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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

4ª CÂMARA CÍVEL

Autos nº. 0012036-21.2021.8.16.0001

Apelação Cível n° 0012036-21.2021.8.16.0001


2ª Vara Cível de Curitiba
Apelante(s): CLAUDIA GOBETTI DA SILVA, SPE PARQUE ECOVILLE – EMPREENDIMENTO
IMOBILIÁRIOS S.A., GAFISA S/A e PAULO PEREIRA DA SILVA
Apelado(s): CLAUDIA GOBETTI DA SILVA, SPE PARQUE ECOVILLE – EMPREENDIMENTO
IMOBILIÁRIOS S.A., GAFISA S/A e PAULO PEREIRA DA SILVA
Relator: Juiz Subst. 2ºGrau Márcio José Tokars

APELAÇÕES CÍVEIS (1) E (2). AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C


/C REPARAÇÃO DE DANOS. SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA. APELO (1). CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. APLICABILIDADE NA RELAÇÃO DE COMPRA E
VENDA DE IMÓVEL POR MEIO DE CONTRATO ENTRE A PESSOA
FÍSICA E A INCORPORADORA. ATRASO NA ENTREGA DO
EMPREENDIMENTO. MORA CONFIGURADA. ULTRAPASSADO O
PERÍODO PARA A ENTREGA DO IMÓVEL PARA ALÉM DO PRAZO
DE TOLERÂNCIA DE 180 DIAS. ALEGAÇÃO DE FORÇA MAIOR
NÃO DEMONSTRADA. PANDEMIA DA COVID-19 POSTERIOR AO
COMUNICADO DE ATRASO NA EXECUÇÃO DA OBRA. ÍNDICE DE
CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR DURANTE O PERÍODO DE
MORA DO FORNECEDOR. IPCA. PRECEDENTE. TEMA N.º 996/STJ.
DANOS MORAIS. NÃO CABIMENTO. SENTENÇA REFORMADA
NESSE PONTO. RECURSO (1) PARCIALMENTE PROVIDO. APELO
(2). MULTA MORATÓRIA. NÃO CUMULAÇÃO COM LUCROS
CESSANTES, NOS TERMOS DO TEMA 970 DO STJ. RECURSO (2)
NÃO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 0012036-
21.2021.8.16.0001, 2ª Vara Cível de Curitiba, em que é Apelante (1) SPE Parque Ecoville
Empreendimentos Imobiliarios LTDA e Gafisa S.A., Apelante (2) Paulo Pereira da Silva e
Claudia Gobetti da Silva e Apelados OS MESMOS.

I – RELATÓRIO:

Trata-se de Apelações Cíveis (1) e (2), a primeira interposta por SPE


Parque Ecoville Empreendimentos Imobiliários LTDA. e Gafisa S.A. e a segunda por Paulo
Pereira da Silva e Claudia Gobetti da Silva, em face da r. sentença proferida nos Autos nº
0012036-21.2021.8.16.0001 de ação revisional de contrato c/c reparação de danos (mov.
75.1), a qual julgou a demanda parcialmente procedente.

Em suas razões recursais (mov. 81.1), os Apelantes SPE Parque Ecoville


Empreendimentos Imobiliários LTDA. e Gafisa S.A. alegam: a) a inaplicabilidade da legislação
consumerista, pela ausência de verossimilhança; b) a excludente da Responsabilidade Civil
pelo atraso na entrega da obra, apontando a existência de caso fortuito, em razão da
pandemia do COVID-19; c) a impossibilidade da revisão contratual por força da pacta sunt
servanda, da intangibilidade contratual, sustentando que o contrato é isonômico entre as
partes; d) a impossibilidade da revisão do índice do salvo devedor, devendo permanecer a
manutenção do INCC, pois totalmente lícito; e) a impossibilidade de restituição dos valores
condominiais pagos, pelo fato dos Apelados serem legítimos proprietários; f) a impossibilidade
da inversão da cláusula penal 5.1, 5.2, 5.4.1 e 5.4.2.1, pois, acarretaria enriquecimento ilícito
aos Apelados; e g) a ausência de danos morais suportados pelos Apelados, sendo apenas um
mero aborrecimento do cotidiano.

