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Acórdãos TRG Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

Processo: 2722/20.0T8BCL.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO
VIOLÊNCIA
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
CASO JULGADO

Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 13/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S

Meio Processual: APELAÇÃO


Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL

Sumário:
I- A procedência da providência cautelar de restituição provisória da
posse depende da verificação de três requisitos: a posse, o esbulho e
a violência.
II- A posse é um poder que se manifesta quando alguém atua por
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de
outro direito real – art. 1251º do CC.
III- O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a sua
possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.
IV- Por outro lado, ocorre a violência quando se use de coação física
ou moral, nos termos do art. 255º do CC, se forem praticados atos que
constranjam a vontade do possuidor, obrigando este a submeter-se ao
desapossamento.
V- É matéria controvertida, tanto na doutrina como na jurisprudência, a
questão de saber se, na caracterização da violência, esta tanto pode
ser exercida sobre pessoas, como sobre as coisas, ou se o conceito
deve ser limitado à coação exercida sobre o possuidor.
VI- Ora, de acordo com o n.º 2 do citado art. 255º, a ameaça
integradora da coação moral tanto pode respeitar à pessoa como
à honra ou fazenda do esbulhado ou de terceiro.
VII- Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário,
o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal
apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do
pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder.
VIII- Não podemos confundir a questão da força ou autoridade do caso
julgado com a exceção dilatória do caso julgado. Efetivamente, a
autoridade do caso julgado, embora pressupondo a existência de uma
decisão transitada em julgado, não se confunde com a exceção do
caso julgado. Esta destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões
de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a
nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e
pedido. Aquela – a autoridade de caso julgado – importa a aceitação
de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao
seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou
situação jurídica material definida por uma sentença possa ser
validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo
exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art. 498º do
CPC.
IX- Os procedimentos cautelares constituem instrumentos processuais
destinados a prevenir a violação grave ou de difícil reparação de
direitos, derivada da demora natural de uma decisão judicial.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de
Guimarães
*
1 – RELATÓRIO

Nos presentes autos de procedimento cautelar de


restituição provisória da posse (1) em que figura como
requerente Fábrica da Igreja Paroquial de X, com sede
na Rua …, nº …, freguesia de X, concelho de Barcelos, e
requeridos M. A., residente no Lugar de ..., freguesia de X,
concelho de Barcelos, J. O., residente no Lugar de ...,
freguesia de X, concelho de Barcelos, e J. A., residente no
lugar de ..., freguesia de X, concelho de Barcelos, decidiu-
se por sentença de 16-12-2020, pela sua procedência
parcial, ordenando-se a restituição provisória da posse à
Requerente do prédio descrito em 1) e 3) dos factos
provados e foram os Requeridos condenados a remover a
vedação descrita em 16) dos factos provados e a
absterem-se de praticar quaisquer actos que ponham em
causa a posse da Requerente sobre o referido prédio.
O auto de restituição provisória da posse consta de fls. 81
dos autos.
*

Notificados da decisão, nos termos e para os efeitos do


disposto nos artigos 366º n.º 6 e 372º do Código de
Processo Civil, vieram os Requeridos deduzir oposição,
nos termos constantes de fls. 87 a 94, onde, em síntese,
alegam que a cedência do prédio que efectuaram à
Requerente foi meramente precária, pelo que a posse por
aquela exercida sobre o prédio é ilegítima, ademais
porque a Requerente tomou posse do prédio na pendência
da acção que correu termos entre as partes e onde aquela
pretendia ver reconhecido o direito de propriedade sobre o
prédio, o que não conseguiu.
Sustentaram, ainda, que devem dar-se como não
provados os factos dados por provados em 4), 5), 6), 7),
8), 9), 10), 11), 12) e 13) cuja fundamentação assentou na
autoridade do caso julgado, pois o caso julgado apenas
abrange o segmento decisório.
*

A Requerente pronunciou-se quanto ao teor da


documentação junta pelos Requeridos e pugnou pela
condenação destes como litigantes de má fé.
*
Procedeu-se à realização da audiência final, nos termos e
ao abrigo do disposto no 367º/1 do CPC, como da
respectiva acta melhor consta.
*
No final, foi proferida a seguinte decisão:
“Destarte e por todo o exposto, julga-se improcedente a
oposição deduzida pelos Requeridos M. A., J. O. e J. A. e,
consequentemente, mantém-se a restituição provisória da
posse ordenada nos autos.
Custas a cargo dos Requeridos – artigo 539º, nº 1, do
Código de Processo Civil.
Notifique e registe.”
*
Inconformados com essa decisão, apresentaram os
Requeridos recurso de apelação contra ambas as
decisões, cujas alegações finalizaram com a apresentação
das seguintes conclusões:

1ª – 1ª questão: - quer o pedido principal, quer o


subsidiário desta providência, ambos se reduzem ao
mesmo objeto – “impedimento do direito de servidão de
passagem”. Porém, compulsando a causa de pedir não se
identifica qual o prédio dominante e serviente da servidão
de passagem, nem a localização e extensão do caminho
de servidão – verificando-se uma contradição entre o
pedido e a causa de pedir.
2ª – 2ª questão: - “esbulhar” uma coisa é privar, retirar
alguém do seu uso – o que já contém em si violência
sobre uma coisa.
Por isso, a violência a que se refere o artº 1279, conjugado
com o artº 1261º,2 e o artº 255 todos do CC, exige uma
carga maior – o “esbulho violento”. Este pressupõe
sempre uma coação sobre pessoas por via direta ou
indireta.
3ª – Para que a coação indireta se verifique é necessário
que a violência sobre as coisas seja de tal maneira forte
que constitua ela própria uma ameaça que amedronta o
possuidor a não reagir, a deixar-se desapossar da coisa.
4ª – Provando-se apenas que … “na terceira semana de
Novembro/2020, os Requeridos entraram no prédio e
colocaram uma vedação composta de estacas e
arame em toda a extensão da confrontação com caminho
vicinal, situado a norte, ficando a Reqte impedida de
aceder ao mesmo para proceder à sua manutenção e
limpeza” (facto 16 e 17 da 1ª decisão), concluímos que:
a) – o meio de vedação é frágil; um simples alicate abriria
uma entrada num minuto … - cfr. doc. 9 da PI.
b) – confrontando o terreno com o adro da igreja da Reqte
- cfr. doc. 4 da PI cautelar - torna-se desnecessário o
acesso pelo caminho de servidão.
c) – a colocação de 3 ou 4 fiadas de arame amarradas a
estacas após a decisão do ac. RG de 15.10.2020 com o
esclarecimento de que os Requeridos foram absolvidos
de todos os pedidos (incluindo do pedido de entrega e
inutilidade superveniente da lide) tal atuação só pode
significar que os Requeridos, anteriores possuidores do
prédio, procederam ao exercício do seu direito de
retomarem a posse do prédio conforme o faziam antes da
instauração da ação nº 1942/18 (e não que pretenderam
amedrontar alguém …).
d) – contrariamente aos Requeridos, a Reqte não usufrui
do prédio, já que apenas precisa de lá entrar para
“manutenção e limpeza”.
e) – tratando-se de um prédio rústico, cultivando-o os
Requeridos com ervas aromáticas, fica assegurada a
manutenção e limpeza do prédio.
5ª – Sobre a tese aqui defendida vide:
- Manuel Rodrigues, in “a Posse”, 1981, pág. 366;
- Orlando de Carvalho, in “Dtº das Coisas”, pág. 283/284;
- Miguel Teixeira de Sousa, in anot. ao ac. da Rel.
Guimarães de 6.12.2018, procº nº 2817/18.0T8VCT in
blogippc.blogspot.com.
- Ac. RG de 19.3.2020, dgsi, procº 281/19.6T8PRG (um
cadeado).
- ac. STJ de 19.5.2020, in CJ/STJ II, pág. 68, que procura
definir a Jurispª sobre a matéria - negando a providª de
r.p.p. num caso igual ao dos autos – “foi colocada uma
rede para impedir a utilização de um caminho” …
- outros Ac.s recusam a providência em casos como a
colocação de um pedregulho à entrada de um caminho,
etc.
- vide, ainda “o conceito de violência” e a evolução da
Jurispª, Carlos Gabriel Silva Loureiro, in “O Direito em
Dia”, publicado na Net em 10.11.2020.
6ª – 3ª questão: - Deve também indeferir-se o pedido
subsidiário (artº 362 e 379, CPC), uma vez que para além
do “fumus boni juris”, a lei exige a “grave lesão e
dificilmente reparável” – que inexiste e nem sequer foi
alegada pela Reqte – cfr. parte final do facto 17 da 1ª
decisão.
7ª – 4ª questão: - Deve dar-se como “Provada” a matéria
alegada no item 1º, 2º, 3º e 4º da Oposição, conjugada
com a decisão do ac. RG de fls 41, ss. e com o Facto 15
da 2ª decisão – “desde 4.12.2019, a Reqte está na posse
do prédio”.
Para tanto, os Requeridos apresentam como meio de
prova o doc. 1, junto à n/Oposição, não impugnado pela
Reqte e o aludido ac. de fls 41, ss.
8ª – 5ª questão: - Deve dar-se por adquirido no presente
recurso que na decisão de improcedência do Pedido de
entrega formulado pela aqui Reqte na ação nº 1942/18, o
douto ac. RG de 15.10.2020 (fls 41, ss) teve em
consideração a “confirmação da sentença recorrida na
parte em que a autora não logrou provar a aquisição
derivada da propriedade referente à parcela de terreno em
causa, nem a aquisição originária, nem ainda pode
beneficiar da presunção inerente à posse prevista no artº
1268-1, CC” – cfr. fls 61v.
9ª – 6ª questão: - Deve dar-se como adquirido no presente
recurso que na decisão de improcedência do pedido de
entrega formulado pela A. aqui Reqte no procº 1942/18, o
aqui douto ac. RG de 15.10.2020 teve consideração que a
Reqte ocupou o prédio em 4.12.2019, tendo esclarecido
em despacho posterior que a decisão do acórdão
contemplou também essa questão, ao revogar o pedido de
inutilidade superveniente da lide, mais esclarecendo que a
Reqte não tinha o direito de pedir a entrega do prédio aos
RR, aqui Requeridos – cfr. doc. 3 da Oposição, não
impugnado pela Reqte.
10ª – 7ª questão: - considerando-se as conclusões
anteriores e o douto ac. RG de 15.10.2020,
estão definitivamente julgadas as seguintes questões:
1ª – a escritura de justificação e doação de 30.9.04 não
transmitiu a propriedade do imóvel para a A. e, por essa
questão, a A/Reqte não podia, nem pode aqui, pedir a
entrega do mesmo imóvel;
2ª – a A/Reqte não tem a posse do imóvel, por si e
antepossuidores (alegação que fez tb na ação 1942/18) e
por esta questão não podia, nem pode aqui, pedir a
entrega aos Requeridos do imóvel;
3ª – a “posse” por via da ocupação que a Reqte fez do
imóvel em 4.12.2019 e consequente pedido de inutilidade
superveniente da lide foi considerado naquele douto ac.
RG, tendo sido revogado o pedido de inutilidade
superveniente da lide, pelo que também com base nessa
questão declarou ilegítima a ocupação que fez do imóvel
em 4.12.2019 – cfr. esclarecimento do doc. 3 junto à
Oposição Cautelar, pelo que não pode a Reqte submeter
novamente tais questões (propriedade e posse do prédio e
ocupação de 4.12.2019) como fundamento
deste novo pedido, e agora sob a capa da restituição do
prédio, por ofensa de caso julgado.
11ª – 8ª questão: - com o devido respeito, face à decisão
das questões submetidas à apreciação daquele douto ac.
RG, que julgou a improcedência dos pedidos, vg, de
entrega, não vemos como é possível qualificar como
“esbulho violento” o ato dos RR de, após a decisão do
douto acórdão, procederem ao normal exercício do seu
direito, recuperando a posse do prédio de que vinham
usufruindo desde há dezenas de anos – cfr. factos
provados 1 a 8 e facto 10 e 11 da 2ª decisão recorrida.
12ª – 9ª questão: - Deve dar-se como “não provados” os
factos 4) a 13), inclusive da 1ª decisão cautelar recorrida,
conforme pedido final dos Requeridos na sua Oposição,
uma vez que:
- “o caso julgado num 1º processo, transitado, não se
estende aos factos aí dados como provados para efeito
desses mesmos factos poderem ser invocados,
isoladamente, da decisão a que serviram de base, num
outro processo … os fundamentos de facto não adquirem
quando autonomizados da decisão de que são
pressuposto, valor de caso julgado, de modo a poderem
impor-se extra processualmente” – cfr. douto e recente ac.
STJ de 17.5.2018, procº 3811/13.3T8PRD, dgsi no qual se
expôs grande resenha doutrinal e jurisprudencial desta
questão.
13ª – 10ª questão: - tendo o douto ac. RG de fls 41,
ss integrado na decisão a ocupação que a Reqte fez do
prédio em 4.12.2019, negando à aqui Reqte o direito de
ter pedido a entrega e de ocupar o prédio, revogando o
pedido da Reqte de inutilidade superveniente da lide, com
base nesse facto, aquela decisão transitada, no fundo,
considerou ilegítima a ocupação da Reqte desde aquela
data, pelo que, não pode, ao arrepio dessa decisão vir
astuciosamente colocar a mesma questão, ao abrigo do
instituto da “restituição de posse”.
14ª – 11ª questão: - sem prejuízo da conclusão anterior,
a investidura da posse define a natureza da mesma.
Assim, se em 4.12.2019 se discutia em julgamento o
direito da Reqte pedir a entrega do prédio, o ato de
ocupação de 4.12.2019 só pode ter a natureza de
“violência” nos termos do nº 2, parte final, do artº 1267,
CC, não se iniciando a nova posse.
À não reação dos Requeridos, não pode atribuir-se
qualquer efeito jurídico, na medida em que, face à
ocupação abrupta que os muitos representantes da Reqte
fizeram em 4.12.2019, os Requeridos decidiram aguardar
pelo resultado da ação, evitando o confronto e mais
conflitualidade.
15ª – No momento da instauração da providência cautelar
e no momento da decisão, quer a Reqte, quer o douto
Tribunal recorrido, sabiam que o Venerando Tribunal da
Rel. Guimarães havia negado à Reqte o Dtº de
Propriedade sobre o imóvel.
16ª – 12ª questão: - Ora, sendo esta providência um meio
cautelar de defesa do direito de propriedade
correspondente ao imóvel possuído e, sabendo a Reqte
que um Tribunal lhe recusou ser titular do direito de
propriedade, age de má fé e fraude à lei o “possuidor” que
se socorre da r.p.p.
Com toda a clareza, a propósito diz Manuel
Rodrigues, in “a Posse”, 1981, pág. 326 … “a ninguém é
lícito defender um direito provisório, criado
exclusivamente para a defesa de um direito definitivo
quando se sabe que este não existe”. E mais …
“encarrega a sua consciência, diziam os escritores antigos
aquele que se defende com ações possessórias quando
sabe que o direito que elas tutelam não existe” – ob. cit.
pág. 326.
17ª – 13ª questão: - por outra via … exigindo a nossa lei
para a Posse o “corpus” e o “animus sibi habendi” (artº
1251, CC), falta o “animus” à posse daquele que, pelo
menos no momento da instauração da ação e da decisão
cautelar, sabe que o Tribunal lhe negou a propriedade do
imóvel, ou seja, não pode agir como proprietário, que não
é!.
18ª – 14ª questão: - sem prescindir, considerando a 2ª
decisão recorrida quando diz … “a partir de inícios de
Dezembro/2019, a Requerente tomou posse da parcela,
exercendo sobre a mesma atos de posse, posse essa que
foi esbulhada em meados de Novembro/2020 por ação
dos Requeridos”, não restam dúvidas que estamos
perante uma posse inferior a um ano e um dia – “posse”
essa que não permite o recurso à providência recorrida.
19ª – 15ª questão: - entendeu ainda a douta decisão
recorrida que existiu uma “vacatio” na posse do prédio
entre 1.8.2018 e 4.12.2019 – o que não pode admitir-se,
face ao artº 1257-1, 2ª parte do CC e ao facto de, na
opinião de P. Lima e A. Varela … “não é de admitir a
perda de posse pelo simples abandono enquanto se não
constituir uma posse de um ano e um dia, em benefício de
outrem …” (C. Civil anotado – 3º vol., in anot. ao artº
1267).
20ª – 16ª questão: - deve aditar-se aos Factos Provados
mais o seguinte: - “entre 1.8.2018 e 4.12.2019, os
Requeridos mantiveram-se na posse do prédio, nele
entrando e abrindo regos de escoamento das águas
vindas da Igreja” – matéria alegada e provada através do
doc. 21 da Oposição, conjugado com o depoimento das
seguintes testemunhas:
a) - M. C.:
Ao m. 1:00, disse … “nasci na casa destes herdeiros” e ao
m. 7:55 diz… “ser jornaleira neste campo e vai lá 3 vezes
por semana”.
Ao m. 9:24 – adv: - “antes da ocupação (do terreno) pela
Junta Fabriqueira (com postes e arames), quem é que
estava na posse do terreno?
Testª:- “Eram os herdeiros… o M. A., o J. O. e o J. A.”.
Adv (ao m. 9:45): - “Mas, antes disso, não é verdade que
ali durante um ano o terreno ficou sem ser cultivado?”
Test:- “ninguém cultivou, apenas fazia, fizeram lá uns
regos, que era por causa de escoar as águas, mais nada”.
Adv: - “mas quem fez esses regos?”
Testª: “os herdeiros”.
Adv:- “mas as águas vinham de onde ?”
Testª:- “que vêm da Igreja, tem ali uns buracos, cai tudo
para o lado deles e eles então…”.
b) - Depoimento de M. S., tio dos Requeridos e que ali vai
com frequência.
Interrogado pelo ilustre advogado da Reqte:
Ao m. 23:45: - “desde 1 de Agosto a Dezembro de 2019
fabricaram o terreno?”
Test:- “não fabricaram”.
Adv:- “mas o Sr. disse há bocado que fizeram regos de
drenagem da água recentemente ?”
Test:- “quando tinha a plantação de ervas aromáticas,
faziam regos e depois no pousio também faziam”.
Adv:- tem a certeza?”
Test:- “certeza absoluta”.
21ª – Deve retirar-se do Facto 15º da 1ª decisão recorrida
a expressão “por si e antepossuidores”, face às decisões
do douto ac. RG de 15.10.2020 (fls 41, ss e
esclarecimento do doc. 3 da Oposição dos Requeridos),
uma vez que a Reqte não beneficia do disposto no artº
1256, CC (junção de posses).
22ª – Face aos factos provados 1 a 8 e 10 e 11 da 2ª
decisão e às conclusões anteriores, os Requeridos
sempre beneficiariam de “melhor posse”.
Nestes termos e nos melhores de Direito que Vªs Exªs
doutamente suprirão,
Deve revogar-se as doutas decisões recorridas,
absolvendo os Requeridos do Pedido, por ser
conforme ao Direito e à Justiça.

