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DECLARAÇÃO DE HONRA ................................................................................................................... 4
DEDICATÓRIA..................................................................................................................................... 5
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................ 6
RESUMO ............................................................................................................................................ 7
ABSTRACT .......................................................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................10
CAPITULO 1.......................................................................................................................................14
DELIMITAÇÃO DO TEMA................................................................................................................14
CAPITULO 2.......................................................................................................................................17
Justificativa ...................................................................................................................................24
CAPITULO 3.......................................................................................................................................27
CAPÍTULO 4.......................................................................................................................................41
METODOLOGIA .............................................................................................................................41
CAPÍTULO 5.......................................................................................................................................46
5.1.4. Perfil social do grupo baseado na estigmatização da deficiência física e/ou visual ...............59
CONCLUSÃO .....................................................................................................................................66
7. BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................................69
ANEXOS ............................................................................................................................................72
DECLARAÇÃO DE HONRA
Declaro que o presente trabalho de fim de curso, nunca foi apresentado, na sua essência, em nenhuma
instituição de ensino, como uma dissertação para obtenção de qualquer grau académico, e que este
constitui o resultado da minha investigação pessoal, estando indicadas no texto e na bibliografia as
fontes por mim utilizadas.
_____________________________
Fermino José Mujovo
DEDICATÓRIA
Para começar, dedico este trabalho à minha mãe devido a oportunidade que tem de testemunhar este
acto. Foi desta mãe que eu vim a este mundo, no qual hoje alcanço mais um dos meus objectivos da
minha vida. Dedico, igualmente, este trabalho, em especial a minha esposa Regina Simbine e meus
filhos Júnior e Milena, por muitas noites passadas sem o meu amor e carinho que qualquer criança sua
idade merece de um pai.
A minha dedicatória é extensiva também para todos aqueles que se sacrificam quer faça chuva quer
faça frio e ventania em busca da sua felicidade.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço à minha família que me deu forças para que se materializasse este
projecto. Em seguida, os meus inolvidáveis agradecimentos são para a minha supervisora, Dr.ª Rehana
Capurchande, que me encorajou a enfrentar este desafio, procurando na medida do possível,
disponibilidade necessária para me apoiar na execução da minha dissertação.
Agradeço de forma renovada a atenção e palavras de encorajamento dadas pela Dr.ª Judite
Chipenembe, no momento em que começava a pensar em desistir do tema.
Os meus agradecimentos são extensivos ao Dr. Baltazar Muianga, docente da cadeira de Seminário de
Orientação no 1º semestre do 4º ano do curso de Sociologia, que me incentivou a abraçar o tema
durante o projecto.
Não me esqueço dos meus colegas de curso Adriano Nhamutoco, Salvador Matlombe, Hermenegildo
Cossa, Apolinário Mabote e Virgílio Manhenge, que compartilharam comigo e ajudaram-me a
ultrapassar as dificuldades que enfrentava durante o curso.
Agradeço, igualmente, a todos os demais amigos que directa ou indirectamente de forma solidária e
positiva, influenciaram para a materialização deste trabalho.
RESUMO
O presente trabalho, busca analisar o perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo,
fundamentada na análise interpretativa das características comuns, partilhadas no seio dos grupos
dentro das suas práticas do dia-a-dia, com recurso a teoria fenomenológica, utilizando o modelo de
análise qualitativa, subjacente nos métodos hipotético-dedutivo e fenomenológico, para explicar de
forma objectiva essa realidade social.
Com base em pesquisas empíricas levadas a cabo, na zona baixa da cidade de Maputo, abrangendo um
grupo alvo composto por crianças e idosos, de ambos os sexos, verificamos que, factores como
pobreza, estigmatização e exclusão social, manipulação de identidade social, têm contribuído para a
existência dos diferentes grupos sociais, maioritariamente constituídos por indivíduos provenientes
dos bairros periféricos da cidade, que se deslocam a este local, recorrendo a mendicidade, com vista a
conseguir algo para o auto sustento familiar.
A análise e interpretação dos dados recolhidos com base nas histórias de vida e observação não
participante, com recurso ao modelo de análise qualitativa, permitiu-nos concluir que, existe uma
relação intrínseca entre a prática recursiva da mendicidade e o perfil social dos grupos que se forma, a
partir da compreensão intersubjectiva dos laços de solidariedade comuns vividos pelos seus membros,
bem como a existência de uma forte tendência que os indivíduos privados de recursos financeiros e/ou
para a satisfação das suas necessidades básicas, tem de se juntarem em grupos específicos para a
prática da mendicidade na cidade de Maputo.
ABSTRACT
This work consist of analyzing the social identity of different groups in the mendicancy in the city of
Maputo, based on descriptive and interpretative analysis of the commons attributes, shared into the
groups during their daily practices, under the phenomenological theory, using the qualitative model,
focused in the hypothetic-deductive and phenomenological methods to explain the objective form for
this social phenomenon.
Under the empirical researches realized, at the place called “zona baixa” in the City of Maputo,
involving a target group constituted by children olds, covering both sex, we have verified that, factors
like poverty, stigmatization, social exclusion, social identity manipulating, have contributing for the
emergence of different categories of social groups in the mendicancy, where most of them, involves
people from the suburbs around the city, who look for something to survival in the context of family.
The analysis and interpretation of the collected data from the stories of life and non-participative
observation underlying in the qualitative analysis design, it took us to establish, the existence of
intrinsic relationship between the recursive practice of mendicancy and the social identity of groups
which its constitution is strongly influenced through the intersubjective comprehension of commons
solidarity bonds live among the members, as well the existence of strong tendency of the people with
deprived of financial and/or material resources for satisfying their basics needs, have had to assemble
in specifics socials groups to be involved in the mendicancy practice in the city of Maputo.
Siglas e Abreviaturas
INTRODUÇÃO
A mendicidade em Moçambique, constitui um problema para a sociedade, e com maior
enfoque nas cidades. Trata-se de um fenómeno que se caracteriza, normalmente, pela mão
estendida dos indivíduos, que compõem diferentes grupos sociais, desde os idosos, mulheres
e, actualmente crianças que deambulam pelas artérias principais da cidade, de preferência nas
sextas-feiras, pedindo esmola para a sua sobrevivência.
O nosso objectivo neste trabalho, é analisar o perfil social dos grupos sociais na mendicidade,
a partir da observação não participante de um conjunto de característica comuns, partilhadas,
pelos diferentes grupos no seu dia-a-dia, num determinado espaço e tempo socialmente
situados, com vista a atingir um determinado fim.
A estratégia da elaboração do nosso trabalho, para analisar esse perfil social, está subjacente
no estudo das características comuns, partilhadas por estes grupos sociais, cuja maioria reside
nas zonas periféricas da cidade. A escolha destes grupos sociais, para análise do perfil social,
tem em vista ajudar-nos, a compreender a sua influência na formação dos diferentes grupos
sociais envolvidos nessa prática.
Para melhor contextualização do nosso tema, iremos numa primeira fase analisar os possíveis
factores estruturais e conjunturais, que determinam o surgimento dos diferentes grupos sociais
na mendicidade. Nesse sentido, olhando para a dimensão sociológica, factores tais como,
pobreza associados a exclusão social, acusação de feitiçaria e desintegração da convivência
familiar dos indivíduos, propiciando o carácter dos indivíduos desfavorecidos, podem
concorrer para o abandono e marginalização dos indivíduos do ambiente familiar.
Para o efeito, basta olharmos para a pobreza como um fenómeno, que se resume na falta de
acesso aos recursos materiais e financeiros básicos, bem como a não participação, num
conjunto de relações sociais, vida familiar e outro tipo de relações de amizade, e, a influência
que exclusão social tem no sentimento de pertença dos indivíduos.
naturais, entre outros, que devastaram a economia do país, tornando os indivíduos do campo
carenciados, e, como forma de procurar mecanismos de sobrevivência migram para a cidade.
Conforme observa Singer (s/d: 46), os migrantes que não conseguem se integrar na economia
urbana, nomeadamente, nos Países com baixo nível de desenvolvimento económico e com
fracas infra-estruturas para responder a demanda de emprego, procuram alternativas na
cidade, certos traços de economia de subsistência sob forma de actividades autónoma. No
caso concreto de serviços informais, tais como, vendedores ambulantes, carregadores,
serviços de reparação, práticas alternativas de sobrevivência, mendicidade. Estas actividades,
embora sejam desenvolvidas no âmbito especial da cidade, elas não se acham integradas na
economia.
Estas migrações surgem como resultado de causas estruturais, em que as pessoas que migram
não conseguem se integrar nas actividades económicas nos centros urbanos, ficando, desse
modo, numa situação de marginalização urbana, facto que os leva a procurarem formas
alternativas de sobrevivência, com recurso a actividades autónomas, tais como, vendedores
ambulantes, carregadores, polidores de carros, serviços de manutenção, incluindo a
mendicidade.
A pobreza urbana, geralmente, tem sido acompanhada da crise rural, partindo do princípio de
que a zona rural constitui a alavanca de crescimento industrial nas cidades. E, uma vez que, o
crescimento industrial não consegue dar resposta ao elevado número de pessoas que
abandonam o espaço rural, a procura de melhores condições de vida, acaba tornando-se um
factor determinante para a formação de diferentes grupos da mendicidade. Segundo observa
Segundo Park (1991:38):
Neste caso, os migrantes que não tiverem inserção no mercado económico e político de
urbanização, procuram formas alternativas de sobrevivência, sendo a mendicidade uma
evidência dessa estratégia.
De um modo geral, podemos dizer que, a conjugação destes factores todos associados as
oportunidades de vida, fazem com que se desenvolvam os diferentes grupos sociais da
mendicidade dentro da sua estratégia de luta de sobrevivência.
A apresentação desta estrutura, tem em vista tornar, o nosso fio de pensamento sobre o tema
que nos propomos transmitir, mais compreensível e facilitar a sua contextualização do ponto
de vista teórico e prático.
CAPITULO 1
DELIMITAÇÃO DO TEMA
Nesta parte do trabalho, vamos fazer a delimitação do tema, começando por explicar como é
que se manifesta o fenómeno da mendicidade, a nível do mundo, e, culminaremos com a sua
manifestação no contexto do país, de modo a permitir-nos contextualizá-lo ao nosso objecto
do estudo “O perfil social dos grupos da mendicidade na cidade de Maputo”.
