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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Indice
DECLARAÇÃO DE HONRA ................................................................................................................... 4

DEDICATÓRIA..................................................................................................................................... 5

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................ 6

RESUMO ............................................................................................................................................ 7

ABSTRACT .......................................................................................................................................... 8

Siglas e Abreviaturas .......................................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................10

CAPITULO 1.......................................................................................................................................14

DELIMITAÇÃO DO TEMA................................................................................................................14

CAPITULO 2.......................................................................................................................................17

REVISÃO DA LITERATURA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ............................................................17

Revisão da literatura .....................................................................................................................17

2.1.1. Perspectiva de Acção Interventiva ...................................................................................17

2.1.2. Perspectiva Construtivista na Vertente Sociológica ..............................................................20

2.1.3.- Formulação do problema ...................................................................................................23

2.1.4. - Hipóteses ......................................................................................................................24

Justificativa ...................................................................................................................................24

2.3. Objectivos de Trabalho ...............................................................................................................26

2.3.1. - Objectivo Geral..................................................................................................................26

2.3.2. - Objectivos Específicos .......................................................................................................26

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CAPITULO 3.......................................................................................................................................27

ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL ................................................................................27

3.1. Enquadramento Teórico .........................................................................................................27

3.2. Enquadramento Conceptual ...................................................................................................30

3.2.1. - Grupo Social ......................................................................................................................30

3.2.2. - Identidade Social ...............................................................................................................32

3.2.3. - O Espaço Social..................................................................................................................35

3.2.4. - Práticas Sociais ..................................................................................................................37

3.2.5. - Stock de conhecimento .....................................................................................................37

3.2.6. - A Mendicidade ..................................................................................................................38

CAPÍTULO 4.......................................................................................................................................41

METODOLOGIA .............................................................................................................................41

4.1. Método de Procedimentos .....................................................................................................41

4.2. - Campo de Análise .................................................................................................................45

4.3. - Constrangimentos da Pesquisa .............................................................................................45

CAPÍTULO 5.......................................................................................................................................46

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA ..................................................................46

5.1. Mendicidade na cidade de Maputo ........................................................................................47

5.1.1. Perfil social de grupo na mendicidade, pobreza e exclusão social.........................................48

5.1.2. - Formação de Perfil social de grupo baseado em laços de solidariedade Comuns................51

5.1.3. - Perfil social de grupo baseado na manipulação de identidade ...........................................57

5.1.4. Perfil social do grupo baseado na estigmatização da deficiência física e/ou visual ...............59

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5.1.5. - Prática da mendicidade e sobrevivência ............................................................................62

CONCLUSÃO .....................................................................................................................................66

7. BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................................69

ANEXOS ............................................................................................................................................72

Guião de perguntas para entrevista ..............................................................................................72

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DECLARAÇÃO DE HONRA

Declaro que o presente trabalho de fim de curso, nunca foi apresentado, na sua essência, em nenhuma
instituição de ensino, como uma dissertação para obtenção de qualquer grau académico, e que este
constitui o resultado da minha investigação pessoal, estando indicadas no texto e na bibliografia as
fontes por mim utilizadas.

_____________________________
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DEDICATÓRIA
Para começar, dedico este trabalho à minha mãe devido a oportunidade que tem de testemunhar este
acto. Foi desta mãe que eu vim a este mundo, no qual hoje alcanço mais um dos meus objectivos da
minha vida. Dedico, igualmente, este trabalho, em especial a minha esposa Regina Simbine e meus
filhos Júnior e Milena, por muitas noites passadas sem o meu amor e carinho que qualquer criança sua
idade merece de um pai.

A minha dedicatória é extensiva também para todos aqueles que se sacrificam quer faça chuva quer
faça frio e ventania em busca da sua felicidade.

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Fermino José Mujovo

AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à minha família que me deu forças para que se materializasse este
projecto. Em seguida, os meus inolvidáveis agradecimentos são para a minha supervisora, Dr.ª Rehana
Capurchande, que me encorajou a enfrentar este desafio, procurando na medida do possível,
disponibilidade necessária para me apoiar na execução da minha dissertação.

Agradeço de forma renovada a atenção e palavras de encorajamento dadas pela Dr.ª Judite
Chipenembe, no momento em que começava a pensar em desistir do tema.

Os meus agradecimentos são extensivos ao Dr. Baltazar Muianga, docente da cadeira de Seminário de
Orientação no 1º semestre do 4º ano do curso de Sociologia, que me incentivou a abraçar o tema
durante o projecto.

Não me esqueço dos meus colegas de curso Adriano Nhamutoco, Salvador Matlombe, Hermenegildo
Cossa, Apolinário Mabote e Virgílio Manhenge, que compartilharam comigo e ajudaram-me a
ultrapassar as dificuldades que enfrentava durante o curso.

Agradeço, igualmente, a todos os demais amigos que directa ou indirectamente de forma solidária e
positiva, influenciaram para a materialização deste trabalho.

O meu muito obrigado, que Deus vos abençoe!

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Fermino José Mujovo

RESUMO
O presente trabalho, busca analisar o perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo,
fundamentada na análise interpretativa das características comuns, partilhadas no seio dos grupos
dentro das suas práticas do dia-a-dia, com recurso a teoria fenomenológica, utilizando o modelo de
análise qualitativa, subjacente nos métodos hipotético-dedutivo e fenomenológico, para explicar de
forma objectiva essa realidade social.

Com base em pesquisas empíricas levadas a cabo, na zona baixa da cidade de Maputo, abrangendo um
grupo alvo composto por crianças e idosos, de ambos os sexos, verificamos que, factores como
pobreza, estigmatização e exclusão social, manipulação de identidade social, têm contribuído para a
existência dos diferentes grupos sociais, maioritariamente constituídos por indivíduos provenientes
dos bairros periféricos da cidade, que se deslocam a este local, recorrendo a mendicidade, com vista a
conseguir algo para o auto sustento familiar.

A análise e interpretação dos dados recolhidos com base nas histórias de vida e observação não
participante, com recurso ao modelo de análise qualitativa, permitiu-nos concluir que, existe uma
relação intrínseca entre a prática recursiva da mendicidade e o perfil social dos grupos que se forma, a
partir da compreensão intersubjectiva dos laços de solidariedade comuns vividos pelos seus membros,
bem como a existência de uma forte tendência que os indivíduos privados de recursos financeiros e/ou
para a satisfação das suas necessidades básicas, tem de se juntarem em grupos específicos para a
prática da mendicidade na cidade de Maputo.

Palavras-chave: Perfil social, grupo social, laços de solidariedade, mendicidade.

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Fermino José Mujovo

ABSTRACT
This work consist of analyzing the social identity of different groups in the mendicancy in the city of
Maputo, based on descriptive and interpretative analysis of the commons attributes, shared into the
groups during their daily practices, under the phenomenological theory, using the qualitative model,
focused in the hypothetic-deductive and phenomenological methods to explain the objective form for
this social phenomenon.

Under the empirical researches realized, at the place called “zona baixa” in the City of Maputo,
involving a target group constituted by children olds, covering both sex, we have verified that, factors
like poverty, stigmatization, social exclusion, social identity manipulating, have contributing for the
emergence of different categories of social groups in the mendicancy, where most of them, involves
people from the suburbs around the city, who look for something to survival in the context of family.

The analysis and interpretation of the collected data from the stories of life and non-participative
observation underlying in the qualitative analysis design, it took us to establish, the existence of
intrinsic relationship between the recursive practice of mendicancy and the social identity of groups
which its constitution is strongly influenced through the intersubjective comprehension of commons
solidarity bonds live among the members, as well the existence of strong tendency of the people with
deprived of financial and/or material resources for satisfying their basics needs, have had to assemble
in specifics socials groups to be involved in the mendicancy practice in the city of Maputo.

Key-Words: Social identity, social group, solidarity bonds, mendicancy.

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Siglas e Abreviaturas

ISCP - Instituto Superior de Comunicação de Portugal

MMAS - Ministério da Mulher e Acção Social

INAS - Instituto Nacional da Acção Social

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INTRODUÇÃO
A mendicidade em Moçambique, constitui um problema para a sociedade, e com maior
enfoque nas cidades. Trata-se de um fenómeno que se caracteriza, normalmente, pela mão
estendida dos indivíduos, que compõem diferentes grupos sociais, desde os idosos, mulheres
e, actualmente crianças que deambulam pelas artérias principais da cidade, de preferência nas
sextas-feiras, pedindo esmola para a sua sobrevivência.

O nosso objectivo neste trabalho, é analisar o perfil social dos grupos sociais na mendicidade,
a partir da observação não participante de um conjunto de característica comuns, partilhadas,
pelos diferentes grupos no seu dia-a-dia, num determinado espaço e tempo socialmente
situados, com vista a atingir um determinado fim.

A estratégia da elaboração do nosso trabalho, para analisar esse perfil social, está subjacente
no estudo das características comuns, partilhadas por estes grupos sociais, cuja maioria reside
nas zonas periféricas da cidade. A escolha destes grupos sociais, para análise do perfil social,
tem em vista ajudar-nos, a compreender a sua influência na formação dos diferentes grupos
sociais envolvidos nessa prática.

Para melhor contextualização do nosso tema, iremos numa primeira fase analisar os possíveis
factores estruturais e conjunturais, que determinam o surgimento dos diferentes grupos sociais
na mendicidade. Nesse sentido, olhando para a dimensão sociológica, factores tais como,
pobreza associados a exclusão social, acusação de feitiçaria e desintegração da convivência
familiar dos indivíduos, propiciando o carácter dos indivíduos desfavorecidos, podem
concorrer para o abandono e marginalização dos indivíduos do ambiente familiar.

Para o efeito, basta olharmos para a pobreza como um fenómeno, que se resume na falta de
acesso aos recursos materiais e financeiros básicos, bem como a não participação, num
conjunto de relações sociais, vida familiar e outro tipo de relações de amizade, e, a influência
que exclusão social tem no sentimento de pertença dos indivíduos.

As migrações internas dos indivíduos, que se caracterizam na mobilidade de campo-cidade,


também, podem ter a sua influência para o surgimento de focos de grupos da mendicidade na
cidade. Se analisarmos para os efeitos dos 16 anos da guerra civil, cheias, calamidades

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naturais, entre outros, que devastaram a economia do país, tornando os indivíduos do campo
carenciados, e, como forma de procurar mecanismos de sobrevivência migram para a cidade.

Entretanto, esse processo de migrações, normalmente, não é acompanhado pela existência de


infra-estruturas adequadas para albergar esta gente que migra, bem como a existência de
emprego para promover o seu auto-sustento, culminando com a formação de focos de
pequenos grupos da mendicidade, para a obtenção de algo para o auto-sustento.

Conforme observa Singer (s/d: 46), os migrantes que não conseguem se integrar na economia
urbana, nomeadamente, nos Países com baixo nível de desenvolvimento económico e com
fracas infra-estruturas para responder a demanda de emprego, procuram alternativas na
cidade, certos traços de economia de subsistência sob forma de actividades autónoma. No
caso concreto de serviços informais, tais como, vendedores ambulantes, carregadores,
serviços de reparação, práticas alternativas de sobrevivência, mendicidade. Estas actividades,
embora sejam desenvolvidas no âmbito especial da cidade, elas não se acham integradas na
economia.

Estas migrações surgem como resultado de causas estruturais, em que as pessoas que migram
não conseguem se integrar nas actividades económicas nos centros urbanos, ficando, desse
modo, numa situação de marginalização urbana, facto que os leva a procurarem formas
alternativas de sobrevivência, com recurso a actividades autónomas, tais como, vendedores
ambulantes, carregadores, polidores de carros, serviços de manutenção, incluindo a
mendicidade.

A pobreza urbana, geralmente, tem sido acompanhada da crise rural, partindo do princípio de
que a zona rural constitui a alavanca de crescimento industrial nas cidades. E, uma vez que, o
crescimento industrial não consegue dar resposta ao elevado número de pessoas que
abandonam o espaço rural, a procura de melhores condições de vida, acaba tornando-se um
factor determinante para a formação de diferentes grupos da mendicidade. Segundo observa
Segundo Park (1991:38):

a existência de diferentes grupos sociais que praticam actividades informais, incluindo a


mendicidade, dentro do espaço urbano, é influenciada pelas desigualdades produzidas pela
diferenciação e dificuldades de integração económica, social e política.

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“O processo de migrações que pode originar fenómenos associados a pobreza


urbana, é a formação de grupos sociais específicos, a partir da partilha de um tipo de
solidariedade social, fundada sobre uma comunidade de interesses”. (Park, 1991:39).

Neste caso, os migrantes que não tiverem inserção no mercado económico e político de
urbanização, procuram formas alternativas de sobrevivência, sendo a mendicidade uma
evidência dessa estratégia.

De um modo geral, podemos dizer que, a conjugação destes factores todos associados as
oportunidades de vida, fazem com que se desenvolvam os diferentes grupos sociais da
mendicidade dentro da sua estratégia de luta de sobrevivência.

A estrutura deste trabalho encontra-se dividida em 4 capítulos, e, tem em vista orientar, o


nosso fio de pensamento sobre o tema que nos propomos discutir. Em seguida, passamos a
resumir a disposição em que se encontra disposta a estrutura do trabalho:

No capítulo 1, apresentamos a delimitação do tema, no qual procuramos apresentar o nosso


objecto de estudo dentro de um campo especifico da sua abordagem, que achamos ser um
aspecto relevante para nos situar em termos de contexto com destaque para a relevância
espácio-temporal. No capitulo 2, formulamos o problema que vai orientar o nosso estudo,
com base em duas perspectivas de análise, a perspectiva intervencionista e a perspectiva
construtivista, a partir da revisão de literatura, com destaque para alguns estudos empíricos
realizados relacionados com o tema deste trabalho, as hipóteses, a justificativa e os objectivos.
No capítulo 3, a apresentamos o enquadramento teórico-conceptual do nosso tema, de modo a
permitir-nos o alcance dos objectivos, através da clarificação e explicação da teoria bem como
dos conceitos que iremos utilizamos ao longo do trabalho.

Na segunda parte do trabalho, no capítulo 4, apresentamos, a metodologia, com base na qual,


procuramos, definir as técnicas, método de procedimentos para a selecção da amostra,
unidade de análise, bem como a apresentação do quadro bibliográfico para justificar a escolha
do método a aplicar no trabalho de campo. No capítulo 5, fazemos a apresentação e análise
dos dados recolhidos durante as nossas pesquisas de campo, com base na teoria escolhida para
sustentar os nossos argumentos sobre o tema escolhido. E, finalmente no capítulo 6,
apresentamos a conclusão do trabalho.

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A apresentação desta estrutura, tem em vista tornar, o nosso fio de pensamento sobre o tema
que nos propomos transmitir, mais compreensível e facilitar a sua contextualização do ponto
de vista teórico e prático.

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CAPITULO 1

DELIMITAÇÃO DO TEMA
Nesta parte do trabalho, vamos fazer a delimitação do tema, começando por explicar como é
que se manifesta o fenómeno da mendicidade, a nível do mundo, e, culminaremos com a sua
manifestação no contexto do país, de modo a permitir-nos contextualizá-lo ao nosso objecto
do estudo “O perfil social dos grupos da mendicidade na cidade de Maputo”.

A mendicidade, é um problema que a nível mundial, afecta a matriz social dos grandes
centros urbanos. Para o efeito, basta nos recordarmos das cidades de maior concentração
populacional, tais como, Chicago, Lisboa, Joanesburgo, S.Paulo, entre outras. Nestas cidades,
à semelhança da cidade de Maputo, o fenómeno da mendicidade constitui uma das
características do seu quotidiano, apresentando mendigos de diferentes categoriais sociais,
que no dia-a-dia, deambulam pelas principais artérias, em busca de algo para sobrevivência.

Diversos estudos empíricos realizados em Moçambique sobre a mendicidade1, tem mostrado


que, determinados factores, como a pobreza, marginalização, acusação de feitiçaria, violência
física-moral, viuvez, orfandade, deficiência física, exclusão social, desintegração social nos
laços familiares, tem influenciado para a existência da mendicidade. A mendicidade, entanto
que um fenómeno social, pode estar associado a factores conjunturais, económicos, sociais e
políticos2 da maior população urbana.

Este fenómeno, analisado, à luz de uma perspectiva sociológica 3, pode ter como causas da sua
origem, factores da pobreza, exclusão social e desintegração dos laços sociais das estruturas
familiares. Como fenómeno que resulta da exclusão social, pode estar associado na carência
social, marginalização, dependência e incapacidade de participar na vida activa da sociedade,
devido a deficiência física, incluindo a educação e a informação.

