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PODER JUDICIÁRIO
SÃO PAULO

Comarca de Apiaí/Vara Única


Controle: 1559/08
Ação de Reintegração de Posse
Autor: José Martins Conceição
Réu: Eurico Vergílio Maciel

VISTOS PARA SENTENÇA.

JOSÉ MARTINS CONCEIÇÃO, já devidamente qualificado, ajuizou a presente Ação


de Reintegração de Posse em face de EURICO VERGILIO MACIEL, igualmente
qualificado. Alegou ser legítimo titular de uma gleba de terras medindo aproximadamente 1
(um) alqueire, vizinha ao sítio onde reside, adquirida de Desidero Ribeiro dos Santos e
Vitória Gomes dos Santos, os quais, por sua vez, receberam-na de herança. Assevera,
outrossim, que a terra em questão se encontra inserida em outra maior, de 16 alqueires, sendo
o réu proprietário de outro imóvel lindeiro. Esclareceu que ao tentar cercar seu terreno foi
impossibilitado pelo demandado, sob o argumento de que tal pedaço de terra lhe pertencia.
Desse modo, requereu a expedição de mandado de reintegração de posse, a citação do réu e a
concessão do benefício da Justiça Gratuita. Valorou a causa e juntou documentos (fls. 02/13 e
16/19).

Designada audiência de justificação prévia, na oportunidade foi deferida a liminar (fl.


24/46) para reintegrar o autor na posse do imóvel.

O réu, no prazo de reposta, apresentou contestação (fls. 48/54). Em preliminar alegou a


ilegitimidade do autor em propor a ação e a inépcia da inicial. No mérito, alinhavou que
sempre ocupou a área reclamada pelo autor, ao contrário do alegado. Aduziu ainda que o casal
que vendeu o direito possessório do dito imóvel ao demandante jamais exerceu a posse sobre
ele, impossibilitando o pedido de reintegração na posse, porquanto jamais exercida. Requereu,
ao final, a revogação da liminar concedida e a improcedência do pedido deduzido. Juntou
documentos (fls. 48/60).

Houve réplica às fls. 70/71.

Saneado o feito, foram afastadas as preliminares deduzidas pelo réu, deferida a produção
de prova oral e designada data para audiência de instrução e julgamento (fl.89/90).

Aberta a audiência, presentes as partes, foi tomado o depoimento pessoal do autor,


inquirida uma testemunha arrolada por ele outras quatro pelo demandado. Ao final, deferiu-se
a apresentação de alegações finais por intermédio de memoriais (fls. 102/108), o que
devidamente atendido às fls. 110/111 e 113/118.

É o relato do necessário. FUNDAMENTO e DECIDO.

Trata-se de ação de reintegração de posse ajuizada por José Martins Conceição em


face de Eurico Vergílio Maciel.

Não havendo outras questões preliminares a serem apreciadas, posto que as alegadas na
contestação foram afastadas no saneador de fls. 89/90, reconheço presentes os pressupostos
processuais de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo. Concorrem ao
caso as condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o
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interesse processual, entendidas como de direito abstrato. Também não vislumbro qualquer
vício processual, estando ausentes as hipóteses dos artigos 267 e 295 do Código de Processo
Civil.

A petição é apta e o procedimento corresponde à natureza da causa. A pretensão


deduzida não carece de pedido ou causa de pedir. Ademais, o pedido é, em tese, juridicamente
possível, não havendo incompatibilidade de pedidos, sendo que, a princípio, da narração dos
fatos decorre logicamente a conclusão.

No mérito, o pedido procede.

A lide discute questões possessórias e, sobre o assunto, já decidiu o Superior Tribunal


de Justiça que “é da apuração da situação fática que se pode aferir a natureza da
titularidade do possuidor. Colhe-se da doutrina que possuidor é aquele que atua frente a uma
coisa como se fosse proprietário, pois exerce alguns dos poderes inerentes ao domínio e a
posse” (AgRgAg 29.384 MS, relator Ministro Waldemar Zveiter).

Assim, para análise do direito reclamado, deve-se levar em conta a situação fática de
ambas as partes, relacionadas ao efetivo exercício dos poderes dominiais, em detrimento da
titularidade do imóvel (art. 1196 do Código Civil, cuja redação foi influenciada pela doutrina
objetiva de Ihering).