Assim, requerem seja o presente recurso provido para afastar as


condenações decorrentes do suposto atraso na entrega das unidades, tais como: revisão do
índice de correção monetária, restituição dos valores pagos a título de taxas condominiais, ao
pagamento da cláusula penal por descumprimento do contrato, bem como afastar a
condenação danos morais para cada um dos autores.

Por sua vez, Paulo Pereira da Silva e Claudia Gobetti da Silva alegam,
em suas razões de mov. 97.1, que: a) a ação originária remete a um contrato de adesão
composto por inúmeras irregularidades e, ao contrário do que preveem as normas
consumeristas, suas cláusulas estabelecem situação de manifesto desequilíbrio entre as
partes, sobretudo porque, em caso de inadimplemento das obrigações, atribuem encargos e
penalidades severas aos Compradores e brandas às Fornecedoras; b) apesar de reconhecer o
desequilíbrio contratual, o juízo a quo aplicou a cláusula penal moratória, contudo, nada falou
sobre a aplicação da multa moratória, e, tampouco, especificou qual os juros de mora no
período em que os apelantes permaneceram sem poder utilizar sua unidade. E, ainda, mesmo
sem aplicar as devidas penalizações para os apelados, ainda afastou os lucros cessantes em
substituição às referenciadas penalizações não aplicadas.

Requerem os apelantes a total procedência do presente recurso, para


que este E. Tribunal, reforme a r. sentença para declarar a nulidade das cláusulas contratuais
abusivas, caso não seja este o entendimento, que sejam os encargos e penalidades
decretados nas cláusulas 5.1, 5.2, 5.4.1 e 5.4.2.1, aplicados para ambas as partes de forma
isonômica, condenando-se os apelados ao pagamento em favor dos apelantes dos juros de
mora e multa moratória reconhecidos como válidos para compradores e vendedores, indicando-
se a respectiva base de cálculo, a exemplo da multa moratória de 2% (dois por cento)
incidente sobre o valor da dívida vencida e não pago e os juros de mora mensal no percentual
de 1% (um por cento) do preço de venda atualizado, mensalmente e por todo o período de
indisponibilidade.

Contrarrazões apresentadas nos movs. 104.1 – 1º Grau e 21.1 - TJPR.

É o relatório.

II – VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Trata-se de ação declaratória de abusividade de cláusulas contratuais


cumulada com indenização por danos morais, perdas e danos e pedido de tutela de urgência,
na qual Paulo Pereira da Silva e Claudia Gobetti da Silva alegam, em síntese, que, em 30/10
/2017, firmaram compromisso de compra e venda de imóvel na planta com as rés, relativo à
unidade 117 da Torre Passaúna do empreendimento SPE Parque Ecoville, que teria previsão
de entrega para dezembro de 2019, somando o prazo de tolerância de 180 dias, computou-se
a nova data para junho de 2020.

Sustentam que, não obstante a expressa previsão em questão, foram


surpreendidos com diversas alterações contratuais unilaterais promovidas pelas rés a fim de
estender o prazo de entrega. Informam que, junto com outros adquirentes, foi formada uma
comissão para exigir das rés o adimplemento definitivo e o congelamento do saldo devedor
desde a data em que se iniciou a mora (01/06/2020) até a efetiva entrega do bem, sendo que
após algumas reuniões, o único avanço foi o congelamento do saldo devedor a partir de
janeiro de 2021, o que não é suficiente para paralisar os efeitos danosos. Aduzem que desde
abril de 2021 estão sendo indevidamente cobrados pelos valores de Condomínio, sendo que,
sequer houve a entrega da individualização das matrículas.

Diante disso, pleitearam, liminarmente, a) pelo congelamento do saldo


devedor desde dezembro de 2019 ou ao menos desde junho de 2020, ou subsidiariamente,
que seja substituído os índices pelo IPCA (ou outro mais benéfico ao consumidor) e b)
determinar que, até o adimplemento integral das obrigações pelas rés ora apelantes, haja
impedimento de cobrança de cotas condominiais em desfavor das apeladas, bem como que as
apelantes paguem os valores mensais decorrentes da impossibilidade de utilização da
Unidade Autônoma, nos termos da cláusula 5.4.2.1, no valor de R$ 5.950,00 (cinco mil
novecentos e cinquenta) ou, subsidiariamente, o pagamento de aluguéis, cujo valor estimado é
de R$ 3.300,00 (três mil e trezentos reais), mensais.

