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S. R.
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
Sumário:
1) O que é decisivo para avaliar da verificação do requisito cumulativo previsto no
artº 32º do RGIT, essencial para a dispensa da coima não é um prejuízo hipotético mas um
prejuízo concreto e ligado ao montante da receita tributária expresso em números.
2) O instituto da atenuação especial da coima não determina, necessariamente, a
aplicação da coima pelo mínimo legal.
3) No caso dos autos não se verificam os pressupostos para a peticionada dispensa
da pena mas mostra-se adequada a atenuação especial da pena atendendo ao facto
essencial de que a empresa arguida na data de aplicação da coima, isto é em 14.09.2004,
já ter a situação regularizada desde 24.06.2002, reconhecendo a sua responsabilidade.
O Relator:
Ascensão Lopes
1- RELATÓRIO
L……. – Q……………. Ldª, com os sinais nos autos, inconformada com a decisão
proferida pelo Mm.ºJuiz do TT de Lisboa que negou provimento ao recurso interposto da
decisão que lhe aplicou a coima de € 8.167,00 veio da mesma recorrer para este Tribunal
formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se
reproduzem:
“A - O douto acórdão recorrido não tem em consideração a aferição objectiva da
gravidade da infracção e as circunstâncias; em que a mesma se verificou.
B - O douto acórdão recorrido ao manter a decisão de 14.09.2004, do Exmo Sr.
Director de Finanças que aplicou a coima de € 8.117, inculca no mesmo erro em que o
Exmo Sr. Director de Finanças incorreu, pois nessa data - 14.09.2004 - data da aplicação da
coima - já a infracção se encontrava regularizada pelo pagamento do montante do IVA – cfr
ponto 9 da matéria de facto e doc. junto a fls 109 dos autos.
C - Tal coima, de cuja decisão se recorre - repete-se - é excessiva e não tem em
conta as circunstâncias que determinam aplicação da medida da coima:
D - Designadamente, não tem em consideração a aferição objectiva da gravidade
da infracção;
E- Não tem em consideração a graduação da culpa do agente;
F- Não tem em consideração a situação económica da empresa Recorrente,
embora tenham sido juntos aos autos elementos contabilísticos que provam a difícil
situação financeira da empresa;
G - Não refere qual o beneficio económico que a arguida, retirou da prática da
infracção;
H - Não toma em consideração, como devia, o facto de a empresa arguida na data
de aplicação da coima, isto é em 14.09.2004, já ter a situação regularizada desde
24.06.2002”
Termos em que deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que,
se não dispensar da aplicação da coima, venha pelo menos aplicar a coima mínima.
Assim e com o douto suprimento de V.Ex.ª deverá ser dado provimento ao presente
recurso como é de JUSTIÇA”
2- FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “ a quo” deu como provada a seguinte factualidade, que não se confirma
na integra como infra se verá:
1- No dia 23/3/2002, quando se encontrava no exercício das suas funções, um
funcionário da Administração Fiscal, verificou pessoal e directamente que a sociedade "L….
- Q……, L.da.", com sede em Lisboa, e área de competência deste Tribunal, enquadrada
em I.V.A. no regime normal com periodicidade mensal, não efectuou o pagamento do
imposto sobre o valor acrescentado, previamente liquidado nos termos da lei, relativo ao
mês de Agosto de 2001 e no montante de € 34.607,74 (trinta e quatro mil seiscentos e sete
euros e setenta e quatro cêntimos), cujo termo final de cumprimento da obrigação ocorreu
no pretérito dia 10/10/2001, tudo conforme auto de notícia de fls.2 e 3 do processo, o qual
se dá aqui por integralmente reproduzido;
2- O auto de notícia mencionado no n°.1 deu origem ao presente processo de
contra-ordenação fiscal, cuja parte administrativa correu seus termos no 12°. Serviço de
Finanças de Lisboa (cfr. capa do processo administrativo);
3- No âmbito da qual, em 7/5/2002, o arguido foi notificado nos termos e para os
efeitos do art°.70, do R.G.I.T., tendo apresentado a defesa constante do requerimento junto
a fls.7 e 8 dos presentes autos o qual se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr.fls.5 e 6
dos autos);
4- Em 14/9/2004, através de despacho do Director de Finanças, exarado a fls.20 e
21 dos autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido foi aplicada coima ao arguido
