
PODENDO, AGORA, SE VALER DE SUA INÉRCIA PARA
OBTER RENDA INDEVIDA; MORMENTE QUANDO NÃO
COMPROVOU TER SOFRIDO QUALQUER PREJUÍZO
DECORRENTE DA IRREGULAR OCUPAÇÃO DA ÁREA
EM QUESTÃO.

7. RECURSOS DE APELAÇÃO CONHECIDOS E


IMPROVIDOS.”

A E. Terceira Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento


da Apelação Cível nº 2004011011567-3, Relator Desembargador MÁRIO-ZAM
BELMIRO, DJU do dia 23/06/2005, p. 40, Registro de Jurisprudência nº 215855, assim
decidiu questão análoga, verbis:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO


REIVINDICATÓRIA. TERRACAP. PROVA DA
PROPRIEDADE. POSSE INJUSTA. CARACTERIZAÇÃO.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. TAXA DE OCUPAÇÃO.
NECESSIDADE DE PRÉVIA CESSÃO DE DIREITO A
ENSEJAR O PAGAMENTO. ALIENAÇÃO DE BEM
PÚBLICO. OBSERVÂNCIA DE PRECEITOS LEGAIS
DESPROVIMENTO.

1. NOS TERMOS DO ART. 1.228 DO CÓDIGO CIVIL,


AÇÃO REIVINDICATÓRIA É AQUELA INTENTADA
PELO PROPRIETÁRIO DE DETERMINADO BEM COM
O PROPÓSITO DE REAVÊ-LO DE QUEM
INJUSTAMENTE O POSSUA OU DETENHA. É
IMPRESCINDÍVEL A PROVA DO DOMÍNIO POR
PARTE DO REIVINDICANTE, BEM COMO A
DEMONSTRAÇÃO DA POSSE INJUSTA, SENDO QUE
ESTA, CONFORME ENTENDIMENTO
JURISPRUDENCIAL, ABRANGE, TAMBÉM, OS CASOS
EM QUE A POSSE NÃO ENCONTRE RESPALDO EM
TÍTULO HÁBIL.

2. NO CASO DOS AUTOS, RESTOU INDUBITAVELMENTE


DEMONSTRADO QUE A TERRACAP É LEGÍTIMA
PROPRIETÁRIA DO BEM REIVINDICADO, MORMENTE
PORQUE OS PRÓPRIOS APELANTES ASSIM O
ADMITEM.

3. O PROBLEMA DA MORADIA QUE ATUALMENTE SE


VERIFICA NO DISTRITO FEDERAL É QUESTÃO SOCIAL
SÉRIA, A RECLAMAR URGENTE SOLUÇÃO PELAS
AUTORIDADES COMPETENTES. EMBORA A
CONSTITUIÇÃO, EM SEUS ARTIGOS 6º E 23, IX,
GARANTA O DIREITO À MORADIA, BEM COMO
DETERMINE À UNIÃO, AOS ESTADOS, AO DISTRITO
FEDERAL E AOS MUNICÍPIOS A REALIZAÇÃO DE
PROGRAMAS DE CONSTRUÇÃO DE MORADIAS, NÃO
OBRIGA ESSES ENTES PÚBLICOS A CEDER SUAS
TERRAS A QUEM QUER QUE SEJA, MORMENTE
QUANDO SE TRATA DE ÁREA PÚBLICA, CUJA
ALIENAÇÃO DEVE OBSERVAR OS REQUISITOS
ESTABELECIDOS NO ART. 17 DA LEI 8.666/93.

4. A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 24 DA LEI 4.545/64, A


COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO PRESSUPÕE A
CONCESSÃO DE USO DA TERRA, O QUE NÃO SE
VERIFICA NA ESPÉCIE.

5. RECURSOS DESPROVIDOS.”

A pretensão externada pela Autora encontra amparo no artigo 524,


caput, do Código Civil de 1916, reiterado no artigo 1.228, caput, do atual Código Civil
Brasileiro, nada havendo para ser corrigido na v. sentença hostilizada, pelo que nego
provimento ao recurso.

É como voto.

O Senhor Desembargador ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA – Revisor e Relator


Designado

Conheço do recurso eis que presentes os pressupostos de


admissibilidade.

Cuida-se de recurso de apelação interposto por JULIANA NEIVA


BLANCO NUNES, que inconformada com decisão de fls. 122/127 requer a sua reforma,
para reconhecer o direito da apelante em permanecer no local através da assinatura do
termo de concessão de uso nos moldes estabelecidos pela resolução n.º 123 do Conselho
Deliberativo da Fundação Zoobotânica, Lei n.º 1.206 e também pela lei complementar n.º
17/97, ou que seja pago um preço justo para sua aquisição definitiva nos moldes
estabelecidos pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, ou ainda em não sendo
reconhecido tais pedidos que seja a apelada condenada a indenizar as benfeitorias
realizadas no imóvel.

A apelada insurge-se inicialmente postulando pela não


caracterização de serem as terras transferidas a TERRACAP terras públicas, matéria esta
amplamente discutida por esta corte e decidida nos termos que passo a colacionar:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE


REINTEGRAÇÃO. TERRAS TRANSMITIDAS PARA A TERRACAP
POR ENTES ESTATAIS. MANUTENÇÃO DA CARACTERÍSTICA
DE TERRAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ INDEMONSTRADA.
1. AS TERRAS TRANSMITIDAS PARA A TERRACAP PELOS
ENTES ESTATAIS, A FIM DE VIABILIZAR AS ATIVIDADES
IMOBILIÁRIAS NO EXCLUSIVO INTERESSE DO DISTRITO
FEDERAL, CONTINUAM A MANTER O STATUS DE TERRAS
PÚBLICAS, PORTANTO, INVIÁVEIS DE SEREM USUCAPIDAS,
CONFORME ART. 191, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CF/88, SE
RURAIS, E ART. 181, §3O, DA CF/88, SE URBANAS.
2. A TOLERÂNCIA COM A OCUPAÇÃO DE TAIS TERRAS NÃO
TEM O CONDÃO DE ALTERAR SUA NATUREZA DE SIMPLES
DETENÇÃO PARA A DE POSSE, POIS AQUELA NÃO PRODUZ
QUALQUER EFEITO JURÍDICO.
3. POR TAIS MOTIVOS, NÃO TEM PERTINÊNCIA ALEGAÇÃO
DE RETENÇÃO POR EVENTUAIS BENFEITORIAS, POSTO QUE
ELAS NÃO APROVEITARÃO AO ENTE PÚBLICO.
4. SENDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO
MANIFESTADO PELA AUTORA PERANTE O PODER
JUDICIÁRIO, A ASSERTIVA DE QUE A APELADA LITIGA DE
MÁ-FÉ NÃO TEM CABIMENTO, MORMENTE SE, NESTA
DEMANDA, NÃO SE PERQUIRE SOBRE A TITULARIDADE DO
IMÓVEL, MAS SOBRE OCUPAÇÃO IRREGULAR DE BEM
RECONHECIDAMENTE PÚBLICO, DESENCADEADA POR
CESSIONÁRIO EM FRANCO DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL.
5. RECURSO DESPROVIDO.” (APELAÇÃO CÍVEL
19990110850613, Rel. Des. SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS,
Terceira Turma, DJU: 11/04/2006 Pág. : 150)
Sobre o tema já me manifestei em outras assentadas conforme passo
a transcrever:

“Ressalte-se, que a Lei Federal n. 5861/72 autorizou o


desmembramento da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do
Brasil – NOVACAP, mediante alteração de seu objeto e
constituição da Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP e
estatui no § 2º do artigo 2º que seu capital será composto de 51%
pelo Distrito Federal e 49% pela União.

Neste diapasão, todo o patrimônio da TERRACAP, portanto, é


público, haja vista serem públicas as terras transmitidas pelos
entes estatais para tal pessoa jurídica, não havendo alteração da
destinação das terras transferidas para TERRACAP, tendo em vista
que sua finalidade principal é a atividade imobiliária de interesse
do Distrito Federal.”

Da leitura dos autos, principalmente dos documentos acostados às


fls. 14/27, depreende-se que o imóvel em litígio é de propriedade da TERRACAP, sendo,
portanto, hipótese incontroversa de ocupação de terras públicas.

Não podemos falar em ocupação lícita, eis que esta ocorreu de


forma desordenada e sem respeitar os ditames legais exigidos nas normas de ocupação do
solo local, assim sendo não se pode dizer que a Recorrente detém posse justa sobre o bem.