Em traços gerais, podemos assumir que, são os factores económicos, sociais e políticos que,
directa ou indirectamente influenciam para a ocorrência da mendicidade no mundo, e a cidade

1
Ver capítulo da definição do problema, no qual analisamos diversos estudos empíricos, realizados em Moçambique.
2
Factores que foram melhor desenvolvidos e explicados na página da introdução, pobreza urbana.
3
Ver as percepções dos diferentes autores no capítulo da revisão bibliográfica sobre o fenómeno
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de Maputo não constitui uma excepção. No contexto nacional, a mendicidade é analisada, a


partir de alguns estudos empíricos realizados4 por diversos autores.

Para melhor delimitação deste tema, importa referir que, embora a mendicidade se manifeste
em todas as artérias principais da cidade de Maputo, o enfoque do nosso estudo, estará
centrado na análise do perfil social dos grupos que praticam a mendicidade na cidade de
Maputo, na zona baixa da cidade, com ênfase nas sextas-feiras de cada semana.

A escolha desta parte da cidade de Maputo, tem a ver com o facto de, ser um lugar
privilegiado por um elevado número de pessoas de diferentes camadas sociais carenciadas e
vulneráveis, que no seu quotidiano, se dedica a prática da mendicidade, como uma estratégia
de sobrevivência.

O grupo alvo para objecto da nossa análise, serão os grupos sociais, constituídos por crianças
órfãs sem qualquer renda ou assistência para a sua sobrevivência, com idades compreendidas
entre 8 a 14 anos e idosos com falta de qualquer assistência social, com idades não inferior a
49 anos, de ambos os sexos que praticam a mendicidade na zona baixa da cidade de Maputo.

Outros aspectos que achamos relevantes, para a escolha deste lugar para objecto de estudo,
são o carácter sistemático e regular da existência dos diferentes grupos sociais, facto que nos
facilitou a realização das nossas pesquisas durante a selecção das amostras, dos grupos alvos
para a nossa análise no trabalho de campo.

Do ponto de vista de delimitação do campo do estudo, privilegiamos a zona baixa da cidade


de Maputo, por ser aquela que absorve maior concentração dos grupos sociais que praticam a
mendicidade, procurando meios básicos para a sobrevivência.

Outra razão que tornou este lugar, como prioridade do nosso estudo, é o elevado índice de
concentração de empresas e estabelecimentos comerciais, que absorvem muita massa laboral,
grupo alvo dos mendigos, daí constituir o principal foco de concentração dos praticantes.

A localização do espaço social e período de ocorrência do fenómeno, aqui identificado como


zona baixa da cidade de Maputo facilitou as nossas pesquisas, por se tratar de um lugar, que

4
Estes estudos são objecto de análise no capítulo 2 do problema

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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se encontra dentro da cidade Maputo. O período das sextas-feiras sem descurar o quotidiano
é, igualmente, relevante porque se trata de um dia de semana, em que se verifica um número
elevado dos grupos sociais regulares e uniformes da mendicidade, deambulando naquele lugar
a procura de esmola, para a sua sobrevivência.

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CAPITULO 2

REVISÃO DA LITERATURA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA


No presente capitulo buscamos levantar o problema sobre o qual o nosso trabalho irá se
orientar a partir da revisão da literatura, baseado em estudos empíricos anteriores existentes,
de modo a fundamentarmos melhor o problema sugerido na segunda parte deste capitulo.

Revisão da literatura
Neste sub-capitulo vamos fazer a revisão de literatura, a partir da análise de alguns estudos
empíricos realizados, cujo enfoque, é agregado em duas perspectivas de abordagem sobre o
tema, nomeadamente, a perspectiva de acção interventiva e a perspectiva construtivista na
vertente sociológica.

As duas perspectivas, aqui apresentadas, tem como objectivo, permitir-nos a definição e


fundamentação do problema, objecto do nosso estudo, no fim deste capítulo, em forma de
questão de partida. A seguir vejamos como é que operacionalizamos as duas perspectivas:

2.1.1. Perspectiva de Acção Interventiva


Esta perspectiva tem como objectivo principal, estabelecer padrões claros em relação às
políticas sociais e estratégias de acção, que justifiquem uma intervenção do Governo e
instituições privadas para a mitigação do fenómeno.

No quadro desta perspectiva, iremos apresentar as abordagens de 3 autores, em cujos estudos,


apresentam uma certa convergência e similaridades na sua linha de pensamento e conclusões
dadas aos estudos. No conjunto desses estudos, e, para não afastarmos do ângulo de
abordagem, sugerimos aqueles cujas conclusões propõem a necessidade de uma acção de
intervenção do Governo e de instituições privadas, através da definição de políticas
adequadas, visando a mitigação do fenómeno da mendicidade.

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Um estudo realizado pelo ISCP (2006), envolvendo, os sem-abrigo, camada social que
envolve mendigos e grupos marginalizados e desprotegidos teve a sua incidência nas práticas
sociais do dia-a-dia de mendigos sem qualquer tipo de protecção social.

O objectivo deste trabalho, a partir da explicação do fenómeno, tinha em vista, trazer uma
contribuição para a definição de políticas sociais e estratégias, para a assistência ou protecção
deste grupo social, por parte do Governo e instituições privadas. O estudo concluiu que,
durante a actividade sistemática e permanente dos indivíduos na mendicidade, estes mesmos
indivíduos são levados para uma situação de acomodação e conformismo, na prática da
mendicidade no seu quotidiano, acabando por influenciar para a perpetuação deste fenómeno
nas cidades. Um indivíduo estará numa situação de acomodação, se durante o tempo, em que recebe
apoio social não consegue encontrar emprego, e, não mostra evidências de mudanças na sua atitude,
ISCP (1996:30).

E, como forma de contribuir para a definição de políticas de protecção social, o estudo


recomendou, a necessidade de se focalizar as pesquisas, para o meio social ou zonas de
permanência destes grupos, de modo a facilitar a avaliação de todos os factores que podem ser
as possíveis causas para o recurso à mendicidade.

Outra pesquisa que mereceu destaque nesta perspectiva, foi feita por Nhampoca (2003), sobre
a integração social do idoso, na cidade da Beira, o qual se focalizou na análise da situação de
exclusão e desintegração social do idoso na sociedade. A pesquisa, procurou analisar os
factores que influenciavam para a desintegração social e marginalização associada a
fragilidade do desempenho do papel do idoso no seio familiar e da comunidade. Gostaríamos
que este estudo, fosse um contributo para a área das ciências sociais, em geral e para a sociologia
urbana, em particular, tendo em vista, o melhoramento das políticas sociais inerentes ao idoso em
Moçambique. (Nhampoca 2003:3)

A investigação, concluiu que, a situação precária social a que o idoso está exposto, resultava
de um conjunto de factores sociais intrinsecamente relacionados entre si, tais como, abandono
pela família, acusação de feitiçaria e fragilidade económica e financeira, agravada pela falta
de definição clara de política de protecção social que sirvam de um instrumento, para a
protecção e assistência social. Essa situação exerce uma certa influência para que o idoso,

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recorra a prática da mendicidade nas ruas da cidade, no âmbito da sua estratégia de luta de
sobrevivência, apesar de tal comportamento ser condenado pela sociedade.

Portanto, com vista a mitigação desta situação de precariedade social do idoso, o estudo
recomenda, a necessidade de intervenção do Governo e de instituições privadas, através das
acções concretas na definição de políticas de protecção social.

Ainda dentro do contexto desta perspectiva, analisamos um trabalho de pesquisa, realizado


pelo MMAS-INAS, elaborado por Meneses & Lourenço (2000), que consta do Relatório Final
Sobre a Mendicidade em Moçambique.

Este trabalho, envolveu todos os grupos sociais, que se encontram em três cidades do país,
nomeadamente, Maputo, Beira e Tete, com o objectivo principal de analisar a vertente
quantitativa e qualitativa da mendicidade, a partir da interpretação e descrição dos dados
estatísticos recolhidos. O trabalho de pesquisa desenvolvido neste estudo, buscava
compreender o fenómeno, de modo a permitir a definição de possíveis estratégias para a
redução ou estabelecimento de mecanismos de controlo sobre as tendências do fenómeno em
Moçambique. Todo o conjunto de medidas que foram tomadas, visando a eliminação total da
mendicidade, entanto que tal, não encontrarão facilidades para alcançar os seus objectivos. (Meneses
& Lourenço 2000:1)

Nesta pesquisa concluiu-se que, as causas da mendicidade nas três cidades, tem a ver com os
factores conjunturais de natureza económica, política e social. Se olharmos para o eixo de
análise destas três abordagens, podemos, perceber que a prática sistemática e viciosa da
mendicidade pelos diferentes grupos sociais, pode ser influenciada pela acomodação e
conformismo de seus actores dentro dessas três cidades.

As três pesquisas empíricas, aqui apresentadas, têm enquadramento na perspectiva de acção


interventiva do Governo, visto que, as suas conclusões, remetem-nos a visão de que a
mendicidade é um fenómeno, que resulta da desintegração social dos diferentes grupos
sociais, originado pela ausência ou fragilidade de políticas de protecção social adequadas.

Não obstante, concordarmos com a posição e fundamentos apresentados pelos autores, nas
conclusões obtidas nos estudos, tomando em consideração que, os estudos centraram-se na
análise das possíveis causas que levam estes grupos sociais a situação de vulnerabilidade,
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facto que contribui para a definição de novas formas de protecção social e assistência social
para este grupo de desfavorecidos. Em termos de objectividade, julgamos que a análise feita
nestes estudos é pertinente, tendo em conta que, todos os autores procuraram nos grupos
sociais vulneráveis, as possíveis causas da sua desintegração social, e, consequente recurso à
mendicidade.

Entretanto, em nosso entender, apesar da pertinência da análise que fazem sobre o fenómeno,
porém, tais estudos descuram a análise do perfil social desses grupos praticantes da
mendicidade, uma vez ser relevante para trazer novas percepções do fenómeno da
mendicidade na sua dimensão alargada.

2.1.2. Perspectiva Construtivista na Vertente Sociológica


Diferentemente da perspectiva anterior, a perspectiva construtivista na vertente sociológica,
apresenta como aspecto central da sua abordagem, a percepção do processo de construção
social da mendicidade e de aspectos a ele relacionados, a partir da análise de determinadas
práticas sociais específicas, do dia-a-dia dos grupos carenciados, associados a factores de
desintegração e exclusão social.

No quadro desta perspectiva, a nossa análise sobre a mendicidade, será com base em estudos
empíricos existentes, realizados em diferentes cidades deste país, com enfoque para
determinadas práticas sociais do quotidiano, relacionadas com este fenómeno.

O estudo de Serra (2003), mostra a preocupação do autor em trazer uma explicação


sociológica sobre a construção social da precariedade dos indivíduos, que associada a outros
factores sociais, leva os indivíduos à mendicidade na sua luta de sobrevivência. Para tal, o
autor baseia a sua análise, a partir do processo de construção de desestabilização social,
fragilidade de laços familiares e desintegração dos indivíduos, tornando-os vulneráveis e
carenciados. A precariedade social, é um conjunto dos actores excluídos dos benefícios das relações
sociais vigentes em Moçambique, que através dos processos de interacção e conflito social, produzem
formas alternativas e mestiças de vida e representação social, (Serra 2003:2)

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 20


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Para Serra (2003), a mendicidade é um fenómeno, que surge como consequência de ausência
de estabilidade social, caracterizada pela fragilidade e desintegração social, bem como de
factores económicos, políticos e sociais dos indivíduos envolvidos na prática da mendicidade.
A mendicidade é um fenómeno que resulta da insegurança individual e desintegração social
exacerbada, associada á precariedade social, que é praticada numa estratégia de sobrevivência,
(Serra 2003:2).

A explicação sociológica que o autor apresenta, tem a sua essência na análise compreensiva
da construção dessa precariedade social, com ênfase nas causas que determinam essa
precariedade. A análise deste autor, sobre a mendicidade, encontra enquadramento no campo
da perspectiva construtivista da nossa abordagem, tendo em conta a maneira como explica, de
ponto de vista sociológico, as diferentes situações a que os indivíduos vulneráveis estão
sujeitos na sociedade.

Entretanto, apesar de concordarmos com a abordagem deste autor, todavia, a sua análise não
apresenta aspectos ligados a análise do perfil social dos diferentes grupos envolvidos na
mendicidade, tratando-se de actores principais do fenómeno, pois isso, julgamos que, poderia
contribuir para compreensão da mendicidade na vertente dos seus praticantes.

Outra pesquisa, que achamos pertinente trazer para sustentar a nossa base de análise neste
capítulo, trata-se de Capurchande (2004)5, que na sua análise, buscou mostrar como é que a
mendicidade de sextas-feiras na cidade de Maputo, é socialmente construída, a partir dos
actores que intervêm na sua acção.

O estudo desta autora, afasta-se da mendicidade praticada no dia-a-dia, e, privilegia aquela


que é praticada num dia específico de semana, sexta-feira, que por coincidência, ocorre nos
diferentes estabelecimentos comerciais, pertencentes a indivíduos da religião muçulmana, na
cidade de Maputo.

O objectivo da autora nesse estudo, é de analisar o fenómeno de mendicidade, que acontece às


sextas-feiras na cidade de Maputo, a partir do processo pelo qual se constitui, olhando para os
diferentes grupos que a praticam, pedintes, e aqueles que oferecem algo, proprietários dos
estabelecimentos comerciais. Analisar a forma como a “mendicidade de sextas-feiras”, é
5
Ver Rehana, “A construção social de mendicidade de sextas-feiras”, em Trabalho de fim de curso – UEM, 2004.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 21


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

construída socialmente, prende-se, em analisar, como determinadas práticas sociais, tornam visível
um determinado de mendicidade, a “mendicidade de sextas-feiras. (Capurchande 2004:16)

Neste estudo, a autora estuda a mendicidade, partindo do princípio de que, existe uma ligação
entre a mendicidade de sextas-feiras e a caridade islâmica, que se exerce, precisamente nesse
dia, facto que, contribui para uma forma específica de pobreza. Para a autora, este tipo de
mendicidade, surge, como resultado da construção social dos indivíduos que a praticam, e,
tem uma relação de existência social, com a acção de ofertório dos praticantes da religião
islâmica, como forma de cumprir com os mandamentos do islão.

A autora, na sua abordagem, conclui que, esta forma de mendicidade de sextas-feiras,


contribui para a existência de uma forma específica de perpetuação deste tipo de prática na
cidade de Maputo. Entretanto, embora reconheçamos a especificidade do tipo de mendicidade
praticada, nesse dia da semana, em nosso entender, a autora não trouxe à discussão, aspectos
ligados ao perfil social dos indivíduos envolvidos nessa prática, que julgamos relevantes para
a compreensão da formação dos diferentes grupos da mendicidade.

Outra abordagem que trazemos no quadro desta perspectiva construtivista, está inserida num
estudo de Aquimo (2001)6, no qual o autor, busca compreender as motivações da mendicidade
no dia-a-dia dos indivíduos, na cidade de Nampula, a partir da análise do seu comportamento,
durante o acto de pedir esmola. O estudo deste autor, conclui que, à semelhança dos outros,
aqui apresentados, a falta de acesso aos bens essenciais e indispensáveis para a vida dos
indivíduos, agravado pelo rompimento dos vínculos nas estruturas familiares, podem serem
factores preponderantes, que influenciam para que os indivíduos recorram a mendicidade na
cidade de Nampula. A mendicidade é uma consequência de fragmentação das redes integracionais
de vida dos indivíduos, no acesso aos bens essenciais, que os leva a mendicidade na promessa de
algo, para sua sobrevivência dentro dos interstícios da sociedade de bem-estar. (Aquimo, 2001:2).

Neste estudo, a perspectiva construtivista está presente, se considerarmos que, o autor


preocupa-se em analisar, a maneira como os indivíduos tem procurado, estratégias para
obterem algo para a sua sobrevivência, recorrendo a prática da mendicidade.

6
Ver Aquimo, L (2001), Esmoleiros da cidade de Nampula, in “Estudos Moçambicanos”, 2001.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 22


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

E, para finalizar esta perspectiva, iremos apresentar, uma discussão analítica inserida no
extracto de jornal em Moçambique 7, a partir de reportagens realizadas sobre a mendicidade.
Não obstante, esta reportagem não se revestir do quadro teórico sociológico, ela procura
analisar, as causas que influenciam a existência da mendicidade nas artérias da cidade de
Maputo, facto que julgamos interessante para o enriquecimento da nossa bagagem teórica.