A mendicidade, é um problema que a nível mundial, afecta a matriz social dos grandes
centros urbanos. Para o efeito, basta nos recordarmos das cidades de maior concentração
populacional, tais como, Chicago, Lisboa, Joanesburgo, S.Paulo, entre outras. Nestas cidades,
à semelhança da cidade de Maputo, o fenómeno da mendicidade constitui uma das
características do seu quotidiano, apresentando mendigos de diferentes categoriais sociais,
que no dia-a-dia, deambulam pelas principais artérias, em busca de algo para sobrevivência.
Este fenómeno, analisado, à luz de uma perspectiva sociológica 3, pode ter como causas da sua
origem, factores da pobreza, exclusão social e desintegração dos laços sociais das estruturas
familiares. Como fenómeno que resulta da exclusão social, pode estar associado na carência
social, marginalização, dependência e incapacidade de participar na vida activa da sociedade,
devido a deficiência física, incluindo a educação e a informação.
Em traços gerais, podemos assumir que, são os factores económicos, sociais e políticos que,
directa ou indirectamente influenciam para a ocorrência da mendicidade no mundo, e a cidade
1
Ver capítulo da definição do problema, no qual analisamos diversos estudos empíricos, realizados em Moçambique.
2
Factores que foram melhor desenvolvidos e explicados na página da introdução, pobreza urbana.
3
Ver as percepções dos diferentes autores no capítulo da revisão bibliográfica sobre o fenómeno
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 14
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
Para melhor delimitação deste tema, importa referir que, embora a mendicidade se manifeste
em todas as artérias principais da cidade de Maputo, o enfoque do nosso estudo, estará
centrado na análise do perfil social dos grupos que praticam a mendicidade na cidade de
Maputo, na zona baixa da cidade, com ênfase nas sextas-feiras de cada semana.
A escolha desta parte da cidade de Maputo, tem a ver com o facto de, ser um lugar
privilegiado por um elevado número de pessoas de diferentes camadas sociais carenciadas e
vulneráveis, que no seu quotidiano, se dedica a prática da mendicidade, como uma estratégia
de sobrevivência.
O grupo alvo para objecto da nossa análise, serão os grupos sociais, constituídos por crianças
órfãs sem qualquer renda ou assistência para a sua sobrevivência, com idades compreendidas
entre 8 a 14 anos e idosos com falta de qualquer assistência social, com idades não inferior a
49 anos, de ambos os sexos que praticam a mendicidade na zona baixa da cidade de Maputo.
Outros aspectos que achamos relevantes, para a escolha deste lugar para objecto de estudo,
são o carácter sistemático e regular da existência dos diferentes grupos sociais, facto que nos
facilitou a realização das nossas pesquisas durante a selecção das amostras, dos grupos alvos
para a nossa análise no trabalho de campo.
Outra razão que tornou este lugar, como prioridade do nosso estudo, é o elevado índice de
concentração de empresas e estabelecimentos comerciais, que absorvem muita massa laboral,
grupo alvo dos mendigos, daí constituir o principal foco de concentração dos praticantes.
4
Estes estudos são objecto de análise no capítulo 2 do problema
se encontra dentro da cidade Maputo. O período das sextas-feiras sem descurar o quotidiano
é, igualmente, relevante porque se trata de um dia de semana, em que se verifica um número
elevado dos grupos sociais regulares e uniformes da mendicidade, deambulando naquele lugar
a procura de esmola, para a sua sobrevivência.
CAPITULO 2
Revisão da literatura
Neste sub-capitulo vamos fazer a revisão de literatura, a partir da análise de alguns estudos
empíricos realizados, cujo enfoque, é agregado em duas perspectivas de abordagem sobre o
tema, nomeadamente, a perspectiva de acção interventiva e a perspectiva construtivista na
vertente sociológica.
Um estudo realizado pelo ISCP (2006), envolvendo, os sem-abrigo, camada social que
envolve mendigos e grupos marginalizados e desprotegidos teve a sua incidência nas práticas
sociais do dia-a-dia de mendigos sem qualquer tipo de protecção social.
O objectivo deste trabalho, a partir da explicação do fenómeno, tinha em vista, trazer uma
contribuição para a definição de políticas sociais e estratégias, para a assistência ou protecção
deste grupo social, por parte do Governo e instituições privadas. O estudo concluiu que,
durante a actividade sistemática e permanente dos indivíduos na mendicidade, estes mesmos
indivíduos são levados para uma situação de acomodação e conformismo, na prática da
mendicidade no seu quotidiano, acabando por influenciar para a perpetuação deste fenómeno
nas cidades. Um indivíduo estará numa situação de acomodação, se durante o tempo, em que recebe
apoio social não consegue encontrar emprego, e, não mostra evidências de mudanças na sua atitude,
ISCP (1996:30).
Outra pesquisa que mereceu destaque nesta perspectiva, foi feita por Nhampoca (2003), sobre
a integração social do idoso, na cidade da Beira, o qual se focalizou na análise da situação de
exclusão e desintegração social do idoso na sociedade. A pesquisa, procurou analisar os
factores que influenciavam para a desintegração social e marginalização associada a
fragilidade do desempenho do papel do idoso no seio familiar e da comunidade. Gostaríamos
que este estudo, fosse um contributo para a área das ciências sociais, em geral e para a sociologia
urbana, em particular, tendo em vista, o melhoramento das políticas sociais inerentes ao idoso em
Moçambique. (Nhampoca 2003:3)
A investigação, concluiu que, a situação precária social a que o idoso está exposto, resultava
de um conjunto de factores sociais intrinsecamente relacionados entre si, tais como, abandono
pela família, acusação de feitiçaria e fragilidade económica e financeira, agravada pela falta
de definição clara de política de protecção social que sirvam de um instrumento, para a
protecção e assistência social. Essa situação exerce uma certa influência para que o idoso,
recorra a prática da mendicidade nas ruas da cidade, no âmbito da sua estratégia de luta de
sobrevivência, apesar de tal comportamento ser condenado pela sociedade.
Portanto, com vista a mitigação desta situação de precariedade social do idoso, o estudo
recomenda, a necessidade de intervenção do Governo e de instituições privadas, através das
acções concretas na definição de políticas de protecção social.
Este trabalho, envolveu todos os grupos sociais, que se encontram em três cidades do país,
nomeadamente, Maputo, Beira e Tete, com o objectivo principal de analisar a vertente
quantitativa e qualitativa da mendicidade, a partir da interpretação e descrição dos dados
estatísticos recolhidos. O trabalho de pesquisa desenvolvido neste estudo, buscava
compreender o fenómeno, de modo a permitir a definição de possíveis estratégias para a
redução ou estabelecimento de mecanismos de controlo sobre as tendências do fenómeno em
Moçambique. Todo o conjunto de medidas que foram tomadas, visando a eliminação total da
mendicidade, entanto que tal, não encontrarão facilidades para alcançar os seus objectivos. (Meneses
& Lourenço 2000:1)
Nesta pesquisa concluiu-se que, as causas da mendicidade nas três cidades, tem a ver com os
factores conjunturais de natureza económica, política e social. Se olharmos para o eixo de
análise destas três abordagens, podemos, perceber que a prática sistemática e viciosa da
mendicidade pelos diferentes grupos sociais, pode ser influenciada pela acomodação e
conformismo de seus actores dentro dessas três cidades.
Não obstante, concordarmos com a posição e fundamentos apresentados pelos autores, nas
conclusões obtidas nos estudos, tomando em consideração que, os estudos centraram-se na
análise das possíveis causas que levam estes grupos sociais a situação de vulnerabilidade,
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 19
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
facto que contribui para a definição de novas formas de protecção social e assistência social
para este grupo de desfavorecidos. Em termos de objectividade, julgamos que a análise feita
nestes estudos é pertinente, tendo em conta que, todos os autores procuraram nos grupos
sociais vulneráveis, as possíveis causas da sua desintegração social, e, consequente recurso à
mendicidade.
Entretanto, em nosso entender, apesar da pertinência da análise que fazem sobre o fenómeno,
porém, tais estudos descuram a análise do perfil social desses grupos praticantes da
mendicidade, uma vez ser relevante para trazer novas percepções do fenómeno da
mendicidade na sua dimensão alargada.
No quadro desta perspectiva, a nossa análise sobre a mendicidade, será com base em estudos
empíricos existentes, realizados em diferentes cidades deste país, com enfoque para
determinadas práticas sociais do quotidiano, relacionadas com este fenómeno.
Para Serra (2003), a mendicidade é um fenómeno, que surge como consequência de ausência
de estabilidade social, caracterizada pela fragilidade e desintegração social, bem como de
factores económicos, políticos e sociais dos indivíduos envolvidos na prática da mendicidade.
A mendicidade é um fenómeno que resulta da insegurança individual e desintegração social
exacerbada, associada á precariedade social, que é praticada numa estratégia de sobrevivência,
(Serra 2003:2).
A explicação sociológica que o autor apresenta, tem a sua essência na análise compreensiva
da construção dessa precariedade social, com ênfase nas causas que determinam essa
precariedade. A análise deste autor, sobre a mendicidade, encontra enquadramento no campo
da perspectiva construtivista da nossa abordagem, tendo em conta a maneira como explica, de
ponto de vista sociológico, as diferentes situações a que os indivíduos vulneráveis estão
sujeitos na sociedade.
Entretanto, apesar de concordarmos com a abordagem deste autor, todavia, a sua análise não
apresenta aspectos ligados a análise do perfil social dos diferentes grupos envolvidos na
mendicidade, tratando-se de actores principais do fenómeno, pois isso, julgamos que, poderia
contribuir para compreensão da mendicidade na vertente dos seus praticantes.
Outra pesquisa, que achamos pertinente trazer para sustentar a nossa base de análise neste
capítulo, trata-se de Capurchande (2004)5, que na sua análise, buscou mostrar como é que a
mendicidade de sextas-feiras na cidade de Maputo, é socialmente construída, a partir dos
actores que intervêm na sua acção.
construída socialmente, prende-se, em analisar, como determinadas práticas sociais, tornam visível
um determinado de mendicidade, a “mendicidade de sextas-feiras. (Capurchande 2004:16)
Neste estudo, a autora estuda a mendicidade, partindo do princípio de que, existe uma ligação
entre a mendicidade de sextas-feiras e a caridade islâmica, que se exerce, precisamente nesse
dia, facto que, contribui para uma forma específica de pobreza. Para a autora, este tipo de
mendicidade, surge, como resultado da construção social dos indivíduos que a praticam, e,
tem uma relação de existência social, com a acção de ofertório dos praticantes da religião
islâmica, como forma de cumprir com os mandamentos do islão.