Ora, se o ordenamento jurídico não reconhece prescrição aquisitiva


(usucapião) de bem público, nem mesmo o mero direito de posse, os ocupantes de imóvel
público são meros detentores, o que não lhes dá direito a permanecer no bem.

Quanto o mais, se encontra pacificado tanto na doutrina quanto na


jurisprudência, o entendimento de que os bens públicos são absolutamente insusceptíveis de
serem objeto de posse por parte do particular. Assim, portanto, exteriorizando estes atos de
possuidor, de posse não se trata, mas, em verdade, de mera e tolerada detenção da parte do
ente público. Desta forma, conclui-se que a posse defendida pelos Apelados é sem dúvida
nenhuma precária, na verdade, mera tolerância da Administração, o que torna impossível
qualquer pedido de usucapião, interdito proibitório ou reintegração de posse.
Em voto outrora proferido por mim tratei da matéria nos moldes
que passo a expor:

“AÇÃO POSSESSÓRIA. OPOSIÇÃO. ADMISSIBILIDADE.


INTERESSE DE AGIR. TERRAS PÚBLICAS. OCUPAÇÃO
IRREGULAR.

1 – Apesar de decisões segundo as quais não é cabível oposição em


ação possessória, o melhor entendimento é o que a admite.

2 – Carece o opoente de interesse de agir se a tutela judicial que


busca, desnecessária, não tem qualquer utilidade prática.

3 – É irregular, não gozando da proteção possessória, a ocupação


de terras do domínio público sem que disponham os ocupantes de
qualquer autorização. Irrelevante que tenham edificado e plantado
na área.

4 – Apelações e remessa ex-officio não providas. (Grifo nosso).”

O apelante levanta questionamentos acerca da função social da


propriedade e a sua aplicação, ocorre que tal linha de entendimento não pode ser acolhida
quando a ocupação é irregular, ou seja, em bem que não lhe pertence.

No que pertine ao direito de indenização por diversas vezes já tratei


da matéria, e mais uma vez reforço meu posicionamento no sentido de que o direito de
indenização e retenção por benfeitorias só é assegurado em situações que envolvam a
desídia do estado permitindo com seu descaso a ocupação por longos anos o bem público.

Sobre a matéria já me manifestei conforme passo a colacionar:

“A jurisprudência dominante nesta Corte defende que se a


Administração foi tolerante por vários anos em relação à
ocupação da área, tal fato enseja a obrigação de indenizar as
benfeitorias erigidas no imóvel pelo ocupante de boa-fé.

No caso, a ocupação existe desde 1996, ou seja, há dez anos,


sendo a posse, portanto, antiga.
(...)

O não reconhecimento do direito à indenização ensejaria


locupletamento, o que se mostra inadmissível e possibilitaria
conseqüentemente o enriquecimento sem causa do Estado.

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS INFRINGENTES


EM APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - IMÓVEL
DA TERRACAP - INDENIZAÇÃO E PRERROGATIVA DE
RETENÇÃO POR BENFEITORIAS - POSSIBILIDADE -
PROVIMENTO DOS INFRINGENTES:

- HAVENDO CLARA TOLERÂNCIA POR PARTE DA


ADMINISTRAÇÃO, POR QUASE DUAS DÉCADAS, QUANTO À
OCUPAÇÃO DA ÁREA REIVINDICADA, BEM PÚBLICO,
ENSEJA AO OCUPANTE O DIREITO A INDENIZAÇÃO E A
PRERROGATIVA DE RETENÇÃO PELAS BENFEITORIAS
NECESSÁRIAS E ÚTEIS.” (EMBARGOS INFRINGENTES CÍVEIS
19990110425436EIC DF - Registro do Acórdão Número: 222287 -
Órgão Julgador: 1ª Câmara Cível - Relator Designado: DÁCIO
VIEIRA - Publicação no DJU: 25/08/2005 Pág.: 115). (grifou-se).

“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRACAP. INDENIZAÇÃO.


BENFEITORIAS. OCUPAÇÃO HÁ LONGOS ANOS.
TOLERÂNCIA DO PODER PÚBLICO.

1. (...) 2. A OCUPAÇÃO DO IMÓVEL PÚBLICO,


HAJA VISTA O SEU CARÁTER PRECÁRIO, NÃO GERA
EFEITOS FAVORÁVEIS AO DETENTOR, ADMITE-SE,
TODAVIA, A INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS
REALIZADAS SE A SITUAÇÃO É TOLERADA POR LONGOS
ANOS.” (APELAÇÃO CÍVEL 20040110116274APC DF - Registro
do Acórdão Número: 215028 - Órgão Julgador: 4ª Turma Cível -
Relator: GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - Publicação no DJU:
31/05/2005 Pág.: 161). (grifou-se).

Desta forma afasta-se qualquer pretensão que busque não efetivar


a devida indenização, posto que a total inércia do poder público
frente à situação ora posta em pauta caracteriza desídia do Estado
frente ao seu dever poder de zelar pelo bem público, visto que a
situação perdura por anos garantindo ao embargado direito de
indenização.

(...)

Quanto ao direito de retenção, assiste razão garanti-lo, pois tem


entendido a doutrina e jurisprudência que para o efetivo exercício
do jus retentionis cabe aplicá-lo até mesmo as acessões, vez que
estas são equiparadas às benfeitorias, neste sentido lição de
Humberto Theodoro Júnior, que assim expõe em sua obra:

“Embora tecnicamente as construções e plantações não sejam


benfeitorias, mas acessões industriais, a jurisprudência tem
equiparado as duas hipóteses para reconhecer a aplicabilidade do
jus retentionis também no segundo caso” (Theodoro Júnior,
Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, 11ª ed.,
1994, vol. I, pág. 284.)”

Ainda quanto a matéria junto julgado desta Quinta Turma que


corrobora o meu posicionamento, conforme passo a colacionar:

AÇÃO REIVINDICATÓRIA - TERRAS PÚBLICAS -


LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - PEDIDO
JURIDICAMENTE POSSÍVEL.
I - A AÇÃO REIVINDICATÓRIA CABE AO PROPRIETÁRIO,
VISANDO A RETOMADA DE IMÓVEL OCUPADO
ILEGALMENTE.
II - A COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA - TERRACAP
TEM LEGITIMIDADE PARA RETOMAR ÁREAS OCUPADAS
INDEVIDAMENTE EM VICENTE PIRES. AS BENFEITORIAS,
ENTRETANTO, DEVEM SER INDENIZADAS, ANTE A INÉRCIA
DO PODER PÚBLICO AO LONGO DOS ANOS, PERMITINDO
EDIFICAÇÕES SEM O COMPETENTE ALVARÁ OU
AUTORIZAÇÃO.
III - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO UNÂNIME. (APELAÇÃO CÍVEL
19990110041925APC, Rel. Des. HAYDEVALDA SAMPAIO,
Quinta Turma, DJU: 17/11/2005 Pág. : 93)

Segundo entendimento que reputo como o mais correto, é garantido


o direito à indenização pelas benfeitorias realizadas em bem público caso a Administração
se mantenha inerte por vários anos.
Ante o exposto não se pode desprezar uma ocupação que perdura
desde 1995. O que seria mera detenção em virtude de a área ocupada pelo réu ser de
natureza pública e com isso não produzindo nenhum efeito jurídico, fica mitigado frente à
omissão do poder público, dessa forma diretamente contribuindo para a manutenção da
situação de irregularidade sem nada prover ao respeito, afastando dessa forma qualquer
impossibilidade de indenização.

Contudo deve ser expedido mandado de verificação e avaliação das


benfeitorias, devem estas ser sujeitas à liquidação de sentença para que os devidos valores a
título indenizatório sejam definidos. A prévia avaliação monetária, para aferição do
quantum a ser indenizado encontra razão nos termos do artigo 628 do Código de Processo
Civil Brasileiro que assim estatui:

“Art. 628 - Havendo benfeitorias indenizáveis feitas na coisa pelo devedor ou por terceiros,
de cujo poder ela houver sido tirada, a liquidação prévia é obrigatória. Se houver saldo em
favor do devedor, o credor o depositará ao requerer a entrega da coisa; se houver saldo em
favor do credor, este poderá cobrá-lo nos autos do mesmo processo.

Diante do exposto, rogando vênia ao eminente relator, DOU


PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a sentença vergastada para
garantir a apelante o direito de indenização pelas benfeitoras realizadas.

É como voto.

A Senhora Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO - Vogal

Peço vista.