Neste artigo de jornal, defende-se a ideia de que, o comportamento de alguns indivíduos na


sociedade, dotados ou não da capacidade de trabalho, tem como estratégia de alcançar algo, o
recurso a peditórios de esmola a outras pessoas e instituições. A análise para a compreensão
deste fenómeno, vai dotar os indivíduos de ferramentas adequadas, que combinem, a actividade e
responsabilidade pública, social e individual para combater a pobreza, que é o suporte da
mendicidade. (País, 2009:13).

Em linhas gerais, constatamos que, o fenómeno da mendicidade, aqui analisado, a partir da


revisão da literatura, apresenta, diferentes formas de abordagem. Para tal, os autores
apresentam argumentos e modelos teóricos diferentes para análise do mesmo fenómeno,
caracterizada pelos seus poderes de imaginação sociológica8 para a análise de fenómenos
sociais.

2.1.3.- Formulação do problema


Com base na revisão da literatura feita no sub-capitulo anterior, não obstante, concordarmos
com a posição e fundamentos apresentados por estes autores, nos seus estudos, tendo em
conta que, a questão da análise da marginalização e exclusão social dos mendigos, é relevante,
visto que pode contribuir para a definição de novas formas de protecção social, contudo, o
estudo apresenta lacuna por não ter explorado a questão do perfil social dos grupos na
mendicidade

Com este trabalho, esperamos, a partir de pesquisas empíricas, obtermos respostas


convincentes para a nossa questão de partida e a sua relação com as hipóteses que colocamos,

7
Ver “Estratégias individuais de sobrevivência de mendigos...”, extracto inserido no Jornal “O País”, edição de 4.08.2009.
8
Ver obra de Mills, in: “A Imaginação sociológica”, Rio de Janeiro, Zahar, 1965.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 23
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

facto que nos vai permitir explicar a mendicidade na sua forma mais ampla, profunda e
essencialista.

Para o efeito, com vista a atingirmos o nosso objectivo, neste campo de estudo da sociologia,
o nosso estudo vai orientar-se na busca de respostas para a seguinte questão de partida:

Em que medida o perfil social dos indivíduos pode influenciar na formação dos grupos que
praticam a mendicidade na cidade de Maputo?

2.1.4. - Hipóteses
Como respostas antecipadas a nossa questão de partida formulada, apresentamos duas
hipóteses subjacentes em duas variáveis de análise: variável independente, laços de
solidariedade comuns e a variável dependente, perfil social dos grupos na mendicidade.
Assim sendo, temos as seguintes hipóteses:

- Quanto mais os indivíduos forem influenciados por laços de solidariedade familiar, étnica,
vizinhança, deficiência física e/ou visual, partilha dos mesmos valores, normas e regras de
conduta comuns, maior é a tendência para formarem grupos sociais específicos da prática da
mendicidade, na base de categorias de sexo e idade.

- Quanto maior for a privação de recursos financeiros e materiais nos indivíduos, maior é a
tendência de se juntarem em grupos específicos, que encontram a mendicidade como
alternativa de sobrevivência.

Justificativa
A mendicidade é um fenómeno de índole social muito antigo no mundo, todavia, no nosso
país, particularmente, na cidade de Maputo, tem apresentado um crescimento intensivo,
chegando ao ponto de envolver crianças que, ultimamente, disputam o mesmo espaço com os
adultos e idosos, na luta de sobrevivência através da prática da mendicidade.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 24


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

A prática sistemática da mendicidade por diferentes grupos sociais, com certa regularidade na
cidade de Maputo, tornou-se um problema, a partir do momento em que a sua manifestação,
começou a abranger todos os grupos etários da população. A presença de idosos, mulheres e
crianças nessa prática, neste espaço e período do tempo, é que tornou possível, a necessidade
de estudos sobre esta camada social, no caso vertente deste trabalho, visando determinar com
uma certa precisão, o perfil social dos grupos envolvidos na mendicidade.

O estudo tem em vista, analisar o perfil social dos diferentes grupos na mendicidade na cidade
de Maputo. A relevância da análise desse perfil, é que o perfil social, em nosso entender, pode
constituir uma componente relevante, que pode ajudar, para uma nova forma de compreensão
da mendicidade, como um fenómeno inserido na pobreza urbana.

A análise das características comuns, partilhadas pelos indivíduos, pode-nos permitir


estabelecer uma correlação com a formação do perfil social dos grupos na mendicidade.

A razão fundamental que nos leva a estudar o perfil social dos grupos na mendicidade, é a
necessidade de a partir da análise de aspectos tais como, valores, crenças, normas, laços de
solidariedade familiar e/ou de vizinhança, deficiência física e/ou visual, estado de viuvez,
orfandade, grau de pertença e regras de conduta, e outros, encontrar características comuns,
partilhadas pelos grupos na mendicidade, de modo a encontrar uma explicação sociológica da
construção dos diferentes grupos sociais.

Para fundamentar o nosso estudo, do ponto de vista teórico, achamos pertinente a teoria
fenomenológica de Schutz, para analisar aspectos relacionados com a percepção da acção dos
indivíduos no quotidiano da sociedade em que eles se encontram inseridos.

O resultado deste estudo, do ponto de vista prático, é de poder vir a contribuir na definição
sistemática de um conjunto de elementos, com vista a uma série de mudanças ao nível da
definição de políticas sociais para a mitigação deste fenómeno social.

Em nosso entender, julgamos que, um estudo focalizado no perfil social dos grupos na
mendicidade, torna-se relevante, se partirmos de princípio de que, a sua compreensão, vai
permitir-nos trazer uma ideia concreta sobre o perfil dos indivíduos envolvidos na
mendicidade. De facto, conhecendo, realmente, quem são, donde surgem e como é que se

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 25


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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formam estes grupos sociais, facilmente, podemos compreender a mendicidade, dentro de um


campo mais vasto da sociologia

Este trabalho não pretende oferecer soluções adequadas e definitivas do problema da


mendicidade, mas, tentar na medida do possível, apurar dados que nos permitam,
compreender o dilema deste fenómeno num outro campo analítico da sociologia.

A partir das lacunas existentes nos estudos realizados, julgamos que, do ponto de vista
prático, este trabalho poderá contribuir no preenchimento dessas lacunas. E,
consequentemente, enriquecer, o conjunto dos trabalhos existentes para a compreensão do
fenómeno da mendicidade.

2.3. Objectivos de Trabalho

2.3.1. - Objectivo Geral


- Analisar as características sociais comuns dos grupos envolvidos na prática da mendicidade.

2.3.2. - Objectivos Específicos


- Perceber a mendicidade a partir da descrição do perfil dos grupos sociais, que integram
actores da mendicidade.

- Compreender o perfil social de cada grupo social específico da mendicidade.

- Avaliar a maneira como as identidades sociais dos grupos, podem influenciar para a
formação de grupos específicos da mendicidade.

- Identificar motivações, valores, papel desempenhado por cada membro para o processo de
formação das identidades dos grupos específicos da mendicidade.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

CAPITULO 3

ENQUADRAMENTO TEÓRICO E CONCEPTUAL


Neste capítulo apresentamos o quadro teórico e os conceitos existentes sobre as identidades e

práticas sociais que envolvem os individuos no contexto da sua interacção na vida quotidiana.

3.1. Enquadramento Teórico


Para a fundamentação teórica da nossa discussão, escolhemos a teoria fenomenológica de
Schutz (1979), com enfoque para a acção prática do quotidiano dos grupos. Com esta teoria,
vamos analisar a maneira como os indivíduos intervêm e interpretam, o seu perfil social no
mundo que os rodeia, a partir do senso comum.

A relevância desta teoria para a análise do perfil social dos grupos na mendicidade, é a ênfase
que ela dá a análise da acção prática dos indivíduos, no seu quotidiano, procurando adequá-la
de uma matriz teórica e sociológica, para a explicação e compreensão dos fenómenos sociais,
neste caso do nosso estudo o perfil social dos grupos na mendicidade.

Segundo Schutz (1979), a teoria fenomenológica, busca compreender a forma como os


indivíduos apreendem o mundo da vida, ou seja, os mecanismos internos accionados pelos
sujeitos, para viver o quotidiano. Os fenómenos sociais não são dotados de nenhuma essência,
ou seja, não existem, do ponto de vista objectivo, senão como construções dos próprios
actores sociais. A existência de objectos depende da atitude dos actores sociais envolvidos. O
mundo da vida quotidiana é a cena e também o objecto de nossas acções e interacções. Temos de
dominá-lo e modificá-lo de forma a realizar os propósitos que buscamos dentro dele, entre nossos
semelhantes. (Schutz, 1979:73)

Para este autor, é a partir de normas, valores e modelos de socialização, previamente


estabelecidos e aceites na sociedade, que os fenómenos ganham existência na sociedade. Estes
factores, permitem-nos fazer a leitura, interpretação e a análise de comportamentos e
dinâmicas sociais, relativos a um determinado grupo específico de indivíduos, que interagem
em sociedade, num determinado espaço social.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 27


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Existem pessoas, e que elas agem em função umas das outras, que é possível a
comunicação, através de símbolos e signos, que os grupos e instituições sociais,
sistemas legais, económicos e outros são elementos integrantes do nosso mundo da
vida, que esse mundo da vida tem sua própria história e relação especial com o
tempo e espaço. (Schutz, 1979:55)

Esta teoria revela que a importância do significado, é dada pela experiência passada que se
possui sobre um facto, fazendo com que os significados das acções, sejam dados em
consciência, com as suas experiências anteriores. Ele defende ainda que, apenas, uma
experiencia passada pode ser considerada significativa. Um outro aspecto, que Schutz traz
para esta teoria, é o significado da acção social de um sujeito ou de um grupo, defendendo
que, eles são construídos a partir do senso comum pré-seleccionados e usados para interpretar,
previamente o mundo, como a realidade de suas vidas quotidianas.

Na vida quotidiana, onde durante as interacções entre os actores sociais, a realidade é vista de
forma intersubjectiva. No processo da intersubjectividade 9, deve-se fazer uma redução
fenomenológica10 que se pretende analisar, de modo a não encará-la de forma natural, visto
que, os indivíduos tomam-na com base no stock de conhecimento que adquirem no quotidiano
das suas vidas.

Na óptica de Schutz, o indivíduo só é entendido através da sua biografia, a sua situação no


tempo e no espaço determinado, com base em normas, crenças, regras de conduta e valores
que compartilha com outros indivíduos da sua comunidade. Para Schutz dentro da sua teoria,
com a situação biográfica determinada, refere-se a sedimentação das experiencias anteriores
do indivíduo ou seja a sua história da vida.

A relevância desta teoria no campo do nosso estudo, consiste em contribuir para a análise do
perfil social dos grupos, devido ao rigor sociológico que dá a construção do significado da
acção social dos grupos, a partir da realidade de vida ou experiência de vida passadas pelos
indivíduos nas suas práticas do dia-a-dia na sociedade.

Olhando para a óptica de Schutz, sobre a atribuição do significado da acção social dos
indivíduos, com base em experiência do passado, o nosso estudo pode se enquadrar nesta

9
Conceito de intersubjectividade melhor desenvolvido no capítulo 3 do trabalho.
10
Ver obra de Schutz, Fenomenologia e relações sociais, (textos escolhidos), R. Janeiro, Zahar, 1979.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 28
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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teoria, pois iremos fazer a recolha de dados em função das histórias de vidas e entrevistas dos
diferentes indivíduos.

Na vida quotidiana, durante a interacção entre os actores sociais, a realidade social é vista de
forma subjectiva. A intersubjectividade, sugere-nos para uma análise, no contexto das
correntes teóricas, aqui apresentadas, na óptica de Schutz, da vida quotidiana dos actores e a
relação cognitiva da sua acção na sociedade.

A realidade social, analisada do ponto de vista sociológico, é concebida pelos indivíduos,


através do stock de conhecimento11, que adquirem durante a sua vida. Mas, para a
compreensão dessa realidade social, deve-se ter em conta, a situação biográfica determinada
do indivíduo no tempo e no espaço determinados, por meio de um conjunto de normas,
valores e crenças estabelecidas e compartilhadas na sociedade. Durante a vida do quotidiano
dos indivíduos, o carácter subjectivista da realidade, rompe-se no processo de construção
dessa realidade, a partir do stock de conhecimento que os indivíduos possuem, como
resultado de experiencias do passado.

Para completar esta breve análise sobre esta corrente teórica, que se situa no campo da
construção social da realidade, a partir do senso comum, importa referir que, na verdade, ela
tem enquadramento para a discussão do nosso tema, visto, estar centralizada no estudo do
homem e a sua vida quotidiana na sociedade. Segundo esta teoria, a realidade social é sempre
o resultado da percepção, interpretação e avaliação dos actores.

À luz da teoria fenomenológica, devido ao seu rigor sociológico, torna-se pertinente, analisar
e perceber, como é socialmente construído o perfil social dos diferentes grupos na
mendicidade, baseado na questão de partilha de traços comuns dos indivíduos na sua relação
do dia-a-dia, tendo em conta o espaço e tempo determinados. Para tal, basta analisarmos, o
comportamento e as características externas dos indivíduos, que formam os diferentes grupos
sociais, olhando para um conjunto de traços e ideias preconcebidas comuns, que são
partilhados no processo de acção intersubjectiva para encontrar, possível explicação da
formação do perfil social dos grupos na mendicidade.

11
Ver conceito de stock de conhecimento no capítulo 3 deste trabalho.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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Nesse contexto, de acordo com esta teoria, podemos dizer que, o estudo do perfil social de
grupos específicos na mendicidade, enquadra-se neste paradigma teórica, se olharmos para o
contexto da sua construção social.

Em traços gerais, a partir da teoria fenomenológica de Schutz, podemos estabelecer uma


relação entre a prática da mendicidade e seu significado na sociedade, bastando olhar, para a
acção do quotidiano dos diferentes grupos sociais que nela intervêm.

3.2. Enquadramento Conceptual


Nesta parte do trabalho, vamos fazer uma análise dos conceitos, que corporizam este trabalho.
Para o efeito, procuramos trazer diversas perspectivas de análise existentes relacionadas com
estes conceitos. A análise e discussão dos conceitos têm em vista facilitar a melhor
compreensão na elaboração do nosso trabalho. Para o propósito do nosso trabalho, devido a
sua relevância, destacaremos os conceitos que se seguem os quais irão nos permitir a captação
do nosso objecto de análise:

3.2.1. - Grupo Social


O conceito de grupo social, apresenta de um modo geral, diferentes maneiras de abordagem
nas perspectivas dos autores. Daí que, a sua definição depende da opção teórica de cada autor,
tendo em conta, o campo da abordagem que pretende discutir.

Segundo Ferreira at al (1995), o conceito de grupos sociais é analisado no quadro da divisão


das sociedades em lugares diferentes, incorporando alguns aspectos, que julgamos pertinente
destacar. Um conjunto de características subjectivas, que moldam a identidade comum, tais como,
normas e valores, padrões comuns de comportamento, atitudes e opiniões, gestos, (Ferreira at al
1995: 326)

Para o campo de análise do nosso tema, o conceito de grupos sociais, pode ser visto dentro do
contexto do espaço e tempo socialmente construídos, por diferentes grupos sociais, em função
dos fins a alcançar. A identificação de grupos sociais, no contexto da nossa abordagem, é

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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vista a partir do sentido de pertença, através da partilha de valores, normas e regras de


conduta, que fornecem aos indivíduos, elementos para a construção de uma consciência
própria do grupo sobre a mendicidade.

Um grupo torna-se coeso, quando se dá tempo para desenvolver, graus de interacção e


sentimentos de intimidade e pertença. Este sentimento de pertença, pode ser influenciado por
certos aspectos, que enfatizam a auto-confiança dentro do grupo, tais como, valores e crenças,
estados de espírito e solidariedade baseada em diversos factores, motivações e regras de
conduta e estilo de vida.

De acordo com a visão de Ferreira at al, grupo social, consiste, em reunir os indivíduos que
disponham de atributos e objectivos comuns, associados a uma dimensão subjectiva comum,
na qual os indivíduos dispõem, levando a uma comunhão de interesses, estilos de vida, de
linguagem, isto é, de uma identidade própria. Nas cidades, os grupos sociais são
determinados, pela escolha racional do indivíduo, a partir de uma série de factores
determinantes e grupos de pertença.

Com base em Ferreira at al (1995), podemos concluir que, o conceito de grupos sociais, pode
enquadrar-se para a explicação do processo de formação do perfil social dos diferentes grupos
sociais na mendicidade.

Segundo Guiddens (2001:691), seja qual for o tamanho de um grupo, uma das características
próprias de um grupo, é a de os seus membros terem consciência de uma identidade comum.
Grande parte da vida é passada em actividades de grupo, nas sociedades modernas, a maioria
das pessoas pertence a diferentes e numerosos grupos.