Outra abordagem que trazemos no quadro desta perspectiva construtivista, está inserida num
estudo de Aquimo (2001)6, no qual o autor, busca compreender as motivações da mendicidade
no dia-a-dia dos indivíduos, na cidade de Nampula, a partir da análise do seu comportamento,
durante o acto de pedir esmola. O estudo deste autor, conclui que, à semelhança dos outros,
aqui apresentados, a falta de acesso aos bens essenciais e indispensáveis para a vida dos
indivíduos, agravado pelo rompimento dos vínculos nas estruturas familiares, podem serem
factores preponderantes, que influenciam para que os indivíduos recorram a mendicidade na
cidade de Nampula. A mendicidade é uma consequência de fragmentação das redes integracionais
de vida dos indivíduos, no acesso aos bens essenciais, que os leva a mendicidade na promessa de
algo, para sua sobrevivência dentro dos interstícios da sociedade de bem-estar. (Aquimo, 2001:2).
6
Ver Aquimo, L (2001), Esmoleiros da cidade de Nampula, in “Estudos Moçambicanos”, 2001.
E, para finalizar esta perspectiva, iremos apresentar, uma discussão analítica inserida no
extracto de jornal em Moçambique 7, a partir de reportagens realizadas sobre a mendicidade.
Não obstante, esta reportagem não se revestir do quadro teórico sociológico, ela procura
analisar, as causas que influenciam a existência da mendicidade nas artérias da cidade de
Maputo, facto que julgamos interessante para o enriquecimento da nossa bagagem teórica.
7
Ver “Estratégias individuais de sobrevivência de mendigos...”, extracto inserido no Jornal “O País”, edição de 4.08.2009.
8
Ver obra de Mills, in: “A Imaginação sociológica”, Rio de Janeiro, Zahar, 1965.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 23
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
facto que nos vai permitir explicar a mendicidade na sua forma mais ampla, profunda e
essencialista.
Para o efeito, com vista a atingirmos o nosso objectivo, neste campo de estudo da sociologia,
o nosso estudo vai orientar-se na busca de respostas para a seguinte questão de partida:
Em que medida o perfil social dos indivíduos pode influenciar na formação dos grupos que
praticam a mendicidade na cidade de Maputo?
2.1.4. - Hipóteses
Como respostas antecipadas a nossa questão de partida formulada, apresentamos duas
hipóteses subjacentes em duas variáveis de análise: variável independente, laços de
solidariedade comuns e a variável dependente, perfil social dos grupos na mendicidade.
Assim sendo, temos as seguintes hipóteses:
- Quanto mais os indivíduos forem influenciados por laços de solidariedade familiar, étnica,
vizinhança, deficiência física e/ou visual, partilha dos mesmos valores, normas e regras de
conduta comuns, maior é a tendência para formarem grupos sociais específicos da prática da
mendicidade, na base de categorias de sexo e idade.
- Quanto maior for a privação de recursos financeiros e materiais nos indivíduos, maior é a
tendência de se juntarem em grupos específicos, que encontram a mendicidade como
alternativa de sobrevivência.
Justificativa
A mendicidade é um fenómeno de índole social muito antigo no mundo, todavia, no nosso
país, particularmente, na cidade de Maputo, tem apresentado um crescimento intensivo,
chegando ao ponto de envolver crianças que, ultimamente, disputam o mesmo espaço com os
adultos e idosos, na luta de sobrevivência através da prática da mendicidade.
A prática sistemática da mendicidade por diferentes grupos sociais, com certa regularidade na
cidade de Maputo, tornou-se um problema, a partir do momento em que a sua manifestação,
começou a abranger todos os grupos etários da população. A presença de idosos, mulheres e
crianças nessa prática, neste espaço e período do tempo, é que tornou possível, a necessidade
de estudos sobre esta camada social, no caso vertente deste trabalho, visando determinar com
uma certa precisão, o perfil social dos grupos envolvidos na mendicidade.
O estudo tem em vista, analisar o perfil social dos diferentes grupos na mendicidade na cidade
de Maputo. A relevância da análise desse perfil, é que o perfil social, em nosso entender, pode
constituir uma componente relevante, que pode ajudar, para uma nova forma de compreensão
da mendicidade, como um fenómeno inserido na pobreza urbana.
A razão fundamental que nos leva a estudar o perfil social dos grupos na mendicidade, é a
necessidade de a partir da análise de aspectos tais como, valores, crenças, normas, laços de
solidariedade familiar e/ou de vizinhança, deficiência física e/ou visual, estado de viuvez,
orfandade, grau de pertença e regras de conduta, e outros, encontrar características comuns,
partilhadas pelos grupos na mendicidade, de modo a encontrar uma explicação sociológica da
construção dos diferentes grupos sociais.
Para fundamentar o nosso estudo, do ponto de vista teórico, achamos pertinente a teoria
fenomenológica de Schutz, para analisar aspectos relacionados com a percepção da acção dos
indivíduos no quotidiano da sociedade em que eles se encontram inseridos.
O resultado deste estudo, do ponto de vista prático, é de poder vir a contribuir na definição
sistemática de um conjunto de elementos, com vista a uma série de mudanças ao nível da
definição de políticas sociais para a mitigação deste fenómeno social.
Em nosso entender, julgamos que, um estudo focalizado no perfil social dos grupos na
mendicidade, torna-se relevante, se partirmos de princípio de que, a sua compreensão, vai
permitir-nos trazer uma ideia concreta sobre o perfil dos indivíduos envolvidos na
mendicidade. De facto, conhecendo, realmente, quem são, donde surgem e como é que se
A partir das lacunas existentes nos estudos realizados, julgamos que, do ponto de vista
prático, este trabalho poderá contribuir no preenchimento dessas lacunas. E,
consequentemente, enriquecer, o conjunto dos trabalhos existentes para a compreensão do
fenómeno da mendicidade.
- Avaliar a maneira como as identidades sociais dos grupos, podem influenciar para a
formação de grupos específicos da mendicidade.
- Identificar motivações, valores, papel desempenhado por cada membro para o processo de
formação das identidades dos grupos específicos da mendicidade.
CAPITULO 3
práticas sociais que envolvem os individuos no contexto da sua interacção na vida quotidiana.
A relevância desta teoria para a análise do perfil social dos grupos na mendicidade, é a ênfase
que ela dá a análise da acção prática dos indivíduos, no seu quotidiano, procurando adequá-la
de uma matriz teórica e sociológica, para a explicação e compreensão dos fenómenos sociais,
neste caso do nosso estudo o perfil social dos grupos na mendicidade.
Existem pessoas, e que elas agem em função umas das outras, que é possível a
comunicação, através de símbolos e signos, que os grupos e instituições sociais,
sistemas legais, económicos e outros são elementos integrantes do nosso mundo da
vida, que esse mundo da vida tem sua própria história e relação especial com o
tempo e espaço. (Schutz, 1979:55)
Esta teoria revela que a importância do significado, é dada pela experiência passada que se
possui sobre um facto, fazendo com que os significados das acções, sejam dados em
consciência, com as suas experiências anteriores. Ele defende ainda que, apenas, uma
experiencia passada pode ser considerada significativa. Um outro aspecto, que Schutz traz
para esta teoria, é o significado da acção social de um sujeito ou de um grupo, defendendo
que, eles são construídos a partir do senso comum pré-seleccionados e usados para interpretar,
previamente o mundo, como a realidade de suas vidas quotidianas.
Na vida quotidiana, onde durante as interacções entre os actores sociais, a realidade é vista de
forma intersubjectiva. No processo da intersubjectividade 9, deve-se fazer uma redução
fenomenológica10 que se pretende analisar, de modo a não encará-la de forma natural, visto
que, os indivíduos tomam-na com base no stock de conhecimento que adquirem no quotidiano
das suas vidas.
A relevância desta teoria no campo do nosso estudo, consiste em contribuir para a análise do
perfil social dos grupos, devido ao rigor sociológico que dá a construção do significado da
acção social dos grupos, a partir da realidade de vida ou experiência de vida passadas pelos
indivíduos nas suas práticas do dia-a-dia na sociedade.
Olhando para a óptica de Schutz, sobre a atribuição do significado da acção social dos
indivíduos, com base em experiência do passado, o nosso estudo pode se enquadrar nesta
9
Conceito de intersubjectividade melhor desenvolvido no capítulo 3 do trabalho.
10
Ver obra de Schutz, Fenomenologia e relações sociais, (textos escolhidos), R. Janeiro, Zahar, 1979.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 28
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
teoria, pois iremos fazer a recolha de dados em função das histórias de vidas e entrevistas dos
diferentes indivíduos.
Na vida quotidiana, durante a interacção entre os actores sociais, a realidade social é vista de
forma subjectiva. A intersubjectividade, sugere-nos para uma análise, no contexto das
correntes teóricas, aqui apresentadas, na óptica de Schutz, da vida quotidiana dos actores e a
relação cognitiva da sua acção na sociedade.
Para completar esta breve análise sobre esta corrente teórica, que se situa no campo da
construção social da realidade, a partir do senso comum, importa referir que, na verdade, ela
tem enquadramento para a discussão do nosso tema, visto, estar centralizada no estudo do
homem e a sua vida quotidiana na sociedade. Segundo esta teoria, a realidade social é sempre
o resultado da percepção, interpretação e avaliação dos actores.
À luz da teoria fenomenológica, devido ao seu rigor sociológico, torna-se pertinente, analisar
e perceber, como é socialmente construído o perfil social dos diferentes grupos na
mendicidade, baseado na questão de partilha de traços comuns dos indivíduos na sua relação
do dia-a-dia, tendo em conta o espaço e tempo determinados. Para tal, basta analisarmos, o
comportamento e as características externas dos indivíduos, que formam os diferentes grupos
sociais, olhando para um conjunto de traços e ideias preconcebidas comuns, que são
partilhados no processo de acção intersubjectiva para encontrar, possível explicação da
formação do perfil social dos grupos na mendicidade.
11
Ver conceito de stock de conhecimento no capítulo 3 deste trabalho.
Nesse contexto, de acordo com esta teoria, podemos dizer que, o estudo do perfil social de
grupos específicos na mendicidade, enquadra-se neste paradigma teórica, se olharmos para o
contexto da sua construção social.