Brasília, 28 de junho de 2006.

DECISÃO

Após voto do Em. Des. Relator, negando provimento ao recurso, e


do Em. Des. Revisor, dando parcial provimento ao recurso, pediu vista a Em. Desª. 1ª
Vogal.
PEDIDO DE VISTA–VOTO

A Senhora Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO – Vogal

Trata-se de recurso de apelação interposto por JULIANA NEIVA


BLANCO NUNES, inconformada com a r. sentença de fls. 122/127, que julgou procedente
o pedido nos autos da ação reivindicatória contra ela ajuizada por COMPANHIA
IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA – TERRACAP.

Pedi vista dos autos dada a divergência dos eminentes Relator e


Revisor, no que pertine à indenização por benfeitorias, eis que o último entendeu cabível a
pretensão.

No seio desta egrégia Turma, com efeito, prevalece o entendimento


de que a indenização se mostra cabível, desde que a Administração se mantenha inerte ao
longo dos anos, não tomando qualquer providência para evitar a ocupação indevida,
permitindo a edificação de obras.

Na presente hipótese, constata-se que a ocupação perdura desde


1995, justificando-se a pretensão. E, como assinalou o eminente Revisor, “deve ser
expedido mandado de verificação e avaliação das benfeitorias, devem estas ser sujeitas à
liquidação de sentença para que os devidos valores a título indenizatório sejam definidos”.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso,


acompanhando o eminente Revisor, rogando vênia ao eminente Relator.

É como voto.

DECISÃO

Conhecido. Deu-se parcial provimento, por maioria. Vencido o


Relator. Redigirá o acórdão o Revisor.

ÓRGÃO : QUINTA TURMA CÍVEL


CLASSE : APC – APELAÇÃO CÍVEL
NUM. PROCESSO : 2001 01 1 024504-5
APELANTE(S) : CORIOLANDO BUARQUE DE SOUSA SANTOS E OUTRA
1º APELADO(S) : TERRACAP – COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA
2º APELADO(S) : ANA CÉLIA RODIGUES DIAS
RELATOR DES. : ANGELO PASSARELI
RELATOR : ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA
DESIGNADO DES.

EMENTA
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. OPOSIÇÃO EM
AÇÃO POSSESSÓRIA. CABIMENTO. TERRACAP.
TERRAS TRANSMITIDAS POR ENTES ESTATAIS.
STATUS DE TERRAS PÚBLICAS. OCUPAÇÃO
IRREGULAR. MERA DETENÇÃO. BENFEITORIAS.
INDENIZAÇÃO. CABIMENTO
3. AS TERRAS TRANSMITIDAS PELOS ENTES ESTATAIS
A TERRACAP CONSERVAM O STATUS DE TERRAS
PÚBLICAS.
4. É GARANTIDO O DIREITO A INDENIZAÇÃO PELAS
BENFEITORIAS REALIZADAS EM BEM PÚBLICO QUANDO
A ADMINISTRAÇÃO SE MANTÊM INERTE POR VÁRIOS
ANOS.

ACÓRDÃO

ACORDAM OS SENHORES DESEMBARGADORES DA QUINTA TURMA


CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, ANGELO
PASSARELI - RELATOR, ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA – REVISOR E RELATOR
DESIGNADO E HAYDEVALDA SAMPAIO - VOGAL, SOB A PRESIDÊNCIA DA SENHORA
DESEMBARGADORA HAYDEVALDA SAMPAIO EM CONHECER. DAR
PROVIMENTO. POR MAIORIA, DE ACORDO COM A ATA DO JULGAMENTO E NOTAS
TAQUIGRÁFICAS.

BRASÍLIA (DF), 09 DE AGOSTO DE 2006.

DESEMBARGADORA HAYDEVALDA SAMPAIO


PRESIDENTE

DESEMBARGADOR ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA

RELATÓRIO
Adoto, inicialmente, o relatório da r. sentença de fls. 250/260, in
verbis:

ANA CÉLIA RODRIGUES DIAS, identificada na inicial, ajuizou


ação de reintegração de posse em face de MARTA DE TAL, tendo por objeto o imóvel
constituído pela Fração A-5, Chácara 78, Q. 04, Conj. 05, Colônia Agrícola Arniqueira,
com área de 3.000 m2, com pleito de liminar no mesmo sentido.

Aduz a autora os fatos e fundamentos jurídicos adiante alinhados,


em abono à formulação em apreço. Que é legítima possuidora da área em destaque, havida
de Adonias Ribeiro Soares, no dia 08.09.00, e este, por sua vez, de Paulo Marcelo Araújo
Cunha e sua esposa, por instrumento particular de cessão de direitos. Ressalta que, para sua
surpresa, quando chegou ao imóvel no dia 27.09.00, deparou-se com a ré fazendo cavagem
para levantamento de muro, tendo descoberto em seguida que a ex-esposa de PAULO,
KÁTIA MARTINS DE LIMA, 20 (vinte) dias após ter vendido o imóvel a ADONIAS,
falsificou a assinatura deste, como assim do carimbo do Cartório do 2º Ofício de Notas de
Sobradinho. Alude aos artigos 927 do Código Civil e 921 do Código de Processo Civil
para, ao final deduzir pleito em realce.
Inicial instruída com documentos de fls. 09/41.

Houve indeferimento da liminar pelo Plantonista, cf. decisão de fls.


42/43.

Com a regular distribuição dos autos, ratificado o indeferimento e


designada audiência de justificação, fl. 44. Em audiência,
determinou o magistrado fosse inalterada a situação de fato, até
exame do pedido de liminar e retificado o pólo passivo para
MÁRCIA FERNANDES AMORIM e COLRIOLANDO BUARQUE
DE SOUZA SANTOS, fls. 55/56. Continuação da audiência à fl. 62,
ocasião em o pedido de liminar foi indeferido, diante da ausência
do advogado da autora.

Os réus produziram defesa e juntaram documentos às fls. 64/110.


Suscitam preliminar de inépcia da inicial, ao fundamento de
incongruência dos pedidos principal e de liminar; ainda, a
ilegitimidade ativa da autora, diante da titularidade do direito real
de uso firmado pela TERRACAP com antigos ocupantes da área.
No mérito, sustenta exercício de posse mansa e pacífica há mais de
30 (trinta) anos, somada à posse dos antecessores, cuja área está
em processo de regularização, além de ocupada por várias outras
pessoas. Destaca a impossibilidade de se cumular ação possessória
em terra pública. Invoca legislação local e arremata com
digressão sobre a impossibilidade de concessão de liminar em
posse velha. Rogam pela improcedência do pedido, se superadas as
preliminares.

Réplica às fls. 113/120, acompanhada de cópia de documentos, fls.


121/134.

Protesto pela produção de prova testemunhal.

TERRACAP noticia a interposição de OPOSIÇÃO, fl. 144.

AÇÃO DE ATENTADO

ANA CÉLIA DIAS RODRIGUES ingressa com ação de atentado


contra MÁRCIA FERNANDES AMORIM, em cuja inicial repete
mesmos fundamentos da ação de reintegração e destaca a vedação
judicial de alteração do estado de fato do imóvel, o que não foi
obedecido. Invoca disposições contidas no artigo 879 do Código de
Processo Civil e formula pleito de concessão de liminar para
determinar que a ré se abstenha de continuar edificando, sob pena
de pagamento de multa, e, no principal, que seja condenada a
demolir a obra.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 11/54.

Feito redistribuído a este Juízo Fazendário

Indeferido o pedido de liminar, fl. 56.

Contestação e documentos de fls. 76/123. Em suma, são adotados


mesmos fundamentos da defesa produzida na ação possessória.

INCIDENTE DE FALSIDADE

Ainda ANA CÉLIA RODRIGUES DIAS requereu instauração de


incidente de falsidade contra MÁRCIA FERNANDES AMORIM e
CORIOLANDO BUARQUE DE SOUSA SANTOS. Sustenta que são
faltos o carimbo e as assinaturas lançadas no instrumento
particular de cessão de direito, tendo como outorgante ODONIAS
RIBEIRO SOARES e como cessionária MÁRCIA FERNANDES
AMORIM; no instrumento entre o mesmo cessionário e
CORIOLANDO BUARQUE DE SOUSA SANTOS; e no recibo
firmado também por ADONIAS.