Para o efeito, o grupo social será aquele que apresenta um perfil social comum, e, organizado
em função de um objectivo claramente definido. Este grupo social deve identificar-se a partir
de traços comuns, que lhe permite manter ideia de proximidade e coesão no seio dos seus
membros, de modo a atingir seus objectivos. A coesão e solidariedade nos grupos, é
determinada pela existência de semelhanças de experiência nos membros, permitindo,
desenvolver ligações muito fortes entre os membros do grupo.

Para o campo da análise do nosso tema, o conceito de grupo social, pode ser visto dentro do
contexto do espaço e tempo socialmente situados, pelos diferentes indivíduos, com base nos
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 31
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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objectivos a atingir. A identidade do grupo social, deve ser entendido como um conjunto de
indivíduos que partilham o sentido de pertença, partilhando valores, normas e regras de
conduta, que fornecem aos indivíduos, elementos para a construção de uma consciência
própria do grupo sobre a mendicidade, dentro da sua estratégia de sobrevivência

3.2.2. - Identidade Social


O conceito de identidade social, devido ao seu carácter multidimensional, sugere perspectivas
diversificadas para a sua análise. Este conceito, pode ser visto no contexto das ciências
sociais, tais como, antropologia, economia, e sociologia.

Para o propósito deste trabalho, pretendemos analisar o conceito de identidade social, sob o
ponto de vista sociológico, para ajudar-nos a analisar o perfil social dos diferentes grupos
sociais na mendicidade. Para melhor compreensão do conceito de identidade, vamos
apresentar a visão de três autores, que procuraram abordar este conceito, dentro de uma
perspectiva sociológica:

Olhando para a concepção de identidade na perspectiva de Hall (1991)12, a questão de


identidade é vista, a partir do ponto de vista histórico da sua abordagem. Para Hall, a
identidade é analisada, segundo três perspectivas, a saber, visão iluminista, visão moderna e
visão pós-moderna.

Na visão iluminista, dá-se ênfase a uma abordagem psicogizante, centrada no ego do


indivíduo, que é transmitida psicologicamente, e, é anterior ao indivíduo. A visão moderna,
coloca a primazia nas relações sociais e integração entre a sociedade e o indivíduo, como algo
socialmente construído. E, por último, a visão pós-moderna destaca a ênfase na existência de
multiplicidade das identidades, isto é, defende-se a ideia de que, as identidades não são algo
estático, mas sim elas são constantemente construídas e transmitidas no espaço e no tempo
delimitados.

A identidade social do sujeito é formada no processo de interacção entre o indivíduo


e a sociedade. O sujeito assume identidades diferentes, em diferentes momentos

12
Ver a obra de Hall, Stuart: A identidade cultural na pós-modernidade, 4ª edição, DP&A Editora, 2000.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

identificados, que não são unificados ao redor de um “eu” coerentes. As identidades


estão sendo continuamente deslocadas. (Hall, 2000:13)

Para o autor, uma identidade unificada, completa, segura e coerente não existe. À medida que
os sistemas de significações e da representação cultural se multiplicam, somos confrontados
por uma multiplicidade de possíveis identidades.

Para Dubar (1997)13, o conceito de identidade social, deve ser visto, a partir da articulação de
entre duas transacções, uma interna ao indivíduo e outra externa estabelecida entre o
indivíduo e as instituições com as quais interage.

Freud (1926) citado por Dubar (1997:104), sobre as identidades, dá primazia a intervenção do
indivíduo na formação da identidade.

Erikson (1968) citado por Dubar (1997:104), defende que, a identidade é construída num
processo colectivo.

Com base nestas duas perspectivas, Dubar formula a sua definição de identidade, com
resultado da combinação de momentos de estabilidade e do provisório, do individual e do
colectivo, do subjectivo e do objectivo, do biográfico e do estrutural de diversos processos de
socialização, que conjuntamente constroem, a identidade do indivíduo e definem as
instituições. A construção da identidade faz-se, pois, na articulação entre os sistemas de acção que
propõem identidades virtuais e as trajectórias vividas, no interior das quais se forjam as identidades
reais, a que aderem os indivíduos. (Dubar, 1997:108)

Olhando para a visão de Dubar, podemos dizer que, esta perspectiva pode complementar-se
com a outra anterior, no que diz respeito, a análise do perfil dos diferentes grupos sociais da
mendicidade. A nossa posição neste aspecto, tem a ver com determinados aspectos, que são
comuns nas abordagens dos três autores, que julgamos serem relevantes para a análise do
perfil dos grupos sociais envolvidos na mendicidade.

O processo dinâmico da formação de identidade, em Dubar, pode compreender o


envolvimento dos grupos sociais, que partilham identidades comuns, que permite a coesão
dos diferentes grupos, de modo a atingir um determinado fim, tal seja, a mendicidade. Na
sociedade existem grupos sociais definidos, que se ocupam essencialmente, de práticas de
13
Ver Dubar, C: A socialização: construção das identidades sociais e profissionais, Porto Editora, 1997.
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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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determinadas acções, tendo em vista atingir determinados fins. Portanto, seria nesse contexto
que, teríamos os indivíduos e sociedade envolvidos na formação do perfil dos grupos.

A perspectiva de Pinto (1991)14, sobre a dinâmica da identidade, coloca o indivíduo inserido


numa sociedade, na qual ele passa por um processo de socialização, através da assimilação
das normas, hábitos e crenças, que lhes são transmitidos pela família ou pela sociedade,
permitindo-lhe adquirir a sua posição dentro da sociedade. A produção das identidades sociais
implica a imbricação de dois processos, o processo pelo qual os actores sociais se integram, em
conjuntos mais vastos, de pertença ou de referencia, com eles se fundido. (Pinto, 1991:218)

O indivíduo na busca de afirmação da sua identidade, ao longo do processo de interacção com


os outros actores sociais, adquire novos hábitos e costumes que reflectem o quotidiano
daquele espaço. Para o efeito, o indivíduo deve seleccionar, o que lhe convier, adoptando,
alguns mecanismos, para a afirmação do seu reconhecimento, através da diferenciação, da
visibilidade e de singularidade. A construção de identidades alimenta-se de trajectórias sociais,
incorporadas nos agentes, da posição ocupada por estes na estrutura social e dos projectos que, em
função das coordenadas estruturais antes referidas, são socialmente formuláveis em cada momento.
(Pinto, 1991:219)

O autor, sobre a questão da identidade social, introduz um conceito novo, integração social,
para a construção da identidade. Analisando a abordagem deste autor, e, sincronizando com as
abordagens anteriores, sobre o conceito da identidade, acreditamos existir, uma certa relação,
visto que, a integração social, sugere a que um indivíduo se sinta parte de um determinado
grupo.

No quadro geral deste capítulo, podemos dizer que, apesar das diferenças que substanciam as
perspectivas dos diversos autores, aqui apresentados, na abordagem das identidades,
reconhece-se a existência de aspectos comuns relevantes na sua discussão.

Em síntese, segundo Pinto (1991), a identidade social, é tudo aquilo que, é socialmente
construído e não é interior ao indivíduo, e essa construção não é estática, ela obedece a um
processo de socialização, manipulação e gestão de identidade. A identidade social varia de
acordo com o espaço e tempo, dependendo das diferentes maneiras como ela é concebida. No

Ver obra de Pinto, M: Sobre a produção social de identidade, in Revista Crítica de Ciências Sociais, No 32, Faculdade de Economia –
14

Universidade do Porto, Junho 1991.


Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 34
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

contexto da mendicidade, a identidade social, influencia a forma de ser e de agir dos


diferentes grupos sociais da mendicidade.

3.2.3. - O Espaço Social


Outra perspectiva que nos propomos apresentar neste capítulo, é trazida por Bourdieu
(1979)15, sobre a teoria do espaço social e espaço simbólico. Com o conceito de espaço social,
Bourdieu pretende explicar melhor as relações sociais, estabelecidas entre os indivíduos no
seu dia-a-dia. Para o autor, espaço social, era uma representação social, porque resulta de uma
construção feita pelos indivíduos, a partir de um ponto de vista sobre a totalidade do mundo
social. A partir desta perspectiva, o autor sugere um quadro de classes estratégicas de
reprodução. As estratégias são resultantes de habitus determinados, construídos de acordo
com as condições específicas de cada actor social. (ACCORD, 1986)

Olhando para a perspectiva sociológica, Bourdieu procura analisar o espaço social,


estabelecendo uma diferença deste com o espaço físico. Para o autor, espaço social é uma
construção social não visível, algo que não se pode tocar nem mostrar, isto é, não apresenta
uma delimitação fechada. Deste modo, o espaço social seria um lugar que, pela sua natureza,
organiza e ocorrem as práticas sociais, por meio de interacção entre os indivíduos, sugerindo
ideia de proximidade.

Espaço social, conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores uma às


outras, definidas umas em relação às outras, por sua exterioridade mítica, e, por
relação de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento, e, também por relação
de ordem como acima, abaixo e entre.. (Bourdieu, 1979:18).

O espaço social, é visto como algo construído no contexto das relações sociais, em termos de
posições sociais e escolhas que os grupos sociais fazem, formando o domínio diversificado de
práticas sociais. A construção do espaço social, é feita de tal modo que, os diferentes grupos
sociais estejam distribuídos, em função da sua posição na distribuição de papéis a
desempenhar na sociedade. (Berger & Luckmann, 1976:11).

15
Ver obra de Bourdieu, “Razoes práticas sobre a teoria da acção”, Papirus Editora, 1979.

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Fermino José Mujovo

Nesta abordagem, importa referir que, a pertinência da análise do conceito de espaço social,
do ponto de vista sociológico, remete-nos a uma análise, como um complemento, do conceito
de habitus, para melhor percepção da dimensão do espaço social. Em cada espaço social,
existem elementos de diferenciação social, e, princípios de diferenciação, dependendo de
forma como pensamos e agimos, vão sendo socialmente classificados. Habitus, é um princípio
gerador e unificador, que traduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição, em um
estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas e de práticas sociais
determinadas. (Bourdieu, 2000)

O habitus é o reflexo de princípios geradores de práticas distintas e distintivas, que consistem


naquilo que os grupos sociais fazem e a maneira como fazem determinadas práticas,
diferenciando-se, de forma sistemática com o que os outros fazem e a maneira como o fazem.
O habitus estabelece uma diferença entre as práticas sociais, visto que, elas não são as
mesmas, na medida em que, elas são determinadas do ponto de vista sociológico, do lugar e
períodos específicos.

O autor diz que, em função da posição nesse espaço, os indivíduos tem determinadas
propriedades, que vão oferecer uma pré-disposição, que é o habitus. Argumentando que,
dependendo do espaço social em que, os indivíduos assimilam e baseados nas normas,
símbolos e valores, criam uma predisposição, que os leva a identificarem-se num determinado
espaço e tempo.

Para o contexto do nosso tema, o espaço social, seria o lugar socialmente construído, com
base num conjunto de normas, valores e regras de conduta comuns, partilhados pelos
indivíduos, no decurso das suas práticas do dia-a-dia, com o objectivo de alcançar
determinado fim, obter algo para a sobrevivência.

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Fermino José Mujovo

3.2.4. - Práticas Sociais


O conceito de práticas sociais não pode ser visto de uma forma isolada, na medida em que, a
sua abordagem envolve outros elementos pertinentes, que influenciam para a sua percepção.
Contudo, para o propósito deste trabalho, as práticas sociais devem ser analisadas em
conexão, com o espaço social e habitus16 cuja definição mereceu a nossa atenção neste
capítulo.

Nesse sentido, as práticas sociais seriam as diferentes maneiras, que os indivíduos


estabelecem entre si, dentro das suas relações sociais, atribuindo significado cognitivo das
suas acções, a partir de um conjunto de normas, valores, grupo de pertença e regras de
conduta, influenciando na sua forma de estar dentro de um determinado espaço social restrito.
“…em cada momento de cada sociedade, de um conjunto de posições sociais, vinculado por uma
relação de homologia, a um conjunto de actividades ou debruçam seus próprios relacionamentos
definitivos”. (Pinto, 1985:18).

As práticas sociais dos diferentes grupos sociais orientam-se, a partir do conjunto de valores,
normas e regras de conduta, partilhadas e que se caracterizam pela regularidade e organizam-
se de acordo com esse conjunto de regras e normas sociais, que elas próprias realizam dentro
do espaço em que ocorrem. No contexto da mendicidade, as práticas sociais, seriam as
diferentes maneiras que os indivíduos estabelecem entre si, assentes num conjunto de valores,
normas e regras de conduta, partilhados, exercendo influência no comportamento do grupo
social num espaço e tempo específicos.

3.2.5. - Stock de conhecimento


O conceito de stock de conhecimento é potencialmente explicado na teoria de Fenomenologia
de Schutz (1979). Acerca deste conceito Schutz, mostra que o stock de conhecimento é
determinado na vida quotidiana, num espaço onde os indivíduos se relacionam com os
objectos. As experiências significativas dos indivíduos são sempre vividas e vivenciadas de
forma subjectiva, (Schutz, 1979:72).

16
Ver conceito de habitus, como factor que determina as práticas sociais, estabelecendo, uma relação de proximidade ou de afastamento
entre os indivíduos, em Schutz, in “Fenomenologia e relações sociais (textos escolhidos), R. de Janeiro, 1979.
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O stock de conhecimento é um conjunto de informações que orienta as práticas sociais do dia-


a-dia dos indivíduos no meio que os rodeia, permitindo-lhes, situarem-se e interagirem,
adequadamente entre si, com base na compreensão significativa que atribuem a sua acção.
Portanto, o stock de conhecimento, é algo que pode ser enriquecido e alargado por qualquer
experiencia posterior.

Stock de conhecimento é constituído de e por actividades que reflectem experiencias


do passado da nossa consciência, cujo resultado torna-se actualmente o nosso
presente. O que determina o stock de conhecimento, é o sistema de nosso interesse
prático ou teórico no momento específico, que determina não só, o que é
problemático, e, o que pode permanecer inquestionável, mas também, o que deve ser
conhecido para a resolução do problema em causa.. (Schutz 1979:74).

Na vida quotidiana, durante a interacção entre os indivíduos, a realidade é vista de forma


intersubjectiva. Este stock de conhecimento, é mantido numa forma tipificada, ou seja,
sempre que construímos os objectos sociais, sempre arquivamos na nossa consciência e
comparamos o fenómeno que vivemos, com o fenómeno já vivenciado.

Essa concepção individual, é de acordo com a situação biográfica determinada em que o


indivíduo se encontra. O indivíduo só é entendido através da sua biografia. A sua situação no
tempo e no espaço é determinada através das crenças e valores, que compartilha com a
comunidade, situação biográfica determinada, que é a sedimentação das experiências
anteriores do indivíduo: a sua história da vida.

Para o contexto da mendicidade, o stock de conhecimento consiste num conjunto de


experiências vividas e vivenciadas, interiorizadas pelos indivíduos que praticam a
mendicidade, com base em regras de conduta e comportamento que envolve uma linguagem e
símbolos tipificados, para orientarem a acção desses indivíduos do dia-a-dia.

3.2.6. - A Mendicidade
Nesta parte do nosso trabalho, iremos trazer as várias percepções do conceito da mendicidade,
com vista a facilitar a compreensão do nosso foco de discussão sobre a identidade social dos
actores da mendicidade. Partindo do principio de que a mendicidade é um fenómeno social,
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que pode resultar de diferentes factores, e, visando estabelecer um relação da mendicidade


com esses factores, a seguir vamos analisar a dimensão do seu conceito, a partir dessa relação:

Segundo Meneses & Lourenço (2000), citados por Nhampoca (2003:6), a mendicidade é um
conceito, que tem origem na palavra latina “mendicitate”, que significa, o acto de mendigar,
vulgo pedir esmola, ou seja, o acto através do qual, alguns indivíduos, frequentemente
adquirem, pedindo, a outros indivíduos dádivas, que podem ser pecuniárias ou em espécie,
para a sua subsistência ou em certos casos para o sustento de vários.

Trata-se de uma palavra que, regra geral, é usada para se referir ao estado habitual daquele
indivíduo que pede esmola para a sua subsistência, por conseguinte, mendigo é entendido
como aquele que vive de pedir esmola.

Um mendigo na sociedade deve ser uma pessoa pobre, idosa, desamparada,


deficiente, mal nutrida, mal vestida, enfim, aquele que pede esmola. O mendigo é
retractado e representado como uma pessoa sofredora que para se alimentar a si e os
seus dependentes, depende de outras pessoas.. (Capurchande, 2004:42).