Notificada do recurso apresentado pelos Rdºs, a Rte


apresentou as suas contra-alegações, que se encontram
finalizadas com a apresentação das seguintes conclusões:

a) - Não se verifica qualquer contradição entre o pedido e


a causa de pedir.
b) - Atento o quadro factual dado como provado, deve
entender-se que o esbulho da posse da Requerente por
parte dos Requeridos foi violento.
c) - Vem prevalecendo na jurisprudência o entendimento
de que a violência tanto pode ser exercida sobre as
pessoas como sobre as coisas.
d) - A destruição (ou a construção) duma coisa, ou a sua
alteração, pode ser o meio de impedir a continuação da
posse, coagindo, física ou moralmente, o possuidor a
abster-se dos actos de exercício do direito
correspondente.
e) - Tendo os Requeridos obstruído o acesso ao prédio,
vedando-o e impedindo o possuidor de o usufruir, estamos
perante uma coacção física sobre coisas, que coarcta a
Requerente.
f) - Estão preenchidos todos os requisitos de que depende
a restituição provisória da posse.
g) - Todavia, caso assim não se entendesse, o que não se
concebe, sempre estariam verificados os requisitos
necessários para o decretamento da restituição da posse,
nos termos dos artigos 362º e 379º do Código de
Processo Civil.
h) - Os Recorrentes fazem uma interpretação
manifestamente abusiva do acórdão proferido no âmbito
do processo n.º 1942/18.2T8BCL.
i) - Os Recorrentes tentam colocar na pena dos
Venerandos Desembargadores algo que os mesmos
nunca escreveram.
j) - A escritura de justificação e doação constitui título
válido de aquisição do prédio objecto dos autos por parte
da Requerente.
k) - A posse invocada neste processo não colide com o
decidido no âmbito do processo n.º 1942/18.2T8BCL.
l) - O despacho do Tribunal da Relação de Guimarães
junto com a oposição como documento n.º 3, tendo
apenas por objecto uma reclamação da nota discriminativa
e justificativa de custas de partes, não produz qualquer
caso julgado material e não permite a interpretação feita
pelos Recorrentes nas suas alegações.
m) - Não resulta da decisão proferida no âmbito do
processo n.º 1942/18.2T8BCL que tenha sido reconhecida
aos Requeridos a posse do prédio objecto dos autos.
n) - Da factualidade provada no processo n.º
1942/18.2T8BCL, não se mostra verificado o elemento
subjectivo da posse.
o) - De tal factual idade resulta que os aqui Requeridos
não cultivavam o terreno na convicção de serem
proprietários do mesmo, mas sim porque o seu antecessor
havia determinado que o prédio deveria continuar a ser
cultivado até a Requerente iniciar a construção do Salão
Paroquial ou da residência do Pároco.
p) - Verifica-se assim um claro conhecimento por parte
dos Requeridos do direito que a Requerente possuía
sobre aquele prédio.
q) - Os pontos 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) da
decisão do Tribunal a quo de 16112/2020, correspondem
integralmente ao vertido nos pontos 16), 19), 20), 22), 23),
24), 25), 29) e 31) dos factos provados da sentença
proferida no âmbito do processo n.º 1942/18.2T8BCL, a
qual transitou em julgado.
r) - A autoridade de caso julgado visa garantir a coerência
e a dignidade das decisões judiciais.
s) - O respeito por uma decisão transitada em julgado
implica a impossibilidade de a mesma poder ser objecto
de uma decisão posterior que a contradiga.
t) - Todas as questões que devam considerar-se
antecedentes lógicos e indispensáveis do julgado devem
considerar-se abrangidas pela autoridade do caso julgado.
u) - O que está em causa na presente providência é
unicamente a posse da Requerente, sendo que a mesma
foi suficientemente demonstrada nos autos.
v) - O “animus” da posse encontra-se devidamente
sustentado no facto de o prédio ter sido doado à
Requerente e de lhe ter sido entregue voluntariamente,
livre de bens e plantações pelos Requeridos, passando a
ocupar o mesmo posteriormente e a praticar nele actos de
posse.
w) - Todos os Requeridos, em sede de depoimento
prestado em 12/11/2019 no âmbito do processo n.º
1942/18.2T8BCL, declararam que consideravam o prédio
entregue à aqui Requerente.
x) - Não tendo havido qualquer posse por parte dos
Requeridos, não se pode falar em perda da posse, nem
em vacatio da posse no período compreendido entre 1 de
Agosto de 2018 e 4 de Dezembro de 2019.
y) - A Requerente não concorda com a douta decisão do
Tribunal a quo quanto à alteração do ponto 15 dos factos
provados da sentença que decretou a providência
cautelar, pois considera ter ficado suficientemente
demonstrado que a sua posse sobre o prédio objecto dos
autos se iniciou em 01/08/2018.
z) - De qualquer forma, e ainda que se considerasse que
os Requeridos estavam na posse do prédio até à sua
entrega à Requerente, o que não se concebe e não resulta
da factualidade provada, nunca seria aplicável o regime da
perda da posse, previsto no artigo 1267º do Código Civil.
aa) - A ter havido posse dos Requeridos, o que não aceita,
a mesma foi voluntariamente cedida à Requerente,
tomando-se assim irrelevante que a posse da Requerente
seja inferior a um ano e um dia.
ab) - A posse da Requerente não foi adquirida com
violência.
ac) - Se considerássemos os Requeridos possuidores, o
que não se concebe, tendo estes entregado o prédio à
Requerente, manifestando-o através de uma comunicação
escrita, sempre se deveria entender que esta adquiriu a
posse de forma legítima, de acordo com o disposto no
artigo 1263º, alínea b) do Código Civil.
ad) - O ponto que os Recorrentes pretendem aditar inclui
matéria de direito (“mantiveram-se na posse”), pelo que tal
pretensão não poderia ser atendida
ae) - Os Recorrentes não dão cumprimento ao disposto no
artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
af) - Os Recorrentes não indicam com exactidão as
passagens da gravação em que se funda o seu recurso,
limitando-se a transcrever frases soltas de duas
testemunhas, de forma incompleta e sem qualquer
contextualização.
ag) - Os Recorrentes não alegam por que razão
consideram que os depoimentos invocados impunham
uma decisão diversa da recorrida.
ah) - O Tribunal a quo desvalorizou os depoimentos em
causa, pelo que os Recorrentes, para cumprimento do
disposto no artigo 640º, n.º 1, alínea b) do Código de
Processo Civil, tinham de pôr em crise a convicção do
Tribunal quanto aos referidos depoimentos,
fundamentando por que razão os mesmos impunham
decisão diversa, o que não fizeram.
ai) - Como muito bem considerou o Tribunal a quo, as
afirmações das testemunhas em causa são
manifestamente insuficientes para o Tribunal concluir que
os Requeridos mantiveram a posse do terreno.
aj) - Todavia, e sem conceder, mesmo que se
demonstrasse que os Requeridos abriram de facto regos
do prédio objecto dos autos, o que não se concebe, tal
seria de todo insuficiente para se concluir que os mesmos
se mantiveram na posse do terreno, tendo em conta quer
a irrelevância dos actos em causa quer a não
demonstração do elemento subjectivo da posse.

NESTES TERMOS
E nos demais que Vossas Excelências doutamente
suprirão será feita JUSTIÇA.
*
A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso
interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
*
Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando
ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e
decidir.
*
2 – QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts.


663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem
prejuízo do conhecimento das questões de que deva
conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer
das que constem nas conclusões que, assim, definem e
delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes
Requeridos, estes pretendem:
- haver contradição entre o pedido e a causa de pedir
(conclusão 1ª - 1ª questão das alegações);
- haver inexistência de violência no esbulho (conclusões 2ª
a 5ª - 2ª questão das alegações);
- haver inexistência do requisito “perículum in mora” no
pedido subsidiário (conclusão 6ª - 3ª questão das
alegações);
- que quanto à matéria de facto, se deva dar
como “Provada” a matéria alegada no item 1º, 2º, 3º e 4º
da Oposição (conclusão 7ª - 4ª questão das alegações);
- que se dê como adquirido o desfecho da acção de
reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela
requerente contra os Requeridos (conclusões 8ª e 9ª - 5ª e
6ª questões das alegações);
- que se dê como definitivamente julgadas determinadas
questões decididas na acção de reivindicação nº
1942/12.2T8BCL (conclusão 10ª - 7ª questão das
alegações);
- que se dê como definitivamente julgadas determinadas
questões decididas na já referida acção de reivindicação
nº 1942/12.2T8BCL (conclusão 10ª - 7ª questão das
alegações);
- que se afira da impossibilidade em qualificar como
“esbulho violento” o acto dos requeridos atento o desfecho
da dita acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL
(conclusão 11ª - 8ª questão das alegações);
- que quanto à matéria de facto, se deva dar como “não
provados” os factos 4) a 13), inclusive da 1ª decisão
cautelar recorrida (conclusão 12ª - 9ª questão das
alegações);
- que se afira da impossibilidade da requerente vir colocar
idêntica questão, ao abrigo do instituto da “restituição de
posse”, atento o desfecho da acção de reivindicação nº
1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os
Requeridos, que considerou ilegítima a ocupação do
prédio por aquela desde 4-12-2019, (conclusão 13ª - 10ª
questão das alegações);
- que se avalie do efeito do desfecho da acção de
reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela
Requerente contra os Requeridos relativamente
à investidura da posse (conclusões 14ª e 15ª - 11ª questão
das alegações);
- que se avalie do efeito do desfecho da acção de
reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela
Requerente contra os Requeridos relativamente a esta
providência (conclusão 16ª - 12ª questão das alegações);
- que se avalie da falta do elemento subjectivo da posse
da Requerente, em face ao desfecho da já aludida acção
de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL (conclusão 17ª - 13ª
questão das alegações);
- que se afira do efeito do desfecho da acção de
reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela
Requerente contra os Requeridos, em virtude de estarmos
perante uma posse (da requerente) inferior a um ano e um
dia – “posse” essa que não permite o recurso à
providência recorrida (conclusão 18ª - 14ª questão das
alegações);
- inexistir uma “vacatio” na posse do prédio entre 1.8.2018
e 4.12.2019 (conclusão 19ª - 15ª questão das alegações);
- que quanto à matéria de facto, se adite aos factos
provados mais o seguinte: - “entre 1.8.2018 e 4.12.2019,
os Requeridos mantiveram-se na posse do prédio, nele
entrando e abrindo regos de escoamento das águas
vindas da Igreja” (conclusão 20ª - 16ª questão das
alegações);
- que em face do desfecho da acção de reivindicação nº
1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os
Requeridos, se proceda a uma alteração à matéria de
facto (conclusão 21ª);
- que se reaprecie a decisão de mérito da providência face
aos factos provados 1 a 8 e 10 e 11 da 2ª decisão e às
conclusões anteriores (conclusão 22ª).
*
3 – OS FACTOS