AÇÃO DE OPOSIÇÃO

Por último, a COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASILIA –


TERRACAP interpõe ação de oposição contra ANA CÉLIA
RODRIGUES DIAS, MÁRCIA FERNANDES AMORIM e
CORIOLANDO BUARQUE DE SOUSA SANTOS, no escopo de ser
reconhecida a sua posse sobre o imóvel disputado pelos opostos,
além de conseqüente reintegração no mesmo.

Argumenta a opoente que o imóvel disputado é de sua propriedade,


o qual integra o imóvel Vicente Pires, desmembrado do Município
de Luziânia/GO e incorporado ao território do Distrito Federal, em
terras desapropriadas, segundo documentos anexados. Sustenta a
inocorrência de posse em terras públicas e que a ocupação não
passa de mera detenção, não legitimando o manejo dos interditos,
mormente em face do ente público.

Inicial acompanhada dos documentos de fls. 07/19.

Declinada a competência em favor desta Vara de Fazenda Pública,


fl. 20.
Citados regularmente, os réus MÁRCIA FERNANDES AMORIM e
CORIOLANDO BUARQUE DE SOUSA SANTOS ofertaram
contestação e documentos de fls. 27/161. Argúem defesas
processuais inerentes à inépcia da inicial, diante da incongruência
dos pedidos; a ilegitimidade passiva da autora; a inadequação do
procedimento, ao fundamento de ausência de amparo para
cumulação de pedido possessório com rescisão contratual. No
mérito, aludem à legislação local sobre a criação do chamado
Setor Habitacional Vicente Pires e finaliza com justificativa sobre
impossibilidade de concessão de liminar em posse velha. Cita
doutrina e destaca a realização de obras no local. Postulam pela
improcedência da ação, se superadas as preliminares.

Finalmente citada, a oposta ANA CÉLIA RODRIGUES DIAS


ofertou contestação de fls. 227/229. Argumenta sobre não-
cabimento da oposição com conteúdo dominial frente ação
possessória. Cita jurisprudência. Requer extinção da ação pela
impossibilidade jurídica do pedido.

Réplica às fls. 239/242.

Protesto pela produção de prova testemunhal pelas opostas ANA


CÉLIA RODRIGUES DIAS E OUTRO.”

Acrescento que o MM. Juiz de Primeiro Grau reconheceu a


pertinência do pedido deduzido na Oposição, para rejeitar as preliminares argüidas pelos
Opostos e julgar procedente o pedido formulado pela Opoente, reintegrando-a na posse
do imóvel em questão.

Irresignados, os Opostos, CORIOLANDO BUARQUE DE SOUZA


SANTOS e MÁRCIA FERNANDES AMORIM, interpõem recurso de Apelação
deduzindo os mesmos argumentos expendidos na peça contestatória de fls. 27/48: questões
preliminares de inépcia da petição inicial, impossibilidade jurídica do pedido e
ilegitimidade ativa da Apelada, argumentando, para os três tópicos, que está sendo
utilizado instituto de direito real em questão possessória; inadequação do procedimento da
utilização da Oposição em litígio possessório; no mérito, faz vasta digressão sobre as
classificações e características do instituto da Posse, requerem que lhes sejam concedido o
direito de indenização por benfeitorias e alegam que a Apelada está litigando com má-fé.

Requerem a cassação e reforma da sentença.


Preparo efetuado à fl. 287.

Não foram apresentadas contra-razões (certidão de fl. 290-v).

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador ANGELO CANDUCCI PASSARELI – Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Senhor(a) Presidente, as razões recursais trazem ao reexame deste


Colegiado três questões preliminares —inépcia da petição inicial, impossibilidade jurídica
do pedido e ilegitimidade ativa da TERRACAP—, utilizando-se de argumentos
essencialmente de mérito, vez que invocam o disposto no artigo 505 do Código Cível
Brasileiro de 1916 e artigo 923 do Código de Processo Civil.

Os aspectos abordados não se traduzem em questões


procedimentais, não se relacionando com a forma da petição inicial, com a possibilidade
jurídica do pedido ou com a legitimidade processual. Devem, pois, ser examinados
conjuntamente com o mérito da causa.

O emaranhado das razões recursais dificulta o exame sistemático


das teses de defesa, mas pelo exame dos autos é possível concluir que os Apelantes já não
ocupam o solo do Distrito Federal com arrimo em contrato firmando anteriormente, haja
vista que a destinação do imóvel foi alterada, surgindo mais um dos denominados
“condomínios irregulares”.

O debate sobre a classificação e a natureza da posse não é influente


no julgamento do presente caso, haja vista que se trata de área pública dominical
administrada pela Opoente.
A questão de serem públicas as terras transferidas para a
TERRACAP já não comporta maiores tergiversações e debates, sendo que a E. Terceira
Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível nº
1999011085061-3, Relator Desembargador SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS,
DJU do dia 11/04/2006, p. 150, Registro de Jurisprudência nº 241046, assim decidiu
essa questão, verbis:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE


REINTEGRAÇÃO. TERRAS TRANSMITIDAS PARA A
TERRACAP POR ENTES ESTATAIS. MANUTENÇÃO DA
CARACTERÍSTICA DE TERRAS PÚBLICAS.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ INDEMONSTRADA.

1. AS TERRAS TRANSMITIDAS PARA A TERRACAP


PELOS ENTES ESTATAIS, A FIM DE VIABILIZAR AS
ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS NO EXCLUSIVO
INTERESSE DO DISTRITO FEDERAL, CONTINUAM A
MANTER O STATUS DE TERRAS PÚBLICAS, PORTANTO,
INVIÁVEIS DE SEREM USUCAPIDAS, CONFORME ART.
191, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CF/88, SE RURAIS, E ART.
181, §3O, DA CF/88, SE URBANAS.

2. A TOLERÂNCIA COM A OCUPAÇÃO DE TAIS TERRAS


NÃO TEM O CONDÃO DE ALTERAR SUA NATUREZA DE
SIMPLES DETENÇÃO PARA A DE POSSE, POIS AQUELA
NÃO PRODUZ QUALQUER EFEITO JURÍDICO.

3. POR TAIS MOTIVOS, NÃO TEM PERTINÊNCIA


ALEGAÇÃO DE RETENÇÃO POR EVENTUAIS
BENFEITORIAS, POSTO QUE ELAS NÃO
APROVEITARÃO AO ENTE PÚBLICO.

4. SENDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO


MANIFESTADO PELA AUTORA PERANTE O PODER
JUDICIÁRIO, A ASSERTIVA DE QUE A APELADA LITIGA
DE MÁ-FÉ NÃO TEM CABIMENTO, MORMENTE SE,
NESTA DEMANDA, NÃO SE PERQUIRE SOBRE A
TITULARIDADE DO IMÓVEL, MAS SOBRE OCUPAÇÃO
IRREGULAR DE BEM RECONHECIDAMENTE PÚBLICO,
DESENCADEADA POR CESSIONÁRIO EM FRANCO
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL.

5. RECURSO DESPROVIDO.”
A E. Sexta Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento da
Apelação Cível nº 2003011097692-4, Relatora Desembargadora ANA MARIA DUARTE
AMARANTE, DJU do dia 27/05/2004, p. 57, Registro de Jurisprudência nº 192513,
decidiu questão idêntica à dos autos no mesmo sentido do entendimento esposado na v.
sentença guerreada, sendo que a ementa assim ficou redigida, verbis:

“REINTEGRAÇÃO DE POSSE E OPOSIÇÃO - EMPRESA


PÚBLICA QUE DEMONSTRA A SUA CONDIÇÃO DE
PROPRIETÁRIA DO TERRENO DE QUE SE COGITA.
EXERCÍCIO PECULIAR DA POSSE PELO PODER
PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE POSSE EM SE TRATANDO
DE ÁREA PÚBLICA. OPOSIÇÃO QUE MERECE
PROVIMENTO.

TRATANDO-SE DE TERRAS PÚBLICAS, O PODER


PÚBLICO DESEMPENHA A POSSE INDIRETA POR MEIO
DA FISCALIZAÇÃO PELOS ÓRGÃOS COMPETENTES,
MESMO PORQUE É PATENTE A INVIABILIDADE DO
EXERCÍCIO DE POSSE DIRETA, SOBRE TODOS OS
IMÓVEIS DE SUA PROPRIEDADE, MEDIANTE
OCUPAÇÃO FÍSICA.

OS BENS PÚBLICOS SÓ SÃO SUSCETÍVEIS DE POSSE EM


DECORRÊNCIA DE LEI, ATO DO PODER PÚBLICO OU
CONTRATO COM ELE CELEBRADO, CONFIGURANDO-
SE MERA OCUPAÇÃO IRREGULAR QUALQUER
SITUAÇÃO DIFERENTE DISSO.”