no montante de € 8.167,00 (oito mil cento e sessenta e sete euros), devido à prática da
contra-ordenação identificada no n°.1 supra, e p.p. nos art°s.26, n°.1, e 40, n°.1, al.a), do
Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.), e 26, n°.4, e 114, n°.2, do R. G. l
T., decisão que lhe foi comunicada em 27/9/2004 (cfr.fls.22 e 23 dos presentes autos);
5- Em 20/10/2004, deu entrada no 12°. Serviço de Finanças de Lisboa o recurso da
decisão de aplicação de coimas interposto pelo arguido e que deu origem ao presente
processo (cfr.data de entrada aposta a fls.24 dos autos);
6- Os representantes da sociedade arguida agiram de forma negligente e sem o
cuidado devido, não levando em consideração o regime legal, para efeitos de l.V.A., relativo
às operações efectuadas no exercício da sua actividade;
7- Da conduta do arguido resultou efectivo prejuízo para a Fazenda Nacional
(expresso no montante de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado no tempo
e lugar devidos - € 34.607,74);
8- Consta dos autos que o arguido se encontra indiciado da prática de outras
infracções ao disposto no regime declarativo e de pagamento do l.V.A. (cfr. quadro 2
constante da informação anexa ao auto de notícia e junta a fIs.3 do processo);
9- Em 24/6/2002, no âmbito de processo de execução fiscal, o arguido efectuou o
pagamento do montante de I.V.A. identificado no n°.1 supra ,cfr. documento junto a fls. 109
dos autos).
3- DO DIREITO
Para julgar o recurso improcedente, o MmºJuiz do Tribunal de 1ª instância
considerou o seguinte:
“ Procedendo ao enquadramento jurídico da matéria de facto provada,
conclui-se que esta integra objectiva e subjectivamente, devido ao preenchimento
dos respectivos pressupostos, a prática, pelo arguido e enquanto autor material, de
uma contra-ordenação negligente p.p. nos art°s.2 3, n°.1, e 40, n°.1, al.a), do Código
do Imposto sobre o Valor Acrescentado (C.I.V.A.), e 114, n°.2, e 26, n°.4, do Regime
Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), aprovado pela Lei 15/2001, de 5/6.
A responsabilidade contra-ordenacional própria do arguido, enquanto pessoa
colectiva, deriva do art°.7, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.),
aprovado pela Lei 15/2001, de 5/6.
A contra-ordenação sob apreciação tem características negligentes, dado que
os representantes da sociedade arguida agiram de forma negligente e sem o cuidado
devido, não levando em consideração o regime legal, para efeitos de l.V.A., relativo às
operações efectuadas no exercício da sua actividade (cfr.n°.6 da matéria de facto
provada).
De acordo com a doutrina penalista, determinada conduta considera-se
dolosa sempre que o agente pretenda com a mesma atingir um resultado típico (dolo
directo), ou preveja tal resultado como consequência necessária da sua actuação
(dolo necessário), ou ainda, embora não desejando tal resultado como consequência
directa ou necessária da sua conduta, prossegue, apesar de tudo, a mesma (dolo
eventual). Por sua vez a conduta do agente considera-se meramente negligente
quando o agente não pretende atingir o facto oposto à lei mas age sem a necessária
diligência para o evitar. Para se concluir pela actuação dolosa ou negligente do
agente deve o Tribunal lançar mão do critério da normalidade ou da experiência
comum.
A contra-ordenação p.p. no art°.114, do R.G.l.T., constitui o reverso do crime
de abuso de confiança fiscal p.p. no art°.105, do mesmo diploma. Assim, a não
entrega, total ou parcial, por um período até noventa dias (computados desde o termo
do prazo legal em que a respectiva entrega deve efectuar-se - cfr.art°.40º, do C.I.V.A.),
do imposto devido, constitui a infracção prevista no citado art°.114, do R.G.I.T. Por
sua vez, quando tenham decorrido mais de noventa dias sobre o termo legal do prazo
de entrega da prestação e a conduta seja dolosa, estaremos perante o crime de abuso
de confiança fiscal p.p. no art°.105, do R.G.I.T. (cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira,
Lições de Direito Penal, Parte Geral, l, Editorial Verbo, 1988, pág.206 e seg.; A. José
de Sousa, Infracções Fiscais não Aduaneiras, 2a. edição, Almedina, 1995, pág.136;
Jorge Lopes de Sousa & outro, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado,
Áreas Editora, 2001, pág.617).