1ª decisão (de 16-12-2020):

FACTOS PROVADOS:

Nos termos do disposto nos artigos 294º, nº1 e 365º, nº1,


do Código de Processo Civil, consideram-se
indiciariamente provados os seguintes factos, com relevo
para a decisão da causa:
1 – O prédio rústico denominado de «...», destinado a
cultura arvense de regadio, com a área de 1020m2, que
confronta de norte com caminho vicinal, de sul e nascente
com M. M. e de poente com Igreja, inscrito na matriz sob o
artigo ..., está descrito na Conservatória do Registo Predial
sob o n.º .../2005-01-21 da freguesia de X e está inscrito a
favor da Requerente pela apresentação n.º 09/2005-01-21
por «aquisição …por doação de A. O. cc Maria na com. de
adquiridos, ... X, Barcelos. CLÁUSULA: Condicionada à
sua não transmissão e à construção no mesmo do Salão
Paroquial e/ou Residência Paroquial.»
2 – No dia 30 de Setembro de 2004, foi outorgada
escritura pública de «Justificação e Doação» na qual
intervieram A. O. e mulher Maria, na qualidade de
primeiros outorgantes, J. G., D. M., J. O., na qualidade de
segundos outorgantes e o Padre A. C., em representação
e com Presidente da Fábrica da Igreja Paroquial de X, foi
declarado que:
Declarou o primeiro outorgante:
Que é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem,
do prédio rústico, composto de terreno de cultura arvense
de regadio, sito no Lugar de ..., freguesia de X, concelho
de Barcelos, com a área de 1020 m2, a confrontar a norte
com caminho vicinal, sul e nascente com Maria e poente
Igreja, não descrito na Conservatória do Registo Predial
de …, inscrito na matriz sob o nome do justificante sob o
artigo … …
Tal imóvel veio à sua posse por lhe ter sido doado
verbalmente por seu pai, já falecido, M. L., viúvo de M. O.,
residentes que foram ambos no Lugar de ..., … doação
essa que teve lugar em 1971, em dia e mês que não pode
precisar;
Não obstante não ter título formal de aquisição do referido
prédio, foi ele que sempre o possuiu desde aquela data
até hoje, logo há mais de 20 e mesmo 30 anos, em nome
próprio, gozou todas as utilidades por ele proporcionada,
pagou os respectivos impostos, fez obras de conservação,
plantou-o e colheu os frutos, com o animo de quem exerce
direito próprio, sendo reconhecido como seu dono por toda
a ene, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio,
pacificamente, porque sem violência, continua e
publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente
e sem oposição de ninguém;
Tais factos integram a figura jurídica da usucapião, que
invoca, como causa e aquisição do referido prédio, por
não poder comprovar a sua aquisição pelos meios
extrajudiciais normais.
Disseram os segundos outorgantes que, por serem
inteiramente verdadeiras, confirmam as declarações que
antecedem.
(…)
Disse mais o primeiro outorgante:
Que doa o imóvel, à Fábrica da Igreja Paroquial de X,
representada pelo terceiro outorgante, com a condição de
que a donatária não o alienar, seja onerosamente, seja
gratuitamente; e ainda com a condição de o imóvel ser
destinado a nele ser edificado, obtidas as necessárias
licenças, o Salão Paroquial e ou a Residência do
respectivo Pároco.
Atribui à doação o valor de €500,00.
Pelo terceiro outorgante foi dito que aceita para a Fábrica
da Igreja Paroquial de X, sua representada, a presente
doação, nos temos exarados.
Declarou a primeira: Que confirma as declarações
prestados por seu marido, nomeadamente, quanto à
natureza do prédio doado, de bem próprio dele; e que dá
autorização a seu marido para a doação por ele acabada
de efectuar. (…)»
3 – O prédio rústico situado na Travessa ..., destinado a
cultura arvense de regadio, com a área de 1020m2, que
confronta de norte, sul e poente com herdeiros de A. O. e
de nascente com Travessa ..., está inscrito na matriz
predial rústica de Barcelos sob o art. … (proveniente do
artigo …) da União de Freguesias de X, ... a favor da
Autora Fábrica da Igreja Paroquial de X.
4 – O prédio doado por A. O. pela escritura de justificação
e doação referida em 2) é o que está representado a fls.
15 dos autos com tracejado.
5 – Os Requeridos são filhos de uma sobrinha de A. O. e
esposa M. M..
6 – Os Requeridos, sem autorização e consentimento da
Requerente, ocuparam o prédio supra identificado,
nomeadamente efectuando e cultivando uma plantação de
ervas aromáticas, e fizeram-no até 1 de Agosto de 2018.
7 – Isso deveu-se ao facto de o tio-avô dos réus, A. O.,
dizer sempre que enquanto não se iniciassem as obras de
construção do Salão Paroquial e/ou Residência do Pároco,
o prédio doado deveria continuar a ser cultivado para não
ficar a monte.
8 – O Requerido M. A., em data não concretamente
apurada do ano de 2015, no âmbito da revisão do PDM de
Barcelos, solicitou à Câmara de Barcelos que o terreno
localizado atrás da igreja de X fosse incluído em zona de
construção (espaço urbano) para viabilizar a edificação
que a Fábrica da Igreja ali pretende levar a efeito e que se
destina a fins sociais.
9 – A Requerente, pelo menos em final de Março de 2018,
através do Dr. A. R., interpelou os réus, por carta, no
sentido de restituir o prédio.
10 – De seguida, a Requerente instaurou acção contra os
Requeridos, que correu termos no Juízo Local Cível de
Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL, na qual
peticionou o reconhecimento do direito de propriedade
sobre o prédio em causa bem como a sua restituição por
parte dos Requeridos.
11 – Após a instauração dessa acção e citação dos Réus,
estes comunicaram à Requerente terem limpo as ervas
aromáticas do prédio e consideraram o mesmo entregue à
Requerente.
12 – Os Requeridos foram citados na mencionada acção
em 1 de Agosto de 2018.
13 – A ocupação do prédio ocorreu, pelo menos, até 1 de
Agosto de 2018, sendo que em tal data, os Requeridos
entregaram à Requerente o prédio doado livre de bens e
plantações.
14 – Por essa razão, o pedido de restituição do imóvel foi
julgado extinto por inutilidade superveniente da lide.
15 – A Requerente, por si e antepossuidores, desde pelo
menos 1 de Agosto de 2018 que está na posse do prédio
descrito em 1) e 3), zelando pelo mesmo, procedendo à
sua limpeza e conservação, entrando nele sempre que
entende, cortando a erva, vedando-o com vigas e arames,
topografando-o, ocupando-o com veículo, nele
depositando pedras, gravilha e materiais inertes, de forma
contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de quem
quer que seja, agindo como sua dona, na convicção de
não lesar direitos alheios.
16 – Em data não concretamente apurada, mas que se
situa na terceira semana do passado mês de Novembro,
os Requeridos entraram no referido prédio e colocaram
uma vedação, composta por estacas e arame em toda a
extensão da confrontação com o caminho vicinal situado a
norte.
17 – Tal vedação impede a entrada no mencionado prédio,
estando a Requerente impedida de aceder ao mesmo para
proceder à sua manutenção e limpeza.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para resolução da causa não se provou


que:
a) A Requerente paga as contribuições e lavra o prédio
descrito em 1) e 3).
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

No que concerne à factualidade dada por assente sob os


pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) a
mesma foi dada por provada na sentença proferida na
acção que correu termos pelo Juízo Local Cível de
Barcelos - J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL e confirmada por
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, cujas
cópias se encontram juntas a fls. 21 a 63 dos autos,
decisão essa já transitada em julgado. Pelo que, ao abrigo
da excepção da autoridade do caso julgado, deve ser aqui
dada por provada.
Diga-se, ainda, que a documentação junta a fls. 10, 11, 12
a 18 e 19 comprova a factualidade constante dos pontos
1), 2) e 3).
Já o teor da sentença proferida na acção que correu
termos pelo Juízo Local Cível de Barcelos - J3, sob o nº
1942/18.2T8BCL, atesta o facto vertido no ponto 14.
O decidido quanto à demais matéria de facto resultou da
análise crítica da prova testemunhal produzida,
manifestamente sincera, isenta e evidenciando
conhecimento directo dos factos sobre os quais incidiu, e
com recurso ao juízo próprio que preside aos
procedimentos cautelares.
Declarou a testemunha A. F. que em Novembro de 2019
foi contratado pelos representantes da Autora para
proceder à vedação do terreno em questão nos autos, que
fica por detrás da Igreja, trabalho esse que realizou –
limpou o terreno e vedou-o com esteios de cimento e
arame, tendo deixado uma abertura para acesso ao
mesmo do lado do caminho.
Referiu, ainda, que há cerca de três ou quatro semanas,
também a mando dos representantes da Autora, estendeu
gravilha no terreno em questão.
Explicou que realizou tais trabalhos de dia, à vista de toda
a gente e sem que ninguém suscitasse qualquer
problema.
Mencionou, por fim, que presentemente o terreno em
causa está totalmente vedado, o que impede o acesso ao
mesmo por parte da Autora.
Já a testemunha J. D. referiu, com foros de rectidão e
seriedade, que a mando dos representantes da Autora,
capeou erva no mencionado terreno, que fica por detrás
da Igreja de X, três vezes – no início do presente ano, no
meio do ano e no início do mês de Novembro. Realizou
tais trabalhos de dia, à vista de todos e sem qualquer
oposição.
Afirmou, ainda, que há cerca de três semanas viu os
Requeridos a tirarem a vedação que a Autora havia
colocado no terreno e a colocarem outra, mas toda a volta.
Com esta vedação, os Requeridos fecharam o acesso
para o terreno, que era feito pelo caminho sito junto à
Igreja, impedindo a Autora de aceder ao terreno e de o
usar.
A testemunha A. S., que é secretária administrativa do Srº
Padre A., um dos representantes da aqui Autora, há cerca
de 17 anos, confirmou a utilização que é dada pela Autora
ao terreno em questão nos autos desde que o mesmo lhe
foi entregue pelos Requeridos, os trabalhos de limpeza e
manutenção que a Autora tem ordenado e o estado actual
do mesmo – encontra-se totalmente vedado, o que impede
o acesso da Autora ao mesmo.
No que respeita ao facto dado por não provado, o Tribunal
assim o considerou por ausência de prova nesse sentido.
****
2ª decisão (de 23-03-2021):
Da discussão da causa, e com relevo para a mesma, no
que respeita à matéria da oposição deduzida pela
requerida, provaram-se os seguintes factos:
1 - Na Conservatória do Registo Predial ... sob o
n.º ... estava inscrito o prédio «Campo da ..., de lavradio e
mato, no Lugar de ..., freguesia de X, a confrontar do norte
com J. O., do sul com caminho, do nascente com António
e do poente com S. M.».
2 - Pela apresentação n.º 9 de 06.06.1976, ao prédio
descrito em 1) foi averbado que «o prédio supra n.º ... é
misto e compõe-se de duas casas, sendo uma de dois
pavimentos e outra de um pavimento ambos com a área
coberta de 153 m2, coberto com 207m2, casa da adega
com 58 m2, 3 dependências com 222,5m2, na qual está
incluída a casa do alambique, e terrenos de lavradio,
situado no Lugar de ..., freguesia de X, concelho de
Barcelos, a confrontar do norte e poente com estrada
municipal e caminho público, do sul com caminho público,
do nascente com ribeiro e L. L. …inscrito na matriz sob os
artigos 30 e … urbanos e …, …, …, …, …, … e …
rústicos. A este prédio foi anexado o descrito sob o n.º …
fls. 104 do …».
3 - No dia 06.07.1976, relativamente ao prédio identificado
em 1) foi inscrito que:
Pela apresentação 9, com n.º de inscrição 44513, a
aquisição por sucessão hereditária a favor de Manuel,
casado com M. O., no regime da comunhão de bens,
residente no lugar de ... freguesia de X, concelho de
Barcelos, sendo sujeito passivo J. L. e mulher M. J.,
casados que foram no regime da comunhão de bens e que
residiam no mesmo lugar e freguesia.
Pela apresentação 10, com n.º de inscrição 44514, a
aquisição de ½ por partilha extrajudicial a favor de Manuel,
viúvo, residente no lugar de ... freguesia de X, concelho de
Barcelos e sendo sujeito passivo M. O..
Pela apresentação 11, com n.º de inscrição 44515, a
aquisição de ½ por doação e ½ por partilha extrajudicial a
favor de A. O., casado com Maria, no regime da
comunhão de adquiridos, residente no lugar
de ... freguesia de X, concelho de Barcelos e sendo
sujeitos passivos Manuel e M. J..
4 - Pela apresentação n.º .../20100730 foi averbado ao
prédio descrito em 1) «Misto – a) casa de 2 pisos –
s.c.257,50 m2 – art. 169; b) casa de 2 pisos – s.c. 418 m2
– art. 30; c) Campo da ... e Moinhos com cultura, ramada,
4 oliveiras e 50 fruteiras – 25.000 m2 – art. 575 rústico;
norte estrada municipal, sul A. L. e ribeiro; nascente J. C.;
poente L. L..»
5 - O prédio misto situado em ..., com a área total de
25675,5m2, sendo 675,5m2 de área coberta e 25.000m2
de área descoberta, inscrito na matriz sob os
artigos .. e .. urbanos e … rústico, e que é composto por a)
casa de 2 pisos – s.c.257,50 m2 – art. 169; b) casa de 2
pisos – s.c. 418 m2 – art. 30; c) Campo da ... e moinhos
com cultura, ramada, 4 oliveiras e 50 fruteiras – 25.000 m2
– art. 575 rústico; norte estrada municipal, sul A. L. e
ribeiro; nascente J. C.; poente L. L., está descrito na
Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../20100730,
da freguesia de X e está inscrito a favor de M. A., J. O. e J.
A., pela apresentação n.º ... de 2010/07/30, por aquisição
por legado, sendo sujeito passivo A. O..
6 - O prédio rústico denominado Campo da ... e moinhos,
situado em ..., com a área total de 25.000m2 de área
descoberta, inscrito na matriz sob o artigo ..., e que é
composto por cultura, ramada, 4 oliveiras e 50 fruteiras;
norte estrada municipal, sul A. L. e ribeiro; nascente J. C.;
poente L. L. e ribeiro, está descrito na Conservatória do
Registo Predial sob o n.º …/20170206, da freguesia de X e
está inscrito a favor de M. A., J. O. e J. A., pela
apresentação n.º ... de 2010/07/30, por aquisição por
legado, sendo sujeito passivo A. O. e corresponde a uma
reprodução da descrição n.º .../20100730.
7 - O prédio rústico situado em ..., descrito como Campo
da ... e moinhos com cultura, ramada, 4 oliveiras e 50
fruteiras, que confronta norte estrada municipal, sul A. L. e
ribeiro; nascente J. C.; poente L. L. e ribeiro, está inscrito
na matriz predial rústica de Barcelos sob o
art. ... (proveniente do artigo …) da União de Freguesias
de X, ... a favor dos réus M. A., J. O. e J. A..
8 - O prédio rústico situado em ..., descrito como Campo
da ... e moinhos com cultura, ramada, 4 oliveiras e 50
fruteiras, que confronta norte estrada municipal, sul A. L. e
ribeiro; nascente J. C.; poente L. L. e ribeiro, estava
inscrito na matriz predial rústica de Barcelos sob o art. …
(proveniente do artigo …) da União de Freguesias de
X, ... a favor dos réus M. A., J. O. e J. A..
9 - O prédio rústico denominado de «...», destinado a
cultura arvense de regadio, com a área de 1020m2, que
confronta de norte com caminho vicinal, de sul e nascente
com M. M. e de poente com Igreja, inscrito na matriz sob o
artigo ..., está descrito na Conservatória do Registo Predial
sob o n.º .../2005-01-21 da freguesia de X e está inscrito a
favor da autora pela apresentação n.º 09/2005-01-21 por
«aquisição …por doação de A. O. cc Maria na com. de
adquiridos, ... X, Barcelos. CLÁUSULA: Condicionada à
sua não transmissão e à construção no mesmo do Salão
Paroquial e/ou Residência Paroquial.».
10 - Desde tempos imemoriais e até 31.07.2018, o terreno
rústico de A. O. de 25.000 m2, melhor identificado em 1) a
4), em tempos rodeado a ramada, foi sempre agricultado
por ele e depois da sua morte pelos aqui Requeridos,
como um todo único, a milho e erva e depois com ervas
aromáticas, desde a casa de habitação até às paredes
exteriores do adro da igreja e ao caminho vicinal, sito a
norte/nascente do prédio.
11 - A parcela doada por A. O. à autora, melhor
identificada em 9), pelo menos desde 1970 e até
31.07.2018, sempre foi cultivada, quer pelo doador, quer
pelos Requeridos, com milho e erva e, mais recentemente,
com uma plantação de ervas aromáticas, juntamente com
o restante terreno, como um todo único, sem quaisquer
limites ou barreiras físicas, desde as casas de habitação,
até às paredes exteriores do adro da igreja e ao caminho
vicinal.
12 - Em 28.10.1999, foi lavrado Testamento por A. O., no
qual declarou «Que outorgou testamento público em
14.10.1997 no Primeiro Cartório Notarial desta cidade,
exarado desde folhas …, que quer válido mas com as
seguintes ressalvas:
Um: A instituída usufrutuária sua mulher poderá abater
quaisquer árvores das propriedades legadas.
Dois: Da propriedade formada pelo “Campo da … e …”,
inscrita na actual matriz sob o artigo …, e concretamente
da Bouça da …, a que na anterior matriz correspondia o
artigo … lega à Fábrica da Igreja de X uma parcela de
terreno com 600 m2, de forma rectangular, na estrema
norte da mesma Bouça, a confrontar do poente com a
igreja paroquial, do nascente e sul com propriedade donde
é desanexada e do norte com caminho de servidão de
vizinhos vários, legado este que faz para a construção de
um salão paroquial, do nascente e sul com a propriedade
donde é desanexada e do norte com caminho de servidão
de vizinhos vários, legado este que faz para a construção
de um salão paroquial e desde que a edificação do mesmo
seja feita no prazo de três anos após o seu falecimento.
Que em tudo o mais mantém o testamento em causa.
(…)»
13 - Em data não concretamente apurada, a aqui
Requerente, através do seu ilustre mandatário, deu
entrada no processo registado sob o nº 1942/18.2T8BCL,
da Instância Local Cível de Barcelos – Juiz 3 de um
requerimento com o seguinte teor:
“(…)
1 – Considerando o teor do documento nº 4 junto com o
requerimento apresentado pela A. Em 22/10/2019 – email
remetido pelo R. M. A. no dia 03 de setembro de 2018 no
qual refere que os RR. dão o terreno como entregue em
01/08/2018.
2 – Considerando que todos os RR., em sede de
depoimento de parte prestado em audiência de julgamento
no dia 12 de novembro de 2019, declararam que
consideravam o prédio entregue,
3 – Considerando que a A. reconhece que o prédio objecto
dos autos tem a área e configuração constante da planta
junta com a contestação como doc 1,
4 – Considerando que o prédio em causa se encontra
actualmente livre de pessoas e bens e que os RR.
retiraram todas as plantações no mesmo,
5 – Os representantes da A., no passado dia 4 de
Dezembro, de manhã, entraram no prédio e procederam à
sua limpeza e à vedação e ocupação do mesmo, conforme
fotografias que se juntam – docs. 1 a 8
6 – Tudo sem qualquer oposição dos RR.
7 – Tendo em conta todos estes factos, requer-se que seja
extinta a instância por inutilidade superveniente da lide
quanto aos pedidos formulados nas alíneas b) e d). (…)”.
14 - Em data 12 de Novembro de 2020, a Requerente
mandou despejar brita no terreno em questão nos autos.
*
Procede-se à alteração do facto dado por indiciariamente
provado na sentença proferida nestes autos sob o nº 15),
o qual passa a ter a seguinte redacção:
- A Requerente, por si e antepossuidores, desde pelo
menos 4 de Dezembro de 2019 que está na posse do
prédio descrito em 1) e 3), zelando pelo mesmo,
procedendo à sua limpeza e conservação, entrando nele
sempre que entende, cortando a erva, vedando-o com
vigas e arames, topografando-o, ocupando-o com veículo,
nele depositando pedras, gravilha e materiais inertes, de
forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de
quem quer que seja, agindo como sua dona, na convicção
de não lesar direitos alheios.
*
FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para a resolução da causa, não resultaram


