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VOTO VENCIDO
2.2. Deveras, Miguel Reale trouxe, no tocante ao novo Código Civil, as diretrizes
da "socialidade", trazendo cunho de humanização do Direito e de vivência social, da
"eticidade", na busca de solução mais justa e equitativa, e da "operabilidade", alcançando o
Direito em sua concretude. Quanto à posse, já reconhecia que:
Em virtude do princípio da socialidade, surgiu também um novo conceito de
posse, a posse-trabalho, ou posse pro labore, em virtude da qual o prazo
de usucapião de um imóvel é reduzido, conforme o caso, se os possuidores
nele houverem estabelecido a sua morada, ou realizado investimentos de
interesse social e econômico. Por outro lado, foi revisto e atualizado o
antigo conceito de posse, em consonância com os fins sociais da
propriedade.
[...]
Mais do que nunca se impõe, por conseguinte, a disciplina da propriedade
em razão de sua já apontada 'função social', o que, como explico na
Exposição de Motivos, repercute em vários preceitos, no tocante, por
exemplo, à posse, cuja apreciação deixa de ser feita segundo os critérios
formalistas da tradição romanista, a qual não distingue a posse simples, ou
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improdutiva, da posse acompanhada de obras e serviços realizados nos
bens possuídos, o que exige seja dada a atenção devida aos valores do
trabalho. Esse novo conceito de posse é, fora de dúvida, uma das
contribuições originais do Direito pátrio, já consagrado em nossa legislação
agrária sob a denominação usual, embora imprópria, de posse pro labore.
[...]
De igual modo é urgente encontrar uma solução jurídica para
reiterados dramas sócio-econômicos conseqüentes de conflitos
entre os proprietários de terras, vencedores em ações
reivindicatórias após dezenas de anos de demanda, e aqueles que,
de boa-fé, nelas edificaram, entrementes, sua morada realizaram
benfeitorias de irrecusável alcance social.
(REALE, Miguel. O projeto de código civil: situação após a aprovação pelo
Senado Federal. São Paulo: Saraiva, 1999, p.7 e 33)
Em relação à posse, o Código Civil atual, em seu art. 1.196, adotando a teoria
objetivista de Ihering, enuncia: "considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o
exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade"; isto é, segundo a lei,
para se ter posse basta o exercício de um dos atributos do domínio.
E, assim como dantes, o novo Código (art. 1210, caput) manteve a faculdade
de o possuidor invocar interditos possessórios (interdito proibitório, manutenção de posse e
reintegração de posse) para proteção de sua posse ad interdicta, podendo a ação ser de
força nova (possibilidade de concessão de liminar initio litis) ou de força velha (nos trilhos do
procedimento ordinário), nos termos do art. 924 do CPC.
3. Diante disso é que o autor, ora recorrente, afirmando esbulho em sua posse
dentro do prazo de ano e dia, ajuizou ação de reintegração asseverando ser a sua posse
melhor que a da ré.
3.1. O CJF editou o Enunciado n. 239, da III Jornada de Direito Civil, dispondo
que: "Na falta de demonstração inequívoca de posse que atenda à função social, deve-se
utilizar a noção de 'melhor posse', com base nos critérios previstos no parágrafo único do art.
507 do CC/1916".
Com efeito, Sílvio Venosa, ao tratar do parágrafo único do antigo art. 507,
ressalta que os "aspectos circunstancias não são mais enunciados no atual Código Civil. No
caso concreto, caberá ao juiz avaliar a melhor posse, e esse enunciado do ordenamento
passado pode servir de ponto de partida" (in Código civil comentado: direito das coisas,
posse, direitos reais, propriedade, artigos 1.196 a 1.368, volume XII. Coordenador Álvaro
Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003, p.65).
Nessa ordem de ideias, entendo que para a definição do que seja "melhor
3.3. Na hipótese, como visto, o Juízo de origem entendeu que a "melhor posse"
é a da ré, ora recorrida, porquanto mais antiga, valendo-se da aplicação do art. 507, parágrafo
único, do CC/1916 - tendo em vista a omissão normativa do novo Código Civil -, deixando de
adentrar no conteúdo da posse, isto é, na exteriorização da função social dada à posse do
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imóvel em testilha.
Assim, diante da limitação de atuação do Superior Tribunal de Justiça no
tocante a questões fático-probatórias, deverão os autos retornar à origem para que seja
analisada a "melhor posse" do caso em concreto na perspectiva de sua função social.
4. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para anular a sentença e
o acórdão recorridos, de modo a que o Juízo de origem analise a "melhor posse" do caso em
concreto à luz de sua função social.
É como voto.