No mérito, pugnam pela declaração de nulidade das cláusulas 7.1.2.1 e


7.1.4 e correlatas, com a finalidade dos encargos e penalidades decretados nas cláusulas 5.1,
5.2, 5.4.1 e 5.4.2.1 sejam aplicadas a ambas as partes de forma isonômica, bem como pela
declaração de atraso desde dezembro/2019 ou junho/2020; danos materiais e lucros
cessantes, nos termos da cláusula 5.4.2.1, no valor de R$ 5.950,00, gerando um valor total de
R$ 107.100,00 ou, subsidiariamente, o pagamento de aluguéis, cujo valor estimado é de R$
3.300,00 mensais, o que geraria um valor total de R$ 59.400,00; danos materiais por
contratação de advogado R$ 3.000,00; danos morais R$ 20.000,00; atualização de todos e
juros de 1% desde a data do inadimplemento.

No entanto, a r. sentença julgou parcialmente procedente os pedidos


autorais para:
“a) reconhecer o atraso na entrega do imóvel e a mora das rés desde 01/06/2020;

b) revisar o índice de correção monetária do contrato a fim de que seja aplicado o IPCA no período de mora,

determinando a restituição do valor monetário correspondente à diferença entre os indexadores em questão,

quantia que deverá ser corrigida monetariamente pelo INPC/IGP-DI desde o desembolso e acrescidos de juros de

mora de 1% ao mês desde a citação;

c) determinar a restituição dos valores pagos pela parte demandante a título de condomínio no período de mora,

devidamente corrigidos pelo INPC/IGP-DI desde o desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês

desde a citação;

d) condenar solidariamente as requeridas ao pagamento do valor correspondente à cláusula penal por

descumprimento do contrato, corrigida monetariamente pelo INPC/IGP-DI desde a data do inadimplemento e

acrescidos de juros de mora de 1% desde a citação;

e) condenar solidariamente as rés ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10.000,00 para

cada um dos autores, corrigidos monetariamente pelo INPC/IGP-DI desde a presente data, e acrescidos de juros

de mora de 1% desde a citação.”

Da r. sentença recorrem ambas as partes. Passo à análise de mérito de


ambos os recursos.

DA APELAÇÃO CÍVEL DE SPE PARQUE ECOVILLE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS


LTDA. E GAFISA S.A.

Da Aplicabilidade Do Código De Defesa Do Consumidor

De início, ressalta-se a necessidade da aplicação do Código de Defesa


do Consumidor ao caso, eis que a natureza do negócio jurídico celebrado entre as partes é de
compromisso de compra e venda no qual o vendedor constitui sociedade com o objetivo de
comercializar imóvel e o comprador o adquire como destinatário final, nos termos do artigo 2º
do CDC:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.
Outrossim, o art. 3º do mesmo diploma legal estabelece que é fornecedor
a pessoa jurídica privada, que desenvolve a atividade de construção. Concomitantemente,
frisa-se que o § 1º, do mesmo dispositivo, expressamente enquadra como produto qualquer
bem imóvel:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

Assim, afasto a alegação de inaplicabilidade do Código de Defesa do


Consumidor, uma vez que devidamente preenchidos os requisitos legais para tal
caracterização, devendo ser mantido o julgado sob a ótica da legislação consumerista.

Da Responsabilidade Civil Objetiva Do Fornecedor

Quanto ao reconhecimento da mora dos réus, por não terem efetuado a


entrega do imóvel no tempo fixado no contrato, mesmo depois de já esgotado o prazo de
tolerância de 180 dias, a sentença também se mostra escorreita.

Alegam, que não há atraso na entrega da obra, uma vez que no item 7.1
do instrumento particular de compra e venda e outras avenças, firmado entre as partes, há
previsão expressa de que no prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias não se inclui o
tempo necessário para execução de serviços extraordinários, acessórios e complementares,
motivos de força maior e de origens alheias à vontade dos apelantes.

Os apelantes alegam que o atraso se deu em razão da pandemia da


COVID-19, e que a MMª Juíza a quo entendeu que esse fato não configura força maior.