indiciariamente provados os seguintes factos alegados nos
artigos do requerimento de oposição:

a) No final da vida, o tio-avô dos Requeridos dizia que


tinha dado um terreno atrás da igreja à Requerente para
ela fazer um salão paroquial dentro do prazo de três anos
após a sua morte.
b) Após a morte do tio-avô, em 10 de Março de 2010, a
Requerente começou a dizer que o tio-avô havia permitido
a mudança do terreno dado para o lado direito da igreja,
com o argumento que não era autorizado construir atrás
da igreja.
c) E tal foi a pressão sobre os Requeridos ainda com o
argumento de que a Requerente tinha de construir em três
anos que os Requeridos permitiram essa ocupação entre
os anos de 2010 a 2017, tendo a Requerente ali
construído uns muros no ano de 2011 através de peditório
na freguesia, passando o terreno a ser usado como
parque de automóveis.
d) Ao mesmo tempo, a Requerente em 2013 foi à matriz e
ao registo e pediu a alteração das confrontações de
acordo com a localização do terreno ao lado da igreja.
e) Passados uns anos, um membro da Requerente avisou
os Requeridos que a Requerente os enganara, pois era
permitido construir atrás da igreja, após o que os
Requeridos reocuparam de novo essa área em 2017,
unindo-a ao restante prédio deles agricultando-a como um
todo único a milho e ervas aromáticas.
f) Face à pressão com ameaça de ação judicial e pedido
de indemnização por atraso da obra, o Requerido Manuel
no dia e após que recebeu a citação para a ação nº
1942/18 (1.8.2018) - os outros 2 Requeridos estavam
ausentes – enviou um email ao distº advogado da
Requerente a dar o terreno como entregue, mas o terreno
localizado atrás da igreja, isto enquanto se decidia a
questão judicial.
g) Não obstante o email do Manuel, a Requerente não
aceitou aquela entrega.
h) Como a Requerente não reocupou o terreno atrás da
igreja que, na sua tese, não era esse o reivindicado, os
Requeridos mantiveram a posse do terreno de 1.020 m2
atrás da igreja entrando nele com trator e fazendo regos
para escoamento da água de todo o prédio, mas sem o
agricultar, o que sucedeu até 4 de Dezembro de 2019.
i) O Requerido Manuel dispunha-se a entregar o prédio à
Requerente atrás da igreja até à decisão da questão.
j) Em data 12 de Novembro de 2020, a Requerente foi
repelida de despejar brita no terreno em questão nos
autos pelos Requeridos que chamaram a GNR ao local.
j) A partir de 12.11.2020, a Requerente não mais entrou
no terreno.
*
A demais matéria alegada pelos Requeridos no articulado
de oposição não foi considerada pelo Tribunal, por este
entender que é inócua para a questão a decidir. E isto
porque se trata quer de meras conclusões fácticas, quer
de meras conclusões jurídicas.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

No que concerne à factualidade ora dada por assente sob


os pontos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11) e 12) a
mesma foi dada por provada na sentença proferida na
acção que correu termos pelo Juízo Local Cível de
Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL e confirmada por
acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, cujas
cópias se encontram juntas a fls. 21 a 63 dos autos,
decisão essa já transitada em julgado. Pelo que, ao abrigo
da excepção da autoridade do caso julgado, deve ser aqui
dada por provada.
Diga-se, ainda, que os Requeridos juntaram aos autos, a
fls. 108 a 117vs, 119 – 120, 124, 127, 144, 150 a 15,
documentação relativa às descrições prediais e inscrições
matriciais a se referem grande parte dos factos supra
aludidos, bem como cópia do testamento outorgado por A.
O. – mencionado em 12) dos factos provados.
No que respeita ao facto constante do ponto 13), o mesmo
corresponde à transcrição do documento junto a fls. 137 –
requerimento remetido pelo ilustre mandatário da
Requerente ao processo que correu termos pelo Juízo
Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL.
Tal documento, de natureza particular, não foi impugnando
pela Requerente, pelo que faz fé do respectivo conteúdo.
Quanto ao facto enunciado em 14), foi o mesmo
comprovado pelas declarações prestadas em sede de
audiência final pela testemunha A. F., construtor civil
contratado pela Requerente para proceder à obra em
questão, que confirmou ter levado aquela a cabo em
meados de Novembro do ano passado, bem como pela
testemunha AS, vizinho do local em questão, que declarou
ter assistido a tais trabalhos, recordando-se que os
mesmos foram levados a cabo no dia 12 de Novembro,
pois tal data corresponde ao aniversário do seu filho.
O Tribunal procedeu à alteração do facto dado por
indiciariamente provado sob o nº 15) na sentença proferida
nestes autos e fê-lo porque, em virtude da prova produzida
em sede de audiência, ficou convencido que a posse da
Requerente sobre o terreno em questão não se iniciou na
data da entrega do mesmo por parte dos Requeridos – 1
de Agosto de 2018 –, mas antes em 4 de Dezembro de
2019. Isso mesmo resulta do documento junto a fls. 137 –
requerimento remetido pelo ilustre mandatário da
Requerente ao processo que correu termos pelo Juízo
Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL –
que, como se disse, não foi impugnado, mas também das
declarações prestadas por M. C., que trabalha como
jornaleira para os Requeridos há cerca de 12 anos, que
dispunha de conhecimento directo de tal matéria,
porquanto desloca-se ao local, para tratar da terra, cerca
de três vezes por semana.
*
Relativamente ao facto enunciado em a), o mesmo foi
referido pelas testemunhas M. C. – jornaleiro dos
Requeridos há cerca de 12 anos – e M. S., tio dos
Requeridos -, que afirmaram ter ouvido da boca do
falecido A. O. que tinha dado um terreno atrás da igreja à
Requerente para ela fazer um salão paroquial dentro do
prazo de três anos após a sua morte.
Acontece que, o Tribunal não ficou totalmente esclarecido
acerca das circunstâncias que rodearam as alegadas
conversas mantidas entre as referidas testemunhas e o
falecido A. O., razão pela qual não logrou ultrapassar o
patamar da dúvida relativamente à veracidade ou não de
tal matéria, o que determinou a conclusão a que se
chegou.
Foi por total ausência de prova nesse sentido que o
Tribunal considerou como não provados os factos
enunciados nas alíneas b), c), e), f), g) e i).
Nem as testemunhas indicadas pelos Requerentes e
ouvidas em sede de audiência final – M. C., trabalha como
jornaleira para os Requeridos há cerca de 12 anos; AS,
morador da freguesia de X; M. S., tio dos Requeridos; A.
F., construtor civil -, nem os documentos juntos com a
oposição fizeram a mínima prova de que após a morte de
A. O., a Requerente começou a dizer que aquele havia
permitido a mudança do terreno dado para o lado direito
da igreja, com o argumento que não era autorizado
construir atrás da igreja, nem que a Requerente fez
pressão sobre os Requeridos com o argumento de que
tinha de construir em três anos levando aqueles a partir
essa ocupação entre os anos de 2010 a 2017, tendo a
Requerente construído no terreno em questão nos autos
uns muros no ano de 2011 através de peditório na
freguesia, passando o terreno a ser usado como parque
de automóveis.
Também não foi feita pelas aludidas testemunhas quanto
referência ao facto vertido em e) - passados uns anos, um
membro da Requerente avisou os Requeridos que a
Requerente os enganara, pois era permitido construir atrás
da igreja, após o que os Requeridos reocuparam de novo
essa área em 2017, unindo-a ao restante prédio deles
agricultando-a como um todo único a milho e ervas
aromáticas -, sendo certo que os documentos juntos com
a oposição o não comprovam.
O mesmo se digna quanto ao facto constante da alínea g),
que não foi referido por nenhuma das testemunhas, nem
resulta de qualquer documento. Diga-se que a ausência
da prática de atos de posse por parte da Requerente não
significa que aquela não aceitou a entrega do terreno.
No que respeita ao facto constante da alínea d) – a
Requerente em 2013 foi à matriz e ao registo e pediu a
alteração das confrontações de acordo com a localização
do terreno ao lado da igreja – o documento matricial junto
aos autos, por si só, não contextualiza a alegação feita
pelos Requeridos.
Quanto ao que, alegadamente, esteve na base da entrega
do terreno levada a cabo pelos Requeridos em 1 de
Agosto de 2018, referida nas alíneas f) e i) dos factos
dados por não provados -, diga-se que nenhuma das
testemunhas indicadas afirmou que foi devido à pressão
exercida pela Requerente que os Requeridos agiram de tal
modo, nem a propositura por parte da Requerente contra
os Requeridos da acção que correu termos pelo Juízo
Local Cível de Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL
por ser entendida como pressão suficiente para justificar a
entrega do prédio. Aliás, o email remetido pelo Requerido
M. A. ao ilustre mandatário da Requerente, junto a fls. 20
dos autos, não demonstra pressão alguma.
O Tribunal deu por não provado que em 12 de Novembro
de 2020, a Requerente foi repelida de despejar brita no
terreno em questão nos autos pelos Requeridos que
chamaram a GNR ao local, porquanto do documento junto
pelos Requeridos para atestar tal facto, constante de fls.
141 – 142 (auto de notícia), não resulta que a GNR foi
chamada ao local, mas antes que, no dia 20 de Novembro,
os Requeridos foram ao posto da GNR apresentar uma
denúncia.
No que concerne à alegada posse do terreno em questão
nos autos entre 1 de Agosto de 2018 e 4 de Dezembro de
2019, a testemunha M. C. referiu que os Requeridos
fizeram uns regos para escoamento de águas e M. S.
mencionou que os Requeridos tinham o terreno em
pousio. Ora, tais alegações são manifestamente
insuficientes para o Tribunal concluir que os Requeridos
mantiveram a posse do terreno, porquanto não se sabe
em que data foram abertos os regos, de que modo tal
sucedeu, quem interveio nessa operação. Acresce que, tal
conclusão se acha contrariada pela atitude tomada pelos
Requeridos, que proceder à limpeza do terreno e retiras as
ervas aromáticas que aí se achavam.
O Tribunal considerou como não provado que a partir de
12.11.2020, a Requerente não mais entrou no terreno,
porque a prova produzida nesta sede não contrariou o
assente na decisão de restituição provisória da posse –
que os Requeridos vedaram o terreno em data não
concretamente apurada, mas que se situa na terceira
semana de Novembro de 2020.
Refira-se que a testemunha M. S. – tio dos Requeridos –
referiu que estes voltaram a ocupar o terreno em
Dezembro de 2020. Acresce que as fotografias juntas aos
autos para atestar tal matéria foram impugnadas, não
tendo o respectivo conteúdo sido confirmado por nenhuma
testemunha.