Nesse sentido, a mendicidade seria um estilo de vida que está associado a diversos factores,
tais como, pobreza, exclusão social, fragilidade económica e financeira, desintegração no seio
familiar e outros. Este fenómeno, também pode resultar de um processo de manipulação de
identidade dos indivíduos, a partir da sua encenação no dia-a-dia, através do conhecimento
que tem pelo menos de expectativas que, os grupos sociais e a sociedade têm deles, e, eles
têm de oferecer a identidade que se esperava deles para ser parte integrante do grupo social.

Como se pode depreender, para melhor percepção e enquadramento do nosso tema, a seguir,
vamos estabelecer a relação entre os conceitos, de modo a facilitar o nosso fio de pensamento,
sobre a análise do perfil social dos diferentes grupos na mendicidade.

Tomando em consideração, o quadro conceptual trazido neste capítulo, e para evitarmos


ambiguidades, o perfil social dos grupos na mendicidade, seria definido como, aquele que é
determinado, por um conjunto de valores, normas e regras de conduta comuns, socialmente
construídos, com carácter regular, que indivíduos partilham entre si, promovendo uma relação
de solidariedade e proximidade, dentro de um espaço delimitado, com objectivo de alcançar
algo para a sua sobrevivência.

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Os padrões próprios desses grupos da mendicidade, são determinados pelo habitus


estabelecido no quotidiano dos indivíduos que os constituem, permitindo-os a interpretação
dos seus actos, através do seu stock de conhecimento ou experiências passadas sobre essas
práticas. Portanto, é assim que, o perfil social dos grupos na mendicidade, deverá ser
percebido no contexto do nosso trabalho.

Deste modo, esperamos, a partir de pesquisas no campo, focalizado nos diferentes grupos
sociais envolvidos na mendicidade, baseadas na selecção adequada das amostras, procurar
argumentos adequados, de modo a possibilitar-nos a confirmação ou não das hipóteses
formuladas.

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CAPÍTULO 4

METODOLOGIA
Neste capítulo, vamos apresentar a metodologia utilizada que nos permitiu a recolha de dados

adequados para a análise, com vista a uma compreensão detalhada do nosso estudo.

4.1. Método de Procedimentos


Para a recolha de dados para o nosso estudo, recorremos basicamente a duas formas de
pesquisa: A pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Na primeira procuramos recolher
dados, com base em fontes secundárias, a partir de monografias e obras publicadas,
debruçando-se sobre o fenómeno objecto do nosso estudo. Na pesquisa de campo
privilegiamos as fontes primárias, subjacentes nos diferentes depoimentos e relatórios que
versam sobre a prática da mendicidade, sem descurar outras fontes alternativas baseadas em
artigos publicados na imprensa local, com o objectivo de informar a sociedade sobre este
fenómeno social.

A colecta de dados, foi baseada em entrevistas semi-estruturadas, de modo a explorar


exaustivamente as nossas questões do trabalho, junto aos diferentes grupos sociais praticantes
da mendicidade na zona baixa da cidade de Maputo. Estas entrevistas foram feitas com
recurso ao método qualitativo que nos permitisse recolher as informações determinadas que
influenciam a formação do perfil social dos diferentes grupos na mendicidade, junto de
pessoas ou unidades de observação indicadas na amostra. (Quivy & Campenhoudt, 2003:144).

Com vista a capitalizar melhor a qualidade e quantidade de informação a recolher,


privilegiamos, a técnica de recolha de dados, com recurso a aplicação de entrevistas abertas e
semi-abertas e histórias de vida dos diferentes grupos sociais na mendicidade. O modelo
escolhido para a selecção dos grupos da nossa pesquisa, como unidade de análise, consistiu na
selecção de uma amostra de 16 indivíduos divididos em 8 grupos sociais praticantes da
mendicidade dos quais escolhemos aleatoriamente 2 membros de cada grupo social da nossa
análise.
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Para a selecção dos indivíduos para entrevistas tivemos em conta duas categorias, que
compreendem a categoria sexo e idade abrangendo crianças órfãs, desamparadas e sem
qualquer protecção social com idades compreendidas entre 8 a 14 anos e idosos desprovidos
de recursos financeiros e materiais com idade não inferior a 49 anos, de ambos os sexos, que
constituem a camada mais vulnerável que sofre os efeitos de estigmatização social.

A análise do perfil social destas duas camadas sociais, como unidade de análise, deve-se ao
facto de as mesmas, existirem de forma sistemática e recorrente, na zona baixa da cidade de
Maputo, facto que nos permitiu, acompanhar o seu comportamento regular naquele espaço da
cidade. As técnicas utilizadas para recolha de dados nesta pesquisa foi baseada na observação
directa não participante e histórias de vidas dos indivíduos pertencentes a diferentes grupos
sociais da mendicidade. A utilização destas técnicas permitiu-nos conhecer em pormenor, o
passado dos indivíduos integrantes dos grupos sociais do nosso estudo, sob o ponto de vista
económico, social e cultural, relevantes para justificar o estágio actual da sua exclusão da
convivência familiar.

O nosso objectivo com a utilização destas técnicas na colecta de dados tinha em vista a
obtenção de informação que nos permitisse, analisar em pormenor, a maneira como é que o
perfil social destes grupos é formado na naquela zona da cidade de Maputo, de modo a
encontrar uma relação com as nossas hipóteses formuladas.

Em termos de procedimentos no nosso estudo, privilegiamos, concomitantemente, o método


fenomenológico e método hipotético-dedutivo. O método fenomenológico, visava ajudar-nos
a descrever e interpretar as acções do dia-a-dia dos grupos sociais da mendicidade, a partir de
uma observação sistematizada, centrada nos aspectos comuns, socialmente produzidos e
partilhados, com ênfase nos detalhes, assentes nas suas experiencias vividas e vivenciadas,
acções e interpretação do “mundo da vida” 17 que os rodeia, que nos permitisse uma análise
detalhada da nossa amostra.

O método hipótetico-dedutivo, que defende a premissa de que, a construção social da


realidade parte de um modelo de interpretação do fenómeno estudado, através de trabalho
lógico, com hipóteses, conceitos e indicadores para os quais se deve procurar correspondentes

17
Ver Schutz (1979): in fenomenologia, “mundo da vida”, trata-se do mundo vivenciado por aqueles que, nele participam, atribuindo
significados as suas experiencias do dia-a-dia.
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do real. Este modelo tinha em vista, a partir da teoria apresentada para este estudo, permitir-
nos estabelecer a sua relação com as hipóteses colocadas na nossa questão de partida.

A informação com a qual, pretendemos confrontar, as hipóteses, foi obtida com base, num
conjunto de técnicas e instrumentos, tais como, análise documental, guia de entrevistas
exploratórias, previamente elaborado, focalizado nos grupos sociais alvos, objectos do
presente estudo, bem como na observação directa não participante, com registo em diário do
campo. Com base nos dados recolhidos, a nossa expectativa, obviamente, tinha em vista,
encontrar indicadores, a partir dos laços de solidariedade, hábitos e regras de conduta
partilhados, que nos permitissem confirmar ou infirmar as nossas hipóteses, indicadas no
capítulo 2 deste trabalho.

Com base em entrevistas semi-estruturadas (abertas e semi-abertas), procedemos a recolha de


depoimentos junto aos indivíduos que integram diferentes grupos sociais que praticam a
mendicidade na zona baixa da cidade de Maputo. Para o efeito seleccionamos uma amostra de
16 indivíduos distribuídos em 8 grupos sociais envolvidos na prática da mendicidade,
incluindo as pessoas portadoras de deficiência física e/ou visual, dos quais escolhemos de
forma aleatória 2 integrantes de cada grupo, com base nas categorias de sexo e idade, a qual
abrangeu um universo de 8 grupos que praticam a mendicidade, incluindo das pessoas
portadoras de deficiência física e visual.

Destes grupos, entrevistamos 2 integrantes em cada grupo, sendo um de crianças com idades
compreendidas de 8 a 14 anos e outro de idosos com idades não inferiores a 49 anos,
residentes nas zonas periféricas da cidade de Maputo, cujas histórias de vida e nível de
respostas, pareceram-nos adequadas aos objectivos pretendidos, a filiação nos grupos sociais
de que fazem parte para a mendicidade.

A escolha da nossa amostra, surge como resultado de um processo que durou cerca de 2
meses de trabalho de campo, e teve em conta a questão da regularidade e uniformidade dos
membros nos grupos sociais, a partir de uma observação não participante nos locais por eles
preferidos. Para a selecção dos 2 indivíduos de cada grupo para entrevistas, recorremos a
forma aleatória simples, assente no princípio de mútua exclusividade, isto é, os indivíduos
escolhidos não podiam pertencer, simultaneamente, a 2 grupos diferentes, mas deviam ser
representativos dos grupos sociais a que pertenciam.
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As entrevistas decorreram durante o período dos meses de Agosto e Setembro de 2010,


conforme consta do cronograma das actividades previamente elaborado. O nosso guião de
entrevistas, foi concebido de forma a permitir-nos, a recolha de informação sobre as maneiras
de formação do perfil que identifica os diferentes grupos sociais que praticam a mendicidade.

Para tal, realizamos as entrevistas em diferentes locais de concentração dos grupos sociais
seleccionados na amostra, na zona baixa da cidade de Maputo, de preferência no período de
manhã (período entre as 8.30h e 12.30h), na medida em que era nesse lugar e período que os
grupos sociais do nosso estudo actuavam, não obstante, termos visto alguns focos destes
grupos noutros lugares da cidade, contudo, o nosso estudo privilegiou este local, devido aos
motivos que já mencionamos.

O período das entrevistas por cada indivíduo entrevistado, durava cerca de cinco a quinze
minutos, dependendo do nível de respostas e necessidade do entrevistado de se juntar ao seu
grupo para dar continuidade a sua actividade. Em função das respostas dadas, conseguimos,
obter o essencial para efeito do nosso estudo.

Nos entrevistados, privilegiamos a análise das trajectórias de vidas e as experiencias vividas e


vivenciadas pelos diferentes indivíduos que integram os grupos sociais seleccionados, tendo
em conta, o lugar de proveniência, desintegração da convivência familiar, existência de laços
de solidariedade de parentesco com alguns membros dos grupos sociais, compartilha de
normas de conduta, e sentido de pertença no grupo com base em características comuns, tais
como, deficiência física, viuvez e orfandade.

A fase subsequente, consistiu, na análise dos dados recolhidos durante as entrevistas, com
enfoque para aspectos relativos ao nosso problema neste trabalho. Em seguida, confrontamos,
os resultados da análise das respostas obtidas nas entrevistas, com a operacionalização dos
principais conceitos definidos neste trabalho, bem como a informação recolhida na revisão da
literatura para a definição do problema.

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4.2. - Campo de Análise


As pesquisas foram feitas, na zona baixa da cidade de Maputo, com maior ênfase em frente
dos estabelecimentos comerciais e nas artérias da cidade, por serem lugares privilegiados
pelos diferentes grupos sociais da mendicidade, que constituem o nosso estudo. As pesquisas
decorreram no período da manhã (período entre as 8.30h e as 12.30h), conforme referimos,
preferencialmente, nas sextas-feiras, tratando-se de um dia em que os grupos sociais,
apresentam-se diversificados, para pedir esmola, coincidindo com os ofertórios da
comunidade muçulmana, no cumprimento do mandamento do Islão.

Para facilitar a recolha dos depoimentos dos indivíduos a entrevistar, seleccionamos os grupos
sociais alvos, aqueles que apresentavam uma certa regularidade e uniformidade nos seus
membros e capazes de se expressarem em língua portuguesa e/ou tsonga, de modo a facilitar o
diálogo, durante as entrevistas, evitando desta forma situações de incoerência na transcrição
dos dados recolhidos.

4.3. - Constrangimentos da Pesquisa


Durante a realização das pesquisas, tivemos alguns constrangimentos, devido a natureza do
comportamento dos diferentes grupos sociais da mendicidade, que se caracteriza pelo
nomadismo, deambulando de um lugar para o outro, conforme a necessidade estratégica de
pedir esmola.

Outro aspecto observado, de carácter constrangedor, é que para a cobertura de algumas


despesas que foram surgindo durante o nosso trabalho de campo, é o facto de alguns
indivíduos que integram estes grupos sociais, se recusarem aceder as entrevistas, devido ao
não pagamento de uma gorjeta. Igualmente, existiram aqueles que, abandonavam as
entrevistas, alegando atraso nos seus propósitos na recolha de ofertórios, alguns temiam,
erradamente, de serem expostos nas câmaras da televisão.

Estes aspectos, directa ou indirectamente terão influenciado, grosso modo, para algumas
limitações durante o nosso trabalho de campo.

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CAPÍTULO 5

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA


Nesta secção, propomo-nos a apresentar, os resultados empíricos, como consequência da
observação directa e não participante, histórias de vida e das entrevistas, a partir das quais,
vamos fazer a confrontação com as hipóteses do nosso trabalho.

Numa primeira fase, vamos apresentar o panorama geral dos grupos sociais correntes, no
bairro central da cidade de Maputo, concretamente na zona baixa, com especial ênfase para
aqueles cujas práticas do dia-a-dia estão associadas a mendicidade, no contexto da sua
estratégia de sobrevivência.

A análise dos dados recolhidos durante as pesquisas empíricas, permitiu-nos constatar que, o
perfil social de diferentes grupos obedece tipologias, que são determinadas por um conjunto
de factores específicos, subjacentes nas características comuns, partilhadas por membros de
cada grupo social.

De acordo com o conceito da mendicidade e tomando em consideração o comportamento dos


grupos sociais praticantes, foi possível distinguir dois tipos, sendo um daqueles que pedem
esmola somente às sextas-feiras e que constitui o objecto do nosso estudo e o outro dos que
pedem esmola todos os dias que não vai ser objecto da nossa análise.

Foi possível também identificarmos dois tipos de grupos sociais na prática da mendicidade, de
acordo com o estado físico dos indivíduos, sendo um constituído por indivíduos não
portadores de deficiência física e/ou visual (normais) e o outro constituído por indivíduos
portadores de deficiência física e/ou visual (anormais).

No primeiro existe um grupo social, formado na base da categoria de sexo e idade, no qual
encontramos subgrupos, que se apresentam constituídos com base em laços de solidariedade
familiar, englobando crianças, mulheres e idosos, bem como mulheres viúvas, crianças órfãs e
indivíduos oportunistas que se integram nos grupos através da manipulação de identidade.

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No segundo, encontramos um grupo social formado por indivíduos de ambos os sexos, que
apresentam características específicas de deficiência física e /ou visual, que os coloca numa
situação de estigmatização e consequente exclusão da convivência social.

Em seguida, passamos a apresentar o panorama dos diferentes grupos sociais que praticam a
mendicidade, que encontramos na zona baixa da cidade Maputo, centro de concentração
urbana que torna o lugar fértil e privilegiado devido ao seu potencial económico para estes
grupos sociais:

5.1. Mendicidade na cidade de Maputo


Com base na observação directa não participante, foi-nos possível, constatar que, a zona baixa
da cidade de Maputo, constitui, o epicentro do exercício de determinadas práticas sociais do
dia-a-dia dos diferentes grupos, que partilham de forma solidária, laços de proximidade
comuns, no âmbito da sua estratégia de sobrevivência, onde a mendicidade não constitui uma
excepção. Tais práticas, envolvem indivíduos de diferentes camadas sociais, sobretudo
vulneráveis, crianças com idade compreendida entre os 8 a 14 anos, idosos com idade não
inferior a 49 anos, de ambos os sexos, viúvas e órfãos bem como deficientes físicos e /ou
visuais, maioritariamente, residentes nos diversos bairros periféricos da cidade de Maputo.

Estes grupos sociais, integram aqueles que praticam diversas actividades informais, tais como,
polidores e guardas de viaturas, carregadores de trochas, angariadores de passageiros nas
terminais de transporte semi-colectivo (vulgarmente tratados por “magaye-gaye”), vendedores
de diversos produtos e utensílios domésticos, deficientes físicos e meninos da e na rua,
ocupando os passeios das artérias da cidade e mendigos que deambulam nos estabelecimentos
comerciais e semáforos pedindo esmola.

Os dados da pesquisa por nós analisados, revelam que os grupos sociais envolvidos na prática
da mendicidade, partilham algumas características comuns. Estas características comuns estão
associadas à natureza da “mão estendida”, que não se adequam as normas de conduta da
postura urbana esperadas na nossa sociedade. Fazendo-o como uma estratégia de luta de
sobrevivência.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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Assim, os grupos sociais formados por indivíduos, são movidos pela intencionalidade de
alcançar determinados fins comuns, financeiros ou materiais para a satisfação das
necessidades básicas. Para o efeito, eles estabelecem uma relação de proximidade, com base
em laços de solidariedade familiar, de vizinhança, viuvez, orfandade e/ou de deficiência física
e/ou visual, partilhando regras de conduta e sentido de pertença, para recorrerem a prática da
mendicidade.