Entretanto, a alegação dos apelantes no sentido de que o atraso na


finalização do empreendimento se deu em virtude da pandemia é desprovida de elementos
mínimos indicando tal circunstância, isso porque as restrições decorrentes da pandemia
iniciaram-se em março de 2020, quando já decorrido o prazo contratual (01/12/2019), ou seja,
já se estava em período de tolerância quando a pandemia iniciou-se e a ré não demonstrou
que teria concluído o empreendimento.
Além disso, conforme alegado pela parte autora, a parte ré já havia
informado, em setembro/2019, a existência de um novo cronograma para execução e
finalização da obra, visto que a parte ré foi impactada ‘por influências externas e internas
ligadas à gestão anterior da Companhia’ (mov. 1.12 – 1º Grau), sendo que a previsão para
retomada da construção seria até outubro de 2019 e para a emissão do habite-se seria até
outubro de 2020.

As novas datas informadas, por si só, já iriam em sentido contrário aos


prazos pactuados, ultrapassando, inclusive, o prazo de tolerância.

Com efeito, quando iniciou a pandemia, os apelantes já se encontravam


em mora em relação à entrega do imóvel, como se constata do comunicado enviado ao
apelado, datado de 02/09/2019, noticiando a nova gestão do empreendimento e o novo
cronograma para finalização da obra, por questões relativas à gestão anterior. (mov. 1.12 – 1º
Grau)

Assim, vislumbra-se que a apelante já estava efetivamente em mora


anteriormente à pandemia da COVID-19, não tendo trazido aos autos qualquer elemento apto
a demonstrar que a situação pandêmica teria influenciado no atraso para a entrega da obra,
não restando configurada a alegada força maior.

Destarte, não comporta reforma a sentença neste aspecto.

Da Substituição Do INCC Pelo IPCA

Sob a ótica da pacta sunt servanda sustentam os apelantes a


impossibilidade da revisão do índice de correção do saldo devedor – quer seja o INCC – pois,
expressamente estabelecido em contrato, sendo o índice legítimo aplicável ao caso.

Entretanto, neste ponto também não assiste razão ao apelo, uma vez que
completamente desprovido de fundamento. Nesta seara, cumpre destacar a tese fixada pelo
Tema repetitivo nº 996, item 1.4, do Superior Tribunal de Justiça:

Tema 996 do STJ: 1.4. O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de
tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador
setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando
este último for mais gravoso ao consumidor.
Outrossim, novamente frisa-se que é direito básico do consumidor a
modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam relação excessivamente onerosa, nos
moldes do inciso V, do art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão
em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

A jurisprudência pátria acerca do tema, adota a correção monetária sob


incidência do IPCA, em consonância com o entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA INDENIZATÓRIA. ATRASO NA ENTREGA DE OBRA.


SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. [...] 3. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. ATRASO NA
ENTREGA DA OBRA. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. VALIDADE. PREVISÃO LEGAL.
IMÓVEL ENTREGUE AO CONSUMIDOR APÓS O DECURSO DO PRAZO ESTIMADO MESMO
CONSIDERANDO O PERÍODO DE TOLERÂNCIA. ATRASO CONFIGURADO. MORA DO
FORNECEDOR DEVIDAMENTE COMPROVADA. 4. ÍNDICE DE CORREÇÃO DO SALDO
DEVEDOR DURANTE O PERÍODO DE MORA DO FORNECEDOR. SUBSTITUIÇÃO DO
INCC PELO IPCA. PRECEDENTE. TEMA N.º 996/STJ. 5. LUCROS CESSANTES. CABIMENTO.
O ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DA OBRA GERA O DEVER DE INDENIZAR O
PREJUÍZO SOFRIDO. DESNECESSIDADE DE PROVA DO DANO. PRECEDENTES.
IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM CLÁUSULA PENAL. TEMAS N.º 970 E N.º 971/STJ.
RESPEITO À FACULDADE DE ESCOLHA DO CONSUMIDOR. MANIFESTA PREFERÊNCIA
PELOS LUCROS CESSANTES. 6. COBRANÇA DA COMISSÃO DE CORRETAGEM. VALIDADE.
DEVER DE INFORMAÇÃO OBSERVADO NO CASO CONCRETO. RECURSO
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA N.º 938/STJ. 7. TAXA DE INTEVENIÊNCIA.
TENTATIVA DE FORÇAR A CONTRATAÇÃO DE FINANCIAMENTO COM DETERMINADA
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DE ESCOLHA. COBRANÇA
INDEVIDA. 8. ATUALIZAÇÃO IRREGULAR DO SALDO DEVEDOR QUE REFLETE NA BASE
DE CÁLCULO DO IMPOSTO RECOLHIDO. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DA DIFERENÇA
APURADA. 9. DANOS EMERGENTES. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DOS DANOS ALEGADOS
PELO CONSUMIDOR. 10. DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PROVAS DE CIRCUNSTÂNCIAS
EXCEPCIONAIS CAPAZES DE LESAR OS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS DO CONSUMIDOR.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE. (TJPR - 3ª C.Cível - 0055368-19.2013.8.16.0001 - Curitiba - Rel.:
DESEMBARGADORA LIDIA MATIKO MAEJIMA - J. 07.10.2022) (destaquei)
Assim, deve ser mantida a r. sentença que corretamente determinou a
substituição do INCC pelo IPCA sobre o saldo devedor.