[transcrição dos autos].


*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO
I) Da contradição entre o pedido e a causa de
pedir (conclusão 1ª - 1ª questão das alegações)

Pensam os apelantes requeridos haver contradição entre


o pedido e a causa de pedir. Para tanto entendem
que quer o pedido principal, quer o subsidiário desta
providência, ambos se reduzem ao mesmo objeto –
“impedimento do direito de servidão de passagem”.
Porém, compulsando a causa de pedir não se identifica
qual o prédio dominante e serviente da servidão de
passagem, nem a localização e extensão do caminho de
servidão.
Com o que discorda a apelada requerente, que entende
não se verificar qualquer contradição entre o pedido e a
causa de pedir.
Quid iuris?

Antecipando desde já a decisão, diga-se não assistir


qualquer razão aos recorrentes.
Com efeito, como bem refere a apelada, a causa de pedir
da presente providência é a posse da Requerente sobre o
prédio descrito no artigo lº do requerimento inicial e sua
violação por parte dos Requeridos, consubstanciada na
colocação de uma vedação que impede o acesso ao
mesmo. Em consonância com tal causa de pedir, a
Requerente vem peticionar a restituição provisória da
posse e a remoção da vedação. Assim, contrariamente ao
alegado pelos Recorrentes, não é invocado pela
Requerente qualquer direito de servidão de passagem.
Inexiste, pois, a alegada contradição.

II) Da inexistência de violência no esbulho (conclusões


2ª a 5ª - 2ª questão das alegações)

Concluem os apelantes requeridos, que face à


factualidade apurada, inexiste violência no esbulho. E isto
porque, a violência a que se refere o artº 1279, conjugado
com o artº 1261-2 e o artº 255 todos do CC, exige uma
carga maior – o “esbulho violento”. Este pressupõe
sempre uma coação sobre pessoas por via direta ou
indireta. Para que a coação indireta se verifique é
necessário que a violência sobre as coisas seja de tal
maneira forte que constitua ela própria uma ameaça que
amedronta o possuidor a não reagir, a deixar-se
desapossar da coisa.
Com o que discorda a requerente, pois deve entender-se,
tal como muito bem considerou o Tribunal a quo na douta
decisão proferida nestes autos em 16/12/2020, atento o
quadro factual dado como provado, (…) que o esbulho da
posse da Requerente por parte dos Requeridos foi
violento. E isto porque, há esbulho sempre que alguém é
privado, total ou parcialmente, contra sua vontade, do uso
ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de
continuar esse exercício.
Que dizer?

Dispõe o art. 377º do CPC que: “No caso de esbulho


violento, pode o possuidor pedir que seja restituído
provisoriamente à sua posse, alegando os factos que
constituem a posse, o esbulho e a violência”.
A restituição provisória de posse exige para a sua
procedência a verificação cumulativa de vários
pressupostos: a) Posse, b) Esbulho, c) Violência (2). Ou
dito de outro modo, a procedência da providência cautelar
de restituição provisória da posse depende da verificação
de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
A posse é um poder que se manifesta quando alguém
actua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de outro direito real – art. 1251º do CC.
O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a
sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.
Por outro lado, ocorre a violência quando se use de
coacção física ou moral, nos termos do art. 255º do CC, se
forem praticados actos que constranjam a vontade do
possuidor, obrigando este a submeter-se ao
desapossamento.
Noutros termos, o esbulho caracteriza-se, pela privação
total ou parcial, do poder do possuidor de exercer os actos
correspondentes ao direito real que se traduzem na
retenção, fruição do objecto da coisa ou da possibilidade
de o continuar a exercer.
Mas esta privação só pode constituir fundamento de
restituição provisoria de posse se for ilícita ou violenta –
art. 1279º do CC.
A exequibilidade prática de tal direito encontra-se
garantida pelo disposto nos arts. 377º do CPC e agora,
mesmo que não exista violência, também pelo processo
cautelar comum, previsto nos arts. 362 e segs. do mesmo
código por via do disposto no art. 379º.
Quanto à posse a mesma é aceite pelos recorrentes,
apesar das vicissitudes invocadas, para além de constar
do ponto 15) dos factos provados de ambas as sentenças
recorridas.
O segundo elemento necessário para que seja decretada
a restituição provisória da posse é o esbulho.
O esbulho supõe que o possuidor ficou privado da posse
que tinha. Nesse ponto resulta dos factos dados como
provados na primeira sentença recorrida que:
16 – Em data não concretamente apurada, mas que se
situa na terceira semana do passado mês de Novembro,
os Requeridos entraram no referido prédio e colocaram
uma vedação, composta por estacas e arame em toda a
extensão da confrontação com o caminho vicinal situado a
norte.
17 – Tal vedação impede a entrada no mencionado prédio,
estando a Requerente impedida de aceder ao mesmo para
proceder à sua manutenção e limpeza.
Assim, é manifesto que existe esbulho dado que a
requerente está impedida de se deslocar ao prédio em
causa, ao contrário do alegado pelos recorrentes nas
alegações.
Por fim, invocam os recorrentes que não existiu violência
dado que o “esbulho violento” pressupõe sempre uma
coação sobre pessoas por via direta ou indireta, e
que para que a coação indireta se verifique é necessário
que a violência sobre as coisas seja de tal maneira forte
que constitua ela própria uma ameaça que amedronta o
possuidor a não reagir, a deixar-se desapossar da coisa.
Ora, no âmbito desta providência é necessário, ainda, que
o esbulho seja violento, nos termos do art. 393º do CPC e
do art. 1279º do CC, segundo o qual “o possuidor que for
esbulhado com violência tem o direito de ser restituído
provisoriamente à sua posse, sem audiência do
esbulhador”.
A violência está definida no art. 1261º/2 do CC. Segundo
aí se refere “considera-se violenta a posse, quando, para
obtê-la, o possuidor usou de coação física, ou de coação
moral nos termos do artigo 255º”.
É matéria controvertida, tanto na doutrina como na
jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização
da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas,
como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à
coacção exercida sobre o possuidor.
Ora, de acordo com o nº 2 do citado art. 255º, a ameaça
integradora da coacção moral tanto pode respeitar
à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de
terceiro.
Assim, não pode afastar-se liminarmente a relevância da
acção do esbulhador sobre a coisa, havendo que analisar,
em concreto, em que medida a violência exercida afecta a
relação do possuidor com essa mesma coisa, adiantando-
se que a caracterização como esbulho violento, para
efeitos do disposto no art. 1279º do CC, não se limita ao
uso da força física contra as pessoas, sendo ainda de
considerar violento o esbulho quando o esbulhado fica
impedido de contactar com a coisa face aos meios ou à
natureza dos meios usados pelo esbulhador e, por isso,
há-de considerar-se privado da posse, em virtude de
acção violenta dos esbulhadores, exercida sobre a coisa.
Teremos de ter em atenção que uma acção
concretizadora de esbulho se não pode confundir com um
acto de turbação da posse, porquanto se, porém, o
possuidor não perde o contacto com a coisa possuída,
mas é meramente inquietado na sua posse por alguém
não legitimado a fazê-lo, temos a turbação (3).
Só de acções de restituição provisória de posse ou acções
de esbulho violento se pode falar se o possuidor, mercê de
acto violento, perde o contacto com a coisa possuída. Se o
possuidor apenas for perturbado ou turbado na sua posse,
pode ele recorrer a tribunal para nela ser mantido ou
restituído (art. 1278º do CC).
Como assim, a actuação dos requeridos consubstancia
inequivocamente um comportamento violento dirigido à
coisa dado que os Requeridos entraram no prédio e
colocaram uma vedação composta de estacas e
arame em toda a extensão da confrontação com caminho
vicinal, situado a norte, ficando a Reqte impedida de
aceder ao mesmo e nessa medida estão preenchidos os
requisitos desta providência cautelar.

III) Da inexistência do requisito “periculum in mora” no


pedido subsidiário (conclusão 6ª - 3ª questão das
alegações)

Defendem também os apelantes requeridos o


indeferimento do pedido subsidiário do procedimento
cautelar, por notória falta de alegação dos respetivos
requisitos “periculum in mora”, ou seja, para além do
“fumus boni iuris”, deve o Requerente alegar (o que não
fez) a grave lesão e dificilmente reparável.
Com o que discorda a apelada requerente, que entende
estarem verificados os requisitos necessários para o
decretamento da restituição da posse, nos termos dos
arts. 362º e 379º do CPC.
Quid iuris?

Antes de mais, diga-se que com a formulação de um


pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara
uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar
essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação
do pedido subsidiário, no caso do pedido principal
improceder. E isto porque, de harmonia com disposto no
art. 554º/1 do CPC, que admite expressamente a
formulação de pedidos subsidiários, “diz-se subsidiário o
pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em
consideração somente em caso de não proceder um
pedido anterior”.
Ora, verificando-se que o pedido subsidiário não chegou a
ser apreciado, em virtude da procedência do pedido
principal, não se entende porque foi agora suscitada no
recurso esta questão, até porque estamos perante
uma questão nova: quando um recorrente vem colocar
perante o Tribunal superior uma questão que não foi
tratada na sentença recorrida.
Todavia, sempre se dirá o seguinte: os procedimentos
cautelares genericamente previstos nos arts. 362º e ss. do
CPC, são meios de tutela provisória do direito que quem
os deduz se arroga, sendo dependentes de uma acção já
pendente ou que seguidamente vai ser proposta pelo
requerente (art. 362º/2 do CPC), tendo sempre natureza
urgente (art. 363º do CPC), porquanto visam acautelar o
efeito útil da acção a que alude genericamente o art. 2º/2
do CPC, impedindo “que durante a pendência de qualquer
acção, declarativa ou executiva, a situação de facto se
altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo
favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela.
Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o
prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a
sentença se não torne numa decisão puramente platónica”
(4).
Para além da demonstração do referido perigo da demora
inevitável do processo, os mesmos dependem ainda da
prova sumária do direito ameaçado e da justificação do
receio da lesão [art. 365º/1) do CPC], bem como da
probabilidade séria da existência do direito, também
genericamente prevista no art. 368º do CPC, não exigindo
esta prova o mesmo grau de convicção que a prova dos
fundamentos da acção impõe, atenta a estrutura
simplificada própria do procedimento cautelar, consonante,
aliás, com o respectivo fim específico, bastando
consequentemente o chamado fumus boni iuris. «Trata-se
de uma prova sumária que não produz a "plena convicção
(moral)", exigida para o julgamento da causa, mas apenas
um grau de probabilidade aceitável para decisões
urgentes e provisórias, como são as próprias daqueles
procedimentos» (5) (6).
Posto este enquadramento geral dos procedimentos
cautelares, relativamente ao procedimento cautelar
especificado de restituição provisória de posse, e em
decorrência da previsão ínsita no art. 377º do CPC, o
mesmo exige, como já vimos supra, a alegação de factos
que constituam a posse, o esbulho e a violência, sendo
ainda que “ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado
no seu direito, sem que ocorram as circunstâncias
previstas no artigo 377º, é facultado, nos termos gerais, o
procedimento cautelar comum” – art. 379º do CPC.
Ora, estando reunidos, na perspectiva dos factos
alegados, os pressupostos da providência cautelar
específica de restituição provisória da posse e tendo a
apelada requerente optado, por interpor a presente
providência cautelar, não faz sentido averiguar agora dos
pressupostos do procedimento cautelar comum, que não
está aqui em causa.
Na verdade, tal seria assim, se não se encontrassem
reunidos os pressupostos da providência cautelar
específica de restituição provisória da posse, caso em que
a requerente poderia ter optado por recorrer ao
procedimento cautelar comum (art. 362º do CPC; cfr.
também o art. 379º do CPC). E se o fizesse, tornaria
efectivamete a sua posição mais difícil, já que, como diz
Abrantes Geraldes (7), “(…) ao invés do que decorre do
regime da restituição provisória da posse torna-se
necessária a prova do perigo de lesão grave e
dificilmente reparável para o requerente, não bastando
por isso a prova da qualidade de possuidor aliada à prova
de actos de esbulho ou de turbação (…)” (8).
Nos termos do art. 362º do CPC “Sempre que alguém
mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e
dificilmente reparável do seu direito pode requerer a
providência conservatória ou antecipatória concretamente
adequada a assegurar a efectividade do direito
ameaçado.”.

No caso concreto, como se disse, a requerente optou,


assim, por intentar o procedimento cautelar especificado
de restituição provisória da posse previsto nos arts. 377º e
ss. do CPC, e não o procedimento cautelar comum,
considerando que o esbulho efectuado pelos requeridos
foi com violência nos termos do art. 1261º do CC. Apesar
de à cautela, o ter feito subsidiariamente, o que nem
chegou a ser apreciado, em virtude da procedência do
pedido principal como já supra referido.
Nessa sequência, não decidiu instaurar “um procedimento
cautelar comum para a defesa da posse”, em que
certamente apelaria ao disposto no art. 379º do CPC.
Não assiste, pois, também aqui, qualquer razão aos
apelantes.