Em seguida, vamos analisar o processo pelo qual, o perfil social dos grupos sociais é formado
nas suas múltiplas maneiras, no contexto do espaço social em que ocorre a mendicidade:

5.1.1. Perfil social de grupo na mendicidade, pobreza e exclusão social


A análise dos dados recolhidos durante as entrevistas, permitiu-nos identificar que existe um
uma categoria de grupo social específico, constituído por idosos, indivíduos com uma faixa
etária de 49 anos em diante, que praticam a mendicidade nas sextas-feiras na zona baixa da
cidade de Maputo, como resultado do fraco amparo familiar, debilidade financeira associada a
idade avançada, que impossibilita o acesso a emprego. Estes factores tornam os indivíduos
excluídos e desintegrados da convivência familiar, e, não vislumbrado uma alternativa, para
viverem condignamente, a prática da mendicidade constitui uma alternativa para a sua
sobrevivência.

Facto curioso que nos foi possível constatar neste grupo, é a existência de uma relação de
proximidade no seio do grupo, baseado na consciência do estado de pobreza e desamparo
familiar, donde os indivíduos que partilham as mesmas dificuldades e privação de meios
básicos de sobrevivência, estabelecem uma relação objectiva.

Segundo depoimentos recolhidos durante as entrevistas, este grupo é formado por indivíduos
provenientes das zonas periféricas da cidade de Maputo e alguns dos quais existem há cerca
de dois anos e meio, e, tem como locais de preferência para a prática da mendicidade os
estabelecimentos comerciais que se encontram ao longo da Av. Guerra Popular e Av. Karl
Marx na cidade de Maputo, conforme testemunham alguns entrevistados inseridos neste
grupo etário:

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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Estêvão Mathe18, 59 anos, residente no bairro de Minkadjuíne, que se fazia acompanhar da


esposa, ambos membros integrantes do grupo, disse o seguinte:

Durante o nosso casamento, eu e minha mulher tivemos cinco filhos, dos quais
quatro morreram, e, o único sobrevivente abandonou-nos com a mulher e filhos,
nem sabemos o seu paradeiro, deixando-nos completamente desamparados nesta
vida difícil. Para nosso auto-sustento tenho saído com a minha mulher, a pedir
esmola para conseguirmos algo para comer.

Jorge, 62 anos, residente no bairro de Polana-Caniço, que integrava um grupo de idosos,


composto por 7 elementos, envolvendo 2 casais:

Eu chamo-me Jorge, sou casado, há sensivelmente 18 anos, fui mineiro durante a


minha idade de adulto, mas quando o meu contrato terminou na RSA, preferi não
mais voltar para lá, e passei a dedicar-me a agricultura para ajudar a minha
esposa….quando a pessoa envelhece perde forças para fazer trabalhos pesados, veja
a minha idade nem para emprego formal serve, até porque agora querem pessoas que
estudaram. Por isso que, estou aqui com amigos e minha esposa a procura de algo
para o estômago.

Esta situação não é nova em Moçambique, pois existem estudos realizados sobre o dilema da
desintegração social do idoso, que revelam a situação de exclusão social e marginalização do
idoso devido a fragilidade do desempenho do seu papel no seio familiar da comunidade,
levando-o a recorrer a mendicidade19. A razão da falta de integração do idoso também pode
ser explicada no âmbito do estudo, feito por Serra (2003) sobre a precariedade social, com
ênfase na fragilidade de laços de solidariedade familiares, que leva o idoso a mendicidade.

A análise dos depoimentos recolhidos dos indivíduos deste grupo social específico,
constatamos que a formação do seu perfil social, tem a sua explicação na pobreza económica
e social dentro da esfera social em que os idosos se encontram inseridos, a falta de integração
na família motivada por diversos factores que influenciam na exclusão social e
marginalização dos idosos da convivência social na família.

No contexto desta perspectiva analisamos as entrevistas recolhidas, a partir dos depoimentos


que narram as histórias de vida de um grupo específico de idosos, de modo a estabelecer uma
18
Este nome e os restantes da mesma natureza, que serão mencionados ao longo deste trabalho, são fictícios.
19
Ver estudo de Nhampoca sobre “O idoso e a mendicidade: Integração social - o caso da cidade da Beira, 1995”. Trabalho de fim de curso
para obtenção do grau de licenciatura.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 49
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

ligação com o seu envolvimento na prática da mendicidade. Segundo as constatações


apuradas, foi possível verificar que, existem idosos que se encontram numa situação bastante
precária, que resulta da falta de assistência pelos familiares associada a factores sociais,
económicos, culturais e fragilidade de políticas sociais.

Um aspecto relevante a ter em conta na mendicidade que envolve este grupo social específico
é a existência de indivíduos que tem correspondido aos pedidos de esmola, como um sinal de
cumprimento dos mandamentos da religião da ajudar o próximo ou necessitado.

A análise incidiu sobre a biografia do passado ligado a experiências vividas pelos idosos para
justificar o estágio actual do seu envolvimento na mendicidade. Um dos entrevistados a esse
respeito, foi Manuel Mula, idade desconhecida, residente no bairro da Maxaquene, que
integra um grupo formado por 5 idosos de ambos os sexos:

Meu nome é Manuel, não me lembro da minha idade, porque abandonei a escola
cedo na minha terra natal em Manjacaze, meus pais eram camponeses e não me
ensinaram nada sobre a idade. Estamos aqui em grupo de três casais, somos pobres e
ninguém trabalha de todos nós, por isso que viemos a baixa para tentar ganhar
alguma coisa com os “monhés”. Assim, estamos com as nossas esposas para
conseguir maior quantidade possível dos produtos e dinheiro, que nos pode ajudar a
comer durante dois ou três dias nas nossas casas.

Outro entrevistado, foi uma idosa que, apenas, conhece o seu nome de infância, Tewasse, 68
anos, residente no bairro Polana-Caniço, proveniente da Província de Gaza, distrito de
Maivene, que nos deu o seu depoimento na língua changana:

Eu sou uma velha sofrida, desde a minha idade de infância, perdi os meus pais muito
cedo, o meu casamento também ruiu quando o meu esposo foi para as minas na
África de Sul, em 1978 e até hoje nunca deu um sinal de vida. Sou uma mulher
estéril, daí que nem tenho filhos, vim a cidade de Maputo, na companhia de um
familiar, mas arranjou uma mulher e desapareceu de mim. Assim, venho sempre a
cidade nas sextas-feiras com outros idosos do bairro para pedir esmola.

A precariedade económica, abandono pela família, estado de viuvez ou esterilidade e


orfandade, tem exercido a sua influência para o surgimento de grupos sociais que são
formados, a partir de um conjunto de características comuns, com ênfase na privação de
recursos financeiros e materiais, obrigando a que estes vejam a cidade como um local da sua
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 50
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

salvação para sobrevivência. Situações similares, acontecem em quase todas as artérias da


cidade de Maputo, em que encontramos pequenos focos de grupos de idosos deambulando
pelas ruas nas sextas-feiras, a procura de algo para a sua sobrevivência.

Conforme observa Schutz (1979), a partir das experiências acumuladas, através de stock de
conhecimento, os indivíduos tipificam os fenómenos vivenciados no seu dia-a-dia. Com base
na biografia do passado dos indivíduos integrantes nos grupos sociais na mendicidade, foi
possível identificar os aspectos económicos, sociais, culturais e políticos específicos que
influenciam na formação de grupos sociais dos idosos que deambulam na cidade de Maputo,
praticando a mendicidade.

5.1.2. - Formação de Perfil social de grupo baseado em laços de


solidariedade Comuns
A análise de dados recolhidos durante as pesquisas, permitiu-nos constatar que o perfil social
de determinados grupos sociais específicos de indivíduos portadores ou não de deficiência
física e/ou visual que praticam a mendicidade nas sextas-feiras, na zona baixa da cidade de
Maputo, pode ser formado a partir de laços de solidariedade familiar, vizinhança, locais de
proveniência entre outros.

Destes grupos sociais que praticam a mendicidade a partir de laços de solidariedade comuns,
identificamos 2 tipos de sub-grupos que acutam em simultâneo no mesmo espaço e período,
sendo um grupo constituído por crianças com idades entre 8 a 14 anos na companhia de
idosos com idades não inferiores a 49 anos, que constituem outro grupo social específico,
cujos indivíduos que os integram tem entre si laços de solidariedade comuns.

No que diz respeito aos grupos sociais, cujo perfil social foi formado por laços de
solidariedade familiar, encontramos indivíduos que fazem parte da mesma família,
envolvendo idosos e crianças, unidos numa relação de parentesco de avô e neto, que praticam
a mendicidade através da compartilha do mesmo espaço, para a obtenção de algo para o auto-
sustento familiar.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 51


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

De acordo com os depoimentos colhidos nos locais de actuação deste grupo, constatamos que
esta relação tem a sua origem no facto da maior parte das crianças serem abandonadas pelos
pais, e, deixadas ao cuidado dos avôs. E, uma vez que estes estão desprovidos de quaisquer
recursos financeiros e materiais básicos para a sua própria assistência e dos netos, acabam
recorrendo na mendicidade e visando obter maior rendimento da "esmola", fazem-se
acompanhar pelos netos. As evidências a esse respeito, são encontradas nos depoimentos de
alguns entrevistados, como Mechaque, 57 anos, residente no bairro da Polana-Caniço:

A vida é assim, a pobreza não tem cara, e, a fome não tem idade, aqui todos somos
iguais…até porque o meu neto também está neste grupo, para receber alguma coisa,
estamos a tentar ganhar alguma coisa. É a vida!

Francisco Jorge, 12 anos, residente no bairro Polana-Caniço, neto de Mechaque, disse:

Conhecemo-nos porque todas as sextas-feiras, seguimos, a trajectória dos homens,


somos unidos, porque os idosos compreendem a nossa situação de pobreza, por isso
que eles não se chateiam com a nossa presença, porque os monhés dão esmola a
todos os pobres.

Um outro grupo de crianças encontramos no cruzamento das Av. Karl Marx e 24 de Julho, ao
lado do Cine-África, brincando as correrias no passeio, próximo de um outro grupo de idosos,
envolvendo homens e mulheres, a espera da esmola no estabelecimento de venda de bebidas,
procuramos entrevistar Noel, um menino de 14 anos, o mais velho do grupo de crianças
naquele lugar, que estava na companhia da sua avó que integrava o outro grupo:

Sou órfão de pais, quem tem estado a cuidar de mim é a minha avó Mequelina, mas
nas sextas-feiras, eu e outros meninos também órfãos viemos aqui para recebermos
comida e dinheiro, de modo a ajudar a minha avó. Estudo na escola SOS de Hulene,
mas hoje eu e outras crianças faltamos por causa disso.

Importa realçar que a formação deste grupo social, com base nos laços de solidariedade
familiar, tem a ver com um grupo social de crianças, com idades entre 8 e 13 anos, nalguns
casos pertencentes a mesma família, provenientes do bairro de Xipamanine, que praticam a
mendicidade como forma de contribuir para o auto-sustento familiar. São crianças que vivem
na companhia dos pais, mas encontram-se desempregados, alguns pais estão envolvidos em
outras actividades informais para obter algum rendimento material ou financeiro.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 52


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Azarias, menino de 13 anos, estudante, integrava um grupo de crianças, que tinham em


comum, uma relação familiar, isto é, no grupo existiam 3 irmãos e 2 primos, todos vivendo na
mesma casa, que deambulavam pela cidade a procura de algo para o seu auto-sustento.

Nós estamos unidos, somos todos pobres, por isso que, os meus primos nunca
saíram nos deixar em casa, e no final do dia, apresentamos o produto arrecadado aos
pais do Azarias, eles depois nos contemplam nas refeições. Nós não nos castigamos,
aquele que consegue algo sempre partilha com os outros.

Outro menino, primo do Azarias, de 9 anos de idade, disse:

Quando chega a sexta-feira, eu e meus irmãos (incluindo primos), acordamos cedo


para virmos a pé a baixa, para receber pãezinhos e bolos oferecidos aos pobres. Nós
fazemos isso sempre e na companhia dos mais velhos, andamos ao lado deles
durante o seu percurso, quando chegam na loja onde tem algo eles mandam-nos
aproximar perto deles para não sermos excluídos.

Como se pode verificar, segundo depoimentos dos diferentes intervenientes deste grupo
social, os laços de solidariedade familiar, tem exercido a sua influência na formação de perfil
social de grupos sociais específicos, que tem circulado nas sextas-feiras, na zona baixa da
cidade de Maputo.

A partilha de características comuns subjacentes nos vínculos afectivos nas relações dos
indivíduos, estabelece uma relação de proximidade, sob ponto de vista de partilha nas
dificuldades materiais e financeiras, levando a que indivíduos que se encontram nessa
situação, procurem formas alternativas de sobrevivência em grupo específica.

Conforme observam Berger & Luckmann (1976), defendendo a ideia de que, a integração dos
indivíduos na sociedade processa-se através da exteriorização do seu próprio ser no mundo
social, e, interioriza este mesmo mundo, a partir de um conjunto de valores, normas, hábitos e
regras de conduta estabelecidos na sociedade, que permitem a apreensão e interpretação
imediata de um acontecimento objectivo como dotado de sentido.

A partilha desse conjunto de atributos pelos indivíduos específicos, no meio em que se


encontram inseridos que condiciona determinadas práticas, constitui uma premissa importante
para a formação do perfil social dos grupos desta natureza, no caso vertente, praticantes da
mendicidade.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 53
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Com isso, pretendemos mostrar que, os indivíduos envolvidos na mendicidade, em si não


nascem mendigos, mas existe todo um conjunto de mecanismos e factores comuns partilhados
da sociedade, com relevância para a pobreza, estigmatização que origina a exclusão social,
que acontece na esfera da vida desses indivíduos, que vão contribuir para a sua integração nos
diferentes grupos que praticam a mendicidade, através do processo de interiorização das suas
práticas do dia-a-dia na sociedade.

A relação que se estabelece entre os idosos e crianças na prática de mendicidade, não deve ser
vista, apenas dentro da pobreza material, mas é necessário ter em conta também, o processo
de socialização20 a que estão sujeitas as crianças pelos idosos no contexto da sua relação
social, sem descurar a questão de afectividade entre ambos, que tem a sua origem dentro da
esfera familiar, em casa que depois é transportada para outros espaços fora de casa, não
obstante a necessidade de lutar para a sobrevivência. Alguns idosos andam na companhia de
seus netos pelas artérias da cidade, a fim de evitar que estes se percam devido ao fluxo de
movimento durante as sextas-feiras na zona baixa da cidade de Maputo, agravado pelo fraco
conhecimento da sua estrutura urbana.

A formação de perfil social destes grupos, também pode ser analisada, em função da
solidariedade dos laços de familiaridade afectiva, caracterizando-se pela existência de
membros da mesma família, indivíduos provenientes do mesmo local de residência,
consciência do sentido de pertença, independente aos factores anteriormente mencionados.

Nesta perspectiva de análise, identificamos ao longo da Av. 25 de Setembro, próximo do


Mercado Central deambulando de estabelecimento em estabelecimento, um grupo misto que
envolvia quase todas as categorias sociais, definidas na nossa amostra. Tais grupos eram
compostos por crianças de idades de 8 a 14 anos, mulheres e homens idosos com idades que
variam entre 49 a 65 anos, residentes nos bairros circunvizinhos, Urbanização, Maxaquene e
Polana-Caniço, que se deslocavam pelas artérias da baixa da cidade de Maputo.

A particularidade que merece destaque nestes grupos, é a forma como eles se apresentam na
rua, estando divididos em categorias de sexo, à excepção das crianças que não apresentaram
no seu grupo, crianças do sexo feminino. Para efeitos de entrevistas, escolhemos de forma

20
Processo através do qual o indivíduo apreende as normas, valores, hábitos e costumes da sociedade onde vive.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 54


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

aleatória 2 crianças, integrantes deste grupo social de modo a informarem-nos sobre o seu
envolvimento naquela prática a partir da consciência de pertença no grupo.

Manecas Jaime, 9 anos, residente no bairro da Maxaquene:

Eu venho todas as sextas-feiras com este grupo de amigos, porque somos todos
vizinhos no bairro da urbanização e andamos a seguir sempre os mais velhos para
recebermos alguma coisa, para ajudar nas nossas casas….

Outro depoimento, João, um menino de 10 anos, residente no bairro da Maxaquene:

Nós já nos conhecemos porque todas as sextas-feiras, seguimos, a trajectória dos


homens, somos unidos, porque os idosos compreendem a nossa situação de pobreza,
por isso que eles não se chateiam com a nossa presença, porque os monhés dão
esmola a todos os pobres.