Para o campo de análise do nosso tema, o conceito de grupos sociais, pode ser visto dentro do
contexto do espaço e tempo socialmente construídos, por diferentes grupos sociais, em função
dos fins a alcançar. A identificação de grupos sociais, no contexto da nossa abordagem, é
De acordo com a visão de Ferreira at al, grupo social, consiste, em reunir os indivíduos que
disponham de atributos e objectivos comuns, associados a uma dimensão subjectiva comum,
na qual os indivíduos dispõem, levando a uma comunhão de interesses, estilos de vida, de
linguagem, isto é, de uma identidade própria. Nas cidades, os grupos sociais são
determinados, pela escolha racional do indivíduo, a partir de uma série de factores
determinantes e grupos de pertença.
Com base em Ferreira at al (1995), podemos concluir que, o conceito de grupos sociais, pode
enquadrar-se para a explicação do processo de formação do perfil social dos diferentes grupos
sociais na mendicidade.
Segundo Guiddens (2001:691), seja qual for o tamanho de um grupo, uma das características
próprias de um grupo, é a de os seus membros terem consciência de uma identidade comum.
Grande parte da vida é passada em actividades de grupo, nas sociedades modernas, a maioria
das pessoas pertence a diferentes e numerosos grupos.
Para o efeito, o grupo social será aquele que apresenta um perfil social comum, e, organizado
em função de um objectivo claramente definido. Este grupo social deve identificar-se a partir
de traços comuns, que lhe permite manter ideia de proximidade e coesão no seio dos seus
membros, de modo a atingir seus objectivos. A coesão e solidariedade nos grupos, é
determinada pela existência de semelhanças de experiência nos membros, permitindo,
desenvolver ligações muito fortes entre os membros do grupo.
Para o campo da análise do nosso tema, o conceito de grupo social, pode ser visto dentro do
contexto do espaço e tempo socialmente situados, pelos diferentes indivíduos, com base nos
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 31
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
objectivos a atingir. A identidade do grupo social, deve ser entendido como um conjunto de
indivíduos que partilham o sentido de pertença, partilhando valores, normas e regras de
conduta, que fornecem aos indivíduos, elementos para a construção de uma consciência
própria do grupo sobre a mendicidade, dentro da sua estratégia de sobrevivência
Para o propósito deste trabalho, pretendemos analisar o conceito de identidade social, sob o
ponto de vista sociológico, para ajudar-nos a analisar o perfil social dos diferentes grupos
sociais na mendicidade. Para melhor compreensão do conceito de identidade, vamos
apresentar a visão de três autores, que procuraram abordar este conceito, dentro de uma
perspectiva sociológica:
12
Ver a obra de Hall, Stuart: A identidade cultural na pós-modernidade, 4ª edição, DP&A Editora, 2000.
Para o autor, uma identidade unificada, completa, segura e coerente não existe. À medida que
os sistemas de significações e da representação cultural se multiplicam, somos confrontados
por uma multiplicidade de possíveis identidades.
Para Dubar (1997)13, o conceito de identidade social, deve ser visto, a partir da articulação de
entre duas transacções, uma interna ao indivíduo e outra externa estabelecida entre o
indivíduo e as instituições com as quais interage.
Freud (1926) citado por Dubar (1997:104), sobre as identidades, dá primazia a intervenção do
indivíduo na formação da identidade.
Erikson (1968) citado por Dubar (1997:104), defende que, a identidade é construída num
processo colectivo.
Com base nestas duas perspectivas, Dubar formula a sua definição de identidade, com
resultado da combinação de momentos de estabilidade e do provisório, do individual e do
colectivo, do subjectivo e do objectivo, do biográfico e do estrutural de diversos processos de
socialização, que conjuntamente constroem, a identidade do indivíduo e definem as
instituições. A construção da identidade faz-se, pois, na articulação entre os sistemas de acção que
propõem identidades virtuais e as trajectórias vividas, no interior das quais se forjam as identidades
reais, a que aderem os indivíduos. (Dubar, 1997:108)
Olhando para a visão de Dubar, podemos dizer que, esta perspectiva pode complementar-se
com a outra anterior, no que diz respeito, a análise do perfil dos diferentes grupos sociais da
mendicidade. A nossa posição neste aspecto, tem a ver com determinados aspectos, que são
comuns nas abordagens dos três autores, que julgamos serem relevantes para a análise do
perfil dos grupos sociais envolvidos na mendicidade.
determinadas acções, tendo em vista atingir determinados fins. Portanto, seria nesse contexto
que, teríamos os indivíduos e sociedade envolvidos na formação do perfil dos grupos.
O autor, sobre a questão da identidade social, introduz um conceito novo, integração social,
para a construção da identidade. Analisando a abordagem deste autor, e, sincronizando com as
abordagens anteriores, sobre o conceito da identidade, acreditamos existir, uma certa relação,
visto que, a integração social, sugere a que um indivíduo se sinta parte de um determinado
grupo.
No quadro geral deste capítulo, podemos dizer que, apesar das diferenças que substanciam as
perspectivas dos diversos autores, aqui apresentados, na abordagem das identidades,
reconhece-se a existência de aspectos comuns relevantes na sua discussão.
Em síntese, segundo Pinto (1991), a identidade social, é tudo aquilo que, é socialmente
construído e não é interior ao indivíduo, e essa construção não é estática, ela obedece a um
processo de socialização, manipulação e gestão de identidade. A identidade social varia de
acordo com o espaço e tempo, dependendo das diferentes maneiras como ela é concebida. No
Ver obra de Pinto, M: Sobre a produção social de identidade, in Revista Crítica de Ciências Sociais, No 32, Faculdade de Economia –
14
O espaço social, é visto como algo construído no contexto das relações sociais, em termos de
posições sociais e escolhas que os grupos sociais fazem, formando o domínio diversificado de
práticas sociais. A construção do espaço social, é feita de tal modo que, os diferentes grupos
sociais estejam distribuídos, em função da sua posição na distribuição de papéis a
desempenhar na sociedade. (Berger & Luckmann, 1976:11).
15
Ver obra de Bourdieu, “Razoes práticas sobre a teoria da acção”, Papirus Editora, 1979.
Nesta abordagem, importa referir que, a pertinência da análise do conceito de espaço social,
do ponto de vista sociológico, remete-nos a uma análise, como um complemento, do conceito
de habitus, para melhor percepção da dimensão do espaço social. Em cada espaço social,
existem elementos de diferenciação social, e, princípios de diferenciação, dependendo de
forma como pensamos e agimos, vão sendo socialmente classificados. Habitus, é um princípio
gerador e unificador, que traduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição, em um
estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas e de práticas sociais
determinadas. (Bourdieu, 2000)
O autor diz que, em função da posição nesse espaço, os indivíduos tem determinadas
propriedades, que vão oferecer uma pré-disposição, que é o habitus. Argumentando que,
dependendo do espaço social em que, os indivíduos assimilam e baseados nas normas,
símbolos e valores, criam uma predisposição, que os leva a identificarem-se num determinado
espaço e tempo.
Para o contexto do nosso tema, o espaço social, seria o lugar socialmente construído, com
base num conjunto de normas, valores e regras de conduta comuns, partilhados pelos
indivíduos, no decurso das suas práticas do dia-a-dia, com o objectivo de alcançar
determinado fim, obter algo para a sobrevivência.
As práticas sociais dos diferentes grupos sociais orientam-se, a partir do conjunto de valores,
normas e regras de conduta, partilhadas e que se caracterizam pela regularidade e organizam-
se de acordo com esse conjunto de regras e normas sociais, que elas próprias realizam dentro
do espaço em que ocorrem. No contexto da mendicidade, as práticas sociais, seriam as
diferentes maneiras que os indivíduos estabelecem entre si, assentes num conjunto de valores,
normas e regras de conduta, partilhados, exercendo influência no comportamento do grupo
social num espaço e tempo específicos.
16
Ver conceito de habitus, como factor que determina as práticas sociais, estabelecendo, uma relação de proximidade ou de afastamento
entre os indivíduos, em Schutz, in “Fenomenologia e relações sociais (textos escolhidos), R. de Janeiro, 1979.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 37
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
3.2.6. - A Mendicidade
Nesta parte do nosso trabalho, iremos trazer as várias percepções do conceito da mendicidade,
com vista a facilitar a compreensão do nosso foco de discussão sobre a identidade social dos
actores da mendicidade. Partindo do principio de que a mendicidade é um fenómeno social,
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 38
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
Segundo Meneses & Lourenço (2000), citados por Nhampoca (2003:6), a mendicidade é um
conceito, que tem origem na palavra latina “mendicitate”, que significa, o acto de mendigar,
vulgo pedir esmola, ou seja, o acto através do qual, alguns indivíduos, frequentemente
adquirem, pedindo, a outros indivíduos dádivas, que podem ser pecuniárias ou em espécie,
para a sua subsistência ou em certos casos para o sustento de vários.
Trata-se de uma palavra que, regra geral, é usada para se referir ao estado habitual daquele
indivíduo que pede esmola para a sua subsistência, por conseguinte, mendigo é entendido
como aquele que vive de pedir esmola.
Nesse sentido, a mendicidade seria um estilo de vida que está associado a diversos factores,
tais como, pobreza, exclusão social, fragilidade económica e financeira, desintegração no seio
familiar e outros. Este fenómeno, também pode resultar de um processo de manipulação de
identidade dos indivíduos, a partir da sua encenação no dia-a-dia, através do conhecimento
que tem pelo menos de expectativas que, os grupos sociais e a sociedade têm deles, e, eles
têm de oferecer a identidade que se esperava deles para ser parte integrante do grupo social.
Como se pode depreender, para melhor percepção e enquadramento do nosso tema, a seguir,
vamos estabelecer a relação entre os conceitos, de modo a facilitar o nosso fio de pensamento,
sobre a análise do perfil social dos diferentes grupos na mendicidade.
Deste modo, esperamos, a partir de pesquisas no campo, focalizado nos diferentes grupos
sociais envolvidos na mendicidade, baseadas na selecção adequada das amostras, procurar
argumentos adequados, de modo a possibilitar-nos a confirmação ou não das hipóteses
formuladas.
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA
Neste capítulo, vamos apresentar a metodologia utilizada que nos permitiu a recolha de dados
adequados para a análise, com vista a uma compreensão detalhada do nosso estudo.
Para a selecção dos indivíduos para entrevistas tivemos em conta duas categorias, que
compreendem a categoria sexo e idade abrangendo crianças órfãs, desamparadas e sem
qualquer protecção social com idades compreendidas entre 8 a 14 anos e idosos desprovidos
de recursos financeiros e materiais com idade não inferior a 49 anos, de ambos os sexos, que
constituem a camada mais vulnerável que sofre os efeitos de estigmatização social.
