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Acórdãos STA Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Processo: 01623/13

Data do Acordão: 17-12-2014

Tribunal: 2 SECÇÃO

Relator: ANA PAULA LOBO

Descritores: ISENÇÃO
TRIBUTAÇÃO

Sumário: I – O artº 56.° do Código de imposto sobre o valor acrescentado


determinava à data dos factos em análise que:
«1 - Nos casos de passagem de regime de isenção a um regime de
tributação, ou inversamente, a Direcção-Geral das Contribuições e
Impostos poderá tomar as medidas que julgar necessárias a fim de
evitar que o sujeito passivo em questão usufrua vantagens
injustificadas ou sofra prejuízos igualmente injustificados.
Designadamente, poderá não atender a modificações do volume de
negócios pouco significativas ou devidas a circunstâncias
excepcionais.»
II – Tendo em conta as regras de interpretação da lei constantes do
artº 9º do Código Civil o texto do artigo exprime, de forma inequívoca,
que estamos perante uma faculdade que a Administração Tributária
usará ou, não, consoante entenda que deve evitar prejuízos
significativos seja para o contribuinte seja para o estado originados
pela passagem do regime de isenção para o regime de tributação como
aqui ocorre.
III – A escolha – tomar as medidas que julgar necessárias – compete
exclusivamente à Administração Tributária, no uso de um poder
discricionário, em princípio insindicável em sede judicial.

Nº Convencional: JSTA000P18392

Nº do Documento: SA22014121701623

Data de Entrada: 21-10-2013


Recorrente: A............

Recorrido 1: FAZENDA PÚBLICA

Votação: UNANIMIDADE

Aditamento:

Texto Integral

Texto Integral: Recurso Jurisdicional

Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto


. de 8 de Setembro de 2011 - Julgou improcedente a impugnação
judicial.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal


Administrativo:

A…………, impugnante no proc. 1/03/12, onde pediu a anulação das


liquidações de IVA referentes aos anos de 1999 a 2000, no montante
global de € 2.202,10, montante a que acresceu a quantia de € 109,30 a
título de juros compensatórios, interpôs o presente recurso da decisão
judicial supra mencionada, tendo, para esse efeito formulado, a final
da sua alegação, as seguintes conclusões:

A Impugnação deve ser procedente anulando-se a liquidação de IVA


referente aos anos de 1999 a 2001 fundamentando-se tal anulação no
facto de à agravante dever ser aplicado o art.° 56° n.° 1 a fim de evitar
que sofra prejuízos injustificados, considerando o montante em que
excedeu o limite de isenção por contraponto ao montante de IVA
liquidado nos anos de 1999 a 2001.

As liquidações de IVA são pois ilegais e portanto susceptíveis de


produzir anulação das mesmas.
A liquidação do IVA à agravante viola pois o grande principio
orientador do sistema jurídico fiscal, o principio da igualdade, no que à
igualdade de oportunidades diz respeito

NORMAS VIOLADAS:

O princípio da igualdade e o artigo 56° n.º 1 do CIVA.

Requereu que seja concedido provimento ao recurso e, em


consequência, decidindo-se, pela anulação da liquidação de Imposto
sobre o valor acrescentado respeitante aos anos de 1999 a 2001.

O Magistrado do Ministério Público no seu parecer pugna pela


confirmação da sentença recorrida.

Mostram-se provados, por documento, os seguintes factos com relevo


para a decisão do presente recurso:

a) A impugnante, A…………, iniciou a actividade de “Economista” em 1


de Janeiro de 1997, não tendo apresentado para o efeito a declaração
de início de actividade (cf. informação de fls. 14 do processo
administrativo, doravante apenas PA).

b) Os valores auferidos na sua actividade foram participados em sede


de IRS na sua declaração de rendimentos (cf. fls. 14 do PA).

c) Em Dezembro de 1998, a impugnante ultrapassou o limite de


isenção de 2.000.000$00 declarando, para aquele ano, o montante de
2.030.000$00 (cf. fls. 14 dos autos e depoimento da testemunha
B…………).

d) A impugnante foi enquadrada oficiosamente no Regime Normal


Trimestral de IVA a partir de 01/02/1999, elaborando o Serviço de
Finanças (SF) para o efeito o Boletim de Alteração Oficiosa — BAO —
para inscrição no registo (cf. fls. 14 do PA).