IV) Da alteração da matéria de facto (conclusão 7ª - 4ª


questão das alegações)

Divergem os apelantes da decisão da matéria de facto,


pretendendo que se dê como “Provada” a matéria alegada
no item 1º, 2º, 3º e 4º da Oposição, conjugada com a
decisão do ac. RG de fls 41, ss. e com o Facto 15 da 2ª
decisão – “desde 4.12.2019, a Reqte está na posse do
prédio”. Para tanto, os Requeridos apresentam como meio
de prova o doc. 1, junto à n/Oposição, não impugnado
pela Reqte e o aludido ac. de fls 41, ss.
Como decorre do disposto no art. 640º do CPC, a parte
que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto
deve, sob pena de rejeição do recurso, especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera


incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do
processo ou do registo ou gravação nele realizada, que
impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto
impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida
sobre as questões de facto impugnadas.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos
pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).
Cumpre, pois, apreciar.

São os seguintes os factos que os recorrentes pretendem


que sejam dados como provados:
Em 20.7.2018, a Requerente, ali Autora, instaurou a ação
nº 1942/12.2T8BCL de reivindicação contra os aqui
Requeridos, pedindo:

a) – se declare que a autora é legítima proprietária do
prédio rústico, composto de terreno de cultura arvense de
regadio, sito no lugar de ..., freguesia de X, concelho de
Barcelos, descrito na C. R. Predial ... sob o nº …/X e
inscrito sob o artº …;
b) – Os RR, aqui Requeridos, sejam condenados a restituir
à autora, livre de pessoas e bens, o supra referido prédio,
devendo os RR. retirar todas as plantações realizadas no
mesmo;
c) – Os RR. sejam condenados a abster-se de praticar
qualquer ato que ofenda ou perturbe o direito de
propriedade da autora sobre o prédio em causa.
d) – Os RR. sejam condenados a pagar, a título de sanção
pecuniária compulsória, a quantia de 50€ por cada dia de
atraso no cumprimento do vertido em b) e c) – cfr.
Relatório do douto Ac. RG de 15.10.2020, notificado às
partes em 16.10.2020, transitado em julgado em
18.11.2020, junto ao RI desta providência e parte final da
PI da citada ação, in doc. 1, aqui reproduzido.

Nessa ação, no que ora importa, a A, ora Reqte,
alegou ipsis verbis (causa de pedir):
a) – “a A. é dona e legítima proprietária do prédio rústico
identificado em a) do item anterior (cfr. item 1º do doc. 1);
b) – “a A. adquiriu o prédio rústico supra descrito a A. O. e
mulher M. M., ambos já falecidos, através da escritura de
justificação e doação de 30.9.2004, extraída de fls. 89 a 91
do livro de notas para escrituras diversas nº …-D, do 2º
cartório notarial da … (item 2º);
c) – “De qualquer modo, a A. por si, ante possuidores e
ante proprietários está em exclusivo na posse pública
contínua, pacífica, titulada e de boa fé do prédio descrito
no artº 1º desta peça, zelando pela sua conservação,
arrendando-o e recebendo as respetivas rendas, pagando
as contribuições devidas, cultivando-o e colhendo frutos,
posse essa que dura há mais de 10, 20, 30 e mais anos
com “animus domini”, ininterruptamente, à vista de toda a
gente e sem oposição de quem quer que seja, agindo
como sua dona, na convicção de não lesar direitos
alheios, assim adquiriu a propriedade do prédio também
por usucapião – cfr. item 3º a 10º do doc. 1.

Mais alegou que essa posse presume-se nos termos do
artº 1252 do C. Civil e tendo a qualidade de possuidor,
igualmente se presume proprietário – artº 1268 do C. Civil
– cfr. item 11º e 12º do doc. 1.

Mais alegou que apesar do prédio ter sido doado válida e
eficazmente à A, os RR. sem consentimento ou
autorização daquela ocupam o mesmo, nomeadamente
efetuando e cultivando uma plantação de ervas aromáticas
… agindo como se fossem titulares de algum direito sobre
o prédio descrito em 1º - cfr. item 14º, 15º e 18º do doc. 1.
Estes factos são alusivos à alegação e pedido efectuados
na acção instaurada pela Requerente contra os
Requeridos, que correu termos no Juízo Local Cível de
Barcelos – J3, sob o nº 1942/18.2T8BCL, acção já referida
nos factos provados, bem como o seu desfecho,
designadamente sob os pontos 10 – e ss. da sentença de
16-12-2020, que ordenou a restituição provisória da posse
à Requerente do prédio descrito em 1) e 3) dos factos
provados e condenou os Requeridos a remover a vedação
descrita em 16) dos factos provados e a absterem-se de
praticar quaisquer actos que ponham em causa a posse
da Requerente sobre o referido prédio.
Como assim, constando já dos factos provados a menção
à instauração e desfecho da acção nº 1942/12.2T8BCL,
nada justifica que se consignem também nos factos
provados os termos da referida acção, pois nada mais
acrescentaria.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo
tribunal a quo constam já do processo, entende-se nada
haver aqui a alterar.

V) e VI) Deve dar-se como adquirido o desfecho da


acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada
pela requerente contra os Requeridos (conclusões 8ª e
9ª - 5ª e 6ª questões das alegações)
Entendem os apelantes que deve dar-se por adquirido no
presente recurso que na decisão de improcedência do
Pedido de entrega formulado pela aqui Reqte na ação nº
1942/18, o douto ac. RG de 15.10.2020 teve em
consideração a “confirmação da sentença recorrida na
parte em que a autora não logrou provar a aquisição
derivada da propriedade referente à parcela de terreno em
causa, nem a aquisição originária, nem ainda pode
beneficiar da presunção inerente à posse prevista no artº
1268-1, CC”, bem como que deve dar-se como adquirido
no presente recurso que na decisão de improcedência do
pedido de entrega formulado pela A. aqui Reqte no procº
1942/18, o aqui douto ac. RG de 15.10.2020 teve
consideração que a Reqte ocupou o prédio em 4.12.2019,
tendo esclarecido em despacho posterior que a decisão do
acórdão contemplou também essa questão, ao revogar o
pedido de inutilidade superveniente da lide, mais
esclarecendo que a Reqte não tinha o direito de pedir a
entrega do prédio aos RR, aqui Requeridos.
Com o que discorda a requerente, pois entende que o
acórdão apenas negou o direito de propriedade invocado
pela aqui Requerente, sendo que os Recorrentes, ao
longo das suas alegações, confundem constantemente
propriedade com posse. Ora, o que está em causa na
presente providência é unicamente a posse da
Requerente, sendo que a mesma foi suficientemente
demonstrada nos autos. Por sua vez, a acção principal a
instaurar será uma simples acção possessória.
Quid iuris?

Diga-se, desde já, que tem razão a requerente quando


refere que o invocado acórdão apenas negou o direito de
propriedade invocado pela aqui Requerente e que ao
longo das suas alegações, os Recorrentes confundem
constantemente propriedade com posse. E, estando em
causa na presente providência unicamente a posse da
Requerente relativamente ao prédio disputado, a aludida
acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL apenas se
pronunciou relativamente ao direito de propriedade da
requerente e já não quanto à posse.
Destacada a separação das questões, que não podem ou
devem ser misturadas, importa todavia dar razão aos
recorrentes quando pretendem que se dê como adquirido
neste processo o esclarecimento que relativamente à
acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL, o Ac. da RG
de 15.10.2020 teve em consideração que a Reqte ocupou
o prédio em 4.12.2019, tendo esclarecido em despacho
posterior (9) que a decisão do acórdão contemplou
também essa questão, ao revogar o pedido de inutilidade
superveniente da lide, mais esclarecendo que a Reqte não
tinha o direito de pedir a entrega do prédio aos RR, aqui
Requeridos. Esclarecimento que se impõe, face ao
ponto 14 – dos factos provados na 1ª decisão (16-12-
2020), à excepção da parte final - mais esclarecendo que
a Reqte não tinha o direito de pedir a entrega do prédio
aos RR, aqui Requeridos -, cuja ilação não é assertiva,
pois o que consta do Ac. de 17-12-2020 é que “Assim,
face à argumentação aí expendida conclui-se, ainda que
implicitamente, que os réus não tinham fundamento para
ter procedido à restituição do imóvel à autora.”. Resta
acrescentar que deste desfecho da acção de reivindicação
nº 1942/12.2T8BCL não decorre qualquer efeito para a(s)
sentença(s) recorridas.
Assim se decidindo estas concretas questões.

VII) Questões a dar como definitivamente


julgadas (conclusão 10ª - 7ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que se devem dar como


definitivamente julgadas determinadas questões decididas
na já referida acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL,
a saber:

1ª – a escritura de justificação e doação de 30.9.04 não


transmitiu a propriedade do imóvel para a A. e, por essa
questão, a A/Reqte não podia, nem pode aqui, pedir a
entrega do mesmo imóvel;
2ª – a A/Reqte não tem a posse do imóvel, por si e
antepossuidores (alegação que fez tb na ação 1942/18) e
por esta questão não podia, nem pode aqui, pedir a
entrega aos Requeridos do imóvel;
3ª – a “posse” por via da ocupação que a Reqte fez do
imóvel em 4.12.2019 e consequente pedido de inutilidade
superveniente da lide foi considerado naquele douto ac.
RG, tendo sido revogado o pedido de inutilidade
superveniente da lide, pelo que também com base nessa
questão declarou ilegítima a ocupação que fez do imóvel
em 4.12.2019 – cfr. esclarecimento do doc. 3 junto à
Oposição Cautelar, pelo que não pode a Reqte submeter
novamente tais questões (propriedade e posse do prédio e
ocupação de 4.12.2019) como fundamento
deste novo pedido, e agora sob a capa da restituição do
prédio, por ofensa de caso julgado.
Com o que discorda a requerente, entendendo tratar-se de
uma interpretação totalmente abusiva da decisão judicial
em causa.
Quid iuris?

Como já se referiu relativamente à questão anterior, o


invocado acórdão apenas negou o direito de propriedade
invocado pela aqui Requerente e ao longo das suas
alegações, os Recorrentes confundem constantemente
propriedade com posse. Dito isto, para além do
esclarecimento que ali se deu como adquirido, nada mais
se impõe aqui acrescentar, não só por estar em causa
uma interpretação que não é totalmente correcta (não foi
declarada ilegítima a ocupação que [a Reqte] fez do
imóvel em 4.12.2019), como também porque não resulta
daí qualquer efeito para a(s) sentença(s) recorridas, que
apenas contendem com a restituição da posse.
Tratando-se de um pressuposto errado, a interpretação
dos Recorrentes de que a decisão proferida no âmbito do
processo nº 1942/18.2T8BCL lhes reconheceu a posse do
prédio objecto dos autos.
Não assiste, pois, aqui, razão aos apelantes.

VIII) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº


1942/12.2T8BCL instaurada pela requerente contra os
Requeridos, não é possível qualificar como “esbulho
violento” o acto destes (conclusão 11ª - 8ª questão das
alegações)

Entendem os apelantes que face à decisão das questões


submetidas à apreciação daquele douto ac. RG, que
julgou a improcedência dos pedidos, vg, de entrega, não
vemos como é possível qualificar como “esbulho violento”
o ato dos RR de, após a decisão do douto acórdão,
procederem ao normal exercício do seu direito,
recuperando a posse do prédio de que vinham usufruindo
desde há dezenas de anos.
Discordando a requerente da interpretação que os
requeridos fazem da acção de reivindicação nº
1942/12.2T8BCL relativamente a este processo.
Quid iuris?

Continuamos no domínio da confusão feita pelos


Recorrentes entre propriedade e posse. É que, como já
referido, a posse invocada neste processo em nada colide
com o decidido no âmbito do processo nº
1942/18.2T8BCL. Com efeito, nestes autos, a Requerente
alega tão só o exercício da posse desde o momento da
entrega do prédio por parte dos Requeridos.
Sendo, pois, incorrecta a ilação pretendida.

IX) Da alteração da matéria de facto: deve dar-se como


“não provados” os factos 4) a 13), inclusive da 1ª
decisão cautelar recorrida (conclusão 12ª - 9ª questão
das alegações)

Entendem os apelantes que se devem dar como “não


provados” os factos 4) a 13), inclusive da 1ª decisão
cautelar recorrida, conforme pedido final dos Requeridos
na sua Oposição, uma vez que:

- “o caso julgado num 1º processo, transitado, não se


estende aos factos aí dados como provados para efeito
desses mesmos factos poderem ser invocados,
isoladamente, da decisão a que serviram de base, num
outro processo … os fundamentos de facto não adquirem
quando autonomizados da decisão de que são
pressuposto, valor de caso julgado, de modo a poderem
impor-se extra processualmente” – cfr. douto e recente ac.
STJ de 17.5.2018, procº 3811/13.3T8PRD, dgsi no qual se
expôs grande resenha doutrinal e jurisprudencial desta
questão.
Com o que discorda a requerente, pois, os pontos 4), 5),
6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) da douta decisão do
Tribunal a quo de 16/12/2020, correspondem
integralmente ao vertido nos pontos 16), 19), 20), 22), 23),
24), 25), 29) e 31) dos factos provados da sentença
proferida no âmbito do processo nº 1942/18.2T8BCL, a
qual transitou em julgado. E, como muito bem considerou
o Tribunal a quo, (…) sendo uma realidade distinta da
excepção de caso julgado, a autoridade de caso julgado
visa garantir a coerência e a dignidade das decisões
judiciais.

Tendo-se o Tribunal a quo, quanto a esta questão,


pronunciado no seguinte sentido:
Começam os Requeridos por sustentar que que devem
dar-se como não provados os factos dados por provados
em 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12) e 13) cuja
fundamentação assentou na autoridade do caso julgado,
pois o caso julgado apenas abrange o segmento decisório.
Estatui o n.º 1 do artigo 619.º do Código de Processo Civil
que «transitada em julgado a sentença ou o despacho
saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre
a relação material controvertida fica a ter força obrigatória
dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados
pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos
artigos 696.º a 702.º».
E estabelece o artigo 621.º do mesmo código que «a
sentença constitui caso julgado nos precisos limites e
termos em que julga: se a parte decaiu por não estar
verificada uma condição, não ter decorrido um prazo ou
por não ter sido praticado um determinado facto, a
sentença não obsta a que o pedido se renove quando a
condição se verifique, o prazo de preencha ou o facto se
pratique.»
Por outro lado, o n.º 1 do artigo 580.º do mesmo diploma
dispõe que «as excepções da litispendência e do caso
julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa
se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à
litispendência; se a repetição se verifica depois de a
primeira causa ter sido decidida por sentença que já não
admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso
julgado.»