A análise do perfil social destas duas camadas sociais, como unidade de análise, deve-se ao
facto de as mesmas, existirem de forma sistemática e recorrente, na zona baixa da cidade de
Maputo, facto que nos permitiu, acompanhar o seu comportamento regular naquele espaço da
cidade. As técnicas utilizadas para recolha de dados nesta pesquisa foi baseada na observação
directa não participante e histórias de vidas dos indivíduos pertencentes a diferentes grupos
sociais da mendicidade. A utilização destas técnicas permitiu-nos conhecer em pormenor, o
passado dos indivíduos integrantes dos grupos sociais do nosso estudo, sob o ponto de vista
económico, social e cultural, relevantes para justificar o estágio actual da sua exclusão da
convivência familiar.
O nosso objectivo com a utilização destas técnicas na colecta de dados tinha em vista a
obtenção de informação que nos permitisse, analisar em pormenor, a maneira como é que o
perfil social destes grupos é formado na naquela zona da cidade de Maputo, de modo a
encontrar uma relação com as nossas hipóteses formuladas.
17
Ver Schutz (1979): in fenomenologia, “mundo da vida”, trata-se do mundo vivenciado por aqueles que, nele participam, atribuindo
significados as suas experiencias do dia-a-dia.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 42
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
do real. Este modelo tinha em vista, a partir da teoria apresentada para este estudo, permitir-
nos estabelecer a sua relação com as hipóteses colocadas na nossa questão de partida.
A informação com a qual, pretendemos confrontar, as hipóteses, foi obtida com base, num
conjunto de técnicas e instrumentos, tais como, análise documental, guia de entrevistas
exploratórias, previamente elaborado, focalizado nos grupos sociais alvos, objectos do
presente estudo, bem como na observação directa não participante, com registo em diário do
campo. Com base nos dados recolhidos, a nossa expectativa, obviamente, tinha em vista,
encontrar indicadores, a partir dos laços de solidariedade, hábitos e regras de conduta
partilhados, que nos permitissem confirmar ou infirmar as nossas hipóteses, indicadas no
capítulo 2 deste trabalho.
Destes grupos, entrevistamos 2 integrantes em cada grupo, sendo um de crianças com idades
compreendidas de 8 a 14 anos e outro de idosos com idades não inferiores a 49 anos,
residentes nas zonas periféricas da cidade de Maputo, cujas histórias de vida e nível de
respostas, pareceram-nos adequadas aos objectivos pretendidos, a filiação nos grupos sociais
de que fazem parte para a mendicidade.
A escolha da nossa amostra, surge como resultado de um processo que durou cerca de 2
meses de trabalho de campo, e teve em conta a questão da regularidade e uniformidade dos
membros nos grupos sociais, a partir de uma observação não participante nos locais por eles
preferidos. Para a selecção dos 2 indivíduos de cada grupo para entrevistas, recorremos a
forma aleatória simples, assente no princípio de mútua exclusividade, isto é, os indivíduos
escolhidos não podiam pertencer, simultaneamente, a 2 grupos diferentes, mas deviam ser
representativos dos grupos sociais a que pertenciam.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 43
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
Para tal, realizamos as entrevistas em diferentes locais de concentração dos grupos sociais
seleccionados na amostra, na zona baixa da cidade de Maputo, de preferência no período de
manhã (período entre as 8.30h e 12.30h), na medida em que era nesse lugar e período que os
grupos sociais do nosso estudo actuavam, não obstante, termos visto alguns focos destes
grupos noutros lugares da cidade, contudo, o nosso estudo privilegiou este local, devido aos
motivos que já mencionamos.
O período das entrevistas por cada indivíduo entrevistado, durava cerca de cinco a quinze
minutos, dependendo do nível de respostas e necessidade do entrevistado de se juntar ao seu
grupo para dar continuidade a sua actividade. Em função das respostas dadas, conseguimos,
obter o essencial para efeito do nosso estudo.
A fase subsequente, consistiu, na análise dos dados recolhidos durante as entrevistas, com
enfoque para aspectos relativos ao nosso problema neste trabalho. Em seguida, confrontamos,
os resultados da análise das respostas obtidas nas entrevistas, com a operacionalização dos
principais conceitos definidos neste trabalho, bem como a informação recolhida na revisão da
literatura para a definição do problema.
Para facilitar a recolha dos depoimentos dos indivíduos a entrevistar, seleccionamos os grupos
sociais alvos, aqueles que apresentavam uma certa regularidade e uniformidade nos seus
membros e capazes de se expressarem em língua portuguesa e/ou tsonga, de modo a facilitar o
diálogo, durante as entrevistas, evitando desta forma situações de incoerência na transcrição
dos dados recolhidos.
Estes aspectos, directa ou indirectamente terão influenciado, grosso modo, para algumas
limitações durante o nosso trabalho de campo.
CAPÍTULO 5
Numa primeira fase, vamos apresentar o panorama geral dos grupos sociais correntes, no
bairro central da cidade de Maputo, concretamente na zona baixa, com especial ênfase para
aqueles cujas práticas do dia-a-dia estão associadas a mendicidade, no contexto da sua
estratégia de sobrevivência.
A análise dos dados recolhidos durante as pesquisas empíricas, permitiu-nos constatar que, o
perfil social de diferentes grupos obedece tipologias, que são determinadas por um conjunto
de factores específicos, subjacentes nas características comuns, partilhadas por membros de
cada grupo social.
Foi possível também identificarmos dois tipos de grupos sociais na prática da mendicidade, de
acordo com o estado físico dos indivíduos, sendo um constituído por indivíduos não
portadores de deficiência física e/ou visual (normais) e o outro constituído por indivíduos
portadores de deficiência física e/ou visual (anormais).
No primeiro existe um grupo social, formado na base da categoria de sexo e idade, no qual
encontramos subgrupos, que se apresentam constituídos com base em laços de solidariedade
familiar, englobando crianças, mulheres e idosos, bem como mulheres viúvas, crianças órfãs e
indivíduos oportunistas que se integram nos grupos através da manipulação de identidade.
No segundo, encontramos um grupo social formado por indivíduos de ambos os sexos, que
apresentam características específicas de deficiência física e /ou visual, que os coloca numa
situação de estigmatização e consequente exclusão da convivência social.
Em seguida, passamos a apresentar o panorama dos diferentes grupos sociais que praticam a
mendicidade, que encontramos na zona baixa da cidade Maputo, centro de concentração
urbana que torna o lugar fértil e privilegiado devido ao seu potencial económico para estes
grupos sociais:
Estes grupos sociais, integram aqueles que praticam diversas actividades informais, tais como,
polidores e guardas de viaturas, carregadores de trochas, angariadores de passageiros nas
terminais de transporte semi-colectivo (vulgarmente tratados por “magaye-gaye”), vendedores
de diversos produtos e utensílios domésticos, deficientes físicos e meninos da e na rua,
ocupando os passeios das artérias da cidade e mendigos que deambulam nos estabelecimentos
comerciais e semáforos pedindo esmola.
Os dados da pesquisa por nós analisados, revelam que os grupos sociais envolvidos na prática
da mendicidade, partilham algumas características comuns. Estas características comuns estão
associadas à natureza da “mão estendida”, que não se adequam as normas de conduta da
postura urbana esperadas na nossa sociedade. Fazendo-o como uma estratégia de luta de
sobrevivência.
Assim, os grupos sociais formados por indivíduos, são movidos pela intencionalidade de
alcançar determinados fins comuns, financeiros ou materiais para a satisfação das
necessidades básicas. Para o efeito, eles estabelecem uma relação de proximidade, com base
em laços de solidariedade familiar, de vizinhança, viuvez, orfandade e/ou de deficiência física
e/ou visual, partilhando regras de conduta e sentido de pertença, para recorrerem a prática da
mendicidade.
Em seguida, vamos analisar o processo pelo qual, o perfil social dos grupos sociais é formado
nas suas múltiplas maneiras, no contexto do espaço social em que ocorre a mendicidade:
Facto curioso que nos foi possível constatar neste grupo, é a existência de uma relação de
proximidade no seio do grupo, baseado na consciência do estado de pobreza e desamparo
familiar, donde os indivíduos que partilham as mesmas dificuldades e privação de meios
básicos de sobrevivência, estabelecem uma relação objectiva.
Segundo depoimentos recolhidos durante as entrevistas, este grupo é formado por indivíduos
provenientes das zonas periféricas da cidade de Maputo e alguns dos quais existem há cerca
de dois anos e meio, e, tem como locais de preferência para a prática da mendicidade os
estabelecimentos comerciais que se encontram ao longo da Av. Guerra Popular e Av. Karl
Marx na cidade de Maputo, conforme testemunham alguns entrevistados inseridos neste
grupo etário:
Durante o nosso casamento, eu e minha mulher tivemos cinco filhos, dos quais
quatro morreram, e, o único sobrevivente abandonou-nos com a mulher e filhos,
nem sabemos o seu paradeiro, deixando-nos completamente desamparados nesta
vida difícil. Para nosso auto-sustento tenho saído com a minha mulher, a pedir
esmola para conseguirmos algo para comer.
Esta situação não é nova em Moçambique, pois existem estudos realizados sobre o dilema da
desintegração social do idoso, que revelam a situação de exclusão social e marginalização do
idoso devido a fragilidade do desempenho do seu papel no seio familiar da comunidade,
levando-o a recorrer a mendicidade19. A razão da falta de integração do idoso também pode
ser explicada no âmbito do estudo, feito por Serra (2003) sobre a precariedade social, com
ênfase na fragilidade de laços de solidariedade familiares, que leva o idoso a mendicidade.
A análise dos depoimentos recolhidos dos indivíduos deste grupo social específico,
constatamos que a formação do seu perfil social, tem a sua explicação na pobreza económica
e social dentro da esfera social em que os idosos se encontram inseridos, a falta de integração
na família motivada por diversos factores que influenciam na exclusão social e
marginalização dos idosos da convivência social na família.
Um aspecto relevante a ter em conta na mendicidade que envolve este grupo social específico
é a existência de indivíduos que tem correspondido aos pedidos de esmola, como um sinal de
cumprimento dos mandamentos da religião da ajudar o próximo ou necessitado.