É preciso frisar, pois, que a comprovação do domínio de bem


público autoriza o exercício de proteção possessória, haja vista que a mera ocupação
irregular não pode ostentar supremacia diante da posse indireta revelada.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua E. Quarta Turma, no


julgamento do REsp nº 115091/RS, Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, DJU do dia 28/09/1998, p.60, assim se pronunciou, verbis

“I - “O proprietário tem o direito de usar, gozar e fruir a coisa e


ainda reavê-la de quem injustamente a possua, sendo que o
conceito de ‘posse justa’ não guarda conexão com o definido
no art. 489 do Código Civil. Assim, afora a posse ‘ad
usucapionem’, em princípio, somente aquele que exerce a posse
por força de um título apto a transferir a propriedade, como
um contrato de promessa de compra e venda, é que poderia
obstar o reconhecimento do direito do proprietário.

II - O direito real de reivindicação, advindo da propriedade,


não pode sofrer abalos por descumprimento de obrigação,
tendo em vista que tratam eles de campos distintos, os quais não
sofrem interferência na maioria das vezes. Negar-se a utilização
da reivindicatória seria jogar por terra todos os efeitos
decorrentes do direito real de propriedade.”

A questão sobre a função social da propriedade, reconhecida


constitucionalmente, não pode agasalhar a pretensão dos Apelantes de manter a ocupação
de bem que não lhes pertence.

As normas locais sobre a ocupação do solo para fins de urbanização


também não dão proteção aos interesses dos Apelantes, haja vista que é inadmissível que a
ocupação ilegal se transmude em ocupação lícita sem que tenham existido os
procedimentos administrativos necessários à desafetação do bem público.

A E. Primeira Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento


da Apelação Cível nº 2005011036298-8, Relator Desembargador HERMENEGILDO
GONÇALVES, DJU do dia 18/04/2006, p. 101, Registro de Jurisprudência nº 241660,
assim se pronunciou sobre esse tema, verbis:

“CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO


DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. IMÓVEL LOCALIZADO EM
ÁREA PÚBLICA. PROPRIEDADE DA TERRACAP.
RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.

I - SE O IMÓVEL OBJETO DO USUCAPIÃO ESTÁ


LOCALIZADO EM ÁREA PÚBLICA DE PROPRIEDADE
DA TERRACAP, CORRETA A DECISÃO MONOCRÁTICA
QUE INDEFERIU A PETIÇÃO INICIAL POR INÉPCIA E
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, UMA VEZ
FUNDAMENTADA EM QUE O BEM PÚBLICO É
INSUSCETÍVEL DE USUCAPIÃO, A TEOR DO § 3º DO
ARTIGO 183 E ARTIGO 191 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL.

II - TENHO ENTENDIDO QUE NÃO HÁ QUE SE FALAR


EM POSSE SOBRE BENS PÚBLICOS, HAVENDO MERA
TOLERÂNCIA DO PODER PÚBLICO NA OCUPAÇÃO DO
BEM. A LEI N. 4.545/64 CUIDOU DE EXPLICITAR A
SITUAÇÃO AO ESTABELECER EM SEU ART. 24 O
CARÁTER PRECÁRIO DA POSSE DOS PARTICULARES
SOBRE TERRAS PÚBLICAS NO DF, INCLUSIVE
SUBORDINANDO SUA OCUPAÇÃO À PRÉVIA
AUTORIZAÇÃO GOVERNAMENTAL. COMO É SABIDO,
NÃO INDUZEM POSSE OS ATOS DE MERA PERMISSÃO
OU TOLERÂNCIA (ART. 497 DO CC).

III - ADEMAIS, AS TERRAS PÚBLICAS ESTÃO


EXCLUÍDAS DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA, TENDO EM
VISTA O CARÁTER DE PRECARIEDADE DE QUE SE
REVESTEM AS DETENÇÕES DAQUELE PATRIMÔNIO, O
QUAL PODE SER RECLAMADO A TODO INSTANTE,
PELA ADMINISTRAÇÃO. A TOLERÂNCIA DO PODER
PÚBLICO QUANTO À OCUPAÇÃO DE0 SUAS TERRAS
POR PARTICULARES NÃO FAZ NASCER PARA ESTES,
DIREITO ASSEGURÁVEL PELOS INTERDITOS
POSSESSÓRIOS.

IV- RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.”

Esta E. Quinta Turma Cível, no julgamento da Apelação Cível nº


2004011009543-0, Relator Desembargador ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA, DJU do
dia 12/01/2006, p. 87, Registro de Jurisprudência nº 232908, assim decidiu questão
análoga, verbis:

“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PROPRIEDADE DA


TERRACAP DEMONSTRADA. POSSE. PARTICULAR.
IMPOSSIBILIDADE.

RESTANDO DEMONSTRADO NOS AUTOS QUE A


TERRACAP É PROPRIETÁRIA DO BEM OBJETO DA
LIDE E QUE A RÉ É MERA DETENTORA DO IMÓVEL, JÁ
QUE NÃO SE RECONHECE POSSE SOBRE BEM
PÚBLICO, CORRETA SE ENCONTRA A SENTENÇA A
QUO QUE DETERMINOU A IMISSÃO DA AUTORA NA
POSSE DO IMÓVEL.”
A E. Terceira Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no julgamento
da Apelação Cível nº 2004011011580-9, Relator Desembargador BENITO AUGUSTO
TIEZZI, DJU do dia 07/03/2006, p.101, Registro de Jurisprudência nº 237153, assim
decidiu questão análoga, abrangendo todos os aspectos em debate, verbis:

“PROCESSO CIVIL E CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA -


TERRACAP - TERRA PÚBLICA - INSUSCETÍVEL DE
GERAR EFEITOS POSSESSÓRIOS - MERA DETENÇÃO -
INJUSTA - INCABÍVEIS INDENIZAÇÃO DAS
BENFEITORIAS E TAXA DE OCUPAÇÃO - RECURSOS DE
APELAÇÃO CONHECIDOS E IMPROVIDOS - SENTENÇA
MANTIDA.

1. HÁ DE SER PROVIDO O PEDIDO REIVINDICATÓRIO


SE PLENAMENTE COMPROVADO O DOMÍNIO QUE
CONFERE AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL O DIREITO
DE USAR, GOZAR, DISPOR E DE REAVÊ-LO DO PODER
DE QUEM QUER QUE INJUSTAMENTE O POSSUA.

2. TERRAS DA TITULARIDADE DA TERRACAP SÃO


PÚBLICAS E, VIA DE CONSEQÜÊNCIA, INSUSCETÍVEIS
DE GERAR EM FAVOR DE TERCEIROS EFEITOS
POSSESSÓRIOS, RAZÃO PORQUE QUEM AS OCUPAM
SEM A SUA AUTORIZAÇÃO APENAS ÀS DETÊM
INJUSTAMENTE E DE FORMA PRECÁRIA.

3. INJUSTA, PARA FINS DE AÇÃO REIVINDICATÓRIA‚ É


QUALQUER POSSE (NO CASO, DETENÇÃO) QUE
CONTRARIE O DOMÍNIO DO PROPRIETÁRIO E NÃO
TENHA SIDO OUTORGADA POR ESTE DE FORMA
REGULAR. ASSIM, NÃO SE INFERE A INJUSTIÇA
APENAS DA VIOLÊNCIA, CLANDESTINIDADE OU
PRECARIEDADE, INDEPENDENDO TAMBÉM DE BOA OU
MÁ-FÉ. PORTANTO, MESMO DE BOA-FÉ, A POSSE (NO
CASO, DETENÇÃO) CEDE VEZ AO DOMÍNIO NA AÇÃO
ESPECÍFICA PARA SUA DEFESA.

4. OS ATOS DE PERMISSÃO E TOLERÂNCIA DO PODER


PÚBLICO EM RELAÇÃO AOS SEUS IMÓVEIS NÃO
INDUZEM POSSE, MAS MERA DETENÇÃO, SEM A
ANUÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO, É DE SER
PRESUMIDA MÁ-FÉ, NÃO GERANDO, PORTANTO,
DIREITO À INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS
PORVENTURA REALIZADAS.
5. CONSIDERA-SE INJUSTA A POSSE QUE CONTRARIAR
O DOMÍNIO, NÃO SENDO ASSEGURADO AO
POSSUIDOR, DIREITO DE RETENÇÃO SOBRE
EVENTUAIS BENFEITORIAS, NA MEDIDA EM QUE
AUSENTE A BOA-FÉ.