E acrescenta o artigo 581.º do mesmo diploma que:

«1 - Repete-se a causa quando se propõe uma acção


idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa
de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as
mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa
se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão
deduzida nas duas acções procede do mesmo facto
jurídico. (...)»
O caso julgado pode ser material ou formal conforme
resulta dos arts. 619.º e ....º do Código de Processo Civil.
O caso julgado material, que é aquele que aqui interessa,
é normalmente considerado numa dupla perspectiva:
como excepção de caso julgado e como autoridade de
caso julgado. Enquanto excepção, o caso julgado, tem
uma função negativa, a qual pressupõe a repetição de
uma causa já decidida por sentença transitada em julgado
e tem por fim evitar que o tribunal, duplicando as decisões
sobre idêntico objecto processual, contrarie ou reafirme o
anteriormente decidido, já enquanto autoridade de caso
julgado, o mesmo tem uma função positiva que
corresponde à imposição da primeira decisão à segunda
decisão de mérito, isto é, decidida com força de caso
julgado material uma determinada questão de mérito, não
mais poderá ela ser apreciada numa acção subsequente,
quer nela surja a título principal, quer se apresente a título
prejudicial, e independentemente de aproveitar ao autor ou
ao réu.
Como escreve Lebre de Freitas (in Código de Processo
Civil Anotado, vol. 2.º, pág. 354) «a excepção de caso
julgado não se confunde com a autoridade de caso
julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da
inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o
caso julgado um obstáculo a nova decisão de mérito; a
autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de
impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível
de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo
assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da
primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda
acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito
que nesta há-de ser proferida».
É este também o entendimento da Jurisprudência
nacional, sendo disso exemplo os acórdãos do STJ de
07.05.2015, proc. 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1, relatado por
Granja da Fonseca e do T.R.Porto de 06.06.2016, proc.
1226/15.8T8PNF.P1, relatado por Caimoto Jácome,
ambos publicados in www.dgsi.pt.
Assim, a excepção dilatória do caso julgado pressupõe a
repetição de uma causa depois da primeira, entre as
mesmas partes, sobre o mesmo objecto e baseada na
mesma causa de pedir, ter sido decidida por sentença que
não admita recurso ordinário, e obsta ao conhecimento do
mérito da causa e, consequentemente importa a
absolvição da instância (tudo conforme arts. 576.º, n.º 1,
577.º, al. i), 578.º e 580.º, todos do Código de Processo
Civil).
No caso em apreço não se verifica a excepção de caso
julgado, pois não há identidade de pedido nem de causa
de pedir.
Contudo, impunha-se ao Tribunal aferir se se verificava,
face ao teor do processo registado sob o nº
1942/18.2T8BCL, da Instância Local Cível de Barcelos –
J3, uma situação de autoridade do caso julgado, e foi o
que o Tribunal fez em sede de decisão, tendo concluído
que os factos elencados sob os nºs 1 a 13 dos factos
provados assim deveriam ser considerados em virtude da
verificação de tal instituto.
É que a figura da autoridade do caso julgado tem a ver
com a existência de relações, já não de identidade
jurídica, mas de prejudicialidade entre objectos
processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria
numa acção que correu termos entre determinadas partes,
a decisão sobre o objecto dessa primeira causa, impõe-se
necessariamente em todas as outras acções que venham
a correr termos entre as mesmas partes, incidindo sobre
um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa
decisivamente do objecto previamente julgado,
perspectivado como verdadeira relação condicionante ou
prejudicial da relação material controvertida na acção
posterior.
A respeito do alcance da autoridade do caso julgado,
escreve Teixeira de Sousa (in Estudos Sobre o Novo
Processo Civil, págs. 578 e 579) que «o caso jugado
abrange a parte decisória do despacho, sentença ou
acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus
fundamentos (…) que pode ser, por exemplo, a
condenação ou absolvição do réu ou o deferimento ou
indeferimento da providência solicitada. Como toda a
decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e
de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre
referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer
que a decisão está abrangida pelo caso julgado não
significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e
independente dos respectivos fundamentos. Não é a
decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que
adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo
considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a
decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge
esses fundamentos enquanto pressupostos daquela
decisão.»
Assim, os limites objectivos do caso julgado integram as
questões preliminares que constituem o antecedente
lógico indispensável à emissão da parte dispositiva da
sentença, abrangendo todas as questões e excepções
suscitadas na sentença, por imperativo legal e conexas
com o direito a que se refere a pretensão do autor. Ou
seja, a autoridade do caso julgado da sentença não se
estende a todos os motivos objectivos da mesma, mas
abrange as questões preliminares que constituiriam as
premissas necessárias e indispensáveis à prolação da
decisão. Assim se conclui que o caso julgado abrange o
envolvente segmento decisório e a decisão das questões
preliminares que sejam seu antecedente lógico
indispensável, não sendo de excluir o recurso à parte da
motivação da decisão para alcançar e fixar o verdadeiro
conteúdo da mesma decisão.
Deste modo, consideramos que, quando o réu suscite
defesa por excepção - e referimo-nos às excepções
peremptórias -, alegando factos destinados a impedir,
modificar ou extinguir o direito alegado pelo autor, e
porque tais questões serão objecto de julgamento e de
resolução (como são os casos da prescrição, da
caducidade, do pagamento, da excepção do não
cumprimento do contrato, etc.), deve entender-se que a
decisão tomada sobre tal questão está abarcada na força
de caso julgado do decidido.
Entender doutro modo seria possibilitar que em nova
acção o réu viesse alegar (deduzindo pretensão fundada
em tais factos) factos que na acção principal tinha alegado
como meio da defesa na anterior e que aí foram
apreciados e decididos - e que não podem assim voltar a
ser discutidos pelas partes.
Assim, todas as questões que devam considerar-se
antecedentes lógicos e indispensáveis do julgado, devem
considerar-se abrangidas pela autoridade do caso julgado,
obrigando as partes (identidade de partes referida no art.
581.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, não importando
as diferentes posições que assumam nas acções) quanto
ao efeito jurídico que delimita a acção e quanto à causa de
pedir.
Refira-se, ainda, que apesar de não podermos confundir a
questão da força ou autoridade do caso julgado com a
excepção dilatória do caso julgado, devemos considerar
que o conhecimento e decisão da questão da força do
caso julgado deve estar sujeita aos mesmos moldes e
condicionalismos da excepção, já que ambas visam a
mesma finalidade (se bem que com amplitudes diferentes,
já que a excepção abrange toda a matéria da segunda
acção, e daí que o tribunal pura e simplesmente se deva
abster de conhecer do pedido, enquanto que a força do
caso julgado implica apenas que se dê como decidida e
assente uma questão - ou várias - que estão em causa,
juntamente com outra ou outras na nova acção e que são
pressupostos ou fundamentos jurídicos da decisão a
proferir) - qual seja a de evitar que a contradição entre
decisões judiciais sobre a mesma questão, relativamente
às mesmas partes e quando estas repetem os mesmos
fundamentos.
Quid iuris?

Como bem exposto na decisão recorrida e ora acabado de


transcrever, não podemos confundir a questão da força ou
autoridade do caso julgado com a excepção dilatória do
caso julgado. Efectivamente, a autoridade do caso julgado,
embora pressupondo a existência de uma decisão
transitada em julgado, não se confunde com a excepção
do caso julgado. Esta destina-se a evitar uma nova
decisão inútil (razões de economia processual), o que
implica uma não decisão sobre a nova acção,
pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e
pedido. Aquela – a autoridade de caso julgado – importa a
aceitação de uma decisão proferida em acção anterior,
que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da
segunda, visando obstar a que a relação ou situação
jurídica material definida por uma sentença possa ser
validamente definida de modo diverso por outra sentença,
não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade,
prevista no art. 498º do CPC.
Devendo, pois, concluir-se que andou bem o Tribunal a
quo ao julgar provados os pontos 4) a 13) da decisão que
decretou a providência cautelar.

X) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº


1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os
Requeridos, que considerou ilegítima a ocupação do
prédio por aquela desde 4-12-2019, não podia a
mesma vir colocar idêntica questão, ao abrigo do
instituto da “restituição de posse” (conclusão 13ª - 10ª
questão das alegações)
Entendem os apelantes que tendo o douto ac. RG de fls
41, ss integrado na decisão a ocupação que a Reqte fez
do prédio em 4.12.2019, negando à aqui Reqte o direito de
ter pedido a entrega e de ocupar o prédio, revogando o
pedido da Reqte de inutilidade superveniente da lide, com
base nesse facto, aquela decisão transitada, no fundo,
considerou ilegítima a ocupação da Reqte desde aquela
data, pelo que, não pode, ao arrepio dessa decisão vir
astuciosamente colocar a mesma questão, ao abrigo do
instituto da “restituição de posse”.
Tendo-se a requerente pronunciado que relativamente aos
requisitos da providência cautelar, reitera-se que o
acórdão proferido no âmbito do processo n."
1942118.2T8BCL não pôs em causa a posse exercida
pela Requerente após a entrega do prédio por parte dos
Requeridos, nem considerou tal posse ilegítima. O
acórdão apenas negou o direito de propriedade invocado
pela aqui Requerente.
Quid iuris?

Sobre esta questão, já houve pronuncia supra em VII, para


onde se remete, a fim de evitar repetições.
Não assiste, pois, também aqui, razão aos apelantes.

XI) Há que avaliar o efeito do desfecho da acção de


reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela
Requerente contra os Requeridos relativamente
à investidura da posse (conclusões 14ª e 15ª - 11ª
questão das alegações)

Entendem os apelantes que sem prejuízo da conclusão


anterior, a investidura da posse define a natureza da
mesma. Assim, se em 4.12.2019 se discutia em
julgamento o direito da Reqte pedir a entrega do prédio, o
ato de ocupação de 4.12.2019 só pode ter a natureza de
“violência” nos termos do nº 2, parte final, do artº 1267,
CC, não se iniciando a nova posse. À não reação dos
Requeridos, não pode atribuir-se qualquer efeito jurídico,
na medida em que, face à ocupação abrupta que os
muitos representantes da Reqte fizeram em 4.12.2019, os
Requeridos decidiram aguardar pelo resultado da ação,
evitando o confronto e mais conflitualidade. No momento
da instauração da providência cautelar e no momento da
decisão, quer a Reqte, quer o douto Tribunal recorrido,
sabiam que o Venerando Tribunal da Rel. Guimarães
havia negado à Reqte o Dtº de Propriedade sobre o
imóvel.
Discordando a requerente da interpretação efectuada
pelos recorrentes.
Quid iuris?

Continuam os recorrentes a lavrar no mesmo erro, de


interpretação quanto ao desfecho da acção de
reivindicação nº 1942/12.2T8BCL e da confusão feita entre
propriedade e posse. É que, como já referido amiúde, a
posse invocada neste processo em nada colide com o
decidido no âmbito do processo nº 1942/18.2T8BCL. Com
efeito, nestes autos, a Requerente alega tão só o exercício
da posse desde o momento da entrega do prédio por parte
dos Requeridos. Nada mais havendo aqui a analisar.
Sendo, pois, incorrecta a leitura pretendida.

XII) Há que avaliar o efeito do desfecho da acção de


reivindicação nº 1942/12.2T8BCL instaurada pela
Requerente contra os Requeridos relativamente a esta
providência (conclusão 16ª - 12ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que sendo esta providência um


meio cautelar de defesa do direito de propriedade
correspondente ao imóvel possuído e, sabendo a Reqte
que um Tribunal lhe recusou ser titular do direito de
propriedade, age de má fé e fraude à lei o “possuidor” que
se socorre da r.p.p.
Discordando a requerente da interpretação efectuada
pelos recorrentes, pois o que está em causa na presente
providência é unicamente a posse da Requerente, sendo
que a mesma foi suficientemente demonstrada nos autos.
Por sua vez, a acção principal a instaurar será uma
simples acção possessória.
Quid iuris?

Valendo aqui integralmente as considerações expendidas


supra, designadamente em XI, dá-se aqui tudo por
reproduzido, a fim de evitar repetições.
Resta acrescentar que é pressuposto do decretamento da
providência cautelar de Restituição Provisória da Posse a
prova de que o requerente da providência é titular da
posse sobre o bem cuja restituição é ordenada. E a prova
da titularidade da posse sobre o bem não se confunde
com a prova da titularidade do direito de propriedade
sobre esse mesmo bem (10).
Não assiste, pois, também aqui, razão aos apelantes.

XIII) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº


1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os
Requeridos, falta o elemento subjectivo da posse
daquela (conclusão 17ª - 13ª questão das alegações)

Entendem os apelantes que exigindo a nossa lei para a


Posse o “corpus” e o “animus sibi habendi” (artº 1251,
CC), falta o “animus” à posse daquele que, pelo menos no
momento da instauração da ação e da decisão cautelar,
sabe que o Tribunal lhe negou a propriedade do imóvel, ou
seja, não pode agir como proprietário, que não é!.
Quanto ao elemento subjectivo da posse da requerente,
entende esta que o “animus” da posse se
encontra devidamente sustentado no facto de o prédio ter
sido doado à Requerente e de lhe ter sido entregue
voluntariamente, livre de bens e plantações pelos
Requeridos, passando a ocupar o mesmo posteriormente
e a praticar nele actos de posse. Além do mais, como
resulta das transcrições juntas aos autos em 23/02/2021,
todos os Requeridos, em sede de depoimento prestado
em 12/11/2019 no âmbito do processo nº
1942/18.2T8BCL, declararam que consideravam o prédio
entregue à aqui Requerente. Ora, todas estas
circunstâncias reforçam a convicção da Requerente em
agir como dona do referido prédio.
Quid iuris?

Antecipando desde já a decisão, diremos que também


aqui não assiste qualquer razão aos recorrentes, que
voltam a lavrar no mesmo erro da sua interpretação
quanto ao desfecho da acção de reivindicação nº
1942/12.2T8BCL e da confusão que fazem entre
propriedade e posse.
Passando a transcrever-se o que assertivamente consta
da sentença recorrida de 23-03-2021 quanto a esta
questão, ao que plenamente aderimos: Também não foi
feita prova, em sede de oposição, que levasse a concluir
que no período em que deteve o prédio a Requerente agiu
sem animus possidendi. Diga-se que, até à data em que a
Requerente foi esbulhada da posse do imóvel – o que
ocorreu cerca de um mês após a prolação do acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães que decidiu
definitivamente o processo registado sob o nº
1942/18.2T8BCL da Instância Local Cível de Barcelos – J3
-, a Requerente praticou atos de posse sobre os mesmos,
e fê-lo convicta de que aquele lhe pertence porque lhe foi
doado.
Ora, não faltando o elemento subjectivo da posse da
requerente, também aqui não assiste razão aos apelantes.

