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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 556.721 - DF (2003/0126967-7)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON


RECORRENTE : DISTRITO FEDERAL
PROCURADOR : SANDRA CRISTINA DE ALMEIDA TEIXEIRA E OUTROS
RECORRIDO : ANA CÉLIA VIEIRA SALES E OUTROS
ADVOGADO : HELENICE ALVES PORTO
EMENTA

EMBARGOS DE TERCEIRO - MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE -


OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA - INEXISTÊNCIA DE POSSE - DIREITO DE RETENÇÃO
NÃO CONFIGURADO.
1. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietário. Posse e
propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de ser reconhecer a posse a quem,
por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à
propriedade.
2. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse,
mas como mera detenção.
3. Se o direito de retenção depende da configuração da posse, não se pode, ante a
consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daquele direito advindo da necessidade de se
indenizar as benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o cumprimento da medida imposta no
interdito proibitório.
4. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu
provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra-Relatora." Os Srs. Ministros Franciulli
Netto, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Francisco Peçanha Martins votaram com a Sra. Ministra
Relatora.

Brasília-DF, 15 de setembro de 2005 (Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON


Relatora

Documento: 579170 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 03/10/2005 Página 1 de 4
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 556.721 - DF (2003/0126967-7)

RECORRENTE : DISTRITO FEDERAL


PROCURADOR : SANDRA CRISTINA DE ALMEIDA TEIXEIRA E OUTROS
RECORRIDO : ANA CÉLIA VIEIRA SALES E OUTROS
ADVOGADO : HELENICE ALVES PORTO

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso especial interposto


contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios assim ementado:

EMBARGOS DE TERCEIRO - ÁREA PÚBLICA - AÇÃO INTERDITAL -


POSSE SUPORTADA - DIREITO INDENIZATÓRIO DO OCUPANTE SOBRE
BENFEITORIAS EDIFICADAS NO IMÓVEL.
1 - Os Embargos de Terceiro quando apenas com supedâneo na posse,
dispensam, por óbvio, o exame do aspecto sobre o domínio.
2 - A questão social, nos dias de hoje, reclama do intérprete lucidez e
sensibilidade, não deve fechar os olhos ou proceder como avestruz; cumpre não perder de
vista, caso a caso, o motivo determinante das invasões ou ocupações, muitas das vezes
objeto de interesse político-partidário. Assim o juiz há de sopesar para impedir, em sendo a
hipótese, que de uma hora a outra, possa o trator - sem o devido processo legal - destruir
benfeitorias construídas ou sob os olhos da Administração e deixar, assim, ao relento,
famílias humildes.
3 - Os bens públicos são, em verdade, insuscetíveis de posse e não
podem ser usucapidos, mas a tolerância do administrador que abdica de seu poder de
polícia, de agir no tempo, fecha os olhos, traz com a dessídia conseqüência sobre a posse
tolerada.
4 - Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do relator, vencido,
em parte, o Revisor.
(fl. 208)

Em face deste, foram opostos embargos de declaração, aos quais se negou provimento.
O DISTRITO FEDERAL , com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional,
aponta violação dos arts. 236, § 1º, e 552 do CPC; 497 do CC; 66 c/c 69 do CC; 572 do CC; 460 do CPC; e
516 do CC. Sustenta, em síntese:
a) a nulidade do acórdão recorrido, porque à TERRACAP, que também é parte nos autos,
não se deu notícia da interposição do recurso de apelação nem dos demais atos processuais praticados, já
que seu nome não constou nas publicações;
b) a inexistência do direito de posse, um vez que atos de mera tolerância não a induzem e
porque, ademais disso, a área ocupada é pública; e
c) ocorrência de julgamento ultra petita , uma vez que não se pleiteou, na peça
exordial, a indenização por benfeitorias e o reconhecimento do direito de retenção;
d) não-configuração do direito de retenção, porque a ocupação irregular de área
pública não caracteriza posse de boa-fé.
Sem contra-razões, subiram os autos, por força de agravo de instrumento.

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É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 556.721 - DF (2003/0126967-7)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON


RECORRENTE : DISTRITO FEDERAL
PROCURADOR : SANDRA CRISTINA DE ALMEIDA TEIXEIRA E OUTROS
RECORRIDO : ANA CÉLIA VIEIRA SALES E OUTROS
ADVOGADO : HELENICE ALVES PORTO

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): Preliminarmente,


verifico que as teses em torno dos arts. 66, 69 e 572 do CC; e 460 do CPC não foram prequestionadas,
porque o Tribunal a quo , a seu respeito, não emitiu qualquer juízo de valor. Assim, tem aplicação o
disposto na Súmula 282/STF. Assevero ainda que, se a despeito da interposição de embargos
declaratórios, o Tribunal não se pronuncia acerca de determinada questão, perdura a ausência de
prequestionamento, o que torna incabível o recurso especial, nos termos da Súmula 211/STJ.
Observo que a tese relativa aos arts. 236, § 1º, e 552 do CPC também não merece ser
conhecida, porque sua apreciação implicaria desobediência ao comando da Súmula 7/STJ. Isto porque
a esta Corte, em sede de recurso especial, não se admite o reexame de matéria fático-probatória.
Feitas essas considerações, e considerados prequestionados os demais dispositivos,
passo ao exame do mérito.
Requer-se, por meio destes embargos de terceiro, a obstaculização do cumprimento do
mandado de reintegração de posse expedido em favor da TERRACAP nos autos do interdito
proibitório em que contendiam Cleomar João Três e o DISTRITO FEDERAL . Argüi-se que os
verdadeiros possuidores da área objeto da ação não foram parte da aludida demanda e que, por isso, a
sentença ali proferida não lhes podia atingir. O pleito, em sede de sentença, foi julgado improcedente.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios deu provimento ao apelo para
salvaguardar a ocupação precária dos embargantes. No voto condutor do acórdão, ficou consignado
que, em decorrência da tolerância do administrador público, há de reconhecer-se o direito
indenizatório dos embargantes pelas benfeitorias úteis e necessárias, direito esse que lhes assegura a
prerrogativa de retenção e impede o cumprimento do mandado de reintegração de posse.
Entendo, porém, que não merece acolhida o entendimento adotado pela Corte de
Origem.
O art. 516 do CC/1916, que hoje encontra correspondência com o art. 1.219 do
CC/2002, dispõe, a respeito do direito de indenização por benfeitorias, o que se segue:

Art. 516. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias


necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se lhe não forem pagas, a
levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias
necessárias e úteis, poderá exercer o direito de retenção.
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Veja-se que o direito de retenção é prerrogativa de quem, com boa-fé, é possuidor de


alguma coisa. Exige-se, portanto, para sua configuração, a coexistência de pelo menos duas condições: a)
posse; e b) boa-fé.
Presentemente, por aplicação da doutrina de Jhering, que reuniu, numa única idéia, os
elementos corpus e animus definidos na lição de Savigny, tem-se que posse é o direito reconhecido a
quem se comporta como proprietário. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham
juntos, não havendo de ser reconhecer a posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário
ou não possa gozar de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
Sabe-se que os imóveis públicos, por expressa disposição do art. 183, § 3º, da CF/88,
não são adquiridos por usucapião. Tem-se conhecimento também de que eles, assim como os demais bens
públicos, somente podem ser alienados quando observados os requisitos legais. Daí resulta a conclusão
de que se o bem público, por qualquer motivo, não pode ser alienado, ou seja, não pode se tornar objeto
do direito de propriedade do particular, também não pode se converter em objeto do direito de posse de
outrem que não o Estado.
Inadmitindo a existência de posse em área pública, cito duas decisões desta Corte,
cujas ementas transcrevo abaixo:

MANUTENÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA,


ADMINISTRADA PELA “TERRACAP – COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA”.
INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA.
– A ocupação de bem público não passa de simples detenção, caso em
que se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contra o órgão público.
– Não induzem posse os atos de mera tolerância (art. 497 do Código
Civil/1916). Precedentes do STJ.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 489.732/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em
05.05.2005, DJ 13.06.2005 p. 310)

INTERDITO PROIBITÓRIO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA,


PERTENCENTE À “COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA – TERRACAP”.
INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA NO CASO.
– A ocupação de bem público, ainda que dominical, não passa de mera
detenção, caso em que se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contra o
órgão público. Não induzem posse os atos de mera tolerância (art. 497 do CC/1916).
Recurso especial não conhecido.
(REsp 146.367/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em
14.12.2004, DJ 14.03.2005 p. 338)

Nestes autos, tem-se caso de ocupação de área pública, a qual, dada sua irregularidade,
não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. Tal conclusão, registre-se, está assentada
no próprio acórdão recorrido, que, a despeito de reconhecer a inexistência de posse, admitiu a existência do
direito de retenção e obstaculizou o cumprimento do mandado de reintegração de posse.

Documento: 579170 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 03/10/2005 Página 5 de 4
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Ora, se o direito de retenção, como outrora fico dito, depende da configuração da posse,
não podia o Tribunal a quo , ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daquele
direito advindo da necessidade de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias, e assim impedir o
cumprimento da medida imposta no interdito proibitório.
Ressalte-se que neste feito, como se abstrai da decisão recorrida, não se vislumbra
hipótese de uso especial de bem público legalmente titulado, mas de ocupação irregular de área
pública, porque a utilização do imóvel realiza-se de forma clandestina, sem base em qualquer ato
unilateral ou contrato emanado da Administração.
E diga-se ainda que somente naqueles casos, quando admitido de maneira formal o uso
do bem público, particularmente nas hipóteses de permissão e concessão, há de se cogitar do cabimento
de eventual indenização pelos prejuízos advindos do ato revogatório. Em tais situações, a propósito, a
doutrina admite estar assegurado o ajuizamento das ações possessórias para garantia da utilização
permitida pela Administração (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São
Paulo: Malheiros, 2002 p. 490-501).
Por todo o exposto, dou provimento ao recurso especial, para julgar improcedente a
ação, ficando invertidos os ônus da sucumbência.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2003/0126967-7 REsp 556721 / DF

Números Origem: 20000110187844 200201702346

PAUTA: 15/09/2005 JULGADO: 15/09/2005

Relatora
Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ FLAUBERT MACHADO ARAÚJO
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : DISTRITO FEDERAL
PROCURADOR : SANDRA CRISTINA DE ALMEIDA TEIXEIRA E OUTROS
RECORRIDO : ANA CÉLIA VIEIRA SALES E OUTROS
ADVOGADO : HELENICE ALVES PORTO

ASSUNTO: Administrativo - Ato - Interdição - Construção / Edificação em Área Pública

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra.
Ministra-Relatora."
Os Srs. Ministros Franciulli Netto, João Otávio de Noronha, Castro Meira e Francisco
Peçanha Martins votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 15 de setembro de 2005

VALÉRIA ALVIM DUSI


Secretária

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