Vale dizer, “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de


propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”, consoante dispõe o art. 1210, §2º, do Código
Civil, e art. 923 do Código de Processo Civil.

Assim, realizadas essas observações, volto-me ao caso em concreto.

Para que seja concedida a almejada reintegração da posse da área em litígio, incumbe ao
autor demonstrar atendimento dos requisitos constantes do art. 927 do Código de Processo
Civil, quais sejam: a) a prova de sua posse; b) o esbulho praticado pelos réus; c) e a data do
esbulho e da perda da posse.

E, compulsando os elementos de prova carreados aos autos, entendo por provados os


adminículos necessários à procedência do pedido.

O autor, em seu depoimento pessoal de fl. 103 afirmou residir e possuir um imóvel
lindeiro ao terreno de um alqueire, ora disputado, este último adquirido de Vitória Gomes
dos Santos e Desidério Ribeiro dos Santos, cujo comprovante de propriedade se encontra
encartado à fl. 05. Registrou, na oportunidade, passar a ocupar o imóvel somente depois de
sua aquisição, em meados de 2007 e que, em dezembro de 2008, o réu cercou o terreno, no
intuito de impedir sua posse. Ademais, enfatizou estar o imóvel de um alqueire esbulhado
inserido em uma terra maior, de 16 alqueires e que, antes de passar ocupá-la, a gleba era
somente mato.

Vitória Gomes, alienante do terreno, à fl. 45 reconheceu ser a área vendida, de sua
propriedade, vazia antes da posse exercida pelo autor. Disse, outrossim, que “após o autor
medir a área e antes de fazer a cerca o réu lá apareceu e a cercou.”
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A testemunha Desidério Ribeiro, na mesma passada, narrou ocupar o autor a área de


um alqueire alienada quando da medição (fl. 104).

Geraldo Ferreira e Lazaro Lopes, por seu turno, às fls. 44 e 46, respectivamente,
afirmaram que ao lado do terreno do autor há uma gleba de terra de aproximadamente 16
alqueires pertencente a alguns herdeiros, dentre eles o demandado. Disseram que o réu ocupa
uma outra parte da gleba. E mais, esquadrinharam que o autor adquiriu um terreno, no caso o
disputado um alqueire, sendo, então, sua utilização impedida pelo réu, o qual o cercou. Ainda
em uníssono, esclareceram se tratar a área de um terreno baldio e que, antes do autor a
ocupá-la, ninguém a possuía.

Veja-se, pois, restarem demasiadamente comprovados os fatos constitutivos do direito


do autor. Segundo os depoimentos concatenados, após o demandante comprar dos herdeiros
Vitória e Desidério uma gleba lindeira a sua, medindo um alqueire, até então desocupada, e
passar a possuí-la, o réu, valendo-se de sua ausência em determinada ocasião, logrou erguer
uma cerca para impedir a posse exercida.

E, se por um lado as testemunhas arroladas pelo réu mostraram-se nitidamente


contraditórias, por outro reconheceram ter sido ele o responsável pelo levantamento da cerca,
divisando a gleba do autor com aquela em litígio.

A testemunha Boanerges Delgado, à fl. 105, disse que o “um alqueire objeto da
discussão judicial faz divisa com a terra pertencente ao autor; (...) que na área em questão
Eurico plantava de todo tipo de lavoura, feijão, milho, arroz e mandioca; que faz muito
tempo que Eurico usou a terra para o plantio; que atualmente Eurico ainda usa a gleba
para plantar; que há seis meses atrás foi na área disputada, onde foi erguida uma cerca,
sendo que de um lado havia a residência de José e do outro lado da cerca havia plantação de
feijão, arroz, milho e batata; que a plantação em questão fica localizada bem ‘pertão’ da
casa do autor; que é o réu quem cuida da plantação em questão; que reafirma seu
depoimento, mesmo ciente de que em dezembro de 2008 foi concedida liminar em favor do
autor; (...) que não sabe se nos últimos dez anos Eurico plantou no um alqueire.”

Por intermédio de uma rápida leitura do depoimento em testilha, salta aos olhos as
gritantes contradições lançadas pela testemunha Boanerges. E isso porque ora afirmou não
ocupar o demandado a área há mais de dez anos e ora referiu estar o mesmo a possuindo até a
audiência, mesmo após ser cientificado da existência de uma liminar outorgando a posse da
gleba ao autor, vigente desde dezembro de 2008.