Da Restituição Dos Valores Condominiais Pagos

Os apelantes alegam que não há que se falar em restituição dos valores


pagos pela parte demandante a título de condomínio no período de mora, uma vez que
expressamente pactuado no contrato objeto, assim como por força do que dispõe o Código
Civil, a partir do art. 1.314. Sem razão.

O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações


condominiais não é o registro do compromisso de compra e venda, mas a relação jurídica
material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela
ciência inequívoca do condomínio acerca da transação.

Nesse sentido, imperioso destacar que os apelados simplesmente não


usufruíram do imóvel comprado, pois, a obra estava em atraso. Portanto não detinham posse
do bem para dispor e usufruir.

Assim, deve ser mantida a condenação de restituição dos valores pagos


a título de condomínio anteriores a entrega das chaves.

Dos Danos Morais

Por fim, sustentam os apelantes a ausência de fundamento por parte dos


apelados que enseje danos morais, bem como afirma que a fixação do quantum indenizatório é
exorbitante, pois, a indenização por danos morais não tem caráter punitivo.

Com razão. O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente, decidido


que o mero inadimplemento contratual, consistente no atraso ou na frustração pela não
entrega do imóvel – como na espécie – não gera, por si só, dano moral indenizável.

O comprador, mesmo diante de relações sobre as quais incide o Código


de Defesa do Consumidor, apenas faz jus à indenização caso comprove consequências fáticas
excepcionais, que repercutam na sua esfera existencial – não mencionadas no caso em
apreço.

Confira-se, a propósito, s seguinte precedente:


“O mero atraso na entrega do imóvel é incapaz de gerar abalo moral indenizável, sendo necessária a

existência de uma consequência fática capaz de acarretar dor e sofrimento indenizável por sua

gravidade” (STJ. AgInt no AREsp 1692558/AL, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA,

QUARTA TURMA, julgado em 23/11/2020) Consoante jurisprudência firmada por esta Corte

Superior, o atraso da promitente vendedora em entregar o imóvel no prazo contratual,

injustificadamente, não acarreta, por si só, danos morais. No caso dos autos, constata-se que, ainda

que o imóvel tenha sido entregue com atraso, o Tribunal de origem não apontou qualquer elemento

que demonstrasse que o fato teria afetado, de maneira excepcional, o direito da personalidade do

agravante, não havendo que se falar, portanto, em abalo moral indenizável”. (STJ. AgInt no REsp

1882129/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 23/11/2020)“

Assim, na esteira da jurisprudência dominante, não se revela suficiente,


para caracterização do dano moral, mero inadimplemento contratual, sem haver qualquer
excepcionalidade caracterizadora de abalo moral, de modo que, ainda que não efetivada a
entrega do imóvel, tal fato, de per si, não rende ensejo à postulada indenização.

Dessa forma, reforma-se esse capítulo da sentença, julgando


improcedente o pedido de indenização por danos morais.

DA APELAÇÃO CÍVEL DE PAULO PEREIRA DA SILVA E CLAUDIA


GOBETTI DA SILVA

Da Cumulação Da Cláusula Penal Com Lucros Cessantes

Entendo que a cláusula penal moratória tem natureza sancionatória e não


indenizatória, configurando forma de coagir o contratante em mora a cumprir o contrato.
Diferencia-se ela, assim, da cláusula penal compensatória, que incide nas hipóteses de
inadimplemento completo e absoluto do contrato e tem por finalidade a reparação dos
prejuízos suportados pela parte inocente.

