Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
1020493-56.2017.8.26.0625, da Comarca de Taubaté, em que são apelantes MARIA DAS DORES RAMOS DA SILVA (ESPÓLIO) e VALDECY RAMOS DA SILVA (INVENTARIANTE), é apelado EXPEDIDO RAMOS DA SILVA.
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI
(Presidente sem voto), JOÃO PAZINE NETO E ALEXANDRE MARCONDES.
São Paulo, 7 de maio de 2019.
Carlos Alberto de Salles
Relator Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
Apelação nº: 1020493-56.2017.8.26.0625
Comarca: Taubaté Apelante: Maria das Dores Ramos da Silva (espólio) e outro Apelado: Expedito Ramos da Silva
Juiz sentenciante: Pedro Henrique do Nascimento Oliveira
VOTO Nº: 18380
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. LESÃO. Insurgência da filha da vendedora, já falecida, em face da sentença de improcedência. Reforma. Lesão verificada. Vendedora que padecia de enfermidades há anos. O comprador, irmão da vendedora, aproveitou-se da premente necessidade dela, para convencê-la à transferência do imóvel por preço vil. Valor do negócio bastante inferior ao valor venal e sem qualquer demonstração de pagamento. Anulabilidade procedente. Recurso provido.
Trata-se de recurso de apelação tirado contra a r.
sentença de ps. 418/421, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Taubaté, que julgou improcedente o pedido de nulidade da compra e venda c/c perdas e danos, condenando a autora ao pagamento das custas processuais, bem como dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observadas as regras da gratuidade processual. Pleiteia a apelante a reforma do julgado, alegando, em síntese, que foi comprovado o valor do imóvel à p. 35; que as testemunhas demonstram que a falecida nunca mencionou que iria vender a casa; que o apelado se contradiz com relação ao pagamento do preço; que ninguém presenciava os pagamentos; que não anotava nada sobre os pagamentos; e, finalmente, que a falecida se encontrava muito doente. Apresentadas as contrarrazões (ps. 432/441), encontram-se os autos em termos de julgamento.
É o relatório.
Cuida-se de ação de inexistência e consequente
nulidade da escritura de compra e venda do imóvel indicado na inicial, bem como a condenação dos réus ao pagamento de perdas e danos mensais fixados em 10% do valor do imóvel, além da condenação nos crimes de falsidade ideológica e crime contra a ordem tributária. Em apreciação liminar, a ação foi extinta sem
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julgamento do mérito com relação ao 1º Tabelião de Notas e Protestos
de Taubaté (ps. 256/260). Inconformada com a improcedência dos pedidos, insurge-se a autora nesta oportunidade, reiterando-se apenas o pedido referente à anulação do negócio jurídico. Assiste-lhe razão. Consta que, em 02/05/2016, a mãe da autora, Sra. Maria das Dores Ramos da Silva, vendeu o imóvel localizado à Rua Geralda Marcolino, nº 50, em Taubaté para seu irmão, Expedito Ramos da Silva, ora réu, pelo valor de R$ 40.000,00. Para tanto, basta a consulta ao registro imobiliário de p. 32. Sustenta a autora, filha da vendedora falecida em 10/03/2017, que o negócio jurídico é inexistente ou nulo por conta da existência de lesão. No entanto, o vício previsto no art. 157 do Código Civil implica anulabilidade quando “uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a uma prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. Nesse cenário, com o devido respeito à posição do ilustre sentenciante, não é necessária a prova da incapacidade mental da vendedora. Bastava a demonstração de premente necessidade ou de inexperiência, além da desproporcionalidade. Ou seja, basta que a parte favorecida tenha se aproveitado de uma situação de inferioridade da outra parte. Esse é o caso dos autos. O réu, sabedor tanto da intenção da Sra. Maria das Dores de se desfazer de seus bens, quanto das dificuldades que ela enfrentava, aproveitou-se da situação, convencendo-a à transferência do único imóvel por valor manifestamente desproporcional. Primeiro, porque é incontroverso que a vendedora, não obstante consciente e ainda apta para os atos da vida civil, estava enferma há muitos anos: enfrentava câncer de mama e inúmeras dificuldades e consequências da paraplegia, inclusive amputação ao final da vida. Há notícia, inclusive, de ter experimentado situações de abuso em asilo e episódios de depressão (ps. 16/28). Em segundo lugar, o preço contratual do imóvel (R$ 40.000,00) equivale a menos de 65% do valor venal do imóvel (R$ 63.546,05), sendo de conhecimento notório que a estimativa oficial é sempre defasada em relação ao valor real do mercado. Aliás, a autora trouxe uma consulta imobiliária, que não foi expressamente impugnada, dando conta de que o imóvel estaria
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avaliado em R$ 150.000,00 (p. 35).
Ademais, que não houve demonstração alguma de pagamento. Sustenta o réu que, por 20 anos, teria auxiliado financeiramente a irmã, mas trouxe apenas os documentos de ps. 307/310 dando conta da compra de uma máquina de lavar, em 2015, no valor de R$ 1.299,00, de uma conta no Pão de Açúcar, em 2012, no valor de R$ 729,00 e de 3 contas nas Casas Bahia, que não chegam a R$ 1.000,00. Não há depósito bancário, nem recibo e as testemunhas não sabem esclarecer a frequência do pagamento, tampouco os valores que teriam sido entregues em moeda. Fica patente, dessarte, que houve vício de consentimento na modalidade lesão à parte vendedora que, além de ter se comprometido à transferência do imóvel por valor vil em momento de premente necessidade, nem sequer recebeu o pagamento. Anota-se, por fim, que a escritura somente foi registrada no competente cartório de imóveis após o falecimento da vendedora, sendo certo que, à essa data, a propriedade e a posse do referido imóvel já havia sido transferida à autora, por força do art. 1.784 do CC. Por isso, por este voto, dá-se provimento ao recurso de apelação, para anular a compra e venda, invertendo-se as verbas de sucumbência.