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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0000343994

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1020493-56.2017.8.26.0625, da Comarca de Taubaté, em que são apelantes MARIA DAS
DORES RAMOS DA SILVA (ESPÓLIO) e VALDECY RAMOS DA SILVA
(INVENTARIANTE), é apelado EXPEDIDO RAMOS DA SILVA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao
recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores DONEGÁ MORANDINI


(Presidente sem voto), JOÃO PAZINE NETO E ALEXANDRE MARCONDES.

São Paulo, 7 de maio de 2019.

Carlos Alberto de Salles


Relator
Assinatura Eletrônica
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Apelação nº: 1020493-56.2017.8.26.0625


Comarca: Taubaté
Apelante: Maria das Dores Ramos da Silva (espólio) e outro
Apelado: Expedito Ramos da Silva

Juiz sentenciante: Pedro Henrique do Nascimento Oliveira

VOTO Nº: 18380


COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO
JURÍDICO. LESÃO. Insurgência da filha da vendedora, já
falecida, em face da sentença de improcedência. Reforma. Lesão
verificada. Vendedora que padecia de enfermidades há anos. O
comprador, irmão da vendedora, aproveitou-se da premente
necessidade dela, para convencê-la à transferência do imóvel
por preço vil. Valor do negócio bastante inferior ao valor venal e
sem qualquer demonstração de pagamento. Anulabilidade
procedente. Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação tirado contra a r.


sentença de ps. 418/421, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 5ª Vara
Cível da Comarca de Taubaté, que julgou improcedente o pedido de
nulidade da compra e venda c/c perdas e danos, condenando a autora
ao pagamento das custas processuais, bem como dos honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observadas as
regras da gratuidade processual.
Pleiteia a apelante a reforma do julgado, alegando,
em síntese, que foi comprovado o valor do imóvel à p. 35; que as
testemunhas demonstram que a falecida nunca mencionou que iria
vender a casa; que o apelado se contradiz com relação ao pagamento
do preço; que ninguém presenciava os pagamentos; que não anotava
nada sobre os pagamentos; e, finalmente, que a falecida se encontrava
muito doente.
Apresentadas as contrarrazões (ps. 432/441),
encontram-se os autos em termos de julgamento.

É o relatório.

Cuida-se de ação de inexistência e consequente


nulidade da escritura de compra e venda do imóvel indicado na inicial,
bem como a condenação dos réus ao pagamento de perdas e danos
mensais fixados em 10% do valor do imóvel, além da condenação nos
crimes de falsidade ideológica e crime contra a ordem tributária.
Em apreciação liminar, a ação foi extinta sem

Apelação Cível nº 1020493-56.2017.8.26.0625 -Voto nº 2


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julgamento do mérito com relação ao 1º Tabelião de Notas e Protestos


de Taubaté (ps. 256/260).
Inconformada com a improcedência dos pedidos,
insurge-se a autora nesta oportunidade, reiterando-se apenas o pedido
referente à anulação do negócio jurídico.
Assiste-lhe razão.
Consta que, em 02/05/2016, a mãe da autora, Sra.
Maria das Dores Ramos da Silva, vendeu o imóvel localizado à Rua
Geralda Marcolino, nº 50, em Taubaté para seu irmão, Expedito Ramos
da Silva, ora réu, pelo valor de R$ 40.000,00.
Para tanto, basta a consulta ao registro imobiliário de
p. 32.
Sustenta a autora, filha da vendedora falecida em
10/03/2017, que o negócio jurídico é inexistente ou nulo por conta da
existência de lesão. No entanto, o vício previsto no art. 157 do Código
Civil implica anulabilidade quando “uma pessoa, sob premente
necessidade, ou por inexperiência, se obriga a uma prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.
Nesse cenário, com o devido respeito à posição do
ilustre sentenciante, não é necessária a prova da incapacidade mental
da vendedora. Bastava a demonstração de premente necessidade ou de
inexperiência, além da desproporcionalidade. Ou seja, basta que a parte
favorecida tenha se aproveitado de uma situação de inferioridade da
outra parte.
Esse é o caso dos autos.
O réu, sabedor tanto da intenção da Sra. Maria das
Dores de se desfazer de seus bens, quanto das dificuldades que ela
enfrentava, aproveitou-se da situação, convencendo-a à transferência
do único imóvel por valor manifestamente desproporcional.
Primeiro, porque é incontroverso que a vendedora,
não obstante consciente e ainda apta para os atos da vida civil, estava
enferma há muitos anos: enfrentava câncer de mama e inúmeras
dificuldades e consequências da paraplegia, inclusive amputação ao
final da vida. Há notícia, inclusive, de ter experimentado situações de
abuso em asilo e episódios de depressão (ps. 16/28).
Em segundo lugar, o preço contratual do imóvel (R$
40.000,00) equivale a menos de 65% do valor venal do imóvel (R$
63.546,05), sendo de conhecimento notório que a estimativa oficial é
sempre defasada em relação ao valor real do mercado.
Aliás, a autora trouxe uma consulta imobiliária, que
não foi expressamente impugnada, dando conta de que o imóvel estaria

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avaliado em R$ 150.000,00 (p. 35).


Ademais, que não houve demonstração alguma de
pagamento. Sustenta o réu que, por 20 anos, teria auxiliado
financeiramente a irmã, mas trouxe apenas os documentos de ps.
307/310 dando conta da compra de uma máquina de lavar, em 2015,
no valor de R$ 1.299,00, de uma conta no Pão de Açúcar, em 2012, no
valor de R$ 729,00 e de 3 contas nas Casas Bahia, que não chegam a
R$ 1.000,00. Não há depósito bancário, nem recibo e as testemunhas
não sabem esclarecer a frequência do pagamento, tampouco os valores
que teriam sido entregues em moeda.
Fica patente, dessarte, que houve vício de
consentimento na modalidade lesão à parte vendedora que, além de ter
se comprometido à transferência do imóvel por valor vil em momento
de premente necessidade, nem sequer recebeu o pagamento.
Anota-se, por fim, que a escritura somente foi
registrada no competente cartório de imóveis após o falecimento da
vendedora, sendo certo que, à essa data, a propriedade e a posse do
referido imóvel já havia sido transferida à autora, por força do art.
1.784 do CC.
Por isso, por este voto, dá-se provimento ao
recurso de apelação, para anular a compra e venda, invertendo-se as
verbas de sucumbência.

CARLOS ALBERTO DE SALLES


Relator

Apelação Cível nº 1020493-56.2017.8.26.0625 -Voto nº 4

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