e) A impugnante veio a apresentar no SF as declarações periódicas dos


períodos de 1° trimestre de 1999 ao 2° trimestre de 2001, tendo
procedido ao envio à DSCIVA das declarações periódicas dos 3° e 4°
trimestres de 2001 (cf. fls. 14 do PA e fls. 10 a 20 do processo de
reclamação graciosa).

f) Na sequência do referido em e) foram efectuadas as liquidações de


IVA que vêm impugnadas que perfazem um montante de €2.202,10 de
IVA e €849,00 de juros compensatórios (cf. fls. 14 do PA).

g) A impugnante apresentou um requerimento a solicitar a dispensa do


pagamento do imposto, alegando que, por desconhecimento, não o
liquidou nem repercutiu em terceiros, nem o recebeu dos seus clientes
(cf. fls. 15 do PA).

h) Em 13/05/2002 foram elaboradas informação e parecer,


submetendo-se o pedido a decisão, pedido esse que veio a ser
indeferido pelo Director de Finanças Adjunto da DF do Porto, em
28/11/2002 (cf. doc. de fls. 35 a 36 do processo de reclamação
graciosa).

i) Em 11/06/2002, a impugnante deduziu reclamação graciosa que


também veio a ser indeferida por despacho do Chefe de Finanças de
20/12/2002 (cf. doc. de fls. 38 a 40 do processo de reclamação graciosa
apenso aos autos).

j) A impugnante inconformada com o indeferimento da reclamação


graciosa intentou recurso hierárquico em 03/04/03, que não obteve
resposta (cf. doc. de fls. não numeradas do processo de reclamação
graciosa).

k) Em 25/02/2003, a impugnante deduziu a presente impugnação


judicial (cf. doc. de fls. 2 dos autos).

Factos não provados

Não resultou provado que a impugnante tivesse apresentado em 1997,


tal como alega, a declaração de início de actividade, tanto mais que
não apresentou documento comprovativo de tal alegação e dos
registos oficiais não constava tal declaração, sendo certo que tal prova
a ser feita seria por documento e não por testemunhas.

Questão objecto de recurso:

1- Violação do princípio da igualdade.


2- Violação do disposto no artigo 56º n.º 1 do CIVA.
3-

1. Violação do princípio da igualdade


2.

Invoca o recorrente a violação do princípio da igualdade no que à


igualdade de oportunidades diz respeito, sem contudo alinhar
qualquer argumentação de facto ou de direito que permita perceber
em que se consubstancia tal violação. Não foi indicado, nem de
qualquer modo se consegue apreender que tenha havido qualquer
violação do princípio da igualdade, princípio constitucional que
informa todo o ordenamento jurídico português, por se não apontar
que a mesma situação em que se encontrou a recorrente tenha sido
tratada de forma diversa e injustificada pela administração tributária,
improcedendo, nesta medida, o invocado fundamento do recurso.