São as lições retiradas da doutrina: “Diz-se que a cláusula penal é


moratória quando se aplica em virtude de mora do devedor e sem prejuízo da exigência da
prestação principal. (...) À cláusula penal moratória em geral é imputada a finalidade de coagir
ao cumprimento, como é característico da cláusula penal puramente coercitiva, pois em ambas
a pena é acrescida à prestação principal, não tendo caráter substitutivo”. (MARTINS-COSTA,
Judith. Comentários ao Novo Código Civil, Vol. V, Tomo II (Coordenador Sálvio de Figueiredo
Teixeira). 2ª ed., p. 623)
Ocorre que o STJ, ao julgar os Recursos Especiais nº 1.635.428/SC e
1.498.484/DF, adotou a compreensão de que a cláusula penal moratória teria natureza
indenizatória – dando tratamento similar ao dispensado para a cláusula penal compensatória –
concluindo que ela serviria para reparar os prejuízos que a parte inocente sofre com a mora do
outro contratante (Tema 970). Confira-se: “A cláusula penal moratória tem a finalidade de
indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor
equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes”.

Logo, em razão do que decidido pelo STJ, em sede de recurso repetitivo,


perfeitamente aplicável a multa penal moratória em desfavor das requeridas na hipótese.
Contudo, não há possibilidade de cumulação de cláusula penal moratória com indenização por
lucros cessantes decorrentes da não fruição do imóvel durante o período de mora.

O contrato para fins de incidência da multa moratória deve ser atualizado


pela média aritmética entre o INPC e o IGP-DI.

Diante do exposto, voto por conhecer e dar provimento em parte ao


recurso de apelação (1) interposto por SPE PARQUE ECOVILLE EMPREENDIMENTOS
IMOBILIÁRIOS LTDA. E GAFISA S.A., para afastar a indenização por danos morais, e por
conhecer e negar provimento ao recurso de apelação (2) interposto por PAULO PEREIRA DA
SILVA E CLAUDIA GOBETTI DA SILVA.

Mantenho as verbas de sucumbência conforme fixada na r. sentença


diante da sucumbência mínima da parte autora.

Quanto aos honorários recursais, o STJ (nos recursos AgInt no EREsp


1539725 / DF, j. 19.10.2017, 2ª Seção, rel. Antônio Carlos Ferreira e EDcl no REsp 1.573.573,
j. 04.04.2017, 3ª T. do STJ, rel. Min. Marco Bellizze), estabeleceu os requisitos legais para a
sua fixação, quais sejam: (i) o recurso deverá desafiar decisão publicada a partir de 18 de
março de 2016 (enunciado 7 do STJ); (ii) o não conhecimento integral ou o desprovimento do
recurso pelo relator monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; (iii) a verba
honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;
(iv) não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de
declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não
provido; (v) não terem sido atingidos os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC
/15; e (vi) não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no
grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba.

Com base nisso, diante do provimento parcial do recurso interposto por


SPE PARQUE ECOVILLE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. E GAFISA S.A.,
inaplicável a regra prevista no art. 85, § 11, do CPC/15.

Ante o não provimento do recurso de PAULO PEREIRA DA SILVA E


CLAUDIA GOBETTI DA SILVA, majora-se em 2% (cinco por cento) a verba honorária arbitrada
na sentença em seu desfavor.

III - DECISÃO:

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 4ª Câmara Cível do


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O
RECURSO DE PARTE E NÃO-PROVIDO o recurso de CLAUDIA GOBETTI DA SILVA, por
unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E PROVIDO EM PARTE o
recurso de GAFISA S/A, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE
E PROVIDO EM PARTE o recurso de SPE PARQUE ECOVILLE EMPREENDIMENTO
IMOBILIÁRIOS S.A., por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO O RECURSO DE PARTE E
NÃO-PROVIDO o recurso de PAULO PEREIRA DA SILVA.

O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Abraham Lincoln


Merheb Calixto, com voto, e dele participaram Desembargador Substituto Márcio José Tokars - Auxiliar
Da 1ª Vice-presidência (relator) e Desembargador Clayton De Albuquerque Maranhão.

28 de abril de 2023

Juiz Subst. 2ºGrau Márcio José Tokars

Juiz (a) relator (a)

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