6. INCABÍVEL A TAXA DE UTILIZAÇÃO POR NÃO SE


CUIDAR DE REGULAR CONCESSÃO DE USO DE BEM
PÚBLICO (ARTIGO ART. 24 DA LEI 4.545/64), MAS SIM DE
IRREGULAR OCUPAÇÃO DE ÁREA DE TERRAS E SEM A
PRONTA REAÇÃO DE SUA TITULAR QUE
NEGLIGENCIOU A RETIRADA DO INVASOR, NÃO
PODENDO, AGORA, SE VALER DE SUA INÉRCIA PARA
OBTER RENDA INDEVIDA; MORMENTE QUANDO NÃO
COMPROVOU TER SOFRIDO QUALQUER PREJUÍZO
DECORRENTE DA IRREGULAR OCUPAÇÃO DA ÁREA
EM QUESTÃO.

7. RECURSOS DE APELAÇÃO CONHECIDOS E


IMPROVIDOS.”

Conforme bem explanado no item 4 da ementa acima transcrita,


não é abrigada pela lei a pretensão de indenização por benfeitorias que não possuem
utilidade para o vencedor da demanda.

Acessões físicas construídas em terras públicas não são passíveis de


indenização, mas unicamente de levantamento pelo ocupante.

A E. Terceira Turma Cível deste Tribunal de Justiça, no


julgamento da Apelação Cível nº 2004011011567-3, Relator Desembargador MÁRIO-
ZAM BELMIRO, DJU do dia 23/06/2005, p. 40, Registro de Jurisprudência nº 215855,
assim decidiu questão análoga, verbis:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO


REIVINDICATÓRIA. TERRACAP. PROVA DA
PROPRIEDADE. POSSE INJUSTA. CARACTERIZAÇÃO.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. TAXA DE OCUPAÇÃO.
NECESSIDADE DE PRÉVIA CESSÃO DE DIREITO A
ENSEJAR O PAGAMENTO. ALIENAÇÃO DE BEM
PÚBLICO. OBSERVÂNCIA DE PRECEITOS LEGAIS
DESPROVIMENTO.

1. NOS TERMOS DO ART. 1.228 DO CÓDIGO CIVIL, AÇÃO


REIVINDICATÓRIA É AQUELA INTENTADA PELO
PROPRIETÁRIO DE DETERMINADO BEM COM O
PROPÓSITO DE REAVÊ-LO DE QUEM INJUSTAMENTE O
POSSUA OU DETENHA. É IMPRESCINDÍVEL A PROVA
DO DOMÍNIO POR PARTE DO REIVINDICANTE, BEM
COMO A DEMONSTRAÇÃO DA POSSE INJUSTA, SENDO
QUE ESTA, CONFORME ENTENDIMENTO
JURISPRUDENCIAL, ABRANGE, TAMBÉM, OS CASOS
EM QUE A POSSE NÃO ENCONTRE RESPALDO EM
TÍTULO HÁBIL.

2. NO CASO DOS AUTOS, RESTOU INDUBITAVELMENTE


DEMONSTRADO QUE A TERRACAP É LEGÍTIMA
PROPRIETÁRIA DO BEM REIVINDICADO, MORMENTE
PORQUE OS PRÓPRIOS APELANTES ASSIM O
ADMITEM.

3. O PROBLEMA DA MORADIA QUE ATUALMENTE SE


VERIFICA NO DISTRITO FEDERAL É QUESTÃO SOCIAL
SÉRIA, A RECLAMAR URGENTE SOLUÇÃO PELAS
AUTORIDADES COMPETENTES. EMBORA A
CONSTITUIÇÃO, EM SEUS ARTIGOS 6º E 23, IX,
GARANTA O DIREITO À MORADIA, BEM COMO
DETERMINE À UNIÃO, AOS ESTADOS, AO DISTRITO
FEDERAL E AOS MUNICÍPIOS A REALIZAÇÃO DE
PROGRAMAS DE CONSTRUÇÃO DE MORADIAS, NÃO
OBRIGA ESSES ENTES PÚBLICOS A CEDER SUAS
TERRAS A QUEM QUER QUE SEJA, MORMENTE
QUANDO SE TRATA DE ÁREA PÚBLICA, CUJA
ALIENAÇÃO DEVE OBSERVAR OS REQUISITOS
ESTABELECIDOS NO ART. 17 DA LEI 8.666/93.

4. A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 24 DA LEI 4.545/64, A


COBRANÇA DE TAXA DE OCUPAÇÃO PRESSUPÕE A
CONCESSÃO DE USO DA TERRA, O QUE NÃO SE
VERIFICA NA ESPÉCIE.

5. RECURSOS DESPROVIDOS.”

A pretensão externada pela Autora encontra amparo no artigo 499 do


Código Civil de 1916, combinado com o disposto no artigo 486 daquele mesmo Diploma legal,
nada havendo para ser corrigido na v. sentença hostilizada, pelo que nego provimento ao
recurso.

É como voto.

O Senhor Desembargador ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA – Revisor e Relator


Designado

Conheço do recurso eis que presentes os pressupostos de


admissibilidade.

Cuida-se de recurso de apelação interposto por CORIOLANDO


BUARQUE DE SOUSA SANTOS E OUTRO, que inconformado com decisão de fls.
250/260 requer a sua reforma in totum, para reconhecer o direito a aquisição do imóvel e a
posse sobre o mesmo exercida, que foi molestada por ato judicial, a declaração de
ilegitimidade de parte da primeira apelada, improcedência da ação com a nulidade da ação
de reintegração de posse, mantendo os apelantes na posse do imóvel e por fim a
condenação da apelada nas despesas processuais e honorários advocatícios.

Em sede de preliminar suscita a inépcia da inicial alegando não ser


possível a cumulação de oposição com pedido reintegratório.

Não merece colher sucesso tal questão posto que conforme já se


manifestou por diversas vezes esta Corte, em tais situações tem se admitido tal cumulação.

Em voto outrora proferido por mim tratei da matéria nos moldes


que passo a expor:

“AÇÃO POSSESSÓRIA. OPOSIÇÃO. ADMISSIBILIDADE.


INTERESSE DE AGIR. TERRAS PÚBLICAS. OCUPAÇÃO
IRREGULAR.

1 – Apesar de decisões segundo as quais não é cabível oposição


em ação possessória, o melhor entendimento é o que a admite.
2 – Carece o opoente de interesse de agir se a tutela judicial que
busca, desnecessária, não tem qualquer utilidade prática.

3 – É irregular, não gozando da proteção possessória, a ocupação


de terras do domínio público sem que disponham os ocupantes de
qualquer autorização. Irrelevante que tenham edificado e plantado
na área.

4 – Apelações e remessa ex-officio não providas. (Grifo nosso).”

Nestes termos não acolho a preliminar de inépcia da inicial.

Quanto a legitimidade da primeira apelada para figurar na ação tem


essa Corte entendido que as terras transferidas a TERRACAP são terras públicas com isso
justificando seu interesse na causa, matéria esta amplamente discutida por esta corte e
decidida nos termos que passo a colacionar:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE


REINTEGRAÇÃO. TERRAS TRANSMITIDAS PARA A TERRACAP
POR ENTES ESTATAIS. MANUTENÇÃO DA CARACTERÍSTICA
DE TERRAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ INDEMONSTRADA.
1. AS TERRAS TRANSMITIDAS PARA A TERRACAP PELOS
ENTES ESTATAIS, A FIM DE VIABILIZAR AS ATIVIDADES
IMOBILIÁRIAS NO EXCLUSIVO INTERESSE DO DISTRITO
FEDERAL, CONTINUAM A MANTER O STATUS DE
TERRAS PÚBLICAS, PORTANTO, INVIÁVEIS DE SEREM
USUCAPIDAS, CONFORME ART. 191, PARÁGRAFO ÚNICO,
DA CF/88, SE RURAIS, E ART. 181, §3O, DA CF/88, SE
URBANAS.
2. A TOLERÂNCIA COM A OCUPAÇÃO DE TAIS TERRAS NÃO
TEM O CONDÃO DE ALTERAR SUA NATUREZA DE SIMPLES
DETENÇÃO PARA A DE POSSE, POIS AQUELA NÃO PRODUZ
QUALQUER EFEITO JURÍDICO.
3. POR TAIS MOTIVOS, NÃO TEM PERTINÊNCIA ALEGAÇÃO
DE RETENÇÃO POR EVENTUAIS BENFEITORIAS, POSTO QUE
ELAS NÃO APROVEITARÃO AO ENTE PÚBLICO.
4. SENDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL O PEDIDO
MANIFESTADO PELA AUTORA PERANTE O PODER
JUDICIÁRIO, A ASSERTIVA DE QUE A APELADA LITIGA DE
MÁ-FÉ NÃO TEM CABIMENTO, MORMENTE SE, NESTA
DEMANDA, NÃO SE PERQUIRE SOBRE A TITULARIDADE DO
IMÓVEL, MAS SOBRE OCUPAÇÃO IRREGULAR DE BEM
RECONHECIDAMENTE PÚBLICO, DESENCADEADA POR
CESSIONÁRIO EM FRANCO DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL.
5. RECURSO DESPROVIDO.” (APELAÇÃO CÍVEL
19990110850613, Rel. Des. SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS,
Terceira Turma, DJU: 11/04/2006 Pág. : 150)