José Domingues, genro do réu, ouvido à fl. 106, registrou jamais haver o autor ocupado
a área em litígio. Ocorre que o laço de parentesco, ainda que por afinidade, torna evidente seu
interesse em prestigiar o demandado, de modo a ser necessário o recebimento de seu
depoimento com reservas. Não por outras razões é que foi ouvido como informante.

A testemunha Ildalecio Conceição, à fl. 107, enfatizou haver o réu, há muito tempo
atrás, limpado a área, utilizando-se dela, desde então, para o plantio. Todavia, da mesma
forma que o testigo anterior, seu depoimento deve ser recebido com ressalvas. Exibida a
fotografia juntada à fl. 06, o depoente disse se tratar do um alqueire discutido e que, na sua
opinião, a área em questão é de pasto, o que facilmente se apercebe ser um absurdo.
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E, para arrematar a contraditória defesa, a testemunha Aparício da Silva, à fl. 108,


afirmou conhecer a área em litígio, complementando que o demandado, até o deferimento da
liminar, fazia uso dela para o plantio, inclusive na região lindeira ao imóvel do autor. Ocorre
que, novamente ao se exibir a fotografia de fl. 06 - de onde se infere o abandono da gleba
pretensamente ocupada para o plantio - , enfadonhamente a testemunha alegou não conseguir
enxergar, uma vez que sua “visão não o ajuda.”

Articulados estes fundamentos, outra não pode ser a conclusão senão aquela esboçada
quando do deferimento da liminar de fl. 24, onde se fundamentou que: “Embora não se saiba
quem cedeu a posse da área mencionada na inicial ao autor, já que a alienante, nesta
audiência, disse que nunca morou no imóvel, não resta dúvidas, ao menos nesta fase de
cognição sumária, que o réu também, em nenhum momento, possuiu tal pedaço de terra. Ao
menos duas testemunhas disseram que antes do autor passar a ocupar o imóvel, ele era vazio,
sem nenhuma plantação. Portanto, o autor, no presente caso deve ser considerado o
verdadeiro posseiro.”

Vale dizer, se por um lado não se fez prova a respeito do exercício da posse pelos
alienantes Desidério e Vitória, a justificar sua transmissão ao autor, por outro, tampouco
logrou o demandado comprovar que dela fazia uso. Assim, efetivamente emerge dos autos
que, após adquirir a propriedade em meados de junho de 2007, passou o autor a ocupar a
gleba disputada até o momento em que o exercício de sua posse foi obstaculizado pelo ato
esbulhatório praticado pelo réu, consistente em cercá-la.

Em suma, entendo que o conjunto probatório amealhado evidencia com clareza a posse
pretérita do autor na área em litígio e o esbulho praticado pelo réu, sendo a procedência do
pedido reintegratório medida forçosa a ser trilhada.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido de Reintegração de Posse


deduzido por JOÃO MARTINS CONCEIÇÃO em face de EURICO VERGILIO
MACIEL, com fundamento no art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, para tornar
definitiva a liminar concedida e garantir a posse do autor sobre o bem imóvel descrito na
inicial, ficando o réu proibido de praticar atos de turbação ou esbulho.

Esta sentença, por confirmar os efeitos da liminar deferida à fl. 24, não se submete
ao duplo efeito previsto no art. 520 do Código de Processo Civil.

Sucumbente, a parte perdedora arcará com o pagamento das custas, das despesas
processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados estes, por equidade, em R$ 400,00,
sobre os quais incidirão correção e juros legais. Tudo em vista do grau de zelo, do lugar de
prestação do serviço, da natureza e importância da causa, do trabalho realizado pelo(s)
procurador(es) da parte vencedora e do tempo exigido, ex vi do § 4º do art. 20 do Código de
Processo Civil.

Fixo honorários ao causídico indicado pelo convênio DPE/OAB no máximo da


respectiva tabela, em virtude do trabalho desenvolvido ao longo do feito.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Transitada em julgado, arquive-se o feito,


dando-se as baixas de estilo.
Paulo Alexandre Rodrigues Coutinho
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Apiaí (SP), 04 de agosto de 2010. Juiz de Direito

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