Durante as entrevistas, identificamos, um grupo social constituído por mulheres viúvas e


outras com laços de solidariedade com base na vizinhança e lugar de proveniência, que se
encontravam a praticar a mendicidade, junto do cruzamento das Av. 25 de Setembro e Karl
Marx, com a particularidade deste grupo não deambular pelas ruas optando por se fixar
naquele lugar, devido ao intenso movimento de peões e viaturas que por ali circulam.

A característica deste grupo, é a partilha de valores, hábitos e regras de conduta de mulheres


viúvas, que carecem de assistência por parte da família do marido falecido e de outros
familiares, assim como de filhos que devido a ausência de pai, optam por abandonar a mãe.
As evidências disso, encontramos nos depoimentos recolhidos naquele local junto das
mulheres viúvas por nós entrevistadas:

Helena de 55 anos, viúva, proveniente do bairro de Urbanização, justificou a sua presença


naquele grupo de mulheres, por ter sido convidada por duas amigas do bairro, que também
são viúvas e abandonadas pelos filhos:

…sou uma viúva, um dos meus filhos, desde que foi para Alemanha em 1986, nunca
mais regressou e nem dá qualquer sinal, assim vim com minhas amigas desenrascar
a vida…eu não tenho outra alternativa de auto sustento.

Hortência, viúva de 63 anos e amiga da Helena, disse que pratica a mendicidade, faz 5 anos
devido a situação de abandono a que está votada pela família do falecido marido:
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 55
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Eu também sou uma mulher viúva, desde que o meu marido morreu há 9 anos, a
família dele arrancou-me quase tudo, deixando-me com as quatro paredes da casa.
Nos primeiros dois anos conseguia me arranjar, mas depois a vida ficou difícil para
mim, graças a convivência que tenho com outras mulheres, que estão na mesma
situação a minha, vou sobrevivendo com a esmola e alguns biscates que faço,
lavando a roupa em algumas casas.

Marta Cossa e Josefina Fumo, com idades acima de 70 anos, são 2 amigas e companheiras da
jornada, que se conheceram na rua ao acaso na dura vida de mendicidade, por não terem outra
alternativa de sobrevivência.

A vida está difícil no país e como não temos outra alternativa de nos sustentarmos, a
nossa idade também já não ajuda, preferimos ficar aqui na esquina, a pedir esmola.
Às vezes temos ido ao mercado central pedir restos de produtos para o consumo em
casa.

A mendicidade praticada pelas mulheres viúvas, segundo os depoimentos obtidos nos locais
onde decorreram as entrevistas, pode exercer a sua influência na formação da identidade
social destes grupos na cidade de Maputo. É com base na convivência social, troca de
experiencias vividas e vivenciadas21, que a prática da mendicidade nesses grupos tem
significado para a sua vida no dia-a-dia, em busca de recursos para a sobrevivência.

À semelhança de outros grupos praticantes da mendicidade, a categoria das mulheres viúvas


identificadas na nossa unidade de análise, apresentaram características comuns, que as torna
formar um grupo solidário mostrando aspecto de proximidade nos seus membros.

A partir dos dados captados nos depoimentos apresentados, pode-se inferir neste grupo, a
existência de laços de solidariedade familiar na relação de algumas viúvas, tais como
rompimento de laços de parentesco feito pela família do marido falecido, falta de apoio as
crianças do casal. Ainda neste contexto, existem viúvas que mesmo conhecendo-se ao acaso,
o facto de partilharem experiências de vida idênticas, torna-as mais próximas e solidárias,
podendo, daí formarem um grupo específico com características próprias.

21
Ver stock de conhecimento em Schutz, in: “Fenomenologia e relações sociais (textos escolhidos)”, Rio de Janeiro, Zahar, 1979.

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 56


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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5.1.3. - Perfil social de grupo baseado na manipulação de identidade


As nossas pesquisas de campo também identificaram que, existem indivíduos oportunistas
que se fazem passar por mendigos, através da manipulação da sua identidade. Tal
manipulação consiste em o indivíduo, apresentar determinadas características típicas dos
membros de um grupo social específico, que por sinal coincidem com a maioria dos
indivíduos que praticam a mendicidade, trajes corroídos com o tempo, cabelo desorganizado,
pés descalços ou sapatos cambados, confundindo-se com os verdadeiros mendigos, conforme
a nossa definição de mendigo no capítulo do enquadramento conceptual.

Trata-se de um grupo social que pode ser inserido na camada da população economicamente
activa, mas por razões diversas associadas a existência de indivíduos que respondem
positivamente aos peditórios de mendigos, estes indivíduos acabam-se integrando.

Na verdade, tais atitudes são propiciadas, devido a falta de rigidez nas regras de conduta, que
subjazem o sentido de pertença, permitindo a infiltração de oportunistas, que acabam
conseguindo receber os produtos e dinheiro da esmola, em detrimento daqueles que,
realmente são necessitados.

Segundo Hall (2000:13), a identidade social do sujeito é formada no processo de interacção


entre o indivíduo e a sociedade, donde o sujeito pode assumir identidades diferentes, em
diferentes momentos identificados, que não são unificados ao redor de um “eu” coerentes, isto
é, as identidades são manipuladas continuamente.

Neste caso, entrevistamos um dos indivíduos que apresentava uma aparência física que nada
tinha que o identificasse como mendigo, Moiana, 52 anos, residente no bairro de Chamanculo,
segundo a sua resposta sobre a razão da sua presença naquele grupo:

…meu senhor, eu não sou mendigo de verdade, mas nas sextas-feiras venho na
companhia do meu amigo Mário, para receber um pouco de dinheiro para as nossas
brincadeiras de fim-de-semana lá no bairro….quando agente não consegue dinheiro,
pelo menos conseguimos, pãezinhos que trocamos em dinheiro ou bebida na senhora
do bairro.

Outro entrevistado deste grupo, foi Mário de 56 anos, vizinho e amigo de Moiane,
igualmente, praticante oportunista da mendicidade, na baixa da cidade de Maputo:

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 57


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

…para conseguirmos a esmola dos patrões, temos que nos apresentar como os
outros membros do grupo, por isso que escolhemos este grupo, que tem algumas
pessoas da nossa idade, assim os monhés não conseguem nos deixar de lado…mas
quando chegarmos em casa mudamos de aspecto.

Estes depoimentos revelam a existência de um senso de oportunismo, nalgumas pessoas que,


aproveitando-se do infortúnio das outras, procuram tirar vantagens, manipulando as
identidades e partilhando determinadas características, sobretudo, regras de conduta do
mendigo, justificando a integração oportunista de indivíduos saudáveis e socialmente estáveis,
em detrimento daqueles que realmente vivem em situações precárias.

Com base nos relatos apresentados nesta parte do estudo, foi possível verificar que, a
manipulação de identidades por parte dos grupos de mendigos na sociedade, tem uma relação
com o meio em que se encontram, dependendo dos objectivos que pretendem alcançar.

O resultado da análise dos depoimentos obtidos sobre a manipulação de identidades, tem o


seu enquadramento na teoria sobre a manipulação da identidade social de Hall (2000)22,
segundo a qual, a identidade social do indivíduo, tem uma relação com a sociedade na qual se
encontra inserido no contexto da sua interacção social.

A identidade do indivíduo deve ser vista como algo formado no contexto das relações sociais
entre os indivíduos. A identidade pode sofrer mudanças permanentes no espaço e tempo onde
ocorre, contudo, deve-se ter em conta a questão do objectivo que promove tais mudanças
contínuas. Para o caso vertente do nosso estudo, considerando os depoimentos dos
entrevistados, existem evidências que nos levam a constatar que, a identidade social dos
grupos que praticam a mendicidade no espaço em que ela ocorre, é socialmente formada, por
isso que ela é sujeita a transformações constantes dos indivíduos ao longo de tempo.

22
Ver a obra de Hall, “A identidade cultural na pós-modernidade”, 4ª edição, DP&Editora, 2000.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

5.1.4. Perfil social do grupo baseado na estigmatização da deficiência


física e/ou visual
Outra tipologia de grupo que mereceu destaque, para a análise de perfil social neste estudo,
foi o grupo social de indivíduos portadores de deficiência física e/ou visual. Segundo a análise
de dados obtidos durante as entrevistas, permitiu-nos verificar que, este grupo social,
basicamente, é formado por indivíduos que tem em comum, determinadas características
físicas e/ou visuais anormais, que os torna estigmatizados no espaço social em que se
encontram integrados.

Existem, casos em que alguns destes grupos são abandonados do seio da família e uma vez
que não possuem recursos materiais e financeiros alternativos para a sua sobrevivência,
juntam-se em pequenos grupos, em lugares de maior movimento de pessoas e veículos, de
preferência na zona baixa da cidade de Maputo, acompanhados pelos familiares ou ajudantes
para pedir esmola.

A estigmatização que propicia a exclusão social dos grupos, acontece, quando determinadas
pessoas que apresentam características identitárias comuns, sofrem discriminação na
convivência social. Esta situação surge devido ao poder de imposição que o conjunto de
normas, valores e regras de conduta estabelecidos na sociedade, considerados normais,
exercem influência sobre a identidade social que as pessoas partilham no meio em que se
encontram inseridas. (Goffman, 1963:32).

No caso vertente do nosso estudo, com base nos dados recolhidos durante as entrevistas, foi
possível verificar que, as pessoas portadoras de deficiência física e/ou visual na cidade de
Maputo, tem uma forte tendência de se juntarem em grupos, com base na partilha da crença
da sua situação de deficiência física e/ou visual, que os torna sujeitos à discriminação social,
como pessoas que apresentam características diferentes daquelas que são socialmente
consideradas normais.

As identidades sociais se constroem, por integração e por diferenciação, com e


contra, por inclusão e por exclusão… (Pinto, 1991:219)

Para efeitos de entrevistas, contactamos, um grupo social de indivíduos portadores de


deficiência física, que se encontra regularmente na zona baixa da cidade de Maputo. São
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 59
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

indivíduos adultos, que apresentam, idades que variam dos 28 a 52 anos, que se dedicam a
prática da mendicidade. Eles têm em comum, além da deficiência física e/ou visual, que os
torna estigmatizados da convivência social e familiar, a partilham valores, hábitos e regras de
conduta que lhes dota de um sentido de pertença específico do grupo.

A maior desvantagem que tem na sua prática de mendicidade, nas sextas-feiras, é que devido
ao estado físico debilitado que apresentam não podem deambular em igualdade de condições
com outros grupos sociais, que podem correr de estabelecimento em estabelecimento para
receber algo para o auto-sustento familiar.

A análise de dados recolhidos, permitiu-nos constatar que, a formação do perfil social dos
grupos relacionados com a deficiência física, está subjacente na consciência que os seus
membros têm da sua situação de exclusão no meio em que vivem. A tendência destes grupos
estigmatizados, é de procurarem mostrar através de acções e práticas específicas no seu dia-a-
dia, que podem engajar-se na sociedade como pessoas que compartilham o seu estigma,
fazendo-o como um recurso em busca de estratégia de sobrevivência.

A estigmatização tem maior significado para os indivíduos estigmatizados, a partir


do momento em que, se verifica uma reacção positiva da parte de algumas pessoas
que compartilham o seu estigma, oferecendo recursos financeiros ou materiais, de
modo a satisfazer a expectativa desses indivíduos, contribuindo para a sua auto-
confiança e fortalecimento de espírito de solidariedade dos grupos. (Goffman,
1963:37).

A análise de dados, permitiu-nos, igualmente verificar que, o perfil social dos grupos na
mendicidade formados em função dos indivíduos estigmatizados na sociedade, pode advir de
determinadas práticas sociais, inseridas no âmbito de apoio individual ou colectivo sob forma
de solidariedade com estes grupos, acabando por influenciar na sua existência na sociedade.

Segundo depoimentos de alguns membros integrantes deste grupo social, é um facto


consensual a questão de estigmatização e exclusão social de que são alvos no meio da
convivência social, senão vejamos, os seguintes depoimentos:

Gabriel Mandlate, cego, 51 anos, residente no bairro da Machava-Trevo, com seu parceiro da
jornada do dia-a-dia, Boavida, 44 anos, também cego e deficiente físico, anda numa cadeira

Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 60


Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

de rodas, residente na Matola. Eles praticam a mendicidade, através da "mão estendida", com
vista a obtenção de algo material ou financeiro para a sua sobrevivência.

…preferimos estar juntos neste lugar, porque não estamos em condições de


concorrer com os outros, devido a velocidade que usam, para se deslocarem aos
estabelecimentos comerciais que oferecem alguma coisa…eles são rápidos a
chegarem a esses lugares, sobretudo os mais jovens.

Outro Depoimento do companheiro:

…sentimo-nos excluídos dos outros grupos, devido a nossa desvantagem física, por
isso que preferimos este lugar que, apesar de existirem oportunistas que nos
empurram…sempre conseguimos pouco dinheiro para calar comprar alguma coisa
para barriga.

Os depoimentos acima citados, tem mostrado evidência claras, de uma situação de


estigmatização e exclusão social a que está sujeito este grupo social no seu dia-a-dia, devido a
deficiência física e/ou visual que apresentam, entretanto, como forma de encontrar soluções
contra esta situação social, a semelhança de outros grupos sociais, cujo perfil social se forma a
partir de partilha de características comuns específicas próprias desses grupos, os indivíduos
portadores dessa deficiência física e/ou visual, obviamente, que não são excepção nessa forma
de se identificar na sociedade.

Entretanto, importa salientar que os factores económicos, sociais, políticos e culturais, que
exercem influência na formação do perfil social deste grupo, tem uma relação com a prática
da mendicidade na cidade de Maputo, sobretudo, na zona baixa da cidade onde convergem
pessoas de diferentes estratos sociais, devido ao seu potencial económico que apresenta.

A questão do perfil social dos indivíduos portadores de deficiência física e/ou visual pode
estar associada, também a factores da pobreza urbana, que afecta a maior parte da população
que vive nas zonas periféricas da cidade de Maputo.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

5.1.5. - Prática da mendicidade e sobrevivência


A prática da mendicidade na cidade de Maputo, tem uma forte relação, grosso modo, com a
pobreza financeira, assunto que não vai merecer atenção neste trabalho, contudo, falamos da
pobreza, vista sob uma perspectiva da sua construção social, associada a factores de exclusão
social, desestabilização social e desintegração social, conforme referem alguns estudos feitos
nesse sentido no País.

Segundo refere Serra (2000), no âmbito da perspectiva construtivista discutida neste trabalho,
sobre a precariedade social, o qual defende que a desintegração social, fragilidade nos laços
de solidariedade, desestabilização social, que leva os indivíduos a procurarem estratégias de
luta de sobrevivência, com recurso à mendicidade.

No contexto deste estudo, a análise de dados recolhidos, durante as entrevistas, revelam que
os diferentes grupos sociais que envolvem crianças e idosos na prática da mendicidade,
surgem como consequência da privação de recursos financeiros e materiais, facto que agudiza
o seu estado de vulnerabilidade, tornando os seus membros desvinculados da convivência
familiar e sua exclusão desse ambiente. E, uma vez que, tais grupos sociais se encontram
privados de recursos básicos, necessários para o auto-sustento, vêem na mendicidade uma
forma de sobrevivência.

Segundo depoimentos recolhidos no terreno, foi possível notar que, a prática da mendicidade
em grupos, é vista como uma das alternativas mais adequada, quando analisada sob o ponto
de vista de produto arrecadado pelos grupos em cada jornada na mendicidade.

Justino, 53 anos, residente no bairro de Urbanização, disse o seguinte:

…nós todos neste grupo somos provenientes no mesmo local de residência, o meu
sobrinho está neste grupo, usamos esta forma da mendicidade em grupo para
conseguirmos obter muita quantidade de pão e dinheiro dos “patrões23…

Outro entrevistado, foi Samito, 13 anos, estudante, residente no bairro de Urbanização:

23
Termo utilizado pelos mendigos, referindo-se aos proprietários dos estabelecimentos comerciais.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Sou estudante da 6ª classe, hoje faltei a escola, porque queria me juntar aos meus
primos para andarmos a pedir pãezinhos e moedas nos muçulmanos, aqui na
baixa…é que nas sextas-feiras, conseguimos boa colheita.

Marta, viúva, mãe de 4 filhos, residente no bairro Luis Cabral, disse que nas sextas-feiras leva
os filhos para a zona baixa da cidade, pedindo esmola:

Eu sou mãe e pai ao mesmo tempo destas crianças, a vida é muito cara não consigo
sustentá-las, por isso que venho com elas para aqui, a pedir esmola…existem dias
que conseguimos uma boa colecta, porque todos nós pertencemos a mesma família,
o produto fica acumulado para uns dois 2 ou 3 dias de alimentação.