XIV) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº


1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os
Requeridos, estamos perante uma posse (da
requerente) inferior a um ano e um dia – “posse” essa
que não permite o recurso à providência
recorrida (conclusão 18ª - 14ª questão das alegações)
Entendem os apelantes que considerando a 2ª decisão
recorrida quando diz … “a partir de inícios de
Dezembro/2019, a Requerente tomou posse da parcela,
exercendo sobre a mesma atos de posse, posse essa que
foi esbulhada em meados de Novembro/2020 por ação
dos Requeridos”, não restam dúvidas que estamos
perante uma posse inferior a um ano e um dia – “posse”
essa que não permite o recurso à providência recorrida.
Já a requerente entende ter ficado demonstrado que os
Requeridos, em 1 de Agosto de 2018, entregaram
voluntariamente o terreno objecto dos autos à Requerente.
Aliás, o Tribunal a quo deu como não provado que tal
entrega tenha sido feita em consequência de pressão com
ameaça de acção judicial e pedido de indemnização - ver
ponto f) dos factos não provados, o qual, saliente-se, não
foi impugnado no presente recurso. Ou seja, a ter havido
posse dos Requeridos, o que não aceita, a mesma foi
voluntariamente cedida à Requerente. Toma-se assim
irrelevante que a posse da Requerente seja inferior a um
ano e um dia.
Quid iuris?

Entendem os recorrentes que uma posse inferior a um ano


e um dia, não permite o recurso à providência de
restituição provisória de posse. Entendimento que não tem
qualquer base factual, face à previsão legal do art. 1278º
do CC, atendendo a que ficou demonstrado que a
requerente tomou posse do terreno objecto dos autos em
virtude da sua entrega voluntária por parte dos requeridos,
o que ocorreu em 1 de Agosto de 2018, apesar de apenas
existirem actos de posse por parte da requerente desde
pelo menos 4 de Dezembro de 2019.
Não assiste, assim, razão aos apelantes.

XV) Da inexistência de uma “vacatio” na posse do


prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019 (conclusão 19ª - 15ª
questão das alegações)

Discordam os apelantes do entendimento da decisão


recorrida de que existiu uma “vacatio” na posse do prédio
entre 1.8.2018 e 4.12.2019 – o que não pode admitir-se,
face ao artº 1257-1, 2ª parte do CC e ao facto de, na
opinião de P. Lima e A. Varela … “não é de admitir a
perda de posse pelo simples abandono enquanto se não
constituir uma posse de um ano e um dia, em benefício de
outrem …” (C. Civil anotado – 3º vol., in anot. ao artº
1267).
Com o que discorda a requerente/recorrida, por estarmos
perante uma entrega do prédio manifestada através de
uma comunicação escrita, pelo que sempre se deveria
entender que esta adquiriu a posse de forma legítima, de
acordo com o disposto no artigo 1263°, alínea b) do
Código Civil.
Quid iuris?

Também aqui não é correcta a interpretação que os


recorrentes fazem da alteração do facto dado por
indiciariamente provado sob o nº 15) na decisão recorrida
de 23-03-2021. Inexistindo qualquer “vacatio” na posse do
prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019, nem perda da posse
por parte dos recorrentes pelo abandono.
Efectivamente, como bem se refere na mencionada
decisão, depois de se ter aludido à ausência de
consequência pelo facto de o Tribunal ter procedido à
alteração do facto dado por indiciariamente provado na
sentença proferida nestes autos sob o nº 15), é que, o que
resulta evidente é que os Requerentes, em 1 de Agosto de
2018, voluntariamente, consideraram entregue à
Requerente a parcela de terreno em causa nos autos (o
que equivale a dizer que, nessa data, os Requerentes
cederam a posse da parcela à Requerente). Entre essa
data e o início de Dezembro de 2019, tal parcela não foi
detida por ninguém – não ficou comprovada nos autos a
prática de atos de posse nesse período nem pela
Requerente, nem pelos Requeridos. A partir de inícios de
Dezembro de 2019, a Requerente tomou posse da
parcela, exercendo sobre a mesma atos de posse com
animus possidendi, posse essa de que foi esbulhada, em
meados de Novembro de 2020, por acção dos
Requeridos, que não demonstraram fundamento que
justifique tal actuação. É que não podemos esquecer que
a Requerente detém um título que, aparentemente, lhe dá
direitos sobre a parcela – a doação feita por A. O..
Não assiste, pois, também aqui, qualquer razão aos
apelantes.

XVI) Da alteração da matéria de facto (conclusão 20ª -


16ª questão das alegações)

Divergem os apelantes da decisão da matéria de facto,


pretendendo que se adite aos factos provados mais o
seguinte: - “entre 1.8.2018 e 4.12.2019, os Requeridos
mantiveram-se na posse do prédio, nele entrando e
abrindo regos de escoamento das águas vindas da Igreja”.
Para tanto, defendem que tal matéria alegada resultou
provada através do doc. 21 da Oposição, conjugado com o
depoimento das testemunhas M. C. e M. S., cujos
depoimentos pontualmente transcrevem.
Indicam o sentido da decisão e os elementos de prova em
que fundamentam a sua pretensão.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos
pelo art. 640º do CPC.

Cumpre, pois, apreciar.

Antes de mais, diga-se que relativamente ao facto em


questão já a decisão recorrida se pronunciou, constando
do elenco dos factos não provados na decisão de 23-03-
2021, a alínea h) com o seguinte teor:

h) Como a Requerente não reocupou o terreno atrás da


igreja que, na sua tese, não era esse o reivindicado, os
Requeridos mantiveram a posse do terreno de 1.020 m2
atrás da igreja entrando nele com trator e fazendo regos
para escoamento da água de todo o prédio, mas sem o
agricultar, o que sucedeu até 4 de Dezembro de 2019.
bem como da motivação que:
No que concerne à alegada posse do terreno em questão
nos autos entre 1 de Agosto de 2018 e 4 de Dezembro de
2019, a testemunha M. C. referiu que os Requeridos
fizeram uns regos para escoamento de águas e M. S.
mencionou que os Requeridos tinham o terreno em
pousio. Ora, tais alegações são manifestamente
insuficientes para o Tribunal concluir que os Requeridos
mantiveram a posse do terreno, porquanto não se sabe
em que data foram abertos os regos, de que modo tal
sucedeu, quem interveio nessa operação. Acresce que, tal
conclusão se acha contrariada pela atitude tomada pelos
Requeridos, que proceder à limpeza do terreno e retiras as
ervas aromáticas que aí se achavam.
Ora, verificando-se que os recorrentes não requerem a
supressão da mencionada alínea h), o ora pretendido
sempre se revelaria incompatível com ela.
De qualquer forma, revisitada a respectiva prova
produzida, designadamente, analisado o documento
invocado e ouvida a gravação integral, em audiência de
julgamento, do depoimento das testemunhas M. C. e M.
S., conclui-se não assistir razão aos apelantes. Não se
tendo adquirido, assim, convicção diferente daquela obtida
pelo Tribunal da 1ª instância, mesmo sem a mais valia que
representa a imediação.
Verificando-se que os apelantes, no essencial, dissentem
da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos
factos e interpretação que fazem da prova que
seleccionam e que pretendem ter ficado demonstrada.
Porém os apelantes não podem limitar-se a invocar
apenas parte da prova que lhe é alegadamente favorável,
em abono da alteração dos factos, ignorando a análise
crítica efectuada pelo Tribunal a quo a essa mesma prova,
decidindo em causa própria.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos
apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste
particular, devem eles efectivar uma concreta e
discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de
toda a prova, de sorte a convencerem o tribunal ad
quem da bondade da sua pretensão. O que não lograram.
Resultando evidente nos autos, que na motivação da
decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido
elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos.
Alegar como fazem os recorrentes, invocando
particularidades já analisadas na motivação, é ocultar e
rodear a bem assinalada falta de prova da sua ocorrência
mencionada na motivação.
Diga-se ainda, quanto à incongruência da sua pretensão,
que ficou apurado que os Requerentes, em 1 de Agosto
de 2018, voluntariamente, consideraram entregue à
Requerente a parcela de terreno em causa nos autos.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo
tribunal a quo constam do processo e foram devidamente
ponderados, entende-se nada haver aqui a corrigir,
decidindo-se pela improcedência da impugnação da
matéria de facto.

XVII) Atento o desfecho da acção de reivindicação nº


1942/12.2T8BCL instaurada pela Requerente contra os
Requeridos, pretendem estes uma alteração à matéria
de facto (conclusão 21ª)

Divergem os apelantes da decisão da matéria de facto,


pretendendo que se retire do Facto 15º da 1ª decisão
recorrida a expressão “por si e antepossuidores”, face às
decisões do douto ac. RG de 15.10.2020 (fls 41, ss e
esclarecimento do doc. 3 da Oposição dos Requeridos),
uma vez que a Reqte não beneficia do disposto no artº
1256, CC (junção de posses).
Quid iuris?

Valendo aqui integralmente as considerações expendidas


supra, designadamente em XI, XII e XIII sobre o erro de
interpretação dos recorrentes quanto ao desfecho da
acção de reivindicação nº 1942/12.2T8BCL e da confusão
feita entre propriedade e posse, dá-se aqui tudo por
reproduzido, a fim de evitar repetições. Podendo até
entender-se que a requerente adquiriu a posse nos termos
do art. 1263º, b) do CC e inexistindo qualquer “vacatio” na
posse do prédio entre 1.8.2018 e 4.12.2019, como já
supra mencionado em XV, é, pois, impróprio afirmar-se
que não houve sucessão na posse.
Não assiste, assim, também aqui, razão aos apelantes.

XVIII) Reapreciação da decisão de mérito da


providência (conclusão 22ª)

Entendem os apelantes que face aos factos provados 1 a


8 e 10 e 11 da 2ª decisão e às conclusões anteriores, os
Requeridos sempre beneficiariam de “melhor posse”.
Ora, atendendo a que se decidiu pela improcedência das
conclusões anteriores, prejudicada fica a reapreciação da
decisão em conformidade com o seu acolhimento.
Logo, face à factualidade indiciariamente provada, a
solução do tribunal a quo, que julgou improcedente a
oposição deduzida, só pode merecer o nosso integral
acolhimento, uma vez que os Requeridos não lograram
fazer valer a sua razão de molde a impor uma decisão
diversa da já proferida.
Como se sabe, os procedimentos cautelares constituem
instrumentos processuais destinados a prevenir a violação
grave ou de difícil reparação de direitos, derivada da
demora natural de uma decisão judicial.
Representam, por isso, uma garantia de eficácia, em
relação à decisão a proferir no processo principal. Decorre
da necessidade desta eficácia, a urgência do processo de
providência cautelar e concomitantemente, a análise
apenas sumária da situação de facto, “summaria cognitio”,
de forma a fazer-se um mero juízo sobre a provável
existência do direito, “fumus boni juris”, e o receio
justificado da necessidade da providência, de forma a
evitar que o direito seja seriamente afectado ou até
inutilizado “periculum in mora”.
Como refere António Geraldes (11), os procedimentos
cautelares “são, afinal, uma antecâmara do processo
principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina
ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos
decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar
frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao
requerente”.
Ora, in casu, impunha-se aferir se os factos apurados
afastavam os fundamentos da providência decretada.
Tendo o Tribunal a quo decidido com assertividade e
ponderação.
Nada havendo, pois, a censurar na decisão a quo.

Termos em que se confirma e mantém as decisões


impugnadas, recusando-se provimento ao recurso.
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)
I – A procedência da providência cautelar de restituição
provisória da posse depende da verificação de três
requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
II – A posse é um poder que se manifesta quando alguém
actua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de outro direito real – art. 1251º do CC.
O esbulho consiste na perda de retenção ou fruição, ou a
sua possibilidade de o fazer, da coisa ou direito.
Por outro lado, ocorre a violência quando se use de
coacção física ou moral, nos termos do art. 255º do CC, se
forem praticados actos que constranjam a vontade do
possuidor, obrigando este a submeter-se ao
desapossamento.
III – É matéria controvertida, tanto na doutrina como na
jurisprudência, a questão de saber se, na caracterização
da violência, esta tanto pode ser exercida sobre pessoas,
como sobre as coisas, ou se o conceito deve ser limitado à
coacção exercida sobre o possuidor.
Ora, de acordo com o nº 2 do citado art. 255º, a ameaça
integradora da coacção moral tanto pode respeitar
à pessoa como à honra ou fazenda do esbulhado ou de
terceiro.
IV – Com a formulação de um pedido principal e um
pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo
primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão
jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido
subsidiário, no caso do pedido principal improceder.
V – Não podemos confundir a questão da força ou
autoridade do caso julgado com a excepção dilatória do
caso julgado. Efectivamente, a autoridade do caso julgado,
embora pressupondo a existência de uma decisão
transitada em julgado, não se confunde com a excepção
do caso julgado. Esta destina-se a evitar uma nova
decisão inútil (razões de economia processual), o que
implica uma não decisão sobre a nova acção,
pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e
pedido. Aquela – a autoridade de caso julgado – importa a
aceitação de uma decisão proferida em acção anterior,
que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da
segunda, visando obstar a que a relação ou situação
jurídica material definida por uma sentença possa ser
validamente definida de modo diverso por outra sentença,
não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade,
prevista no art. 498º do CPC.
VI – Os procedimentos cautelares constituem instrumentos
processuais destinados a prevenir a violação grave ou de
difícil reparação de direitos, derivada da demora natural de
uma decisão judicial.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em


julgar a presente apelação improcedente, assim se
confirmando as decisões recorridas.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
*
Guimarães, 13-07-2021

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)

1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de


Braga, Braga - JL Cível - Juiz 3
2. Vide, L. P. Moitinho de Almeida, in Restituição de
Posse e Ocupações de Imóveis, Coimbra Editora, pág. 22.
3. Vide, Guerra da Mota, Manual da Acção Possessória,
Athena, 1980, pág. 134.
4. Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e
Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra,
1985, pág. 23.
5. Cfr. Ac. STJ de 22-03-2000, Agravo n.º 154/00 - 7.ª
Secção, disponível in www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
6. Note-se que assim continua a ser genericamente
porquanto, em face da inovação introduzida pelo art. 369º
do actual CPC, que introduziu no nosso regime a Inversão
do contencioso, só nos casos em que esta tenha sido
requerida é que se exige que a matéria de facto adquirida
no procedimento cautelar permita a formação pelo juiz de
uma convicção segura relativamente à efectiva existência
do direito que o requerente do procedimento pretende com
este acautelar.
7. In “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV vol. Pág.
63, nota 79.
8. Vd, no mesmo sentido, os acs. da RL de 24.6.99, in CJ
t. III, pág. 129; de 6.4.00, in CJ , t. II, pág 130; e da RC de
23.5.00, in CJ t. III, pág. 23.
9. Cfr. Ac. de 17-12-2020, que indeferiu o pedido de
reforma, proferido posteriormente à sentença proferida
nestes autos em 16-12-2020 e que ordenou a restituição
provisória da posse à Requerente do prédio descrito em 1)
e 3) dos factos provados e condenou os Requeridos a
remover a vedação descrita em 16) dos factos provados.
10. Vd. neste sentido, o Ac. desta RG de 17-04-2008,
proferido no Proc. nº 165/08-1 e acessível in www.dgsi.pt.
11. In “Temas da Reforma de Processo Civil”, III Vol. pág.
35.

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