Sobre o tema já me manifestei em outras assentadas conforme passo


a transcrever:

“Ressalte-se, que a Lei Federal n. 5861/72 autorizou o


desmembramento da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do
Brasil – NOVACAP, mediante alteração de seu objeto e
constituição da Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP e
estatui no § 2º do artigo 2º que seu capital será composto de 51%
pelo Distrito Federal e 49% pela União.

Neste diapasão, todo o patrimônio da TERRACAP, portanto, é


público, haja vista serem públicas as terras transmitidas pelos
entes estatais para tal pessoa jurídica, não havendo alteração da
destinação das terras transferidas para TERRACAP, tendo em
vista que sua finalidade principal é a atividade imobiliária de
interesse do Distrito Federal.”

Não havendo dessa forma que se falar em ilegitimidade da primeira


apelada, com isso afasto a preliminar de ilegitimidade de parte.

Da leitura dos autos, principalmente dos documentos acostados às


fls. 08/18, depreende-se que o imóvel em litígio é de propriedade da TERRACAP, sendo,
portanto, hipótese incontroversa de ocupação de terras públicas.

Não podemos falar em ocupação lícita, eis que esta ocorreu de


forma desordenada e sem respeitar os ditames legais exigidos nas normas de ocupação do
solo local, assim sendo não se pode dizer que a Recorrente detém posse justa sobre o bem.

Ora, se o ordenamento jurídico não reconhece prescrição aquisitiva


(usucapião) de bem público, nem mesmo o mero direito de posse, os ocupantes de imóvel
público são meros detentores, o que não lhes dá direito a permanecer no bem.
Quanto o mais, se encontra pacificado tanto na doutrina quanto na
jurisprudência, o entendimento de que os bens públicos são absolutamente insusceptíveis de
serem objeto de posse por parte do particular. Assim, portanto, exteriorizando estes atos de
possuidor, de posse não se trata, mas, em verdade, de mera e tolerada detenção da parte do
ente público. Desta forma, conclui-se que a posse defendida pelos Apelados é sem dúvida
nenhuma precária, na verdade, mera tolerância da Administração, o que torna impossível
qualquer pedido de usucapião, interdito proibitório ou reintegração de posse.

Em voto outrora proferido por mim tratei da matéria nos moldes


que passo a expor:

“AÇÃO POSSESSÓRIA. OPOSIÇÃO. ADMISSIBILIDADE.


INTERESSE DE AGIR. TERRAS PÚBLICAS. OCUPAÇÃO
IRREGULAR.

1 – Apesar de decisões segundo as quais não é cabível oposição em


ação possessória, o melhor entendimento é o que a admite.

2 – Carece o opoente de interesse de agir se a tutela judicial que


busca, desnecessária, não tem qualquer utilidade prática.

3 – É irregular, não gozando da proteção possessória, a ocupação


de terras do domínio público sem que disponham os ocupantes de
qualquer autorização. Irrelevante que tenham edificado e
plantado na área.

4 – Apelações e remessa ex-officio não providas. (Grifo nosso).”

No que tange a função social da propriedade e a sua aplicação, tal


linha de entendimento não pode ser acolhida quando a ocupação é irregular, ou seja, em
bem que não lhe pertence.

No que pertine ao direito de indenização por diversas vezes já tratei


da matéria, e mais uma vez reforço meu posicionamento no sentido de que o direito de
indenização e retenção por benfeitorias só é assegurado em situações que envolvam a
desídia do estado permitindo com seu descaso a ocupação por longos anos o bem público.
Sobre a matéria já me manifestei conforme passo a colacionar:

“A jurisprudência dominante nesta Corte defende que se a


Administração foi tolerante por vários anos em relação à
ocupação da área, tal fato enseja a obrigação de indenizar as
benfeitorias erigidas no imóvel pelo ocupante de boa-fé.

No caso, a ocupação existe desde 1996, ou seja, há dez anos,


sendo a posse, portanto, antiga.

(...)

O não reconhecimento do direito à indenização ensejaria


locupletamento, o que se mostra inadmissível e possibilitaria
conseqüentemente o enriquecimento sem causa do Estado.

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS INFRINGENTES


EM APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - IMÓVEL
DA TERRACAP - INDENIZAÇÃO E PRERROGATIVA DE
RETENÇÃO POR BENFEITORIAS - POSSIBILIDADE -
PROVIMENTO DOS INFRINGENTES:

- HAVENDO CLARA TOLERÂNCIA POR PARTE DA


ADMINISTRAÇÃO, POR QUASE DUAS DÉCADAS, QUANTO
À OCUPAÇÃO DA ÁREA REIVINDICADA, BEM PÚBLICO,
ENSEJA AO OCUPANTE O DIREITO A INDENIZAÇÃO E A
PRERROGATIVA DE RETENÇÃO PELAS BENFEITORIAS
NECESSÁRIAS E ÚTEIS.” (EMBARGOS INFRINGENTES
CÍVEIS 19990110425436EIC DF - Registro do Acórdão Número:
222287 - Órgão Julgador: 1ª Câmara Cível - Relator Designado:
DÁCIO VIEIRA - Publicação no DJU: 25/08/2005 Pág.: 115).
(grifou-se).
“AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRACAP. INDENIZAÇÃO.
BENFEITORIAS. OCUPAÇÃO HÁ LONGOS ANOS.
TOLERÂNCIA DO PODER PÚBLICO.

1. (...) 2. A OCUPAÇÃO DO IMÓVEL PÚBLICO, HAJA


VISTA O SEU CARÁTER PRECÁRIO, NÃO GERA EFEITOS
FAVORÁVEIS AO DETENTOR, ADMITE-SE, TODAVIA, A
INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS REALIZADAS SE A
SITUAÇÃO É TOLERADA POR LONGOS ANOS.”
(APELAÇÃO CÍVEL 20040110116274APC DF - Registro do
Acórdão Número: 215028 - Órgão Julgador: 4ª Turma Cível -
Relator: GETÚLIO MORAES OLIVEIRA - Publicação no DJU:
31/05/2005 Pág.: 161). (grifou-se).

Desta forma afasta-se qualquer pretensão que busque não


efetivar a devida indenização, posto que a total inércia do poder
público frente à situação ora posta em pauta caracteriza desídia
do Estado frente ao seu dever poder de zelar pelo bem público,
visto que a situação perdura por anos garantindo ao embargado
direito de indenização.

(...)

Quanto ao direito de retenção, assiste razão garanti-lo, pois tem


entendido a doutrina e jurisprudência que para o efetivo exercício
do jus retentionis cabe aplicá-lo até mesmo as acessões, vez que
estas são equiparadas às benfeitorias, neste sentido lição de
Humberto Theodoro Júnior, que assim expõe em sua obra:

“Embora tecnicamente as construções e plantações não sejam


benfeitorias, mas acessões industriais, a jurisprudência tem
equiparado as duas hipóteses para reconhecer a aplicabilidade do
jus retentionis também no segundo caso” (Theodoro Júnior,
Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, 11ª
ed., 1994, vol. I, pág. 284.)”