2- Violação do disposto no artigo 56° n.º 1 do CIVA

Entende a recorrente que na situação em análise foi violado o disposto


no artº 56º do CIVA porque, tendo o volume de negócios ultrapassado
apenas em 30 000$00 aquele que permitia ao contribuinte ver-se
integrado, em sede de Imposto sobre o valor acrescentado no regime
de isenção, não adoptou a Administração Tributária quaisquer medidas
«a fim de evitar que sofra prejuízos injustificados, considerando o
montante em que excedeu o limite de isenção por contraponto ao
montante de IVA liquidado nos anos de 1999 a 2001» e tal omissão fez
com que os actos de liquidação impugnados enfermem de erro de
facto.
Admitindo que a Administração Tributária era obrigada a adoptar
qualquer medida a fim de evitar que a recorrente sofresse prejuízos
injustificados, seria, desde logo primordial invocar que tais prejuízos
existiram, e, que eram injustificados, dado que uma omissão sem
quaisquer consequências danosas para o contribuinte seria sempre
absolutamente inadequada a fundamentar a anulação de um acto de
liquidação. Desconhecem-se quais os prejuízos que a recorrente
entende decorrerem de forma necessária e directa dessa omissão,
muito menos quais os dados que nos permitiriam qualificá-los de
injustificados. Em abstracto poderíamos considerar que qualquer acto
de liquidação de imposto causa um prejuízo ao contribuinte porque
fará com que afecte uma parte do seu património ao respectivo
pagamento, diminuindo aquele. Mas tal prejuízo não pode ter-se por
injustificado face a um imposto liquidado em conformidade com a lei
para o estado obter receitas públicas que utiliza na satisfação de
necessidades públicas e colectivas.
A impugnante alegou a existência de um lapso no lançamento dos
montantes relativos ao ano de 1998, que fez com que fosse
ultrapassado o limite de isenção de 2.000.000$00, declarando o
montante de 2.030.000$00, e, por isso veio a ser integrada,
oficiosamente no regime de tributação que determinou as liquidações
de Imposto sobre o valor acrescentado nos anos de 1999 a 2001,
apesar de o valor que ultrapassou tal limite ser irrisório.
A sentença recorrida, analisando a questão não considerou ter existido
qualquer lapso de lançamento, indicando até que o «tal lapso» não
correspondia à indicação de um valor desconforme com a realidade
mas a um lapso em, não se tendo apercebido que iria ultrapassar esse
limite, omitir esse valor, ou alterar a declaração de rendimento de
forma a conseguir não ultrapassar o limite de 2.000.000$00.
Aceita, a recorrente que ultrapassou o referido limite, o que significa
que não coloca qualquer questão na sua integração no regime de
tributação.
Apesar de a recorrente ter reclamado graciosa e hierarquicamente,
não colocou perante a Administração Tributária «este indicado
desrespeito, do artº 56º do Código de imposto sobre o valor
acrescentado.
A obrigação essencial do sujeito passivo do imposto sobre o valor
acrescentado é o envio, mensalmente/trimestral, da declaração
relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no
decurso do mês/trimestre precedente, com a indicação do imposto
devido ou do crédito de imposto existente, e dos elementos que
serviram de base ao respectivo cálculo.
Permitia o disposto no artº 53º do Código de imposto sobre o valor
acrescentado que beneficiassem da isenção do imposto os sujeitos
passivos que, não possuindo nem sendo obrigados a possuir
contabilidade organizada para efeitos de IRS ou IRC, nem praticando
operações de importação, exportação ou actividades conexas, não
tenham atingido, no ano civil anterior, um volume de negócios
superior a 2.000.000$00.
O regime especial de tributação dos pequenos contribuintes do IVA,
aprovado e publicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 257-A/96, de 31 de
Dezembro, foi revogado pela L. n.º 4/98, de 12-01-1998.
O artº 56.º do Código de imposto sobre o valor acrescentado
determinava à data dos factos em análise que:

«1 - Nos casos de passagem de regime de isenção a um regime de


tributação, ou inversamente, a Direcção-Geral das Contribuições e
Impostos poderá tomar as medidas que julgar necessárias a fim de
evitar que o sujeito passivo em questão usufrua vantagens
injustificadas ou sofra prejuízos igualmente injustificados.
Designadamente, poderá não atender a modificações do volume de
negócios pouco significativas ou devidas a circunstâncias
excepcionais.»

Tendo em conta as regras de interpretação da lei constantes do artº 9º


do Código Civil assinala-se que o texto do artigo exprime, de forma
inequívoca, que estamos perante uma faculdade que a Administração
Tributária usará ou, não, consoante entenda que deve evitar prejuízos
significativos seja para o contribuinte seja para o estado originados
pela passagem do regime de isenção para o regime de tributação como
aqui ocorre. A escolha – tomar as medidas que julgar necessárias –
compete exclusivamente à Administração Tributária, no uso de um
poder discricionário, em princípio insindicável em sede judicial. Trata-
se de um conceito impreciso que comete ao órgão tributário um juízo
sobre as quais as medidas a adoptar e a oportunidade da sua adopção
assente sobretudo nos elementos de cada situação concreta. A
margem de autonomia que a administração tributária desfruta na
avaliação dessas medidas necessárias não é total estando delimitado
pela imposição de um fim do qual não pode desviar-se, sendo que a
margem de autodeterminação sempre haverá de ser presidida por
princípios jurídicos, como a imparcialidade e proporcionalidade.
A passagem do regime de isenção ao regime de tributação por o
volume de negócios ter sido ultrapassado em 30 000$00 tem assento
legal, não havendo a recorrente apontado a violação de qualquer
princípio jurídico com a atitude omissiva adoptada.
Na sua perspectiva haveria «um erro de facto» na liquidação por a
Administração Tributária ter obrigação de não liquidar o imposto em
falta, o que constitui interpretação sem qualquer assento no texto
legal do referido artigo 56º do Código de imposto sobre o valor
acrescentado, na versão vigente à data dos factos.
A interpretação dos citados preceitos efectuada na sentença face ao
que se provou, nenhuma censura nos merece, o que determina a
improcedência do recurso.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário


do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso,
e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2014. – Ana Paula Lobo (relatora) –


Casimiro Gonçalves – Pedro Delgado.

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