A análise incidiu sobre a biografia do passado ligado a experiências vividas pelos idosos para
justificar o estágio actual do seu envolvimento na mendicidade. Um dos entrevistados a esse
respeito, foi Manuel Mula, idade desconhecida, residente no bairro da Maxaquene, que
integra um grupo formado por 5 idosos de ambos os sexos:
Meu nome é Manuel, não me lembro da minha idade, porque abandonei a escola
cedo na minha terra natal em Manjacaze, meus pais eram camponeses e não me
ensinaram nada sobre a idade. Estamos aqui em grupo de três casais, somos pobres e
ninguém trabalha de todos nós, por isso que viemos a baixa para tentar ganhar
alguma coisa com os “monhés”. Assim, estamos com as nossas esposas para
conseguir maior quantidade possível dos produtos e dinheiro, que nos pode ajudar a
comer durante dois ou três dias nas nossas casas.
Outro entrevistado, foi uma idosa que, apenas, conhece o seu nome de infância, Tewasse, 68
anos, residente no bairro Polana-Caniço, proveniente da Província de Gaza, distrito de
Maivene, que nos deu o seu depoimento na língua changana:
Eu sou uma velha sofrida, desde a minha idade de infância, perdi os meus pais muito
cedo, o meu casamento também ruiu quando o meu esposo foi para as minas na
África de Sul, em 1978 e até hoje nunca deu um sinal de vida. Sou uma mulher
estéril, daí que nem tenho filhos, vim a cidade de Maputo, na companhia de um
familiar, mas arranjou uma mulher e desapareceu de mim. Assim, venho sempre a
cidade nas sextas-feiras com outros idosos do bairro para pedir esmola.
Conforme observa Schutz (1979), a partir das experiências acumuladas, através de stock de
conhecimento, os indivíduos tipificam os fenómenos vivenciados no seu dia-a-dia. Com base
na biografia do passado dos indivíduos integrantes nos grupos sociais na mendicidade, foi
possível identificar os aspectos económicos, sociais, culturais e políticos específicos que
influenciam na formação de grupos sociais dos idosos que deambulam na cidade de Maputo,
praticando a mendicidade.
Destes grupos sociais que praticam a mendicidade a partir de laços de solidariedade comuns,
identificamos 2 tipos de sub-grupos que acutam em simultâneo no mesmo espaço e período,
sendo um grupo constituído por crianças com idades entre 8 a 14 anos na companhia de
idosos com idades não inferiores a 49 anos, que constituem outro grupo social específico,
cujos indivíduos que os integram tem entre si laços de solidariedade comuns.
No que diz respeito aos grupos sociais, cujo perfil social foi formado por laços de
solidariedade familiar, encontramos indivíduos que fazem parte da mesma família,
envolvendo idosos e crianças, unidos numa relação de parentesco de avô e neto, que praticam
a mendicidade através da compartilha do mesmo espaço, para a obtenção de algo para o auto-
sustento familiar.
De acordo com os depoimentos colhidos nos locais de actuação deste grupo, constatamos que
esta relação tem a sua origem no facto da maior parte das crianças serem abandonadas pelos
pais, e, deixadas ao cuidado dos avôs. E, uma vez que estes estão desprovidos de quaisquer
recursos financeiros e materiais básicos para a sua própria assistência e dos netos, acabam
recorrendo na mendicidade e visando obter maior rendimento da "esmola", fazem-se
acompanhar pelos netos. As evidências a esse respeito, são encontradas nos depoimentos de
alguns entrevistados, como Mechaque, 57 anos, residente no bairro da Polana-Caniço:
A vida é assim, a pobreza não tem cara, e, a fome não tem idade, aqui todos somos
iguais…até porque o meu neto também está neste grupo, para receber alguma coisa,
estamos a tentar ganhar alguma coisa. É a vida!
Um outro grupo de crianças encontramos no cruzamento das Av. Karl Marx e 24 de Julho, ao
lado do Cine-África, brincando as correrias no passeio, próximo de um outro grupo de idosos,
envolvendo homens e mulheres, a espera da esmola no estabelecimento de venda de bebidas,
procuramos entrevistar Noel, um menino de 14 anos, o mais velho do grupo de crianças
naquele lugar, que estava na companhia da sua avó que integrava o outro grupo:
Sou órfão de pais, quem tem estado a cuidar de mim é a minha avó Mequelina, mas
nas sextas-feiras, eu e outros meninos também órfãos viemos aqui para recebermos
comida e dinheiro, de modo a ajudar a minha avó. Estudo na escola SOS de Hulene,
mas hoje eu e outras crianças faltamos por causa disso.
Importa realçar que a formação deste grupo social, com base nos laços de solidariedade
familiar, tem a ver com um grupo social de crianças, com idades entre 8 e 13 anos, nalguns
casos pertencentes a mesma família, provenientes do bairro de Xipamanine, que praticam a
mendicidade como forma de contribuir para o auto-sustento familiar. São crianças que vivem
na companhia dos pais, mas encontram-se desempregados, alguns pais estão envolvidos em
outras actividades informais para obter algum rendimento material ou financeiro.
Nós estamos unidos, somos todos pobres, por isso que, os meus primos nunca
saíram nos deixar em casa, e no final do dia, apresentamos o produto arrecadado aos
pais do Azarias, eles depois nos contemplam nas refeições. Nós não nos castigamos,
aquele que consegue algo sempre partilha com os outros.
Como se pode verificar, segundo depoimentos dos diferentes intervenientes deste grupo
social, os laços de solidariedade familiar, tem exercido a sua influência na formação de perfil
social de grupos sociais específicos, que tem circulado nas sextas-feiras, na zona baixa da
cidade de Maputo.
A partilha de características comuns subjacentes nos vínculos afectivos nas relações dos
indivíduos, estabelece uma relação de proximidade, sob ponto de vista de partilha nas
dificuldades materiais e financeiras, levando a que indivíduos que se encontram nessa
situação, procurem formas alternativas de sobrevivência em grupo específica.
Conforme observam Berger & Luckmann (1976), defendendo a ideia de que, a integração dos
indivíduos na sociedade processa-se através da exteriorização do seu próprio ser no mundo
social, e, interioriza este mesmo mundo, a partir de um conjunto de valores, normas, hábitos e
regras de conduta estabelecidos na sociedade, que permitem a apreensão e interpretação
imediata de um acontecimento objectivo como dotado de sentido.
A relação que se estabelece entre os idosos e crianças na prática de mendicidade, não deve ser
vista, apenas dentro da pobreza material, mas é necessário ter em conta também, o processo
de socialização20 a que estão sujeitas as crianças pelos idosos no contexto da sua relação
social, sem descurar a questão de afectividade entre ambos, que tem a sua origem dentro da
esfera familiar, em casa que depois é transportada para outros espaços fora de casa, não
obstante a necessidade de lutar para a sobrevivência. Alguns idosos andam na companhia de
seus netos pelas artérias da cidade, a fim de evitar que estes se percam devido ao fluxo de
movimento durante as sextas-feiras na zona baixa da cidade de Maputo, agravado pelo fraco
conhecimento da sua estrutura urbana.
A formação de perfil social destes grupos, também pode ser analisada, em função da
solidariedade dos laços de familiaridade afectiva, caracterizando-se pela existência de
membros da mesma família, indivíduos provenientes do mesmo local de residência,
consciência do sentido de pertença, independente aos factores anteriormente mencionados.
A particularidade que merece destaque nestes grupos, é a forma como eles se apresentam na
rua, estando divididos em categorias de sexo, à excepção das crianças que não apresentaram
no seu grupo, crianças do sexo feminino. Para efeitos de entrevistas, escolhemos de forma
20
Processo através do qual o indivíduo apreende as normas, valores, hábitos e costumes da sociedade onde vive.
aleatória 2 crianças, integrantes deste grupo social de modo a informarem-nos sobre o seu
envolvimento naquela prática a partir da consciência de pertença no grupo.
Eu venho todas as sextas-feiras com este grupo de amigos, porque somos todos
vizinhos no bairro da urbanização e andamos a seguir sempre os mais velhos para
recebermos alguma coisa, para ajudar nas nossas casas….
…sou uma viúva, um dos meus filhos, desde que foi para Alemanha em 1986, nunca
mais regressou e nem dá qualquer sinal, assim vim com minhas amigas desenrascar
a vida…eu não tenho outra alternativa de auto sustento.
Hortência, viúva de 63 anos e amiga da Helena, disse que pratica a mendicidade, faz 5 anos
devido a situação de abandono a que está votada pela família do falecido marido:
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 55
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
Eu também sou uma mulher viúva, desde que o meu marido morreu há 9 anos, a
família dele arrancou-me quase tudo, deixando-me com as quatro paredes da casa.
Nos primeiros dois anos conseguia me arranjar, mas depois a vida ficou difícil para
mim, graças a convivência que tenho com outras mulheres, que estão na mesma
situação a minha, vou sobrevivendo com a esmola e alguns biscates que faço,
lavando a roupa em algumas casas.
Marta Cossa e Josefina Fumo, com idades acima de 70 anos, são 2 amigas e companheiras da
jornada, que se conheceram na rua ao acaso na dura vida de mendicidade, por não terem outra
alternativa de sobrevivência.
A vida está difícil no país e como não temos outra alternativa de nos sustentarmos, a
nossa idade também já não ajuda, preferimos ficar aqui na esquina, a pedir esmola.
Às vezes temos ido ao mercado central pedir restos de produtos para o consumo em
casa.
A mendicidade praticada pelas mulheres viúvas, segundo os depoimentos obtidos nos locais
onde decorreram as entrevistas, pode exercer a sua influência na formação da identidade
social destes grupos na cidade de Maputo. É com base na convivência social, troca de
experiencias vividas e vivenciadas21, que a prática da mendicidade nesses grupos tem
significado para a sua vida no dia-a-dia, em busca de recursos para a sobrevivência.
A partir dos dados captados nos depoimentos apresentados, pode-se inferir neste grupo, a
existência de laços de solidariedade familiar na relação de algumas viúvas, tais como
rompimento de laços de parentesco feito pela família do marido falecido, falta de apoio as
crianças do casal. Ainda neste contexto, existem viúvas que mesmo conhecendo-se ao acaso,
o facto de partilharem experiências de vida idênticas, torna-as mais próximas e solidárias,
podendo, daí formarem um grupo específico com características próprias.
21
Ver stock de conhecimento em Schutz, in: “Fenomenologia e relações sociais (textos escolhidos)”, Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
Trata-se de um grupo social que pode ser inserido na camada da população economicamente
activa, mas por razões diversas associadas a existência de indivíduos que respondem
positivamente aos peditórios de mendigos, estes indivíduos acabam-se integrando.
Na verdade, tais atitudes são propiciadas, devido a falta de rigidez nas regras de conduta, que
subjazem o sentido de pertença, permitindo a infiltração de oportunistas, que acabam
conseguindo receber os produtos e dinheiro da esmola, em detrimento daqueles que,
realmente são necessitados.