Como se pode depreender através destes depoimentos, existem evidências que nos mostram a
existência de uma relação entre a prática da mendicidade e a necessidade de sobrevivência
dos diferentes grupos sociais na cidade de Maputo. Contudo, é preciso verificar que, tais
grupos não surgem por mero ao acaso, existem factores contextuais que determinam a sua
existência. Trata-se de grupos que apresentam dentro da sua estrutura, traços de solidariedade
comuns que identificam os seus membros, diferenciando-os dos outros grupos sociais, neste
caso, laços de solidariedade familiar e laços de solidariedade de vizinhança, transmitindo uma
ideia de proximidade baseada no lugar de proveniência, bairros periféricos da cidade de
Maputo, tais como, Xipamanine, Polana-Caniço, Maxaquene, Urbanizaçao e Machava.

Importa salientar que, a maioria dos indivíduos que integram estes grupos sociais, apresentam
na sua trajectória de vida, dados da sua zona de origem que é a zona rural de outras
províncias, que migraram para a cidade de Maputo a procura de melhores condições de vida.

Entretanto, os diferentes contextos de formação de perfil social de grupos, aqui analisados,


têm de facto enquadramento na teoria fenomenológica de Schutz (1979), segundo a qual, os
fenómenos sociais surgem como resultado da construção social dos seus próprios actores,
através de práticas do seu envolvimento no dia-a-dia no mundo da vida.

Com base nos dados obtidos nos depoimentos dos indivíduos entrevistados, o perfil social
desses grupos, processa-se no contexto da interacção social dos indivíduos, envolvendo
elementos cognitivos, que são os recursos que usam para se entenderem e serem entendidos
durante a prática da mendicidade.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

A consciência que os indivíduos têm da sua relação de proximidade subjacente nos laços de
solidariedade é guiada por um conjunto de experiencias de vida acumuladas, que se encontra
em cada indivíduo, sob uma forma de stock de conhecimento. A experiência de vida comuns
que indivíduos partilham nas suas relações, transmite-lhes um sentimento de pertença ao
grupo, baseada na compreensão intersubjectiva, obviando, por conseguinte a formação de
uma identidade social específica.

O perfil social dos diferentes grupos sociais analisado no contexto deste estudo, também pode
ser explicado, a partir da privação dos indivíduos de recursos financeiros e materiais,
associados a fragilidade de políticas de assistência sociais adequadas, sentirem a necessidade
de se juntarem, solidarizando-se da sua situaçao de carenciados, partilhando determinados
valores, normas e regras de conduta comuns, incutindo um sentimento de pertença de grupo,
socialmente construídos, para praticarem de forma regular e sistemática a mendicidade, com
vista a satisfação de certos objectivos materiais e/ou financeiros.

Segundo Schutz,

Na vida os indivíduos se relacionam com os objectos, em função das experiencias


significativas, que são sempre vividas de forma subjectiva. Esta intersubjectividade
é que permite a reciprocidade da compreensão entre os indivíduos que integram os
grupos sociais, bem como as relações de comunicação através da compartilha de
símbolos e signos comuns, e, a troca de experiencias subjectivas. ( Schutz, 1979).

Segundo a teoria apresentada, a prática da mendicidade pelos diferentes grupos sociais neste
espaço da cidade, pode ter a sua origem, no conjunto de procedimentos e formas de agir, que
tem uma sequência uniforme e dotado de uma compreensão intersubjectiva, independente das
particularidades dos indivíduos que a realiza, uma vez consciente do seu sentido de pertença e
solidariedade ao grupo, focalizado para os objectivos do grupo na sua estratégia de luta de
sobrevivência.

Outra natureza de dados, apurados, tem a ver com a observação directa e não participante,
feita no campo deste estudo. Tal observação, permitiu-nos constatar que, o estado físico
debilitado e precário que os diferentes indivíduos que integram estes grupos apresentam, é
comum e uniforme para a maioria dos membros destes grupos sociais.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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Com isso, queremos dizer que, existem dados que, para além de nos serem facultados pelos
entrevistados, tivemos a possibilidade de observar, directamente, durante um período de cerca
de quatro semanas, cujo objectivo era de nos facilitar, apurar características ou traços
identitários externos comuns dos indivíduos dos grupos sociais, que constituíssem o nosso
grupo alvo. Assim, a existência de regularidade e uniformidade que os grupos sociais
apresentavam nos seus membros, facilitou-nos a escolha da amostra para a realização das
entrevistas.

Portanto, com base nos dados obtidos, analisamos, se na verdade os diferentes traços comuns,
compartilhados e vivenciados pelos indivíduos integrantes nos grupos sociais, tais como,
valores, normas e regras de conduta, consciência do sentido de pertença, solidariedade nos
laços familiar e de vizinhança, viuvez e orfandade, indicando ideia de proximidade afectiva,
influenciam na formação do perfil social de grupos sociais da mendicidade, de modo a
confirmar ou rechaçar as nossas hipóteses neste trabalho.

Nalguns casos, a formação do perfil social dos grupos advêm do sentido de grau de
consciência que cada indivíduo tem sobre a necessidade da filiação no grupo, a partir da
compartilha de determinados valores, normas e regras de conduta que identificam um grupo
social da mendicidade.

No nosso estudo, procuramos a partir dos depoimentos recolhidos dos diversos entrevistados
que integram os grupos sociais da nossa amostra, descrever e analisar aspectos relacionados
com o perfil social dos grupos que praticam a mendicidade na cidade de Maputo. Do nosso
universo da amostra, constatamos que nas entrevistas realizadas 14 indivíduos pertecentes a 7
grupos sociais dos quais 13 indivíduos de sexo masculino e 1 indivíduo de sexo feminino
apresentaram respostas directas que correspondiam com o objectivo da nossa análise. E, os
restantes 2 indivíduos partilharam com as respostas dadas pelos cônjuges

Com base na pesquisa constatamos que no nosso modelo de análise, a variável perfil social
dos grupos tem uma certa dependência da sua formação a partir da variável laços de
solidariedade, uma vez que o perfil social segundo a análise feita pode resultar da
compreensão intersubjectiva que os indivíduos que integram os grupos sociais têm sobre a sua
filiação num determinado grupo social específico, facto que torna o estabelecimento da
coesão dentro grupo e a consciência das práticas num espaço e tempo determinados.
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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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CONCLUSÃO
O nosso estudo surgiu da necessidade de analisar a mendicidade, de modo a preencher a
lacuna existente nos diferentes trabalhos empíricos já existentes. O nosso enfoque foi centrado
na análise do perfil social dos diferentes grupos sociais da mendicidade na cidade de Maputo.

Para a orientação teórica deste trabalho, recorremos a teoria fenomenológica de Schutz e


associamo-la ao método fenomenológico de Berger & Luckmann sobre a construção social da
realidade e método hipotético-dedutivo, de modo a permitir-nos a recolha e análise de dados
obtidos nas pesquisas realizadas, durante o nosso trabalho de campo.

O nosso estudo foi levado a cabo, objectivado na busca da resposta da nossa questão de
partida, visando a confirmação ou infirmação das hipóteses formuladas para o efeito. O
trabalho realizado no campo permitiu-nos constatar que, a maior parte das pessoas que
partilham determinados traços específicos, tais como, laços de solidariedade familiar afectiva,
de vizinhança ou sentido de pertença a um grupo social da mendicidade específico,
independentemente da deficiência física e/ou visual, tem uma tendência de se juntar em grupo
social específico.

Para o efeito os indivíduos partilham determinadas características, que lhes são comuns e
próprias de cada grupo na sua acção prática do dia-a-dia, tais como valores, normas e regras
de conduta, laços de solidariedade familiar ou de vizinhança e lugares de proveniência,
conferindo aos indivíduos, um sentido de pertença do grupo.

As solidariedades que se criam através dos hábitos e regras de conduta comuns, produzidos a
partir das práticas sociais, são pontos fundamentais do sentido de proximidade e unidade para
a formação do perfil social dos grupos praticantes da mendicidade.

Considerando os dados analisados neste trabalho, podemos estabelecer uma relação intrínseca
entre o nosso objecto de estudo, perfil social dos diferentes grupos na mendicidade, e, a teoria
fenomenológica, segundo a qual, os indivíduos interpretam e compreendem os sentidos e
significados das suas práticas no mundo que os rodeia, recorrendo ao estoque de
conhecimento, para orientar as suas acções do quotidiano, permitindo-lhes situar-se e
interagir, adequadamente, no espaço e tempo determinados, (Schutz, 1979).

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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Com base nesta orientação teórica da fenomenologia, que se ocupa de tudo o que seja
realidade socialmente produzido e partilhada, centrando a sua atenção nos detalhes,
supostamente insignificantes da vida quotidiana, pensamos que, o estudo do perfil social
destes grupos, tem o seu enquadramento, desde que, analisado do ponto de vista de partilha de
características comuns e sua interpretação pelas pessoas que integram os próprios grupos
sociais, na sua acção do dia-a-dia, de modo a atribuir um significado objectivo.

Em nosso entender, a compreensão da mendicidade deve, sem descurar outras alternativas,


grosso modo, passar necessariamente pela análise sociológica da solidariedade dos laços
existentes entre os indivíduos que partilham hábitos e regras de conduta comuns, a partir de
uma consciência assente nas suas histórias de vida susceptíveis de serem localizadas no tempo
e espaço.

Tendo o nosso estudo focalizado-se na análise do perfil social dos grupos na mendicidade na
cidade de Maputo, o guião das entrevistas foi feito no sentido de captar a percepção que os
indivíduos envolvidos na mendicidade tem sobre a sua filiação num grupo social específico e
as suas motivações para a consciência do seu sentido de pertença ao grupo.

No nosso guião de perguntas priorizamos a colocação de questões aos indivíduos dos


diferentes grupos sociais que praticam a mendicidade em torno de 2 variáveis do nosso
modelo de análise, a formação de perfil social dos grupos e sua relação com a existência da
partilha de determinados laços de solidariedade comuns dentro dos grupos sociais específicos.

De acordo com os dados obtidos no quadro da nossa amostra, o nível de respostas obtido nas
entrevistas realizadas, permitiu-nos constatar que 87.5% dos indivíduos entrevistados deram
respostas compatíveis com as hipóteses formuladas na nossa questão de partida, segundo a
qual a formação do perfil social dos grupos depende da partilha de laços comuns entre os
indivíduos de um grupo social específico e os restantes 12.5% corresponderam ao nível de
respostas esperadas no quadro do nosso guião de entrevistas.

Com esta constatação, pensamos ter conseguido alcançar o nosso objectivo neste trabalho,
estabelecer a correlação da nossa questão de partida com a confirmação das nossas duas
hipóteses, segundo as quais, quanto mais os indivíduos forem influenciados por laços de
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solidariedade familiar, deficiência física e/ou visual, vizinhança, partilha dos mesmos valores,
normas e regras de conduta comuns, sentido de pertença, maior é a tendência para formarem
grupos específicos da prática da mendicidade, na base das categorias como sexo e idade.

E a outra de que, quanto maior for a privação de recursos financeiros e materiais, maior é a
tendência dos indivíduos juntarem-se em grupos específicos que encontram na mendicidade
uma estratégia de sobrevivência, considerando que, indivíduos que estão desprovidos de
recursos básicos para a sua sobrevivência, procuram, estratégias comuns de sobrevivência no
espaço em que se encontram situados.

Sendo assim, podemos afirmar que, existe uma ligação entre a questão de partida, os
objectivos geral e específicos e as hipóteses do nosso trabalho. Nesse âmbito, esperamos que
este trabalho, venha a dar um contributo nos trabalhos futuros, bem como servir de material
de consulta bibliográfica no campo da sociologia.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

ANEXOS

Guião de perguntas para entrevista


a) - Dados

- Nome fictício (facultativo)

- Estado Civil (casado(a)/solteiro(a)/divorciado(a), viúvo(a)

- Zona de Origem / Naturalidade

- Local de Residência

- Última Profissão Exercida / Ocupação / Nível de Escolaridade

- Espaço / Zona Onde Mendiga

Objectivo: Conhecimento geral dos indivíduos. Possibilidade de encontrar traços ou


características comuns determinantes para a formação dos grupos sociais.

1 - Há quanto tempo pratica a mendicidade?

2 - O que o levou a optar por esta prática? (captar se alguém influenciou? Quando iniciou?

3 - A mendicidade que pratica é de todos os dias ou somente das sextas-feiras?

(Se for das sextas-feiras, porquê das sextas-feiras e não de todos os dias?)

4 - O que o levou a envolver-se na prática da mendicidade?

5 - Quantas pessoas na sua família praticam a mendicidade?

6 - Porque é que optou pela zona baixa da cidade para pedir esmola e não outro local?

7 - Para além da mendicidade, que outra actividade faz na tua vida quotidiana?

Objectivo: Possibilidade de estimar o tempo em que os grupos estão envolvidos na


mendicidade, justamente na zona baixa da cidade de Maputo.

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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b) – Mendicidade na cidade de Maputo

8 - Pode nos contar como é que se integrou neste grupo para se dedicar a mendicidade?

9 - Qual é a sua relação com os outros membros do grupo?

10 - Quais os requisitos para se tornar membro?

11 - O que o levou a escolher este grupo (Bairro Central, Zona baixa da Cidade de Maputo) e
não outro que está, por exemplo, no Bairro de Xipamanine ou Alto-Maé?

12 - Existe um líder do grupo? Qual é o papel de cada membro?

13 - Há partilha do produto final?

14 - Há conflitos? De que natureza?

15 - Quais as normas do grupo social?

Objectivo: Possibilidade de encontrar aspectos comuns em termos de motivações para


integração num determinado grupo social.

16 - O que é que acha da atitude dos ofertantes (muçulmanos proprietários dos


estabelecimentos comerciais), tem sido solidários ou não?

17 - Durante as vossas deambulações por este lugar, como é que identificam os


estabelecimentos comerciais alvos que dão ofertório nas sextas-feiras?

18 - Em frente aos portões dos estabelecimentos comerciais, temos visto diferentes grupos,
sendo grupos de crianças de ambos os sexos e grupos de adultos e idosos igualmente de
ambos os sexos, pode nos dizer como é que se processa a sua formação?

Objectivo: Possibilidade de identificar outros aspectos relevantes, que podem influenciar


para a formação dos grupos sociais, além das categorias de sexo e idade.

19. Qual é a finalidade do produto arrecadado?

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

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20. O produto arrecadado satisfaz as suas necessidades básicas e da família?

21. Se sim, de que forma?

22. Quantos membros compõem o seu agregado familiar? E quais a suas ocupações?

23. Desse número, quantos praticam a mendicidade?

25. E os que não mendigam, solidarizam-se com essa prática pelos membros da família?

Objectivo: Possibilidades de existirem aspectos que influenciam a formação de


grupos sociais da mendicidade a partir do ambiente familiar.

c) - Perguntas dirigidas para pessoas que manipulam a identidade para se integrar nos
grupos sociais da mendicidade.

26. Há quanto tempo é que pratica a mendicidade? E porquê escolheu este grupo?

27. Que tipo de relações tem com os outros membros do grupo em que está integrado?

28. Para além da mendicidade, qual tem sido o seu dia-a-dia junto aos seus amigos?

29. O seu aspecto físico não justifica a sua presença neste grupo, quais são as outras técnicas
que utilizou para se integrar no grupo?

30. Qual tem sido a reacção dos outros membros do grupo, com a sua presença?

Objectivo: Possibilidade de encontrar aspectos que contribuem para a integração dos


indivíduos nos grupos sociais da mendicidade, a partir da manipulação de identidade.

31. Com quem vive?

32. Há quanto tempo é portador(a) de deficiência física?

33. Alguma vez beneficiou de apoio no âmbito da acção social do Governo?


(se sim, que tipo de apoio?)

34. Tem recebido algum apoio dos familiares? Caso não, explique porquê?

35. Que relação de parentesco existe com a pessoa que tem empurrado a carrinha?

36. Existe alguma compensação monetária por esta ajuda? (se sim, explique como é feita?)

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Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo

Fermino José Mujovo

Objectivo: Possibilidade de encontrar aspectos que podem nos levar a associar a


partilha de traços comuns para a formação do grupo social.
Guião de Perguntas para histórias de vida direccionadas aos mendigos.
1.Como se tornou mendigo (identificar circunstâncias que influenciaram)?
2. Como vive e vivencia essa mendicidade?
3. O que pensa das pessoas a sua volta?
4. Acha que a mendicidade resolve os problemas que te afectam?
5. O que acha que o governo deve fazer para mitigar a situaçao?

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