Compreender-se-á a razão da medida abstracta da coima prevista no art°.114,
do R.G.I.T. atentando-se na cadeia de deduções em que se baseia o sistema do I.V.A.,
já que o imposto facturado vai dar origem à sua dedução pelo adquirente, mesmo que
não tenha entrado nos cofres do Estado. Estamos, portanto, perante verdadeiras
situações de locupletamento à custa do Erário Público.
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, deve
concluir-se que resulta dos autos a prática pelo arguido da contra-ordenação
negligente referida supra.
Alega o arguido, antes de mais, que deve ser isento do pagamento de coima
ao abrigo do art°.32, n°.1, do R. G. l. Tributárias, dado não ter retirado qualquer
benefício económico da prática da alegada infracção e, por outro lado, não ter a sua
conduta causado qualquer prejuízo à Fazenda Pública e ter regularizado, de imediato,
a situação que originou o aparecimento dos presentes autos. Ou, caso ainda assim
não se entenda, deve aplicar-se ao arguido o regime de atenuação especial da coima
previsto no art°.32, n°.2, do R. G. I. Tributárias.
Atenta a matéria de facto provada, considera o Tribunal que não se encontram
reunidos os três pressupostos cumulativos (de natureza objectiva e subjectiva) de
aplicação do art°.32, do R. G. I. Tributárias (cfr.art°.116, da L.G.Tributária; art°.21, do
R.J.l.F.N.A.), desde logo porque tem antecedentes contra-ordenacionais e da sua
conduta resultou um efectivo prejuízo para a Fazenda Nacional (cfr.n°s.7 e 8 da
matéria de facto provada).
Mais se deve referir que a jurisprudência do Venerando S.T.A.-2ª.Secção, com
a qual concordamos, vai no sentido da não aplicação do art°.32, do R.G.l.Tributárias,
a casos como o dos autos (cfr.ac.S.T.A.-2a.Secção, 7/11/2001, rec.26414; ac.S.T.A.-
2a.Secção, 14/2/2002, rec.25939).
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, deve
concluir-se pela total improcedência dos presentes fundamentos do recurso deduzido
pelo arguido.
Mais pugna, subsidiariamente, o arguido pela aplicação de coima reduzida ao
mínimo previsto na lei.
Atenta a matéria de facto provada e conforme já referido supra, considera o
Tribunal que não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação de coima
mínima ao arguido (a qual se cifra no montante de € 6.921,55), desde logo porque a
conduta do mesmo não revela um diminuto grau de culpa, veto ter antecedentes e da
mesma resultar efectivo prejuízo para a Fazenda Nacional (cfr.n°s.7 e 8 da matéria de
facto provada).
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, deve
concluir-se pela total improcedência do recurso deduzido pelo arguido.
No que respeita à análise da medida abstracta e concreta da coima a aplicar
ao arguido, o Tribunal concorda com o conteúdo do despacho administrativo de
aplicação de coima para onde remete. Por outro lado, face ao princípio da proibição
da "reformatio in pejus", consagrado no art°.72-A, do dec.lei 433/82, de 27/10,
aplicável "ex vi" do art°.3, al.b), do R. G. l. Tributárias, à presente forma de processo
(cfr.art°.409, do C.P.Penal), não podia este Tribunal alterar o referido despacho de
aplicação de coima em prejuízo do arguido, dado só ele ter deduzido recurso da
decisão administrativa, assim devendo manter-se o mesmo, ao que se procederá na
parte dispositiva da presente sentença.
(…)
Face ao exposto, o TRIBUNAL JULGA TOTALMENTE IMPROCEDENTE O
RECURSO e, consequentemente, CONDENA O ARGUIDO "L……… -Q……… , L.DA.",
como autor de uma contra-ordenação negligente relativa ao mês de Agosto de 2001,
p.p. nos artºs.26, nº.1, e 40, nº.1, al.a), do Código do Imposto sobre o Valor
Acrescentado (C.I.V.A.) e 114, nº.2, e 26, nº.4, do Regime Geral das Infracções
Tributárias (R.G.I.T.), em COIMA no montante de OITO MIL CENTO E SESSENTA E
SETE EUROS (€ 8.167,00)
(….)”.
4-DECISÃO:
Termos em que, acordam os juízes deste Tribunal, em negar provimento ao
recurso, confirmando a sentença recorrida, com a presente fundamentação, excepto na
medida da pena que se altera para o montante supra referido.
Lisboa 12/08/2009
ASCENSÃO LOPES
COELHO DA CUNHA
CARLOS ARAÚJO