Neste caso, entrevistamos um dos indivíduos que apresentava uma aparência física que nada
tinha que o identificasse como mendigo, Moiana, 52 anos, residente no bairro de Chamanculo,
segundo a sua resposta sobre a razão da sua presença naquele grupo:
…meu senhor, eu não sou mendigo de verdade, mas nas sextas-feiras venho na
companhia do meu amigo Mário, para receber um pouco de dinheiro para as nossas
brincadeiras de fim-de-semana lá no bairro….quando agente não consegue dinheiro,
pelo menos conseguimos, pãezinhos que trocamos em dinheiro ou bebida na senhora
do bairro.
Outro entrevistado deste grupo, foi Mário de 56 anos, vizinho e amigo de Moiane,
igualmente, praticante oportunista da mendicidade, na baixa da cidade de Maputo:
…para conseguirmos a esmola dos patrões, temos que nos apresentar como os
outros membros do grupo, por isso que escolhemos este grupo, que tem algumas
pessoas da nossa idade, assim os monhés não conseguem nos deixar de lado…mas
quando chegarmos em casa mudamos de aspecto.
Com base nos relatos apresentados nesta parte do estudo, foi possível verificar que, a
manipulação de identidades por parte dos grupos de mendigos na sociedade, tem uma relação
com o meio em que se encontram, dependendo dos objectivos que pretendem alcançar.
A identidade do indivíduo deve ser vista como algo formado no contexto das relações sociais
entre os indivíduos. A identidade pode sofrer mudanças permanentes no espaço e tempo onde
ocorre, contudo, deve-se ter em conta a questão do objectivo que promove tais mudanças
contínuas. Para o caso vertente do nosso estudo, considerando os depoimentos dos
entrevistados, existem evidências que nos levam a constatar que, a identidade social dos
grupos que praticam a mendicidade no espaço em que ela ocorre, é socialmente formada, por
isso que ela é sujeita a transformações constantes dos indivíduos ao longo de tempo.
22
Ver a obra de Hall, “A identidade cultural na pós-modernidade”, 4ª edição, DP&Editora, 2000.
Existem, casos em que alguns destes grupos são abandonados do seio da família e uma vez
que não possuem recursos materiais e financeiros alternativos para a sua sobrevivência,
juntam-se em pequenos grupos, em lugares de maior movimento de pessoas e veículos, de
preferência na zona baixa da cidade de Maputo, acompanhados pelos familiares ou ajudantes
para pedir esmola.
A estigmatização que propicia a exclusão social dos grupos, acontece, quando determinadas
pessoas que apresentam características identitárias comuns, sofrem discriminação na
convivência social. Esta situação surge devido ao poder de imposição que o conjunto de
normas, valores e regras de conduta estabelecidos na sociedade, considerados normais,
exercem influência sobre a identidade social que as pessoas partilham no meio em que se
encontram inseridas. (Goffman, 1963:32).
No caso vertente do nosso estudo, com base nos dados recolhidos durante as entrevistas, foi
possível verificar que, as pessoas portadoras de deficiência física e/ou visual na cidade de
Maputo, tem uma forte tendência de se juntarem em grupos, com base na partilha da crença
da sua situação de deficiência física e/ou visual, que os torna sujeitos à discriminação social,
como pessoas que apresentam características diferentes daquelas que são socialmente
consideradas normais.
indivíduos adultos, que apresentam, idades que variam dos 28 a 52 anos, que se dedicam a
prática da mendicidade. Eles têm em comum, além da deficiência física e/ou visual, que os
torna estigmatizados da convivência social e familiar, a partilham valores, hábitos e regras de
conduta que lhes dota de um sentido de pertença específico do grupo.
A maior desvantagem que tem na sua prática de mendicidade, nas sextas-feiras, é que devido
ao estado físico debilitado que apresentam não podem deambular em igualdade de condições
com outros grupos sociais, que podem correr de estabelecimento em estabelecimento para
receber algo para o auto-sustento familiar.
A análise de dados recolhidos, permitiu-nos constatar que, a formação do perfil social dos
grupos relacionados com a deficiência física, está subjacente na consciência que os seus
membros têm da sua situação de exclusão no meio em que vivem. A tendência destes grupos
estigmatizados, é de procurarem mostrar através de acções e práticas específicas no seu dia-a-
dia, que podem engajar-se na sociedade como pessoas que compartilham o seu estigma,
fazendo-o como um recurso em busca de estratégia de sobrevivência.
A análise de dados, permitiu-nos, igualmente verificar que, o perfil social dos grupos na
mendicidade formados em função dos indivíduos estigmatizados na sociedade, pode advir de
determinadas práticas sociais, inseridas no âmbito de apoio individual ou colectivo sob forma
de solidariedade com estes grupos, acabando por influenciar na sua existência na sociedade.
Gabriel Mandlate, cego, 51 anos, residente no bairro da Machava-Trevo, com seu parceiro da
jornada do dia-a-dia, Boavida, 44 anos, também cego e deficiente físico, anda numa cadeira
de rodas, residente na Matola. Eles praticam a mendicidade, através da "mão estendida", com
vista a obtenção de algo material ou financeiro para a sua sobrevivência.
…sentimo-nos excluídos dos outros grupos, devido a nossa desvantagem física, por
isso que preferimos este lugar que, apesar de existirem oportunistas que nos
empurram…sempre conseguimos pouco dinheiro para calar comprar alguma coisa
para barriga.
Entretanto, importa salientar que os factores económicos, sociais, políticos e culturais, que
exercem influência na formação do perfil social deste grupo, tem uma relação com a prática
da mendicidade na cidade de Maputo, sobretudo, na zona baixa da cidade onde convergem
pessoas de diferentes estratos sociais, devido ao seu potencial económico que apresenta.
A questão do perfil social dos indivíduos portadores de deficiência física e/ou visual pode
estar associada, também a factores da pobreza urbana, que afecta a maior parte da população
que vive nas zonas periféricas da cidade de Maputo.
Segundo refere Serra (2000), no âmbito da perspectiva construtivista discutida neste trabalho,
sobre a precariedade social, o qual defende que a desintegração social, fragilidade nos laços
de solidariedade, desestabilização social, que leva os indivíduos a procurarem estratégias de
luta de sobrevivência, com recurso à mendicidade.
No contexto deste estudo, a análise de dados recolhidos, durante as entrevistas, revelam que
os diferentes grupos sociais que envolvem crianças e idosos na prática da mendicidade,
surgem como consequência da privação de recursos financeiros e materiais, facto que agudiza
o seu estado de vulnerabilidade, tornando os seus membros desvinculados da convivência
familiar e sua exclusão desse ambiente. E, uma vez que, tais grupos sociais se encontram
privados de recursos básicos, necessários para o auto-sustento, vêem na mendicidade uma
forma de sobrevivência.
Segundo depoimentos recolhidos no terreno, foi possível notar que, a prática da mendicidade
em grupos, é vista como uma das alternativas mais adequada, quando analisada sob o ponto
de vista de produto arrecadado pelos grupos em cada jornada na mendicidade.
…nós todos neste grupo somos provenientes no mesmo local de residência, o meu
sobrinho está neste grupo, usamos esta forma da mendicidade em grupo para
conseguirmos obter muita quantidade de pão e dinheiro dos “patrões23…
23
Termo utilizado pelos mendigos, referindo-se aos proprietários dos estabelecimentos comerciais.
Sou estudante da 6ª classe, hoje faltei a escola, porque queria me juntar aos meus
primos para andarmos a pedir pãezinhos e moedas nos muçulmanos, aqui na
baixa…é que nas sextas-feiras, conseguimos boa colheita.
Marta, viúva, mãe de 4 filhos, residente no bairro Luis Cabral, disse que nas sextas-feiras leva
os filhos para a zona baixa da cidade, pedindo esmola:
Eu sou mãe e pai ao mesmo tempo destas crianças, a vida é muito cara não consigo
sustentá-las, por isso que venho com elas para aqui, a pedir esmola…existem dias
que conseguimos uma boa colecta, porque todos nós pertencemos a mesma família,
o produto fica acumulado para uns dois 2 ou 3 dias de alimentação.
Como se pode depreender através destes depoimentos, existem evidências que nos mostram a
existência de uma relação entre a prática da mendicidade e a necessidade de sobrevivência
dos diferentes grupos sociais na cidade de Maputo. Contudo, é preciso verificar que, tais
grupos não surgem por mero ao acaso, existem factores contextuais que determinam a sua
existência. Trata-se de grupos que apresentam dentro da sua estrutura, traços de solidariedade
comuns que identificam os seus membros, diferenciando-os dos outros grupos sociais, neste
caso, laços de solidariedade familiar e laços de solidariedade de vizinhança, transmitindo uma
ideia de proximidade baseada no lugar de proveniência, bairros periféricos da cidade de
Maputo, tais como, Xipamanine, Polana-Caniço, Maxaquene, Urbanizaçao e Machava.
Importa salientar que, a maioria dos indivíduos que integram estes grupos sociais, apresentam
na sua trajectória de vida, dados da sua zona de origem que é a zona rural de outras
províncias, que migraram para a cidade de Maputo a procura de melhores condições de vida.
Com base nos dados obtidos nos depoimentos dos indivíduos entrevistados, o perfil social
desses grupos, processa-se no contexto da interacção social dos indivíduos, envolvendo
elementos cognitivos, que são os recursos que usam para se entenderem e serem entendidos
durante a prática da mendicidade.
A consciência que os indivíduos têm da sua relação de proximidade subjacente nos laços de
solidariedade é guiada por um conjunto de experiencias de vida acumuladas, que se encontra
em cada indivíduo, sob uma forma de stock de conhecimento. A experiência de vida comuns
que indivíduos partilham nas suas relações, transmite-lhes um sentimento de pertença ao
grupo, baseada na compreensão intersubjectiva, obviando, por conseguinte a formação de
uma identidade social específica.
O perfil social dos diferentes grupos sociais analisado no contexto deste estudo, também pode
ser explicado, a partir da privação dos indivíduos de recursos financeiros e materiais,
associados a fragilidade de políticas de assistência sociais adequadas, sentirem a necessidade
de se juntarem, solidarizando-se da sua situaçao de carenciados, partilhando determinados
valores, normas e regras de conduta comuns, incutindo um sentimento de pertença de grupo,
socialmente construídos, para praticarem de forma regular e sistemática a mendicidade, com
vista a satisfação de certos objectivos materiais e/ou financeiros.