Ainda quanto à matéria junto julgado desta Quinta Turma que


corrobora o meu posicionamento, conforme passo a colacionar:

AÇÃO REIVINDICATÓRIA - TERRAS PÚBLICAS -


LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - PEDIDO
JURIDICAMENTE POSSÍVEL.
I - A AÇÃO REIVINDICATÓRIA CABE AO PROPRIETÁRIO,
VISANDO A RETOMADA DE IMÓVEL OCUPADO
ILEGALMENTE.
II - A COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA - TERRACAP
TEM LEGITIMIDADE PARA RETOMAR ÁREAS OCUPADAS
INDEVIDAMENTE EM VICENTE PIRES. AS BENFEITORIAS,
ENTRETANTO, DEVEM SER INDENIZADAS, ANTE A
INÉRCIA DO PODER PÚBLICO AO LONGO DOS ANOS,
PERMITINDO EDIFICAÇÕES SEM O COMPETENTE
ALVARÁ OU AUTORIZAÇÃO.
III - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISÃO UNÂNIME. (APELAÇÃO CÍVEL
19990110041925APC, Rel. Des. HAYDEVALDA SAMPAIO,
Quinta Turma, DJU: 17/11/2005 Pág. : 93)

Segundo entendimento que reputo como o mais correto, é garantido


o direito à indenização pelas benfeitorias realizadas em bem público caso a Administração
se mantenha inerte por vários anos.

Ante o exposto não se pode desprezar uma ocupação que perdura de


longa data.

O que seria mera detenção em virtude de a área ocupada pelo réu


ser de natureza pública e com isso não produzindo nenhum efeito jurídico, fica mitigado
frente à omissão do poder público, dessa forma diretamente contribuindo para a
manutenção da situação de irregularidade sem nada prover ao respeito, afastando dessa
forma qualquer impossibilidade de indenização.

Benfeitorias estas comprovadas ante documentos juntados às fls.


64/70.
Contudo deve ser expedido mandado de verificação e avaliação das
benfeitorias, devem estas ser sujeitas à liquidação de sentença para que os devidos valores a
título indenizatório sejam definidos. A prévia avaliação monetária, para aferição do
quantum a ser indenizado encontra razão nos termos do artigo 628 do Código de Processo
Civil Brasileiro que assim estatui:

“Art. 628 - Havendo benfeitorias indenizáveis feitas na coisa pelo


devedor ou por terceiros, de cujo poder ela houver sido tirada, a
liquidação prévia é obrigatória. Se houver saldo em favor do
devedor, o credor o depositará ao requerer a entrega da coisa; se
houver saldo em favor do credor, este poderá cobrá-lo nos autos do
mesmo processo.”

Diante do exposto, rogando vênia ao eminente relator, DOU


PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a sentença vergastada para
garantir a apelante o direito de indenização pelas benfeitoras realizadas. Visto ter
decaído a apelada da parte mínima do pedido mantenho honorários e custas
processuais conforme definidos na instancia a quo.

É como voto.

A Senhora Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO - Vogal

Peço vista.

Brasília, 28 de junho de 2006.

DECISÃO

Após voto do Em. Des. Relator, negando provimento ao recurso, e


do Em. Des. Revisor, dando parcial provimento ao recurso, pediu a Em. Desª. 1ª Vogal.

PEDIDO DE VISTA–VOTO
A Senhora Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO - Vogal

Trata-se de recurso de apelação interposto por CORIOLANDO


BUARQUE DE SOUSA SANTOS e MÁRCIA FERNANDES AMORIM,
inconformados com a r. sentença de fls. 250/260, que reconheceu a pertinência da pretensão
deduzida pela opoente, COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA – TERRACAP,
para reintegrá-la na posse do imóvel descrito nos autos.

A matéria de que trata os presentes autos, tem sido objeto de ampla


discussão no seio desta Egrégia Corte, e, por ocasião do julgamento da Apelação Cível nº
2001 01 1 03890-6, já decidi no mesmo sentido da pretensão recursal, oportunidade em que
consignei:

“O artigo 56, do Código de Processo Civil, dispõe:

“Art. 56. Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito


sobre que controvertem autor e réu, poderá, até ser proferida a
sentença, oferecer oposição contra ambos.”

A jurisprudência tem entendido que “não cabe oposição de


conteúdo dominial em ação possessória, porque nela o objeto do
litígio é fundado na posse, e não no domínio (RJTJSP 56/135). No
mesmo sentido: RT 529/60” (Nery Junior, Nelson, in Código de
Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 7ª Edição, Ed.
RT, pág. 429).

Além disso, a propósito, anota Theotonio Negrão:

“Em ação possessória, por terceiro, visando à reivindicação do


imóvel em litígio (RJTA-MG 33/201, maioria) ou objetivando tão-
somente o reconhecimento de propriedade sobre ele (JTA
107/214)” ( in Código de Processo Civil e legislação processual em
vigor, 37ª Edição, Ed. Saraiva, pág. 182).

É cediço que as terras públicas não podem ser objeto de posse ou


usucapião, podendo ser apenas tolerada ou permitida a detenção.
Para que terceiros detenham a posse sobre determinados bens
públicos, torna-se necessária expressa autorização de quem
legitimamente os possua, no caso, a Terracap.”
Não é possível, em princípio a apreciação da oposição oferecida
pelo ente público em que, alegando domínio, demanda a posse do imóvel, ocupado
irregularmente pelo particular.

Confira-se, por oportuno, a jurisprudência desta Egrégia Turma:

“OPOSIÇÃO – TERRACAP – DOMÍNIO – IMPOSSIBILIDADE


JURÍDICA DO PEDIDO –

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE


– OPOSIÇÃO DA TERRACAP – ACOLHIMENTO – DECISÃO
QUE DETERMINA REMESSA DOS AUTOS À VARA DA
FAZENDA PÚBLICA.

01. “A MELHOR EXEGESE DOS ARTS. 505 DO CC E 923 DO


CPC É NO SENTIDO DE QUE DURANTE A AÇÃO DE
REINTEGRAÇÃO DE POSSE NÃO CABE A AÇÃO
REIVINDICATÓRIA PELO SUPOSTO PROPRIETÁRIO E,
SENDO ASSIM, A TERRACAP NÃO PODE PROPOR AÇÃO
DE OPOSIÇÃO FUNDAMENTADA EM DOMÍNIO DO
IMÓVEL EM AÇÃO POSSESSÓRIA” (REG. AC. 131592, REL.
DES. HERMENEGILDO GONÇALVES).

02. “NÃO CABE OPOSIÇÃO DE CONTEÚDO DOMINIAL EM


AÇÃO POSSESSÓRIA, PORQUE NELA O OBJETO DO
LITÍGIO É FUNDADO NA POSSE, E NÃO NO DOMÍNIO
(RJTJSP 56/135).

03. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME.” (AGI 20010020075969,


Quinta Turma Cível, Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva, DJU
19.06.2002, pág. 60).

AÇÃO POSSESSÓRIA. TERRAS PÚBLICAS. OCUPAÇÃO


IRREGULAR. OPOSIÇÃO DA TERRACAP. FALTA DE
INTERESSE DE AGIR DO OPOENTE

1 - CARECE A OPOENTE, TERRACAP, DE INTERESSE DE


AGIR SE A TUTELA JUDICIAL QUE BUSCA NÃO TEM
QUALQUER UTILIDADE PRÁTICA, VEZ QUE NÃO
NECESSITA QUE SE DECLARE COMO TERRAS PÚBLICAS
ÁREA SOBRE A QUAL HÁ O LITÍGIO POSSESSÓRIO,
MESMO PORQUE A SUA PROPRIEDADE É OBJETO DE
REGISTRO PÚBLICO, CUJA TITULARIDADE DO IMÓVEL É
DO DISTRITO FEDERAL, REPRESENTADO PELA
TERRACAP.
2 - ADEMAIS, A TERRACAP OU O DISTRITO FEDERAL
PODERÁ, A QUALQUER MOMENTO, INGRESSAR COM
AÇÃO PRÓPRIA, VISANDO RETOMAR A POSSE DA ÁREA.
3 - NEGOU-SE PROVIMENTO AO APELO.” (APC
20030110358339, Rel. Des. Asdrúbal Nascimento Lima, DJ 12-01-
2006).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso dos Opostos, para


extinguir a ação de oposição sem apreciação do mérito. Inverto o ônus da
sucumbência. Quanto às demais ações julgadas prejudicadas, os autos devem retornar
ao Juízo de Origem para que sejam devidamente decididas.

É como voto.

O Senhor Desembargador ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA – Revisor e Relator


Designado

Reformulo o meu voto para acompanhar a eminente


Desembargadora Haydevalda Sampaio.

DECISÃO

Conhecido. Deu-se provimento por maioria. Vencido o Relator. Redigirá o


acórdão o Revisor.

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