Segundo Schutz,
Segundo a teoria apresentada, a prática da mendicidade pelos diferentes grupos sociais neste
espaço da cidade, pode ter a sua origem, no conjunto de procedimentos e formas de agir, que
tem uma sequência uniforme e dotado de uma compreensão intersubjectiva, independente das
particularidades dos indivíduos que a realiza, uma vez consciente do seu sentido de pertença e
solidariedade ao grupo, focalizado para os objectivos do grupo na sua estratégia de luta de
sobrevivência.
Outra natureza de dados, apurados, tem a ver com a observação directa e não participante,
feita no campo deste estudo. Tal observação, permitiu-nos constatar que, o estado físico
debilitado e precário que os diferentes indivíduos que integram estes grupos apresentam, é
comum e uniforme para a maioria dos membros destes grupos sociais.
Com isso, queremos dizer que, existem dados que, para além de nos serem facultados pelos
entrevistados, tivemos a possibilidade de observar, directamente, durante um período de cerca
de quatro semanas, cujo objectivo era de nos facilitar, apurar características ou traços
identitários externos comuns dos indivíduos dos grupos sociais, que constituíssem o nosso
grupo alvo. Assim, a existência de regularidade e uniformidade que os grupos sociais
apresentavam nos seus membros, facilitou-nos a escolha da amostra para a realização das
entrevistas.
Portanto, com base nos dados obtidos, analisamos, se na verdade os diferentes traços comuns,
compartilhados e vivenciados pelos indivíduos integrantes nos grupos sociais, tais como,
valores, normas e regras de conduta, consciência do sentido de pertença, solidariedade nos
laços familiar e de vizinhança, viuvez e orfandade, indicando ideia de proximidade afectiva,
influenciam na formação do perfil social de grupos sociais da mendicidade, de modo a
confirmar ou rechaçar as nossas hipóteses neste trabalho.
Nalguns casos, a formação do perfil social dos grupos advêm do sentido de grau de
consciência que cada indivíduo tem sobre a necessidade da filiação no grupo, a partir da
compartilha de determinados valores, normas e regras de conduta que identificam um grupo
social da mendicidade.
No nosso estudo, procuramos a partir dos depoimentos recolhidos dos diversos entrevistados
que integram os grupos sociais da nossa amostra, descrever e analisar aspectos relacionados
com o perfil social dos grupos que praticam a mendicidade na cidade de Maputo. Do nosso
universo da amostra, constatamos que nas entrevistas realizadas 14 indivíduos pertecentes a 7
grupos sociais dos quais 13 indivíduos de sexo masculino e 1 indivíduo de sexo feminino
apresentaram respostas directas que correspondiam com o objectivo da nossa análise. E, os
restantes 2 indivíduos partilharam com as respostas dadas pelos cônjuges
Com base na pesquisa constatamos que no nosso modelo de análise, a variável perfil social
dos grupos tem uma certa dependência da sua formação a partir da variável laços de
solidariedade, uma vez que o perfil social segundo a análise feita pode resultar da
compreensão intersubjectiva que os indivíduos que integram os grupos sociais têm sobre a sua
filiação num determinado grupo social específico, facto que torna o estabelecimento da
coesão dentro grupo e a consciência das práticas num espaço e tempo determinados.
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 65
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
CONCLUSÃO
O nosso estudo surgiu da necessidade de analisar a mendicidade, de modo a preencher a
lacuna existente nos diferentes trabalhos empíricos já existentes. O nosso enfoque foi centrado
na análise do perfil social dos diferentes grupos sociais da mendicidade na cidade de Maputo.
O nosso estudo foi levado a cabo, objectivado na busca da resposta da nossa questão de
partida, visando a confirmação ou infirmação das hipóteses formuladas para o efeito. O
trabalho realizado no campo permitiu-nos constatar que, a maior parte das pessoas que
partilham determinados traços específicos, tais como, laços de solidariedade familiar afectiva,
de vizinhança ou sentido de pertença a um grupo social da mendicidade específico,
independentemente da deficiência física e/ou visual, tem uma tendência de se juntar em grupo
social específico.
Para o efeito os indivíduos partilham determinadas características, que lhes são comuns e
próprias de cada grupo na sua acção prática do dia-a-dia, tais como valores, normas e regras
de conduta, laços de solidariedade familiar ou de vizinhança e lugares de proveniência,
conferindo aos indivíduos, um sentido de pertença do grupo.
As solidariedades que se criam através dos hábitos e regras de conduta comuns, produzidos a
partir das práticas sociais, são pontos fundamentais do sentido de proximidade e unidade para
a formação do perfil social dos grupos praticantes da mendicidade.
Considerando os dados analisados neste trabalho, podemos estabelecer uma relação intrínseca
entre o nosso objecto de estudo, perfil social dos diferentes grupos na mendicidade, e, a teoria
fenomenológica, segundo a qual, os indivíduos interpretam e compreendem os sentidos e
significados das suas práticas no mundo que os rodeia, recorrendo ao estoque de
conhecimento, para orientar as suas acções do quotidiano, permitindo-lhes situar-se e
interagir, adequadamente, no espaço e tempo determinados, (Schutz, 1979).
Com base nesta orientação teórica da fenomenologia, que se ocupa de tudo o que seja
realidade socialmente produzido e partilhada, centrando a sua atenção nos detalhes,
supostamente insignificantes da vida quotidiana, pensamos que, o estudo do perfil social
destes grupos, tem o seu enquadramento, desde que, analisado do ponto de vista de partilha de
características comuns e sua interpretação pelas pessoas que integram os próprios grupos
sociais, na sua acção do dia-a-dia, de modo a atribuir um significado objectivo.
Tendo o nosso estudo focalizado-se na análise do perfil social dos grupos na mendicidade na
cidade de Maputo, o guião das entrevistas foi feito no sentido de captar a percepção que os
indivíduos envolvidos na mendicidade tem sobre a sua filiação num grupo social específico e
as suas motivações para a consciência do seu sentido de pertença ao grupo.
De acordo com os dados obtidos no quadro da nossa amostra, o nível de respostas obtido nas
entrevistas realizadas, permitiu-nos constatar que 87.5% dos indivíduos entrevistados deram
respostas compatíveis com as hipóteses formuladas na nossa questão de partida, segundo a
qual a formação do perfil social dos grupos depende da partilha de laços comuns entre os
indivíduos de um grupo social específico e os restantes 12.5% corresponderam ao nível de
respostas esperadas no quadro do nosso guião de entrevistas.
Com esta constatação, pensamos ter conseguido alcançar o nosso objectivo neste trabalho,
estabelecer a correlação da nossa questão de partida com a confirmação das nossas duas
hipóteses, segundo as quais, quanto mais os indivíduos forem influenciados por laços de
Monografia/Licenciatura em Sociologia – 2011 67
Perfil social dos grupos na mendicidade na cidade de Maputo
solidariedade familiar, deficiência física e/ou visual, vizinhança, partilha dos mesmos valores,
normas e regras de conduta comuns, sentido de pertença, maior é a tendência para formarem
grupos específicos da prática da mendicidade, na base das categorias como sexo e idade.
E a outra de que, quanto maior for a privação de recursos financeiros e materiais, maior é a
tendência dos indivíduos juntarem-se em grupos específicos que encontram na mendicidade
uma estratégia de sobrevivência, considerando que, indivíduos que estão desprovidos de
recursos básicos para a sua sobrevivência, procuram, estratégias comuns de sobrevivência no
espaço em que se encontram situados.
Sendo assim, podemos afirmar que, existe uma ligação entre a questão de partida, os
objectivos geral e específicos e as hipóteses do nosso trabalho. Nesse âmbito, esperamos que
este trabalho, venha a dar um contributo nos trabalhos futuros, bem como servir de material
de consulta bibliográfica no campo da sociologia.
7. BIBLIOGRAFIA
ACCARDO, Alain: Initiation à la Sociologie – Une Lecture de Bourdieu, Ed. Le Mascaret,
Bourdeaux, 1991.
__________: Stigma, Prentice Hall, trad. Stigmate. Les Usages Sociaux des Handicaps. Paris.
Éd. De Minuit, 1975.
MACIE, Joana: Mendicidade: O Lado Mais Visível da Pobreza Urbana? Jornal “notícias”,
Maputo, 29 de Setembro de 2010, Primeiro Plano, Pg. 2, 2010.
Quivy, Raymond & Campenhoudt, Luc: Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa,
Gradiva Publicações, Lda, 1995.
SERRA, Carlos: Em Cima de Uma Lamina – Um Estudo Sobre Precariedade Social em Três
Cidades de Moçambique – Maputo: Imprensa Universitária – UEM, 2003.
ANEXOS
- Local de Residência
2 - O que o levou a optar por esta prática? (captar se alguém influenciou? Quando iniciou?
(Se for das sextas-feiras, porquê das sextas-feiras e não de todos os dias?)
6 - Porque é que optou pela zona baixa da cidade para pedir esmola e não outro local?
7 - Para além da mendicidade, que outra actividade faz na tua vida quotidiana?
8 - Pode nos contar como é que se integrou neste grupo para se dedicar a mendicidade?
11 - O que o levou a escolher este grupo (Bairro Central, Zona baixa da Cidade de Maputo) e
não outro que está, por exemplo, no Bairro de Xipamanine ou Alto-Maé?
18 - Em frente aos portões dos estabelecimentos comerciais, temos visto diferentes grupos,
sendo grupos de crianças de ambos os sexos e grupos de adultos e idosos igualmente de
ambos os sexos, pode nos dizer como é que se processa a sua formação?
22. Quantos membros compõem o seu agregado familiar? E quais a suas ocupações?
25. E os que não mendigam, solidarizam-se com essa prática pelos membros da família?
c) - Perguntas dirigidas para pessoas que manipulam a identidade para se integrar nos
grupos sociais da mendicidade.
26. Há quanto tempo é que pratica a mendicidade? E porquê escolheu este grupo?
27. Que tipo de relações tem com os outros membros do grupo em que está integrado?
28. Para além da mendicidade, qual tem sido o seu dia-a-dia junto aos seus amigos?
29. O seu aspecto físico não justifica a sua presença neste grupo, quais são as outras técnicas
que utilizou para se integrar no grupo?
30. Qual tem sido a reacção dos outros membros do grupo, com a sua presença?
34. Tem recebido algum apoio dos familiares? Caso não, explique porquê?
35. Que relação de parentesco existe com a pessoa que tem empurrado a carrinha?
36. Existe alguma compensação monetária por esta ajuda? (se sim, explique como é feita?)